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Do delineamento da locução referências culturais para fins de políticas públicas de proteção ao patrimônio cultural
Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural e robusta dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se concretize um cenário caracterizado por aspecto caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais. Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6]. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca: “Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7]. Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos de terceira dimensão são impregnados densamente pelo aspecto de solidariedade e fraternidade, extrapolando o indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como algo singular que reclama a adoção de direitos que salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais. Verifica-se, nesta esteira, a adoção de valores calcados em solidariedade, elevados à condição de sustentáculo da contemporaneidade, concebendo a coletividade como algo uno, superando o clássico pensamento individual que tende a refletir as primeiras gerações dos direitos humanos. 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10]. Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que: “[…] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12]. É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que: “A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras […] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15]. O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma. Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.      Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar, por imperioso, que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas. Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS: “Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192). Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população. O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana. 4 Tombamento Ambiental 4.1 Conceito e Característicos Em uma primeira plana, cuida salientar que o tombamento se apresenta como um dos instrumentos utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico”[23]. Fiorillo anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o bem cultural”[24]. Desta sorte, a utilização do tombamento como mecanismo de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à cultura, substancializando verdadeiro instrumento de tutela do meio ambiente. Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. À luz de tais ponderações, é observável que a intervenção do Ente Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural, busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o tombamento permite que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[25]. Desta feita, o proprietário não pode, em nome de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre seus bens, se estes se traduzem em interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística. “São esses bens que, embora permanecendo na propriedade do particular, passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo proprietário”[26]. Os exemplos de bens a serem tombados são extremamente variados, sendo os mais comuns os imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas na história pátria, dos quais podem os estudiosos e pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do passado e desenvolver outros estudos com vistas a proliferar a cultura do país. Além disso, é possível evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam: “Ementa: Direito Constitucional – Direito Administrativo – Apelação – Preliminar de não conhecimento – Inovação Recursal – Ausência de Documentos     Indispensáveis para propositura da Ação – Não Configuração – Pedido de Assistência Judiciária – Indeferimento – Ação Civil Pública – Dano ao Patrimônio Histórico e Cultural – Edificação em imóvel localizado no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto – Tombamento – Aprovação do IPHAN – Inexistência. […] – O Município de Ouro Preto foi erigido a Monumento Nacional pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e inscrito pela UNESCO na lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em 21/09/80, e a cidade teve todo o seu Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se de fato notório, conhecido pela apelante e por qualquer pessoa, de forma que não se pode afirmar que o processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico do referido Município seja um documento indispensável para a propositura da presente ação civil pública. – O imóvel que faz parte do Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e integra o Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da cidade, deve ser conservado por seu proprietário, e qualquer obra de reparo de tal bem deve ser precedida de autorização do IPHAN, sob pena de demolição.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/ Relator: Desembargador Moreira Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em 26.06.2008). “Ementa: Ação popular. Instalação de quiosques no entorno de praças municipais. Tombamento preservado. Inocorrência de ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O fato de as praças municipais serem tombadas, como partes do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Paraisópolis, não podendo, consequentemente, serem ocupadas ou restringidas em sua área, para outras finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não impede a instalação, ao arredor delas, de quiosques de alimentação, porquanto o tombamento se limitou às praças, e não ao entorno delas. Assim, não há ofensa ao patrimônio ambiental cultural. A instalação dos referidos quiosques não configura abalo de ordem ambiental, visto que não houve lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação – alteração adversa – do equilíbrio ecológico do local”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quinta Câmara Cível/ Apelação Cível/Reexame Necessário N° 1.0473.03.000617-4/001/ Relatora: Desembargadora Maria Elza/ Julgado em 03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005). É verificável que a proteção dos bens de interesse cultural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil[27], que impõe ao Estado o dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado, nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto de bens materiais e imateriais necessários à exata compreensão dos vários aspectos ligados os grupos formadores da sociedade brasileira”[28]. O Constituinte, ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. “Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária – até definitiva solução da questão em exame – essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é irreversível”[29]. Resta patentemente demonstrado que o tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder Público do valor histórico, artísticos, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio”[30]. O tombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, que implica na restrição parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar a proeminente natureza do instituto em comento, é possível transcrever os arestos que se coadunam com as ponderações estruturadas até o momento: “Ementa: Constitucional e Administrativo. Mandado de segurança. Imóvel. Valor histórico e cultural. Declaração. Município. Tombamento. Ordem de demolição. Inviabilidade. São deveres do Poder público, nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e 216, §1º, da Constituição Federal, promover e proteger o patrimônio cultural, artístico e histórico, por meio de tombamento e de outras formas de acautelamento e preservação, bem como impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de bens de valor histórico, artístico e cultural. Demonstrada, no curso do mandado de segurança, a conclusão do procedimento administrativo de tombamento do imóvel, com declaração do seu valor histórico e cultural pelo Município, inviável a concessão de ordem para sua demolição. Rejeita-se a preliminar e nega-se provimento ao recurso.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0702.02.010330-6/001/ Relator: Desembargador Almeida Melo/ Julgado em 15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004). “Ementa: Tombamento – Patrimônio Histórico e Cultural – Imóvel reputado de valor histórico pelo município onde se localiza – Competência Constitucional dele para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o Município, mediante tombamento, preserve imóvel nele situado e que considere de valor histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso III, da Lei Fundamental da República, que a ele – Município, atribui a competência para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade, com seus hábitos e culturas próprios, cabe aferir, atendidas as peculiaridades locais, acerca do valor histórico-cultural de seu patrimônio, com o escopo, inclusive, de também preservá-lo.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Embargos Infringentes 1.0000.00.230571-2/001/ Relator: Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004) O diploma infraconstitucional que versa acerca do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[31], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, trazendo à baila as disposições elementares e a fisionomia jurídica do instituto do tombamento, inclusive no que toca aos registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o diploma ora aludido traça tão somente as disposições gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do tombamento. Entrementes, este se consumará por meio de atos administrativos específicos, destinados a propriedades determinadas, atento às particularidades e peculiaridades do bem a ser tombado. 4.2 Natureza Jurídica Acalorados são os debates que discutem a natureza jurídica do instituto do tombamento, entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada[32], dotado de fisionomia própria e impassível de confusão com as demais espécies de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado, consistente na restrição ao uso de propriedades determinadas. No que se refere à natureza do ato, em que pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele constante. Entrementes, no que concerne à valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística, cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é privativa da Administração. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[33]. Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta as ponderações vertidas até o momento: “Ementa: Mandado de Segurança – Tombamento de bem imóvel – Ilegitimidade ativa – Constituição há menos de um ano – Artigo 5º, LXX, alínea „b' da Constituição Federal – Poder discricionário da Administração para decretar o tombamento – Processo extinto – Art. 267, VI do CPC. […] . O tombamento de prédio considerado de interesse histórico, artístico ou cultural, é ato discricionário do Administrador, sendo descabida a intervenção do Poder Judiciário no processo de tombamento, quando não demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo improvido”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 14.12.2004/ Publicado em 30.12.2004). “Ementa: Agravo. Liminar em mandado de segurança. Tombamento de bem imóvel. O poder discricionário da autoridade administrativa vale, na medida em que o ordenamento jurídico concede ao administrador a prerrogativa de agir movido pelos critérios de oportunidade e conveniência, sopesados com parcimônia para que o fim último seja alcançado. Descabimento da intervenção do Judiciário no processo de tombamento, indemonstrada, ""prima facia"", irregularidade no mesmo. Agravo provido, para cassar a liminar.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 03.02.2004/ Publicado em 20.02.2004). Da mesma forma, é cabível, ainda, a observação de que o tombamento constitui um ato administrativo, sendo imperioso, por via de consequência, que apresente todos os elementos necessários para materializar a moldura de legalidade. O tombamento, enquanto instituto do direito administrativo, não acarreta a produção de todo um procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato resulta necessariamente de procedimento administrativo e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação. Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação, ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades prévias.
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Princípios norteadores da administração pública
Procura-se analisar os princípios explícitos e implícitos que norteiam a Administração Pública e dão base ao seu funcionamento. Eles dáo superfície e auxiliam a Administração Pública e ao Poder Público, servindo como comandos que devem ser seguidos para que a Administração funcione. Esse estudo envolve princípios informativos que decorrem da Constituição Federal ou podem ser encontrados nela.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Este trabalho procura estudar os princípios que dão base fundamental à Administração Pública durante o exercício da Administração. Eles dão base e orientação para a vida em Administração Pública e ao Poder Público, servindo como comandos que devem ser seguidos e pautar toda a atividade administrativa. Este estudo envolverá os princípios informadores, explícitos e suas decorrências. 1. Princípios norteadores da Administração Pública 1.1 Princípios informadores 1.1.1 Supremacia do interesse público sobre o particular O Estado, como prestador de serviço público, tem, em razão do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, a possibilidade, no exercício de sua atividade como Administração Pública, de imitar o interesse do individual em prol do interesse da coletividade. Essa limitação que se torna possível ao Estado durante a atividade administrativa não é gratuita e nem ilimitada. É necessário que o a Administração Pública haja de forma proporcional e sempre com observância às restrições impostas pela lei. O princípio da supremacia do interesse público é um princípio considerado implícito por administrativistas como Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo (2013, p. 182), que opinam, ainda, no sentido de que “Embora ele não se encontre no enunciado do texto constitucional, ele é decorrência das instituições adotadas no Brasil. ” Ainda segundo os autores, o regime democrático de direito vigente no Brasil, por meio da democracia representativa, é o que dá base ao princípio, estabelecendo que tudo que o Estado pretender realizar durante a atividade pública, além de obrigatoriamente ter que ser compatível com o ordenamento jurídico, deve ser para beneficiar e atender ao interesse geral da sociedade. Em suma, pode-se definir o princípio em análise como prerrogativas e direitos estatais sobre o particular. 1.1.2 Indisponibilidade do interesse público Seguindo exatamente a direção contrária do princípio da supremacia do interesse público, tem-se o princípio, também implícito, da indisponibilidade do interesse privado. Este princípio trata de estabelecer limitações ao Estado, para coibir possíveis práticas baseadas tão-somente no interesse privado do Administrador Público e para evitar que este esqueça da observância que se deve ao interesse coletivo, ao bem comum. Embora também não previsto na Constituição de Federal, o princípio aqui estudado também decorre das práticas estabelecidas no texto e, naturalmente, do regime democrático de direito. Como administrador público, o Estado jamais pode ultrapassar limites previstos na legislação durante a sua atuação, para que não sejam acarretados prejuízos ao particular. A indisponibilidade do interesse público, mais uma vez trazendo as lições dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, compõe um dos pilares do nosso regime jurídico administrativo, de onde surgem as limitações existentes e impostas à atividade administrativa, pois conforme eles, o Estado como Administração Pública é “gestor de bens e interesses alheios” (2013, p.184). Ainda segundo os autores, de maneira contrária ao princípio da supremacia do interesse público, o da indisponibilidade do interesse privado está presente em toda e qualquer atuação da administração, seja atividades-meio ou atividades-fim. 1.2 Princípios expressos 1.2.1 Legalidade O princípio da legalidade na Administração Pública determina que a atuação administrativa deve, sempre, obrigatoriamente, ser fundamentada na lei. Para todas as ações do Estado, é necessária subordinação a lei, autorização legal. Segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2013, p. 187): “…para os particulares a regra é a autonomia da vontade, ao passo que a administração pública não tem vontade autônoma, estando adstrita À lei, a qual expressa a “vontade geral”, manifestada pelos representantes do povo, único titular originário da “coisa pública”. No princípio da legalidade, vige a máxima de que a administração pública só pode ser exercida com a autorização da lei, ou seja, espécies de comandos normativos que advenham da legislação. 1.2.2 Impessoalidade O princípio da impessoalidade estabelece que deve ser coibido todo tipo de descriminação. A atividade estatal deve ser desempenhada independentemente do indivíduo que por ela será atingido. Segundo a ilustre professora Maria Silvia Zanella de Pietro, a atuação administrativa deve ser enxergada pelo prisma do agente público e essa atividade não pode ser imputada a ele, mas ao Estado, por intermédio dele (teoria da imputação/do órgão). A impessoalidade sugere, conforme lição de Matheus Carvalho (2016, p. 64): “…se traduz na ideia de que a atuação do agente publico deve-se pautar pela busca dos interesses da coletividade, não visando a beneficiar ou prejudicar ninguém em especial, ou seja, a norma prega a não discriminação das condutas administrativas que não devem ter como mote a pessoa que será atingida pelo seu ato. Com efeito, o princípio da impessoalidade reflete a necessidade de uma atuação que não discrimina as pessoas, seja para benefício ou prejuízo. ” 1.2.3 Moralidade O princípio da moralidade estabelece que a coisa pública deve ser tratada, pelo administrador, no momento do exercício público, pela honestidade, lealdade, boa-fé, não corrupção. A atuação deve primar pela probidade durante o trato com a coisa pública. Assim, o princípio da moralidade estabelece, conforme Carvalho (2016, p. 67) um comando de “observância a padrões éticos de conduta, para que se assegure o exercício da função pública de forma a atender às necessidades coletivas” 1.2.4 Publicidade O princípio da publicidade na Administração Pública é o mecanismo de validade para controle e eficácia de atos administrativos, uma vez que eles só podem causar seus efeitos se forem publicados. Ele pode ser restringido quando for necessário proteger a intimidade, a vida privada, a honra e a segurança nacional. Segundo o administrativista Matheus Carvalho (2016, p. 68) “ a principal finalidade do princípio da publicidade é o conhecimento público acerca das atividades praticadas no exercício da função administrativa. ” 1.2.5 Eficiência Eficiência traduz a busca da Administração Pública de obtenção de resultados que sejam positivos e beneficiem a sociedade com o menor gasto possível. Tal princípio goza de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Carvalho (2016) descreve, da seguinte maneira, o princípio da eficiência: “Eficiência é produzir bem, com qualidade e com menos gastos. Uma atuação eficiente da atividade administrativa é aquela realizada com presteza, e, acima de tudo, um bom desempenho…” 1.2.6 Contraditório e ampla defesa Os princípios do contraditório e da ampla defesa deverão ser respeitados e observados no processo administrativo. É o direito de saber-se o que ocorre no processo e o direito de se manifestar nele. Divide-se em três vertentes, tais quais defesa prévia, técnica e duplo grau de jurisdição. São princípios expressos na Constituição Federal/88, em seu art. 5º, como garantia dos indivíduos, e está previsto no inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. ” 1.2.6.1 Defesa prévia  A defesa prévia consiste no direito de alguém se manifestar antes de ser proferida uma decisão administrativa contra o particular. Em situações excepcionais, defere-se o contraditório diferido, que é aquele que se realiza antes da ação da administração. 1.2.6.2 Defesa técnica Constitui o direito de se manifestar por meio duma defesa técnica, qual seja, por meio do advogado. Porém, a ausência dessa defesa técnica não causa nulidade do processo administrativo em face da Súmula Vinculante n. º 05. A defesa técnica também permite que o próprio indivíduo construa sua defesa, se assim desejar. 1.2.6.3 Duplo grau de jurisdição É o direito que o indivíduo no âmbito administrativo tem de buscar uma revisão dos atos que a Administração pratica, por provocação de interessado, para coibir eventuais injustiças ou decisões ilegais. É necessária a motivação dos atos decisórios, como forma de, segundo Carvalho (2016) “viabilizar apresentação de argumentos em sede recursal independentemente da possibilidade de discutir posteriormente a mesma matéria por intermédio de provocação ao Poder Judiciário”. 1.3 Princípios implícitos 1.3.1 Razoabilidade e proporcionalidade: Toda ação, segundo a razoabilidade, deve obedecer a lei de maneira razoável, seguindo o padrão do homem-médio, padrão sobre o qual a sociedade tem um consenso, para evitar possíveis arbitrariedades. Enquanto isso, a proporcionalidade estabelece que a atuação do Estado deve ser proporcional ao objeto de aplicação, nada de forma mais gravosa e nem mais branda, mas proporcional, em meios e fins. 1.3.2 Continuidade Não é possível que a atividade estatal pare. É essencial que ela continue e adquira, por sua vez, a característica de ininterrupta, sem a possibilidade de ser freada. Isso ocorre, segundo Carvalho (2016, p. 75), porque as necessidades da sociedade são inadiáveis e não comporta falhas e interrupções, exemplificando através do fornecimento de água. CONCLUSÃO Por meio da realização deste trabalho, percebe-se que os princípios que norteiam a Administração Pública fogem tão-somente do status de princípios previstos, mas chegam ao de comandos normativos que norteiam e orientam toda a atividade pública, sendo de observância obrigatória por parte do Administrador Público. Tanto é assim que a previsão expressa da maior parte deles ou é a Constituição Federal, ou ao menos decorre de algo estabelecido nela. Em suma, para que haja uma adequada prestação de serviços públicos, torna-se extremamente necessário que sejam seguidos a todo o momento pelo Poder Público.
