diff --git "a/homem_bab.txt" "b/homem_bab.txt" new file mode 100644--- /dev/null +++ "b/homem_bab.txt" @@ -0,0 +1,5755 @@ +didi + + +" fai e a E Rs E SE E Têm +"e O ia ent LEE +E a i +- na + + +CECNCE 1. (SLASON + + += e o — == -— -—-— = + + +DO O a O + + +() HOMEM + + +MAIS RICO DA +BABILÔNIA + + +Ea ELI id +E | as = 'u OG Coe Eq ——— emas, pg TR À E E +o] Bro mn +a du ! +a o" + + + + + +/ + + + + + +À nossa frente estende-se o futuro como uma estrada que se perde na distância. +Ao longo dela há ambições que queremos realizar... desejos que queremos +satisfazer. + + +Para ver concretizadas essas ambições e desejos, precisamos ser bem-sucedidos +em relação ao dinheiro. Use os princípios financeiros apresentados nas páginas +que se seguem. Deixe que eles o tirem das dificuldades acarretadas por uma +carteira vazia e lhe proporcionem a vida plena e feliz que uma carteira cheia +pode tornar possível. Como a lei da gravidade, esses princípios são universais e +imutáveis. Espero que lhe propiciem, como o fizeram para muitos outros, os +meios eficazes para uma carteira cheia, uma bela conta bancária e um +satisfatório progresso financeiro. + + +O Autor e Seu Livro + + +GEORGE SAMUEL CLASON nasceu em Louisiana, Missouri, em 7 de +novembro de 1874. Fregúentou a University of Nebraska e serviu no exército +americano durante a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos. + + +Começando uma longa carreira no mundo editorial, fundou a Clason Map +Company of Denver, Colorado, e publicou o primeiro atlas rodoviário dos +Estados Unidos e do Canadá. Em 1926, lançou o primeiro de uma série de +panfletos sobre economia e sucessos financeiros, usando parábolas +ambientadas na antiga Babilônia para ilustrar suas lições. Tais panfletos eram +distribuídos em grandes quantidades pelos bancos, companhias de seguros e +empregadores e tornaram-se familiares a milhões de pessoas, o mais famoso +sendo O homem mais rico da Babilônia, a parábola-título deste livro. Estas +“parábolas babilônicas” tornaram-se um clássico moderno entre os livros de +auto-ajuda. + + +Prefácio + + +NOSSA PROSPERIDADE como nação depende de nossa prosperidade +financeira como indivíduos. + + +Este livro lida com o sucesso de cada um de nós. Sucesso quer dizer realizações +como o resultado de nossos próprios esforços e aptidões. Uma preparação +adequada é a chave para o sucesso. + + +Nossos atos podem não ser tão criteriosos quanto nossos pensamentos. Nosso +modo de pensar pode não ser tão judicioso quanto nossa compreensão. + + +Este livro, que apresenta soluções para a falta de dinheiro, tem sido considerado +um guia para o entendimento financeiro. Seu propósito é realmente este: +oferecer áqueles que ambicionam o sucesso financeiro um insight que os +ajudará a ganhar dinheiro, poupá-lo e fazer com seus lucros ainda mais +dinheiro. + + +Nas páginas seguintes voltamos no tempo à Babilônia, o berço onde foram +alimentados os princípios básicos de finanças agora reconhecidos e usados no +mundo inteiro. + + +O autor sente-se feliz em estender a seus novos leitores o desejo de que estas +páginas possam conter para eles a mesma inspiração para o crescimento da +conta bancária, sucessos financeiros estrondosos e a solução de problemas +pessoais com o dinheiro tão entusiasticamente relatados por leitores de costa a +costa dos Estados Unidos. + + +A todos os homens de negócios que distribuíram estas narrativas em tão +generosas quantidades a amigos, parentes, em-pregados e associados, o autor +aproveita a oportunidade para expressar-lh es sua gratidão. Nenhum respaldo +pode ser mais valioso do que o desses homens práticos que apreciaram seus +ensinamentos, porque eles, por si mesmos, conseguiram importantes êxitos ao +aplicar os princípios verdadeiros que o presente livro defende. + + +A Babilônia tornou-se a cidade mais opulenta do mundo antigo porque seus +cidadãos eram o povo mais rico de sua época. Eles sabiam estimar o valor do +dinheiro e praticavam princípios financeiros saudáveis na aquisição de dinheiro, +na idéia de poupá-lo e de fazer com que suas economias produzissem mais +dinheiro ainda. Conseguiam para si mesmos o que todos nós hoje desejamos... +uma renda para o futuro. + + +G. 8. €. + + +O dinheiro é o meio através do qual se avalia o sucesso terreno. +O dinheiro torna possível o gozo das melhores coisas que a terra pode oferecer. + + +O dinheiro é abundante para aqueles que compreendem as leis simples que +governam sua aquisição. + + +O dinheiro é hoje governado pelas mesmas leis que o controlavam quando, há +seis mil anos, homens prósperos enchiam as ruas da Babilônia. + + +O Homem que Desejava Ouro + + +BANSIR, o fabricante de carruagens da Babilônia, achava-se completamente +desanimado. + + +Sentado no muro baixo que cercava sua propriedade, contemplava com tristeza +a habitação humilde e a oficina aberta onde se podia ver uma carruagem em +fase de acabamento. + + +De tempos em tempos, a esposa surgia na porta da casa. O olhar furtivo que lhe +endereçava nesses momentos lembrava-o de que a despensa estava quase vazia +e que ele devia estar trabalhando para terminar o serviço encomendado, +martelando aqui, cortando ali, lixando e pintando, esticando o couro para +forrar os aros das rodas, em suma, preparando o veículo para a entrega, a fim +de que pudesse receber o pagamento de seu rico cliente. + + +Não obstante, seu corpo robusto e musculoso permanecia apaticamente sobre o +muro. Seu raciocínio lento ocupava-se com um problema cuja resposta não +conseguia encontrar. O sol abrasador, tão comum no vale do Eufrates, +castigava-o sem contemplação. Gotas de suor formavam-se acima de suas +sobrancelhas e pingavam despercebidas para se perderem na mata cerrada de +seu peito. + + +Além de sua casa, erguiam-se as altas muralhas em terrapleno que cercavam o +palácio do rei. + + +Próximo, espetando o céu azul, ficava a colorida torre do Templo de Bel. À +sombra de tanta grandeza achava-se sua moradia e tantas outras muito menos +limpas e bem-cuidadas. A Babilônia era assim — uma mistura de grandeza e +miséria, de riqueza ostentatória e mendicidade, tudo convivendo sem plano ou +sistema dentro das muralhas protetoras da cidade. + + +Atrás dele, se apenas tivesse o cuidado de voltar-se e olhar, as barulhentas +carruagens do rico passavam aos solavancos e obrigavam a sair do caminho +tanto o comerciante de sandálias quanto os mendigos de pés descalços. Até o +rico era forçado a buscar a sarjeta para dar passagem às longas filas de +escravos carregadores de água, todos a serviço do rei, cada qual transportando + + +pesados sacos de pele de cabra cheios d “água para regar os jardins suspensos. + + +Bansir achava-se muito absorvido por seu próprio problema para ouvir ou +prestar atenção ao confuso burburinho da atarefada cidade. Foi uma repentina +sucessão de acordes de uma lira familiar que o arrancou ao devaneio. Ele virou +a cabeça e deu de cara com o rosto delicado e sorridente de seu melhor amigo +— Kobbi, o músico. + + +— Possam os deuses abençoá-lo com grande generosidade, meu bom amigo — +começou Kobbi, numa saudação rebuscada. + + +— Entretanto, parece que já o fizeram, pois não o vejo entregue ao trabalho. +Regozijo-me com você por sua boa sorte. Mais ainda, gostaria de compartilhar +isso com você. Por favor, dessa sua bolsa que deve estar abarrotada, pois do +contrário você se encontraria na oficina, me empreste dois humildes siclos, que +devolverei logo após o banquete dos nobres esta noite. Você não chegará a +sentir a falta deles. + + +— Se eu tivesse dois siclos — respondeu Bansir, melancolicamente —, não +poderia emprestá-los a ninguém, nem mesmo a você, que é o meu melhor amigo; +pois eles constituiriam minha fortuna, toda a minha fortuna. Ninguém empresta +o único dinheiro que possui, nem mesmo para o melhor amigo. + + +— O quê!? — exclamou Kobbi, realmente surpreso. — Não tem um único siclo +na algibeira, e fica postado como uma estátua sobre este muro! Por que não +terminou a carruagem? Como pode sustentar o seu raro apetite? Isso não é +normal em você, meu amigo. Onde está sua inesgotável energia? Alguma coisa +aconteceu com você? Trouxeram-lhe os deuses algum infortúnio? + + +— Deve ser mesmo um tormento dos deuses — disse Bansir, concordando. — +Tudo começou com um sonho, um sonho sem sentido onde me via como um +homem de posses. De meu cinturão pendia um belo saco, pesado de tanta +moeda. Dali retirava punhados de siclos, que eu lançava, com uma liberalidade +descuidosa, aos mendigos; havia moedas de prata com que eu comprava +presentes para a esposa e o que bem desejasse para mim mesmo; havia moedas +de ouro que me trangiiilizavam quanto ao futuro e me deixavam sem medo de +gastar à vontade as moedas de prata. Uma sensação magnífica de +contentamento enchia o meu peito! Você não teria reconhecido o seu velho e + + +diligente amigo. Como não teria reconhecido minha mulher, com suas faces +saudavelmente rosadas e sem rugas. Ela era novamente a mocinha sorridente de +nossos primeiros anos de casados. + + +— Um sonho agradável, sem dúvida — comentou Kobbi —, mas por que +deveriam essas sensações tão prazerosas deixá-lo apático e deprimido como +agora? + + +— Por que, realmente! Porque, quando acordei e me lembrei de que não tinha +um centavo sequer, um sentimento de revolta tomou conta de mim. Vamos +conversar um pouco sobre isso, pois, como dizem os marinheiros, estamos no +mesmo barco, nós dois. Quando meninos, fomos juntos aos sacerdotes do +Templo buscar sabedoria. Na juventude, divertimo-nos um bocado. Gomo +homens feitos, mantivemo-nos amigos íntimos. Temos sido de algum modo +súditos conformados. Temos nos contentado em trabalhar longas horas e gastar +nossos ganhos livremente. Conseguimos muito dinheiro nos últimos anos, mas só +em sonhos poderíamos conhecer as alegrias decorrentes da riqueza. Ora! Não +passamos de duas ovelhinhas pacatas! Vivemos na mais rica cidade do mundo. +Os viajantes costumam dizer que nenhuma outra se iguala a ela em +prosperidade. Tanta ostentação de riqueza nas nossas barbas, mas nós mesmos +ficamos a ver navios. Depois de praticamente meia existência de trabalho árduo, +meu melhor amigo se acha sem um níquel e me procura para dizer: “Não +poderia me emprestar a bagatela de dois siclos até o término do banquete dos +nobres esta noite?” E o que respondo? Digo, por acaso: “Aqui está minha +bolsa, dividirei com você todos os siclos que aí se encontram?” Não, +simplesmente admito que minha bolsa está tão vazia quanto a sua. Mas o que +há? Por que não podemos obter prata e ouro — mais do que apenas o +necessário para o sustento do lar? + + +“Pense também em nossos filhos”, continuou Bansir, “não estão seguindo o +caminho dos pais? Tem cabimento que eles e suas famílias, e os filhos e as +famílias de seus filhos, passem a vida inteira no meio de tantos guardadores de +ouro e, apesar disso, exatamente como nós, contentem-se com mingau e leite de +cabra azedos?” + + +— Em todos esses anos de amizade nunca o vi falando desse modo, Bansir. — +Kobbi estava perplexo. + + +— Porque, na verdade, nunca tinha pensado assim. Desde as primeiras luzes da +manhã e até que o escuro da noite me fizesse largar as ferramentas, trabalhei +duro para montar as mais finas carruagens que qualquer outro homem pudesse +fazer, esperando credulamente que um dia os deuses reconheceriam o valor de +minhas obras e me recompensariam por isso com a maior prosperidade. Pois +nunca o fizeram. Finalmente, convenci-me de que nunca o farão. É esse o +motivo da tristeza que rói o meu peito. Quero ser um homem de posses. Quero +ter minha própria terra e animais para criar, quero ter roupas finas e dinheiro, +muito dinheiro. Estou disposto a trabalhar com toda a força de meus músculos, +com toda a perícia de minhas mãos, com todo o tirocínio de minha mente, mas +quero que os frutos de meu trabalho sejam fartos. Qual é o problema com a +gente? E o que volto a lhe perguntar! Por que não podemos ter o nosso justo +quinhão das coisas boas, tão abundantes naqueles que têm ouro suficiente para +comprá-las? + + +— Quem dera tivesse uma resposta! — replicou Kobbi. — Sinto-me tão pouco +satisfeito quanto você. Meus ganhos com a lira se vão rapidamente. Muitas +vezes tenho que inventar para que a família não passe fome. Além disso, venho +há muito alimentando o profundo desejo de adquirir uma lira grande o bastante +para que possa verdadeiramente tocar os acordes musicais que se multiplicam +em minha mente. Com um instrumento assim, eu poderia compor músicas +melhores do que aquelas que o rei ouviu até o momento. + + +— Com uma lira que você, sem qualquer favor, deveria ter. Nenhum homem em +toda a Babilônia poderia fazê-la vibrar mais docemente; a tal ponto que não +apenas o rei, mas os próprios deuses ficariam deliciados. Como, porém, +conseguir tal coisa, se nós dois somos tão pobres quanto os escravos do rei? +Ouça o sino! Aí vêm eles. + + +Ele apontou na direção da longa coluna de semidespidos e suarentos +carregadores de água que subiam penosamente a rua, vindo do rio. Arrastavam- +se em alas de cinco, cada qual vergado sob um pesado odre de pele de cabra. + + +— Um belo tipo de homem, aquele que os está conduzindo. — Kobbi indicou o +tocador do sino, que ia na frente, sem carregar nada. — Um homem importante +em seu próprio país, como se pode ver. + + +— Há muitos bons tipos ali—acrescentou Bansir, concordando com o amigo —, + + +homens tão bons quanto nós. Homens altos e louros do norte, os risonhos negros +do sul, os morenos dos países mais próximos. Todos marchando juntos do rio até +os jardins, um após outro, dia após dia, ano após ano. Nenhuma expectativa +quanto a um futuro diferente ou melhor. Camas de palha para dormir e papas +terríveis de cereais para comer. Coitados desses pobres brutos, Kobbi! + + +— Coitados, realmente. Mas você me faz ver que não somos muito melhores do +que isso, embora nos consideremos homens livres. + + +— É verdade, Kobbi, por mais desagradável que seja a idéia. Não queremos +continuar levando ano após ano uma vida de escravos. Trabalho, trabalho, +trabalho! Sem ir a lugar algum. + + +— Não podemos descobrir como outros conseguem ouro e fazermos como eles? +— perguntou Kobbi. + + +— Talvez haja algum segredo que devamos buscar junto âqueles que o +conhecem — replicou Bansir, pensativo. + + +— Ainda hoje — lembrou Kobbi — passei por nosso velho amigo, Arkad, +refestelado em sua carruagem dourada. Devo dizer que ele não me olhou com o +desprezo que muitos de sua posição teriam achado perfeitamente cabível. Ao +contrário, acenando com a mão na frente de todos os circunstantes, saudou e +concedeu seu sorriso de amizade a este Kobbi, o músico. + + +— Ele é considerado o homem mais rico de toda a Babilônia — refletiu Bansir. + + +— Tão rico que o próprio rei, segundo se diz, busca sua valiosa ajuda para os +negócios do tesouro — replicou Kobbi. + + +— Tão rico — acrescentou Bansir — que, se o encontrasse casualmente numa +noite escura, seria capaz de enfiar minha mão em sua gorda algibeira. + + +—Tolice — reprovou Kobbi —, a riqueza de um homem não se acha na bolsa +que ele carrega. Uma bolsa gorda fica logo vazia se não houver um constante +fluxo de ouro. Arkad tem rendimentos que conservam suas reservas sempre +altas, por maior que seja a liberalidade com que gasta dinheiro. + + +— Rendimentos, essa é a questão — exclamou Bansir. — Quero ter uma renda + + +fluindo continuamente para minha bolsa, esteja eu sentado sobre o muro ou +viajando em terras distantes. Arkad deve saber como um homem pode criar uma +renda para si mesmo. Supõe que se trate de alguma coisa que ele poderia deixar +claro para uma mente tão lenta como a minha? + + +— Parece-me que ele transmitiu seus conhecimentos ao filho, Nomasir — +respondeu Kobbi. — Este não foi para Nínive e, como se comenta na estalagem, +não se tornou, sem a ajuda do pai, um dos homens mais ricos dessa cidade? + + +— Kobbi, você acaba de me propiciar um raro pensamento. + + +— Um brilho novo surgiu nos olhos de Bansir. —Não custa nada buscar conselho +junto a um bom amigo, e Arkad sempre se mostrou como tal para nós dois. +Pouco importa que nossa bolsa esteja tão vazia como o ninho de um falcão +abandonado há um ano. Não deixemos que isso nos detenha. Estamos fartos de +não ter ouro no meio de tanta opulência. Queremos tornar-nos homens de +posses. Vamos, vamos procurar Arkad e perguntar-l h e tomo também nós +podemos adquirir uma renda para nós mesmos. + + +— Você parece verdadeiramente inspirado, Bansir. Está me trazendo uma nova +compreensão. E me faz perceber por que nunca encontramos nenhuma +quantidade de ouro. Nós nunca o procuramos. Você trabalhou pacientemente +para construir as mais sólidas carruagens da Babilônia. Para tal propósito +devotou seus melhores esforços. Nisso, até que teve êxito. Eu mesmo fiz os +maiores esforços para tornar-me um virtuose da lira. E nisso eu também tive +êxito. + + +— Nas coisas em que aplicamos nossos melhores esforços tivemos êxito. Os +deuses parecem satisfeitos com que continuemos assim. Agora, finalmente, +vemos uma luz, brilhante como os raios do sol nascente. Ela nos indica que +devemos aprender mais para prosperar mais. Com um novo entendimento, +acharemos caminhos dignos para cumprir nossos desejos. + + +— Vamos hoje mesmo à procura de Arkad — insistiu Bansir. — Busquemos +igualmente outros amigos de infância que não tiveram maior sucesso que nós +mesmos, para que compartilhem conosco as mesmas lições. + + +— Está sempre pensando nos outros, Bansir. E por isso que tem tantos amigos. + + +Será como você diz. Pois vamos hoje mesmo e os levemos conosco. + + +O Homem Mais Rico da Babilônia + + +ERA UMA VEZ, na antiga Babilônia, um homem muito rico chamado Arkad. +Conhecido em toda parte devido a uma imensa riqueza, tornara-se igualmente +famoso pela liberalidade. Mostrava-se generoso com os mais necessitados e com +a família, sendo um homem pródigo em suas próprias despesas. Entretanto, a +cada dia sua riqueza crescia mais rapidamente do que podia gastá-la. E houve +alguns amigos da juventude que vieram até ele, dizendo-lhe: + + +— Você, Arkad, é mais venturoso do que nós. Você se tornou o homem mais rico +de toda a Babilonia, enquanto nós lutamos para sobreviver. Pode usar as mais +finas roupas e degustar as mais requintadas iguarias, enquanto nós devemos nos +dar por satisfeitos se apenas propiciamos à família uma indumentária decente +ou a alimentamos da melhor maneira possível. + + +“Contudo, alguma vez fomos iguais. Tivemos o mesmo professor, participamos +das mesmas brincadeiras, e nem nos estudos nem nas brincadeiras você se +sobressaiu mais do que nós. E nos anos que se seguiram você foi um cidadão tão +honrado quanto nós. “Tampouco trabalhou mais duro ou mais assiduamente, +pelo menos até onde sabemos. Por que então deveria o caprichoso destino +escolhê-lo para gozar de todas as boas coisas da vida e ignorar-nos, a nós que +igualmente somos merecedores? + + +Após o que Arkad protestou com eles, dizendo por sua vez: + + +— Se vocês não adquiriram mais do que uma pobre existência desde os tempos +em que éramos jovens, isso se deve a que não conseguiram aprender ou não +observaram as leis que governam a acumulação de riqueza. + + +“O “voluntarioso Destino” é um deus cheio de malícia que não assegura um bem +duradouro para ninguém. Ao contrário, ele traz ruína para quase todo homem +sobre quem faz chover ouro não conquistado. Ele produz os gastadores +libertinos, que logo dissipam tudo o que recebem e se deixam dominar pelos +mais extravagantes apetites, que nem sempre podem satisfazer. Outros ainda, a +quem esse caprichoso deus favorece, tornam-se avarentos e entesouram sua +riqueza, temendo despender o que têm por saberem que não são capazes de +repô-lo. São além disso assediados pelo medo de roubo e acabam construindo + + +para si mesmos uma vida de necessidades e secreta tristeza. + + +“Há provavelmente outros que conseguem dinheiro fácil e o aumentam, sem +deixar de se sentirem felizes e abastados cidadãos. Mas são tão poucos que só +sei deles por ouvir dizer. Pensem nessas pessoas que de repente se viram +herdando uma riqueza e confiram se as coisas não se passam assim.” + + +Os amigos admitiram que a respeito dos conhecidos que tinham herdado uma +fortuna aquelas palavras eram realmente verdadeiras e suplicaram-lhe que +explicasse a eles como tinha conseguido juntar tantos bens. + + +— Ainda em plena juventude — continuou Arkad —, eu olhava em minha volta e +observava todas aquelas boas coisas capazes de propiciar felicidade e +contentamento. Percebi então que a riqueza aumentava ainda mais a potência +delas. + + +“A riqueza é um poder. Com a riqueza, muitas coisas se tornam possíveis. +“Este pode embelezar sua casa com os móveis mais refinados. + +“Aquele pode viajar pêlos mares distantes. + +“Esse outro pode regalar-se com as finas iguarias de terras longínquas. + + +“Outro mais pode comprar ornamentos lavrados em ouro ou cravejados de +pedras preciosas. + + +“Pode-se mandar construir templos magníficos para os deuses. + + +“E possível, enfim, fazer todas essas coisas e muitas outras, onde sempre haverá +deleite para os sentidos e gratificação para a alma. + + +“E, quando percebi tudo isso, declarei a mim mesmo que reivindicaria o meu +quinhão entre as boas coisas da vida. Não seria nenhum desses que se mantêm a +distância, observando invejosamente os prazeres do outro. Não me contentaria +em vestir roupas baratas que parecem respeitáveis. Não me daria por satisfeito +com a parte que cabe a um homem pobre. Ao contrário, faria de mim mesmo um +conviva nesse banquete de boas coisas. + + +“Sendo, como sabem, filho de um humilde comerciante, membro de uma grande +família sem qualquer expectativa de herança, e não me achando dotado, como +me disseram vocês com tanta franqueza, de poderes superiores ou talentos +especiais, decidi que, se realmente quisesse conseguir tudo o que desejava, +precisaria basicamente de tempo e estudo. + + +“Todos os homens têm tempo em abundância. Cada um de vocês vem deixando +escapar tempo suficiente para tornar-serico. E ainda, como admitem, não têm +nada para apresentar senão suas boas famílias, de que, aliás, podem com justiça +orgulhar-se. + + +“Quanto ao estudo, nosso sábio professor não nos ensinou que o aprendizado +consistia em dois tipos: o primeiro cuidando das coisas que aprendíamos e +sabíamos, o outro baseando-se naprática que nos ajuda a encontrar aquilo que +não conhecemos? + + +“Assim, resolvi-me a investigar como alguém consegue acumular riqueza e, +quando descobrisse, tornar tal coisa minha própria tarefa e realizá-la bem. Pois +não é justo que devamos gozar enquanto permanecemos sob a brilhante luz do +sol, compensando os sofrimentos que teremos de enfrentar quando par t irmos +para a escuridão do mundo do espírito? + + +“Empreguei-me como escriba na sala de registros e todos os dias trabalhei +horas sem conta sobre as tabuinhas de argila. Semana após semana, mês após +mês, dei um duro danado sem que os meus vencimentos dessem mostras de +crescer. Comida, roupa, os compromissos para com os deuses, além de outras +coisas de que já não consigo lembrar-me, consumiam tudo o que eu ganhava. +Mas minha determinação continuou de pé. + + +“E um dia Algamish, o homem que empresta dinheiro, veio até a administração +da cidade e solicitou uma cópia da Nona Lei, dizendo-me: “Preciso disso em +dois dias; se me entregar as cópias no prazo, pode contar com duas moedas de +cobre pelo serviço.” + + +“Trabalhei arduamente, mas o texto da lei era muito comprido, e quando +Algamish voltou eu ainda não tinha terminado a transcrição. Ele ficou uma fera +e teria me dado uma boa surra se eu fosse seu escravo. Sabendo, porém, que +não lhe era permitido agredir-me no prédio da administração, não senti + + +qualquermedo e disse-lhe: “Algamish, você é um homem realmente rico. Diga- +me como posso também tornar-me rico, e prometo-lhe que passarei a noite em +claro entalhando as tabuinhas. Assim que o sol nascer, estarão prontas.” + + +“Ele sorriu e respondeu-me: “Você é um belo tratante, mas vamos considerar +isso como uma transação. + + +“Gravei durante toda a noite, embora minhas costas doessem e o cheiro de óleo +queimado do candeeiro fizesse minha cabeça latejar a ponto de deixar-me os +olhos em frangalhos. Mas quando ele voltou, em plena alvorada, as tabuinhas +estavam prontas. + + +? “Agora”, disse-lhe, “cumpra sua promessa.” + + +? “Você fez a sua parte em nossa transação, meu filho”, disseme ele, com +benevolência, “e estou pronto para fazer a minha. Vou lhe falar das coisas que +deseja saber porque estou envelhecendo, chegando à idade em que já não se +consegue segurar a língua. E quando a juventude busca o conselho dos mais +velhos ela recebe a sabedoria dos anos. Muito frequentemente, porém, a +juventude pensa que o idoso detém apenas a experiência dos dias que se foram e +por isso não a aproveita. Lembre-se que o sol que brilha hoje é o sol que brilhou +quando seu pai nasceu e que continuará brilhando quando seu último neto tiver +passado para o mundo dos mortos.” + + +? “Os pensamentos da juventude”, continuou ele, “são luzes resplandecentes que +brilham como meteoros que muitas vezes tornam o céu reluzente, mas a +experiência dos mais velhos assemelha-se a estrelas fixas que, sem mudar de +lugar, auxiliam o marinheiro a orientar o seu curso.” + + +? “Guarde bem minhas palavras, pois do contrário deixará de assimilar a +verdade do que lhe contarei e pensará ter sido em vão todo o trabalho que teve +durante essa noite.” + + +“Então ele me olhou com perspicácia por baixo das peludas sobrancelhas e +disse num tom lento e enérgico: “Achei o caminho para a riqueza quando decidi +que conservaria comigo uma parte de tudo que ganhasse. E assim fará você.” + + +“E continuou me olhando com uma insistência que parecia ir ao fundo de minha + + +alma, mas não disse mais nada. +2 “E tudo?”, perguntei. + + +? “Foi o suficiente para transformar o coração de um pastor de ovelhas no +coração de um emprestador de dinheiro”, replicou ele. + + +? “Mas tudo o que ganho não vem mesmo para o meu bolso?”, perguntei. + + +? “Nada mais falso”, respondeu ele. “Você não paga pelas roupas e pelas +sandálias que usa? Não paga pelas coisas que come? Consegue viver na +Babilonia sem fazer despesas? O que tem para apresentar do que recebeu no +mês passado? E de tudo quanto ganhou no último ano? Louco! Você paga a todo +mundo, menos a si mesmo. Idiota, está trabalhando para os outros. Bem melhor +do que isso faz o escravo, que trabalha para o seu dono em troca de roupa e +comida. Se guardasse para si mesmo um décimo de tudo o que ganha, quanto +teria dentro de dez anos?” + + +“Meu conhecimento dos números não me desamparou, e respondi: “Ora, o +equivalente a um ano de trabalho.” + + +? “Pois está dizendo apenas meia verdade”, retorquiu ele. “Cada moeda de ouro +que economizar é um escravo que pode trabalhar para você. Cada cobre que +essa moeda produzir torna-se um filho apto a levantar mais fundos. Se quiser +tornar-se rico, então tudo o que você economizar deve ser utilizado no sentido +de proporcionar-lhe toda a abundância por que anseia.” + + +? “Você pensa que o estou ludibriando por sua longa noite de trabalho”, +continuou ele, “mas em minhas palavras há uma fortuna, se for suficientemente +inteligente para perceber a verdade que acabo de pôr em suas mãos.” + + +? “Uma parte de tudo o que ganha pertence exclusivamente a você. No mínimo, +um décimo, mesmo nas ocasiões em que tiver recebido pouco dinheiro. Pode ser +mais, de acordo com o que produzir. Pague a si mesmo primeiro. Não compre ao +fazedor de roupas ou ao fazedor de sandálias mais do que possa pagar com o +restante, devendo ainda separar o bastante para alimentar-se, ajudar o próximo +e pôr em dia as obrigações com os deuses.” + + +? “A riqueza, como uma árvore, cresce a partir de uma simples semente. A + + +primeira moeda de cobre que economizar será a semente a partir da qual sua +árvore da riqueza crescerá. Quanto mais cedo plantá-la, mais cedo a árvore +crescerá. E quanto mais fielmente alimentar e regar essa árvore com economias +constantes, logo chegará o dia em que poderá abrigar-se em pleno +contentamento embaixo de sua sombra.” + + +“Tendo dito isso, pegou suas tabuinhas e foi embora. + + +“Pensei muito a respeito do que ele me dissera, e suas palavras me pareceram +razoáveis. Assim, decidi fazer a experiência. Sempre que recebia um pagamento, +tirava e guardava uma em cada dez moedas de cobre. E, estranho como possa +parecer, não fiquei mais desprovido de fundos do que antes. Percebi pequena +diferença quando comecei a me arranjar sem isso, mas fregientemente me via +tentado, à medida que minha reserva crescia, a utilizá-la para adquirir as boas +coisas que os mercadores ofereciam, objetos trazidos por camelos e navios da +terra dos fenícios. + + +Prudentemente, porém, consegui refrear o impulso. + + +“Doze meses se tinham passado quando Algamish voltou a me procurar, +dizendo-me: “E então, meu filho, pagou a si mesmo não menos de um décimo +sobre tudo quanto ganhou no ano passado?” + + +“Respondi todo orgulhoso: “Sem dúvida, mestre, foi exata-mente o que fiz.” + + +? “Otimo”, comentou, abrindo um largo sorriso para mim, “e o que fez com essa +reserva?” + + +? “Entreguei-a a Azmur, o oleiro, que me disse estar viajando pelos mares +distantes e que em Tiro compraria para mim jóias valiosíssimas, só encontradas +na Fenícia. Quando voltar, poderemos vendê-las a preço bem mais alto e +dividiremos os lucros.” + + +” “Bem, os loucos precisam mesmo aprender”, rosnou ele, “mas por queconfiar +nos conhecimentos de um oleiro sobre jóias? Você procuraria o padeiro para +colher informações sobre as estrelas? Não, por minha túnica, iria até um +astrólogo, se pelo menos tivesse cabeça para pensar. + + +Suas economias se foram, meu jovem, você arrancou sua árvore da riqueza + + +pelas raízes. Contudo, plante outra. Tente novamente. E da próxima vez em que +precisar de conselhos sobre jóias, corra até um ourives. Se quiser conhecer a +fundo as ovelhas, procure o pastor que cuida delas. Conselho é uma coisa que se +dá de graça, mas deve guardar consigo apenas o que lhe parece valioso. Aquele +que aceita conselhos sobre suas economias junto a pessoas inexperientes em tais +matérias pagará com essas mesmas economias para provar a falsidade da +opinião dos outros.” Dizendo isso, Algamish partiu. + + +“E aconteceu realmente como ele tinha previsto. Pois os fenícios são salafrários +e venderam a Azmur pedaços de vidro sem valor que pareciam pedras preciosas. +Mas, seguindo as palavras de Algamish, voltei a economizar, mesmo porque já +tinha formado o hábito e isso não constituía para mim nenhuma dificuldade. + + +“Mais uma vez, doze meses depois, Algamish apareceu na sala dos escribas e +dirigiu-se a mim. + + +“Que progressos andou fazendo desde a última vez em que nos vimos?" + + +? “Paguei a mim mesmo religiosamente”, respondi, *e confiei minhas economias +a Agger, o fazedor de escudos, para comprar bronze. A cada quatro meses ele +me paga uma parte dos lucros.” + + +? “Ótimo. E o que tem feito com esse dinheiro extra?” + + +? “Dei uma festa com mel, vinho e iguarias de primeira. E comprei também uma +túnica escarlate. Qualquer dia desses devo comprar um burrico para os meus +deslocamentos.” + + +“Algamish não disfarçou o riso: *Você está comendo os filhos de suas +economias. Como pode esperar que trabalhem para você? Como eles mesmos +poderão ter filhos que venham a produzir mais renda para você? Primeiro reúna +um exército de escravos dourados, e só então poderá refestelar-se com +banquetes ricos sem sentir remorsos.” E, assim dizendo, partiu novamente. + + +“Não voltei a vê-lo durante dois anos, até que reapareceu, o rosto sulcado pelas +rugas, os olhos visivelmente cansados, pois ele se achava então numa idade +bastante avançada. Disseme: “Arkad, conseguiu afinal obter a riqueza com que +sonhava tanto?” + + +“Respondi-lhe: *Não ainda tudo que desejo, mas já tenho alguma coisa que +rende muito bons lucros, que, por sua vez, fazem outro tanto.” + + +? “E você ainda busca o conselho dos oleiros?"” + + +? “Bem, o que eles dizem sobre como fabricar tijolos é realmente muito bom”, +retorqui. + + +? “Arkad”, continuou ele, “você aprendeu bem suas lições. Aprendeu primeiro a +viver com menos do que podia ganhar. Depois aprendeu a aconselhar-se junto +aqueles cuja competência deriva de suas próprias experiências. E, finalmente, +aprendeu a fazer o ouro trabalhar para você. + + +? “Você ensinou a si mesmo como adquirir dinheiro, poupá-lo e usá-lo. Reuniu, +portanto, condições para ocupar uma posição de confiança. Estou me tornando +muito velho. Meus filhos só pensam em gastar e não dão a menor importância +aos ganhos. Meus negócios são grandes, e até grandes demais para que eu +possa cuidar de tudo. Se você concordar em ir para Nippur, a fim de tomar +conta das terras que possuo na região, torná-lo-ei meu sócio, e você participará +de meu testamento.” + + +“Assim, fui para Nippur e comecei a administrar suas propriedades, que eram +imensas. E como estivesse cheio de ambição e dominasse as três leis que nos +ensinam a lidar de maneira exitosa com a riqueza, tive condições de aumentar +ainda mais o valor de seus bens. Prosperei muito e, quando o espírito de +Algamish partiu para a esfera da escuridão, vi-me como um beneficiário +legalmente reconhecido de sua herança.” + + +Assim falou Arkad, e, quando terminou sua narrativa, um dos amigos ali +reunidos disse: + + +— Você inclusive deu a sorte de que Algamish o tivesse nomeado um de seus +herdeiros. + + +— Minha sorte limita-se ao fato de que desejava prosperar antes de tê-lo +encontrado pela primeira vez. Não tive que provar durante quatro anos minha +determinação de propósito, reservando para mini mesmo um décimo de tudo que +auferia? Você chamaria de sortudo o pescador que, tendo passado anos + + +estudando os hábitos dos peixes, por uma simples mudança do vento soubesse +onde jogar sua rede? A oportunidade é uma deusa desdenhosa que não perde +tempo com os que não estão preparados. + + +— Você teve uma tremenda força de vontade em continuar poupando depois de +ter perdido as economias do primeiro ano. Nisso, foi extraordinário — disse um +outro. + + +— Força de vontade! — retorquiu Arkad. — Bobagem. Você acredita que a força +de vontade seja capaz de dar a um homem energia suficiente para erguer um +peso que o camelo não pode carregar ou puxar uma carroça que os próprios +bois não conseguem levar adiante? A força de vontade não passa de um +propósito inflexível para dar conta de uma tarefa a que você mesmo se obrigou. +Se eu determinar para mim mesmo uma tarefa, por mais boba que seja, terei de +levá-la a cabo. Como poderia de outro modo ter confiança em mim para fazer +coisas importantes? Se me dissesse: “Durante cem dias, quando eu cruzar a +ponte na cidade, apanharei uma pedra do chão e a jogarei dentro do rio”, eu o +faria. Se no sétimo dia passasse por ali sem me lembrar da resolução tomada, +não diria: “Amanhã jogarei duas pedras em vez de uma.” Ao contrário, voltaria +e atiraria a pedra ao rio. Tampouco seria capaz de me dizer lá pelo vigésimo +dia: “Arkad, isso não tem utilidade alguma. Que proveito tem para você atirar +uma pedra ao rio todos os dias? Arremesse logo um bom número delas e acabe +com isso.” Não, também não conseguiria pensar desse modo. Quando me decido +por uma tarefa, vou até o fim. Consegiientemente, tomo muito cuidado para não +começar tarefas difíceis e impraticáveis, porque tenho meu conforto íntimo em +alta conta. + + +— Se o que diz é verdadeiro — aparteou um terceiro interlocutor — e parece, +como afirmou, razoável, sendo tão simples, se todos os homens o fizessem não +haveria bastante riqueza para todos. + + +— A riqueza cresce onde quer que os homens empreguem energia — replicou +Arkad. — Se um homem rico constrói um novo palácio para si, o ouro +despendido vai embora? Não. O oleiro, o operário e o arquiteto participam +desse ouro. E quem quer que trabalhe na obra participa dele. Mesmo depois de +construído, o palácio não vale tudo quanto custou? E o terreno sobre o qual se +ergue não passa a valer mais pelo próprio fato de abrigá-lo? E os terrenos +circunvizinhos não se tornam igualmente valorizados? A riqueza cresce através + + +de meios mágicos. Ninguém pode estabelecer um limite para isso. Não +construíram os fenícios grandes cidades em costas inóspitas com a riqueza +proveniente de seus navios mercantes? + + +— O que poderia nos aconselhar para que também nós nos tornemos ricos — +perguntou um outro dos amigos. — Os anos passaram, não somos mais jovens e +não guardamos nada. + + +— Aconselho-os a fazer uso da sabedoria de Algamish e dizer a si mesmos: +“Uma parte de tudo o que eu ganhar pertence a mim.” Digam isso pela manhã +assim que acordarem, à tarde, à noite, em todas as horas do dia. Digam isso a si +mesmos até que as palavras se transformem em letras de fogo gravadas no céu. + + +“Impregnem-se com a idéia. Ocupem toda a alma com esse pensamento. E +assimilem tudo que lhes pareça sábio. Separem não menos de um décimo e +economizem. Façam todas as despesas necessárias, mas poupem primeiro essa +pequena cota. Cedo vão experimentar a deliciosa sensação de um tesouro cuja +posse cada um de vocês tem legitimamente condições de reivindicar. Quanto +mais ele crescer, mais se verão estimulados. Vibrarão com uma nova alegria de +viver. Encararão a possibilidade de maiores esforços para ganharem mais. Pois +não estarão reservando, sobre os lucros maiores, a mesma percentagem? + + +“Aprendam portanto a fazer com que seu tesouro trabalhe para vocês. Tornem- +no seu escravo. Façam seus filhos e os filhos de seus filhos trabalharem para +vocês. + + +“Assegurem uma renda para o futuro. Olhem para os mais idosos e não +esqueçam que dia virá em que também vocês estarão velhos. Por isso, invistam +seu tesouro com toda a cautela do mundo. Taxas usurárias de retorno são +sereias enganosas, que cantam, naturalmente, mas para lançar o incauto contra +as rochas do desperdício e do remorso. + + +“Providenciem para que sua família não deseje que os deuses os chamem para o +reino deles. E sempre possível garantir tal proteção com pequenos pagamentos a +intervalos regulares. Por isso, o homem previdente não perde tempo esperando +que apareça uma grande soma, a fim de utilizá-la em tão prudente propósito. + + +“Busquem o conselho dos homens sábios. Procurem informar-se com pessoas + + +cujo trabalho cotidiano é o manuseio do dinheiro. Deixem que elas os protejam +de erros como os que eu mesmo cometi ao entregar minhas economias a Azmur, +o oleiro. Um retorno pequeno e certo é uma coisa mais desejável que o risco. + + +“Aproveitem a vida enquanto estiverem aqui. Não exagerem nem tentem +economizar demais. Se um décimo de tudo que ganharem é o que vocês podem +confortavelmente poupar, contentem-se com essa porção. Por outro lado, vivam +de acordo com suas rendas e não sejam sovinas nem temerosos ao gastar. A vida +é boa e rica com coisas que valham a pena e causem prazer.” + + +Seus amigos agradeceram-lhe por aquelas palavras e se foram. Alguns +mantiveram-se em silêncio, porque não tinham imaginação e não podiam +entender. Outros mostraram-se sarcásticos, porque pensavam que um homem +tão rico deveria compartilhar sua fortuna com velhos amigos menos +afortunados. Um terceiro grupo, entretanto, parecia ter nos olhos uma nova luz. +Perceberam que Algamish tinha voltado regularmente à sala dos escribas, +porque estava observando um homem que por seus próprios esforços saía da +escuridão para a luz. Quando esse homem achou a luz, um lugar esperava por +ele. Ninguém podia ocupar esse lugar sem que pêlos próprios esforços chegasse +à compreensão, ou seja, até que estivesse pronto para a oportunidade. + + +As pessoas desse terceiro grupo foram as únicas que, nos anos que se seguiram, +continuaram visitando Arkad, que as recebia cheio de contentamento. Reunia-se +com elas e transmitia-lhes de bom grado sua sabedoria, como gostam sempre de +fazer os homens de grande experiência. E assistia-os quanto a investirem suas +economias naquilo que trouxesse lucros com segurança, evitando que +apostassem em coisas que não rendessem dividendos. + + +O momento decisivo na vida desses homens ocorreu quando compreenderam a +verdade que tinha passado de Algamish para Arkad e de Arkad para eles. + + +“Uma parte de todos os seus ganhos pertence exclusivamente a você” + + +Sete Soluções para a Falta de +Dinheiro + + +A GLORIA DA Babilônia permanece. Através das idades, sua reputação chega +até nós como a mais rica das cidades, e seus tesouros, como fabulosos. + + +Mas nem sempre tinha sido assim. As riquezas da Babilônia foram o resultado +da sabedoria de seu povo. Eles primeiro tiveram que aprender a se tornarem +prósperos. + + +Quando o bom Rei Sargon voltou à Babilônia, depois de ter derrotado seus +inimigos, os elamitas, viu-se confrontado com uma séria situação. O chanceler +real explicou-lhe o que estava se passando: + + +— Depois de muitos anos da grande prosperidade trazida a nosso povo, porque +Sua Majestade mandou construir os grandes canais de irrigação e os suntuosos +templos para nossos deuses, agora que tais obras se acham prontas o povo + + +parece incapaz de garantir sua própria sobrevivência. + + +“Os trabalhadores estão desempregados. Os comerciantes contam com poucos +fregueses. Os fazendeiros não conseguem vender suas colheitas. O povo em +geral não tem dinheiro para comprar comida.” + + +— Mas onde foi parar todo o ouro que gastei nessas benfeitorias? — perguntou +o rei. + + +— Temo que se encontre no bolso — respondeu o chanceler — de alguns poucos +homens ricos de nossa cidade. Escorreu pelos dedos da maioria das pessoas tão +rapidamente quanto o leite das cabras pelo coador. Agora que o fluxo de ouro +cessou, o grosso da população não tem nada para apresentar dos seus ganhos. + + +O rei ficou pensativo por algum momento, depois perguntou: +— Por que deveriam tão poucos homens serem capazes de adquirir todo o ouro? + + +— Porque sabem como fazê-lo — replicou o chanceler. — Não se pode condenar +um homem por ter sabido atrair o êxito. Tampouco se pode com justiça tirar de +um homem que construiu honestamente sua fortuna para dividir com outros que +não tiveram tal capacidade. + + +— Mas por que — insistiu o rei — não deveria todo o povo aprender a acumular +riqueza e, consegientemente, tornar a si mesmo rico e próspero? + + +— Até que seria possível, majestade. Mas quem pode ensinar-lhes? Certamente +não os sacerdotes, já que nada conhecem a respeito de ganhar dinheiro. + + +— Quem, chanceler, em nossa cidade é o mais bem preparado nessas questões +de fazer fortuna? — inquiriu o rei. + + +— Eis uma pergunta que já traz embutida a própria resposta, majestade. Quem +acumulou a maior riqueza em toda a Babilônia? + + +— Muito bem dito, chanceler. Trata-se de Arkad. Ele é o homem mais rico da +Babilonia. Traga-o até o palácio amanhã cedo. + + +No dia seguinte, como o rei havia determinado, Arkad apresentou-se diante dele + + +lépido e fagueiro, a despeito de seus setenta anos de idade. + + +— Arkad — disse o rei —, é verdade que você é o homem mais rico da +Babilonia? + + +— E o que se costuma dizer, majestade, sem que ninguém tenha aparecido para +contestá-lo. + + +— Como se tornou tão rico? — Aproveitando as oportunidades disponíveis a +todos os cidadãos de nossa boa cidade. + + +— Mas naturalmente começou com alguma coisa... +— Somente com o desejo de ser rico. Além disso, mais nada. + + +— Arkad — continuou o rei —, nossa cidade encontra-se numa péssima +situação, porque alguns poucos sabem como ganhar dinheiro e, +conseglentemente, monopolizam-no, enquanto a massa dos cidadãos não sabe +guardar uma parte sequer do que recebem. + + +“É meu desejo que a Babilonia seja a cidade mais rica do mundo. Precisa +portanto ser uma cidade de muitos homens ricos. Assim, temos de ensinar a +todas as pessoas como adquirir riqueza. Diga-me, Arkad, existe algum segredo +para isso? Trata-se de algo que possa ser ensinado?” + + +— Naturalmente, majestade. Tudo o que um homem conhece pode ser ensinado +a outros. Os olhos do rei brilharam. + + +— Arkad, você acaba de pronunciaras palavras que eu queria ouvir. E se você +mesmo se incumbisse dessa nobre causa? Não gostaria de formar com seus +conhecimentos uma escola de professores, cada um dos quais educaria outros +até que tivéssemos um quadro amplo o bastante para levar essas verdades a +todos os súditos honestos de meu reino? + + +Arkad inclinou-se e disse: + + +— Sou um humilde servo a suas ordens. Darei de bom grado todo o +conhecimento que possuo pelo aperfeiçoamento de meus semelhantes e pela +glória de meu rei. Faça com que seu bom chanceler me arrume uma turma de + + +cem homens e lhes ensinarei essas sete soluções que acabaram por resolver +todas as minhas questões de dinheiro, quando, talvez, no início, não houvesse +em toda a Babilônia um cidadão mais atrapalhado do que eu. + + +Duas semanas depois, de acordo com as ordens do rei, os cem escolhidos +reuniram-se no grande saguão do Templo do Saber, sentados em semicírculo, +formando fileiras multicoloridas. À frente deles achava-se Arkad, ocupando um +tamborete acima do qual ardia um candeeiro sagrado, origem do forte e +agradável aroma que se espalhava pela sala. + + +— Veja, o cidadão mais rico da Babilonia — murmurou um estudante, +cutucando um vizinho quando Arkad se levantou. — Não passa de um homem +como qualquer um de nós. + + +— Como um respeitoso súdito de nosso grande rei — começou Arkad —, +encontro-me diante de vocês a serviço dele. Considerando que alguma vez fui +um pobre jovem que alimentava o forte desejo de adquirir ouro e que, nessa +busca, acumulou conhecimentos que o capacitaram a isso, ele determinou que +eu viesse até aqui para transmitir a vocês tudo que aprendi. + + +“Comecei minha fortuna de modo bastante humilde. Não tinha maior vantagem +do que aquela de que todos vocês e qualquer outro cidadão da Babilônia +dispõem. + + +“O primeiro depósito de meu tesouro foi uma bolsa já gasta pelo uso. Eu +detestava vê-la imprestavelmente vazia. Queria que estivesse gorda e repleta, +tilintando ao som do ouro. Por isso, busquei todos os remédios possíveis para +conseguir uma bolsa cheia. Achei sete. + + +“Assim, explicarei aos que se acham reunidos nesta sala as sete soluções para a +falta de dinheiro, que recomendo a todos aqueles que anseiam por bastante +ouro. Consagrarei cada um dos dias da semana a um desses remédios. + + +“Ouçam atentamente tudo quanto lhes disser. Debatam o assunto comigo. +Discutam-no entre vocês mesmos. Aprendam meticulosamente estas lições, para +que também possam plantar em suas próprias bolsas a semente da riqueza. +Primeiro cada um de vocês deverá sabiamente construir a própria fortuna. +Quando tiverem acumulado competência suficiente para isso, estarão aptos a + + +passar adiante tais verdades. + + +“Ensinar-lhes-ei meios simples para engordar a própria bolsa. Este é o primeiro +degrau que conduz ao templo da riqueza, aonde ninguém pode chegar se não +tiver condições de pôr firmemente os pés nesse primeiro degrau. + + +“Consideremos agora a primeira solução. ” + + +A Primeira Solução + + +Comece a fazer seu dinheiro crescer +Arkad dirigiu-se a um homem pensativo na segunda fila. +— Meu bom amigo, qual é o seu ofício? + + +— Sou um escriba — respondeu o homem-—e gravo registros sobre tabuinhas de +argila. + + +— A profissão em que eu mesmo ganhei minhas primeiras moedas de cobre. +Consegiientemente, você tem a mesma oportunidade para construir uma fortuna. + + +Descobriu em seguida um participante de rosto corado, um pouco mais atrás. +— Conte-nos, por favor, o que faz para ganhar seu pão. + + +— Sou um açougueiro — respondeu ele. — Compro cabras a seus criadores, +abato-as, vendo a carne para as donas de casa e o couro para os fazedores de +sandálias. + + +— Uma vez que trabalha e ganha regularmente o seu dinheiro, você tem as +mesmas condições que tive de ser bem-sucedido. + + +E assim procedeu Arkad com todos os presentes, a fim de saber de que modo +cada um deles conseguia o próprio sustento. Terminada a inquirição, disse: + + +— Assim, caros discípulos, podemos ver que existem muitos negócios e + + +ocupações cujo exercício confere às pessoas a oportunidade de obter seus +ganhos. Cada uma dessas maneiras de remuneração é uma torrente de ouro da +qual o trabalhador pode desviar uma porção para sua própria reserva. Assim, +na bolsa de cada um de vocês há um fluxo maior ou menor de moedas, de +acordo com a capacidade de cada qual. Concordam com isso? + + +Todos concordaram. + + +— Portanto — continuou Arkad —, se cada um de vocês quiser construir uma +fortuna, não será uma atitude inteligente começar usando essa fonte de riqueza +que a pessoa já consolidou? + + +A concordância foi ainda geral. + + +O homem mais rico da Babilonia voltou-se então para um homem humilde que +tinha afirmado ser um vendedor de ovos. + + +— Se você separar um de seus cestos e nele colocar toda manhã dez ovos, daí +tirando toda noite nove ovos, o que acontecerá finalmente? + + +— Com o tempo ele transbordará. +— Por quê? + + +— Porque a cada dia coloco ali sempre mais um ovo do que a quantidade que eu +tiro. + + +Arkad voltou-se para a turma, sorrindo. +— Todos os homens por aqui se acham em dificuldades financeiras? + + +Primeiro os participantes ficaram olhando. Depois riram. Finalmente agitaram, +divertidos, os pequenos bornais onde costumavam carregar suas moedas. + + +— Muito bem — continuou ele —, agora vou comunicar-lhes o primeiro remédio +que aprendi para solucionar o problema da falta de dinheiro. Façam exatamente +como sugeri ao vendedor de ovos. Para cada dez moedas que colocarem em +suas bolsas, não retirem para uso próprio mais do que nove. + + +A bolsa começará a ficar estufada, e seu peso cada vez maior será uma fonte de +prazer para as suas mãos e uma fonte de bem-estar para as almas. + + +“Não zombem do que eu digo por causa de sua simplicidade. A verdade é +sempre simples. Disse que lhes contaria como construí minha fortuna. Foi esse o +meu começo. Eu andava invariavelmente quebrado e detestava isso porque não +podia satisfazer meus desejos. Mas, desde que comecei a retirar de minha bolsa +não mais de nove cotas das dez que ali depositava, ela começou a engordar. O +mesmo acontecerá com vocês. + + +“Agora lhes falarei de uma estranha verdade cuja razão desconheço. Quando +deixei de desembolsar mais do que nove décimos de meus ganhos, iniciei minha +carreira de êxitos. Não fiquei mais desprevenido do que antes. Ao contrário, as +moedas começaram a aparecer com maior fregiência. Certamente é uma lei dos +deuses que, para aquele que poupa e não gasta uma determinada parte de seus +ganhos, o dinheiro virá mais facilmente. De modo curioso, ele costuma evitar +aquele cuja bolsa se mantém sistematicamente vazia. + + +“Qual pode ser o maior anseio de vocês? A satisfação dos desejos de cada dia, +uma jóia, um adorno, melhores roupas, mais comida? Coisas que rapidamente +se vão e são esquecidas? Ou, pelo contrário, sonhariam com bens mais estáveis +— ouro, terras, rebanhos, mercadorias —, investimentos que trazem bons +lucros? As moedas que vocês usam no dia-a-dia concedem aqueles primeiros +desejos. As que vocês guardam, os segundos. + + +“Esta, meus discípulos, foi a primeira solução que descobri para a minha falta +de dinheiro: “Em cada dez moedas conseguidas de qualquer fonte, não gastem +mais do que nove.” Debatam o assunto entre vocês. Se alguém puder provar que +isso não é verdade, conversaremos a respeito amanhã quando estivermos juntos +de novo.” + + +A Segunda Solução + + +Controlem seus gastos +No segundo dia, Arkad dirigiu-se à assembléia nos seguintes termos: + + +— Alguns dos participantes, meus discípulos, fizeram-me a seguinte pergunta: +“Como pode um cidadão guardar um décimo de todos os seus ganhos, se em +geral seus vencimentos mal dão para as despesas necessárias?” Pois bem, +ontem quantos de vocês achavam-se com pouco dinheiro? + + +— Todos nós — respondeu a turma. + + +— Entretanto, as pessoas aqui não recebem todas a mesma coisa. Naturalmente, +umas ganham mais do que outras. Algumas têm famílias maiores para sustentar. +Apesar disso, todas estão igualmente desprevenidas. Gostaria portanto de lhes +falar sobre uma extraordinária verdade a respeito dos homens e de seus filhos. +O que costumamos chamar de ��despesas necessárias” sempre crescerá para +tornar-se igual a nossos rendimentos, a menos que façamos alguma coisa para +inverter essa tendência. + + +“Não confundam despesas necessárias com desejos. Cada um de vocês, junto +com suas boas famílias, tem mais desejos do que seus ganhos podem satisfazer. +Consegiientemente, tudo quanto recebem é despendido para aplacar tais desejos +à medida que eles surgem. E ainda assim restam muitos outros que não chegam +a ser saciados. + + +“Na verdade, todos os homens têm mais desejos do que podem satisfazer. Acham +que posso cumprir todos os meus sonhos porque sou rico? Trata-se de uma falsa +idéia. Há limites para o meu tempo. Há limites para a minha energia. Há limites +para a extensão de minhas viagens. Há limites para o que consumo à mesa de +refeições. Há limites para os prazeres de minha vida. + + +“Garanto-lhes que, do mesmo modo como as ervas daninhas crescem num +campo onde o fazendeiro deixa espaço para suas raízes, assim também os +desejos crescem livremente no coração do homem capaz de saciá-los. Os desejos + + +são uma multidão, mas aqueles que cada um de vocês pode satisfazer reduzem- +se a um punhado. + + +“Examinem cuidadosamente seu modo habitual de viver. Tenho absoluta certeza +de que se defrontarão com alguns gastos que podem ser trangiiilamente +reduzidos ou eliminados. Acatem como uma verdadeira divisa a noção de +reservar um por cento do valor estimado sobre cada moeda que sai. + + +“Portanto, gravem na argila cada uma das coisas passíveis de despesa. +Selecionem as necessárias, além de outras cujo custo não ultrapasse nove +décimos de seus rendimentos. Cancelem o resto e considerem-no apenas como +uma parte dessa grande multidão de desejos que não podem ser satisfeitos. Não +sintam remorsos por isso. + + +“Façam um orçamento para as despesas imprescindíveis. Não toquem naquele +décimo que está engordando sua bolsa. Encarem o crescimento de suas +economias como um belo propósito de vida. Procurem trabalhar com o +orçamento estabelecido, procurem ajustá-lo de modo que funcione em seu favor. +Busquem torná-lo um colaborador na defesa de suas crescentes reservas.” + + +Nesse momento um dos estudantes, usando uma roupa vermelha e dourada, +levantou-se e disse: + + +— Sou um homem livre. Acredito ser meu direito gozar das boas coisas da vida. +Por isso, rebelo-me contra a submissão a um orçamento que determina +exatamente quanto devo gastar e em quê. Acho que isso eliminaria muitos +prazeres de minha vida, tornando-me não muito melhor que um burro de carga. + + +— Quem, meu amigo — replicou Arkad —, determinaria o seu orçamento? +— Eu mesmo o faria — respondeu o homem que protestava. + + +— Se um burro de carga fizesse seu próprio orçamento, teria incluído nele jóias, +mantos e pesadas barras de ouro? Claro que não. Ele não precisaria senão de +feno, grãos e um saco de água para atravessar o deserto. + + +“O propósito de um orçamento é ajudá-los a juntar dinheiro. Uma maneira de +garantir que vocês consigam o necessário e, na medida em que se mostrem +acessíveis, seus outros desejos. É capacitá-los a perceber seus mais profundos + + +anseios, defendendo-os contra aquisições meramente casuais. Como uma luz +brilhando numa caverna escura, o orçamento deixa a descoberto os vazamentos +em suas bolsas, dando-lhes condições de estancá-los e destinar as despesas a +propósitos definidos e gratificantes. + + +“Esta é, portanto, a segunda solução para a falta de dinheiro. Façam o +orçamento de suas despesas de modo que possam ter dinheiro para pagar pelo +que é necessário, pelos prazeres e para satisfazer seus mais valiosos desejos sem +despender mais do que nove décimos de seus ganhos.” + + +A Terceira Solução + + +Multipliquem seus rendimentos +Assim dirigiu-se Arkad aos alunos no terceiro dia: + + +— Vejam como o dinheiro está começando a entrar. Vocês se disciplinaram para +reservar um décimo de todos os seus ganhos. Controlaram as despesas para +proteger o tesouro crescente. Devemos agora considerar os meios para pôr esse +tesouro para trabalhar e crescer. Ter dinheiro guardado é gratificante e pode +alegrar uma alma avarenta, mas isso não leva a nada. A quantia que podemos +separar de nossas diversas fontes de remuneração não passa de um começo. +Seus ganhos, sim, é que construirão nossas fortunas. + + +“Como podemos pôr nosso dinheiro para trabalhar? Meu primeiro investimento +foi uma desgraça, pois perdi tudo. Mais tarde lhes contarei essa história. Meu +primeiro investimento lucrativo foi um empréstimo que concedi a Aggar, o +fabricante de escudos. Uma vez por ano ele comprava grandes carregamentos +de bronze trazidos através dos mares para serem empregados em seu negócio. +Não dispondo de suficiente capital para pagar aos mercadores, era obrigado a +pedir emprestado áqueles que tinham um dinheiro extra. Era um homem +honrado. Pagava o empréstimo, além de uma generosa taxa, à medida que +vendia os escudos. + + +“Sempre que atendia às suas solicitações, emprestava-lhe igualmente a renda +acumulada das primeiras transações. Assim, não só meu capital cresceu, como +os próprios ganhos de Aggar se tornaram maiores. Como era gratificante ter +todas essas somas de volta! + + +“Disse-lhes, meus discípulos, que a riqueza de um homem não deve ser +aquilatada pelas moedas que ele consegue juntar; ela se acha, sim, nos lucros +que essa soma pode produzir, a torrente de ouro que flui continuamente para +dentro de suas bolsas, conservando-as sempre bojudas. E afinal o que todo +homem deseja, o que cada um dos presentes deseja — uma renda que não cesse +de crescer, estejam vocês trabalhando ou viajando. + + +“Adquiri uma grande renda. Tão grande que me consideram um homem +extremamente rico. Meus empréstimos a Aggar foram o meu primeiro +treinamento em investimento lucrativo. Ganhando em sabedoria com essa +experiência, ampliei o círculo de clientes e os investimentos quando meu capital +aumentou. De poucas fontes no início, de muitas outras depois, desaguou em +minha bolsa uma torrente dourada de riqueza que eu podia usar como bem +entendesse. + + +“Como vêem, a partir de meus modestos ganhos gerei uma reserva de escravos +dourados, cada qual labutando para produzir mais ouro. Como trabalhavam +para mim, seus filhos também o faziam, e os filhos dos filhos, até que dessa +concentração de esforços surgiu uma bela renda. + + +“O ouro cresce rapidamente quando se fazem ganhos razoáveis, como poderão +ver pelo seguinte exemplo: quando nasceu o primeiro filho de um fazendeiro, ele +entregou dez moedas de prata a um emprestador de dinheiro e pediu-lhe que as +fizesse render para o filho até que este completasse vinte anos de idade. O +homem concordou, estabelecendo que a soma renderia juros de um quarto de +seu valor a cada quatro anos. O fazendeiro então solicitou, já que se tratava de +um dinheiro que tinha separado exclusivamente para o filho, que os juros fossem +incorporados ao principal. + + +“Quando o rapaz completou vinte anos de idade, seu pai procurou novamente o +emprestador de dinheiro para perguntar-lhe pela prata. O homem explicou-lhe + +que, como a soma tinha crescido à razão de juros compostos, as dez moedas de +prata originais tinham aumentado para trinta moedas e meia. + + +“O fazendeiro ficou bastante satisfeito e, como seu filho ainda não precisasse do +dinheiro, deixou-o com o emprestador. Quando o filho completou cingúenta anos +de idade, tendo o pai a essa altura passado para o outro mundo, o banqueiro +pagou ao filho, para liquidar o compromisso, 167 moedas de prata. + + +“Assim, em cinglenta anos, o investimento multiplicou-se quase setenta vezes. + + +“Portanto, aqui está a terceira solução para a falta de dinheiro: Pôr cada +moeda para trabalhar de modo que possa reproduzir-se como algodão nos +campos e trazer-lhes lucro, um rio de riqueza fluindo constantemente para +dentro de suas bolsas” + + +A Quarta Solução + + +Proteja seu tesouro contra a perda +Assim falou Arkad para a sua turma no quarto dia: + + +— O infortúnio ama uma brilhante marca. O dinheiro que o homem poupa deve +ser guardado com firmeza, do contrário corre o risco de perder-se. Logo, é +prudente aprendermos a manusear e proteger pequenos montantes antes que os +deuses nos confiem maiores somas. + + +“Todo aquele que possui ouro guardado costuma ser induzido, na esperança de +conseguir grandes somas, a fazer investimentos nos mais plausíveis projetos. +Com bastante frequência, amigos e parentes estão avidamente interessados nisso +e incentivam-no a realizá-los. + + +“O primeiro princípio saudável de um investimento é a segurança do capital +aplicado, ou seja, o principal. É prudente cobiçar altos ganhos quando o +principal corre perigo? Claro que não. O castigo pelo risco é a provável perda. +Estudem cuidadosamente, antes de fazerem uso de seu tesouro, cada promessa +de que ele possa ser recuperado com segurança. Não se deixem enganar pelo +romântico desejo de fazer fortuna rapidamente. + + +“Antes de emprestá-lo a quem quer que seja, certifiquem-se da capacidade do +beneficiário em devolvê-lo e de sua reputação como bom pagador, para que não +estejam, inadvertidamente, fazendo um presente de algo tão arduamente +conquistado. + + +“Antes de destiná-lo a um investimento em qualquer campo de negócios, +acautelem-se contra todos os perigos possíveis. + + +“Meu primeiro investimento foi uma tragédia. Depositei minhas economias de +todo um ano nas mãos do oleiro Azmur, que na época viajava por mares +distantes e me propusera comprar junto aos fenícios em Tiro jóias da mais alta +qualidade. Quando voltasse, nós as venderíamos e dividiríamos os lucros. Os +fenícios comportaram-se como salafrários e venderam-lhe pedaços de vidro. + + +Meu