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Tessituras ao entendimento jurisprudencial sobre à responsabilidade pela manutenção e conservação do patrimônio histórico-cultural
Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural e robusta dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se concretize um cenário caracterizado por aspecto caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais. Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6]. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca: “Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7]. Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos de terceira dimensão são impregnados densamente pelo aspecto de solidariedade e fraternidade, extrapolando o indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como algo singular que reclama a adoção de direitos que salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais. Verifica-se, nesta esteira, a adoção de valores calcados em solidariedade, elevados à condição de sustentáculo da contemporaneidade, concebendo a coletividade como algo uno, superando o clássico pensamento individual que tende a refletir as primeiras gerações dos direitos humanos. 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10]. Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou que: “[…] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12]. É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que: “A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras […] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15]. O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma. Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.      Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar, por imperioso, que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas. Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS: “Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192). Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população. O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana. 4 Tombamento Ambiental 4.1 Conceito e Característicos Em uma primeira plana, cuida salientar que o tombamento se apresenta como um dos instrumentos utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico”[23]. Fiorillo anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o bem cultural”[24]. Desta sorte, a utilização do tombamento como mecanismo de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à cultura, substancializando verdadeiro instrumento de tutela do meio ambiente. Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. À luz de tais ponderações, é observável que a intervenção do Ente Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural, busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o tombamento permite que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[25]. Desta feita, o proprietário não pode, em nome de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre seus bens, se estes se traduzem em interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística. “São esses bens que, embora permanecendo na propriedade do particular, passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo proprietário”[26]. Os exemplos de bens a serem tombados são extremamente variados, sendo os mais comuns os imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas na história pátria, dos quais podem os estudiosos e pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do passado e desenvolver outros estudos com vistas a proliferar a cultura do país. Além disso, é possível evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam: “Ementa: Direito Constitucional – Direito Administrativo – Apelação – Preliminar de não conhecimento – Inovação Recursal – Ausência de Documentos     Indispensáveis para propositura da Ação – Não Configuração – Pedido de Assistência Judiciária – Indeferimento – Ação Civil Pública – Dano ao Patrimônio Histórico e Cultural – Edificação em imóvel localizado no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto – Tombamento – Aprovação do IPHAN – Inexistência. […] – O Município de Ouro Preto foi erigido a Monumento Nacional pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e inscrito pela UNESCO na lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em 21/09/80, e a cidade teve todo o seu Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se de fato notório, conhecido pela apelante e por qualquer pessoa, de forma que não se pode afirmar que o processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico do referido Município seja um documento indispensável para a propositura da presente ação civil pública. – O imóvel que faz parte do Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e integra o Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da cidade, deve ser conservado por seu proprietário, e qualquer obra de reparo de tal bem deve ser precedida de autorização do IPHAN, sob pena de demolição.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/ Relator: Desembargador Moreira Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em 26.06.2008). “Ementa: Ação popular. Instalação de quiosques no entorno de praças municipais. Tombamento preservado. Inocorrência de ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O fato de as praças municipais serem tombadas, como partes do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Paraisópolis, não podendo, consequentemente, serem ocupadas ou restringidas em sua área, para outras finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não impede a instalação, ao arredor delas, de quiosques de alimentação, porquanto o tombamento se limitou às praças, e não ao entorno delas. Assim, não há ofensa ao patrimônio ambiental cultural. A instalação dos referidos quiosques não configura abalo de ordem ambiental, visto que não houve lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação – alteração adversa – do equilíbrio ecológico do local”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quinta Câmara Cível/ Apelação Cível/Reexame Necessário N° 1.0473.03.000617-4/001/ Relatora: Desembargadora Maria Elza/ Julgado em 03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005). É verificável que a proteção dos bens de interesse cultural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil[27], que impõe ao Estado o dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado, nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto de bens materiais e imateriais necessários à exata compreensão dos vários aspectos ligados os grupos formadores da sociedade brasileira”[28]. O Constituinte, ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. “Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária – até definitiva solução da questão em exame – essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é irreversível”[29]. Resta patentemente demonstrado que o tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder Público do valor histórico, artísticos, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio”[30]. O tombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, que implica na restrição parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar a proeminente natureza do instituto em comento, é possível transcrever os arestos que se coadunam com as ponderações estruturadas até o momento: “Ementa: Constitucional e Administrativo. Mandado de segurança. Imóvel. Valor histórico e cultural. Declaração. Município. Tombamento. Ordem de demolição. Inviabilidade. São deveres do Poder público, nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e 216, §1º, da Constituição Federal, promover e proteger o patrimônio cultural, artístico e histórico, por meio de tombamento e de outras formas de acautelamento e preservação, bem como impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de bens de valor histórico, artístico e cultural. Demonstrada, no curso do mandado de segurança, a conclusão do procedimento administrativo de tombamento do imóvel, com declaração do seu valor histórico e cultural pelo Município, inviável a concessão de ordem para sua demolição. Rejeita-se a preliminar e nega-se provimento ao recurso”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0702.02.010330-6/001/ Relator: Desembargador Almeida Melo/ Julgado em 15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004). “Ementa: Tombamento – Patrimônio Histórico e Cultural – Imóvel reputado de valor histórico pelo município onde se localiza – Competência Constitucional dele para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o Município, mediante tombamento, preserve imóvel nele situado e que considere de valor histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso III, da Lei Fundamental da República, que a ele – Município, atribui a competência para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade, com seus hábitos e culturas próprios, cabe aferir, atendidas as peculiaridades locais, acerca do valor histórico-cultural de seu patrimônio, com o escopo, inclusive, de também preservá-lo”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Embargos Infringentes 1.0000.00.230571-2/001/ Relator: Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004) O diploma infraconstitucional que versa acerca do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[31], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, trazendo à baila as disposições elementares e a fisionomia jurídica do instituto do tombamento, inclusive no que toca aos registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o diploma ora aludido traça tão somente as disposições gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do tombamento. Entrementes, este se consumará por meio de atos administrativos específicos, destinados a propriedades determinadas, atento às particularidades e peculiaridades do bem a ser tombado. 4.2 Natureza Jurídica Acalorados são os debates que discutem a natureza jurídica do instituto do tombamento, entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada[32], dotado de fisionomia própria e impassível de confusão com as demais espécies de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado, consistente na restrição ao uso de propriedades determinadas. No que se refere à natureza do ato, em que pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele constante. Entrementes, no que concerne à valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística, cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é privativa da Administração. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[33]. Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta as ponderações vertidas até o momento: “Ementa: Mandado de Segurança – Tombamento de bem imóvel – Ilegitimidade ativa – Constituição há menos de um ano – Artigo 5º, LXX, alínea „b' da Constituição Federal – Poder discricionário da Administração para decretar o tombamento – Processo extinto – Art. 267, VI do CPC. […] . O tombamento de prédio considerado de interesse histórico, artístico ou cultural, é ato discricionário do Administrador, sendo descabida a intervenção do Poder Judiciário no processo de tombamento, quando não demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo improvido.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 14.12.2004/ Publicado em 30.12.2004). “Ementa: Agravo. Liminar em mandado de segurança. Tombamento de bem imóvel. O poder discricionário da autoridade administrativa vale, na medida em que o ordenamento jurídico concede ao administrador a prerrogativa de agir movido pelos critérios de oportunidade e conveniência, sopesados com parcimônia para que o fim último seja alcançado. Descabimento da intervenção do Judiciário no processo de tombamento, indemonstrada, ""prima facia"", irregularidade no mesmo. Agravo provido, para cassar a liminar.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 03.02.2004/ Publicado em 20.02.2004). Da mesma forma, é cabível, ainda, a observação de que o tombamento constitui um ato administrativo, sendo imperioso, por via de consequência, que apresente todos os elementos necessários para materializar a moldura de legalidade. O tombamento, enquanto instituto do direito administrativo, não acarreta a produção de todo um procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato resulta necessariamente de procedimento administrativo e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação. Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação, ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades prévias. 5 Tessituras ao Entendimento Jurisprudencial sobre à Responsabilidade pela Manutenção e Conservação do Patrimônio Histórico-Cultural Tecidos tais comentários, revela-se de imprescindível importância abordar, de acordo com o entendimento jurisprudencial dominante, ao interpretar a legislação de regência sobre a matéria, a responsabilidade pela proteção e conservação dos bens tombados. Nesta linha de exposição, Di Pietro[34] explica que, com o tombamento de um bem, gera-se várias obrigações ao proprietário e às propriedades apensas. No que concerne às obrigações positivas, é possível elencar: I. Dever de conservação do bem destinado a preservação do mesmo, ou caso não houver meios, comunicar sua impossibilidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa; II. Assegurar o direito de preferência de aquisição em caso de alienação onerosa. Isto é, caso o proprietário do imóvel resolva alienar este, deverá assegurar o direito de preferência, oferecendo, na seguinte ordem: primeiramente à União, em seguida Estados, e, por fim, Municípios, sob pena de nulidade do ato, sequestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos transmitente e o adquirente. As punições devem ser determinadas pelo Poder Judiciário; Morais ainda acrescenta: ''III. Só haver transferência para esfera da federação, caso se trate de bem tombado público''[35]. Em harmonia com o escólio apresentado por Di Pietro[36], as obrigações negativas podem ser descritas como: I. Vedação à destruição, demolição ou mutilação, e, sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atualmente IPHAN, repará-las, pintá-las ou restaurá-las, sob pena de multa de 50% do dano causado. Morais[37], em tom de complemento, acrescenta que o bem tombado só poderá sair do país por curto período de tempo, sem transferência de domínio, e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do IPHAN. Ainda segundo Di Pietro[38], há as obrigações dos imóveis vizinhos: I. As propriedades em questão sofrem as consequências provindas do Tombamento, dentre elas a de não realizarem construções que possam impedir ou dificultar a visualização do bem tombado, juntamente a impossibilidade de colocar anúncios e cartazes próximos ao bem tombado, sob pena de destruição da obra ou multa de 50% do valor do objeto. Trata-se, com efeito, de reconhecer que a legislação em comento conferiu, de maneira substancial, ao proprietário do bem tombado uma função série de obrigações negativas, em especial no que toca à impossibilidade de destruição, demolição ou mutilação das coisas tombadas, sem que haja prévia autorização do Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, nem repará-las, pintá-las ou restaurá-las. Ademais, no que concerne às obrigações de suportar, o proprietário fica sujeito à fiscalização do bem pelo órgão competente, sob pena de cominação de multa em caso de oposição de obstáculos indevidos à vigilância. Ademais, em ressonância com o artigo 19 do Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[39], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento jurisprudencial cristalizado no sentido que incumbe ao proprietário do bem tombado a responsabilidade para a proteção e conservação do patrimônio cultural. Neste sentido, é possível colacionar os seguintes entendimentos jurisprudenciais: “Ementa: Processual Civil. Agravo Regimental em Agravo em Recurso Especial. Ofensa ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Alegação de julgado ultra petita. Inexistência. Acórdão que entendeu caracterizada a responsabilidade do Município pelo abandono e dano gerado ao patrimônio histórico e cultural do Município do Rio de Janeiro. Alteração do entendimento. Inviabilidade. Súmula 7/STJ. [omissis] 3. Cabe ao proprietário a responsabilidade pela conservação e manutenção de bem tombado (REsp 666.842/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 28/10/2009). 4. As instâncias ordinárias, à luz da matéria fática e de prova pericial produzida nos autos, concluíram pela caracterização da responsabilidade do Município pelo abandono e dano gerado ao patrimônio histórico e cultural do Município do Rio de Janeiro, "em razão da destruição de galpões e da precariedade em que se encontram os demais bens integrantes do acervo do Museu do Trem, sendo que a lesão decorreu de condutas comissivas e omissivas de quem deveria zelar pela conservação: Município do Rio de Janeiro". 5. Diante desse quadro, alterar o entendimento do Tribunal de origem, para (fosse o caso) acolher a pretensão recursal, demandaria revolvimento de matéria fática, o que é inviável no recurso especial, por força da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 6. Agravo regimental provido para, reconsiderando a decisão agravada, conhecer do agravo e negar seguimento ao recurso especial.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Turma/ AgRg no AREsp 270.510/RJ/ Relator: Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região)/ Julgado em 16.02.2016/ Publicado no DJe em 22. 02.2016). “Ementa: Processual Civil e Administrativo. Ação Civil Pública. Legitimidade Passiva da União. Bem imóvel tombado. Responsabilidade de manutenção e conservação. 1. Nos termos do art. 19 do Decreto-lei n. 25/37, cabe ao proprietário a responsabilidade pela conservação e manutenção de bem tombado. Na espécie, sendo a União proprietária do imóvel tombado, objeto da ação civil pública, cabe a ela promover as obras e os reparos necessários à conservação do bem. 2. Tal função não se confunde com a atribuição do IPHAN em fiscalizar e proteger o patrimônio histórico e cultural no uso regular do seu poder de polícia. 3. Recurso especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 666.842/RJ/ Relator Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 15.10.2009/ Publicado no DJe em 28.10.2009) Denota-se, portanto, à luz dos entendimentos jurisprudenciais colacionados, que a responsabilidade para a manutenção e conservação do patrimônio histórico-cultural, primariamente, incumbe ao proprietário da coisa tombada. Contudo, nos termos do artigo 19 do Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[40], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, o proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
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Da ordenação da paisagem urbana
O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. O  parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Neste aspecto, o presente se debruça em promover um exame acerca da ordenação da paisagem urbana e sua vinculação com o ideário de promoção das cidades sustentáveis.
Direito Administrativo
3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que: “Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa  tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011). “Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012) O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19]. Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que: “Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). “Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005). Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas. 4 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano: Inicialmente, cuida anotar que o meio ambiente artificial não está disciplinado tão somente na redação do artigo 225 da Constituição Federal[22], mas sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a política urbana, desempenha papel proeminente no tema em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata. “Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182 do mesmo diploma”[23]. Salta aos olhos, deste modo, que o conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988[24]. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente. Com efeito, não se pode olvidar que o pleno desenvolvimento reclama uma participação municipal intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal[25], “que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”[26], tal como estabelecendo competência suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder Público, por conseguinte, proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar que a Constituição Federal, em seus artigos 183[27] e 191[28], consagrou modalidades especiais de usucapião urbano e rural. “Outra função importante da cidade é permitir a livre e tranquila circulação, através de um adequado sistema da rede viária e de transportes, contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”[29]. O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se apresenta como um óbice á livre e adequada circulação. Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação, edificando praças e implementando áreas verdes. Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de atividades laborativas, produzindo reais possibilidades de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de assegurar a existência de condições econômicas destinadas à realização do consumo de produtos e serviços fundamentais para a existência da pessoa humana, bem como da ordem econômica estabelecida no país. 5 As Cidades Sustentáveis como Paradigma perseguido pelo Estatuto das Cidades: A Ambiência Urbana Contemporânea e seus matizes como o Meio Ambiente Artificial Agasalhado nas ponderações articuladas alhures, é verificável que o Estatuto das Cidades, na condição de lei que ambiciona o equilíbrio ambiental na órbita das cidades, estabeleceu a garantia do direito a cidades sustentáveis, colocando-a como diretriz geral entalhada na redação do artigo 2º, inciso I, da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[30], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, “os direitos enumerados no art. 2º, I, do Estatuto da Cidade, garantidos também pela Lei n. 10.257/2001, têm caráter metaindividual, sendo tutelados não só pelo próprio Estatuto da Cidade como particularmente pelas Leis n. 7.347/85 e 8.078/90”[31]. Nesta seara, a garantia do direito a cidades sustentáveis significa, por extensão, importante diretriz destinada a nortear a política do desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e seus destinatários, compreendendo-se os brasileiros e os estrangeiros residentes no território nacional, a ser executada pelo Poder Público municipal, dentro da denominada tutela dos direitos materiais metaindividuais. Decorre de tal ideário a necessidade de estabelecer-se o conteúdo de cada um dos direitos que edificam a garantia do direito a cidades sustentáveis, no viés de adotar posição clara diante da defesa em decorrência de episódica lesão ou ameaça a esse rol de importantes componentes constituintes do meio ambiente artificial. Há que se destacar que se trata, com efeito, de diretriz geral vinculada aos objetivos da política urbana estabelecida como patamar de direitos metaindividuais destinados a brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional, a partir de uma perspectiva de tutela do meio ambiente artificial, objetivando realizar os objetivos contidos na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[32], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Com clareza solar, é perceptível que apenas por meio dos instrumentos da política urbana, estabelecida no Estatuto das Cidades, que será possível a concreção da gama de direitos agasalhados em seu âmago, afigurando, neste aspecto, proeminente a gestão orçamentária participativa alçada ao status de importante instituto econômico orientado a viabilizar recursos financeiros para que cada cidade possa estruturar seu desenvolvimento pautado na sustentabilidade em face não apenas de suas necessidades, mas também de suas possibilidades. Estabelecido em decorrência da estruturação do direito ambiental constitucional, como bem afiança Fiorillo, “a garantia do direitos a cidades sustentáveis em nada se vincula com superados conceitos de direito administrativo que teimam em compreender as cidades como ‘abstrações’ única e exclusivamente formais adaptadas ao ‘princípio da legalidade’”[33]. Desta feita, harmonizando-se com os alicerces estruturantes do Estado Democrático do Direito, é possível colocar em destaque que a diretriz geral que consagra a garantia do direito a cidades sustentáveis propiciará a todos os brasileiros e estrangeiros residentes em território nacional uma tutela mais adequada do equilíbrio ambiental. Com efeito, trata-se de paradigma jurídica impregnado de aspectos de solidariedade, bem como de valores provenientes do meio ambiente ecologicamente equilibrado, içado à condição de princípio fundamental que viabiliza a materialização da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, denota-se que o Estatuto das Cidades, na condição de diploma inspirado pelos valores consagrados pela nova ordem inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, objetiva a materialização de uma nova realidade na qual seja possível conjugar a urbanização com o meio ambiente, de modo a obter núcleos urbanos sustentáveis e sensíveis aos elementos primordiais para se alcançar a materialização do superprincípio da dignidade da pessoa humana. 6 Da Ordenação da Paisagem Urbana Em um primeiro exame, ao se refletir sobre a ordenação da paisagem urbana, conforme o magistério de Silva[34], cuida ponderar que a Carta de Atenas falhou ao dispor sobre os aspectos estéticos das cidades[35]. Neste diapasão, ao conceber os núcleos urbanos como unidades funcionais, denota-se que não foram estipulados princípios e corolários que norteassem o cultivo da paisagem urbana, como dimensão plástica das cidades, conquanto se reconheça que a Arquitetura seja responsável pelo estabelecimento do bem-estar e pelo embelezamento dos núcleos urbanos. Assim, ao condenar o esteticismo gratuito, o documento supramencionado contribuiu para transformar os núcleos urbanos em verdadeiros desertos estéticos, olvidando-se que a boa aparência das cidades surte efeitos psicológicos importantes sobre a população, equilibrando, pela ótica agradável e sugestiva de conjuntos e de elementos harmoniosos, a carga neurótica que a ambiência urbana despeja sobre os indivíduos que nela hão de viver, conviver e sobreviver. Com efeito, em se tratando de ordenação da paisagem urbana, cuida estabelecer que não se volta pelo discurso em prol do esteticismo gratuito, mas sim perseguir a integração do elemento estético como uma diretriz do desenvolvimento urbano; não a preocupação estética artificial, porém algo que emerge, voluntariamente e instintivamente, da forma urbana, incluída no conceito patrimonial ambiental urbano, de que a paisagem urbana substancializará o revestimento cristalino e abarcante – caso tangido por uma moldura estética, não com o ideário de monumentalidade, entretanto com o caráter de representatividade – ou as garras com que essa expressão ambiental agredirá a visão, o sentimento e o comportamento de seus indivíduos. “A paisagem urbana é, assim, a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes”, como bem conceitua Silva[36]. Ora, a partir de tal escólio, há que se reconhecer que será tão mais atraente quanto mais constitua uma transformação cultural da paisagem natural do seu sítio, e tanto mais agressiva quanto mais tenham agredido a paisagem natural. Diante de tal painel, é perceptível que a cidade, enquanto ambiência do homem contemporâneo, não é um ambiente de negócios, um simples mercado no qual até sua paisagem é objeto de interesses econômicos lucrativos; contudo, é, sobremaneira, um ambiente de vida humana, no qual se projetam, se concretizam e se difundem valores perenes, que explicitam às gerações vindouras a sua memória. Assim, a paisagem urbana pode ser considerada como o conjunto das superfícies constituídas por edificações, compreendidos os conjuntos edilícios e os equipamentos públicos, e logradouros da cidade, com vistas, a partir da contemporânea ótica das cidades sustentáveis, contribuir para o desenvolvimento de seus habitantes. Extrai-se, portanto, que a paisagem urbana se apresenta nos elementos formais da cidade, espalhando-se nas superfícies constituídas das edificações e dos logradouros dos núcleos urbanos.