tesouro se perdeu. Hoje minha experiência teria me mostrado +imediatamente a tolice de confiar a um oleiro a tarefa de comprar jóias. + + +“Por isso acho-me à vontade para aconselhar-lhes: não confiem +demasiadamente em seus próprios conhecimentos, porque podem estar +destinando seus tesouros a investimentos perigosos. Procurem antes de tudo a +opinião em geral correta das pessoas acostumadas com negócios e lucros. Tais +conselhos são dados de graça e chegam a ter um valor equivalente à soma que +desejam investir. Na verdade, um valor bem real, já que podem evitar que vocês +percam o dinheiro aplicado. + + +“Esta é, portanto, a quarta solução para a falta de dinheiro, e de grande +importância, pois previne que suas economias vão por água abaixo no momento +depois de terem crescido tanto. Protejam seus tesouros contra a perda, +investindo onde o principal esteja a salvo, onde possa ser reivindicado sempre +que o desejarem e onde fique claro para vocês que vão realmente conseguir uma +bela renda. Consultem homens experimentados. Sigam a opinião daqueles que +lidam habitualmente com dinheiro. Deixem que o tirocínio deles proteja seus +tesouros contra os investimentos de alto risco.” + + +A Quinta Solução + + +Façam do lar um investimento lucrativo + + +No quinto dia de aula, Arkad falou assim para os alunos: — Se um homem +separar nove partes dos seus ganhos para com elas viver e gozar a vida e se +ainda alguma delas puder ser empregada num investimento lucrativo sem +prejuízo de seu bem-estar, então seus tesouros crescerão rapidamente. + + +“A maioria dos babilônios mora muito mal com suas famílias. Pagam aluguéis +abusivos a rigorosos proprietários em troca de aposentos onde suas mulheres +não têm sequer um cantinho para plantar as flores que tanto alegram seus +corações, enquanto os filhos não podem brincar senão nas passagens escuras. + + +“Nenhuma família pode gozar plenamente a vida a menos que tenha um pedaço +de chão, onde as crianças possam brincar ao sol e onde a esposa possa plantar +não somente árvores frutíferas, mas também verduras para alimentar os seus. + + +“Que homem não se sentiria feliz em poder comer os figos de suas próprias +figueiras e as uvas de suas próprias videiras? Ter o seu próprio domicílio, com +um pedaço de chão disponível para cuidar e sentir orgulho, dar confiança ao +coração e maior ânimo a todos os seus esforços. Por isso, recomendo a todos os +homens que tenham seu próprio teto, a fim de contar com um abrigo para si e +para os seus. + + +“Ter o seu próprio lar não se acha além da capacidade de um homem bem- +intencionado. Nosso rei não estendeu tanto as muralhas da cidade que existem +atualmente muitas terras não usadas e que podem ser adquiridas por quantias +bem razoáveis? + + +“Posso lhes assegurar, meus discípulos, que os emprestadores de dinheiro vêem +com bons olhos os desejos do homem que procura um lar e um pedaço de terra +para a família. Poderão conseguir facilmente o empréstimo para contratar o +fabricante de tijolos e o construtor, se tiverem condições de apresentar uma + + +parte razoável da soma necessária para tão louvável propósito”. + + +“Quando a casa estiver pronta, poderão pagar ao emprestador de dinheiro com +a mesma regularidade com que anteriormente acertavam seus aluguéis. Como +cada pagamento irá paulatinamente reduzindo a dívida com o emprestador de +dinheiro, em poucos anos não estarão devendo mais nada a ele”. + + +“Seus corações se sentirão então felizes, porque estarão legitimamente na posse +de um bem estável e valioso, cuja única despesa serão os impostos reais”. + + +“Suas boas esposas irão mais freglentemente ao rio lavar a roupa, trazendo de +cada vez um saco de pele de cabra com água para regar as plantações”. + + +“Assim, muitas bênçãos recaem sobre o homem que tem sua própria casa. E isso +reduzirá em muito suas despesas, permitindo que uma parte maior de seus +ganhos possa ser destinada aos prazeres e à satisfação de seus desejos. E aí está +a quinta solução para a falta de dinheiro: Tenha o seu próprio lar.” + + +A Sexta Solução + + +Assegurem uma renda para o futuro + + +Arkad começou a sexta aula com estas palavras: + + +—A existência de todo homem vai da infância à velhice. Esse é o caminho da +vida, e nenhum homem pode desviar-se dele a menos que os deuses o chamem +prematuramente para o mundo do além. Por isso digo-lhes que cabe a todo +homem providenciar uma renda condizente para os dias futuros, quando ele não +for mais jovem, e providenciar que a família não fique na penúria, quando já +não puder contar com ele para o seu conforto e sustento. Esta lição lhes +ensinará a prover uma bela reserva para quando o próprio tempo os tiver +tornado menos capazes de aprender. + + +“O homem que, em virtude de sua compreensão das leis da riqueza, adquire +crescentes lucros acumulados deve ter o pensamento voltado para os dias +futuros. Deve planejar certos investimentos ou provisão que dure com segurança +por muitos anos, que estarão disponíveis quando chegar o tempo que ele tão +prudentemente previu”. + + +“Um homem pode prover-se com segurança para o futuro de diversas maneiras. +Pode buscar um esconderijo e ali enterrar o seu tesouro. Mas, por maiores que +sejam os cuidados para ocultá-lo, corre o risco de tornar-se uma festa para os +ladrões. Trata-se, portanto, de algo que não recomendo a ninguém. + + +“Pode comprar casas e terras para esse propósito. Se prudentemente escolhidas +em função de sua utilidade e valor futuros, permanecerão valorizadas, com +possibilidade de ótimos rendimentos e até de encontrar excelentes compradores, +se for o caso de vendê-las. + + +“Pode confiar uma pequena soma ao emprestador de dinheiro e aumentá-la em + + +períodos regulares. Os juros que oemprestador acrescenta ao capital logo o +tornará maior. Conheço um fazedor de sandálias, chamado Ansan, que me +contou um dia desses que todas as semanas, durante oito anos, confiou a seu +emprestador de dinheiro duas moedas de prata. O homem fez recentemente um +cálculo que deixou o fazedor de sandálias na maior felicidade. O total de seus +pequenos depósitos mais os rendimentos à taxa ordinária de um quarto de seu +valor a cada quatro anos atinge atualmente a soma de 1.040 moedas de prata. + + +“De bom grado encorajei-o a não parar de investir, demonstrando-lhe, através +de meus conhecimentos dos números, que em doze anos, desde que desse +segiência a essa economia de não mais que duas moedas de prata em cada +semana, o emprestador de dinheiro lhe devolveria quatro mil moedas de prata, +uma soma que o deixaria trangliilo para o restante da vida. + + +“Com certeza, quando um pagamento tão pequeno, feito com regularidade, +produz resultados tão lucrativos, só podemos concluir que nenhum homem pode +deixar de assegurar um tesouropara sua velhice e a proteção da família, não +importa quão prósperos venham se mostrando seus negócios e investimentos. + + +“Gostaria de poder falar mais sobre isso. Em meu espírito permanece a crença +de que algum dia homens de tirocínio descobrirão uma maneira de o cidadão +assegurar-se contra a morte através de pequenos depósitos regulares, assim +propiciando uma bela soma à família depois que tivesse de passar para o outro +mundo. Vejo isso como algo desejável, digno da mais alta recomendação. Mas +hoje ainda não é possível porque não haveria homem ou sócio com uma duração +de vida suficiente para operar tal sistema, que deve ser uma coisa tão estável +como o trono do rei. Sinto que algum dia um plano como esse existirá e será +uma grande bênção para muitos homens, porque mesmo o primeiro pequeno +pagamento tornará disponível uma razoável fortuna para a família dos membros +que viessem a falecer. + + +“Mas já que vivemos em nosso próprio presente e não nos dias que ainda estão +porvir, devemos tirar vantagem dos meios e métodos à disposição para realizar +nossos propósitos. Por isso recomendo a todos os homens que, por meios +prudentes e bem pensados, se garantam contra uma reserva minguada nos anos +de sua maturidade. Pois uma carência de fundos para um homem que já não se +acha em condições de ganhar dinheiro ou para uma família sem seu líder é uma +dolorosa tragédia”. + + +“Aqui temos, portanto, a sexta solução para a falta de dinheiro. Seja previdente +quanto às necessidades de sua velhice e quanto à proteção de sua família.” + + +A Sétima Solução + + +Aumente sua capacidade para ganhar +Foram as seguintes as palavras de Arkad para sua turma no sétimo dia: + + +— Hoje conversarei com vocês, meus discípulos, sobre um dos mais vitais +remédios para a falta de dinheiro. Mas o que me interessa hoje é menos o +dinheiro do que vocês mesmos, os homens por baixo das roupas multicores que +se acham sentados diantede mim. Falarei de todas essas coisas dentro da mente +e da vida dos homens que trabalham a favor ou contra o sucesso de cada qual. + + +“Não faz muito tempo veio até mim um jovem que precisava de um empréstimo. +Quando lhe perguntei por que estava necessitado de dinheiro, queixou-se de que +seus ganhos eram insuficientes para custear suas despesas. Em vista disso, +expliquei-lhe que, sendo esse o caso, ele era um cliente de risco para o +emprestador de dinheiro, já que não lhe sobraria nada para pagar o empréstimo”. + + +? “O que você precisa, meu jovem”, disse-lhe eu, “é de uma remuneração maior. +O que faz para aumentar sua capacidade de ganhos?" + + +? “Tudo o que posso”, respondeu ele. *Por seis vezes em duas luas procurei meu +patrão para pedir-lhe aumento, mas sem sucesso. Ninguém insiste tanto assim.” + + +“Não pude deixar de sorrir diante daquela ingenuidade, mas ele possuía um dos +mais vitais requisitos para aumentar seus ganhos. Dentro dele havia o enorme +desejo de ganhar mais, um correto e elogiável desejo”. + + +“O desejo é a condição para a realização. Os desejos devem ser fortes e +definidos. Desejos gerais não passam de vagas aspirações. O homem que deseja +ser rico manifesta um pequeno propósito. O homem que deseja cinco moedas de +ouro manifesta um propósito tangível, passível de ser buscado. + + +Depois de ter alimentado seu desejo por cinco moedas de ouro com a força de +propósito necessária, pode então procurar maneiras similares para obter dez +moedas, vinte moedas, mil moedas, até que finalmente se torna rico. Depois de +aprender a garantir um pequeno, mas definido, desejo terá suficiente + + +experiência para garantir um outro de maior amplitude. Este é o processo +através do qual a riqueza é acumulada: primeiro pequenas somas, depois +maiores, à medida que o homem aprende e se torna mais capaz. + + +“Os desejos devem ser simples e definidos. Costumam malograr, porém, quando +são muitos, confusos ou se acham além da capacidade de um homem realizá- +los” + + +“À proporção que um homem aperfeiçoa-se em seu ofício, sua capacidade para +ganhar dinheiro também cresce. Naqueles velhos tempos em que eu não passava +de um pobre escriba, gravando sobre tabuinhas de argila em troca de algumas +poucas moedas de cobre por dia, observei que outros trabalhadores produziam +mais do que eu e eram mais bem pagos. Por isso, resolvi que seria o melhor em +minha profissão. Não demorei muito a descobrir a razão do grande sucesso +deles. + + +Comecei a ter mais interesse pelo trabalho, a concentrar-me mais nas tarefas, a +ter mais persistência em meus esforços. Com o tempo, poucos homens podiam +igualar minha produção diária. + + +Mantendo um razoável ritmo de trabalho, minha crescente habilidade foi +recompensada, e não precisei procurar por seis vezes meu patrão em busca de +reconhecimento. + + +“Quanto mais conhecimentos adquirirmos, mais poderemos ganhar. O homem +que busca aprender sempre mais sobre sua profissão será ricamente +recompensado. Se for um artesão, deve informar-se sobre os métodos e +ferramentas utilizados por um companheiro de maior perícia no mesmo ramo. +Se trabalha com a lei ou com a assistência médica, pode consultar e trocar +informações com outros da mesma atividade. Se é um comerciante, deve +continuamente pesquisar boas mercadorias passíveis de serem vendidas a preços +mais baixos. + + +“Os negócios humanos mudam e aperfeiçoam-se, porque cidadãos +entusiasmados estão sempre procurando melhorar a própria habilidade a fim de +servirem com mais eficiência e qualidade aqueles de que dependem. Por isso +sugiro a todos os homens que se ponham na linha de frente do progresso e não +fiquem parados, sendo passados para trás. + + +“Muitas coisas podem enriquecer a vida de um homem com vantajosas +experiências. Aqui estão algumas resoluções que um homem deve tomar, se +respeita a si mesmo”: + + +“Ele deve pagar suas dívidas com toda a pontualidade de que for capaz, não +adquirindo nada que não tenha condições de saldar. + + +“Deve cuidar da família de modo que esta possa pensar e falar bem dele”. + + +“Deve fazer um testamento afim de que, caso os deuses o chamem para si, possa +ser feita uma divisão adequada e honesta de todos os seus bens”. + + +“Deve ter compaixão pelos que sofrem ou foram atingidos pela desventura e +ajudá-los na medida de suas possibilidades. Deve ter atenções para os que lhe +querem bem”. + + +“Assim, o sétimo e último remédio para a falta de dinheiro é cultivar suas +próprias aptidões, estudar e somar conhecimentos, tornar-se mais habilidoso e +agir sempre respeitando a si mesmo. Dessa forma,adquirirá suficiente +autoconfiança para realizar seus mais acalentados desejos”. + + +“São essas, portanto, as sete soluções para a falta de dinheiro, que, em função +da experiência acumulada durante uma longa e bem-sucedida vida, julgo poder +comunicar a todos os homens que desejam riqueza”. + + +“Há mais ouro na Babilônia, caros discípulos, do que pode sonhar qualquer um +de vocês. Há abundância para todos”. + + +“Vão e pratiquem essas verdades, para que possam prosperar e enriquecer +continuamente, como é de seu direito”. + + +“Vão e ensinem essas verdades a todos os súditos honestos do reino, para que +também eles possam partilhar com liberalidade da ampla riqueza de nossa +amada cidade.” + + +Encontrando a Deusa da Boa Sorte + + +“Se um homem tem sorte, não há como prever extensão possível de sua boa +fortuna. Joguem -no no Eufrates, e ele se salvará a nado com uma pérola na +mão.” + +— Provérbio babilônico + + +O DESEJO DE ter sorte é universal. Ele era tão forte no peito dos homens há +quatro mil anos na antiga Babilonia quanto o é atualmente no coração dos +homens. Todos nós esperamos ser favorecidos pela caprichosa deusa da boa +sorte. Há alguma maneira de encontrá-la e atrair não apenas sua atenção +favorável, mas também seus generosos favores? Há alguma maneira de atrair a +boa sorte? + + +Era exatamente isso que os antigos habitantes da Babilonia queriam saber. Eles +passavam por homens argutos e entusiasmados pensadores, o que explica por +que a velha cidade tornou-se a mais rica e a mais poderosa de seu tempo. Nessa +época distante não havia escolas nem colégios. Possuíam, entretanto, um centro +de aprendizado, uma verdadeira escola prática. Entre os prédios guarnecidos de +torres da Babilônia, havia pelo menos um que emulava em importância com o +palácio do rei, os jardins suspensos e os templos dos deuses. Os livros de +história quase não o mencionam, embora tivesse exercido uma poderosa +influência sobre o pensamento daquele tempo. + + +Tal prédio era o Templo do Saber, onde os conhecimentos do passado eram +apresentados por professores voluntários e onde assuntos de interesse popular +eram debatidos em reuniões abertas. Dentro de suas paredes todos os homens se +encontravam como iguais. O mais humilde dos escravos podia discutir sem +medo de represálias as opiniões de um príncipe da casa real. + + +Entre os muitos que frequentavam o Templo do Saber, havia um sábio chamado + + +Arkad, o homem mais rico da Babilonia. Ele tinha seu próprio salão especial, +onde quase todas as noites um grupo considerável de homens, alguns idosos, +alguns muito jovens, mas a maioria na meia-idade, reuniam-se para discutir e +perguntar sobre assuntos de interesse. Vamos supor que estamos ouvindo uma +dessas conversas para ver como eles encaravam a questão da boa sorte. + + +O sol tinha acabado de se pôr como uma grande bola de fogo brilhando através +da areia do deserto, quando Arkad subiu a seu costumeiro tablado. Perto de +oitenta homens já esperavam sua chegada, reclinados sobre pequenos tapetes +estendidos no chão, e mais gente ainda aparecia para aumentar a assistência. + + +— O que vamos discutir esta noite? — perguntou Arkad. Depois de uma breve +hesitação, um tecelão alto dirigiu-se a ele, levantando-se como era de costume. + + +— Tenho um assunto cuja discussão gostaria de ouvir, embora receie que pareça +ridículo a você, Arkad, e aos amigos aqui presentes. + + +Depois de incentivado por Arkad e pelos próprios colegas a apresentá-lo, ele +continuou: + + +— Creio estar com sorte hoje, pois achei uma bolsa com moedas de ouro dentro. +Meu grande desejo é continuar tendo sorte. Sentindo que todos os homens +compartilham comigo tal desejo, sugiro que debatamos como atrair a boa sorte, +para que possamos descobrir maneiras de contar com ela. + + +— Um belo e interessante tema acaba de ser proposto — comentou Arkad —, na +verdade, um dos mais valiosos de nossa discussão. Para alguns homens, a boa +sorte não passa de um acontecimento casual que, como um acidente, pode +ocorrer a alguém sem propósito ou razão. Outros acreditam que a responsável +por qualquer boa fortuna é a nossa mais generosa deusa, Ashtar, sempre ansiosa +para recompensar com belas dádivas aqueles que lhe agradam. Respondam, +meus amigos, devemos pesquisar se existem meios pêlos quais a boa sorte possa +ser incentivada a visitar cada um de nós? + + +— Sim! Sim! E muito mais que isso! — respondeu o crescente grupo de ávidos +ouvintes. + + +— Para começar nossa discussão — continuou Arkad —, ouçamos primeiro + + +aqueles dentre nós que passaram por experiências similares à do tecelão, tendo +achado ou recebido, sem qualquer esforço de sua parte, tesouros valiosos ou +jóias. + + +Houve uma pausa, todos esperando que alguém tomasse a palavra para atender +à sugestão de Arkad, mas ninguém o fez. + + +— Mas como, ninguém? — disse Arkad —, então esse tipo de boa sorte deve ser +realmente raro. + + +Quem agora oferecerá uma sugestão para continuarmos nossa busca? + + +— Eu o farei — disse um jovem bem-vestido, levantando-se. — Quando um +homem fala de sorte, não é natural que seus pensamentos estejam voltados para +as mesas de jogo? Não é ali que encontramos muitos homens cortejando o favor +da deusa na esperança de que ela os faça ganhar a todo momento? + + +Como o jovem tivesse, depois dessas breves palavras, retomado seu lugar, uma +voz ergueu-se: + + +— Não pare! Continue sua história! Diga-nos: por acaso pôde contar com o +favor da deusa nas mesas de jogo? Ela fez com que os cubos caíssem com o lado +vermelho virado para cima, enchendo sua bolsa à custa do homem das apostas, +ou, ao contrário, permitiu que o lado azul fosse o vitorioso, propiciando ao +outro passar a mão em suas moedas de prata arduamente conquistadas? + + +O jovem juntou-se aos risos sem maldade da sala e replicou: + + +— Não posso deixar de admitir que a deusa não parecia saber que eu me achava +no local. Mas e quanto aos demais? Encontraram-na esperando em tais lugares +para rolar os cubos em favor de vocês? Estamos ávidos para ouvir tanto quanto +para aprender. + + +— Um sábio começo — atalhou Arkad. — Achamo-nos aqui para considerar +todos os lados de cada questão. Ignorar as mesas de jogo seria fechar os olhos a +um instinto comum a muitos homens que gostam de tentar a sorte, apostando +uma pequena soma de dinheiro na esperança de conseguir somas bem maiores. + + +— Isso me traz à lembrança as corridas de ainda ontem — gritou um outro + + +ouvinte. — Se a deusa frequenta as mesas de jogo, certamente não desdenha as +corridas, onde carros de guerra dourados e cavalos espumantes oferecem muito +mais excitação. Conte-nos honestamente, Arkad, foi ela quem lhe soprou que +devia apostar naqueles cavalos cinza de Nínive? Eu estava de pé bem a seu lado +e mal pude acreditar em meus olhos quando o vi apostando neles. Você sabe tão +bem quanto nós que nenhuma parelha em toda a Assíria pode competir com +nossos amados baios numa bela corrida. + + +“A deusa por acaso soprou em seus ouvidos que apostasse nos cavalos cinza +porque na última volta o preto, que corria por dentro, tropeçaria, atrapalhando +de tal modo nossos rapazes que os cavalos de Nínive acabariam ganhando o +páreo numa vitória inesperada?” + + +Arkad sorriu indulgentemente devido ao gracejo. + + +— Que motivo temos para pensar que a boa deusa se ocuparia das apostas de +um homem num cavalo de corrida? Para mi m, ela é uma deusa de amor e +dignidade cujo prazer consiste em ajudaros necessitados e recompensar aqueles +que fizeram por onde merecer. Espero encontrá-la não nas mesas de jogo + + +ou nas corridas em que os homens perdem mais do que ganham, mas nos +lugares onde as ações + + +humanas têm mais valor e são mais dignas de recompensa. + + +“No cultivo da terra, nas relações comerciais honestas, em qualquer ocupação +humana há + + +oportunidade de lucros decorrentes do esforço pessoal e de negócios bem +realizados. Naturalmente, nem sempre o indivíduo será recompensado, porque +ds vezes seu juízo pode falhar, tanto quanto, em outras ocasiões, os ventos c o +mau tempo podem acarretar o malogro de todos os seus esforços. Mas, se +persistir, poderá contar com bons lucros no futuro. Isso acontece porque as +chances de lucro estão sempre a seu favor. + + +“Mas, quando um homem joga apostando, a situação se inverte, pois as +possibilidades de lucro acham-se fregiientemente contra ele e a favor daquele +que dirige a banca. O jogo sempre beneficia este último. Faz parte do negócio + + +que ele tenha direito a uma percentagem sobre as quantias apostadas. Poucos +jogadores percebem como são certos os lucros do dono da banca e como são +incertas suas próprias chances de vencer. + + +“Consideremos como exemplo as apostas feitas no jogo de cubos. Toda vez que +o cubo é lançado nós apostamos no lado que cairá virado para cima. Se der o +vermelho, o dono da banca tem de nos pagar quatro vezes o valor de nossa +aposta. Se der, entretanto, qualquer outro dos cinco lados restantes, perdemos. +Assim, em cada jogada contamos com cinco chances de perder, mas, uma vez +que o vermelho paga quatro por um, temos quatro chances de vencer. Numa +única noite de jogo, o dono da banca pode contar com lucros certos no valor de +um quinto de todas as apostas feitas. Pode um homem esperar vencer senão +ocasionalmente contra vantagens arranjadas de tal modo que, pelo simples fato +dele entrar numa casa de jogo, já o despojam de um quinto de suas apostas?” + + +— Mas há casos em que alguns homens conseguem ganhar somas bastante altas +— arriscou um dos ouvintes. + + +— Certamente — continuou Arkad. — Percebendo isso, pergunto-me se o +dinheiro conseguido dessa maneira traz um valor permanente áqueles que têm +sorte. Entre meus conhecidos se acham muitos dos mais exitosos homens da +Babilônia, mas sinto-me incapaz de apontar um único que tenha começado a +triunfar a partir de uma fonte como essa. + + +“Todos vocês aqui reunidos esta noite conhecem muitos de nossos abastados +cidadãos. Seria do maior interesse para mim saber quantos deles podem +creditar às mesas de jogo o início de seus anos venturosos. E se cada um de +vocês falasse dos que conhece. O que dizem?” + + +Depois de prolongado silêncio, um gaiato aventurou: +— Sua pergunta inclui os donos da banca? + + +— Se não se lembra de mais ninguém... — respondeu Arkad. — Se nenhum de +vocês pode lembrar-se de ninguém, que tal vocês mesmos? Há bons vencedores +por aqui hesitando em recomendar o jogo como uma possível fonte de renda? + + +Seu desafio teve como resposta gemidos procedentes do fundo da platéia, que + + +arrancaram muitos risos. + + +— Teríamos a impressão de não estarmos procurando a boa sorte nos lugares +que a deusa costuma frequentar — continuou ele. — Sendo assim, vamos +explorar outros campos. Já vimos portanto que ela não se acha no fato de +toparmos casualmente com uma carteira perdida, nem nas mesas de jogo. +Quanto às corridas, devo confessar que perdi mais dinheiro do que ganhei. + + +“Vejamos agora nossas ocupações e negócios. Não é natural que, em seguida a +uma vantajosa transação, consideremos isso não como um belo lance da sorte, +mas como uma justa recompensa pelos nossos esforços? Estou inclinado a +pensar que podemos estar desprezando as dádivas da deusa. Talvez ela +realmente nos assista quando não apreciamos sua generosidade. Alguém sugere +uma outra discussão?” + + +Um comerciante idoso levantou-se, repuxando sua elegante vestimenta branca. + + +— Com a permissão de vocês, honrado Arkad e caros amigos, ofereço uma +sugestão. Se, como você disse, devemos acreditar em nossa própria habilidade e +capacidade para o êxito de nossos negócios, por que não considerar os sucessos +que estivemos a ponto de obter, mas que nos escaparam, situações que teriam +sido mais lucrativas? Elas teriam sido um raro exemplo de boa sorte se +realmente tivessem ocorrido. Como não se concretizaram, não podemos +considerá-las como nossa justa recompensa. Certamente haverá entre nós +homens capazes de relatarem experiências nesse sentido. + + +— Trata-se de uma bela abordagem — aprovou Arkad. — Quem entre vocês teve +ao alcance uma boa sorte somente para vê-la escapar? + + +Muitas mãos se ergueram, inclusive a do comerciante idoso. Arkad animou-o a +tomar a palavra. + + +— Como autor da proposta, gostaríamos de ouvi-lo primeiro. + + +— Contarei de bom grado a vocês uma história — disse ele — que ilustra como +a boa sorte pode chegar tão perto de um homem e quão cegamente pode ele +permitir que ela escape, trazendo perda e remorso. + + +“Há muitos anos, quando ainda era jovem, recém-casado e no começo de uma + + +promissora carreira, meu pai me procurou e insistiu energicamente comigo para +que eu participasse de um determinado investimento. O filho de um de seus +amigos tivera conhecimento de um pedaço de terra estéril não muito além das +muralhas de nossa cidade. Ficava bem acima do canal e não era alcançado +pelas águas. + + +“O filho do amigo de meu pai arquitetou um plano para comprar essa terra, +construir três grandes rodas d'água que pudessem ser movidas por bois e dessa +maneira trazer até ali a água necessária. Depois, dividiria a terra em pequenos +lotes e buscaria compradores entre os residentes da cidade”. + + +“Mas ele não tinha dinheiro suficiente para levar a cabo um empreendimento +desses. Tal como eu, era jovem e contava com vencimentos apenas satisfatórios. +Seu pai, como o meu, tinha uma grande família e poucos recursos. Por isso +resolveu ajudar o filho, tentando convencer um grupo de cidadãos a entrar na +empresa com ele. Seria um grupo de doze pessoas, cada uma das quais se +comprometeria a dar um décimo de seus ganhos para o empreendimento até que +a terra estivesse em condições de ser vendida. Cada qual então participaria dos +lucros obtidos proporcionalmente ao que tivesse empenhado no investimento”. + + +”» “Você, meu filho”, disse-me meu pai, “acha-se agora na juventude. É meu +profundo desejo que comece a construir uma sólida posição para que se torne +respeitado entre os homens. Gostaria que se valesse de meus conhecimentos em +razão dos próprios erros desatinados que andei cometendo no passado.