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Do delineamento da locução “Normas Gerais Urbanísticas” em sede de direito urbanístico: primeiros apontamentos
O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica.  Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.  Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6]. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando coloca em destaque que: “Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7]. Ora, é conveniente anotar que os direitos inseridos sob a rubrica terceira dimensão assenta seus feixes principiológicos na promoção e difusão da solidariedade. Ao lado disso, não é possível olvidar que tal sedimento ideológico volta-se para a espécie humana na condição de coletividade, superando a tradicional ótica que privilegia o aspecto individual do ser humano. Ademais, segundo o magistério de Paulo Bonavides, “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais. 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10]. Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/, salientou, com bastante pertinência, que: “(…) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12]. É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que: “A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (…) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15]. O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma. Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social. Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio entre os reclamos da economia e os da ecologia, porém, a invocação desse preceito, quando materializada situação de conflito entre valores constitucionais e proeminentes, a uma condição inafastável, cuja observância não reste comprometida nem esvaziada do aspecto essencial de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. 3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que: “Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa  tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011). “Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012) O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19]. Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que: “Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). “Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005). Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas. 4 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano Inicialmente, cuida anotar que o meio ambiente artificial não está disciplinado tão somente na redação do artigo 225 da Constituição Federal[22], mas sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a política urbana, desempenha papel proeminente no tema em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata. “Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182 do mesmo diploma”[23]. Salta aos olhos, deste modo, que o conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988[24]. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente. Com efeito, não se pode olvidar que o pleno desenvolvimento reclama uma participação municipal intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal[25], “que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”[26], tal como estabelecendo competência suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder Público, por conseguinte, proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar que a Constituição Federal, em seus artigos 183[27] e 191[28], consagrou modalidades especiais de usucapião urbano e rural. “Outra função importante da cidade é permitir a livre e tranquila circulação, através de um adequado sistema da rede viária e de transportes, contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”[29]. O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se apresenta como um óbice á livre e adequada circulação. Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação, edificando praças e implementando áreas verdes. Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de atividades laborativas, produzindo reais possibilidades de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de assegurar a existência de condições econômicas destinadas à realização do consumo de produtos e serviços fundamentais para a existência da pessoa humana, bem como da ordem econômica estabelecida no país. 5 Do delineamento da locução “Normas Gerais Urbanísticas” em sede de Direito Urbanístico: Primeiros Apontamentos Em um primeiro comentário, quadra evidenciar que a locução “normas gerais urbanísticas”, em sede de Direito Urbanístico, encontra-se revestida de elevada complexidade, em especial no que toca à fixação de seu conteúdo e os pontos limítrofes de seu alcance, conquanto se apresente de elevada importância tal delineamento, notadamente em decorrência da fixação de competências para a edição de normas sobre a matéria. Neste talvegue, só são consideradas “normas gerais urbanísticas” aquelas que, conforme expressa previsão contida na Constituição Federal de 1988[30], sejam responsáveis pelo estabelecimento de princípios e diretrizes para o desenvolvimento urbano nacional, responsáveis por afixar conceitos básicos de sua atuação e indicar os instrumentos para a sua execução, conforme estabelece em seu magistério José Afonso da Silva[31]. Nesta esteira, cuida reconhecer, oportunamente, que a acepção de desenvolvimento urbano guardará íntima e umbilical relação com a locução em apreço, sobretudo ao se reconhecer que aquele termo consiste na ordenada criação, expansão, renovação e melhoria dos núcleos urbanos. De outro ângulo, quadra evidenciar que não incumbe às “normas gerais urbanísticas” estabelecer, em seus pontos limítrofes de conteúdo, a promoção em concreto do desenvolvimento, porém apontar a diretriz geral a ser seguida, visando estabelecer orientações acerca da adequada distribuição espacial da população e das atividades econômicas. Denota-se, portanto, que o escopo primordial das normas em comento toca à estruturação do sistema nacional de cidades e à melhoria da qualidade de vida da população. Ora, diante de tais ponderações, prima salientar que o campo de incidência das normas gerais será o desenvolvimento interurbano e o mero delineamento para o desenvolvimento intraurbano. Neste ponto, em específico, repousa o limite específico das “normas gerais urbanísticas”, logo, ao permitir a ultrapassam de tal marco seria configurar verdadeira invasão na competência municipal para edição de normas específicas, com vistas ao atendimento do interesse local, no que toca à matéria em exame. Desta feita, em harmonia com as ponderações apresentadas até o momento, estabelece-se que são “normas gerais urbanísticas” aquelas pertinentes à utilização da propriedade urbana, as referentes à ação integrada de organismos federais, estaduais e municipais e cooperação com a iniciativa privada, sobre o desenvolvimento urbano, as diretrizes sobre as áreas de interesse especial; as diretrizes que versem a respeito do planejamento urbanístico, sobre os instrumentos de intervenção urbanística e as bases do regimento urbanístico do solo, cuja disposição, inclusive, encontra-se minuciosamente substancializada na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[32], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
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A não recepção constitucional do § 3º do art. 50, da Lei Estadual nº 08.033/75, que trata do estatuto dos policiais militares do Estado de Goiás
O tema trata da Recepção e Constitucionalidade do § 3º, do art. 50 da Lei nº 08.033/75, devido a incompatibilidade com o texto Constitucional, que determina ao Policial-Militar da ativa que, nos casos cabíveis, se dirigir ao Poder Judiciário, deverá participar, antecipadamente, esta iniciativa à autoridade à qual estiver subordinado, imposição essa que viola o acesso à justiça, conforme preconiza o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo trata do § 3º, do art. 50 da Lei nº 08.033/75, devido a incompatibilidade com o texto Constitucional, que determina ao Policial-Militar da ativa que, nos casos cabíveis, se dirigir ao Poder Judiciário, deverá participar, antecipadamente, esta iniciativa à autoridade à qual estiver subordinado, imposição essa que viola o acesso à justiça, tornando tal norma inconstitucional, conforme preconiza o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, sendo incompatível com o ordenamento jurídico pátrio em vigor, no que tange aos instituto da Recepção e Constitucionalidade. 1. Da Lei nº 08.033/75 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás) A Lei nº 08.033/75, dispõe sobre o Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Goiás e dá outras providências, promulgada em 02 de dezembro de 1975, sendo anterior a promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. Desta forma a norma em analise determina no § 3º, do art. 50: “Art. 50 – … § 3º – O Policial-Militar da ativa que, nos casos cabíveis, se dirigir ao Poder Judiciário, deverá participar, antecipadamente, esta iniciativa à autoridade à qual estiver subordinado.” Desta forma determina a lei que o Policial-Militar da ativa que, nos casos cabíveis, se dirigir ao Poder Judiciário, deverá participar, antecipadamente, esta iniciativa à autoridade à qual estiver subordinado, tal determinação demonstra-se completamente desconexa com a realidade jurídica do País, quanto a nossa Carta Magna. Ressalto que o Estatuto dos Policiais-Militares do Estado de Goiás foi redigido em pleno regime militar, onde os direitos e garantias individuais foram suprimidos pelo governo autoritário, desta forma o policial militar, que fosse se dirigir ao Poder Judiciário era obrigado (dever) a informar a seu superior essa iniciativa, tal exigência, na verdade, é uma forma de controle e de limitar os atos dos subordinados, vez que o simples fato do dever de informar a Autoridade Hierarquicamente Superior, por si só, já implica em restringir esse direito, por gerar uma barreira a ser transposta pelo policial militar que tem o desejo de ingressar em outra esfera para requerer seu direito, vez que pelo contexto histórico poucos se aventuravam a ingressar contra seu superior, quanto mais informa-lo antecipadamente dessa iniciativa. Situação que perdura até o presente onde os subordinados que buscam a tutela judicial sofrem represálias, inclusive sindicados através da presente norma, quando de não participar antecipadamente ao superior, que atualmente não tem qualquer repercussão em tese, conforme será demonstrado, vez que ultrapassada do ano de 1975 e sem recepção pela Constituição Federal de 1988, o que viola o direito de petição e acesso à justiça. 2. Da norma contrária ao texto Constitucional Em nosso ordenamento jurídico nenhuma norma pode se sobrepor ou contrariar a Lei Maior, que é a Constituição Federal de 1988, desta forma qualquer norma que assim seja estabelecida é fatalmente nula, por ser contraria ao texto Constitucional. Neste aspecto temos duas situações, se a norma antecede ou precede a Constituição e é com ela incompatível. Em nosso caso de estudo a Lei nº 08.033/75, data do ano de 1975, de forma que é anterior (antecede) a atual Carta Constitucional, de tal forma que a doutrina diverge quanto a sua situação, para uma corrente seria um caso de inconstitucionalidade superveniente, para outra de mera revogação, de qualquer forma, não deve vigorar, vez que contraria ao Princípio do Estado Democrático de Direito, gerando a questão da não recepção do texto legal pela nova Constituição. Neste caso temos que o texto legal do § 3º, do art. 50 da  Lei nº 08.033/75, não foi recepcionado pela nova Constituição de 1988, que como dito é a esta anterior, quando narra que o Policial-Militar da ativa que, nos casos cabíveis, se dirigir ao Poder Judiciário, deverá participar, antecipadamente, esta iniciativa à autoridade à qual estiver subordinado, que de forma explicita restringe o acesso a justiça, sendo criada como forma de controle pelo Governo Autoritário, onde o texto Constitucional no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.”, assim, dá vazão ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito de ação, o que é contrariado pelo presente preceito legal. O texto Constitucional é claro quanto a não exclusão da apreciação do Poder Judiciário, no entanto, o texto infra constitucional determina (deve) antecipação ao Superior Hierárquico de iniciativa de se dirigir ao Poder Judiciário (que incluiria qualquer outro órgão de controle), vez que o direito de representações do cidadão militar ao Ministério Público ou as medidas judiciais contra a respectiva instituição, contra outros militares e mesmo superiores não é transgressão disciplinar nem está condicionada à autorização ou comunicação a estes últimos (“Carta de Paranoá”, item 2). Desta forma fica demonstrada que a presente norma é ilegal, e esta tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade da livre autonomia do policial militar, o importa em subtrair e restringir o acesso à justiça e o direito de petição. Conforme exposto a recepção da norma pela Constituição, é um processo abreviado de criação da norma jurídica, pelo qual ocorre a adoção da nova Constituição pelas leis já existentes, quando existe compatibilidade lhe é dada validade evitando todo o tramite legislativo para elaborar e promulgar uma nova legislação, no entanto, se a norma é conflitante com a Constituição em vigor, estará revogada por não recepção, o que é o caso do parágrafo em discussão. Essa discussão é de extrema importância, uma vez que as consequências de uma norma não recepcionada repercute diretamente na competência dos atos administrativos, na vida dos policiais militares e das providências que são tomadas em sua ordem, sendo de pronto nulas, conforme Gilmar Mendes leciona que: "alguns doutrinadores consideram que a situação de incompatibilidade entre uma norma legal e um preceito constitucional superveniente traduz uma valoração negativa da ordem jurídica, devendo, por isso, ser caracterizada como inconstitucionalidade, e não simples revogação." O que é diferente para que uma lei seja inconstitucional, sendo necessário que ela esteja em divergência com a Constituição vigente à época de sua edição, assim, ao elaborar uma lei, o legislador deve se pautar pelos ditames estabelecidos pela Constituição de sua época e não por uma Constituição passada ou futura. No momento de formação de uma lei, deve ser observado o padrão constitucional existente na época, não podendo o legislador prever uma futura modificação. Assim, uma lei que nasce constitucional, pois está de acordo com sua Lei Maior, não passa a ser inconstitucional (inconstitucionalidade superveniente) simplesmente porque houve uma mudança no padrão constitucional. 3. Do acesso à justiça e o direito de petição A Doutrinadora Ana Flavia Melo Torres, em seu artigo, Acesso à Justiça, já em sua introdução de forma brilhante esclarece o tema: “Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza” (Artigo 8º, 1 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos – São José da Costa Rica). O acesso à justiça está previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.” Pode ser chamado também de princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito de ação. Interpretando-se a letra da lei, isto significa que todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativa a um direito. Verifica-se que o princípio contempla não só direitos individuais como também os difusos e coletivos e que a Constituição achou por bem tutelar não só a lesão a direito como também a ameaça de lesão, englobando aí a tutela preventiva. Pode-se confundir o princípio do acesso à justiça com o direito de petição consagrado no mesmo artigo, inciso XXIV, alínea “a” da Constituição. Mas o que diferencia um princípio do outro é que no princípio garantidor do acesso à justiça é a necessidade de se vir a juízo pleitear a tutela jurisdicional, haja visto se tratar de direito pessoal, ou seja, é preciso que se tenha interesse processual, preenchendo assim a condição da ação. Por outro lado, para o direito de petição não é necessário que o peticionário tenha sofrido gravame pessoal ou lesão em seu direito, porque se caracteriza como direito de participação política, onde figura o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica. Não se configuram ofensa ao princípio do acesso à justiça os casos de extinção do processo sem julgamento de mérito, caso não estejam presentes as condições da ação. Deste princípio decorre ainda outro consagrado no inciso LXXIV, do mesmo artigo da Constituição, que garante a assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados. Observe-se que o termo assistência judiciária da Constituição anterior foi substituído pelo termo assistência jurídica, que é gênero daquela espécie por ser mais amplo e abranger a consultoria e atividade jurídica extrajudicial.” Desta forma, este foi o verdadeiro sentido do § 3º, do art. 50 da Lei nº 08.033/75, ou seja, restringir o acesso à justiça e o direito de petição dos policiais militares, inclusive hodiernamente a própria Procuradoria Geral do Estado em manifestação no Processo nº 201601178020, pela Procuradora Carla P. B. Von Bentezen Rodrigues, demonstra este equivocado entendimento, alegando que o policial militar da ativa deverá participar essa iniciativa a autoridade a quem estiver subordinado antecipadamente de se dirigir ao Poder Judiciário. Temos ainda, que tais prescrições e considerações não deve encontrar guarida no atual Estado Democrático de Direito, conforme demonstrado pelo Parquet em conclusão da oficina “A Atuação do Ministério Público nas Justiças Militares”, na Procuradoria-Geral de Justiça Militar, em Brasília-DF, na chamada “Carta de Paranoá”, nos itens 1 e 2: “Sobre os Direitos Humanos do Cidadão Militar: 1. Que a liberdade de expressão do cidadão militar federal e estadual possui restrições legais de vigência inquestionável, com base na Constituição, no Pacto de San José da Costa Rica, CPPM, em leis, regulamentos disciplinares e em normas específicas, reconhecidas em prol da Democracia. 2. Que as representações do cidadão militar ao Ministério Público ou as medidas judiciais contra a respectiva instituição, contra outros militares e mesmo superiores não é transgressão disciplinar nem está condicionada à autorização ou comunicação a estes últimos. Sugere-se que os Ministérios Públicos expeçam recomendações, nos termos da Lei Complementar nº. 75 e da Lei 8.625/93, dirigidas às organizações militares, para que esse direito seja observado, para que não sejam aplicadas punições por tal motivo, além de outras medidas para divulgar esta possibilidade entre os militares.” Neste passo, temos a brilhante e acertada manifestação do Ministério Público do Estado de Goiás nos autos do Processo nº 201402242780, pela digna Promotora de Justiça Adrianni F.F. Santos Almeida: “Outrossim, o paciente remeteu copias do supracitado documento, de sua lavra, a Membro do Ministério Público, o que motivou a instauração do Inquérito Policial Militar nº 2014.01.00447 em seu desfavor pelo Corregedor Geral da Polícia Militar. É contra instauração do Inquérito Policial para apurar infração legal militar na remessa de informação ao Ministério Público, imputado indevidamente a CARLUCIO, que o Ministério Público se insurge, pelos seguintes fundamentos. Ora, cabe ao Parquet, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, uno e indivisível, dentre as suas atribuições constitucionais, a requisição de diligenciais investigatórias, de inquérito policial militar, podendo acompanha-los, no exercício do controle externo da atividade policial e da atividade de polícia judiciaria militar. Feitas estas considerações, mostra-se, de plano, a constatação de qualquer pratica delituosa na remessa de informações atinentes a um procedimento administrativo de persecução criminal ao Parquet, pois tal ato independe de autorização ou requisição. Na verdade, da instauração deste IPM, colocando CARLUCIO na condição de investigado, ressai clara mensagem do Poder Executivo Estadual de impedir quaisquer questionamentos, ainda que juridicamente incensuráveis, à Lei nº 17.882/2012, permeada dos mais diversos vícios.” Assim, fica demonstrada atualmente na pratica as retaliações a servidor que remete documentos relacionados a denúncia de irregularidades ao Ministério Público, difundindo essa pratica na PMGO fazendo com que os policiais se calem sob pena serem injustamente sindicados e punidos, quando não buscam as vias legais para cessar tais abusos. 4. Da desnecessidade de provocação ou esgotamento da via administrativa Aquele se sente prejudicado por qualquer ato administrativo não necessita aguardar o exaurimento da via administrativa como condição para pleitear seu direito junto a qualquer órgão competente ou ao Poder Judiciário, visto que não há previsão, na Lei Fundamental, de esgotamento da fase administrativa como condição para aquele que pleiteia o reconhecimento de qualquer direito pleiteado. E o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, afirmada no inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição da República que assegura o acesso à justiça, independentemente de esgotamento ou provocação da via administrativa, salvo exceção do § 2º, do art. 114 e § 1º do art. 217, da Carta Maior. Assim, a própria Constituição Federal contempla as limitações ao imediato acesso ao Judiciário, quando, no tocante ao dissídio coletivo, a cargo da Justiça do Trabalho, estabelece ser indispensável o término da fase de negociação e, relativamente a conflito sobre competição ou disciplina, preceitua que o interessado deve antes provocar a Justiça Desportiva – artigos 114, § 2º, e 217, § 1º, ambos do Diploma Maior. Não há no texto constitucional norma que institua a necessidade de prévia negativa no âmbito administrativo como condicionante ao pedido de provimento judicial ou em outras esferas. Desta forma o esgotamento da via administrativa para recorrer ao Poder Judiciário ou a qualquer outro órgão, esse tramite restaria a ofender um direito básico inerente à pessoa humana (que inclui os militares), qual seja, o acesso à justiça, conforme preconiza o artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Sobre o assunto, eis os ensinamentos de Odete Medauar, in Direito Administrativo Moderno, RT 6ª edição, página 479, in verbis: “Uma das consequências extraídas do princípio da proteção judiciária situa-se na regra da não exigência de exaustão prévia da via administrativa para que se possa ingressar em juízo. Assim, quem sofrer lesão a direito ou estiver sob ameaça de lesão a direito, advinda da atividade da Administração, não é obrigado a interpor recurso administrativo primeiro, para depois, decidido este, ajuizar uma ação. Nem texto de lei, nem interpretação de lei poderão levar a entendimento restritivo quanto ao acesso ao Poder Judiciário para defesa de direitos lesados.” O acesso à justiça e o direito de petição é direito social, de valor mínimo de uma sociedade que se pretende justa, livre e solidária; nos termos da Constituição da República e qualquer interferência nesse sentido é uma violação a Constituição Federal. Conclusão: O artigo demonstra de forma clara e com arrimo da Constituição Federal e princípios gerais do direito que qualquer interferência no acesso à justiça e no direito de petição, infringe direito social, de valor mínimo de uma sociedade que se pretende justa, livre e solidária, não pode a Lei servir a práticas abusivas e arbitrarias, para encobrir as irregularidades praticadas por servidores públicos, que devem dar exemplo e agir dentro da seara legal. Desta forma fica demonstrada que a presente norma é ilegal, e esta tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade da livre autonomia do policial militar, o importa em subtrair e restringir o acesso à justiça e o direito de petição, servindo como retaliação a servidor que remete documentos relacionados a denúncia de irregularidades dentro da PMGO ao Poder Judiciário ou Ministério Público, difundindo essa pratica na PMGO fazendo com que os policiais se calem sob pena serem injustamente sindicados e punidos, quando não buscam as vias legais para cessar tais abusos, onde norma não recepcionada pela atual Carta Maior é utilizada para fazer o servidor acreditar que não tem o direito de buscar os órgãos competentes para ver satisfeito seu direito negado pela PMGO.
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O Tribunal de Contas e a fiscalização dos órgãos e agentes do estado
Denomina-se Tribunal de Contas da União (TCU) ou ainda Corte de Contas o Tribunal Administrativo responsável para julgar as contas de administradores públicos e demais responsáveis por quantias, bens e valores públicos federais, bem como as contas de pessoas que, de algum modo, provoquem prejuízo ao erário. O TCU é um órgão colegiado com competência administrativa prevista nos artigos 71 a 75 da Constituição Federal do Brasil, sendo uma entidade auxiliar do Poder Legislativo Brasileiro. A Auditoría General de la Nación, está prevista no art. 85, da Constituiçón de La Nación Argentina, que exerce el control externo del sector público nacional en sus aspectos patrimoniales, económicos, financieros y operativos, como uma atribuição do Poder Legislativo. É sobre a importância jurídica constitucional do Tribunal de Contas da União, como órgão fiscalizador, auxiliar do Poder Legislativo é que se propõe a análise do presente Artigo, numa breve perspectiva do Direito e do Direito comparado.
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO O Tribunal de Contas da União – TCU é um tribunal administrativo, dentro das estruturas de Poderes do Estado brasileiro. Com outra denominação ele também existe em outros países, como na Argentina, que se denomina Auditoría General de La Nación. Na essência o TCU julga as contas de administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos federais, bem como as contas de qualquer pessoa que der causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário. Tal competência administrativo-judicante, entre outras, está consignada nos art. 71 a 75, da Constituição Federal do Brasil. É conhecido também como Corte de Contas, e sendo assim, o TCU é um órgão colegiado, que se se compõe de 9 (nove) ministros. 6 (seis) deles são indicados pelo Congresso Nacional, 1 (um), pelo Presidente da República e 2 (dois), escolhidos entre Auditores e Membros do Ministério Público que funciona junto ao Tribunal. Suas deliberações são tomadas, em regra, pelo Plenário, instância máxima ou, nas hipóteses cabíveis, por uma das duas Câmaras. Nas sessões do Plenário e das Câmaras é obrigatória a presença de representante do Ministério Público junto ao Tribunal. Trata-se, na verdade, de um órgão autônomo e independente, cuja missão principal é a de promover a defesa da ordem jurídica. Compõe-se do procurador-geral, 3 (três) subprocuradores-gerais e 4 (quatro) procuradores, nomeados pelo Presidente da República, entre concursados com título de bacharel em Direito. Para desempenho da missão institucional, o Tribunal dispõe de uma Secretaria, que tem a finalidade de prestar o apoio técnico necessário para o exercício de suas competências constitucionais e legais. Essa Secretaria é composta de várias unidades, entre as quais, a Secretaria Geral das Sessões, a Secretaria Geral de Administração e a Secretaria Geral de Controle Externo (Secex). A gerência da área técnico-executiva do controle externo está entregue à Secretaria Geral de Controle Externo (Secex), à qual, estão subordinadas as unidades técnico-executivas sediadas em Brasília e nos 26 (vinte e seis) Estados da Federação. À estas últimas, cabe, entre outras atividades, fiscalizar a aplicação de recursos federais repassados para Estados e Municípios, geralmente, mediante convênio ou outro instrumento congênere. É sobre a importância jurídica constitucional do Tribunal de Contas da União, como órgão fiscalizador, auxiliar do Poder Legislativo é que se propõe a análise do presente Artigo, numa breve perspectiva do Direito e do Direito comparado. 2 O PODER Francis Bacon ( 1561-1626)([1]) foi um filósofo e jurista inglês dos Séculos XVI e XVII, e, na sua principal obra, Novum Organum (Novo Órgão) de 1620, que se traduz como o instrumento do pensamento racional, em que propôs um novo estilo de raciocínio para substituir o trabalho de Aristóteles, sintetiza que, "saber é poder". Vale dizer, na sua célebre frase “saber é poder”, possibilita ao intérprete, compreender o que ele deseja da natureza por intermédio da ciência, que é unir e apartar os corpos (homem e natureza), sabendo que o restante, a natureza realiza por si mesma. Saber é Poder. Essa frase proferida pelo filósofo inglês Francis Bacon, sintetiza sua obra. Ao proferí-la o filósofo passa aos seus leitores a exata dimensão do que foi o Renascimento e o porquê da importância desse período. Como se sabe, o Renascimento foi à época em que o homem começou, verdadeiramente, a se libertar das condições que lhe eram impostas pela natureza. Assim, a natureza passou a ser algo que se podia usar e explorar. Começava, então, a aplicação prática do conhecimento. Saber é Poder. Os países desenvolvidos se impõem perante os países subdesenvolvidos, pelo conhecimento, também denominado de "know-how". Know-how é um termo em inglês que significa literalmente "saber como". As pessoas consideradas mais inteligentes e criativas se sobrepõem aos outros de menores conhecimentos, e, assim, alcançam lugares de destaque na sociedade. Vale dizer, o conhecimento humano e o Poder coincidem quando não se conhece a causa, não se consegue produzir o efeito. Só se vence a Natureza obedecendo-lhe; e o que na observação funciona como causa, na obra funciona como regra. O saber sobre a Natureza correspondia a um Poder efetivo sobre ela. Na obra, A Dança do Universo [2], o físico brasileiro, Marcelo Gleiser, que foi pesquisador do Fermi National Accelerator Laboratory de Chicago, e do Institute for Theoretical Physics da Universidade da Califórnia, e é Professor Catedrático de Física e Astronomia, no Dartmouth College, na cidade Hanover, no Estado de New Hampshire, nos EUA, ao falar do mito da criação do Universo, afirma que, restrição fundamental que devemos enfrentar quando tentamos entender a origem de tudo é a limitação imposta pela nossa percepção bipolar da realidade. O processo ou entidade de criar ambos os opostos, estando, portanto, além dessa dicotomia. A solução encontrada para esse problema pelas varias culturas é essencialmente religiosa. Em geral, todas as culturas assumem a existência de uma realidade absoluta, ou simplesmente de um Absoluto, que não só abrange como também transcende todos os opostos. Esse Absoluto é o elemento central na estrutura de todas as religiões, dando assim o caráter religioso aos mitos da criação. O Absoluto, então incorpora em si, a síntese de todos os opostos, existindo por si só, independente da existência do Universo. Ele não tem uma origem, já que está além das relações de causa e efeito. Esse Absoluto pode ser Deus, ou o domínio de vários deuses, ou Caos Primordial, ou mesmo, o vazio, o Não-ser. O Poder. Contudo, inobstante o Poder e a Soberania de Deus que tem a regência sobre o Universo, sobre o Cosmos e sobre o homem, neste item analisa-se o Poder do Conhecimento, e, assim analisa-se o Poder e a Soberania que regem o Estado, a Sociedade e o homem. 2.1 O Poder no Pensamento de Hobbes e Arendt. Poder (do Latim potere) ([3]), é a capacidade de deliberar arbitrariamente, agir e mandar também, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a Autoridade, a Soberania, o Império. Poder tem também uma relação direta com capacidade de se realizar algo, aquilo que se "pode" ou que se tem o "Poder" de realizar ou fazer. De acordo com o pensamento de Thomas Hobbes ([4])(1588-1679), matemático, teórico político e filósofo inglês, autor da obra “Leviatã” (1651) na qual explanou a sua teoria sobre a natureza humana e sobre a necessidade de Governos e Sociedades, define que, a organização do Poder coincide com um contrato social, que substitui o estado de Natureza, no qual dominava a força física. Quando todos detêm o Poder, na realidade, este Poder é inexistente, deixando claro que se trata do Poder Político, pois, no limite, o Poder é exercido pelo mais forte. Para Hannah Arendt, (1906-1975)([5]), filósofa e política alemã, de origem judaica, uma das mais influentes do Século XX, publicou Origins of Totalitarianism (Origens do Totalitarismo) (1951), obra pela qual, se tornou conhecida e respeitada nos meios intelectuais, e, assim, define que, Poder, implica, necessariamente, a existência de duas ou mais pessoas, ou seja, o Poder é sempre relacional. A política, em seu sentido moderno, pressupõe a legitimação do Poder, isto é, tanto governantes quanto governados, devem estar de acordo com as regras do jogo que estabelecem o exercício do Poder. Isto porque, segundo Arendt, a política se contrapõe ao mundo natural, sendo, por esta forma, o modo mais racional do exercício do Poder, já que nas relações em que impera a força bruta, não há espaço para a política, ou melhor, destrói-se o ambiente no qual é possível o exercício de Poder político. Assim, Poder, seria o oposto da violência. A violência acontece quando se dá a perda de autoridade e Poder. Pode ser definido o conceito de Política, como a Ciência da Governança de um Estado ou Nação e, também, uma arte de negociação para compatibilizar interesses. O termo tem origem no grego politiká, uma derivação de polis, que designa aquilo que é público. O significado de política é muito abrangente e está, em geral, relacionado com aquilo que diz respeito ao espaço público. O homem dá origem ao Estado quando por sua vontade cede seu direito em troca de proteção e da realização do bem comum. E, à medida que a diversidade das relações se amplia, surge essa necessidade de transferir e unificar o Poder em um único ente, o Estado. O Estado é uma sociedade política, ou seja, uma sociedade criada a partir da vontade do homem, cujo objetivo é a realização dos fins daquelas organizações mais amplas que teve necessidade de criar para enfrentar o desafio da natureza e das outras sociedades rivais [6]. São várias as formas de Poder, ou diversas formas de manifestação do Poder; Poder Diplomático, Poder Militar, Poder Social, Poder Jurídico, Poder Político, Poder Nuclear, Poder Econômico, Poder Ideológico, Poder Familiar, Poder Tecnológico, etc. Pode-se constatar que o poder encontra-se presente em todas as relações, econômicas, sociais e políticas. O Poder. Afirma Foucault que o "Poder deve ser analisado como algo que circula que funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como riqueza ou bem. O Poder funciona e se exerce em rede. Os indivíduos, em suas malhas, exercem o Poder e sofrem sua ação. Cada um de nós é, no fundo, titular de certo Poder e, por isso, veicula o Poder. Os poderes periféricos e moleculares não foram confiscados e absorvidos pelo Estado. Não são, necessariamente, criados pelo Estado. Poderes periféricos e moleculares são os poderes exercidos por indivíduos, grupos, empresas, universidades, escolas, cientistas, pensadores, intelectuais, comunicadores, etc. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social e, neste complexo, os micro-poderes existem integrados ou não ao Estado. É preciso dar conta deste nível molecular de exercício do poder sem partir do centro para a periferia, do macro para o micro ([7])". 2.2 O Poder Soberano ou Soberania no Pensamento de Bodin, Dellagnezze e Ives Gandra. Jean Bodin (1530-1596) foi um jurista francês, membro do Parlamento de París e Professor de Direito em Toulouse, França. É também conhecido como adepto da Teoria do Direito Divino dos Reis. Bodin foi o precursor na formulação do conceito de soberania, que foi de fundamental importância na afirmação dos princípios da territorialidade, da obrigação política, da impessoalidade do comando público e da centralização do Poder. Bodin utilizou o conceito de soberania tanto para definir o Estado quanto para justificar a legitimidade do Poder sobre os indivíduos. Assim, definiu soberania como o “poder perpétuo e absoluto de uma República”. Para Bodin, o detentor da soberania deve se inspirar na Lei Divina para criar a Lei Civil. A Lei Divina apresenta-se como uma Lei Eterna e imutável, expressa na vontade e sabedoria de Deus, o qual é responsável pela criação e conservação de todas as coisas. Antes de tudo, o soberano é considerado um súdito de Deus, e por isso, não pode transgredir a Lei Divina, e sim, observá-la continuamente no exercício do seu Poder. Jean Bodin foi o precursor em dar ao tema da soberania um tratamento sistematizado, na sua obra Lex Six Livres de La Repúblique (Os Seis livros da República)([8]), publicada em 1576. Para ele, a soberania é um poder perpétuo e absoluto, ou melhor, um poder que tem como únicas limitações a Lei Divina e a Lei Natural. A soberania é, para ele, absoluta dentro dos limites estabelecidos por essas leis. Poder Soberano ou Soberania ([9]). Soberania é o Poder ou autoridade suprema. É a propriedade que tem um Estado de ser uma Ordem Suprema que não deve sua validade a nenhuma ordem superior. O conceito de Soberania do Estado foi objeto do Tratado de Westfália, firmado em 24 de outubro de 1648, que pôs fim à guerra dos 30 (trinta) anos na Europa. A Guerra dos Trinta Anos é considerada a primeira grande guerra europeia. Teve início em 1618, como conflito religioso, envolvendo católicos e protestantes, e adquiriu o caráter político em torno das contradições entre os Estados. Envolveu a Áustria, Hungria, Espanha, Holanda, Dinamarca, França e Suécia, entre outros países. A guerra terminou no ano de 1648, com a paz celebrada em Westfália, na qual foram reconhecidas as liberdades dos calvinistas e demais protestantes. Portugal, Áustria e Holanda conquistaram a independência. França, Suécia e Rússia ampliaram suas áreas territoriais. Pelo Tratado, cada Estado é uma unidade completamente independente que não está sujeita a nenhuma autoridade maior. Em síntese, pelo Tratado, o Estado é soberano. Todavia o conceito de Soberania já não tem hoje o mesmo significado daquele existente no Século XVII. Para tanto, bastaria indagar até onde subsiste a Soberania de um Estado que integra um Bloco Econômico. Exemplo, a Soberania da Itália, Alemanha ou França em relação ao Bloco da União Europeia (UE), ou a Soberania do Brasil, Argentina, Paraguai ou Uruguai, em relação ao Bloco Econômico MERCOSUL. Soberania poderia ser conceituada como Poder ou autoridade suprema. É também um conceito abstrato de propriedade que tem um Estado de ser uma ordem suprema, que não deve sua validade a nenhuma outra ordem superior. A nosso ver, sendo a Soberania um Poder, este, se reveste de várias formas, tais como, Poder Diplomático, Militar, Nuclear, Econômico, Tecnológico entre outros, mas, acima de tudo, Poder Político Internacional. Porém, como adverte Ives Gandra da Silva Martins ([10]), Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército – ECEME e Superior de Guerra – ESG, Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), Doutor Honoris Causa da Universidade de Cracóvia (Romênia) e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal), que, entre outras obras, escreveu Uma Breve Teoria do Poder (2009), sustentando que, "o homem busca sempre o domínio, e o seu maior ou menor Poder, decorre exclusivamente da sua maior ou menor força. Com esse fundamento, procura formular uma teoria sobre a natureza do homem, no exercício do domínio sobre os outros, quando assume governos".  A evolução da humanidade tem permitido o aprimoramento de mecanismos capazes de conter a escalada dos que o ambicionam, dentro de certos limites ou fronteiras. Se alguém, porém, com carisma próprio e sem oposição à altura, consegue alcançá-lo e exercê-lo à sua maneira e semelhança, nenhuma Constituição ou Sistema Legal é capaz de ofertar anteparo seguro contra esse intento, pois, conquistar e manter o Poder são a grande e primeira ambição de todos os políticos ou déspotas, na história. A teoria é breve e centrada, fundamentalmente, na figura daquele que detém o Poder, nos motivos que levam a essa ambição e na consequência de seu exercício sobre as massas. Na evolução histórica, o Estado, na forma em que o conhecemos hoje, começa a se consolidar com a centralização das monarquias absolutistas francesa, inglesa e russa, em meados do século XVII. O absolutismo é um sistema de governo em que o poder fica concentrado no monarca. Os reis, absolutos, controlam a administração do Estado, a moeda, os impostos, os exércitos, fixam as fronteiras dos países, e têm o total domínio da economia, por intermédio de políticas mercantilistas, e estabelecem a justiça real. Estas monarquias estabeleceram a propriedade real sobre o solo e as minas, e tinham o total controle sobre a produção de reservas extrativas do ouro e da prata. Neste período surgiram as primeiras companhias mercantis, mantendo o monopólio da Coroa sobre o comércio de metais preciosos, mercadorias, especiarias, e escravos das colônias, surgindo também um sistema de impostos. Com a evolução das leis, surgem teorias para justificar o absolutismo, como as de Nicolau Maquiavel (1469-1527), Thomas Hobbes (1588-1679) e Jacques Bossuet (1627-1704). São exemplos de Estados absolutistas a Inglaterra, com Henrique VIII, (1491-1547) e sua filha Elizabeth (1533-1603); e a Rússia, com Pedro I, o Grande. Mas, sem dúvidas, o maior exemplo do Estado absolutista foi a França, com Luis XIV (1638-1715), também conhecido como Rei Sol, que, segundo os historiadores, teria dito a famosa frase “O Estado sou Eu”. O fim do absolutismo acontece efetivamente com a Revolução Francesa no ano de 1789 ([11]). Antes do advento da Revolução Francesa, surgiu na Europa, na época do Renascimento, uma corrente de pensamento conhecida como o iluminismo, que defendia o domínio da razão sobre a fé, estabelecendo o progresso como destino da humanidade. Os principais idealizadores foram o inglês John Locke (1632- 1704), os franceses Charles Louis de Secondat, baron de La Brède et de Montesquieu, (1688-1755) que pregou a separação dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, na obra, De l’esprit des lois – Do Espírito das Leis, de 1751); Voltaire (1694-1778) e o suíço Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Montesquieu é um dos grandes filósofos do século XVIII. Pensador iluminista deixou uma grande herança por meio de suas obras. Na obra “Do Espírito das Leis”, o autor expõe uma política essencialmente racionalista, caracterizada pela busca de um equilíbrio entre a autoridade do poder e a liberdade do cidadão. A separação do poder entre Executivo, Legislativo e Judiciário surgiria da necessidade de o poder deter o próprio poder, evitando assim o abuso da autoridade. A liberdade do cidadão é um dos pontos principais da obra deste iluminista. No Brasil, o art. 2º, da Constituição Federal, estabelece no seu art. 2º, que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 2.3 Poder Executivo ([12]) O Poder Executivo tem como finalidade, nos limites da lei, realizar a administração ou o governo do Estado. A exemplo do Poder Legislativo, os componentes do Poder Executivo são eleitos pelo voto do povo, para exercerem um mandato por certo período de tempo. No Poder Executivo é que se realizam as ações políticas e os planos do governo de um Estado. Para que haja um governo próspero, é necessário uma base de sustentação política no Parlamento, vale dizer, é necessário que haja uma maioria de Deputados e Senadores que votem favoravelmente matérias de interesse do Governo. Sem esta base parlamentar, o governo está fadado ao fracasso político. Governar, no sistema Parlamentarista ou Presidencialista, é administrar todos os interesses da sociedade por intermédio de Órgãos e Instituições Públicas, tais como arrecadar impostos, executar serviços de saúde, educação, transporte, segurança, etc…, em caráter interno e em caráter externo, defender e representar o País perante as demais nações e organismos internacionais, por intermédio do seu Presidente ou Primeiro Ministro. 2.4 Poder Judiciário O Poder Judiciário tem como finalidade assegurar o cumprimento da Lei, garantindo a todos o estabelecimento de igualdade e da justiça. No Brasil, o Poder Judiciário é constituído por uma hierarquia de funções denominadas em primeira, segunda e terceira instâncias de Poder, correspondendo a Justiça local (Fórum), Tribunais de Justiça dos Estados-membros e Tribunais Superiores, podendo ainda, no caso do Brasil, possuir justiças especializadas como a Justiça Federal, Justiça do Trabalho, Justiça Militar e Justiça Eleitoral, com as mesmas funções hierárquicas. Diferentemente do que ocorre com o Poder Legislativo e o Poder Executivo, os componentes do Poder Judiciário não são eleitos pelo voto do povo. Via de regra, o quadro de acesso dos juízes ao Poder Judiciário é realizado, em primeira instância, mediante concurso público, de provas e de títulos, exigindo-se do candidato, como pré-requisito, a formação acadêmica em Direito. Para os Tribunais de segunda instância, o ingresso se faz mediante promoção e por mérito. E para os Tribunais Superiores, de terceira instância, por indicação do Presidente da República. Em alguns países, os juízes são eleitos pela sociedade. O Estado Democrático de Direito só existe quando há o princípio do respeito integral à Lei. Este princípio está consagrado no inciso II do art. 5º da Constituição Federal do Brasil: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei”. Assim, os atos de uma autoridade, de qualquer um dos Poderes da República, somente serão legítimos quando exercidos dentro dos limites da Lei. Constatada qualquer lesão ao Direito, seja do indivíduo ou do próprio Estado, é o Poder Judiciário a última trincheira democrática que existe para restabelecer a ordem jurídica e a Justiça. Os Promotores, ou membros do Ministério Público, e os Advogados, não integram o Poder Judiciário, mas atuam perante este Poder, juntamente com os Juízes, de modo a constituir a Justiça e a manutenção do Estado Democrático. O Poder Legislativo tem como finalidade elaborar a legislação, ou as leis, de interesse do povo ou da sociedade. Os membros do Poder Legislativo são eleitos pelo povo para exercerem um mandato por certo período de tempo. Na maioria dos países, há um sistema bicameral que constitui o Parlamento ou o Congresso, ou seja, a Câmara dos Deputados, que representa os interesses da sociedade, e o Senado, representante dos interesses dos estados-membros, ou unidades administrativas, que compõem o Estado. O Poder Legislativo é, na essência, a maior expressão de uma democracia, pois ele materializa as aspirações de um povo que elege seus representantes pela soberania do voto, cujos parlamentares devem ser integrantes de uma agremiação ou partido político que, em tese, defende determinado pensamento de caráter político, filosófico ou religioso. Tanto no sistema parlamentarista quanto no sistema presidencialista, o Poder Legislativo é governo, vale dizer, atua em conjunto com o Poder Executivo. São Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Não há qualquer referência ao Poder Soberano, ou Soberania. Na realidade, a Soberania decorre ou nasce da soma dos Três Poderes retro transcritos. O Poder Soberano não tem uma estrutura própria, mas utiliza-se de parte da estrutura do Poder Executivo para ter a sua materialização. A forma mais eloquente da materialização da Soberania evidencia-se por atos e ações próprias do Presidente da República, no exercício pleno de seus poderes, representando o Estado, o Governo e o Povo de seu País, sobretudo, em solenidades nacionais ou internacionais, realizadas no Brasil ou em outros Países, bem como perante os Fóruns e as Organizações Internacionais. 3 O CONTROLE DA ADMINISTAÇÃO PÚBLICA. 3.1 O Controle da Administração. Conceito e Alcance. No exercício de suas funções, a Administração Pública se sujeita a controle por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário, além de exercer, ela mesma, o controle sobre os próprios atos. Esse controle abrange não só os órgãos do Poder Executivo, mas também os demais Poderes, quando exerçam função tipicamente administrativa. Em outras palavras abrange a Administração Pública considerada em sentido amplo. 3.1.1 O controle da Administração Pública como o poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico ([13]). 3.1.2 O Controle Interno. A Constituição Federal, pelos artigos 70 a 75, prevê o controle interno de cada Poder. Esse controle interno é feito normalmente, pelo sistema de auditoria, que acompanha a execução do orçamento, verifica a legalidade na aplicação do dinheiro público e auxilia o Tribunal de Contas no exercício de sua missão institucional. 3.1.3 O Controle Administrativo Interno. É o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública, em sentido amplo, exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação. Na esfera federal, esse controle é denominado de supervisão ministerial, estabelecido pelo Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967, incluindo os entes da Administração Direta e Indireta. 3.1.4 O Poder de autotutela. O controle sobre órgãos da Administração é um controle interno e decorre do poder de autotutela, que permite à Administração Pública rever os próprios atos quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes. Esse poder é amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário, conforme se constata pelas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal – STF: “Súmula 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos. Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, apreciação judicial (art. 5º, inciso XXXV, CF, a lei não excluirá da apreciação do judiciário, lesão ou ameaça ao direito).” 3.1.5 A Lei nº 9.784, de 29/01/1999. Estabelece normas sobre o processo administrativo federal, e possibilita ao administrado interpor medidas de ordem administrativa contra atos da Administração, de modo a assegurar os seus direitos, o que propicia um mecanismo de controle. 3.1.6 O Controle Externo. A Constituição Federal, no capítulo concernente à fiscalização contábil, financeira e orçamentária, notadamente no seu art. 71 a 75, da Constituição Federal, prevê o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas. 3.1.7 O Controle Legislativo. O controle que o Poder Legislativo exerce sobre a Administração Pública tem que se limitar às hipóteses previstas na Constituição Federal, uma vez que implica interferência de um Poder nas atribuições dos outros dois. Alcançam os órgãos do Poder Executivo, as entidades da Administração Indireta e o próprio Poder Judiciário, quando executa função administrativa. As legislações derivadas (estadual, distrital e municipal) não podem prever outras modalidades de controle que não as constantes da Constituição Federal, sob pena, de ofensa ao princípio da separação dos Poderes. 3.1.8 O Controle Político. Abrange os aspectos de legalidade, de mérito, como de natureza política, apreciando decisões administrativas, inclusive da discricionariedade, decorrente da conveniência e oportunidade diante di interesse público. Exemplos de controle político: art. 49, 50, 52, da CF, 3.1.9 O Controle. A Constituição Federal disciplina nos artigos 70 a 75, a fiscalização contábil, financeira e orçamentária, determinando, no último dispositivo, que essas normas se aplicam, no que couber à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas de Municípios. 