º + + +2 “E o que desejo mais ardentemente, meu pai”, respondi-lhe. + + +? “Então, eis meu conselho. Era o que eu deveria ter feito na sua idade. Separe +sempre um décimo de seus ganhos para empregá-lo em investimentos favoráveis. +Com esse décimo e com o que ele próprio terá condições de obter, você poderá, +muito antes de chegar à idade em que me encontro, ter acumulado uma +considerável soma.” + + +2 “O que está dizendo, meu pai, são palavras de sabedoria. Realmente desejo +enriquecer. Mas há muitas maneiras de empregar meu dinheiro. Por isso estou +ainda hesitante quanto a seguir seus conselhos. Sou jovem. Há muito tempo.” + + +? “Pensei do mesmo modo em sua idade e, como pode ver, muitos anos + + +acabaram se passando sem que eu tivesse dado sequer os primeiros passos." +? “Vivemos numa época diferente, pai. Evitarei cometer os seus erros.” + + +? “A oportunidade se apresenta diante de você, meu filho. E está oferecendo uma +chance que pode levá-lo à riqueza. Imploro-lhe, não adie as coisas. Procure +amanhã mesmo o filho de meu amigo e combine com ele pagar dez por cento +dos seus ganhos para esse investimento. Sim, vá amanhã mesmo. A +oportunidade não espera por ninguém. Hoje está aqui; amanhã já não sabemos +para onde se foi. Por isso, não perca tempo!" + + +“Apesar dos conselhos de meu pai, hesitei. Tinham acabado de chegar à cidade, +trazidas por mercadores vindo do leste, roupas tão refinadas que eu e minha boa +esposa logo pensamos em comprar. Se tivesse de destinar um décimo de todos os +meus ganhos para o tal investimento, seria obrigado a privar-nos desse e de +outros prazeres tão desejados. Demorei a tomar uma decisão, até que ficou +tarde demais. Tempos depois acabei me arrependendo. O empreendimento +revelou-se mais vantajoso do que qualquer um dos participantes podia prever. +Essaé minha história, mostrando como permiti que a boa sorte escapasse.” + + +— Nessa história vemos como a boa sorte costuma procurar o homem que +acredita nas oportunidades — comentou um homem moreno do deserto. — Para +construir uma sólida posição é sempre necessário um começo. Esse começo +podem ser algumas moedas de ouro ou de prata que um homem separa dos +próprios ganhos para o seu primeiro investimento. Eu, por exemplo, +souproprietário de muitas cabeças de gado. Tudo começou, quando ainda não +passava de um rapazinho, com a compra de um bezerro por uma moeda de +prata. Sendo o início de minha riqueza, isso teve uma grande importância para +mim. + + +“Dar o primeiro passo para construir uma sólida posição é uma boa sorte que +pode acontecer a qualquer homem. O primeiro degrau, transformando os +cidadãos que ganham por seus próprios esforços em homens que começam a ter +lucros pelo bom emprego de seu dinheiro, é sempre importante. Alguns, +afortunadamente, fazem isso quando jovens e deixam para trás, em termos de +sucesso financeiro, aqueles que só o fizeram muito tarde ou aqueles que +infelizmente, como o pai do mercador que acabamos de ouvir, nunca o fizeram. + + +“Tivesse nosso amigo, o mercador, seguido esse rumo em sua juventude, quando +a oportunidade se lhe apresentou, hoje estaria cumulado de muitos bens do +mundo. Se a boa sorte de nosso amigo tecelão o incentivar a subir um degrau +como esse por sua vez, ele não será mais que o começo de uma fortuna muito +maior.” + + +— Obrigado! Gostaria de falar também. — Um homem de outro país levantou- +se. — Sou sírio. Não falo bem o idioma de vocês. Quero chamar esse amigo, o +mercador, por um nome, embora vocês possam achar que não se trata de um +termo polido. Mas acho que é o único que ele merece. Só que não conheço a +palavra certa aqui na Babilonia. Se usar o meu próprio idioma, vocês não +entenderão. Por isso, por favor, cavalheiros, digam-me o nome correto para +todo aquele que costuma deixar para depois coisas que podem ser boas para +ele. + + +— Procrastinador — gritou uma voz. + + +— É isso! — berrou o sírio, agitando muito as mãos —, ele despreza as +oportunidades quando elas aparecem. Prefere esperar. Ele diz: no momento já +estou com muito bons negócios, daqui a pouco a gente vê isso. As oportunidades +não esperarão por um companheiro tão lento como esse. Elas acham que, se um +homem deseja realmente ter sorte, deve apressar-se. O sujeito que não se atira +quando as oportunidades se apresentam não passa de um procrastinador como +o nosso amigo, esse mercador. + + +O mercador levantou-se, curvando-se logo em seguida, respeitosamente, em +resposta ao riso geral. + + +— Tem toda a minha admiração, estrangeiro dentro de nossos portões, por não +hesitar em falar a verdade. + + +— Ouçamos agora uma outra história sobre oportunidades — atalhou Arkad. — +Quem poderia falar agora? + + +— Eu — respondeu um homem de meia-idade. — Sou um comprador de animais, +em geral camelos e cavalos. Às vezes também compro ovelhas e cabras. A + +história que tenho para contar mostrará como a oportunidade veio até mim uma +noite, quando menos a esperava. Foi talvez por isso que a deixei escapar. Confio + + +a vocês, entretanto, o julgamento. + + +“Retornando à cidade uma noite, depois de uma desencorajadora expedição de +dez dias em busca de camelos, fiquei muito irritado por encontrar os portões da +cidade fechados e trancados. Enquanto meus escravos armavam a tenda para o +pernoite, que seria passado com pouca comida e sem água, aproximei-me deum +fazendeiro idoso que, como nós mesmos, achava-se fora das muralhas. ” +“Honrado senhor”, dirigiu-se ele a mim, “por sua aparência, julgo estar falando +com um comprador. Se eu estiver certo, muito me agradaria vender-lhe o mais +excelente rebanho de ovelhas a um ótimo preço. Ai de mim, minha esposa +encontra-se de cama, ardendo em febre. Preciso voltar o mais depressa possível. +Compre minhas ovelhas, para que eu e meus escravos montemos em nossos +camelos e partamos imediatamente.” + + +“Estava tão escuro que eu não podia ver o rebanho, mas pêlos balidos imaginei +que devia ser bastante grande. Havendo consumido inutilmente dez dias à +procura de camelos, fiquei contente em fazer negócio com ele. Em sua +ansiedade, o homem acabou fixando um preço bem interessante. Aceitei, +sabendo que meus escravos podiam conduzir o rebanho através dos portões da +cidade, pela manhã,e vendê-lo com um lucro substancioso. + + +“Fechado o negócio, ordenei aos escravos que trouxessem tochas a fim de +contarmos o rebanho, que, segundo as declarações do fazendeiro, tinha +novecentas cabeças. Não vou sobrecarregá-los, meus amigos, com a narração +de nossas dificuldades para contar esses animais cansados, mortos de fome e de +sede. Isso se revelou uma tarefa impossível. Por isso, disse claramente ao +fazendeiro que eu teria de esperar a luz do dia para conferir o rebanho e que só +então lhe pagaria. + + +? “Por favor, honrado senhor”, lamentou-se ele, “conceda-me dois terços do +preço esta noite para que eu possa partir. Deixarei meu escravo mais inteligente +e educado para ajudá-lo na contagem pela manhã. Ele é de minha inteira +confiança, e o senhor poderá pagar-lhe o restante. + + +“Mas eu era cabeçudo e me recusei a fazer qualquer pagamento naquela noite. +No outro dia, antes de despertar, os portões da cidade foram abertos, e quatro +compradores saíram correndo à procura de rebanhos. Estavam ávidos e +dispostos a pagar altos preços, porque a cidade achava-se ameaçada de sítio, e + + +não havia comida suficiente. O velho fazendeiro conseguiu pelo rebanho três +vezes o preço que tinha combinado comigo. Foi desse modo que permiti que a +boa sorte escapasse.” + + +— Essa é uma história extraordinária — comentou Arkad. — Que lição podemos +tirar dela? + + +— A lição de que devemos fechar imediatamente um negócio quando estamos +convencidos de que ele vale a pena — declarou um venerável fabricante de +selas. — Se o negócio for bom, você precisa proteger-se tanto contra sua +própria fraqueza quanto contra qualquer outro concorrente. Nós mortais somos +mutáveis. Quero dizer, mais aptos a mudar de opinião quando estamos certos do +que quando estamos errados. Nós somos realmente cabeçudos, estamos +constantemente propensos a vacilar e deixar as oportunidades escaparem. Meu +primeiro juízo é sempre o melhor. Mas sempre encontrei dificuldade para +obrigar-me a prosseguir com um bom negócio. Por isso, como uma + + +proteção contra minhas próprias fraquezas, faço imediatamente um depósito +para garanti-lo. Isso me resguarda contra futuros remorsos por não ter +aproveitado uma eventual boa sorte. + + +— Obrigado! Gostaria de falar novamente. — O sírio estava de pé. — Tais +histórias são muito parecidas. As oportunidades fugindo pela mesma razão. +Estão sempre ao alcance das mãos do procrastinador, trazendo-lhe bons planos. +Ele sempre hesita, acha que deve esperar uma ocasião + + +melhor, o tempo passando. Como pode ser bem-sucedido o homem que age +assim? + + +— Sábias palavras, meu amigo — respondeu o comprador. — A boa sorte dá as +costas à procrastinação nessas duas histórias. Mas isso não é incomum. O +espírito de procrastinação está dentro de todos os homens. Queremos ser ricos, +mas, sempre que as oportunidades aparecem diante de nós, esse espírito de +procrastinação nos incita, com o nosso próprio consentimento, a adiar as +coisas. Por dar ouvidos a ele, tornamo-nos nossos piores inimigos. + + +“Em minha juventude não identificava essa tendência dos homens com o +vocábulo que tanto agradou a nosso amigo da Síria. Pensava, no início, que era + + +o meu pobre juízo que me fazia perder negócios tão lucrativos. Mais tarde joguei +a culpa na minha teimosia. Por fim, tive de dar o braço a torcer—tratava-se de +um hábito de adiamento desnecessário onde se precisava de uma ação rápida e +decisiva. Como odiei a procrastinação quando a verdade finalmente se mostrou. +Com a amargura de um asno selvagem preso a uma carroça, fugi desse inimigo +de meu sucesso.” + + +— Obrigado! Gostaria de fazer uma pergunta ao Sr. Mercador. — Era o sírio +outra vez. — Você usa roupas finas, que em nada se parecem com as de um +homem pobre, e fala como um homem bem-sucedido. Conte-nos, você ainda dá +ouvidos à procrastinação? + + +— Como o comprador nosso amigo — respondeu o mercador —, eu também +acabei por reconhecer a procrastinação e bani-la. Para mim, ela provou ser +uma inimiga, pois me observava, esperando ver frustradas minhas realizações. +A história que contei é apenas uma entre os muitos exemplos similares que +poderiam ser citados para mostrar como isso me desviou de minhas +oportunidades. + + +Depois que compreendemos, não é difícil superar tal coisa. Nenhum homem +permite voluntariamente que o ladrão roube suas sacas de cereais. Tampouco +permite voluntariamente que um inimigo seduza seus clientes ou roube seus +lucros. Quando uma vez percebi que meu inimigo estava praticando ações como +essas, subjuguei-o com determinação. Assim, todo homem deve dominar seu +próprio espírito de procrastinação se quiser participar dos ricos tesouros da +Babilônia. + + +“O que diz, Arkad? Como você é o homem mais rico da Babilônia, muita gente +acha que você é um sortudo. Concorda comigo em que nenhum homem pode +alcançar uma grande soma de sucesso até que tenha completamente esmagado o +espírito de procrastinação dentro de si?” + + +— As coisas realmente se passam como você afirma — admitiu Arkad. — +Durante minha longa vida observei gerações e gerações seguindo adiante por +esses caminhos dos negócios, ciência e aprendizado que conduzem ao sucesso +na vida. As oportunidades surgem na vida de todos os homens. Alguns se +agarram a elas e direcionam-se para a satisfação de seus mais profundos +desejos, mas a maioria hesita, falha e fica para trás. + + +Arkad voltou-se para o tecelão. + + +— Você sugeriu que discutíssemos sobre a boa sorte. Deixe-nos saber o que +pensa agora sobre o assunto. + + +— Vejo a boa sorte sob uma luz diferente. Tinha pensado nisso como a coisa +mais desejável que pudesse acontecer a um homem, sem grande esforço de sua +parte. Agora percebo que não se trata de situações que alguém possa atrair +para si mesmo. A partir de nossa discussão aprendi que para atrairá boa sorte, +é necessário aproveitar as oportunidades. Por isso, no futuro, farei o melhor que +puderquando as oportunidades surgirem para mim. + + +— Você pegou bem o sentido das verdades trazidas à luz por nossa discussão — +replicou Arkad. — A boa sorte, de acordo com o que vimos, segue de perto as +oportunidades, mas raramente chega de outro modo. O mercador nosso amigo +teria sido um eleito da boa fortuna, se tivesse aproveitado a oportunidade que a +boa deusa pôs diante dele. Nosso amigo comprador, da mesma maneira, teria +sido outro eleito da boa fortuna, se não houvesse hesitado em comprar na hora +o rebanho de ovelhas, vendendo-o em seguida a um preço bastante vantajoso. + + +“Prosseguimos a discussão até encontrares meios pêlos quais a boa sorte pode +ser atraída para nós. Creio que achamos o caminho. Duas histórias ilustraram +como a boa sorte éconsegiiência das oportunidades. Aqui está a moral que +reside em histórias similares sobre a boa sorte, tenha esta sido aproveitada ou +não: A boa sorte pode ser atraída desde que estejamos atentos às +oportunidades. + + +“Aqueles que se mostram ávidos por aproveitar as oportunidades para o seu +próprio êxito atraem o interesse da boa deusa. Ela está sempre ansiosa para +ajudar aqueles que lhe agradam. E os homens de ação são os que mais +conseguem isso. + + +“A ação os conduzirá ao encontro do sucesso que vocês tanto desejam.” + + +“Os homens de ação são favorecidos pela deusa da boa sorte” + + +As Cinco Leis de Ouro + + +— UM SACO cheio de ouro ou uma tabuinha de argila gravada com palavras +sábias; se vocês tivessem que decidir-se por um ou por outra, qual escolheriam? + + +A bruxuleante luz de uma fogueira feita com arbustos do deserto, o rosto +queimado de sol dos ouvintes brilhou com interesse. + + +— O ouro, o ouro — disseram a uma só voz os 27 ali reunidos. O velho Kalabab +sorriu astuciosamente. + + +— Atenção — atalhou ele, levantando o braço. — Ouçam os cães selvagens +ferindo a noite. Eles uivam e ganem porque estão mortos de fome. Mas dêem-lhe +de comer, e o que fazem? Começam a brigar e a andar empertigados. E +continuam brigando e andando empertigados, sem dispensarem um único +pensamento ao dia seguinte, que certamente virá. + + +“O mesmo acontece com os filhos dos homens. Pecam-lhes que escolham entre o +ouro e a sabedoria — e o que fazem por sua vez? Ignoram a sabedoria e +devoram o ouro. No dia seguinte tornam-se uns bebês chorões porque não têm +mais ouro. + + +“O ouro está reservado áqueles que conhecem suas leis e permanecem fiéis a +elas.” + + +Kalabab escondeu as pernas magras sob a túnica branca, porque tinha +começado a soprar o frio vento da noite. + + +— Uma vez que vocês me serviram lealmente durante nossa longa jornada, +cuidaram de meus camelos, cruzaram penosamente, mas sem queixas, a areia +quente do deserto e enfrentaram bravamente os ladrões que tentaram despojar- +me de minhas mercadorias, contar-lhes-ei esta noite a história das cinco leis de +ouro, uma história diferente de qualquer outra que já tenham ouvido antes. + + +“Ouçam com profunda atenção minhas palavras, pois, se conseguirem assimilá- +las apropriadamente, terão condições de reunir no futuro uma grande fortuna.” + + +Para causar efeito, fez uma pausa. Sobre um dossel azul, as estrelas brilhavam +no céu claro como cristal da Babilonia. Atrás, o grupo prendia firmemente suas +desbotadas tendas ao chão contra as possíveis tempestades de areia. Mais para +o lado, achavam-se os grandes fardos de mercadoria caprichosamente +empilhados e cobertos por peles. Próximo dali, o rebanho de camelos espojava- +se na areia, alguns ruminando, satisfeitos, enquanto outros dormiam, enchendo +o ar com seus roncos. + + +— Você nos contou muito boas histórias, Kalabab — disse o chefe dos +enfardadores. — Confiamos em que sua sabedoria nos guie até o dia seguinte, +quando então teremos concluído nossos serviços contigo. + + +— Falei-lhes de minhas aventuras em terras estranhas e distantes, mas esta +noite quero tecer comentários sobre a sabedoria de Arkad, um homem venturoso +e tarimbado. + + +— Ouvimos falar muito dele — confessou o chefe dos enfardadores —, pois foi o +homem mais rico que já viveu na Babilonia. + + +— Sim, ele foi realmente o mais rico, e isso porque sabia, como nenhum outro +homem antes dele, como ganhar dinheiro. Esta noite falarei sobre os seus +grandes conhecimentos, de acordo com as informações que Nomasir, seu filho, +me comunicou há muitos anos em Nínive, quando eu não passava de um garoto. + + +“Meu patrão e eu mesmo ficamos uma vez até tarde da noite no palácio de +Nomasir. Eu tinha ajudado meu patrão a carregar grandes fardos de tapetes +caríssimos para serem examinados por Nomasir, até que sua escolha das cores o +deixasse satisfeito. Por fim, ele se mostrou bastante simpático e ordenou que nos +sentássemos com ele para saborear um vinho delicioso, de requintado buquê, + + +que aqueceu meu estômago tão desacostumado dessas bebidas finas. + + +“Foi nessa noite que o anfitrião nos contou a história da grande sabedoria de +Arkad, seu pai, em termos que tentarei reproduzir diante de vocês da melhor +maneira possível. + + +“É costume na Babilônia, como sabem, que os filhos de pais ricos vivam na casa +paterna esperança de herdarem seus bens. Arkad não aprovava tal costume. Por +isso, quando Nomasir atingiu a maioridade, mandou chamar o jovem e dirigiu- +lhe estas palavras: + + +? “Meu filho, é meu desejo que você herde todos os meus bens. Entretanto, +primeiro deve provar que é capaz de administrá-los adequadamente. Por isso, +quero que saia pelo mundo e mostre sua competência para ganhar dinheiro e +tornar-se um homem respeitado entre nossa gente. + + +? “Para você começar bem, lhe darei duas coisas que eu mesmo não tive quando +iniciei, como um pobre rapaz, a construção de minha fortuna. + + +” “Primeiro, passo-lhe às mãos este saco com moedas de ouro. Se usá-lo com +discernimento, ele constituirá a base de seu futuro sucesso. + + +? “Segundo, deixo sob sua custódia esta tabuinha de argila onde estão gravadas +as cinco leis de ouro. Se conseguir transportar o espírito delas para os seus +próprios atos, elas lhe trarão competência e segurança. + + +? “Daqui a dez anos, volte à casa de seu pai e dê-lhe conta de tudo o que fez. Se +eu achar que se mostrou valoroso e me apresentar provas disso, eu o farei +herdeiro de todos os meus bens. Por outro lado, comunicarei tudo isso aos +sacerdotes, para que eles possam trocar por minha alma a generosa +consideração dos deuses.” + + +“Assim, Nomasir partiu em busca de seu próprio caminho, pegando o saco de +ouro, a tabuinha de argila cuidadosamente envolta em tecido de seda, seu +escravo e os animais de carga e de montaria. + + +“Os dez anos se passaram, e Nomasir, como tinha sido combinado, retornou à +casa do pai, tendo este providenciado uma grande festa em sua homenagem e +para a qual convidara grande número de amigos e parentes. Terminadas as + + +comemorações, pai e mãe acomodaram-se em seus ricos assentos num dos lados +do grande salão, e Nomasir apresentou-se diante deles para prestar contas de +sua viagem, como tinha prometido ao pai. + + +“Era noite. O aposento estava impregnado com a fumaça dos pavios dos +candeeiros, que produziam uma fraca iluminação. Escravos em túnicas brancas +abanavam ritmicamente o úmido ar com longas folhas de palmeira. Uma +pomposa dignidade dava colorido à cena. A esposa de Nomasir e seus dois +filhos ainda pequenos, com amigos e outros membros da família, estavam +sentados sobre tapetes atrás dele, ouvindo avidamente. + + +” “Meu pai”, começou a dizer Nomasir, cheio de respeito, “inclino-me diante de +sua sabedoria. Há dez anos, quando me achava às portas da maioridade, o +senhor incentivou-me a partir e a tornar-me um homem entre os homens, em vez +de permanecer nesta cidade como um vassalo de sua fortuna. + + +2 “E me deu um saco com moedas de ouro. E me concedeu liberalmente as +atenções de sua sabedoria. Quanto ao ouro, ai de mim!, devo admitir que não o +usei com perícia. Ele fugiu de minhas inexperientes mãos como a lebre selvagem +foge, na primeira oportunidade, do jovem que a caça.” + + +“O pai sorriu indulgentemente. +? “Continue, meu filho, sua história me interessa em todos os seus detalhes.” + + +? “Decidi ir para Nínive, uma próspera cidade, acreditando que ali encontraria +oportunidades. Juntei-me a uma caravana e fiz entre seus membros numerosos +amigos. Ali também se achavam dois homens bem-falantes que tinham um +belíssimo cavalo branco, rápido como o vento. + + +” “Enquanto viajávamos, eles me disseram que havia em Nínive um homem +riquíssimo, dono de um cavalo tão veloz que nunca tinha sido derrotado. Por +sinal, não acreditava que pudesse existir cavalo mais corredor que o dele. Por +isso estava disposto a apostar qualquer soma, por mais alta que fosse, em como +seu cavalo venceria qualquer outro em toda a Babilonia. Comparado ao deles, +zombavam meus amigos, o animal do niniviano não passava de um pangaré que +podia ser batido com facilidade. + + +? “Propuseram-me então, como se estivessem me fazendo um grande favor, +participar com eles da aposta. Fiquei logo entusiasmado com o plano. + + +? “Nosso cavalo levou uma surra vergonhosa, e acabei perdendo grande parte +do ouro.” O pai não pôde deixar de rir. “Mais tarde descobri que se tratava de +um plano fraudulento desses crápulas e que eles constantemente viajavam com +caravanas, procurando sempre novas vítimas. Creio que todos aqui já +perceberam que o homem em Nínive era um associado deles, que dividia entre +os três os lucros da aposta. Esse astucioso golpe me deu minha primeira lição, +incitando-me a ter mais cuidado daí para a frente. + + +” “Logo aprenderia outra, igualmente amarga. Na caravana havia um outro +jovem com quem estreitei laços de amizade. Ele era filho de pais ricos, como eu, +viajando a Nínive a fim de encontrar uma posição conveniente. Não muito +depois de nossa chegada, me contou que um comerciante tinha morrido, +deixando uma loja repleta de ricas mercadorias e uma clientela de primeira +qualidade que podiam ser adquiridas por um preço insignificante. Dizendo que +seríamos sócios em partes iguais, mas que antes precisava voltar à Babilonia +para investir seu dinheiro, convenceu-me a comprar a loja apenas com a minha +parte, acrescentando que a dele seria usada mais tarde para levar adiante o +empreendimento. + + +? “Ele adiou quanto pôde sua viagem à Babilonia, provando nesse meio tempo +ser um comprador burro e um gastador insensato. Por fim mandei-o embora, +mas o negócio já se deteriorara, a loja repleta de mercadorias que ninguém +queria comprar e eu sem dinheiro para adquirir outras. Passei o que restava a +um israelita por um preço desprezível. + + +? “A isso se seguiram, meu pai, dias bastante amargos. Procurei emprego e não +encontrei, pois não tinha profissão nem treinamento que me capacitassem a +ganhar o meu dinheiro. Vendi meus cavalos. Vendi meu escravo. Vendi grande +parte de minhas roupas para que pudesse comer e ter um lugar para dormir, +mas a escassez tornava-se a cada dia mais assustadora. + + +? “Nesses dias amargos, porém, lembrei-me da confiança que o senhor tinha +depositado em mim. O senhor insistiu comigo para que me tornasse um homem, +e eu estava disposto a não desapontá-lo.” A mãe escondeu o rosto e chorou +baixinho. + + +” “Foi então que me veio à memória a tabuinha que o senhor me dera e onde +tinha gravado as cinco leis de ouro. Li com extremo cuidado suas sábias +palavras e percebi que, se ao menos tivesse buscado primeiro a sabedoria, meu +ouro não teria ido embora. Decorei cada uma das leis e + + +determinei que, se ainda uma próxima vez a deusa da boa fortuna sorrisse para +mim, eu me + + +deixaria guiar pela sabedoria dos mais velhos em vez de confiar na +inexperiência da juventude. + + +? “Para proveito de todos os que se acham aqui reunidos esta noite, lerei as +sábias palavras de meu pai gravadas sobre a tabuinha de argila que ele me +entregou faz hoje dez anos: + + +AS CINCO LEIS DE OURO + + +I. O ouro vem de bom grado e numa quantidade crescente para todo homem que +separa não menos de um décimo de seus ganhos, a fim de criar um fundo para o +seu futuro e o de sua própria família. + + +H. O ouro trabalha diligente e satisfatoriamente para o homem prudente que, +possuindo-o, encontra para ele um emprego lucrativo, multiplicando-o como os +flocos de algodão no campo. + + +HI. O ouro busca a proteção do proprietário cauteloso que o investe de acordo +com os conselhos de homens mais experimentados em seu manuseio. + + +IV. O ouro foge do homem que o emprega em negócios ou propósitos com que +não está familiarizado ou que não contam com a aprovação daqueles que sabem +poupá-lo. + + +V. O ouro escapa ao homem que o força a ganhos impossíveis ou que dá ouvidos +aos conselhos enganosos de trapaceiros e fraudadores ou que confia em sua +própria inexperiência e desejos românticos na hora de investi-lo. + + +? “Essas são as cinco leis de ouro gravadas por meu pai na tabuinha. Proclamo- +as tão valiosas quanto o próprio ouro, como ficará demonstrado pela +continuação de minha história.” + + +“Ele então encarou o pai. *Contei-lhe sobre a grande pobreza e o desespero que +minha inexperiência me trouxe. + + +? “Entretanto, não existe nenhuma sucessão de infortúnios que não chegue a seu +fim. No meu caso, isso aconteceu quando consegui um emprego como chefe de +um grupo de escravos que trabalhavam na nova muralha externa da cidade. + + +? “Usando meu conhecimento da primeira lei de ouro, economizei uma moeda +de cobre dos meus primeiros vencimentos, acrescentando a ela, sempre que +possível, uma moeda de prata. Era um procedimento lento, pois eu tinha de +fazer despesas pessoais. Gastava de má vontade, admito, porque estava +determinado a ganhar, antes de completados os dez anos, muito mais dinheiro +que aquele que o senhor, meu pai, me havia concedido. + + +? “Um dia, o chefe dos escravos, de quem me tinha tornado amigo, disse: — +Você é um jovem econômico que não gasta temerariamente o que ganha. Tem +procurado guardar dinheiro?” + + +?º— Sim — respondi-lhe —, meu desejo é juntar o suficiente para repor aquele +que meu pai me deu e que perdi.” + + +? “— Posso garantir-lhe que se trata de uma ambição meritória. Sabia que o +dinheiro que você está economizando pode trabalhar para você e ganhar muito +mais?” + + +?º— Ai de mim! Tive uma experiência bastante amarga, pois todo o ouro de meu +pai escorreu como água, e tenho muito medo de que o meu vá pelo mesmo +caminho.” + + +? “— Se tiver confiança em mim, eu o ensinarei a lidar de modo lucrativo com o +dinheiro — disse ele. — Dentro de um ano, a muralha externa terá sido +terminada e estará pronta para receber os grandes portões de bronze que serão +erguidos em cada entrada, a fim de proteger a cidade contra os inimigos do rei. +Em toda Nínive não existe metal suficiente para fazer esses portões, e o rei +ainda não pensou em providenciá-lo. Eis o meu plano: um grupo de nós juntará +o dinheiro que temos para organizar uma caravana às minas de cobre e estanho, +muito distantes, e trazer a Nínive quantidades imensas de metal. Quando o rei +ordenar a fabricação dos portões, nós sozinhos poderemos fornecer o metal a + + +um preço que o soberano não se recusará a pagar. Se o rei não quiser comprar +diretamente de nós, mesmo assim ainda teremos o metal, que poderá então ser +vendido a um preço bem mais alto.” + + +? “Em seu oferecimento reconheci uma oportunidade para aplicar a terceira lei +e investir minhas economias sob a orientação de um homem sábio. Não fui +desapontado. Nosso grupo foi bem-sucedido, e meu pequeno depósito de ouro +cresceu bastante com a transação. + + +? “Com o tempo, fui aceito como um membro desse mesmo grupo em outros +empreendimentos. Eram homens de tirocínio para os negócios. Discutiam +minuciosamente todos os planos levados a seu exame antes de se lançarem a +qualquer empresa. Protegiam o principal contra todas as eventualidades e não +se metiam em nada em que o dinheiro investido não pudesse ser recuperado. +Iniciativas malucas como a do cavalo de corrida ou a da expedição pêlos mares, +em que eu tinha entrado devido à inexperiência, não teriam sido sequer +consideradas por eles. Eles teriam percebido imediatamente sua fragilidade. + + +2 “Através de minha associação com esses homens, aprendi a investir com +segurança e a garantir um retorno lucrativo para o meu dinheiro. A medida que +os anos passavam, meu tesouro crescia rapidamente. Já tinha conseguido juntar +muito além de tudo quanto perdera. + + +? “Devido a meus infortúnios, tentativas e êxitos, pude repetidas vezes, meu pai, +provar a sabedoria das cinco leis de ouro e ver em cada um desses momentos +como estavam certas. Para quem não conhece essas leis, o dinheiro não aparece +tão frequentemente e, quando aparece, vai rapidamente embora. Já para aqueles +que não hesitam em utilizá-las o dinheiro aparece e trabalha para eles como um +escravo.” + + +“Nomasir parou de falar e acenou para um escravo no fundo da sala. O escravo +trouxe para a frente, um de cada vez, três pesados sacos de couro. Nomasir +pegou um deles e colocou-o no chão, diante de seu pai, dirigindo-lhe estas +palavras: + + +2 “O senhor me deu, quando há dez anos deixei sua casa, um saco com moedas +de ouro, ouro da Babilonia. Pois aí está, como devolução, um saco com moedas +de ouro de Nínive de igual peso. Uma troca equivalente, como todos + + +concordarão. + + +2 “O senhor me deu também uma tabuinha de argila gravada com palavras +sábias. Em seu lugar, aí estão esses dois outros sacos com moedas de ouro.” +Assim dizendo, tirou-os das mãos do escravo e, do mesmo modo, colocou-os no +chão diante do pai. + + +? “Penso provar com isso, meu pai, que considero seus conhecimentos muito +mais valiosos que o seu ouro. Mas, ainda assim, quem poderia aquilatar em +moedas de ouro o valor da sabedoria? Sem sabedoria, o ouro pode ser +rapidamente perdido pêlos que o têm, mas, com sabedoria, o ouro pode ser +adquirido pêlos que não o têm, como podem provar sobejamente estes três sacos +de ouro. + + +? “Além disso, sinto a mais profunda satisfação, meu pai, em estar diante do +senhor e poder dizer que, devido a sua sabedoria, fui capaz de tornar-me rico e +respeitado entre os homens.” + + +“O pai pôs afetuosamente sua mão sobre a cabeça do filho. “Você aprendeu bem +suas lições, e me sinto realmente feliz por ter um filho a quem possa confiar +minha riqueza.” “ + + +Kalabab terminou sua história e olhou interrogativamente para os ouvintes. + + +— Que sentido tem para vocês a história de Nomasir? — perguntou ele. — +Quem entre vocês pode comparecer diante do pai ou do sogro para prestar +contas de uma boa administração de seus ganhos? + + +“Que não pensariam esses veneráveis homens se lhes dissessem: “Viajei muito, +aprendi muito, trabalhei muito e ganhei muito, mas, ai de mim, não consegui +juntar muitas moedas de ouro. Despendi algumas sabiamente, outras tantas +esbanjei loucamente, além das que perdi de modo insensato.” + + +“Ainda pensam tratar-se de um capricho do destino que alguns homens tenham +muito ouro, enquanto outros não têm nada? Pois estão errados. + + +“Os homens têm muito dinheiro quando conhecem as cinco leis de ouro e sabem +empregá-las. + + +“Por ter aprendido e empregado bem essas cinco leis em minha juventude, hoje +sou um rico comerciante. Não acumulei minha riqueza devido a um passe +qualquer de mágica. + + +“A riqueza que chega muito rápido vai embora da mesma maneira. + + +“A riqueza que promove gozo e satisfação para seu proprietário constrói-se +gradualmente, porque é uma criança nascida do conhecimento e da +persistência. + + +“Ganhar dinheiro é um peso fácil de carregar para o homem consciencioso. Ter +paciência para com o fardo ano após ano acaba por levar à realização. + + +“A observância das cinco leis de ouro traz sempre uma bela recompensa. + + +“Cada uma dessas cinco leis é rica de sentido, e, temendo que não tenham sido +suficientemente assimiladas durante minha breve história, faço questão de +repeti-las. Conheço-as de cor, porque em minha juventude pude ver o quanto +eram valiosas e não sosseguei enquanto não as retive na memória palavra por +palavra: + + +A Primeira Lei de Ouro + + +O ouro vem de bom grado e numa quantidade crescente para todo homem +que separa não menos de um décimo de seus ganhos, a fim de criar um +fundo para o seu futuro e o de sua própria família. + + +“Todo homem que separar religiosamente um décimo de seus ganhos e investi- +los sabiamente criará um considerável fundo que não somente lhe trará um +vultoso rendimento futuro, como também protegerá sua família depois que os +deuses o chamarem para o mundo da escuridão. A lei afirma igualmente que o +ouro vem de bom grado para tal homem. Pude certificar-me disso em minha +própria vida. Quanto mais ouro acumulei, mais prontamente ele veio até mim e +em quantidades crescentes. As moedas de ouro que economizei ganham ainda +mais moedas, como acontecerá com vocês mesmos, e seus lucros continuam +ganhando. Esse é o resultado da primeira lei.” + + +A Segunda Lei de Ouro + + +O ouro trabalha diligente e satisfatoriamente para o homem prudente que, +possuindo-o, encontra para ele um emprego lucrativo, multiplicando-o como +os flocos de algodão no campo. + + +“O ouro realmente é um trabalhador bem-disposto. Está sempre ávido por +multiplicar-se quando a ocasião se apresenta. Para o homem que conserva +separada uma determinada quantidade de ouro sempre surgem oportunidades +para um empreendimento lucrativo. À medida que os anos passam, ele se +multiplica das maneiras mais surpreendentes. ” + + +A Terceira Lei de Ouro + + +O ouro busca a proteção do proprietário cauteloso que o investe de acordo +com os conselhos de homens sábios em seu manuseio. + + +“O ouro realmente busca a proteção do proprietário cauteloso e aborrece a +companhia do insensato. O homem que procura oconselho dos mais sábios no +manuseio do dinheiro aprende cedo a não pôr em risco o seu tesouro, mas +preservá-lo em segurança e gozar com satisfação seu crescimento.” + + +A Quarta Lei de Ouro + + +O ouro foge do homem que o emprega em negócios ou propósitos com os quais +não está familiarizado ou que não contam com a aprovação daqueles que +sabem poupá-lo. + + +“O homem que tem moedas de ouro, mas não é hábil em seu manuseio, depara- +se muitas vezes com situações aparentemente lucrativas. São amiúde prenhes de +perigo de perda e, quando bem examinadas por homens sábios, revelam +pequena possibilidade de lucro. Por isso, o inexperiente que possui