3.1.10 O Controle Judicial. O controle judicial constitui juntamente com o princípio da legalidade, um dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito. De nada adianta sujeitar-se a Administração Pública à lei, se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados. Fundamento: art. 5º, inciso XXXV, CF, a lei não excluirá da apreciação do judiciário, lesão ou ameaça ao direito; habeas corpus (art. 5º, LXVIII, CF); mandado de segurança (art. 5º, LXIX, CF); mandado de injunção (art. 5º, LXXI, CF, falta de norma); habeas data (art. 5º, LXXII, CF, obtenção de informações à pessoa do impetrante); ação popular (art. 5º, LXXIII, CF, lesão ao patrimônio público). 3.1.11 O Ministério Público. O Ministério Público (MP) é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses socais e individuais indisponíveis. Os artigos 127, a 130 da CF, estabelecem as competências e atribuições do MP, inclusive dos Membros do MP que atuam junto ao Tribunal de Contas. Entre as diversas competências do MP, destacamos a de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio publico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A Lei nº 7.347, de 24/07/1985, disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 3.1.13 O Tribunal de Contas União. TCU. O controle externo da Administração Pública Federal é exercido pelo Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, TCU. A Competência do TCU está estabelecida nos artigos 71 a 75, da Constituição Federal. O TCU apreciará as Contas Anuais do Presidente da República, as contas dos gestores públicos da administração direta e indireta, a legalidade dos atos de admissão de pessoal da Administração direta e indireta, realizando auditorias e inspeções de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, das entidades integrantes dos Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário, e demais entidades (particulares) que recebam recursos do Tesouro Nacional. 3.1.15 Os Tribunais de Contas. Estados, Distrito Federal e dos Municípios. As normas estabelecidas para o Tribunal de Contas da União aplicam-se no que couber aos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme determina o art. 75, da Constituição Federal. 3.1.16 O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle. O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle foi criado em 12 de maio de 2016, pela Medida Provisória 726, de 12/05/2016, ou MP 726/2016. As competências da extinta Controladoria-Geral da União (CGU) foram transferidas pelo mesmo diploma para este Ministério. A MP 726/2016, altera e revoga dispositivos da Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. A MP 726, de 12/05/2016, altera e revoga dispositivos da Lei nº 10.683, de 28, de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, dispõe nos seus artigos, 1º, IV, 3º, I, 6º, II, 7º, II, 27, X, e 29, XXVI, a saber: “Art. 1º Ficam extintos: IV – a Controladoria-Geral da União; Art. 3º Ficam criados: I – o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle;  Art. 6º São transferidas as competências: II – da Controladoria-Geral da União para o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle; Art. 7º Ficam transferidos os órgãos e as entidades supervisionadas, no âmbito: II – da Controladoria-Geral da União para o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle; Das Áreas de Competência Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes: X – Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle: a) adoção das providências necessárias à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da Administração Pública Federal; b) decisão preliminar acerca de representações ou denúncias fundamentadas que receber, indicando as providências cabíveis; c) instauração de procedimentos e processos administrativos a seu cargo, constituindo as respectivas comissões, bem como requisitar a instauração daqueles que venham sendo injustificadamente retardados pela autoridade responsável; d) acompanhamento de procedimentos e processos administrativos em curso em órgãos ou entidades da Administração Pública Federal; e) realização de inspeções e avocação de procedimentos e processos em curso na Administração Pública Federal, para exame de sua regularidade, propondo a adoção de providências ou a correção de falhas; f) efetivação ou promoção da declaração da nulidade de procedimento ou processo administrativo, bem como, se for o caso, da imediata e regular apuração dos fatos envolvidos nos autos e na nulidade declarada; g) requisição de dados, informações e documentos relativos a procedimentos e processos administrativos já arquivados por autoridade da Administração Pública Federal; h) requisição a órgão ou entidade da Administração Pública Federal de informações e documentos necessários a seus trabalhos ou atividades; i) requisição a órgãos ou entidades da Administração Pública Federal de servidores ou empregados necessários à constituição de comissões, inclusive as que são objeto do disposto na alínea “c” deste inciso, bem como de qualquer servidor ou empregado indispensável à instrução de processo ou procedimento; j) proposição de medidas legislativas ou administrativas e sugestão de ações necessárias a evitar a repetição de irregularidades constatadas; l) recebimento de reclamações relativas à prestação de serviços públicos, em geral, e apuração do exercício negligente de cargo, emprego ou função na Administração Pública Federal, quando não houver disposição legal que atribua competências específicas a outros órgãos; m) desenvolvimento de outras atribuições de que o incumba o Presidente da República; § 14. Ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, no exercício de sua competência, cabe dar o devido andamento às representações ou denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público, velando por seu integral deslinde. § 15. Ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, por seu titular, sempre que constatar omissão da autoridade competente, cumpre requisitar a instauração de sindicância, procedimentos e processos administrativos outro, assim como avocar aqueles já em curso em órgão ou entidade da Administração Pública Federal, visando corrigir-lhes o andamento, inclusive mediante a aplicação da penalidade administrativa cabível. § 16. Cumpre ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, na hipótese do § 15, instaurar sindicância ou processo administrativo ou, conforme o caso, representar à autoridade competente para apurar a omissão das autoridades responsáveis. § 17. O Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle encaminhará à Advocacia-Geral da União os casos que configurarem improbidade administrativa e todos quantos recomendarem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquele órgão, bem como provocará, sempre que necessária, a atuação do Tribunal de Contas da União, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e, quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive quanto a representações ou denúncias que se afigurarem manifestamente caluniosas. § 18. Os procedimentos e processos administrativos de instauração e avocação facultados ao Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle incluem aqueles de que tratam o Título V da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e o Capítulo V da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, assim como outros a serem desenvolvidos ou já em curso em órgão ou entidade da Administração Pública Federal, desde que relacionados a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público. § 19. Os titulares dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo federal devem cientificar o Ministro de Estado da Transparência, Fiscalização e Controle acerca de irregularidades que, registradas em seus relatórios, tenham-se verificado em atos ou fatos atribuíveis a agentes da Administração Pública Federal e das quais haja resultado ou possa resultar prejuízo ao erário, desde que de valor superior ao limite fixado pelo Tribunal de Contas da União, para efeito da tomada de contas especial elaborada de forma simplificada. § 20. São irrecusáveis, devendo ser prontamente atendidas, as requisições de pessoal, inclusive de técnicos, feitas pelo Ministro de Estado da Transparência, Fiscalização e Controle. § 21. Para efeito do disposto no § 20, os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal estão obrigados a atender, no prazo indicado, às demais requisições e solicitações do Ministro de Estado da Transparência e Fiscalização, bem como a comunicar-lhe a instauração de sindicância ou outro processo administrativo e o respectivo resultado. (NR). Art. 29. Integram a estrutura básica: XXVI – do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, a Comissão de Coordenação de Controle Interno, a Corregedoria-Geral da União, a Ouvidoria-Geral da União e duas secretarias, sendo uma a Secretaria Federal de Controle Interno;”  A adoção das providências necessárias à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da Administração Pública Federal, estão alinhadas nas disposições da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (2003) e na Convenção Interamericana contra a Corrupção (1996). A CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO (2003). A Convenção da ONU é o mais abrangente Tratado Internacional sobre prevenção e combate à corrupção. Ela é o maior instrumento internacional juridicamente vinculante, ou seja, que obriga os Estados Partes que a ratificaram, à cumprir os seus dispositivos, sob pena, de serem pressionados pela comunidade internacional. Pelo seu caráter global, a Convenção demonstra a preocupação de todos com o problema da corrupção. No Brasil, a Convenção da ONU contra a Corrupção foi ratificada pelo Decreto Legislativo nº. 348, de 18 de maio de 2005, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº. 5.687, de 31 de janeiro de 2006. A CONVENÇÃO INTERAMERICANA CONTRA A CORRUPÇÃO (1996). A Convenção tem como propósito, promover e fortalecer o desenvolvimento, por cada um dos Estados Partes, dos mecanismos necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção e promover, facilitar e regular a cooperação entre os Estados Partes, a fim de assegurar a eficácia das medidas e ações adotadas para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção no exercício das funções públicas, bem como os atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício. No Brasil, a Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 4.410, de 7 de outubro de 2002. 3.1.17 A Imprensa. Estabelece o art. 220 da CF, que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo veículo não sofrerão qualquer restrição. Embora a Imprensa (rádio, televisão, jornais, revistas, internet,..) não seja órgão para o controle da Administração, é inegável que a sua atividade de informar, de prestar serviços de utilidade pública à população, se constitui como um órgão difusor para a sociedade, das omissões ou das ações realizadas pelo Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A Lei nº 4.117, de 27/08/1962, aprova o Código de Brasileiro de Telecomunicações. A Lei nº 9.472, de 16/07/1997, aprova a Organização dos Serviços de Telecomunicações. A Lei nº 5.250, de 09/02/1967, aprova a Lei de Imprensa, que em face da liberdade de expressão, informação sob qualquer forma e a manifestação do pensamento, contida no novo texto constitucional de 1988, foi recentemente “revogada” pelo Supremo Tribunal Federal – STF. Assim os crimes de imprensa, previsto na Lei de Imprensa, serão agora regulados pelo Código Penal Brasileiro. De acordo com o Código de Telecomunicações a radiodifusão, isto é, os sinais de rádio e televisão é uma concessão do Estado. Aquele que receber esta concessão estatal terá o direito de produzir programas de interesse da coletividade, propiciando a difusão de programas de variedades, de lazer, de utilidade pública, de forma a expressar livremente o pensamento, a informação, sem qualquer restrição ou censura por parte do Estado, muito menos de natureza política partidária ou e ideológica. 4 O TRIBUNAL DE CONTAS NO BRASIL. Criado em 1890, pelo então Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, e inserido na primeira Constituição republicana de 1891, o Tribunal de Contas foi pensado, nas palavras de Rui Barbosa, como um “corpo de magistratura intermediário à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparatoso e inútil”. A competência do TCU de emitir parecer prévio acerca das contas do Presidente da República é igualmente antiga. Surgiu pela primeira vez em 1911, mas, somente com a Constituição de 1934, tornou-se parte efetiva do processo de accountability (prestação de contas) brasileiro. Considerada atualmente uma das principais atribuições do Tribunal, em 2012 foi exercida pela 77ª vez. Assim, ao olharmos retrospectivamente, sabemos que um longo caminho já foi percorrido, com avanços significativos conquistados ao longo do tempo. Mas não é o bastante. O aperfeiçoamento da atuação de qualquer instituição deve ser um processo contínuo e permanente. O Tribunal de Contas da União (TCU) ([14]) é um Tribunal Administrativo. Julga as contas de administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos federais, bem como as contas de qualquer pessoa que der causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário. Tal competência administrativo-judicante, entre outras, está prevista no art. 70 a 75, da Constituição Federal do Brasil, que assim, dispõe: “Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV – realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V – fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII – prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X – sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI – representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. § 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo, as medidas cabíveis. § 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito. § 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. § 4º O Tribunal encaminhará ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades. Art. 72. A Comissão mista permanente a que se refere o art. 166, §1º, diante de indícios de despesas não autorizadas, ainda que sob a forma de investimentos não programados ou de subsídios não aprovados, poderá solicitar à autoridade governamental responsável que, no prazo de cinco dias, preste os esclarecimentos necessários. § 1º Não prestados os esclarecimentos, ou considerados estes insuficientes, a Comissão solicitará ao Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo de trinta dias. § 2º Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Comissão, se julgar que o gasto possa causar dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao Congresso Nacional sua sustação. Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96. . § 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I – mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; II – idoneidade moral e reputação ilibada; III – notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; IV – mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior. § 2º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos: I – um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; II – dois terços pelo Congresso Nacional. § 3° Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, quanto à aposentadoria e pensão, as normas constantes do art. 40. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) § 4º O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal. Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária. § 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União. Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios." Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros.” Conhecido também como Corte de Contas, o TCU é órgão colegiado. Compõe-se de 9 (nove) ministros. 6 (seis) deles são indicados pelo Congresso Nacional, 1 (um), pelo presidente da República e 2 (dois), escolhidos entre auditores e membros do Ministério Público que funciona junto ao Tribunal. Suas deliberações são tomadas, em regra, pelo Plenário, instância máxima, ou, nas hipóteses cabíveis, por uma das duas Câmaras. Nas sessões do Plenário e das Câmaras é obrigatória a presença de representante do Ministério Público junto ao Tribunal. Trata-se de órgão autônomo e independente cuja missão principal é a de promover a defesa da ordem jurídica. Compõe-se do procurador-geral, 3 (três) subprocuradores-gerais e quatro procuradores, nomeados pelo presidente da República, entre concursados com título de bacharel em Direito. Para desempenho da missão institucional, o Tribunal dispõe de uma Secretaria, que tem a finalidade de prestar o apoio técnico necessário para o exercício de suas competências constitucionais e legais. Essa Secretaria é composta de várias unidades, entre as quais, a Secretaria-Geral das Sessões, a Secretaria-Geral de Administração e a Secretaria-Geral de Controle Externo. A gerência da área técnico-executiva do controle externo está entregue à Secretaria-Geral de Controle Externo (Secex), à qual estão subordinadas as unidades técnico-executivas sediadas em Brasília e nos 26 Estados da federação. A estas últimas cabe, entre outras atividades, fiscalizar a aplicação de recursos federais repassados para estados e municípios, geralmente mediante convênio ou outro instrumento congênere. As funções básicas do Tribunal de Contas da União podem ser agrupadas da seguinte forma: fiscalizadora, consultiva, informativa, judicante, sancionadora, corretiva, normativa e de ouvidoria. Algumas de suas atuações assumem ainda o caráter educativo. A função fiscalizadora compreende a realização de auditorias e inspeções, por iniciativa própria, por solicitação do Congresso Nacional ou para apuração de denúncias, em órgãos e entidades federais, em programas de governo, bem como a apreciação da legalidade dos atos de concessão de aposentadorias, reformas, pensões e admissão de pessoal no serviço público federal e a fiscalização de renúncias de receitas e de atos e contratos administrativos em geral. A fiscalização é a forma de atuação pela qual são alocados recursos humanos e materiais com o objetivo de avaliar a gestão dos recursos públicos. Esse processo consiste, basicamente, em capturar dados e informações, analisar, produzir um diagnóstico e formar um juízo de valor. Podem ser feitas por iniciativa própria ou em decorrência de solicitação do Congresso Nacional. Há 5 (cinco) instrumentos por meio dos quais se realiza a fiscalização: “(a) levantamento: instrumento utilizado para conhecer a organização e funcionamento de órgão ou entidade pública, de sistema, programa, projeto ou atividade governamental, identificar objetos e instrumentos de fiscalização e avaliar a viabilidade da sua realização; (b) auditoria: por meio desse instrumento verifica-se in loco a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão, quanto aos aspectos contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial, assim como o desempenho operacional e os resultados alcançados de órgãos, entidades, programas e projetos governamentais; (c) inspeção: serve para a obtenção de informações não disponíveis no Tribunal, ou para esclarecer dúvidas; também é utilizada para apurar fatos trazidos ao conhecimento do Tribunal por meio de denúncias ou representações; (d) acompanhamento: destina-se a monitorar e a avaliar a gestão de órgão, entidade ou programa governamental por período de tempo predeterminado; (e) monitoramento: é utilizado para aferir o cumprimento das deliberações do Tribunal e dos resultados delas advindos.” A função consultiva é exercida mediante a elaboração de pareceres prévios e individualizados, de caráter essencialmente técnico, acerca das contas prestadas, anualmente, pelos chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e pelo chefe do Ministério Público da União, a fim de subsidiar o julgamento a cargo do Congresso Nacional. Inclui também o exame, sempre em tese, de consultas realizadas por autoridades legitimadas para formulá-las, a respeito de dúvidas na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes às matérias de competência do Tribunal.  A função informativa é exercida quando da prestação de informações solicitadas pelo Congresso Nacional, pelas suas Casas ou por qualquer das respectivas Comissões, a respeito da fiscalização exercida pelo Tribunal ou acerca dos resultados de inspeções e auditorias realizadas pelo TCU. Compreende ainda representação ao poder competente a respeito de irregularidades ou abusos apurados, assim como o encaminhamento ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, de relatório das atividades do Tribunal.  Os responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos federais têm de submeter suas contas a julgamento pelo TCU anualmente, sob a forma de tomada ou prestação de contas.  Assim, a função judicante ocorre quando o TCU julga as contas dos administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluindo as fundações e as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, bem como as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário. As prestações de contas, as fiscalizações e demais assuntos submetidos à deliberação do Tribunal organizam-se em processos. Cabe a cada Ministro ou Auditor do Tribunal, atuando como Ministro substituto, a missão de relatar esses processos, apresentar voto e submeter aos pares proposta de acórdão, após análise e instrução preliminar, realizadas pelos órgãos técnicos da Secretaria do Tribunal.  A função sancionadora manifesta-se na aplicação aos responsáveis das sanções previstas na Lei Orgânica do Tribunal (Lei nº 8.443/92), em caso de ilegalidade de despesa ou de irregularidade de contas.  Ao constatar ilegalidade ou irregularidade em ato de gestão de qualquer órgão ou entidade pública, o TCU fixa prazo para cumprimento da lei. No caso de ato administrativo, quando não atendido, o Tribunal determina a sustação do ato impugnado. Nesses casos, TCU exerce função corretiva.  A função normativa decorre do poder regulamentar conferido ao Tribunal pela sua Lei Orgânica, que faculta a expedição de instruções e atos normativos, de cumprimento obrigatório sob pena, de responsabilização do infrator, acerca de matérias de sua competência e a respeito da organização dos processos que lhe devam ser submetidos.  Por sua vez, a ouvidoria reside na possibilidade de o Tribunal receber denúncias e representações relativas a irregularidades ou ilegalidades que lhe sejam comunicadas por responsáveis pelo controle interno, por autoridades ou por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato. Essa função tem fundamental importância no fortalecimento da cidadania e na defesa dos interesses difusos e coletivos, sendo importante meio de colaboração com o controle.  Por fim, atua o Tribunal de Contas da União de forma educativa, quando orienta e informa acerca de procedimentos e melhores práticas de gestão, mediante publicações e realização de seminários, reuniões e encontros de caráter educativo, ou, ainda, quando recomenda a adoção de providências, em auditorias de natureza operacional. A Lei nº 8.443, de 16/07/1992, dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, dispondo nos seus artigos 1º, 2º e 3º, a saber: “Art. 1° Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta Lei: I – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário; II – proceder, por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional, de suas Casas ou das respectivas Comissões, à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unidades dos poderes da União e das demais entidades referidas no inciso anterior; III – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, nos termos do art. 36 desta Lei; IV – acompanhar a arrecadação da receita a cargo da União e das entidades referidas no inciso I deste artigo, mediante inspeções e auditorias, ou por meio de demonstrativos próprios, na forma estabelecida no Regimento Interno; V – apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no Regimento Interno, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; VI – efetuar, observada a legislação pertinente, o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação a que alude o parágrafo único do art. 161 da Constituição Federal, fiscalizando a entrega dos respectivos recursos; VII – emitir, nos termos do § 2º do art. 33 da Constituição Federal, parecer prévio sobre as contas do Governo de Território Federal, no prazo de sessenta dias, a contar de seu recebimento, na forma estabelecida no Regimento Interno; VIII – representar ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados, indicando o ato inquinado e definindo responsabilidades, inclusive as de Ministro de Estado ou autoridade de nível hierárquico equivalente; IX – aplicar aos responsáveis as sanções previstas nos arts. 57 a 61 desta Lei; X – elaborar e alterar seu Regimento Interno; XI – eleger seu Presidente e seu Vice-Presidente, e dar-lhes posse; XII – conceder licença, férias e outros afastamentos aos ministros, auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, dependendo de inspeção por junta médica a licença para tratamento de saúde por prazo superior a seis meses; XIII – propor ao Congresso Nacional a fixação de vencimentos dos ministros, auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal; XIV – organizar sua Secretaria, na forma estabelecida no Regimento Interno, e prover-lhe os cargos e empregos, observada a legislação pertinente; XV – propor ao Congresso Nacional a criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções do Quadro de Pessoal de sua Secretaria, bem como a fixação da respectiva remuneração; XVI – decidir sobre denúncia que lhe seja encaminhada por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato, na forma prevista nos arts. 53 a 55 desta Lei; XVII – decidir sobre consulta que lhe seja formulada por autoridade competente, a respeito de dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes a matéria de sua competência, na forma estabelecida no Regimento Interno. § 1° No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal decidirá sobre a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia de receitas. § 2° A resposta à consulta a que se refere o inciso XVII deste artigo tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese, mas não do fato ou caso concreto. § 3° Será parte essencial das decisões do Tribunal ou de suas Câmaras: I – o relatório do Ministro-Relator, de que constarão as conclusões da instrução (do Relatório da equipe de auditoria ou do técnico responsável pela análise do processo, bem como do parecer das chefias imediatas, da Unidade Técnica), e do Ministério Público junto ao Tribunal; II – fundamentação com que o Ministro-Relator analisará as questões de fato e de direito; III – dispositivo com que o Ministro-Relator decidirá sobre o mérito do processo. Art. 2° Para o desempenho de sua competência o Tribunal receberá, em cada exercício, o rol de responsáveis e suas alterações, e outros documentos ou informações que considerar necessários, na forma estabelecida no Regimento Interno. Parágrafo único. O Tribunal poderá solicitar ao Ministro de Estado supervisor da área, ou à autoridade de nível hierárquico equivalente outros, elementos indispensáveis ao exercício de sua competência. Art. 3° Ao Tribunal de Contas da União, no âmbito de sua competência e jurisdição, assiste o poder regulamentar, podendo, em consequência, expedir atos e instruções normativas sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade.” O Tribunal de Contas ou a Cortes de Contas não faz parte do Poder Judiciário Brasileiro, pois, não consta do artigo 92, da Constituição Federal do Brasil, que trata sobre os órgãos judiciários. Assim, a função judicante ocorre quando o TCU julga as contas dos administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluindo as fundações e as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, bem como as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário. 5 O TRIBUNAL DE CONTAS NA ARGENTINA. 5.1 A Entidades de Controle externo Mundo ([15]). Nos dias de hoje, pode-se afirmar que não existe, um país democrático sem um órgão de controle, com a missão de fiscalizar a boa gestão do dinheiro público. Excetuam-se apenas os regimes ditatoriais, nos quais em que os dirigentes menos querem e menos aceitam, é o controle de seus atos, e os Estados deficitários na organização política e econômica. Fora estas duas situações, todos os demais Estado possuem instituições de controle, como maior ou menor eficiência.  Os órgãos de controle das contas públicas quer apareçam como órgão colegiado (Tribunais de Contas), quer, de forma unipessoal (Controladorias), detêm, na contemporaneidade, a importante e indispensável tarefa de fiscalizar as receitas e despesas dos Estados e de seus agentes políticos. Os Tribunais e Controladorias são hoje presenças relevantes nos Estados modernos, sendo tanto maior seu destaque quanto maior for o avanço de suas instituições democráticas.  As entidades de controle externo podem ser classificadas em dois grandes grupos: Tribunais de Contas e Auditorias Gerais. A diferença fundamental entre esses dois sistemas é que os Tribunais de Contas têm estrutura colegiada, ao passo que as Auditorias Gerais têm um caráter singular. Os Tribunais de Contas em alguns países integram-se, como no caso do modelo francês, ao Poder Judiciário, ou funcionam como órgãos independentes na estrutura do Estado, como no caso brasileiro. As Auditorias Gerais funcionam, frequentemente, como órgãos independentes, porém articulados aos Parlamentos.  Apesar das diferenças citadas, são também diversas as características que os dois sistemas têm em comum: Tanto os Tribunais de Contas como as Auditorias Gerais são órgãos integrados no aparelho do Estado, normalmente com previsão constitucional.  São órgãos independentes, mesmo quando existe um estreito vínculo especial com o Parlamento, distinguindo-se deste modo dos órgãos de controle interno. São órgãos que têm por função o controle financeiro externo, porque independem do governo e não participam da administração, controle independente, não apenas no plano técnico, mas no plano jurídico-político e controle supremo e não se sujeitam a instruções nem a revisão por parte de qualquer outro órgão quanto ao conteúdo dos juízos que formulam.  São órgãos públicos, distinguindo-se, deste modo, das entidades privadas que exercem auditoria. São órgãos que têm funções e poderes de controle financeiro. O sistema de Tribunal de Contas funciona nos seguintes países, entre outros: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, França, Grécia, Itália, Holanda, Portugal e Japão, além do Tribunal de Contas da Comunidade Europeia. Possuem o sistema de Auditoria-Geral: Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Finlândia, Dinamarca e Austrália.  5.2 O Tribunal de Contas na Argentina. A Constituição Nacional da Argentina de 1853 foi escrita tendo como referência os trabalhos do jurista liberal argentino Juan Bautista Alberdi, político, diplomata, escritor e um dos mais influentes ativistas liberais argentinos de seu tempo, autor do livro Argentina (1852) Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina ([16]) Os constituintes também buscaram inspiração em outras constituições republicanas, como a dos Estados Unidos da América, e em projetos constituintes anteriores. Posteriormente, a Constituição Argentina viria a servir como modelo para várias constituições mundo afora, inclusive, a Constituição Federal do Brasil de 1891. A Constituição Nacional da Argentina foi primeiramente aprovada por uma Assembléia Constituinte feita na cidade de Santa Fé, em 1853. A Constituição foi alterada por 7 (sete) vezes, sendo que a última ocorreu em 1994. O objetivo da Constituição de 1853, foi o de acabar com o ciclo de guerra civis e estabelecer as bases da organização nacional, objetivo que levou algumas décadas para ser atingida. Antes da aprovação da Carta, houve duas tentativas (em 1820 e 1826) sem êxito. As 7 (sete) Reformas Constitucionais foram: Reforma de 1860, Reforma de 1866, Reforma de 1898, Reforma de 1949, Reforma de 1955, Reforma de 1957, Reforma de 1972 e Reforma de 1994. Reforma de 1860. Convenção de Buenos Aires. Depois da derrota das tropas de Buenos Aires na batalha de Cepeda (23/10/1859), em 11 de novembro de 1859, foi assinado o Pacto de San José de Flores, pelo qual, Buenos Aires se reincorpora à Confederação, com certas condições, entre as quais, estava a possibilidade de alterar a Constituição de 1853. Em 5 de janeiro de 1860, realiza-se a Convenção de Buenos Aires, terminando os trabalhos em 12 de maio. A Convenção Constituinte reúniu-se em Santa Fé entre 14 e 25 de setembro, quando a reforma derroga o artigo 51, agregando mais quatro artigos (32 a 35). Substitui-se também a palavra Confederação pela de Nação. Reforma de 1866. Convenção Constituinte de Santa Fé. Em 12 de setembro de 1866, realizou-se em Santa Fé, a Convenção Constituinte que reformulou os artigos 4 e 67, inciso 1° (atual 75 inciso 1°). A reforma tinha como propósito caracterizar a necessidade da manutenção da arrecadação, uma vez a que a Argentina, à época estava em guerra contra o Paraguai, e issso repreesntava elevados dispêndio para a Nação. Reforma de 1898. Convenção Constituinte de Buenos Aires. Em 2 de março de 1898 foram iniciadas as sessões da Convenção Constituinte, reunida em Buenos Aires. Procederam a reforma dos artigos 37 e 87 (1853), elevando o número de Deputados de 86 a 193, o que respondia ao crescimento da população registrado no censo nacional de 1895. No mesma Reforma foi também aumentado o número de Ministérios de 5 a 8. Reforma de 1949. Convenção Constituinte de Buenos Aires. Nessa Convenção foi aprovada a reforma na sessão do 11 de março de 1949. Os pontos mais importantes dessa reforma foram: (a) Incorporação ao texto da Constituição dos direitos sociais, dos Direitos Especiais do Trabalhador, da Família, do Idoso, da Educação e da Cultura; (b) Confirmação da função social da propriedade privada; (c) Introdução do conceito de Justiça Social; e (d) Permição para a reeleição do Presidente sem limite de períodos. Fato (1955. Governo Militar). A Revolução Libertadora depõe o Presidente da República, Juan Domingo Perón em setembro de 1955. O Governo declara a vigência da Constituição de 1853 com suas reformas de 1860, 1866 e 1898, excluindo a de 1949, e edita o Decreto-Lei 3838/57, no qual se declara a necessidade da reforma constitucional e convoca a uma nova Convenção Constituinte. Reforma de 1957. Convenção Constituinte de Santa Fé. A Convenção Constituinte foi realizada entre 30 de agosto e 14 de novembro de 1957, na cidade de Santa Fé. A reforma incorporou ao texto da Constituição Nacional (a) Os Direitos do Trabalhador e da segurança social (art. 14 bis CN); e (b) A autorização para o Congresso para editar o Código de Trabalho e de Segurança Social.  Reforma de 1994 Convenção Constituinte de Santa Fé e Paraná. O Congresso Nacional, em 29/12/1993, pela Lei nº 24.309, declara a necessidade de reformar a Constituição Nacional. A Convenção Constituinte inicia suas sessões entre 25 de maio de 1994 a 22 de agosto de 1994, nas cidades de Santa Fé e Paraná. Assim, foi aprovado o texto que entrou em vigência em 24 de agosto de 1994. A Constituição Nacional da Argentina é composta por um preâmbulo e duas partes normativos: primeira parte: Declarações, Direitos e Garantias (artigos 1-43); Segunda parte: Autoridades da Nação (artigos 44-129). Ademais, têm igualmente estatuto constitucional, em virtude do art. 75, inciso 22, em face do reconhecimento de vários Tratados e Convenções Internacionais e Tratados e Convenções Interncionais de Direito Humanos. A Reforma da Constituição da Nação Argentina 1994 é uma importante modificação da Constituição. Ela modernizou e definiu o texto constitucional e, entre outras mudanças, introduziu direitos das normas 3ª (terceira) e 4ª (quarta) gerações, para a defesa da democracia e constitucionalidade, as características dos órgãos sociais, e novos organismos de supervisão. A Convenção Constitucional foi realizada nas cidades de Santa Fé, sede tradicional das convenções constituintes e Paraná, a primeira capital da Confederação. A Reforma Constitucional inclui 44 artigos e tem 17 disposições transitórias, que estabelece, entre outras regras: o reconhecimento dos direitos de protecção do ambiente, a informação dos consumidores, a simples ação constitucional e proteção coletiva, crimes contra a Constituição ea democracia, a preeminência dos Tratados Internacionais, o voto direto e a reeleição presidencial por uma vez e encurtando o prazo de 6 a 4 anos, a regulamentação dos decretos em razão da necessidade e urgência, o terceiro senador pela minoria, o Conselho Poder Judiciário, a possibilidade de transferência da capital da República, a autonomia para a cidade de Buenos Aires, entre outras. Também estabeleceu a balotage, um sistema, que corresponde a um segundo turno na eleição presidencial, na hipótese de nenhum candidato obtiver mais de 45% dos votos válidos, ou tomar um mínimo de 40%, exceder o segundo em mais de 10%. Entre as disposições transitórias do primeiro, o que confirma a soberania legítima e Argentina sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Ilhas Sandwich e os espaços marítimos e insulares correspondentes destacadas. Para a realização da Reforma Constitucional de 1994, o Parlamento contou com um total de 305 convencionais, 134 corresponderam ao peronismo, 74 ao radicalismo, 32 a partidos de distrito, 31 à Frente Grande, 21 ao Movimento pela Dignidade e a Independência (MODIN), 7 a Força Republicana, 3 ao Partido Democrata Progressista, e outros 3 à União de Centro Democrático. (UCEDE) . A Constituição da Argentina foi primeiramente aprovada por uma Assembléia Constituinte, feita na cidade de Santa Fé, em 1853. Esta Constituição, nos seus 163 anos de existência, foi alterada por 7 (sete) vezes, sendo que a última ocorreu em 1994. A Constituição Argentina, com 129 artigos, é composta por um preâmbulo e duas partes normativas: Primeira parte: Declarações, Direitos e Garantias (artigos 1-43). Segunda parte: Autoridades da Nação (artigos 44-129). Ademais, têm equivalência ao estatuto constitucional, em virtude da disposição do artigo 75, inciso 22, da Constituição Federal da República de La Nación, e vários instrumentos internacionais, como os Tratados e Declarações de Direitos Humanos. Consigne-se não haver dúvida no sentido de que, nada obstante, tratasse de reforma constitucional, o texto inserido pela Reforma de 1994, resultou de parlamentares constituintes, tal como ocorre na formação do Poder Constituinte Originário. Assim, apenas para pontuar, o novo texto inserido na Constituição Nacional da Argentina, pela Reforma de 1994, fica imune de ser questionado perante a Corte Suprema de Justiça ([17]). Proveniente da Constituição Nacional da Argentina de 1853, e suas alterações a função de controle dos atos da Administração é de competência do Poder Legislativo, o que na época representava uma posição avançada no contexto internacional. Em 1956, através do Decreto-Ley nº 23.354, Ley de Contabilidad y Organización Del Tribunal de Cuentas de la Nación y Contaduría General, no modelo de Tribunal de Contas, com corpo deliberativo composto de 5 (cinco) membros, indicados e nomeados pelo Poder Executivo, mediante aprovação do Senado, encarregado do controle de legalidade e de aspectos econômicos e contábeis dos atos de gestão, bem como julgamento das contas públicas. Os integrantes do Tribunal de contas não tinham a garantia da vitaliciedade, contudo o Tribunal dispunha de autonomia organizacional, bem como prerrogativa de elaboração de seu regimento interno e de promoção de ações judiciais para apuração de responsabilidade. Não obstante gozar de estrutura, conforme definida pelo regime jurídico de então, que o aproxima das instituições mais desenvolvidas nos Estados democráticos, o desempenho do Tribunal de Cuentas argentino não parece ter sido muito efetivo, dado a irregularidade na prestação de contas, que não era obrigatória, e da existência de aprovação automática das contas por decurso de prazo, desde que não apreciadas pelo Tribunal. O Tribunal de Cuentas argentino não tinha uma previsão constitucional, sendo regido apenas pelo Decreto-Ley nº 23.354. A Auditoría General de la Nación (AGN), assim como ocorre no Brasil, integra o Poder Legislativo, no controle da função administrativa do Estado, sob o aspecto legal e contábil, julgando as contas públicas. Todavia as reformas na função de fiscalização e controle dos atos da Administração na Argentina, que acompanharam o fim do regime militar, foi aperfeiçoado pela Ley nº 24.156, de 1992, Ley de Administración Financiera y de los Sistemas de Control del Sector Público Nacional, norma esta onde foram criados os principais órgão de controle, no âmbito interno a Sindicatura General de la Nación e no âmbito externo a Auditoria General de la Nacíon. Em decorrência das reformas consticionais a Auditoría General de la Nación hoje está prevista na Constituición de La Nación – AGN. Encontra-se instituída na Contitución de La Nación Argentina em sua Segunda Parte ("Autoridades de la Nación"), Título Primero ("Gobierno Federal"), Sección Primera ("Del Poder Legislativo"), Capítulo Sexto ("De la Autoritoría General de la Nación"), artigo 85, in verbis: “Artículo 85. El control externo del sector público nacional en sus aspectos patrimoniales, económicos, financieros y operativos, será una atribución propia del Poder Legislativo. El examen y la opinión del Poder Legislativo sobre el desempeño y situación general de la administración pública estarán sustentados en los dictámenes de la Auditoría General de la Nación. Este organismo de asistencia técnica del Congreso, con autonomía funcional, se integrará del modo que establezca la ley que reglamenta su creación y funcionamiento, que deberá ser aprobada por mayoría absoluta de los miembros de cada Cámara. El presidente del organismo será designado a propuesta del partido político de oposición con mayor número de legisladores en el Congreso. Tendrá a su cargo el control de legalidad, gestión y auditoría de toda la actividad de la administración pública centralizada y descentralizada, cualquiera fuera su modalidad de organización, y las demás funciones que la ley le otorgue. Intervendrá necesariamente en el trámite de aprobación o rechazo de las cuentas de percepción e inversión de los fondos públicos.” Registre-se que o controle será exercido a partir dos pareceres (dictámenes) da Auditoría General de la Nación, que terá autonomia funcional nos termos da lei, cujo presidente será designado pelo partido político de oposição com maior representatividade no Congresso. Conforme já salientado a Auditoría General de la Nación está disciplinada pela Ley 24.156, que dispões sobre Administración Financiera y de los Sistemas de Control del Sector Público Nacional. Entre os diversos dispositivos da Ley 24.156, estabelece no artigo 118 a competência para o julgamento de contas públicas ao final de cada exercício. A AGN poderá realizar esta atividade por si mesmo ou através de auditoria independente contratada para tanto, devendo estabelecer os parâmetros de idoneidade dos profissionais empregados nessa atividade e as normas técnicas a que estarão sujeitos. Esse artigo estabelece também a competência para o acompanhamento do registro patrimonial dos servidores públicos de alta hierarquia (ministro, secretário e subsecretário nacional, diretor nacional e máximas autoridades da administração indireta), que deve ser atualizado anualmente e quando da saída do cargo. A Lei de administração financeira e dos sistemas de controle do Estado, Lei 24.156, introduziu um novo enfoque de controle, ao estabelecer como objetivos gerais, entre outros, os critérios de economia, eficiência e eficácia. Isso permitiu a realização de uma auditoria mais abrangente das contas públicas argentinas, em relação aquelas realizadas até então, estabelecendo o artigo 120, a ampliação do campo de controle externo exercido pelo Congresso Nacional a todas as entidades que recebam verbas públicas, mesmo aquelas de natureza privada. Os servidores e demais pessoas físicas são pessoalmente responsabilizadas por danos ao Erário, quando constatados pela AGN, na hipótese de ser verificado dolo, culpa ou negligência no exercício de suas atividades, conforme disposto nos artigos 130 e 131 da Lei mencionada. O artigo 127 da Ley 24.156 estabelece, finalmente, que as atividades da AGN serão controladas pela Comisión Palamentaria Mixta Revisora de Cuentas. A Auditoría General de la Nación – AGN, bem como o Tribunal de Contas da União – TCU, têm responsabilidades constitucionais diretas de colaborar de forma decisiva na elaboração do perecer prévio, embora não vinculante, à análise anual das contas governamentais de nível federal. São órgãos independentes, mesmo quando existe um estreito vínculo especial com o Parlamento, distinguindo-se deste modo, dos órgãos de controle interno. São órgãos que têm por função o controle financeiro externo, porque independem do governo e não participam da administração, controle independente, não apenas no plano técnico, mas no plano jurídico-político e controle supremo, não se sujeitam a instruções nem a revisão por parte de qualquer outro órgão quanto ao conteúdo dos juízos que formulam. 6 CONCLUSÃO. Controlar a Administração Pública para contribuir com o seu aperfeiçoamento em benefício da sociedade, essa é a missão definida pelo TCU em seu mapa estratégico. Trata-se de uma missão desafiadora e de vanguarda, alinhada aos princípios que fundaram o Tribunal. Afinal, se o Supremo Tribunal é guardião da Constituição Federal do Brasil, o Tribunal de Contas da União é guardião do Tesouro Nacional, afinal, os recursos públicos são provenientes de impostos, pagos pelo contribuinte, que em última análise é quem financia toda a atividade do Estado. Não obstante, não se pode perder de vista que a corrupção, segundo as estimativas dos institutos que medem a percepção de confiança e a brurocratização dos Estados, custa ao Brasil, quase 41 bilhões de dólares por ano e, 69,9% das empresas do País identificam esse problema como um dos principais entraves para conseguirem penetrar com sucesso no Mercado Global. No índice de Percepção da Corrupção de 2014, criado pela organização não governamental – ong, Transparência Internacional, o Brasil etá classificado na 69ª posição entre os 175 países avaliados. Assim, no momento em que o Brasil experimenta um dos momentos mais dramáticos em termos de uma crise política e moral, vivenciada por dois recentes escândalos políticos e financeiros, sendo o primeiro conhecido como “Mensalão”, que envolveu a empresa estatal ECT – Empresa de Correios e Telégrafos, e que teve um julgamento inédito e a contento, no Supremo Tribunal Federal, STF, com 38 (trinta e oito) condenados. O segundo, que se encontra em fase de investigação, é outro escândalo conhecido como o “Petrolão – Operação Lava-Jato”, em que envolve a maior empresa estatal do Brasil, a Petrobrás e as empreiteiras contratadas, Camargo Corrêa, OAS, UTC/Constran, Odebrecht, Mendes Júnior, Engevix, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia e outras, com estimativas de bilhões de dólares envolvidos em corrupção.  Assim, uma vez assegurada à ampla defesa dos acusados pelas autoridades constituídas, devem os culpados, ao final, serem condenados, aplicando-se-lhes penas devidas e a provável prisão dos responsáveis ([18]). Porém isto não é motivo para esmorecer, pois, assim, já ocorreu na Itália na década de 1990, na Operação conhecida como Mãos Limpas ou Mani Pulite, numa investigação judicial de grande envergadura em que visava esclarecer casos de corrupção durante décadas aos intregrantes da Mafia Italiana, em relação ao Banco Ambrosiano, o Banco do Vaticano e a Loja Maçônica P2. Não foi dado trégua aos envolvidos, sendo que alguns políticos e industriais cometeram suicídio quando os seus crimes foram descobertos. A publicidade gerada pela operação Mãos Limpas acabou por deixar a opinião pública com a impressão de que a vida política e administrativa da cidade de Milão, e da própria Itália, estavam mergulhadas na corrupção, com pagamento de propina para concessão de todos os contratos do governo, sendo este estado de coisas, apelidado com a expressão Tangentopoli ou "cidade do suborno". Encerrado o processo, a operação Mãos Limpas envolveu a expedição de 2.993 mandados de prisão; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares. Posteriormente a sociedade italiana restabeleceu a confiança no Governo e na classe política. Desse modo, não remanescem dúvidas que atualmente é este o sentimento da opinião pública brasileira, de que vida política e administrativa da Petrobrás, do Governo Federal e de todo o Brasil, todos estão mergulhados em corrupção, o que é compreensvel, haja vista, a maciça e implacável divulgação da Operação Lava-jato, nos meios de comunicação, o que proporciona esta ampla visibilidade. Porém, com uma imprensa livre e responsável, com o compromisso fiel de sempre denunciar outros atos de corrupção, caberá, aos órgãos do Estado, de igual modo, como já ocorreu com o Mensalão, proceder as diligências até o ato final, com a condenação dos envolvidos, e, assim acontecendo, como já fez também a Itália na Operação Mãos Limpas ou Mani Pulite, propiciará o restabelecicmento da confiança e da credibilidade da sociedade perante o Governo e na classe política brasileira. Atualmente na Argentina, a ex-Presidente Cristina Kichener também está sendo alvo de fiscalizaão pelos paraticados durante sua gestão, pelas autoridades competentes, e, de certa forma, Auditoría General de la Nación – AGN, na função de fiscalização e controle dos atos da Administração, tem fundamental importância para a fiscalização e análise das contas públicas da ex-presidente. Pode, assim, contribuir com a investigação, com os demais órgãos de controle, inclusive do Poder Judiciário, responsáveis para apuração dos fatos que envolvem a ex-presidente da República da Argentina. Controlar a Administração Pública para contribuir com o seu aperfeiçoamento em benefício da sociedade. Essa é a missão definida pelo TCU em seu mapa estratégico. Trata-se de uma missão desafiadora e de vanguarda, alinhada aos princípios que fundaram o Tribunal, e isto contribui para a diminuição da prática da corrupção.  É missão do Tribunal de Contas, no caso Brasil, ou da Auditoría General de la Nación, na função de fiscalização e controle dos atos da Administração, é julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos das unidades dos poderes da União e das entidades da administração indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao Erário. Finalmente, vale observar que os Tribunais de Contas do Brasil e a Auditoría General de la Nación – AGN da Argentina têm compromissos legais e constitucionais para bem fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos. Registre-se também que a adoção das providências necessárias à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da Administração Pública Federal, práticas estas adotas pelos Tribunais de Contas, deverão estar alinhadas com as disposições da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (2003) e na Convenção Interamericana contra a Corrupção (1996). Finalmente, o Tribunal de Contas, ao zelar pela correta administração de bens e valores públicos, exerce uma atividade de suma importância para o Estado Democrático de Direito, o de garantidor dos interesses sociais. As competências conferidas ao Tribunal de Contas pelo texto Constitucional são dotadas de poder de polícia para viabilizar e efetivar sua função constitucional de controle da Administração Pública.   Advogado; Doutorando em Direito das Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília UNICEUB; Mestre em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL; Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Público no Curso de Direito da Faculda de de Ciências Sociais e Tecnológicas – FACITEC Brasília DF; Ex-professor de Direito Internacional Público da Universidade Metodista de São Paulo UMESP; Colaborador da Revista Âmbito Jurídico www.ambito-jurídico.com.br; Advogado Geral da Advocacia Geral da IMBEL AGI; Autor de Artigos e Livros entre eles 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e Soberania – O Quarto Poder do Estado ambos pela Cabral Editora e Livraria Universitária. Contato: [email protected]; [email protected].