ouro confia +em seu próprio juízo e investe seu capital em negócios ou propósitos com os +quais não se acha familiarizado, comete muitos erros e paga com seu tesouro +pela falta de tarimba. Sábio, aliás, é aquele que investe o seu dinheiro de acordo + + +com o conselho dos homens acostumados a lidar com finanças. ” + + +A Quinta Lei de Ouro + + +O ouro escapa ao homem que o força a ganhos impossíveis ou que dá ouvidos +aos conselhos enganosos de trapaceiros e fraudadores ou que confia em sua +própria inexperiência e desejos românticos na hora de investi-lo. + + +“Propostas fantasiosas, que impressionam como as histórias de aventuras, +sempre ocorrem ao novo proprietário de ouro. Elas surgem para dotar seu +tesouro com poderes mágicos que o capacitarão a fazer ganhos impossíveis. +Observem, porém, os homens sábios, pois eles conhecem verdadeiramente os +riscos que se ocultam por trás de todos os planos para fazer grande riqueza +rapidamente.” + + +— Não esqueçam dos homens ricos de Nínive que não admitiam qualquer coisa +que pusesse em risco o principal ou não trouxesse em si mesma a certeza de +lucro. + + +“Aqui termina minha história sobre as cinco leis de ouro. Ao contá-la, espero +ter passado para vocês os segredos de meus próprios sucessos. + + +“Não há realmente segredos, mas verdades que todo homem deve primeiro +aprender e então seguir quem deseja sair da multidão, a qual, como aqueles +cães distantes, tem de se preocupar todos os dias com a alimentação. + + +“Amanhã entraremos na Babilonia. Olhem! Vejam o fogo perene que arde acima +do Templo de Bel! Já estamos perto da cidade de ouro. Amanhã vocês terão +dinheiro, o dinheiro a que têm direito pêlos seus serviços tão lealmente +prestados. + + +“Dez anos depois desta noite, o que terão a contar sobre esse dinheiro? + + +“Se houver entre vocês quem, como Nomasir, venha a usar uma parte de seu +dinheiro para tentar conseguir por si mesmo uma posição social e, a partir daí, +deixar-se guiar pela sabedoria de Arkad; se, depois de dez anos a contar de +agora, for um apostador seguro, como o filho de Arkad, esse alguém será então + + +rico e respeitado entre os homens. + + +“Nossas ações sensatas acompanham-nos através da vida para nos dar prazer e +ajudar-nos. Do mesmo modo, nossas ações insensatas nos seguem para nos +causar prejuízos e atormentar-nos. Ai de mim, elas não podem ser esquecidas. +Na primeira fila dos dissabores que nos perseguem estão as recordações das +coisas que devíamos ter feito, das oportunidades que vieram até nós apenas +para testemunhar nosso pouco-caso. + + +“Ricos são os tesouros da Babilônia, tão ricos que nenhum homem seria capaz +de estimar seu valor em moedas de ouro. A cada ano tornam-se mais ricos e +mais valiosos. Como os tesouros de qualquer terra, eles são uma recompensa, +uma bela recompensa para homens de iniciativa que resolvem garantir sua justa +partilha. + + +“Na força de seus próprios desejos acha-se um poder mágico. Guie esse poder +com o seu conhecimento das cinco leis de ouro e assim poderão compartilhar os +tesouros da Babilônia.” + + +O Emprestador de Dinheiro da +Babilônia + + +CINQUENTA moedas de ouro! Nunca antes na vida tinha Rodan, o fabricante +de lanças, carregado uma quantia dessas em seu alforje de couro. Descia a +estrada real cheio de contentamento, depois de ter deixado o palácio do +soberano mais liberal do mundo. As moedas tilintavam agradavelmente à +medida que o alforje preso ao cinturão balançava a cada passo— a música mais +divina que já tinha ouvido. + + +Cinglenta moedas de ouro! Tudo seu! Mal podia acreditar em sua boa sorte. +Quanto poder nesses discos tilintantes! Podia comprar o que bem entendesse— +uma grande casa, terras, gado, camelos, cavalos, carruagens, o que quer que +desejasse. + + +Que uso devia fazer disso? Nessa noite, enquanto entrava na rua onde ficava a +casa da irmã, só conseguia pensar nessas cintilantes e pesadas moedas de ouro +que lhe pertenciam. + + +Ainda se recordava daquela noite, poucos dias antes, quando um perplexo +Rodan entrou na loja de Mathon, o emprestador de dinheiro e comerciante de +jóias e objetos raros. Sem sequer olharã direita ou à esquerda para os artigos +multicores cuidadosamente dispostos, ele atravessou o salão, dirigindo-se +imediatamente para os fundos. Ali encontrou o amável Mathon refestelado sobre +um tapete, enquanto um escravo negro servia-lhe finas iguarias. + + +— Venho em busca de seus conselhos, pois me encontro desorientado. — Rodan +mantinha-se impassível, de pé, o peito cabeludo aparecendo pela abertura do +casaco de couro. + + +O rosto fino e descorado de Mathon sorriu, esboçando uma amável saudação. + + +— Que imprudências andou cometendo para que se visse obrigado a procurar +um emprestador de dinheiro? Deu azar em alguma mesa de jogo? Ou se deixou + + +enredar nas malhas de alguma dama elegante? Conheço-o há muitos anos e não +me lembro de já ter sido procurado por você para tirá-lo de uma enrascada. + + +— Não, não se trata disso. Não estou precisando de dinheiro. Estou, ao +contrário, à procura de um conselho sensato. + + +— Mas ouçam isso! O que está dizendo? Ninguém recorre ao emprestador de +dinheiro para aconselhar-se. Meus ouvidos devem estar me pregando uma peça. + + +— Pois é isso mesmo! + + +— Como pode? Rodan, o fabricante de lanças, demonstra mais astúcia do que +todos os outros, pois vem à presença de Mathon não em busca de ouro, mas de +conselho. Muitos homens me procuram a fim de que lhes consiga dinheiro +suficiente para pagar por suas loucuras, mas até onde sei ninguém ainda veio +até aqui atrás de um conselho. Contudo, quem realmente pode ser mais hábil +nesses assuntos que o emprestador de dinheiro, a quem geralmente se pede +socorro nos momentos críticos? + + +“Você comerá comigo, Rodan”, continuou ele. “Será meu convidado esta noite. +Ando!”, ordenou ao escravo negro, “estenda um tapete para o meu amigo +Rodan, o fabricante de lanças, que veio me pedir um conselho. Ele será meu +honrado conviva. Traga-lhe bastante comida e reserve-lhe a maior taça da casa. +Escolha o melhor vinho, que ele bem o merece. + + +“Agora me diga quais são seus problemas. ” +— Trata-se de um presente do rei. + + +— Um presente do rei? O rei o presenteou com algo que acabou se +transformando num problema para você? Que tipo de presente? + + +— Por ter ficado muito satisfeito com um desenho que lhe apresentei para uma +nova ponta nas lanças da guarda real, nosso soberano me deu de presente +cinquenta moedas de ouro, e agora me acho totalmente desorientado. + + +“Tenho sido quase a todo instante intimado por aqueles que gostariam de +compartilhar essa riqueza comigo.” + + +— E natural. Os homens sempre querem mais ouro do que têm e gostariam de +ver aquele que o ganha facilmente dividi-lo com eles. Mas você não pode dizer +não? Sua vontade não é tão forte quanto seu punho? + + +— Posso dizer não a muita gente, mas às vezes seria mais fácil dizer sim. +Poderia recusar-me a dividi-lo com minha irmã única, a quem sou inteiramente +devotado? + + +— Certamente sua própria irmã não pensaria em privá-lo do gozo de sua +recompensa. + + +— Mas é em consideração a Araman, seu marido, que ela gostaria que se +tornasse um rico comerciante. Ela acha que ele nunca teve uma chance e me +implora que lhe empreste esse dinheiro, a fim de que ele possa tornar-se um +próspero comerciante, pagando-me então a partir de seus lucros. + + +— Meu amigo — comentou Mathon —, esse é um belo assunto para uma +discussão. O ouro traz para o seu possuidor responsabilidade e uma nova +maneira de agir com os companheiros. Traz o medo de perdê-lo e até de ser +enganado. Traz uma sensação de poder e disponibilidade para praticar o bem. +Pode ainda fazer com que suas melhores intenções lhe arranjem belas +dificuldades. + + +“Nunca ouviu falar daquele fazendeiro de Nínive que podia entender a +linguagem dos animais? Acho que não, pois não é realmente o tipo de história +que os homens gostam de contar a uma pessoa ocupada com a fundição de +bronze. Mas quero contá-la a você para que saiba que pedir emprestado e +emprestar significa muito mais do que o simples fato de o ouro passar das mãos +de uma pessoa para as mãos de outra. + + +“Esse fazendeiro, que podia entender a conversa que os animais mantinham +entre si, demorava-se toda noite no quintal da fazenda justamente para ouvir o +que eles diziam. Uma noite, ele ouviu o cavalo queixando-se ao asno dos rigores +de sua sorte: “Trabalho puxando o arado da manhã à noite. Por mais quente que +esteja o dia, por mais cansadas que se sintam minhas pernas, por mais que o +laço esfole meu pescoço, sou obrigado a dar conta do recado. Você, entretanto, é +uma criatura que tem suas horas de descanso. Você é forrado com mantas +multicores e não tem mais que carregar nosso amo aos lugares aonde ele deseja + + +ir. Quando o homem não sai, você fica descansando e comendo a grama verde +durante todo o dia.” + + +“O asno, apesar de seus famosos coices, era um bom companheiro e +simpatizava com o cavalo. “Meu bom amigo”, replicou ele, “você realmente +trabalha muito pesado, e eu gostaria de ajudá-lo. Por isso direi como pode fazer +para ter um dia de descanso. Pela manhã, quando o escravo vier para amarrá- +lo ao arado, deite-se no chão e solte os maiores gemidos que puder, para que ele +diga que você se encontra doente e não tem condições de trabalhar.” + + +“Assim fez o cavalo, e no outro dia o escravo saiu à cata do amo para +comunicar-lhe que o cavalo estava doente e não podia ser amarrado ao arado. + + +? “Então”, disse o fazendeiro, “use o asno para fazer o serviço.” + + +“Durante o dia inteiro, o asno, que só tinha querido ajudar um companheiro, +viu-se compelido a dar conta da tarefa do outro. À noite, depois de desamarrado +do arado, seu coração estava amargo, as pernas em frangalhos, o pescoço todo +esfolado. + + +“O fazendeiro tinha permanecido no terreiro para escutar. + + +“O cavalo iniciou a conversa. “Você é um bom amigo. Devido ao seu sábio +conselho, pude descansar durante todo o dia.” + + +? “Enquanto eu”, reclamou o asno, “sou como toda essa gente de bom coração +que começa por ajudar um amigo e acaba sendo obrigado a fazer as tarefas +dele. A partir de agora, você deve puxar como sempre o arado, pois ouvi o amo +ordenar ao escravo que o leve para o açougueiro se você ficar doente de novo. +Tomara que ele o faça mesmo, pois você é um companheiro preguiçoso.” A partir +de então não se falaram mais, aquele episódio tendo acabado com a amizade +dos dois. Saberia me dizer a moral dessa história, Rodan?” + + +— E uma boa história — respondeu Rodan —, mas não percebo que moral pode +haver. + + +— Não achava que você saberia. Mas existe e é muito simples. Apenas isto: se +deseja ajudar um amigo, faça-o, mas de modo que os fardos dele não sejam +colocados sobre os seus ombros. + + +— Não tinha pensado nisso. E uma sábia moral. Não quero assumir os fardos do +marido de minha irmã. Mas há uma coisa: você empresta a muita gente. Os que +pedem emprestado nãolhe pagam? + + +Mathon sorriu o sorriso daqueles cuja alma está repleta de experiências da +vida. + + +— Que emprestado: de dinheiro teria êxito se os que pedem emprestado não +pudessem pagar? O emprestador não deve ser sensato e considerar +cuidadosamente se seu ouro terá um desempenho proveitoso para o credor e se +voltará em maior quantidade para ele; ou se será devastado por uma pessoa +incapaz de fazer um uso inteligente do dinheiro, deixando-o sem seu tesouro e +obrigando aquele que fez o empréstimo a um débito que não pode acertar? Eu +lhe mostrarei os objetos guardados em minha caixa de penhores e deixarei que +eles lhe contem algumas dessas histórias. + + +Ele trouxe para o aposento uma grande caixa forrada com pele de porco +vermelha e enfeitada com desenhos de bronze. Colocou-a no chão e agachou-se +diante dela, as duas mãos sobre a tampa. + + +— Exijo de cada pessoa a quem empresto dinheiro um penhor que fica guardado +nesta caixa até que a dívida seja saldada. Quando pagam, devolvo-o; se nunca o +fazem, fico com o penhor como uma permanente recordação daquele que não foi +digno de minha confiança. + + +“Os empréstimos mais seguros, de acordo com as experiências que tive com +minha caixa de penhores, são para aqueles cujos bens têm mais valor que o +empréstimo que desejam. São donos de terras ou jóias, camelos ou outras coisas +que podem ser vendidas para amortizar a quantia em débito. Alguns penhores +são jóias mais valiosas que a dívida. Outros são documentos estabelecendo que +em caso de não-pagamento o devedor passa automaticamente para o meu nome +uma determinada propriedade. Fazendo empréstimos dessa natureza, asseguro- +me quanto ao retorno do meu capital mais os rendimentos, pois o empréstimo +está baseado no valor dos bens. + + +“Em outra classe acham-se os devedores que têm capacidade para ganhar +dinheiro. São como você, que trabalha ou presta um serviço em troca de uma + + +remuneração. Eles têm algum tipo de renda, e, se são honestos e não sofrem +nenhum infortúnio, sei que posso contar com o pagamento do empréstimo, além +dos juros combinados. Tais compromissos estão baseados no esforço humano. + + +“Temos ainda os que não possuem nada de valor nem mostram capacidade para +uma remuneração periódica. A vida é dura, e sempre existirá quem se veja +derrotado por suas exigências. Aos empréstimos que lhes faço, ainda que tenha +o cuidado de estabelecer quantias mínimas, minha caixa de penhores poderá +censurar-me pêlos anos vindouros, a menos que tais quantias sejam garantidas +por bons amigos desses devedores que os vêem como pessoas honradas. ” + + +Mathon destravou o fecho e abriu a tampa. Rodan curvou-se avidamente para a +frente. + + +No alto da caixa, uma echarpe cor de bronze descansava sobre um pano +vermelho. Mathon pegou a echarpe e acariciou-a. + + +— Isto ficará para sempre em minha caixa de penhores, porque o dono já +passou há muito para a grande escuridão. Continuo guardando esta garantia +mais como uma prova de sua própria recordação, pois ele foi um bom amigo. +Fizemos muito bons negócios juntos até que, voltando de uma viagem ao leste, +ele trouxe uma mulher para casar-se, uma mulher bonita, mas não como as +nossas. Uma criatura encantadora. Ele gastou todo o seu dinheiro para +satisfazer os desejos dela. + + +Veio até mim em grande desespero quando já se achava numa situação +deplorável. Discutimos o assunto. Contei-lhe que o ajudaria a retomar seus +próprios negócios. Ele jurou pelo Grande Touro que estava disposto a fazê-lo. +Mas não era o que estava escrito. Numa briga, ela enfiou-lhe uma faca no peito. + + +— E ela? — perguntou Rodan. + + +— Sim, claro, isto pertencia a ela. — Ele apanhou o pano vermelho. — +Amargando um terrível remorso, a mulher atirou-se às águas do Eufrates. Esses +dois empréstimos nunca serão pagos. A caixa de penhores mostra-lhe, Rodan, +que os seres humanos, sob a ação de fortes emoções, constituem um grande +risco para o emprestador de dinheiro. + + +“Aqui! Isto é diferente!” Ele apanhou um anel de osso de boi. “Isto pertence a +um fazendeiro. Eu compro os tapetes de sua mulher. Os gafanhotos arrasaram- +lhes a plantação, e eles ficaram sem comida. Ajudei o fazendeiro, e, quando +houve a nova colheita, ele me pagou. + + +Mais tarde ele voltou e me falou de estranhas cabras numa distante terra, tal +como as tinha descrito um viajante. Animais com pêlos tão finos e macios que +deles se podiam fazer tapetes mais belos que quaisquer outros já vistos na +Babilônia. Queria trazer um rebanho, mas não tinha dinheiro. Assim, emprestei- +lhe dinheiro para a viagem e para comprar as cabras. Agora sua criação já +começou, e no próximo ano surpreenderei os nobres da Babilonia cornos mais +caros tapetes que sua grande fortuna pode comprar. Em breve estarei +devolvendo seu anel. Ele insiste em me pagar imediatamente.” + + +— Alguns clientes fazem isso? — perguntou Rodan. + + +— Se pedem para propósitos que lhes tragam de volta o dinheiro, sim; mas, se +pedem por causa de suas imprudências, é preciso ter cuidado, pois você pode +acabar ficando sem o seu dinheiro. + + +— Fale-me sobre isto — solicitou Rodan, retirando da caixa um bracelete de +ouro incrustado com jóias de raro desenho. + + +— As mulheres agradam ao meu bom amigo — caçoou Mathon. +— Ainda sou muito mais jovem que você — retorquiu Rodan. + + +— Concordo, mas desta vez você está supondo uma história de amor onde ela +não existe. A dona deste penhor é gorda, enrugada, e tagarela o tempo todo, +quase me levando à loucura. Houve um tempo em que ela e o marido tinham +dinheiro e eram bons clientes, mas as coisas começaram a dar errado para o +lado deles. Ela tem um filho a quem gostaria de tornar um comerciante. Assim, +me procurou e pediu-me dinheiro emprestado para que o filho pudesse entrar +como sócio do líder de uma caravana que viajava com seus camelos, +negociando numa determinada cidade o que compravam em outra. + + +“Esse homem revelou-se um tratante, pois deixou o pobre do rapaz perdido +numa cidade longínqua, sem dinheiro nem amigos, dando o fora enquanto ele + + +dormia. Talvez ele me pague quando for adulto; até lá não tenho rendimento +algum sobre o empréstimo — só muita conversa. Mas devo admitir que as jóias +valem mais que a dívida.” + + +— Ela pediu seu conselho quanto à sensatez do empréstimo? + + +— Muito pelo contrário. Ela mesma imaginou o filho como um rico e poderoso +homem da Babilonia. Sugerir outra coisa teria deixado a mulher enfurecida. +Tentei com habilidade dissuadi-la. Eu sabia dos riscos que esse jovem +inexperiente estava correndo, mas, como ela estava oferecendo um penhor, não +pude recusar. + + +“Isto”, continuou Mathon, balançando um pedaço de cordão de embrulho +amarrado num nó, “pertence a Nebatur, o negociante de camelos. Quando ele +compra um rebanho cujo valor ultrapassa suas reservas, ele me traz este nó, e +eu lhe empresto de acordo com suas necessidades. É um sábio negociante. Tenho +confiança em seu bom tirocínio e posso emprestar-lhe livremente. Muitos outros +comerciantes da Babilonia gozam de credibilidade junto a mim por causa do +comportamento correto que costumam ter. Seus penhores entram e saem +fregientemente de minha caixa. Bons comerciantes são uma vantagem para +nossa cidade, e isso permite que eu os ajude a manter os negócios que tornam a +Babilônia tão próspera.” + + +Mathon apanhou um besouro feito de turquesa e atirou-o desdenhosamente ao +chão. + + +— Um escaravelho do Egito. O dono dele não está preocupado com que eu +receba de volta o meu dinheiro. Quando o cobro, ele me responde: “Como posso +pagar se o destino me persegue? Você já tem muito.” Que posso fazer? O +penhor pertence na verdade a seu pai — um homem de valor, de parcos +recursos, que teve de hipotecar terras e gado para sustentar os +empreendimentos do filho. O jovem conseguiu algum sucesso no início e logo +ficou empolgado com a perspectiva de obter uma grande fortuna. Era ainda +imaturo, e suas empresas foram à bancarrota. + + +“A juventude é ambiciosa. Ela gostaria de encontrar atalhos para a riqueza e as +boas coisas que esta propicia. Para conseguir ficar rapidamente rico, o jovem é +capaz de fazer empréstimos insensatos. Como ainda não reuniu um bom número + + +de experiências, não percebe que uma dívida desesperada é como poço profundo +aonde se pode descer muito depressa e ali ficar, por muitos dias, lutando em vão +para sair. É um poço de lamentações e remorsos aonde não chega a luz do sol e +a noite não traz um sono reparador. Mas não costumo tirar a força daqueles que +pedem dinheiro emprestado. Encorajo-os, na verdade. Recomendo-o sempre, +desde que seja para um bom propósito. Eu mesmo fiz meu primeiro negócio +bem-sucedido com dinheiro emprestado. + + +“Todavia, o que pode fazer o emprestador de dinheiro num caso como esse? O +jovem se acha em desespero e não consegue fazer nada. Está desanimado. Não +tenta o menor esforço para saldar seu débito. Meu coração luta contra a idéia +de privar o pai de sua terra e de seu gado.” + + +— Você está me contando muita coisa que eu realmente queria saber — arriscou +Rodan —, mas ainda não respondeu à pergunta que lhe fiz. Devo emprestar +minhas cinglenta moedas de ouro ao marido de minha irmã? Elas representam +muito para mim. + + +— Sua irmã é uma excelente mulher por quem tenho grande estima. Se o marido +dela me procurasse para pedir cingienta moedas de ouro, eu o interrogaria +quanto ao uso que estava pretendendo dar a uma soma como essa. + + +“Se ele me respondesse que seu desejo era tornar-se um comerciante e investir +em jóias e suprimentos finos, eu diria: “Quais são seus conhecimentos nesse +ramo de negócios? Você sabe onde comprar a preços mais baixos? Sabe onde +vender a preços vantajosos?” Ele pode dizer sim a todas essas perguntas?” + + +— Não, não pode — admitiu Rodan. — Ele já me ajudou na fabricação de +lanças e nas lojas. + + +— Então eu lhe diria que seus propósitos não são sensatos. Os comerciantes +devem aprender o seu ofício. Por mais valiosa que fosse, sua ambição não teria +chances de sucesso, e eu não lhe emprestaria dinheiro algum. + + +“Mas vamos supor que ele dissesse: “Sim, já ajudei muitos comerciantes. Sei +como viajar a Esmirna e ali comprar a preços baixos os tapetes tecidos pelas +donas de casa. Conheço igualmente muitos homens ricos na Babilônia dispostos +a pagar bem por eles.” Eu diria: “Seu propósito é sensato, e sua ambição, + + +louvável. Ficarei feliz em lhe emprestar as cinglenta moedas de ouro, se você +me der uma garantia equivalente ao valor do débito.” Digamos que ele contra- +atacasse: + + +“Não tenho outra garantia senão minha condição de homem honesto e a palavra +de que lhe pagarei bem pelo empréstimo.” Eu seria obrigado a ponderar: “Tenho +em alta conta cada moeda de ouro. Se os salteadores roubarem essas moedas de +ouro durante sua viagem a Esmirna ou seus tapetes quando estiver voltando, +você então não terá qualquer possibilidade de reembolsar-me, e meu ouro terá +ido embora.” + + +“O ouro, Rodan, é a mercadoria do emprestador de dinheiro. E fácil emprestar. +Se você concede um empréstimo insensato, ele tem poucas chances de voltar +para o seu bolso. O emprestador prudente deseja não o risco do +empreendimento, mas a garantia de que vai ser reembolsado. + + +“É uma coisa boa socorrer os que estão em apuros, ajudar aqueles a quem o +destino tem reservado contrariedades pesadas, prestar assistência aos que estão +começando, para que eles possam progredir e tornarem-se cidadãos de valor, +mas tudo isso deve ser propiciado com sensatez. Você com certeza ainda se +recorda do asno da história — em nosso desejo de ser úteis, podemos correr o +risco de carregar os fardos que pertencem a outrem. + + +“Novamente me desviei de sua pergunta, Rodan, mas ouça minha resposta: +guarde consigo suas cingienta moedas de ouro. Aquilo que você ganha com o +seu trabalho e aquilo que lhe dão como uma recompensa pertencem a você, e +ninguém tem o direito de compartilhá-los a menos que você mesmo tenha essa +intenção. Se quiser emprestar seu dinheiro a fim de aumentar sua fortuna, faça- +o com cautela e diversificando os clientes. Não gosto de dinheiro parado, mas +menos ainda de dinheiro mal emprestado. + + +“Há quantos anos trabalha como um fabricante de lanças?” +— Três anos completos. +— Quanto guardou, sem contar o presente do rei? + + +— Três moedas de ouro. + + +— Em cada ano trabalhado você deixou de adquirir boas coisas para +economizar de seus vencimentos uma moeda de ouro? + + +— E como está dizendo. + + +— Então poderia economizar em cingienta anos de trabalho cingiúenta moedas +de ouro por sua abnegação? + + +— Seria realmente uma vida inteira de trabalho. + + +— Acha que sua irmã desejaria acabar com as economias de cingienta anos de +trabalho para que seu marido possa fazer uma tentativa na profissão de +comerciante? + + +— Bem, nos termos que você está usando, não. + + +— Então vá até ela e diga-lhe: “Trabalhei todos os dias, exceto os de descanso, +durante três anos, da manhã à noite, e recusando a mim mesmo muitas coisas +que meu coração desejava. Minhas economias em cada ano de trabalho e +renúncia não passam de uma moeda de ouro. Você é minha irmã favorita, e eu +gostaria que seu marido encontrasse algo que lhe trouxesse bastante +prosperidade. Se ele submeter a mim um projeto que pareça sensato e cabível a +meu amigo Mathon, então lhe emprestarei de bom grado minhas economias de +um ano inteiro, para que ele possa ter uma oportunidade de provar que tem +condições de ser bem-sucedido.” Faça isso, e, se ele tiver dentro de si a alma +dos exitosos nos negócios, não encontrará dificuldade em prová-lo. Se falhar, +ficará devendo a você uma quantia que poderá pagar-lhe em pouco tempo. + + +“Sou um emprestador de dinheiro porque tenho mais ouro do que posso usar em +meu próprio negócio. Faço com que esse excedente trabalhe para os outros e +dessa forma produza maisouro. Não posso me dar o luxo de correr o risco de +perdê-lo, porque trabalhei muito e recusei a mim mesmo muitas coisas para ter +condições de guardá-lo. Por isso, não o emprestarei mais, se não estiver certo +de que ele se acha em boas mãos e que voltará para mim. Tampouco o +emprestarei, se não estiver convencido de que seus ganhos podem ser +imediatamente pagos. + + +“Contei-lhe, Rodan, alguns dos segredos de minha caixa de penhores. Por eles, + + +você pode perceberas fraquezas dos homens e a ânsia que experimentam em +pedir emprestado, ainda que não estejam suficientemente certos de que terão +como saldar a dívida. Por aí você pode ver quão frequentemente suas altas +esperanças de obter grandes lucros, se apenas tivessem dinheiro, não passam de +esperanças falsas, que eles não têm capacidade nem treinamento para atender. + + +“Agora, Rodan, você tem condições de usar sua recompensa para ganhar mais +ouro. Pode até tornar-se, se quiser, um emprestador de dinheiro. Se souber +preservar adequadamente o seu tesouro, ele produzirá muitos lucros para você e +será uma rica fonte de satisfação e vantagens durante todos os dias de sua vida. +Mas, se deixar escapá-lo, ele será uma fonte constante de remorsos e +lamentações. + + +“O que deseja mais para esse ouro que você traz no alforje?” +— Guardá-lo com segurança. + + +— Bem falado — replicou Mathon, aprovando. — Primeiro deseja guardá-lo +com segurança. Acha que sob a custódia do marido de sua irmã ele estaria +realmente a salvo de uma possível perda? + + +— Temo que não, pois ele não é um bom guardador de dinheiro. + + +— Portanto, não se deixe enlear por qualquer sentimento de obrigação em +confiar seu tesouro a quem quer que seja. Se quiser ajudar sua família e amigos, +busque outros meios que não o de arriscar a perda de seu tesouro. Não esqueça +que o ouro consegue escapulir de modo inesperado das mãos de todos aqueles +que não sabem guardá-lo com inteligência. Consumir sua fortuna de maneira +extravagante é o mesmo que deixar que os outros acabem com ela por você. + + +“Depois da segurança, o que deseja para seu tesouro?” +— Que ele me faça ganhar mais dinheiro. + + +— Novamente fala com sabedoria. Ele foi feito para ganhar e crescer o máximo +possível. O dinheiro emprestado sensatamente pode dobrar seus lucros antes +que um homem como você chegue à velhice. Se se arriscar a perdê-lo arrisca-se +igualmente a deixar de ganhar tudo o que ele pode render. + + +“Por isso, não se torne a presa dos planos fantásticos de homens sem prática, +que sempre acreditam encontrar meios de fazer o dinheiro alcançar lucros +extraordinariamente altos. Tais planos são criações de visionários que nada +sabem a respeito das infalíveis leis do negócio. Seja moderado naquilo que +espera ganhar, para que possa garantir e gozar de sua fortuna. Empregá-la sob +a promessa de retomo usurário é um convite à perda. + + +“Busque associar-se a homens e empreendimentos cujo sucesso é estabelecido, +para que seu tesouro possa ganhar livremente com a perícia deles e ser +guardado com segurança pela sabedoria e experiência deles. + + +“Assim, espero que você possa evitar os infortúnios que acometem muitos dos +filhos dos homens a quem os deuses decidiram por bem confiar alguma +riqueza.” + + +Quando Rodanquis agradecer-lhe por seus sábios conselhos, Mathon fez que +não ouvira, mas ainda disse: + + +— O presente do rei lhe propiciará muita sabedoria. Se resolver guardar as +cinquenta moedas de ouro, você precisará ser realmente cauteloso. Muitos usos +o tentarão. Ouvirá muitos conselhos. Numerosas oportunidades de fazer grandes +lucros serão oferecidas a você. As histórias de minha caixa de penhores devem +lembrá-lo de verificar bem as possibilidades de retorno antes de deixar que uma +única moeda de ouro saia de seu bolso. Quando precisar de mais conselhos, +venha me procurar. Eles são dados de graça. Antes de retirar-se, leia o que +escrevi embaixo da tampa de minha caixa de penhores. Isso se aplica tanto a +quem pede quanto a quem empresta dinheiro: + + +“E melhor uma pequena cautela do que um grande remorso” + + +As Muralhas da Babilônia + + +BANZAR, um velho e terrível guerreiro, montava guarda na passagem que +conduzia ao topo das antigas muralhas da Babilônia. Mais para cima, valentes +defensores lutavam para preservá-las. + + +Dessas muralhas dependia a existência da imensa cidade com suas centenas de +milhares de cidadãos. + + +Por cima das muralhas chegavam o rugido dos exércitos que atacavam, o berro +de muitos homens, o tropel de milhares de cavalos, o ensurdecedor barulho dos +aríetes golpeando os portões de bronze. + + +Do lado de dentro postara-se uma coluna de lanceiros para impedir a invasão +dos inimigos caso os portões cedessem. Eram poucos para a difícil tarefa. O +grosso do exército babilônico tinha partido com o rei para o leste, numa grande +expedição contra os elamitas. Como não se tivesse previsto nenhum ataque à +cidade na ausência do soberano, as unidades destinadas à defesa eram +escassas. Inesperadamente, vindo do norte, desciam na direção das muralhas as +poderosas forças dos assírios. E agora as muralhas precisavam ser protegidas +ou a Babilônia estaria condenada. + + +Em torno de Banzar acotovelava-se grande número de cidadãos, pálidos e +aterrorizados, que tinham vindo em busca de notícias da batalha. Com muda +estupefação, eles divisavam a corrente de feridos e mortos sendo conduzidos ou +carregados para a passagem. + + +Aqui se achava o ponto crucial do ataque. Depois de três dias cercando a +cidade, o inimigo repentinamente concentrara sua grande força contra esta +seção e sua porta. + + +Do alto da muralha, os defensores da cidade rechaçavam as plataformas que se +erguiam e as escadas de mão dos atacantes com flechas, óleo fervente e, se +algum dos inimigos alcançava o topo, com lanças. Contra os defensores, +milhares de arqueiros assírios despejavam uma barragem de flechas mortíferas. + + +O velho Banzar estava numa posição vantajosa para obter notícias. Achava-se +próximo ao conflito e era o primeiro a ouvir os mais recentes reveses dos +frenéticos atacantes. + + +Um comerciante idoso cercou-o, tentando alcançá-lo com as mãos