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Condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa
O presente artigo tem por finalidade refletir acerca da possibilidade de condenação por dano moral decorrente de ato de improbidade administrativa. O trabalho abordará a posição dos doutrinadores e da jurisprudência a respeito do assunto, também será discutido o conceito de ato de improbidade e quem são os sujeitos do dano moral decorrente de ato de improbidade administrativa.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O trabalho em tela se propõe a analisar a possibilidade de condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa, através de uma interpretação da jurisprudência e doutrina pátrias. Essa temática não possui tipificação na Lei de Improbidade Administrativa, entretanto, é assunto bastante debatido nos tribunais pátrios. Inicia-se conceituando e caracterizando a improbidade administrativa e o dano moral; em seguida será abordada a diferença entre as sanções previstas na Lei 8429/92 e a indenização por danos morais. Em seguida será analisada, com base na doutrina e em entendimentos jurisprudenciais a possibilidade de condenação por dano moral nas ações de improbidade administrativa, sendo, por fim, definidos os sujeitos passivos do dano moral resultante do ato de improbidade. 1 CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO 1.1 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Há na Constituição Federal dispositivos que tratam da improbidade, como o artigo 14 , §9º (cuida da improbidade administrativa em período eleitoral), artigo 15 , V (veda a cassação de direitos políticos, permitindo apenas a suspensão em caso de improbidade), artigo 85 , V (tipifica a improbidade do Presidente da República como crime de responsabilidade) e artigo 37 , §4º (dispõe algumas medidas aplicadas em caso de improbidade). O art. 37, §4º, da Constituição Federal brasileira, informa que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Na doutrina, não há uma uniformidade no que tange ao conceito de improbidade administrativa. Pazzaglini Filho, Rosa e Fazzio Júnior (1997, p. 37) conceituam a improbidade administrativa associando-a à corrupção administrativa, à promoção do desvirtuamento da Administração Pública e à afronta aos princípios nucleares da ordem jurídica. Mencionam, ainda, que ela se revela pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pela prática de tráfico de influência e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade. Para Vhoss (2008, p. 52), a melhor forma para condensar a ideia cerne da improbidade administrativa é extrair o sentido de probidade a partir da observância plena dos princípios que devem nortear a Administração e, tendo em mente que a improbidade é antônima da probidade, definir aquela como o resultado da inobservância dos princípios norteadores da Administração. Garcia (2012, p. 172) afirma: “Improbidade não guarda identidade com imoralidade e muito menos é por ela absorvida”. Para o referido autor, o acerto dessa afirmação resulta da exegese do art. 37 da Constituição da República, que enunciou um extenso rol de regras e princípios vinculantes para a Administração Pública e, em seu § 4º, conferiu ao Legislativo plena liberdade de conformação para definir o que seriam atos de improbidade. A Lei 8.429/92, regulamentando o art. 37, §4º, da Constituição Federal, passou a enumerar, em seus arts. 9º, 10 e 11, os atos de improbidade administrativa que o legislador optou por tipificar. No art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa[1], ganharam tipificação atos de improbidade administrativa que ocasionem enriquecimento ilítico. Consiste em auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades públicas ou privadas criadas ou controladas pelo Poder Público, que ele participe ou tenha participado, ou mesmo que dele recebam benefício. Já no art. 10 da Lei 8.429/922[2], foram tipificados atos que causam prejuízo ao erário, correspondem a qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades mencionadas acima. Por sua vez, no art. 11 da Lei 8.429/923[3], houve tipificação dos atos comissivos e omissivos que importem em violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições administrativas, representando atentado contra os princípios relacionados à Administração Pública. Sintetizando, improbidade administrativa é o termo técnico para conceituar corrupção administrativa, ou seja, o que é contrário à honestidade, à boa-fé, à honradez, à correção de atitude. O ato de improbidade, nem sempre será um ato administrativo, poderá ser qualquer conduta comissiva ou omissiva praticada no exercício da função ou fora dela. 1.2 DANO MORAL A tese relativa à indenização pelo dano moral decorrente de ofensa à honra, imagem, violação da vida privada e intimidade das pessoas somente foi acolhida expressamente no ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988 (artigo 5º, incisos V e X), fazendo parte do rol dos direitos fundamentais. Existem inúmeras definições na doutrina pátria para o dano moral. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona o conceituam como “lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003, p. 55). Neste mesmo sentido, Maria Helena Diniz estabelece o dano moral como “a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo ato lesivo”. (DINIZ, 2003, p. 84). O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, ao conceituar o dano moral assevera que: “Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação” (GONCALVES, 2009, p.359). Nestes termos, também leciona Nehemias Domingos de Melo “dano moral é toda agressão injusta aqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa jurídica, insuscetível de quantificação pecuniária”. (MELO, 2004, p. 9). Para Garcia (2012, p 177), dano moral pode ser conceituado como um dano extrapatrimonial, atingindo, fundamentalmente, os direitos da personalidade. Tais direitos estão assentados num referencial de humanidade e são insuscetíveis de exata mensuração econômica. O dano moral é uma violação à integridade física, psíquica, privacidade, intimidade, honra, imagem, dentre outros. Dano moral, em síntese, é uma lesão aos direitos da personalidade, cujo conteúdo não é pecuniário, pelo menos não de imediato. Danos morais são as perdas sofridas por um ataque à moral e à dignidade das pessoas, caracterizados como uma ofensa à reputação da vítima. Qualquer perda que abale à honra pode ser caracterizada como dano moral. No que diz respeito às pessoas jurídicas, a possibilidade de reparação por dano moral sofrido por elas já foi objeto de inúmeras controvérsia, porém, hodiernamente, já se consolidou tal possibilidade. Inclusive, esse entendimento já está na súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça, cujo enunciado afirma que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral. Conforme ensina Emerson Garcia (2012, p. 180): “É indiscutível que determinados atos podem diminuir o conceito da pessoa jurídica junto à comunidade, ainda que não haja uma repercussão imediata sobre o seu patrimônio. Existindo o dano não-patrimonial ou moral, o que se constata a partir da avaliação da conduta tida como ilícita e das regras de experiência, deve ser promovido o seu ressarcimento integral, o que será feito com o arbitramento de numerário compatível com a qualidade dos envolvidos, as circunstâncias da infração e a extensão do dano, tudo sem prejuízo da reparação das perdas patrimoniais”. Já em, relação à pessoas jurídicas de direito público, vejamos as lições de Garcia e Alves (2011, p. 533): “Do mesmo modo que a as pessoas jurídicas de direito privado, as de direito público também gozam de determinado conceito junto à coletividade, do qual muito depende o equilíbrio social e a subsistência de várias negociações, especialmente em relação: a) aos organismos internacionais em virtude dos constantes empréstimos realizados; b) aos investidores nacionais e estrangeiros, ante a frequente emissão de títulos da dívida pública para a captação de receita; c) à iniciativa privada, para a formação de parcerias; d) às demais pessoas jurídicas de direito público, o que facilitará a obtenção de empréstimos e a moratória de dívidas já existentes”. Segue julgado no mesmo sentido, afirmando ser perfeitamente cabível o dano moral contra a pessoa jurídica de direito público: “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. MULTA CIVIL. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. (…) 4. A aferição de tal dano deve ser feita no caso concreto com base em análise detida das provas dos autos que comprovem efetivo dano à coletividade, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a atividade administrativa. (…) 6. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte.” (Fonte: STJ, RESP nº 960926 / MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ Data: 18/03/2008) Entretanto, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu que não é possível que um ente público seja indenizado por dano moral sob a alegação de que sua honra ou imagem foram violadas[4]. No caso concreto, o município de João Pessoa pretendia receber indenização da Rádio e Televisão Paraibana Ltda., sob a alegação de que a empresa teria atingido, ilicitamente, sua honra e imagem. Segundo alegou o município, os apresentadores da referida rede de Rádio e Televisão teriam feito diversos comentários que denegriram a imagem da cidade. Entre os comentários mencionados na petição inicial estava o de que a Secretaria de Educação e o seu secretário praticavam maus-tratos contra alunos da rede pública. Ao analisar o recurso do Município, o Min. Luis Felipe Salomão ressaltou que o STJ admite apenas que pessoas jurídicas de direito PRIVADO possam sofrer dano moral, especialmente nos casos em que houver um descrédito da empresa no mercado pela divulgação de informações desabonadoras de sua imagem. Para o STJ, contudo, não se pode admitir o reconhecimento de que o Município pleiteie indenização por dano moral contra o particular, considerando que isso seria uma completa subversão da essência dos direitos fundamentais. Seria o Poder Público se valendo de uma garantia do cidadão contra o próprio cidadão. Dentre os pensamentos citados, o Professor Almiro do Couto e Silva, em seu brilhante artigo (Notas Sobre O Dano Moral No Direito Administrativo, p.14), entende não ser possível o Estado como pessoa jurídica de direito público ser vítima do dano moral. Afirma com maestria que: “Ao admitir-se uma honra objetiva do Estado, que é pressuposto do dano moral, alimenta-se o Leviatã que o Estado de Direito visou a extirpar. Honra do Estado, razões de Estado, segurança do Estado foram sempre, na história da humanidade, conceitos indeterminados utilizados muito mais em detrimento do povo, de onde emana todo poder de nosso Estado, segundo a fórmula clássica, do que em seu favor ou benefício”. Assevera, nesta linha de raciocínio, o Eminente Professor: “Bem se compreende, portanto, que entre pessoas cuja honra e imagem são invioláveis pela Constituição não se inclui o Estado. A ele não se aplica o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal, o qual tem como destinatários, exclusivamente, as pessoas privadas. No concernente ao Estado, por via de consequência, a crítica é livre, porque é livre a expressão de pensamento. Não há que falar, igualmente, em dano moral, pois a honra e imagem do Estado não estão protegidas pela Constituição”. (grifos propositais) Conforme exposto, em que pese decisões divergentes no âmbito do próprio STJ, o entendimento mais atual é de que não cabe dano moral contra o Estado. 2 AS SANÇÕES PREVISTAS NA LEI Nº 8.429 E A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS O agente que pratica qualquer dos atos de improbidade administrativa está sujeito à sanção criminal, punição administrativa, multa civil ou perda da função pública. Para alguns doutrinadores, a sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa já se prestam a reparar o eventual dano moral causado. Para outros, as sanções não tem o condão de reparar o dano extrapatrimonial, devendo, por isso, o sujeito passivo ser indenizado. Segundo afirma o Professor José Dos Santos Carvalho (2009, p. 1032), existe grande confusão doutrinária no que tange à definição precisa e ao cabimento das sanções: “No entendimento de alguns, porém, a multa civil e a perda de bens já refletem e englobam esse tipo de indenização. Segundo outros, o autor do dano tanto se sujeita a reparação por dano moral, como às demais sanções, posição que nos parece mais congruente com o sistema punitivo da Lei de Improbidade.” (grifos aditados). Maria Silvia di Pietro (2003, p.190) faz as seguintes considerações a respeito do tema: “Quanto ao ressarcimento do dano, constitui uma forma de recompor o patrimônio do lesado. Seria cabível ainda que não previsto da Constituição, já que decorre do artigo 159 do Código Civil de 1916, que consagra, no direito positivo, o princípio geral de direito segundo o qual quem quer que cause dano a outrem é obrigado a repará-lo. A norma repete-se no artigo 186 do Código Civil de 2002, com o acréscimo de menção expressa ao dano moral.” Sendo assim, alguns entendem que a multa civil e a perda de bens já refletem e englobam esse tipo de indenização. Já para outros, o autor do dano tanto se sujeita a reparação por dano moral, como às demais sanções. O dano moral causado à Administração Pública quando da prática de ato de improbidade administrativa não se confunde com seus reflexos materiais. Se a legitimidade da Administração Pública é maculada, o dano moral já está configurado, ao contrário do dano material, que necessita de efetiva e comprovada perda pecuniária. Conforme leciona Vhoss (2008, p. 91), essa restauração não é necessariamente atingida com a imposição de multa ou outras sanções aos envolvidos com tal ato, já que a multa e as sanções têm um caráter punitivo que implica agravamento da situação do agente envolvido na prática do dano, como desestímulo a que ele e outros optem por tal prática. No caso, o agravamento da situação do agente não necessariamente se equipara à restauração do patrimônio moral da vítima do dano. 3 A CONDENAÇÃO POR DANO MORAL NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – Posição da Doutrina e da jurisprudência Através da súmula 227, do STJ, confirmou-se o cabimento da indenização do dano moral contra pessoa jurídica, não existindo qualquer dúvida no direito contemporâneo. Pablo Stolze (2009, p.80) afirma que: "se é certo que jamais uma pessoa jurídica terá vida privada, mais evidente ainda é que ela pode e deve zelar pelo seu nome e imagem perante o público alvo, sob pena de perder largos espaços na acirrada concorrência de mercado." Em sentido idêntico, sem fazer restrição quanto à natureza jurídica da pessoa jurídica afetada, Sílvio De Salvo Venosa (2009, p. 295 e 296) afirma: “Durante muito tempo a doutrina mais antiga, com base na ofensa dos direitos personalíssimos refutou a ideia de possibilidade de dano moral à pessoa jurídica. Em princípio, todo dano que possa sofrer a pessoa jurídica terá um reflexo patrimonial. … Em se tratando de pessoa jurídica, o dano moral de que é vítima atinge seu nome e tradição de mercado e terá sempre repercussão econômica, ainda que indireta”. Fazzio Júnior (2001, p. 305) afirma que "quando o sujeito passivo é ente da administração indireta ou fundacional, pode ter sua imagem seriamente lesionada pela atuação do prefeito. Não é só de dano ao erário que cuida a LIA". O referido autor não vê por que não possa o Ministério Público promover ação civil pública para conseguir o ressarcimento de dano moral causado por ato de improbidade do prefeito contra, por exemplo, empresa pública ou fundação pública municipal. A jurisprudência pátria admite a possibilidade de condenação por dano moral decorrente de ato de improbidade administrativa[5]. O STJ já afirmou ser perfeitamente cabível o dano moral contra a pessoa jurídica de direito público: “ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. MULTA CIVIL. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. 1. Afastada a multa civil com fundamento no princípio da proporcionalidade, não cabe se alegar violação do artigo 12, II, da LIA por deficiência de fundamentação, sem que a tese tenha sido anteriormente suscitada. Ocorrência do óbice das Súmulas 7 e 211/STJ. 2. "A norma constante do art. 23 da Lei nº 8.429 regulamentou especificamente a primeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal. À segunda parte, que diz respeito às ações de ressarcimento ao erário, por carecer de regulamentação, aplica-se a prescrição vintenária preceituada no Código Civil (art. 177 do CC de 1916)" REsp 601.961/MG, Rel. Min. João Otávio . de Noronha, DJU de 21.08.07. 3. Não há vedação legal ao entendimento de que cabem danos morais em ações que discutam improbidade administrativa seja pela frustração trazida pelo ato ímprobo na comunidade, seja pelo desprestígio efetivo causado à entidade pública que dificulte a ação estatal. 4. A aferição de tal dano deve ser feita no caso concreto com base em análise detida das provas dos autos que comprovem efetivo dano à coletividade, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a atividade administrativa. 5. Superado o tema da prescrição, devem os autos retornar à origem para julgamento do mérito da apelação referente ao recorrido Selmi José Rodrigues e quanto à ocorrência e mensuração de eventual dano moral causado por ato de improbidade administrativa. 6. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte.” (STJ – REsp: 960926 MG 2007/0066794-2, Relator: Ministro CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 18/03/2008, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/04/2008) Assim, de acordo com a doutrina majoritária e com o STJ (Resp 960926/MG, 2ª Tuma, j. 18/03/2008), é possível a condenação do agente público ao ressarcimento dos danos morais quando a sua conduta ímproba causa desprestígio à entidade pública lesada. Isso porque o STJ consolidou o entendimento de que as pessoas jurídicas podem sofrer dano moral (súmula 227) e a defesa da probidade administrativa tem natureza de direito difuso, passível de tutela por meio de ação civil pública, sendo que a Lei 7.347/1985 prevê expressamente em seu art. 1º a possibilidade de reparação dos danos morais. Todavia, hodiernamente, revendo seu posicionamento, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu que não é possível que um ente público seja indenizado por dano moral sob a alegação de que sua honra ou imagem foram violadas[6]. É importante consignar que tal matéria não encontra-se pacificada, tendo em vista que ainda não foi submetida ao Plenário da Corte. 4 OS SUJEITOS PASSIVOS DO DANO MORAL RESULTANTE DE ATO DE IMPROBIDADE Em que pese tratar-se de matéria controvertida, o ato de improbidade administrativa, em tese, enquanto prática prejudicial ao patrimônio público, pode ensejar a configuração de um dano extrapatrimonial que alcançará tanto a pessoa jurídica de direito público quanto a própria coletividade. 4.1 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Ocorrendo danos morais decorrentes de atos de improbidade, um dos sujeitos passivos é a própria Administração Pública, seja ela direta ou indireta, uma vez que tais atos maculam o direito que possui a Administração Pública de ver respeitados, os princípios constitucionais e interferem negativamente em sua reputação, respeitabilidade e confiabilidade perante o cidadão administrado. Havendo dano moral causado à Administração Pública por ato de improbidade administrativa, eventual condenação em dinheiro deverá reverter à pessoa jurídica lesada,tal qual preceitua o art. 18 da Lei n. 8.429/1992 . 4.2 A COLETIVIDADE Uma dificuldade pertinente à reparação do dano moral coletivo é constatada pelo fato de a Lei n. 8.429/1992 somente abordar os danos causados ao patrimônio das pessoas jurídicas referidas em seu art. 1º , o que poderia não incluir o dano moral causado à coletividade. Para contornar o obstáculo, segundo Garcia e Alves (2011, p. 537), "deve-se observar que o patrimônio público, de natureza moral ou patrimonial, em verdade, pertence à própria coletividade, o que, ipso facto, demonstra que qualquer dano causado àquele erige-se como dano causado a esta". O reconhecimento do dano moral enquanto dano in actio ipsa, o que dispensa a demonstração da efetiva dor e sofrimento, exigindo, apenas, a prova da conduta tida como ilícita, é um claro indicativo da possibilidade de sua defesa no plano transindividual, volvendo o montante da indenização em benefício de toda a coletividade, que é vista em sua inteireza, não dissecada numa visão anatômica, pulverizada entre os indivíduos que a integram. Para que seja demonstrada a existência e a possibilidade de reparação do dano moral coletivo, sequer é preciso recorrer à figura dos danos punitivos ("punitive damages"). Danos à moralidade e probidade, além do prejuízo de ordem material, que é medido valorando o custo estimado para a recomposição do status quo, causam evidente comoção no meio social, sendo passíveis de caracterizar um dano moral coletivo. De toda forma, por ter a defesa da probidade administrativa natureza de DIREITO DIFUSO, cabe dano moral coletivo, argumento também utilizado pela STJ. A indenização do dano moral causado à coletividade por ato de improbidade administrativa não deve reverter à pessoa jurídica lesada, nesse caso deve-se aplicar o disposto no art. 13 da Lei nº 7.347/85 (“Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo…”). CONSIDERAÇÕES FINAIS O atos de improbidade administrativa violam os princípios da Administração Pública e têm como consequências, além de enriquecimento ilícito de alguma pessoa ou da provocação de dano ao patrimônio público, um dano moral, qual seja, o dano à legitimidade da Administração Pública. Atualmente o direito à indenização por dano moral está consagrado no artigo 5º da Constituição Federal. Apesar disso, continua sendo um tema controvertido, sobretudo em relação aos critérios para quantificação desta indenização e a sua possível banalização, havendo inclusive aqueles que afirmam existir uma indústria do dano moral. A reparação do dano moral causado à Administração Pública decorrente da prática de ato de improbidade administrativa pode ser pleiteada, mas deve-se observar o princípio da proporcionalidade, de modo a não se desconsiderar que algumas violações a princípios atinentes à improbidade administrativa podem se dar com menor carga de intencionalidade e com repercussão econômica pouco significativa. Sendo assim, é preciso aferir até quanto é compensatória e produtiva a busca pela reparação. Os valores de ordem não material, tais quais a legitimidade, a respeitabilidade, a honorabilidade, a dignidade, a boa imagem, são juridicamente tutelados e, quando violados, ensejam podem ensejar a caracterização de um dano que deve ser integralmente reparado, em que pese entendimento recente do STJ repelindo tal entendimento. Por fim, em relação aos sujeito ativos do DANO MORAL RESULTANTE DE ATO DE IMPROBIDADE, há controvérsias se eventual condenação em dinheiro deverá reverter à pessoa jurídica lesada, tal qual preceitua o art. 18 da Lei n. 8.429/1992, ou, se não deve reverter à pessoa jurídica lesada, nesse caso devendo-se aplicar o disposto no art. 13 da Lei nº 7.347/85 (“Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo…”).