trêmulas. + + +— Diga-me o que está acontecendo. Diga-me, por favor! — suplicou. — Eles +não podem entrar. Meus filhos encontram-se com o bom rei. Não há ninguém +para proteger minha velha esposa. Meus bens, eles irão pilhar tudo. Meus +alimentos, eles não deixarão nada. Nós somos velhos, muito velhos para +defender a nós mesmos, muito velhos para nos tornarmos escravos. Passaremos +fome. Morreremos. Diga-me que eles não podem entrar. + + +— Procure ficar calmo, bom comerciante — respondeu o guarda. — As +muralhas da Babilonia são fortes. Volte para casa e diga a sua mulher que as +muralhas protegerão vocês e seus bens de modo tão seguro quanto protegem os +ricos tesouros do rei. Fique perto das muralhas para que as flechas inimigas +não o alcancem. + + +Uma mulher com uma criança no colo tomou o lugar do velho comerciante +quando este se retirou. + + +— Soldado, o que pode ver daí do alto? Conte-me a verdade, para que eu possa +trangliilizar meu pobre marido. Ele está de cama, com febre, devido aos terríveis +ferimentos que recebeu, mas insiste em conservar a armadura e a lança para +proteger-me, pois estou esperando um filho. Ele diz que o desejo de vingança de +nossos inimigos será terrível, se eles conseguirem vencer a muralha. + + +— Pois que se alegre o seu coração, você, que já é mãe e que voltará a sê-lo, as + + +muralhas da Babilonia protegerão vocês e suas crianças. Elas são altas e fortes. +Não está ouvindo os gritos de nossos valentes defensores quando esvaziam os +caldeirões de óleo fervente sobre os escaladores? + + +— Sim, estou ouvindo, mas ouço igualmente o troar dos aríetes que forçam +nossos portões. + + +— Volte para junto de seu marido. Diga-lhe que os portões são fortes e +resistirão aos aríetes. Diga-lhe também que os inimigos estão escalando, sim, as +muralhas, mas para receberem o golpe certeiro das lanças. Vamos, tome o seu +caminho e vá para os prédios mais afastados. + + +Banzar afastou-se um pouco para dar passagem a reforços pesadamente +armados. Quando, com o tinido dos escudos de bronze e o passo firme, eles o +ultrapassaram, uma menina puxou-o pelo cinto. + + +— Diga-me, soldado, estamos seguros? — perguntou ela. — Ouvi sons terríveis. +Vejo homens sangrando. Estou apavorada. O que será de nossa família, de +minha mãe, do meu irmãozinho e do bebê? + + +O velho combatente piscou os olhos e empurrou para a frente o queixo, +enquanto levantava a criança. + + +— Não tenha medo, garotinha — disse ele, tranglilizando-a. — As muralhas da +Babilonia protegerão você, sua mãe, seu irmãozinho e o bebê. Foi para dar +segurança a pessoas como você que a Rainha Semíramis mandou construí-las lá +se vão cem anos. Nunca se conseguiu derrubá-las. Volte e conte a sua mãe, a seu +irmãozinho e ao bebê que as muralhas da Babilonia os protegerão e que não +precisam ter medo. + + +Dia após dia Banzar permaneceu em seu posto, observando os reforços +marcharem em fila pela passagem, ali ficarem e resistirem até que, feridos ou +mortos, desciam mais urna vez. Em sua volta juntavam-se sem cessar multidões +de cidadãos assustados, ávidos por confirmar se as muralhas agiúentariam +firme. Para cada um deles Banzar dava uma resposta com a fina dignidade de +um velho soldado: “As muralhas da Babilonia protegerão vocês.” + + +Por três semanas e cinco dias, o ataque manteve-se com uma violência inaudita. + + +Mais forte e decididamente batiam os maxilares de Banzar à medida que a +passagem, molhada com o sangue de muitos feridos, tornava-se uma lamaceira +pelas incessantes correntes de homens passando e cambaleando. A cada dia, os +atacantes trucidados iam se amontoando em pilhas ao pé daquela parte das +muralhas. A noite eram carregados e queimados pélos companheiros. + + +Na quinta noite da quarta semana, o clamor diminuiu. As primeiras luzes do dia, +iluminando a planície, atravessavam grandes nuvens de poeira levantadas pêlos +exércitos batendo em retirada. + + +Um poderoso brado saiu da garganta dos defensores. Não houve erro quanto a +seu significado. + + +Ele foi repetido pelas tropas posicionadas para dentro das muralhas. Ecoou +pelas ruas entre os cidadãos. Espalhou-se pela cidade com a violência de uma +tempestade. + + +O povo foi para as ruas, tomadas por turbas incontroláveis. O medo +enclausurado por semanas encontrou uma saída no selvagem coro de alegria. +Do cume da alta torre do Templo de Bel arderam por muito tempo as chamas da +vitória. Através do céu se expandiram colunas de fumaça azul para levar o mais +longe possível aquela grata mensagem. + + +As muralhas da Babilônia tinham mais uma vez repelido um cruel e poderoso +inimigo disposto a saquear seus ricos tesouros e a violentar e escravizar seus +cidadãos. + + +A Babilonia manteve-se viva século após século porque foi inteiramente +protegida. Não podia ter sido de outro modo. + + +As muralhas da Babilônia foram um extraordinário exemplo do desejo e da +necessidade humana por proteção. Esse desejo é inerente à raça humana. Ele é +tão forte hoje como outrora, mas nós desenvolvemos planos mais amplos e +melhores para realizar o mesmo objetivo. + + +Em nossos dias, atrás das muralhas dos seguros, contas de poupança e +investimentos confiáveis, podemos nos resguardar contra tragédias inesperadas +que podem entrar em qualquer porta e ficar diante de qualquer lareira. + + +“Não temos condições de ficar sem uma proteção adequada” + + +O Negociante de Camelos da +Babilônia + + +QUANTO MAIOR A FOME, mais a mente se mostra aguçada — do mesmo +modo que se fica muito mais sensível ao cheiro do alimento. + + +Tarkad, o filho de Azure, certamente pensava assim. Não tinha comido nada +havia dois dias inteiros, se não fizermos conta dos dois pequenos figos furtados +do alto do muro de um jardim. Só não pegou mais, porque uma mulher muito +zangada precipitou-se na sua direção, pondo-o para correr rua abaixo. Seus +gritos terríveis ainda ecoavam nos ouvidos dele quando já atravessava a praça +do mercado e o ajudaram inclusive a manter os dedos nervosos longe das +tentadoras frutas que as vendedoras expunham em suas barracas. + + +Nunca tinha reparado antes em quanta comida era trazida para os mercados da +Babilonia e como cheiravam bem. Deixando o local, rumou para uma +hospedaria e ficou zanzando na frente da casa de pasto. Quem sabe não +encontraria por ali algum conhecido; alguém de quem pudesse arrancar como +empréstimo uma moeda de cobre, que ganharia para ele um sorriso do +inamistoso dono da pousada e, com isso, um atendimento simpático. Sem +dinheiro, tinha certeza de que o receberiam muito mal. + + +Em sua abstração viu-se inesperadamente cara a cara com o homem que mais +gostaria de evitar, a alta e angulosa figura de Dabasir, o negociante de camelos. +De todos os amigos e tantos outros a quem pedira emprestado pequenas somas, + + +Dabasir fazia-o sentir-se desconfortável, porque Tarkad não havia cumprido a +promessa de saldar o mais rápido possível uma antiga dívida. + + +O rosto de Dabasir iluminou-se ao avistar o outro. + + +— Ora, ora, aqui temos Tarkad, justamente aquele que venho procurando para +cobrar as duas moedas de cobre que lhe emprestei faz um mês; além da moeda +de prata relativa a um primeiro empréstimo. Que belo encontro! Poderei fazer +um bom uso dessas moedas ainda hoje. E então, jovem, o que me diz? + + +Tarkad gaguejou, ficando vermelho. Faminto, achava-se sem energia para +discutir com o descarado Dabasir. + + +— Mil desculpas, mil desculpas — murmurou fracamente —, mas hoje estou sem +qualquer moeda de cobre ou de prata. Me dê mais um tempo. + + +— Ora, vamos lá — insistiu Dabasir. — Então não pode arranjar algumas +moedas de cobre e uma moeda de prata para pagar pela generosidade de um +velho amigo de seu pai, que o ajudou quando você se achava necessitado? + + +— Ainda não lhe paguei porque o azar tem me perseguido. + + +— O azar! Não responsabilize os deuses por sua própria fraqueza. O azar +persegue todo homem que pensa mais em pedir emprestado do que em pagar. +Venha fazer-me companhia, rapaz, enquanto almoço. Estou com fome e quero +contar-lhe uma história. + + +Tarkad vacilou devido à franqueza brutal de Dabasir, mas aqui estava +finalmente um convite para entrar na casa de pasto. + + +Dabasir conduziu-o até um dos cantos da sala, onde se sentaram sobre +pequenos tapetes. Quando Kauskor, o proprietário, apareceu sorrindo, o +negociante de camelos dirigiu-se a ele com a familiaridade de sempre. + + +— Gordo lagarto do deserto, traga-me uma perna de cabra bem tostadinha, com +muito molho, pão e todas as verduras que tiver, pois estou com fome e preciso de +muita comida. Não esqueça de meu amigo aqui. Traga para ele um copo d'água. +Bastante fria, por favor, pois está fazendo um calor babilônico. + + +Tarkad quase sentiu um desfalecimento. Devia ficar ali, bebendo água, enquanto +o outro devorava diante de seus olhos uma perna de cabra inteira? Não disse +nada. Não pensava em nada que pudesse dizer. + + +Dabasir, entretanto, não sabia o que era o silêncio. Sorrindo e acenando com +naturalidade para os outros fregueses, que o conheciam, continuou: + + +— Ouvi de um viajante recém-chegado de Urfa informações sobre um homem +muito rico que tem uma peça de pedra cortada tão fina que se pode ver através +dela. Ele colocou-a na janela de sua casa para barrar a chuva. Segundo o +viajante, é amarela, e, quando ele mesmo olhou através dela, todo o mundo do +outro lado pareceu-lhe estranho e diferente da realidade. O que diz sobre isso, +Tarkad? Acha que o mundo pode parecer a alguém de uma cor diferente daquela +que normalmente possui? + + +— QOuso dizer que sim — respondeu o jovem, mais interessado na gorda perna +de cabra que acabavam de colocar na frente de Dabasir. + + +— Bem, sei que isso pode ser verdade porque eu mesmo vi o mundo numa cor +totalmente diferente daquela que ele geralmente apresenta, e a história que vou +contar ilustra como cheguei a vê-lo em sua cor correta de novo. + + +— Dabasir vai contar uma história — sussurrou um freguês para o vizinho e +chegou seu tapete mais para a frente. Outros frequentadores trouxeram para ali +o que estavam comendo e formaram um semicírculo. Mastigavam ruidosamente +junto aos ouvidos de Tarkad e roçavam nele os ossos ainda carnosos. Só ele não +estava comendo. Dabasir não dividira sua refeição nem o encorajara a pegar +um pedaço do pesado pão que, depois de cortado, tinha rolado da bandeja para +o solo. + + +— A história que vou contar — começou Dabasir, fazendo uma pausa para dar +uma mordida num bom pedaço da perna de cabra — tem a ver com o início de +minha vida e de como me tornei um negociante de camelos. Alguém aqui sabia +que já fui um escravo na Síria? + + +Um murmúrio de surpresa correu toda a platéia improvisada, trazendo uma +grande satisfação a Dabasir. + + +— Quando ainda jovem — continuou Dabasir, depois de um outro ataque +furioso à perna de cabra—, aprendi o ofício de meu pai, o fazedor de sandálias. +Trabalhei com ele em sua loja e casei-me. Sendo novo e com habilidades ainda +não inteiramente desenvolvidas, ganhava pouco, o bastante apenas para +sustentar minha excelente mulher numa vida modesta. Eu ansiava por boas +coisas que não tinha condições de obter. Logo descobri que os donos de loja +tinham confiança em mim se eu quisesse comprar fiado. + + +“Jovem e sem experiência, não sabia que aquele que gasta mais do que ganha +está semeando os ventos da auto-indulgência, naturalmente desnecessária, de +onde pode estar certo de que colherá turbilhões de problemas e humilhação. +Assim, acedi a meus caprichos por roupas finas e comprei coisas luxuosas para +minha boa esposa e para o lar, tudo muito além de nossas posses. + + +“Paguei como pude, e realmente no início não houve grandes contrariedades. +Mas com o tempo descobri que eu não podia usar meus ganhos para viver e ao +mesmo tempo pagar minhas dívidas. Os credores começaram a me procurar +para que eu saldasse minhas compras extravagantes, e minha vida tornou-se +miserável. Pedia emprestado aos amigos, mas tampouco podia pagar-lhes. As +coisas iam de mal a pior. Minha esposa voltou para a casa do pai, enquanto eu +me decidia a deixara Babilonia e buscar uma outra cidade onde um jovem +pudesse encontrar melhores chances. + + +“Durante dois anos levei uma vida sem descanso e sem êxito trabalhando para +donos de caravanas. Daí, vi-me associado a um grupo de simpáticos salteadores +que percorriam o deserto em busca de caravanas desarmadas. Essas ações eram +indignas do filho de meu pai, mas eu estava vendo o mundo através de um vidro +colorido e não me dava conta da degradação a que tinha chegado. + + +“Tivemos sucesso em nossa primeira viagem, capturando um rico carregamento +de ouro, seda e outros objetos valiosos. Levei o saque para Ginir e esbanjei +tudo. + + +“Não tivemos tanta sorte da segunda vez. Assim que espoliamos um novo grupo +de mercadores, fomos atacados pêlos lanceiros de um chefe nativo que recebia +dinheiro para dar proteção às caravanas. Nossos dois líderes foram mortos, e o +restante de nós foi levado para Damasco, onde fomos despojados de nossas +roupas e vendidos como escravos. + + +“Fui comprado por duas moedas de prata por um chefe sírio do deserto. Com os +cabelos tosquiados e uma simples tanga para usar, não era assim tão diferente +dos outros escravos. Sendo um jovem imprudente, achava tudo isso uma mera +aventura, até que um dia meu amo me levou à presença de suas quatro esposas e +disse-lhes que elas podiam, se quisessem, fazer de mim um eunuco. + + +“Somente então percebi como minha situação era realmente desesperadora. +Esses homens do deserto eram ferozes e acostumados ao combate. Eu estava +sujeito à vontade deles, sem armas nem meios de escapar. + + +“Eu ficava apavorado quando essas quatro mulheres começavam a me +examinar. Perguntava a mim mesmo se poderia esperar piedade por parte delas. +Sira, a primeira esposa, era a mais velha das quatro. Seu rosto não se mexia +quando punha os olhos em mim. Desviava-me dela meio descrente de minha +sorte. A segunda esposa era uma desdenhosa beleza que me fitava com +indiferença, como se eu fosse um verme da terra. As duas mais jovens viviam +rindo, como se tudo aquilo não passasse de uma excitante brincadeira. + + +“Pareceu durar um século a expectativa. Cada uma das mulheres dava a +impressão de estar esperando pelas outras para decidir. Finalmente, Sira +manifestou-se, dizendo friamente: + + +? “Temos eunucos de sobra, mas poucos e incompetentes guardadores de +camelos. Ainda não fui visitar minha mãe, que se acha doente, porque não +confio em nenhum de nossos escravos para conduzir meu camelo. Pergunte a +esse outro se ele sabe conduzir camelos.” + + +“Meu amo então me perguntou se eu sabia lidar com camelos. Empenhando-me +por ocultar a ansiedade, respondi: “Posso fazê-los ajoelharem-se, posso pôr-lhes +as cargas, posso levá-los por longas viagens sem se cansarem. Se for necessário, +posso consertar os arreios.' + + +? “O escravo sabe mais do que o necessário”, observou meu amo. “Se for seu +desejo, Sira, use este homem como o seu guardador de camelos.” + + +“Assim, fiquei sob as ordens diretas de Sira e naquele dia conduzi seu camelo +por uma longa viagem de visita a sua mãe doente. Tive a oportunidade de pedir- +lhe que intercedesse por mim junto a meu amo e contei-lhe que não era um + + +escravo de nascença, mas o filho de um homem livre, um honrado fazedor de +sandálias da Babilonia. Contei-lhe muitas coisas a respeito de minha própria +vida. Seus comentários me deixaram desconcertado, e refleti muito sobre o que +ela me disse. + + +” “Como pode chamar a si mesmo um homem livre, quando sua própria +fraqueza o trouxe à condição em que se acha? Se um homem tem dentro de si a +alma de um escravo, não é exatamente nisso que se transforma, não obstante +seu nascimento, assim como a água procura o seu nível? Se um homem tem +dentro dele a alma de um cidadão livre, não se tornará respeitado e honrado em +sua própria cidade, a despeito de seu infortúnio?” + + +“Por mais de um ano fui um escravo e vivi com escravos, mas não podia tornar- +me um deles. Um dia, Sira me perguntou: *Por que fica sozinho em sua tenda, +quando os demais escravos aproveitam a folga divertindo-se uns com os + +outros ?* + + +? “Estou refletindo sobre o que a senhora medisse. Não acredito que tenha a +alma de um escravo. Não posso juntar-me a eles; portanto, devo me manter à +parte.” + + +? “Eu também me mantenho à parte”, confidenciou-me ela. 'Meu dote era +valioso, e meu senhor casou-se comigo por causa disso. Mas ele não me deseja. +Tudo quanto uma mulher almeja é ser desejada. Devido a isso e ao fato de ser +estéril e não poder ter filhos, devo me manter à parte. Se fosse homem, +preferiria morrer a me tornar um escravo, mas as convenções de nossa tribo +reservam às mulheres o papel de escravas.” + + +2 “O que acha de mim agora?”, perguntei-lhe à queima-roupa. “Tenho a alma de +um homem ou a de um escravo?" + + +? “Você tem vontade de saldar as dívidas que fez na Babilonia?” +? “Sim, tenho vontade, mas não vejo como.” + + +? “Se deixar que os anos passem sem fazer qualquer esforço para pagar, então +você tem a desprezível alma de um escravo. O mesmo pode ser dito do homem +que não respeita a si mesmo, e ninguém pode respeitar a si mesmo se não paga + + +honestamente suas dívidas.” + + +NV) +va + + +“Mas o que posso fazer se sou um escravo na Síria?” + + +NV) +va + + +“Permaneça como escravo na Síria, seu fraco.” + + +NV) +va + + +“Não sou um fraco”, neguei vivamente. +“Então, prove.” +Como?" + + +? “Seu grande rei não combate os inimigos de todas as maneiras que pode e com +todas as forças de que dispõe? Suas dívidas são seus inimigos. Elas correram +com você da Babilonia. Você abandonou-as, e elas cresceram num nível +sufocante para você. Se as tivesse enfrentado como um homem, daria conta do +recado e se veria admitido entre os concidadãos. Mas não teve coragem de +combatê-las, e seu amor-próprio minguou tanto que agora você não passa de +um escravo na Síria.” + + +“Quanto mais pensava em suas duras acusações, mais elaborava frases +defensivas para provar a mim mesmo que não era intimamente um escravo. Mas +não tive tempo de usá-las. Três dias depois, a criada de Sira veio me procurar +em seu nome. + + +? “Minha mãe acha-se novamente muito doente”, disse ela. “Sele os dois +melhores camelos do rebanho de meu marido. Providencie água e alimento para +uma longa viagem. A criada abrirá as despensas para você.” + + +“Carreguei os camelos, impressionado com a quantidade de mantimentos +fornecidos pela criada, pois a mãe de Sira morava a menos de um dia de +viagem. A criada montou num dos camelos, enquanto eu conduzia o de minha +senhora. Tinha acabado de escurecer quando chegamos à casa materna de Sira. +Esta despediu a criada e disseme: + + +2 “Dabasir, você tem a alma de um homem livre ou a alma de um escravo?" + + +2 “A alma de um homem livre”, insisti. + + +? “Então chegou sua chance de prová-lo. Nosso dono está desmaiado de tanta +bebida, e seus chefes não fizeram por menos. Pegue estes camelos e fuja. Nesta +bolsa há roupas de seu amo com que você poderá disfarçar-se. Direi que furtou +os camelos e fugiu enquanto eu visitava minha mãe doente.” + + +? “Você tem a alma de uma rainha”, disse-lhe. “Como gostaria de conduzi-la à +felicidade!” + + +2 “A felicidade”, respondeu ela, “não se acha à espera da esposa fugida numa +terra distante, entre gente estranha. Mas vá, e possam os deuses do deserto +protegê-lo, pois o caminho é longo e escasso em alimento ou água.” + + +“Já não era necessário insistir para que me fosse, mas quis ainda agradecer- +lhe, calorosamente, e desapareci na noite. Eu não conhecia aquela estranha +região e tinha apenas uma tênue idéia de onde ficava a Babilonia, mas me pus +corajosamente a caminho através do deserto, em direção às colinas. Montava +um camelo e trazia o outro amarrado. Viajei durante toda a noite e todo o dia +seguinte, impelido pelo conhecimento do terrível destino reservado aos escravos +que roubavam os bens de seu amo ou tentavam escapar. + + +“Ao cair da tarde alcancei um pequeno povoado tão desabitado quanto o +deserto. Pedras afiadas feriam os pés de meus leais camelos, que logo +começaram a andar com lentidão e sofrendo muito. Não encontrei pelo caminho +nenhum homem ou animal e pude compreender por que evitavam essa terra +inóspita. + + +“Era uma dessas viagens de que poucos homens conseguem sair vivos para +contar. Arrastávamo-nos dia após dia. Água e alimentos esgotavam-se. O calor +do sol era inclemente. No final do nono dia escorreguei do dorso de minha +montaria com a sensação de que estava fraco demais para tornar a montar e de +que certamente morreria, perdido nessa região desabitada. + + +“Estendi-me completamente no chão e dormi, só acordando com as primeiras +luzes da manhã. + + +“Soergui-me e olhei à volta. Havia um frescor no ar da manhã. Meus camelos +espojavam-se no chão não muito longe dali. Em derredor, uma imensa região +arruinada, coberta de pedras, areia e coisas duras, nenhum sinal de água, nada + + +de comer para homem ou camelo. + + +“Quem sabe não encontraria o meu fim nessa quietude extrema? Minha mente +nunca estivera tão aguçada. Naquele momento, meu corpo não parecia ter +qualquer importância. Meus lábios ressequidos e partidos, minha língua seca e +inchada, meu estômago vazio, tudo tinha perdido a suprema tortura do dia +anterior. + + +“Eu olhava a minha frente a desanimadora distância, e novamente veio até mim +a pergunta: “Tenho a alma de um escravo ou a alma de um homem livre?” Então +percebi com clareza que, se eu tivesse a alma de um escravo, entregaria os +pontos, deixar-me-ia ficar ali deitado no deserto e morreria, um merecido fim +para um escravo fugido. + + +“Mas e se tivesse a alma de um homem livre? Certamente faria tudo para voltar +à Babilonia, pagaria âqueles que tinham confiado em mim, traria felicidade a +minha esposa, que realmente me amava, e paz de espírito aos meus familiares. + + +” “Suas dívidas são os seus inimigos que o puseram para correr da Babilonia”, +tinha dito Sira. Sim, é isso mesmo. Por que me recusara a ficar em meu chão +como um homem? Por que permitira que minha esposa voltasse para a casa do +pai? + + +“Então, aconteceu uma coisa estranha. O mundo todo pareceu de uma cor +diferente, como se eu tivesse estado olhando para ele através de uma pedra +colorida, subitamente retirada. Via por fim os verdadeiros valores na vida. + + +“Morrer no deserto! Não eu! Com a nova visão, dei-me conta das coisas que +tinha de fazer. Primeiro voltaria à Babilonia e enfrentaria corajosamente todos +os meus credores. Contaria a eles que após anos de perambulações e infortúnio +estava de volta para regular todas as minhas dívidas tão rapidamente quanto os +deuses me permitissem. Depois daria um verdadeiro lar a minha esposa e me +tornaria um cidadão cuja conduta encheria de orgulho meus pais. + + +“Minhas dívidas eram os meus inimigos, mas os homens a quem pedira +emprestado eram meus amigos, pois tinham confiado e acreditado em mim. + + +“Eu caminhava sem sentir os pés firmes. Que importava a fome? Que importava + + +a sede? Não passavam de incidentes no caminho para a Babilonia. Dentro de +mim agitava-se a alma de um homem livre voltando à terra natal para +conquistar seus inimigos e recompensar seus amigos. Eu vibrava com a +resolução que tinha tomado. + + +“Os olhos turvos dos camelos brilharam ao timbre novo em minha voz rouca. +Com grande esforço, depois de muitas tentativas, eles conseguiram sustentar-se +sobre as pernas. Perseverantes, projetavam-se para a frente, em direção ao +norte, onde algo dentro de mim me dizia que iríamos localizar a Babilônia. + + +“Encontramos água. Passamos por uma região mais fértil onde topamos com +relva e frutas. Descobrimos a pista para a Babilonia, porque a alma de um +homem livre olha a vida como uma série de problemas por resolver e os resolve, +enquanto a alma de um escravo não se liberta da eterna lamúria: “Que posso +fazer se não passo de um escravo?" + + +“E quanto a você, Tarkad? O estômago vazio não lhe deixou a cabeça mais +aguçada? Está pronto para pegar a estrada que pode trazer de volta seu auto- +respeito? Já pode ver o mundo em sua verdadeira cor? Não tem o desejo de +pagar honestamente suas dívidas, por maiores que sejam, e tornar-se mais uma +vez um homem respeitado na Babilonia?” + + +Os olhos do jovem ficaram úmidos. Ele se levantou resolutamente. + + +— Você me fez ver algo importante. Já sinto vibrar em mim a alma de um +homem livre. + + +— Mas como se arranjou nos primeiros tempos de seu retorno? — perguntou um +ouvinte atento. + + +— Onde há determinação, o caminho pode ser encontrado — respondeu +Dabasir. —Já me achava então determinado a fazer os planos corretos. Primeiro +visitei todos os homens a quem devia dinheiro, rogando-lhes indulgência até que +eu pudesse ganhar o suficiente para saldar meus débitos. A maioria aceitou de +bom grado minha proposta. Vários me insultaram, mas outros renovaram a +oferta de ajuda. Um deles, Mathon, o emprestador de dinheiro, ofereceu-me o +verdadeiro socorro de que eu precisava. Informado de que eu tinha sido um +guardador de camelos na Síria, ele me enviou a Nebatur, o negociante de + + +camelos, que acabava de ser escolhido pelo nosso bom rei para comprar muitos +rebanhos de camelos saudáveis para uma grande expedição. Assim, pus à +disposição de Nebatur todo o meu conhecimento sobre tais animais. +Paulatinamente tornei-me capaz de pagar cada moeda de cobre e cada moeda +de prata. Pude por fim andar de cabeça erguida, sentindo-me um homem +honrado entre os honrados cidadãos desta cidade. + + +Dabasir fez uma pausa, olhando para sua comida. + + +— Kauskor, seu caracol de uma figa — gritou bem alto para ser ouvido na +cozinha —, a comida está fria. Traga-me mais comida do forno. Sirva uma +generosa porção a Tarkad, o filho de meu velho amigo, que está faminto e +comerá comigo. + + +Assim terminou a história de Dabasir, o negociante de camelos da velha +Babilonia. Ele encontrou sua própria alma, quando compreendeu uma grande +verdade, uma verdade conhecida e usada por homens sábios muito antes do seu +tempo. + + +Ela tem tirado homens de todas as idades de dificuldades e conduzido ao +sucesso e assim continuará fazendo para todos aqueles que conseguem sentir +seu mágico poder. Isso vale para qualquer pessoa que leia estas linhas. + + +“Onde há determinação, o caminho pode ser encontrado” + + +As Tabuinhas de Argila da Babilônia + + +ST. SWITHIN"S COLLEGE NOTTINGHAM UNIVERSITY +Newark-on-Trent Nottingham +21 de outubro de 1934 + + +Professor Franklin Caldwell, +Responsável pela expedição científica britânica +a Hillah, Mesopotâmia. + + +Caro Professor: + + +Sua carta e as cinco tabuinhas de argila achadas durante sua recente escavação +nas ruínas da Babilonia chegaram no mesmo barco. Fiquei extraordinariamente +fascinado e passei muitas horas agradáveis traduzindo as inscrições. Queria +responder imediatamente a sua carta, mas achei melhor esperar até que tivesse +completado a tradução das tabuinhas. + + +Elas chegaram em bom estado, graças ao uso providencial de anteparos e +excelente empacotamento. + + +Você ficará perplexo, tanto quanto nós mesmos ficamos aqui no laboratório, +com a história que elas contam. Em geral esperamos que o impreciso e distante +passado fale de romance e aventura, coisas do tipo As mil e uma noites, você +sabe. Quando, em vez disso, esse mesmo passado revela os problemas +enfrentados por um homem chamado Dabasir para saldar suas dívidas, percebe- +se que as condições que regiam o mundo antigo não mudaram muito nesses +cinco mil anos. + + +É estranho, mas essas velhas inscrições me passaram um “trote”, como dizem +os estudantes. Sendo um professor universitário, sempre me julguei como um +pensador que detivesse um conhecimento prático a respeito de muitos assuntos. +E então me aparece esse velho sujeito, saído dos mundos soterrados da +Babilonia, oferecendo uma maneira, de que nunca ouvi falar, de resolver o +problema de minhas dívidas e ao mesmo tempo andar com moedas de ouro +tilintando em meu bolso. + + +Como seria agradável e interessante averiguar se tal sistema funcionaria tão +bem nos dias de hoje quanto o fez na antiga Babilonia. A Sra. Shrewsbury e eu +estamos planejando testá-lo em nossos próprios negócios, que poderão +melhorar muito. + + +Desejando-lhe toda a sorte do mundo em seu valioso empreendimento e +aguardando impacientemente outra oportunidade de servir, despeço-me + + +com os sinceros cumprimentos de +Alfred H. Shrewsbury, +Departamento de Arqueologia + + +Tabuinha I + + +Neste momento, em noite de lua cheia, eu, Dabasir, recém-fugido da escravidão +na Síria, com a determinação de saldar dívidas que reconheço publicamente e +fazer de mim mesmo um homem de posses respeitado em minha cidade natal da +Babilônia, mando gravar sobre a argila um registro permanente de meus +negócios para guiar-me e assistir na satisfação de meus altos desejos. + + +Escorando-me nos conselhos de meu bom amigo Mathon, o emprestador de +dinheiro, acho-me determinado a seguir um plano preciso que, segundo ele, +pode tirar qualquer cidadão dos embaraços de uma situação de dívida para uma +situação de posses e auto-respeito. + + +Esse plano inclui três propósitos que espero e desejo realizar. Primeiro, o plano +é a garantia de minha futura prosperidade. + + +Por isso, um décimo de tudo quanto eu ganhar será separado e guardado. Pois + + +Mathon fala sabiamente quando diz: + + +“Aquele que guarda em sua bolsa ouro e prata que não precisa gastar é bom +para a família e leal com seu rei. + + +“Aquele que não tem em sua bolsa senão algumas moedas de cobre é indiferente +à família e indiferente a seu rei. + + +“Mas o homem que não tem nada em sua bolsa é insensível à família e desleal +com seu rei, pois seu próprio coração é amargo. + + +“Por isso, o homem que deseja atingir seus objetivos deve ter moedas tilintando +em sua bolsa, sinal de que tem em seu coração amor pela família e lealdade +para com o rei.” + + +Segundo, o plano deve permitir que eu sustente e vista minha boa esposa, que, +com toda a dignidade, voltou para viver comigo. Pois Mathon afirma que cuidar +adequadamente de uma esposa leal confere auto-respeito ao coração de um +homem e propicia força e determinação a seus propósitos. + + +Por isso, sete décimos de tudo quanto eu ganhar serão usados em nossa casa, na +aquisição de roupas e comida, além de uma pequena parcela destinada aos +prazeres e aos divertimentos. Mas é absolutamente necessário que não se +gastem mais do que sete décimos nessas coisas. O sucesso do plano depende +disso. Devo viver com essa parcela e nunca usar mais do que isso ou comprar o +que esteja além desse limite. + + +Tabuinha II + + +Terceiro, o plano deve garantir que meus ganhos tenham condição de saldar +todas as minhas dívidas. + + +Por isso, na ocasião da lua cheia, dois décimos de tudo que eu tiver ganhado +serão divididos honrada e razoavelmente entre aqueles que confiaram em mim e +a quem pedi emprestado. Assim, em seu devido tempo, todas as minhas dívidas +estarão certamente liquidadas. + + +Como um lembrete, mandei gravar nesta argila o nome de todos os cidadãos a + + +quem pedi emprestado e a honesta soma de meus débitos. +Fahru, o tecelão, 2 de prata, 6 de cobre. + +Sinjar, o fazedor de assentos, | de prata. + +Alhmar, meu amigo, 3 de prata, | de cobre. + +Zankar, meu amigo, 4 de prata, 7 de cobre. + +Askamir, meu amigo, | de prata, 3 de cobre. + +Harinsir, o ourives, 6 de prata, 2 de cobre. + +Diarbeker, o amigo de meu pai, 4 de prata, | de cobre. +Alkahad, meu senhorio, 14 de prata. + +Mathon, o emprestador de dinheiro, 9 de prata. +Birejik, o fazendeiro, | de prata, 7 de cobre. + + +(A tabuinha está danificada a partir daqui. Não deu para decifrar.) + + +Tabuinha II + + +Devo a esses credores um total de 119 moedas de prata e 141 moedas de cobre. +Preso a tais compromissos e não vendo como pagar, em minha loucura permiti +que minha esposa voltasse para o pai, enquanto eu mesmo deixava minha +cidade natal, somente para encontrar desgraça e ver-me degradantemente +vendido como escravo. + + +Agora que Mathon me mostra como posso saldar minhas dívidas a partir de +pequenas somas tiradas de meus próprios ganhos, percebo com clareza a +grande extensão de minha loucura ao fugir das consegiiências provocadas por +minhas extravagâncias. + + +Por isso visitei meus credores e expliquei-lhes que não tinha outros recursos +para pagar-lhes senão minha capacidade para ganhar dinheiro e que eu +tencionava destinar dois décimos de tudo que ganhasse para a amortização das +dívidas, honesta e periodicamente. Não poderia desembolsar mais do que isso. +Se fossem pacientes, com o tempo todas as minhas obrigações estariam +integralmente resolvidas. + + +Ahmar, que eu julgava ser o meu melhor amigo, injuriou-me amargamente, e me +retirei sentindo-me realmente humilhado. Birejik rogou que eu lhe pagasse +primeiro, porque estava precisando de ajuda. Alkahad, meu senhorio, revelou-se +um sujeito desagradável e garantiu que me poria em maus lençóis se eu não +resolvesse logo a situação com ele. + + +Os demais tiveram a boa vontade de aceitar minha proposta. Por isso estava +mais determinado como nunca a resolver tudo aquilo, convencido de que é mais +fácil acertar as dívidas do que evitá-las. Ainda que não tivesse podido satisfazer +integralmente as necessidades e os caprichos de alguns poucos credores, +negociei imparcialmente com todos. + + +Tabuinha IV + + +Outra lua cheia. Trabalhei arduamente, com a cabeça em paz. Minha boa +esposa tem me apoiado na intenção de pagar a meus credores. Devido a nossa +sábia determinação, ganhei durante a última lua, comprando camelos de bom +fôlego e boas pernas para Nebatur, a soma de 19 moedas de prata. + + +Dividi-a de acordo com meu plano. Separei um décimo para guardar, dividi sete +décimos com a esposa para o nosso sustento. Dois décimos, uniformemente +divididos em moedas de cobre, foram destinados a meus credores. + + +Não estive com Ahmar, mas deixei a parte dele com sua esposa. Birejik ficou tão +satisfeito que quis beijar minha mão. Só o velho Alkahad continuava rabugento +e disse que eu devia pagar mais rápido. Repliquei-lhe que eu só teria condições +de pagar mais rápido se deixasse de me preocupar com o sustento da casa e de +minha esposa. Todos os demais me agradeceram e elogiaram meus esforços. + + +Por isso, ao final de uma lua, meu endividamento foi reduzido a quase quatro + + +moedas de prata, e já tenho quase duas moedas de prata guardadas que +ninguém pode reivindicar. Meu coração se acha mais leve, coisa que há muito +não experimentava. + + +De novo o plenilúnio. Trabalhei duro, mas com pouco sucesso. Vendi apenas +alguns camelos. Meus ganhos não foram além de 11 moedas de prata. +Entretanto, minha boa esposa e eu continuamos fechados com o plano, ainda +que não tenhamos comprado roupa alguma, limitando-nos, inclusive, a uma +alimentação frugal. Ainda dessa vez separei para guardar um décimo das 11 +moedas e sete décimos para as despesas. Fiquei surpreso quando Ahmar louvou +meu pagamento, ainda que pequeno. Bijerik comportou-se do mesmo modo. +Alkahad encolerizou-se, mas, quando viu que podia ficar sem sua parcela se não +a aceitasse, concordou comigo. Os demais, como sempre, não fizeram quaisquer +restrições. + + +Mais uma vez a lua cheia toma conta do céu, e me sinto extremamente feliz. +Topei com um magnífico rebanho de camelos e comprei alguns bem saudáveis, +tendo conseguido ganhar 42 moedas de prata. Esta lua minha esposa e eu +compramos sandálias e roupas, de que estávamos bem necessitados. Além disso, +fizemos boas ceias, acompanhadas inclusive de aves. + + +Paguei aos credores mais de oito moedas de prata. Dessa vez, nem Alkahad +protestou. + + +Grande é o plano, pois ele tem nos tirado do endividamento e propicia-nos a +possibilidade de guardar o que nos pertence de direito. + + +Já se passaram três luas cheias desde que fiz este último entalhe na argila. Em +cada uma delas paguei a mini mesmo um décimo de tudo quanto consegui com o +meu trabalho. E durante esse mesmo tempo minha boa esposa e eu vivemos +sempre com sete décimos adrede separados, ainda que às vezes isso se tivesse +mostrado mais difícil. E paguei regularmente a meus credores os dois décimos a +eles destinados. + + +Minhas economias somam agora 21 moedas de prata. Isso faz com que eu sinta +a cabeça no lugar e me deixa orgulhoso por poder caminhar entre meus amigos. + + +Minha esposa cuida muito bem de nossa casa se veste com decoro e elegância. + + +Sentimo-nos felizes por estarmos juntos. + + +O plano é de um valor indizível. Além de ter feito de um ex-escravo um honrado +cidadão. + + +Tabuinha V + + +Veio de novo a lua cheia, e percebo que já faz um bom tempo que comecei a +entalhar a argila. Na verdade, doze luas vieram e se foram. Mas hoje +especialmente não negligenciarei meu registro, pois acabo de pagar a última de +minhas dívidas. Hoje é o dia em que minha boa esposa e meu agradecido ser +comemoram com um grande banquete o fato de nossa determinação ter chegado +a bom termo. + + +Aconteceram tantas coisas em minha última visita aos credores que ainda me +lembrarei disso por muito tempo. Ahmar rogou-me que lhe perdoasse por suas +palavras duras e disse que eu era, entre todos os demais, a pessoa que mais +desejava para seu amigo. + + +O velho Alkahad não é assim tão mal, apesar de tudo, pois me disse: “Antes +você era um pedaço de argila mole que todo mundo podia apertar e modelar, +mas agora é uma peça de bronze capaz de enfrentar uma espada. Se em algum +momento precisar de ouro ou de prata, procure-me.” + + +E ele não é o único que me tem em alta conta. Muitos outros dirigem-se a mim +com respeito. + + +Minha boa esposa fita-me com um brilho nos olhos que me leva a ter confiança +em mim mesmo. + + +Esse é o plano que me propiciou sucesso. Ele me capacitou a pagar todas as +minhas dívidas e conservar minha bolsa repleta de ouro e prata. Recomendo-o a +todos que desejam o êxito. Pois se fez com que um ex-escravo tivesse condição +de pagar suas dívidas, não ajudaria qualquer outro ser humano que buscasse a +independência? E ainda continuo a utilizá-lo, pois estou convencido de que +poderei estar entre os homens mais ricos do mundo. + + +ST. SWITHIN"S COLLEGE NOTTINGHAM UNIVERSITY +Newark-on-Trent Nottingham + + +7 de novembro de 1936 + + +Professor Franklin Caldwell, +Responsável pela expedição científica britânica +a Hillah, Mesopotâmia. + + +Caro Professor: + + +Se, em suas futuras escavações nas ruínas da Babilonia, encontrar o fantasma +de um antigo habitante, um velho negociante de camelos chamado Dabasir, +faça-me um favor. Diga-lhe que o que ele andou gravando nessas tabuinhas de +argila, há tanto tempo, renderam-lhe os votos de gratidão de um casal de +professores universitários aqui na Inglaterra. + + +Você provavelmente se lembra de minhas palavras na carta de outubro de 1934, +quando lhe disse que a Sra. Shrewsbury e eu iríamos tentar pôr em prática o +plano de Dabasir, ou seja, amortizando nossas dívidas e ao mesmo tempo +guardando parte do dinheiro. Você já deve ter adivinhado, ainda que tivéssemos +nos limitado ao círculo de nossos amigos, nossas desesperadoras dificuldades. + + +Vínhamos há anos sendo espantosamente humilhados por um grupo de velhas +dívidas e morríamos de preocupação com medo de que alguns credores +pudessem armar um escândalo que nos forçaria a sair da universidade. Nós +pagávamos e pagávamos cada centavo que podíamos espremer de nossa renda, +já por si muito aquém do suficiente para as nossas próprias despesas. Por outro +lado, éramos obrigados a fazer todas as nossas compras onde tivéssemos crédito +em médio e longo prazos, sem termos condições, em vista disso, de reclamar +contra os preços. + + +Isso evoluiu para um desses círculos viciosos em que as coisas, em vez de +melhorar, pioram. Nossos esforços eram improfícuos. Não podíamos mudar +para uma casa mais em conta, porque devíamos ao senhorio. Não víamos luz +alguma no fim do túnel. + + +E de repente nos aparece esse seu conhecido, o velho negociante de camelos da +Babilonia, com um plano inteiramente ajustado ao nosso caso, convidando-nos +jovialmente a seguir o sistema que ele mesmo utilizou em seu próprio tempo. +Fizemos uma lista de todos os nossos débitos, saí com ela e mostrei-a a cada um +de nossos credores. + + +Expliquei-lhes como era humanamente impossível pagar-lhes do jeito que as +coisas iam. Eles mesmos podiam perceber isso de imediato pelas quantias. +Ponderei que o único modo de pagar-lhes integralmente seria separar todo mês +vinte por cento de minha renda e fazer um rateio entre os credores, o que me +permitiria liquidar a dívida no mínimo dentro de dois anos. E que nesse meio +tempo criaríamos uma espécie de livro-razão e daríamos prioridade a eles em + + +nossas compras. + + +Eles ficaram realmente satisfeitos. Nosso verdureiro, um velhinho esperto como +o quê, interpretou a idéia de uma maneira que ajudou a convencer os demais.” +Se você pagar por tudo que compra e pagar apenas uma parte do que deve, será +ainda melhor, pois você não vai liquidar seu débito em menos de três anos.” + + +Finalmente formulei um acordo por escrito com o nome de todos, determinando +que eles estariam proibidos de nos molestar enquanto os vinte por cento de +nossa renda estivessem sendo pagos em dia. + + +Minha mulher e eu começamos então a criar um esquema que nos permitisse +viver com setenta por cento. + + +Estávamos resolvidos a poupar dez por cento. O pensamento da prata e até do +ouro tilintando era realmente mais sedutor. + + +Essa mudança em nosso cotidiano era uma aventura. Divertíamo-nos com a +idéia de viver confortavelmente com os setenta por cento restantes. Começamos +com o aluguel e conseguimos uma bela redução. Depois pusemos sob suspeita +as marcas prediletas do que consumíamos, e foi uma agradável surpresa +descobrir como frequentemente podemos comprar artigos de qualidade superior +a um preço mais em conta. + + +Para encurtar a história, não foi nada difícil tomar essas resoluções. Levávamos +o plano adiante com muita alegria ainda por cima. Que alívio ter arrumado +nossos negócios de tal modo que por muito tempo não fomos mais perseguidos +pelas dívidas do passado. + + +Não devo deixar, entretanto, de contar-lhe sobre esses dez por cento que +tínhamos resolvido poupar. Conseguimos fazê-lo por algum tempo. Não ria +antes da hora. Essa é a parte divertida. É realmente engraçado começar a +acumular dinheiro que você não quer gastar. Há mais prazer em ver aumentar +uma reserva de dinheiro supostamente excedente do que poderia haver +gastando-a. + + +Depois de ter poupado até onde achamos necessário, encontramos um emprego +mais lucrativo para as nossas economias. Fizemos um investimento em que + + +pudéssemos pagar esses dez por cento todo mês. Isso provou ser o aspecto mais +satisfatório de nossa regeneração. E a primeira coisa que pagamos já +descontada em folha. + + +Há uma grande sensação de segurança em saber que nosso investimento cresce +de maneira estável. Enquanto isso, meus dias de aula tornaram-se mais bem- +remunera-dos, algo suficiente para nos sustentar daqui por diante. + + +Tudo isso a partir do mesmo velho cheque. Difícil de acreditar, mas +absolutamente verdadeiro. Todas as nossas dívidas sendo gradualmente pagas e +nossos investimentos crescendo ao mesmo tempo. Além disso vivíamos, +financeiramente falando, muito melhor do que antes. Quem acreditaria haver +uma diferença de tal monta em termos de resultado entre seguir um plano +financeiro e simplesmente deixar-se levar pela corrente. + + +No final do próximo ano, quando todos os nossos velhos débitos já não +existirão, teremos condição de aumentar o valor dos nossos investimentos, além +de uma quantia extra para viajar. Estamos determinados a nunca mais permitir +que nossas despesas mensais ultrapassem setenta por cento de nossos +vencimentos. + + +Agora você pode entender por que gostaríamos de estender nossos +agradecimentos pessoais a esse velho cara cujo plano salvou-nos do que era o +nosso “inferno na terra”. + + +Ele sabia. Ele passou por tudo isso. Ele queria beneficiar os outros a partir de +suas próprias amargas experiências. Foi por isso que levou tediosas horas +gravando sua mensagem na argila. + + +Ele tinha uma mensagem verdadeira para companheiros no sofrimento, uma +mensagem tão importante que depois de cinco mil anos ergueu-se das ruínas da +Babilonia, não menos verdadeira ou menos vital do que no dia em que foi +enterrada. + + +Com os sinceros cumprimentos de +Alfred H. Shrewsbury, + + +Departamento de Arqueologia + + +O Homem de Mais Sorte da Babilônia + + +À FRENTE DE sua caravana vem orgulhosamente montado Sharru Nada, o +mais importante comerciante da Babilonia. Ele gosta de roupas finas e está +usando uma túnica elegante e cara. Gosta de animais de classe e está montando +seu vigoroso garanhão árabe. Quem quer que o contemplasse dificilmente +adivinharia sua avançada idade. E certamente ninguém teria suspeitado de que +por dentro ele se achava bastante preocupado. + + +A viagem desde Damasco é longa, e não têm conta as adversidades do deserto. +Ele não pensava nelas. As tribos árabes são ferozes e ávidas por pilhar +caravanas ricas. Ele não as temia, pois seus muitos guardas montados eram +uma segura proteção. + + +O que o enchia de inquietação era o jovem a seu lado, que estava trazendo de +Damasco. Tratava-se de Hadan Gula, o neto de um velho sócio, Arad Gula, a +quem se sentia ligado por uma dívida de gratidão que nunca poderia ser paga. +Gostaria de fazer algo pelo rapaz, mas, quanto mais pensava nisso, mais lhe +parecia difícil por causa do próprio jovem. Vendo os anéis e os brincos do +jovem, pensou de si para consigo: “Ele acha que jóias são para homens, +embora tenha o mesmo rosto enérgico do avô. Mas este não usava túnicas tão +berrantes. Procurei, porém, trazê-lo na esperança de ajudá-lo a começar por si +mesmo e livrar da ruína o que seu pai tem feito da herança deles.” + + +Hadan Gula tirou-o de seus pensamentos. + + +— Por que trabalha tão arduamente, acompanhando sempre sua caravana em +longas viagens? Nunca arranja tempo para gozar a vida? + + +— Gozar a vida? — repetiu Sharru Nada, sorrindo. — O que você faria para +gozar a vida se estivesse em meu lugar? + + +— Se fosse tão rico quanto você, levaria a vida de um príncipe. Nunca montaria +um animal para cruzar o tórrido deserto. Gastaria os siclos tão rapidamente +quanto viessem para minha bolsa. Usaria as mais caras túnicas e as jóias mais +raras. Seria uma vida a meu gosto, algo que realmente valeria a pena. + + +Os dois riram. + + +— Seu avô não usava jóias — disse Sharru Nada, pensativo. Depois continuou, +brincando: — Não reservaria tempo algum para trabalhar? + + +— O trabalho foi feito para escravos — respondeu Hadan Gula. + + +Sharru Nada mordeu os lábios, mas não fez nenhuma réplica, seguindo em +silêncio até que a trilha os tivesse levado ao declive. Ali freou a montaria e +apontou ao longe o vale verdejante. + + +— Veja, aí se acha o vale. Procure levar mais adiante seus olhos e entreverá, +ainda indistintamente, as muralhas da Babilonia. A torre é o Templo de Bel. Se +tiver olhos de lince, perceberá inclusive a fumaça que sobe do fogo perene +instalado em seu topo. + + +— A Babilônia é assim? Sempre almejei conhecer a mais rica cidade em todo o +mundo — comentou Hadan Gula. — A Babilonia, onde meu avô começou sua +fortuna. Quem dera ele ainda estivesse vivo. Não deveríamos ser tão +apressados. + + +— Por que deveria o espírito dele ficar na terra além do tempo que lhe foi +reservado? Você e seu pai podem muito bem prosseguir as boas coisas que ele +fez. + + +— Ai de mim, nenhum de nós dois possui os talentos de meu avô. Nem papai +nem eu conhecemos seu segredo para atrair os dourados siclos. + + +Sharru Nada não respondeu, mas, pensativo, afrouxou a rédea e deixou sua +montaria descer o declive na direção do vale. Atrás deles seguia a caravana +numa nuvem de poeira avermelhada. Algum tempo depois alcançavam a estrada +real e dobravam ao sul, através das fazendas irrigadas. + + +Três velhos homens arando um campo despertaram a atenção de Sharru Nada. +Pareciam estranhamente familiares. Que coisa mais ridícula! Ninguém passa +quarenta anos depois por um campo e encontra os mesmos homens arando o +terreno. Mas alguma coisa dentro de si dizia que eram eles. Um, com uma força +incerta, manejava o arado. Os outros conduziam com grande dificuldade os +bois, batendo-lhes inutilmente com seus cajados para obrigá-los a continuar + + +puxando. + + +Quarenta anos atrás tinha invejado esses homens! Com que felicidade teria +então trocado de lugar com eles! Mas que diferença agora! Olhou com orgulho +para trás, apreciando a caravana que o seguia, com seus camelos e burros +criteriosamente escolhidos, abarrotados de mercadorias valiosas trazidas de +Damasco. E tudo isso era apenas uma parte de todos os seus bens. + + +Ele apontou para os homens que trabalhavam a terra e disse: + +— Continuam arando o mesmo terreno onde se encontravam há quarenta anos. +— E o que parece, mas por que acha que são os mesmos? + +— Eu os vi ali uma vez — respondeu Sharru Nada. + + +As recordações passaram como um raio por sua mente. Por que não podia +enterrar o passado e viver no presente? E então viu, como numa imagem, o +rosto sorridente de Arad Gula. A barreira entre ele mesmo e o cínico jovem a +seu lado dissolveu-se. + + +Mas como podia ajudar um jovem enfatuado como este, com suas idéias de +perdulário e as mãos cheias de jóias? Podia oferecer trabalho à vontade para +homens com boa disposição, mas não para aqueles que se presumiam superiores +demais para exercerem um determinado ofício. Entretanto, devia a Arad Gula a +obrigação de fazer realmente alguma coisa, não uma tentativa sem entusiasmo. +Ele e Arad Gula nunca tinham agido desse modo, não eram dessa espécie de +homens. + + +De repente veio-lhe à cabeça um plano. Havia objeções. Tinha que levar em +conta sua própria família e sua posição. Seria uma coisa cruel e agressiva. +Homem de decisões rápidas, pôs de lado as objeções e resolveu agir. + + +— Estaria interessado em saber como seu conceituado avô e eu mesmo +formamos uma sociedade que se mostrou bastante lucrativa? — perguntou ele. + + +— Por que não me conta só como conseguiu os dourados siclos? É tudo que +preciso saber — aparou o jovem. Sharru Nada ignorou a resposta e continuou: + + +— Vamos começar por esses homens que vimos trabalhando a terra. Eu podia +ter então a sua idade. Quando a coluna em que me encontrava se aproximou, o +velho e bom Megiddo, o fazendeiro, zombou da maneira desajeitada com que +eles usavam os instrumentos. Megiddo estava acorrentado junto a mim. “Olhe +para esses companheiros preguiçosos”, protestou ele. “O que maneja o arado +não faz o menor esforço para abrir sulcos profundos, nem os batedores +conseguem manter os bois na linha certa. Como podem esperar uma boa +colheita arando de tal forma?” + + +— Disse que Megiddo estava acorrentado a você? — perguntou Hadan Gula, +surpreso. + + +— Sim, com argolas de bronze em volta do pescoço e um pedaço de pesada +corrente entre nós. A seu lado achava-se Zabado, o ladrão de ovelhas. Tinha-o +conhecido em Harroun. No final, vinha um homem a quem chamávamos de +Pirata, pois não nos dissera seu nome. Pensamos tratar-se de um marujo, +porque trazia no peito uma tatuagem de serpentes entrelaçadas à moda do mar. +A coluna era assim constituída para que os homens andassem de quatro em +quatro. + + +— Você estava acorrentado como um escravo? — perguntou Hadan Gula, sem +acreditar. + + +— Seu avô não lhe contou que eu já fui um escravo? +— Ele sempre falou sobre você, mas nunca insinuou nada a esse respeito. + + +— Ele era um homem a quem se podia confiar os mais íntimos segredos. Creio +que também posso confiar em você, não é mesmo? — Sharru Nada olhou-o +diretamente nos olhos. + + +— Você pode contar com o meu silêncio, mas estou perplexo. Conte-me como +chegou a ser um escravo. + + +Sharru Nada deu de ombros. + + +— Qualquer homem pode acordar numa bela manhã como um escravo. Foi uma +casa de jogo e o excesso de bebida que me trouxeram tal desgraça. Fui vítima +das imprudências de meuirmão. Numa briga, ele matou seu amigo de copo. Meu + + +pai me entregou à viúva, desesperado para proteger meu irmão contra o braço +da lei. Como depois ele não tivesse conseguido dinheiro suficiente para libertar- +me, a mulher, raivosa, me vendeu para um mercador de escravos. + + +— Que vergonha e injustiça! — protestou Hadan Gula. — Mas, diga-me, como +conseguiu ganhar a liberdade? + + +— Calma, chegaremos lá. Ouça primeiro a história. Quando passamos, esses +homens que estavam trabalhando a terra zombaram de nós. Um deles tirou o +chapéu rasgado da cabeça e fez uma mesura, quase gritando: “Bem-vindos à +Babilonia, hóspedes do rei. Ele os espera nas muralhas da cidade, onde o +banquete é farto: tijolos de lama e sopa de cebolas.” E todos eles riram +ruidosamente. + + +“Pirata encolerizou-se e xingou-os. “Que querem dizer com isso, que o rei nos +espera nas muralhas?”, perguntei-lhe. + + +» é + + +Que vamos para as muralhas da cidade carregar tijolos até que nossas costas +se quebrem. Talvez eles o surrem até a morte antes que os próprios tijolos +acabem com você. Mas eu não deixarei que me batam. Eu os matarei.” + + +“Megiddo tomou a palavra: “Não faz sentido para mim a idéia de amos batendo +em escravos diligentes, dispostos ao trabalho, até a morte. Os amos gostam de +bons escravos e tratam-nos bem.” + + +? “Quem quer trabalhar pesado?”, comentou Zabado. “Esses homens aí +curvados ao arado são sujeitinhos espertos. Não estão quebrando as próprias +costas. Só fazem de conta que estão dando duro.” + + +? “Você não prospera usando de malandragem”, protestou Megiddo. “Se +conseguir lavrar um hectare, terá sido um bom dia de trabalho, e o amo +reconhece isso. Mas, se lavrar apenas a metade, isso prova que fez corpo mole +no serviço. Eu não faço hora. Gosto de trabalhar e gosto de fazer um bom +trabalho, pois o trabalho é o melhor amigo que já conheci. Ele me deu todas as +boas coisas que já tive — minha fazenda, meu gado leiteiro, minhas colheitas, +tudo.” + + +? “Vejam só quem fala, e onde estão essas boas coisas agora?”, zombou Zabado. + + +“Imagino ser muito melhor continuar vivo e arranjar-se sem trabalho. Veja o +meu exemplo. Se formos vendidos para perder o couro nas muralhas, serei +destinado ao transporte de sacos d'água ou algum outro trabalho fácil, +enquanto você, que gosta de pegar no pesado, estará quebrando as costas de +tanto carregar tijolos.” Com um riso idiota, ficou em silêncio de novo. + + +“O terror apoderou-se de mim naquela noite. Não pude conciliar o sono. +Aproximei-me da corrente mestra e, quando os outros dormiam, atraí a atenção +de Godoso, que era o primeiro a ficar de vigia. Ele era um daqueles bandidos +árabes, espécie de tratante que, além de roubar o dinheiro da vítima, não hesita +igualmente em cortar-lhe a garganta. + + +? “Diga-me, Godoso”, sussurrei, “quando chegarmos à Babilônia, seremos +vendidos para trabalhar nas muralhas? + + +? “Por que quer saber?”, perguntou ele, cautelosamente. + + +? “Mas não está vendo logo!?”, insisti. “Sou jovem. Quero viver. Não quero +trabalhar nem ser espancado até a morte nas muralhas. Tenho alguma chance +de encontrar um bom amo?" + + +“Ele sussurrou de volta: “Vou lhe contar uma coisa. Você é um bom camarada, +não perturba Godoso. Estive muitas vezes no mercado de escravos. Agora, ouça. +Quando os compradores aparecerem, diga-lhes que é um bom trabalhador e que +gosta de trabalhar muito para um bom amo. Faça com que eles queiram +comprá-lo. Do contrário, já no outro dia estará carregando tijolos. Dando um +duro dos diabos. + + +“Depois que ele se afastou, deitei-me na areia quente, olhando as estrelas e +pensando em trabalho. Megiddo teimara que este era o seu melhor amigo; muito +me surpreenderia se eu também viesse a ter a mesma opinião. Certamente teria, +se o trabalho me livrasse de tudo aquilo. + + +“Quando Megiddo acordou, contei-lhe baixinho minhas boas novas. Era nosso +único raio de esperança quando nos pusemos em marcha para a Babilônia. No +final da tarde aproximamo-nos das muralhas e pudemos ver as fileiras de +homens, como formigas negras, subindo e descendo ladeiras íngremes. De mais +perto ainda, ficamos impressionados com os milhares de homens trabalhando; + + +alguns estavam cavando no fosso, outros confundiam-se com a sujeira dos +tijolos de lama. O maior número carregava os tijolos em imensos cestos através +das trilhas escarpadas até os pedreiros. * + + +* Os famosos trabalhos da antiga Babilonia — suas muralhas, templos, jardins suspensos e grandes canais +— foram realizados pela mão escrava, principalmente entre os prisioneiros de guerra, o que explica o +tratamento desumano que receberam. Essa força de trabalho incluía igualmente muitos cidadãos da +Babilonia e de suas províncias que tinham sido vendidos como escravos por causa de crimes ou problemas +financeiros. Era um costume corrente que os próprios homens oferecessem a si mesmos, esposas e filhos +como caução relativa a dívidas, julgamentos legais ou outras obrigações. No caso de não-cumprimento, as +pessoas entregues como garantia eram vendidas como escravas. + + +“Inspetores praguejavam contra os retardatários e desciam o chicote de couro +de boi nas costas daqueles que não conseguiam ficar em linha. Víamos os +pobres companheiros vacilarem esgotados e caírem sob o peso de seus cestos, +incapazes de tornarem a levantar-se. Se a chicotada alcançavalhes os pés, eles +eram arrastados para o lado dos caminhos e deixados ali, contorcendo-se de +dor. Logo seriam dragados para baixo, a fim de juntar-se a outros corpos +jogados ao lado da estrada, esperando uma sepultura ímpia. Quando vi o +pavoroso espetáculo, tremi da cabeça aos pés. Então era isso o que esperava o +filho de meu pai se não fosse vendido no mercado. + + +“Godoso tinha falado com razão. Fomos conduzidos através dos portões da +cidade até a prisão dos escravos e na manhã seguinte levados para a praça do +mercado. Ali o resto dos homens achava-se petrificado de medo, e só o chicote +de nosso guarda pôde convencê-los a adiantar-se para serem examinados pêlos +compradores. Megiddo e eu mesmo falávamos avidamente com qualquer homem +a quem se nos permitia dirigirmo-nos. + + +“O negociante de escravos chamou soldados da guarda real, que algemaram +Pirata e brutalmente o açoitaram quando ele protestou. Assim que o carregaram +dali, senti uma grande pena dele. + + +“Megiddo percebeu que logo seríamos separados. Quando nenhum comprador +se achava por perto, ele me falava com veemência para deixar marcado em +minha mente como o trabalho seria valioso para mim no futuro: “Alguns homens +o odeiam. Fazem dele um inimigo. É melhor tratá-lo como um amigo, aprender +a gostar dele. Não se preocupe com que seja árduo. Se pensar nisso como uma +casa que você constrói, então quem se importa que as vigas sejam pesadas ou +que se ache distante o lugar aonde tem de apanhar água para o estuque? + + +Prometa-me, rapaz, que se tiver um amo vai trabalhar para ele o mais +arduamente que puder. Se ele não apreciar tudo quanto você faz, não se +preocupe. Lembre-se, o trabalho bem-feito traz satisfação a quem quer que o +tenha realizado e torna o homem melhor. Ele se calou quando um fazendeiro +troncudo aproximou-se do cercado e nos olhou como quem examina uma +mercadoria. + + +“Megiddo interrogou-o sobre sua fazenda e colheitas, logo convencendo o +homem de que seria de grande utilidade para ele. Depois de uma violenta +negociação com o vendedor de escravos, o fazendeiro tirou de sob a túnica uma +gorda bolsa, e logo Megiddo seguia o novo amo, saindo do campo de minha +visão. + + +“Alguns outros homens foram vendidos durante a manhã. Ao meio-dia Godoso +confiou-me que o vendedor estava impaciente e que não ficaria ali mais uma +noite, antes transferiria todos os que tivessem restado, ao pôr-do-sol, ao +comprador do rei. Eu estava ficando desesperado, quando um homem gordo, de +aparência afável, aproximou-se de onde nos encontrávamos e perguntou se +havia ali entre nós algum padeiro. + + +“Cheguei para perto dele, dizendo: '*Por que deveria um bom padeiro como +você procurar outro padeiro de talentos inferiores? Não seria mais fácil ensinar +a um homem decidido como eu os seus preciosos talentos? Olhe para mim, sou +jovem, forte e amante do trabalho. Dê-me uma chance, e farei o impossível para +ganhar ouro e prata para o seu bolso.” + + +“Ele ficou impressionado com minha boa disposição e começou a negociar com +o vendedor, que não tinha reparado em mim desde que me comprara, mas que +agora gabava com elogiúência minhas habilidades, saúde e boa constituição. +Senti-me como um boi gordo sendo vendido a um açougueiro. Por fim, para +minha alegria, o negócio foi fechado. Saí dali seguindo meu novo mestre, +achando que era o homem de mais sorte na Babilonia. + + +“O novo lar era muito a meu gosto. Nana-naid, meu amo, ensinou-me a moer a +cevada na pedra redonda que ficava no pátio, a pôr e acender a lenha no forno +e a reduzir a um pó finíssimo a farinha de gergelim para os bolinhos de mel. Eu +tinha um leito no barracão onde eram guardados os cereais. Uma velha escrava +que servia como governanta, Swasti, alimentava-me convenientemente e estava + + +satisfeita com minha boa vontade em ajudá-la nas tarefas mais duras. + + +“Ali estava a chance há muito esperada de mostrar-me útil a meu amo e, +quisessem os deuses, de encontrar um meio para ganhar a liberdade. + + +“Pedi a Nana-naid que me ensinasse a fazer a massa do pão e assá-lo. Foi o +que ele fez, muito animado com o meu interesse. Mais tarde, quando já +dominava esse terreno, aprendi a preparar e assar os bolinhos de mel. A +possibilidade de ócio encantou meu dono, mas Swasti balançava a cabeça, +desaprovando. “Não trabalhar é uma coisa ruim para qualquer homem”, +declarou ela. + + +“Achei que já era tempo de pensar numa maneira de começar a obter dinheiro +para comprar minha liberdade. Como a feitura dos pães encerrava-se ao meio- +dia, julguei poder contar com a aquiescência de Nana-naid se eu encontrasse +uma ocupação lucrativa para a parte da tarde e que ele não se importaria em +dividir comigo os meus próprios ganhos. Tive a seguinte idéia: por que não +assar uma quantidade maior de bolinhos de mel e vendê-los a homens famintos +nas ruas da cidade? + + +“Apresentei o plano a Nana-naid, dizendo-lhe: *Se eu puder usar minhas tardes, +depois que os pães estiverem assados, a fim de ganhar dinheiro para você, não +lhe bastará senão dividir os ganhos comigo, para que eu possa ter o meu +próprio dinheiro e gastá-lo com essas coisas que todo homem deseja e precisa.” + + +? “Mais do que justo”, concordou ele. Quando lhe falei sobre o plano de vender +nas ruas nossos bolinhos de mel, ele logo se entusiasmou com a idéia. “Eis o que +faremos”, sugeriu. “Você venderá cada dois bolinhos por uma moeda de cobre. +Metade das moedas ficará comigo para pagar pela farinha, o mel e a lenha para +o forno. Dividiremos o que sobrar meio a meio.” + + +“Fiquei muito feliz com seu generoso oferecimento, que me permitiria guardar +para mim um quarto das vendas. Naquela noite trabalhei até tarde para fazer +uma bandeja onde empilhar os bolinhos. Nana-naid me deu uma de suas túnicas +usadas, para me mostrar apresentável, e Swasti ajudou-me a remendá-la e lavá- +la. + + +“No dia seguinte assei uma quantidade extra de bolinhos de mel. Ficaram + + +tostadinhos e tentadores sobre a bandeja, e percorri as ruas apregoando minha +mercadoria. No princípio, ninguém pareceu interessado, e isso me deu um +grande desânimo. Prossegui, e, já pelo final da tarde, à medida que as pessoas +ficavam esfomeadas, os bolinhos começaram a sair, e logo minha bandeja ficou +vazia. + + +“Nana-naid revelou-se contente com o meu sucesso e de bom grado pagou +minha parte. Eu exultava com minhas moedas de prata. Megiddo tinha razão +quando afirmava que um amo apreciava o bom trabalho de seus escravos. Nessa +noite, eu estava tão exultante com meu êxito que quase não pude conciliar o +sono, tentando imaginar a soma total dos ganhos em um ano e de quantos anos +precisaria para comprar minha liberdade. + + +“Como saía todos os dias com minha bandeja repleta de bolinhos, logo arranjei +fregueses certos. Um destes não era outro senão seu avô, Arad Gula. Ele era um +comerciante de tapetes e vendia para as donas de casa, indo de uma ponta à +outra da cidade, acompanhado por um burro abarrotado de tapetes e um +escravo negro para desdobrá-los. Ele comprava dois bolinhos para si mesmo e +dois outros para o escravo, sempre se detendo para conversar comigo enquanto +os comia. + + +“Seu avô disse-me um dia uma coisa que nunca mais esquecerei. “Gosto dos +seus bolinhos, meu jovem, mas muito mais da maneira refinada com que você os +oferece. Esse espírito de iniciativa pode levá-lo longe na estrada do sucesso.” + + +“Mas comopode entender, Hadan Gula, o que tais palavras de encorajamento +podem significar para um escravo ainda jovem, sozinho numa grande cidade, +lutando com tudo que tinha em si para encontrar um modo de livrar-se das +humilhações? + + +“A medida que os meses passavam, eu ia economizando cada vez mais os meus +trocados. Meu alforje preso ao cinto ia começando a ganhar um peso bem +gostoso. O trabalho estava provando ser meu melhor amigo, exatamente como +dissera Megiddo. Eu estava feliz, mas Swasti mostrava-se preocupada: “Temo +que nosso amo esteja dissipando um tempo precioso nas mesas de jogo”, disse +ela. + + +“Não coube em mim de contente quando um dia cruzei com meu amigo Megiddo + + +na rua. Ele conduzia ao mercado três burros carregados de verduras. “Eu estou +indo muito bem”, disse ele. + + +“Meu amo aprecia tanto o meu bom trabalho que agora sou capataz. Como vê, +ele me confia os negócios no mercado e inclusive mandou buscar minha família. +O trabalho está me ajudando a recuperar-me dos meus grandes problemas. +Algum dia me ajudará a comprar minha liberdade e ter de volta minha fazenda. + + +“O tempo foi passando, e Nana-naid tornou-se cada vez mais ansioso pelo meu +retorno após a venda dos bolinhos. Ele ficava me esperando e avidamente +contava e dividia nosso dinheiro. Chegou a instar comigo para que visitasse +praças mais distantes e aumentasse as vendas. + + +“Frequentemente, eu ia além dos portões da cidade para atender os inspetores +dos escravos que construíam as muralhas. Eu odiava aquelas desagradáveis +visões, mas achei entre os inspetores fregueses liberais. Um dia fiquei surpreso +ao ver Zabado esperando numa fila para encher o cesto com tijolos. Ele estava +pálido e alquebrado, as costas cobertas de chagas e lanhaduras devido ao +chicote dos inspetores. Tive pena dele e estendi-lhe um bolinho que ele devorou +imediatamente como um animal faminto. Percebendo seu olhar guloso, corri +antes que me arrebatasse a bandeja. + + +? “Por que trabalha tão arduamente ?”, perguntou-me um dia Arad Gula. Quase +a mesma pergunta que você me fez hoje, lembra-se? Contei-lhe o que Megiddo +dissera sobre o trabalho e como este estava provando ser meu melhor amigo. +Mostrei-lhe com orgulho meu alforje repleto de moedas, acrescentando que +economizava a fim de comprar minha liberdade. + + +? “Quando estiver livre, o que fará?”, quis saber seu avô. +? “Bem”, respondi, “tenciono tornar-me comerciante.” + + +“Foi aí que ele me confidenciou uma coisa de que eu nunca tinha suspeitado. +“Aposto que não sabe que sou também um escravo. Formei uma sociedade com +o meu amo.” “ + + +— Alto lá! — interveio Hadan Gula. — Não ouvirei mentiras que ultrajem meu +avô. Ele não foi escravo. — Seus olhos faiscavam de raiva. + + +Sharru Nada manteve-se calmo. + + +— Respeito seu avô por ter superado o infortúnio, tornando-se um cidadão +proeminente em Damasco. Acha que você, seu neto, é feito do mesmo molde? E +homem suficiente para encarar a verdade ou prefere viver alimentando falsas +ilusões? + + +Hadan Gula endireitou-se na sela. Numa voz sufocada por profunda emoção, +replicou: + + +— Meu avô foi estimado por todos. Seus dons eram incontáveis. Numa época de +fome, foi seu ouro que comprou cereais no Egito, foi sua caravana que os trouxe +para Damasco, distribuindo-os para que as pessoas não morressem de inanição. +Agora você está me dizendo que ele não passava de um desprezível escravo na +Babilônia. + + +— Tivesse permanecido como escravo na Babilonia, teria muito bem podido ser +desprezível. Quando, porém, através de seus próprios esforços, tornou-se um +grande homem em Damasco, os deuses realmente condoeram-se de seus +infortúnios e dedicaram-lhe todo o respeito celeste. + + +“Depois de ter me contado que era um escravo”, continuou Sharru Nada, +“explicou como estivera ansioso para ganhar sua liberdade. Agora que tinha o +dinheiro para comprá-la estava muito confuso quanto ao que devia fazer. Havia +muito não fazia boas vendas e temia deixar a proteção de seu amo. + + +“Condenei sua indecisão: *Não fique grudado por muito tempo a seu amo. +Experimente novamente a sensação de ser um homem livre. Aja e obtenha êxito +como um homem livre! Decida o que deseja realizar, e então o trabalho o +ajudará a fazé-lo!º Ele seguiu seu caminho, dizendo estar contente por eu tê-lo +censurado por sua covardia. * + + +*Os costumes dos escravos na antiga Babilonia, ainda que possam parecer inconsistentes para nós, eram +rigorosamente regulados pela lei. Por exemplo, um escravo podia ter sua própria propriedade e até outros +escravos sobre os quais seu amo não tinha qualquer direito. Escravos casavam-se livremente com não- +escravos. Filhos de mães livres eram livres. A maioria dos comerciantes da cidade eram escravos. Muitos +destes formavam sociedade com seus amos e eram ricos de pleno direito. + + +“Um dia fui novamente além dos portões da cidade e fiquei surpreso ao +encontrar uma multidão compacta ali reunida. Tentei informar-me a respeito, e + + +um homem me disse: “Então não soube? Um escravo fugido que matou um dos +guardas do rei foi trazido para a justiça e ainda hoje será açoitado até a morte +por seu crime. O próprio rei estará aqui em pessoa.” + + +“O ajuntamento era tão cerrado em volta do pelourinho que temi aproximar-me +sem que minha bandeja de bolinhos de mel não fosse atirada para o alto. Subi +por isso a um recanto em obras da muralha de onde podia ver acima das +cabeças das pessoas. Pude ter dali uma ótima visão do próprio Nabucodonosor +conduzindo seu carro de ouro. Nunca tinha contemplado tanta grandeza, túnicas +tão magníficas e cortinas de pano dourado e veludo. + + +“Eu não podia ver o castigo, embora conseguisse ouvir os gritos lancinantes do +pobre escravo. Admirava-me que alguém tão nobre como o nosso magnífico rei +tivesse condições de apreciar aquele sofrimento, mas, quando vi que ele estava +rindo e brincando com os cortesãos, percebi que ele era cruel e compreendi por +que tarefas tão desumanas eram exigidas dos escravos que construíam as +muralhas. + + +“Depois que o escravo morreu, seu corpo foi preso a um poste de madeira por +uma corda ligada a um de seus pés para que todos pudessem ver. Como a +multidão começava a desfazer-se, cheguei mais perto. Sobre o peito cabeludo do +supliciado reconheci a tatuagem das duas serpentes entrelaçadas. Era Pirata. + + +“Na próxima vez que encontrei Arad Gula, ele era um homem mudado. +Cumprimentou-me cheio de entusiasmo: “Veja, o escravo que você conheceu é +agora um homem livre. Havia mágica em suas palavras. Minhas vendas e meus +lucros cresceram. Minha esposa não cabe em si de contente. Ela era uma mulher +livre, sobrinha de meu amo. Ela deseja bastante que nos mudemos para outra +cidade onde ninguém saiba que já fui um escravo. Desse modo, nossos filhos +estarão livres de censuras devido ao infortúnio do pai. O trabalho se tornou meu +melhor esteio. Capacitou-me a recuperar a confiança e minha habilidade para +vender. + + +“Fiquei satisfeito em ter podido pagar-lhe, ainda que de modo tão simples, o +encorajamento que ele tinha me dado. + + +“Uma noite, Swasti me procurou profundamente abalada: “Seu amo está com +problemas. Temo por ele. Há alguns meses vem perdendo grandes somas nas + + +mesas de jogo. Não está pagando ao fazendeiro pêlos cereais nem pelo mel. Não +está pagando ao emprestador de dinheiro. Eles estão revoltados e ameaçam-no.” + + +? “Por que devemos nos preocupar com suas loucuras? Não somos os seus +responsáveis”, respondi sem pensar. + + +? “Jovem desmiolado, não está entendendo? Ele deu ao emprestador de dinheiro +seu título de propriedade para garantir o empréstimo. Segundo a lei, o homem +pode reclamá-lo e vendê-lo. Não sei o que fazer. Ele é um bom amo. Por quê? +Por que tais problemas vieram cair sobre ele?” + + +“Os temores de Swasti não eram sem fundamento. Enquanto me achava assando +o pão na manhã seguinte, o emprestador de dinheiro voltou com um homem +chamado Sasi. Esse homem me examinou e disse que eu servia. + + +“O emprestador de dinheiro não quis esperar o retorno de meu amo, mas +incumbiu Swasti de dizer-lhe que tinha me levado. Sem levar comigo senão a +túnica que estava vestindo e o meu alforje com as moedas de cobre preso ao +cinto, apressaram-me a deixar o local, os pães ainda assando no forno. + + +“Fora arrancado às minhas mais queridas esperanças como o furacão +desenraiza a árvore da floresta, atirando-a ao mar encapelado. Novamente uma +casa de jogo e bebidas alcoólicas causavam minha desgraça. + + +“Sasi era um homem rude e grosseiro. Quando cruzava comigo a cidade, falei- +lhe sobre os bons serviços que tinha prestado a Nana-naid e disse-lhe que ele +poderia esperar o mesmo tratamento. Sua resposta foi totalmente +desencorajadora. + + +? “Não gosto deste trabalho. Meu amo não gosta dele. O rei determinou que ele +me destinasse à construção de uma seção do Grande Canal. O amo me pediu +que comprasse mais escravos, trabalhasse arduamente e acabasse rápido com a +obra. Ora, como pode algum homem acabar rapidamente uma obra grande +como aquela?” + + +“Imagine um deserto sem árvore alguma, apenas pequenos arbustos e um sol +queimando com tal fúria que a água em nossos barris já não prestava, de tão +quente, para matar nossa sede. Imagine agora filas de homens descendo aos + + +profundos buracos escavados e dali trazendo pesados cestos de areia fofa +através de caminhos poeirentos, da manhã até a noite. Imagine a comida +servida em gamelas onde todos comiam juntos, como porcos. Não tínhamos +tendas nem palha para as camas. Foi essa a situação em que me achei. Enterrei +meu alforje num lugar marcado, meio descrente de que no futuro viesse a +desencavá-lo. + + +“Nos primeiros tempos trabalhei com boa vontade, mas, à medida que os meses +se arrastavam, senti meu ânimo fraquejar. Então a febre tomou conta do meu +corpo exausto. Perdi o apetite e mal podia levar à boca pedaços de carneiro e +verduras. A noite via-me completamente vencido pela insônia. + + +“Em minha desgraça perguntava-me se o plano de Zabado não era mesmo o +melhor, fazer corpo mole para não condenar o próprio corpo ao esmorecimento. +Depois lembrei-me da última visão que tive dele e convenci-me de que o velho +camarada estava errado. + + +“Meus pensamentos voltaram-se para Pirata e toda aquela amargura, e me +perguntei se também podia ser justo brigar e matar. A recordação de seu corpo +ensangiientado me mostrou que seu plano não tinha a menor serventia. + + +“Lembrei-me então da última vez em que vi Megiddo. Suas mãos mostravam +calos imensos devido a trabalho árduo, mas seu coração era leve e havia +contentamento em seu rosto. Seu plano era o melhor. + + +“Mas eu tinha tanta disposição para o trabalho quanto Megiddo; ele podia não +ter trabalhado tão duro quanto eu. Por que o meu trabalho não me trouxe +felicidade e sucesso? Era o trabalho que trazia felicidade a Megiddo ou isso +acontecia devido à intervenção dos deuses? Estaria escrito que eu devia +trabalhar a vida inteira sem a satisfação de meus desejos, sem felicidade ou +sucesso? Todas essas questões misturavam-se em minha cabeça, e eu não +encontrava uma resposta sequer. Realmente, eu me achava lamentavelmente +confuso. + + +“Vários dias depois, quando já parecia que me encontrava no limite de minha +resistência, ainda sem atinar com qualquer solução, Sasi me procurou. Um +mensageiro veio em nome de meu mestre buscar-me para me levar de volta à +Babilonia. Desenterrei meu precioso alforje, enrolei—me nos restos andrajosos + + +de minha túnica e segui caminho, montado atrás do mensageiro. + + +“A medida que progredíamos, os mesmos pensamentos de um furacão atirando- +me de um lado para outro assaltaram meu cérebro nervoso. Eu parecia estar +vivendo as misteriosas palavras de uma canção de Harroun, minha cidade +natal: + + +Atacando um homem como um redemoinho, +Conduzindo-o como uma tempestade, + +Cujo curso ninguém pode seguir, + +Cujo destino ninguém pode prever. + + +“Estava destinado a ser sempre punido em razão de algo que desconhecia? Que +novas desgraças e decepções me aguardavam? + + +“Quando entramos no pátio da casa de meu mestre, imagine minha surpresa +quando vi Arad Gula me esperando. Ele me ajudou a apear e me abraçou como +a um irmão há muito desaparecido. + + +“Quando nos pusemos a andar em direção ao interior da casa, quis ir atrás dele +como um escravo deve seguir o amo, mas ele não me permitiu fazê-lo. Passou o +braço pelo meu ombro, dizendo: '*Procurei-o por toda parte. Quando já me dava +por vencido, encontrei Swasti, que me falou sobre o emprestador de dinheiro, +que me conduziu até seu nobre dono. As negociações foram difíceis, por causa +dele, que ainda me fez pagar um preço exorbitante, mas você merecia todos os +sacrifícios. Sua filosofia e iniciativa foram minha inspiração para esse novo +sucesso.” + + +2 “A filosofia de Megiddo, não minha”, atalhei. + + +2 “A filosofia de Megiddo e sua. Graças a ambos, estamos indo a Damasco, e eu +preciso de você como meu sócio. Veja”, exclamou ele, *em um momento você +será um homem livre" Dizendo isso, retirou de sob a túnica a tabuinha de argila +onde estava gravado meu título de propriedade. Levantou-a acima da cabeça e +arremessou-a contra o chão de pedras. Com satisfação, esmagou com os pés os +fragmentos até que se reduzissem a pó. + + +“Lágrimas de gratidão encheram-me os olhos. Eu sabia que era o homem de +mais sorte na Babilonia. + + +“Como vê, o trabalho, no tempo de minhas maiores desgraças, provou ser meu +melhor amigo. Minha disposição para o serviço capacitou-me a escapar de ser +vendido para fazer parte das turmas de escravos nas muralhas. Isso também +impressionou seu avô, que me escolheu como seu sócio.” + + +— O trabalho é a chave secreta de meu avô para os seus siclos de ouro? — +perguntou Hadan Gula. + + +— Era a única chave que ele possuía quando o conheci — replicou Sharru +Nada. — Seu avô adorava o trabalho. Os deuses apreciaram seus esforços e o +recompensaram com liberalidade. + + +— Começo a ver — disse Hadan Gula, pensativo. — O trabalho atraiu seus +muitos amigos, que admiraram sua diligência e o sucesso que isso trouxe. O +trabalho trouxe-lhe o respeito de que tanto gozou em Damasco. O trabalho +trouxe-lhe todas essas coisas que aprovei. E eu que achava que o trabalho +somente convinha a escravos. + + +— A vida é repleta de prazeres que os homens podem gozar — comentou Sharru +Nada. — Cada um deles tem o seu lugar. Fico contente com que o trabalho não +esteja restrito a escravos. Fosse assim, eu me veria privado de meu maior +prazer. Não há nada que me dé uma soma maior de satisfação do que o +trabalho. + + +Sharru Nada e Hadan Gula seguiram cobertos pelas sombras das muralhas +torreadas até os maciços portões de bronze da Babilonia. À aproximação deles, +os guardas ali postados tiveram a atenção despertada e respeitosamente +saudaram um honrado cidadão. Com a cabeça erguida, Sharru Nada passou +com sua grande caravana pêlos portões e subiu as ruas da cidade. + + +— Sempre aspirei a tornar-me um homem como meu avô — confidenciou-lhe +Hadan Gula. — Nunca tinha percebido o tipo de homem que ele foi. Você me +mostrou isso. Agora, que compreendo, admiro-o ainda mais e sinto-me muito +mais determinado a ser como ele. Temo que nunca lhe poderei pagar por ter me +dado a verdadeira chave do sucesso dele. Daqui por diante usarei essa chave. + + +Quero começar de maneira humilde, como ele, que convém a minha verdadeira +posição muito mais do que jóias e roupas finas. + + +Assim dizendo, Hadan Gula arrancou as bugigangas que lhe pendiam das +orelhas e os anéis que lhe enfeitavam os dedos da mão. Freando o cavalo, foi +ficando um pouco para trás, até que voltou a seguir em frente, cheio de respeito, +mas atrás do líder da caravana. + + +Um Esboço Histórico da Babilônia + + +NAS PÁGINAS de história não existem cidades mais glamourosas do que a +Babilonia. Seu próprio nome evoca visões de riqueza e esplendor. Seus tesouros +de ouro e jóias eram fabulosos. Alguém logo imaginaria que uma cidade +próspera como essa só poderia estar situada numa pujante região tropical, +cercada por ricos recursos naturais, como florestas e minas. Pois não era o +caso. Ela estava localizada junto ao rio Eufrates, num extenso e árido vale. Não +tinha florestas nem minas — e muito menos pedras para construção. Não se +achava sequer próximo a uma daquelas estradas comerciais da época. Como se +não bastasse, a chuva era minguada para o cultivo de grãos. + + +A Babilonia é um impressionante exemplo da capacidade do homem para +alcançar grandes objetivos, utilizando o que quer que estivesse à disposição. +Todos os recursos que sustentavam essa grande cidade foram desenvolvidos pelo +homem. Todas as suas riquezas foram por ele produzidas. + + +A Babilonia possuía apenas dois recursos naturais — um solo fértil e a água do +rio. Numa das maiores realizações de todos os tempos, os engenheiros da +Babilonia desviaram aságuas do rio por meio de represas e imensos canais de +irrigação. Cruzando grandes distâncias através do vale árido, esses canais +despejavam suas águas revigorantes sobre o solo fértil. Isso se coloca entre as +primeiras façanhas da engenharia conhecidas na história. Abundantes colheitas +foram a recompensa por esse sistema de irrigação que o mundo nunca tinha +visto antes. + + +Felizmente, durante sua longa existência, a Babilonia foi governada por +sucessivas linhagens de reis para quem conquistar e pilhar não passavam de +situações episódicas. Embora se tivesse empenhado em muitas guerras, a +maioria era de natureza local e na maior parte das vezes buscavam conter a +investida de ambiciosos conquistadores de outras regiões que cobiçavam seus +fabulosos tesouros. Os magníficos governantes da Babilônia ganharam um +lugar na história por causa de sua sabedoria, espírito de iniciativa e justiça. A +Babilonia não produziu monarcas pomposos que ansiassem por conquistar o + + +mundo conhecido para que todas as nações pudessem homenagear seu +egotismo. + + +Como cidade, a Babilonia não existe mais. Quando essas estimulantes forças +humanas que a construíram e mantiveram por milhares de anos se dissiparam, +ela logo se tornou uma ruína desabitada. Sua localização fica na Ásia, a cerca +de seiscentas milhas a leste do canal de Suez, bem ao norte do golfo Pérsico. +Sua latitude é mais ou menos trinta graus acima do Equador, praticamente a +mesma de Yuma, no Arizona. O clima é parecido com o dessa cidade americana, +quente e seco. + + +Hoje o vale do Eufrates, antes uma populosa região de próspera agricultura, +não passa de um deserto árido batido pelo vento. Uma vegetação rala de +arbustos luta para sobreviver contra as tempestades de areia. Lá se foram os +campos férteis, as gigantescas cidades e as grandes caravanas de ricas +mercadorias. Bandos nômades de árabes, levando uma vida difícil com seus +pequenos rebanhos, são seus únicos habitantes. Tem sido assim desde o começo +da era cristã. + + +Colinas de terra semeiam o vale. Durante séculos, os viajantes acostumaram-se +a considerá-las desse modo. A atençãodos arqueólogos foi finalmente +despertada devido a pedaços de cerâmica e de tijolos que começaram a +aparecer depois de ocasionais aguaceiros. Expedições financiadas por museus +americanos e europeus foram enviadas ao local para fazer escavações e ver o +que podia ser achado. Pás e picaretas logo provaram que essas colinas eram +antigas cidades. Cidades sepultadas, não haveria talvez melhor expressão para +elas. + + +A Babilonia era um desses achados. Durante algo em torno de vinte séculos, os +ventos espalharam sobre ela a poeira do deserto. Construídas originalmente de +tijolos, suas muralhas muito expostas tinham se desintegrado, caindo mais uma +vez por terra. Assim é a Babilonia, a faustosa cidade, em nossos dias. Um +amontoado de sujeira por tanto tempo abandonado que nenhuma pessoa viva +chegou sequer a saber seu nome, até que foi descoberta através da cuidadosa +remoção dos restos seculares de ruas e dos escombros de seus nobres templos e +palácios. + + +Muitos cientistas consideram a civilização babilônica e a de outras cidades no + + +vale como as mais antigas entre aquelas que possuem um registro definido. +Datas positivas assinalam um recuo de 8.000 anos. Um fato interessante nessa +conexão é o meio usado para determinar essas datas. Soterradas nas ruínas da +Babilonia, encontraram-se descrições de um eclipse do sol. + + +Astrônomos modernos calcularam prontamente a época em que tal eclipse, +visível na Babilonia, ocorreu e então estabeleceram uma conhecida relação +entre o calendário deles e o nosso. + + +Conseguimos portanto provar que há 8.000 anos os sumerianos, que habitaram +a Babilonia, viveram em cidades muradas. Mas só podemos conjeturar sobre +quantos séculos antes essas cidades existiram. Seus habitantes não eram meros +bárbaros vivendo dentro de suas muralhas protetoras. Eram um povo culto e +educado. Até aonde pelo menos a história escrita pode chegar, eles foram os +primeiros engenheiros, os primeiros astrônomos, os primeiros matemáticos, os +primeiros financistas e o primeiro povo a ter uma linguagem escrita. + + +Já fizemos menção aos sistemas de irrigação que transformaram o vale árido +num paraíso agrícola. O que restou desses canais pode ainda ser acompanhado, +embora quase todos estejam completamente cobertos pela areia acumulada. +Alguns eram tão grandes que, quando sem água, uma dúzia de cavalos poderia +correr lado a lado sobre o seu leito. Em tamanho, não ficam nada a dever aos +maiores canais do Colorado e de Utah. + + +Além de irrigarem as terras do vale, os engenheiros babilônicos realizaram um +outro projeto de similar magnitude. Por meio de um sofisticado sistema de +drenagem, recuperaram para o cultivo uma imensa área pantanosa na foz dos +rios Tigre e Eufrates. + + +Heródoto, viajante e historiador grego, visitou a Babilonia em pleno apogeu da +cidade e deu-nos a única descrição que conhecemos feita por um estrangeiro. +Seus escritos fornecem um panorama gráfico da cidade e mencionam alguns dos +extraordinários costumes de seu povo, além dos comentários sobre a notável +fertilidade do solo e as abundantes colheitas de trigo e cevada. + + +A glória da Babilonia desapareceu, mas sua sabedoria foi preservada para nós. +Para isso, estamos em dívida com sua forma de registros. Naqueles distantes +dias, o uso do papel ainda não tinha sido inventado. Em seu lugar, os babilônios + + +gravavam laboriosamente seus escritos sobre tabuinhas de argila úmida. Em +seguida, eram cozidas e tornavam-se uma telha dura. Mediam em geral cerca de +seis por oito e uma polegada de espessura. + + +Essas tabuinhas de argila, como eram comumente chamadas, tinham um uso tão +disseminado quanto o têm hoje nossas modernas formas de escrita. Os +habitantes gravavam sobre as tabuinhas lendas, poesia, história, transcrições +dos decretos reais, as leis da terra, títulos de propriedade, notas promissórias e +até cartas que mensageiros levavam a cidades distantes. Através delas, temos +condições de reconstituir diversos aspectos da vida íntima e pessoal do povo. +Uma tabuinha, por exemplo, eviden-temente saída de um armazém, registra que +na data assinalada um determinado cliente trouxe ao comerciante uma vaca, +trocando-a por sete sacas de trigo, três entregues na hora, e as quatro restantes, +reservadas para quando o cliente quisesse apanhá-las. + + +Conservadas intactas sob os destroços das cidades, os arqueólogos recuperaram +bibliotecas inteiras dessas tabuinhas, centenas de milhares delas. + + +Uma das mais notáveis maravilhas da Babilonia eram as imensas muralhas que +cercavam a cidade. Os antigos classificam-nas, como a grande pirâmide do +Egito, entre “as sete maravilhas do mundo”. Atribui-se à rainha Semíramis a +construção das primeiras muralhas durante os primórdios da cidade. Modernos +escavadores não conseguiram achar qualquer traço das muralhas originais. +Não sabemos mesmo quanto mediam de altura. Segundo menção dos primeiros +escritores, estima-se quetivessem entre cingiienta e sessenta pés de altura, +voltadas para o lado de fora com seus tijolos queimados e, além disso, +protegidas por um profundo fosso de água. + + +As muralhas mais recentes e mais famosas foram iniciadas cerca de seiscentos +anos antes de Cristo pelo rei Nabopolassar. Era de tal envergadura seu projeto +de reconstrução que ele não viveu o suficiente para ver a obra concluída. Esta +foi continuada por seu filho, Nabucodonosor, cujo nome é bastante familiar na +história bíblica. + + +A altura e a extensão dessas últimas muralhas desafiam a própria credulidade. +Autores idôneos julgam que elas alcançassem a altura de 160 pés, o equivalente +a um moderno prédio de escritórios de quinze andares. Sua extensão total +estaria estimada entre nove e onze milhas. Tão amplo era o topo que uma + + +carruagem de seis cavalos podia ser conduzida sobre ele. Muito pouco resta +agora dessa tremenda estrutura — alguns pedaços das fundações e o fosso. +Além das devastações provocadas pêlos elementos naturais, os árabes +completaram a destruição, carregando os tijolos para construírem suas próprias +casas. + + +Contra as muralhas da Babilonia marcharam, sucessivamente, os exércitos +vitoriosos de quase todos os triunfadores dessa época de guerras de conquista. +Uma hoste de reis assediou Babilonia, mas sempre em vão. E não se deve +considerar levianamente os exércitos desses dias. Historiadores referem que tais +unidades contavam com 10.000 cavaleiros, 25.000 carros de guerra, 1.200 +regimentos de soldados a pé, cada regimento reunindo 1.000 homens. +Compreende-se que se precisasse de dois ou três anos de preparação para +organizar os materiais de guerra e conseguir provisões suficientes para os +propósitos das expedições. + + +A Babilônia parecia organizada como uma cidade moderna. Havia ruas e lojas. +Vendedores ambulantes ofereciam suas mercadorias através dos distritos +residenciais. Sacerdotes oficiavam cm magníficos templos. Dentro da cidade +havia um encrave cercado para os palácios reais, com muros tão altos, segundo +se diz, como as muralhas que circundavam a própria cidade. + + +Os babilônios eram hábeis nas artes. Estas incluíam a escultura, a pintura, a +tecelagem, a ourivesaria, a manufatura de armas e os implementos agrícolas. +Seus joalheiros criaram objetos belos e artísticos. Muitas amostras foram +recuperadas das sepulturas de seus ricos cidadãos e podem agora ser vistas nos +principais museus do mundo. + + +Num período realmente remoto em que o restante do mundo estava ainda +cortando árvores com machados de pedra, ou usando na caça e na guerra +lanças e flechas com pontas de sílex, os babilônios já conheciam machados, +lanças e flechas com pontas de metal. + + +Os babilônios eram financistas e homens de negócios talentosos. Até onde +podemos saber, foram os inventores do dinheiro como meio de troca, das notas +promissórias e dos títulos de propriedade escritos. + + +A Babilonia nunca foi invadida por exércitos hostis até cerca de 540 anos antes + + +do nascimento de Cristo. Mesmo então suas muralhas não foram tomadas. A +história da queda da Babilonia é mais extraordinária. Ciro, um dos maiores +conquistadores daquele período, pretendia atacar a cidade e esperava vencer +suas muralhas inexpugnáveis. Conselheiros de Nabônido, o rei da Babilonia, +persuadiram-no a sair ao encontro de Ciro e dar-lhe combate sem esperar que a +cidade fosse sitiada. Derrotado o exército babilônico, este abandonou a cidade. +Consegientemente, Ciro encontrou os portões abertos e transpô-los sem +qualquer resistência. + + +A partir daí o poder e o prestígio da cidade foram aos poucos minguando, até +que, no curso de algumas centenas de anos, ela se viu finalmente abandonada, +entregue à própria sorte, transformada mais uma vez, pêlos ventos e +tempestades, na terra deserta sobre a qual sua grandeza fora originalmente +construída. A Babilonia caiu, nunca mais se ergueu, mas nossa civilização tem +grandes dívidas com ela. + + +Os eôes* do tempo cobriram de areia os altivos muros de seus templos, mas a +sabedoria da Babilonia permanece. + + +* Entes imaginários do gnosticismo. \ No newline at end of file