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A possibilidade de destombamento do patrimônio cultural: ponderações inaugurais
Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural e robusta dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se concretize um cenário caracterizado por aspecto caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais. Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6]. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca: “Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7]. Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos de terceira dimensão são impregnados densamente pelo aspecto de solidariedade e fraternidade, extrapolando o indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como algo singular que reclama a adoção de direitos que salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais. Verifica-se, nesta esteira, a adoção de valores calcados em solidariedade, elevados à condição de sustentáculo da contemporaneidade, concebendo a coletividade como algo uno, superando o clássico pensamento individual que tende a refletir as primeiras gerações dos direitos humanos. 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10]. Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que: “[…] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12]. É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que: “A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras […] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15]. O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma. Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.      Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica, considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável, além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do justo equilíbrio 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios Em sede de comentários introdutórios, cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar, por imperioso, que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas. Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS: “Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192). Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população. O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana. 4 Tombamento Ambiental 4.1 Conceito e Característicos Em uma primeira plana, cuida salientar que o tombamento se apresenta como um dos instrumentos utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato administrativo que visa à preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico”[23]. Fiorillo anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o bem cultural”[24]. Desta sorte, a utilização do tombamento como mecanismo de preservação e proteção do patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à cultura, substancializando verdadeiro instrumento de tutela do meio ambiente. Com realce, o instituto em comento se revela, em sede de direito administrativo, como um dos instrumentos criados pelo legislador para combater a deterioração do patrimônio cultural de um povo, apresentando, em razão disso, maciça relevância no cenário atual, notadamente em decorrência dos bens tombados encerrarem períodos da história nacional ou, mesmo, refletir os aspectos característicos e identificadores de uma comunidade. À luz de tais ponderações, é observável que a intervenção do Ente Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural, busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o tombamento permite que o aspecto histórico seja salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura do povo e representa a fonte sociológica de identificação de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos existentes na atualidade. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[25]. Desta feita, o proprietário não pode, em nome de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre seus bens, se estes se traduzem em interesse público por atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural, científica, turística e paisagística. “São esses bens que, embora permanecendo na propriedade do particular, passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo proprietário”[26]. Os exemplos de bens a serem tombados são extremamente variados, sendo os mais comuns os imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas na história pátria, dos quais podem os estudiosos e pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do passado e desenvolver outros estudos com vistas a proliferar a cultura do país. Além disso, é possível evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam: “Ementa: Direito Constitucional – Direito Administrativo – Apelação – Preliminar de não conhecimento – Inovação Recursal – Ausência de Documentos     Indispensáveis para propositura da Ação – Não Configuração – Pedido de Assistência Judiciária – Indeferimento – Ação Civil Pública – Dano ao Patrimônio Histórico e Cultural – Edificação em imóvel localizado no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto – Tombamento – Aprovação do IPHAN – Inexistência. […] – O Município de Ouro Preto foi erigido a Monumento Nacional pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e inscrito pela UNESCO na lista do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em 21/09/80, e a cidade teve todo o seu Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se de fato notório, conhecido pela apelante e por qualquer pessoa, de forma que não se pode afirmar que o processo de tombamento do Conjunto Arquitetônico do referido Município seja um documento indispensável para a propositura da presente ação civil pública. – O imóvel que faz parte do Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e integra o Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da cidade, deve ser conservado por seu proprietário, e qualquer obra de reparo de tal bem deve ser precedida de autorização do IPHAN, sob pena de demolição”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/ Relator: Desembargador Moreira Diniz/ Julgado em 12.06.2008/ Publicado em 26.06.2008). “Ementa: Ação popular. Instalação de quiosques no entorno de praças municipais. Tombamento preservado. Inocorrência de ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O fato de as praças municipais serem tombadas, como partes do Patrimônio Histórico e Cultural do Município de Paraisópolis, não podendo, consequentemente, serem ocupadas ou restringidas em sua área, para outras finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não impede a instalação, ao arredor delas, de quiosques de alimentação, porquanto o tombamento se limitou às praças, e não ao entorno delas. Assim, não há ofensa ao patrimônio ambiental cultural. A instalação dos referidos quiosques não configura abalo de ordem ambiental, visto que não houve lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação – alteração adversa – do equilíbrio ecológico do local.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quinta Câmara Cível/ Apelação Cível/Reexame Necessário N° 1.0473.03.000617-4/001/ Relatora: Desembargadora Maria Elza/ Julgado em 03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005). É verificável que a proteção dos bens de interesse cultural encontra respaldo na Constituição da República Federativa do Brasil[27], que impõe ao Estado o dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado, nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto de bens materiais e imateriais necessários à exata compreensão dos vários aspectos ligados os grupos formadores da sociedade brasileira”[28]. O Constituinte, ao insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. “Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária – até definitiva solução da questão em exame – essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é irreversível”[29]. Resta patentemente demonstrado que o tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder Público do valor histórico, artísticos, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio”[30]. O tombamento é um dos institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio histórico e artístico nacional, que implica na restrição parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar a proeminente natureza do instituto em comento, é possível transcrever os arestos que se coadunam com as ponderações estruturadas até o momento: “Ementa: Constitucional e Administrativo. Mandado de segurança. Imóvel. Valor histórico e cultural. Declaração. Município. Tombamento. Ordem de demolição. Inviabilidade. São deveres do Poder público, nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e 216, §1º, da Constituição Federal, promover e proteger o patrimônio cultural, artístico e histórico, por meio de tombamento e de outras formas de acautelamento e preservação, bem como impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de bens de valor histórico, artístico e cultural. Demonstrada, no curso do mandado de segurança, a conclusão do procedimento administrativo de tombamento do imóvel, com declaração do seu valor histórico e cultural pelo Município, inviável a concessão de ordem para sua demolição. Rejeita-se a preliminar e nega-se provimento ao recurso”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0702.02.010330-6/001/ Relator: Desembargador Almeida Melo/ Julgado em 15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004). “Ementa: Tombamento – Patrimônio Histórico e Cultural – Imóvel reputado de valor histórico pelo município onde se localiza – Competência Constitucional dele para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o Município, mediante tombamento, preserve imóvel nele situado e que considere de valor histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso III, da Lei Fundamental da República, que a ele – Município, atribui a competência para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade, com seus hábitos e culturas próprios, cabe aferir, atendidas as peculiaridades locais, acerca do valor histórico-cultural de seu patrimônio, com o escopo, inclusive, de também preservá-lo.” (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/ Embargos Infringentes 1.0000.00.230571-2/001/ Relator: Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004) O diploma infraconstitucional que versa acerca do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937[31], que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, trazendo à baila as disposições elementares e a fisionomia jurídica do instituto do tombamento, inclusive no que toca aos registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o diploma ora aludido traça tão somente as disposições gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do tombamento. Entrementes, este se consumará por meio de atos administrativos específicos, destinados a propriedades determinadas, atento às particularidades e peculiaridades do bem a ser tombado. 4.2 Natureza Jurídica Acalorados são os debates que discutem a natureza jurídica do instituto do tombamento, entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada[32], dotado de fisionomia própria e impassível de confusão com as demais espécies de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado, consistente na restrição ao uso de propriedades determinadas. No que se refere à natureza do ato, em que pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele constante. Entrementes, no que concerne à valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística, cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é privativa da Administração. “A escolha do bem de patrimônio cultural que será tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial”[33]. Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta as ponderações vertidas até o momento: “Ementa: Mandado de Segurança – Tombamento de bem imóvel – Ilegitimidade ativa – Constituição há menos de um ano – Artigo 5º, LXX, alínea „b' da Constituição Federal – Poder discricionário da Administração para decretar o tombamento – Processo extinto – Art. 267, VI do CPC. […] . O tombamento de prédio considerado de interesse histórico, artístico ou cultural, é ato discricionário do Administrador, sendo descabida a intervenção do Poder Judiciário no processo de tombamento, quando não demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo improvido”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 14.12.2004/ Publicado em 30.12.2004). “Ementa: Agravo. Liminar em mandado de segurança. Tombamento de bem imóvel. O poder discricionário da autoridade administrativa vale, na medida em que o ordenamento jurídico concede ao administrador a prerrogativa de agir movido pelos critérios de oportunidade e conveniência, sopesados com parcimônia para que o fim último seja alcançado. Descabimento da intervenção do Judiciário no processo de tombamento, indemonstrada, ""prima facia"", irregularidade no mesmo. Agravo provido, para cassar a liminar”. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/ Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/ Julgado em 03.02.2004/ Publicado em 20.02.2004). Da mesma forma, é cabível, ainda, a observação de que o tombamento constitui um ato administrativo, sendo imperioso, por via de consequência, que apresente todos os elementos necessários para materializar a moldura de legalidade. O tombamento, enquanto instituto do direito administrativo, não acarreta a produção de todo um procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato resulta necessariamente de procedimento administrativo e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação. Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação, ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades prévias. 5 A Possibilidade de Destombamento do Patrimônio Cultural: Ponderações Inaugurais Em alinho às ponderações aventadas até o momento, cuida assinalar que o destombamento – também nominado de cancelamento do tombamento -, é medida excepcional, devendo observar alguns parâmetros, com o escopo de evitar distorções em sua aplicação e violações aos princípios constitucionais culturais e, sobremodo, impliquem afronta aos direitos culturais consagrados pela Constituição de 1988, a exemplo do corolário da preservação do patrimônio cultural. Com destaque, é imperioso ressaltar que o cancelamento do tombamento não apenas afasta a proteção conferida, mas também promove a desvalorização da coisa tombada, porquanto retira o manto protetor e a moldura de patrimônio, motivo pelo qual, repise-se, deve ser utilizado em situações excepcionais. Ora, comumente, o destombamento se dá a partir de dois atos administrativos: o primeiro tem assento quando o próprio órgão que tombou cancela o processo de tombamento e promove a exclusão do bem cultural do Livro do Tombo, por diversos interesses, tais como pressão exercida pelo proprietário contra o ato de proteção oficial, devido a possibilidade de alienação do imóvel ou, ainda, para assegurar a modernização de uma cidade e, para finalizar, publica-se no Diário Oficial da União, do Estado ou do Município. Em complemento, quando há o cancelamento do tombamento, o procedimento adotado é voltado para a averbação do cancelamento no Livro do Tombo, mantendo-se a inscrição de tombamento intacta, com o intuito de manter o registro histórico e documental de tal ato. Neste jaez, um dos principais pilares condicionantes para aplicação do cancelamento do tombamento repousa na premissa que tal ato deve ser precedido não apenas de manifestação do conselho, mas de mecanismos que assegurem a participação popular no processo decisório, a exemplo do que preconiza as contemporâneas políticas culturais e, maiormente, as políticas de patrimônio, por meio do conceito de referência cultural. Sendo assim, as principais hipóteses de aplicação do cancelamento de tombamento são: (i) perecimento da coisa tombada; (ii) desaparecimento do valor; e (iii) atendimento de interesse público superveniente. A primeira possibilidade está atrelada à inexistência física da coisa tombada, ocasionada por fatores naturais ou similares, não se admitindo, entretanto, destombamento decorrente de qualquer ação dolosa com o fito de causar dano irreversível ao patrimônio cultural, sem prejuízo da responsabilização civil e criminal para tais atos. É importante ressalvar, pois, infelizmente, não são raros os casos em que se destrói o patrimônio cultural, intencionalmente, a fim de extinguir a coisa tombada, no intuito de se driblar a proteção conferida, em razão da impossibilidade de aplicação do tombamento sobre coisa não corpórea. A segunda hipótese está vinculada ao desaparecimento do valor atribuído à coisa, levando-se em consideração que o valor se altera no tempo e no espaço, podendo, em casos excepcionais, ser retirado da coisa por meio de critérios técnico-científicos, em processo administrativo próprio, com participação popular e respaldo do conselho consultivo. A terceira hipótese – tomada com ressalvas – é a mais comum e que merece maior aprofundamento, isto é, o possível cancelamento de tombamento com vistas a atender interesse público superveniente ao direito cultural – direito difuso – de preservação ao patrimônio cultural. Na segunda forma de destombamento, o Poder Judiciário promoverá o cancelamento da Resolução de Tombamento, ainda que não haja consentimento do órgão responsável pela proteção oficial e dos proprietários.
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Comentários ao princípio da licitação sustentável: o reconhecimento dos influxos do meio ambiente ecologicamente equilibrado no procedimento licitatório
Contemporaneamente, há que se reconhecer o relevo assumido pelos debates envolvendo a necessidade de proteção do meio ambiente, sobretudo com o escopo, no território nacional, de imprimir substância ao princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, expressamente entalhado no artigo 225 da Carta de 1988. Logo, fez-se urgente a estruturação de decisões das autoridades governamentais com o escopo de obstar a degradação do ambiente. Além disso, a busca pela sustentabilidade não abarca apenas uma preocupação ambiental em seu sentido mais estrito, compreendendo, também, diversas outras acepções sociais e econômicas. O desenvolvimento sustentável partilha a ideia de uma sociedade mais justa com a redistribuição de recursos como incentivo ao crescimento econômico. Denota-se, nesta linha de exposição, que a integração entre o meio ambiente e o desenvolvimento deve ocorrer em todos os níveis de tomada de decisão, sendo que o Estado desempenha papel fundamental, pois se revela detentor de fortes instrumentos de fomento do mercado na produção e consumo de bens mais sustentáveis como a implementação de políticas e o uso consciente de seu poder de compra. Neste aspecto, o presente visa estabelecer uma análise da licitação sustentável, tendo como filtros de exame o corolário constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado e o princípio do desenvolvimento sustentável.
Direito Administrativo
1 Comento Introdutório: A Ciência Jurídica à luz do Pós-Positivismo Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas. Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais. Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis. Nesta tela, retratam-se os princípios jurídicos como elementos que trazem o condão de oferecer uma abrangência rotunda, albergando, de modo singular, as distintas espécies de normas que constituem o ordenamento pátrio – normas e leis. Os princípios passam a constituir verdadeiros estandartes pelos quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[4]. Como consequência do expendido, tais cânones passam a desempenhar papel de super-normas, ou seja, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”[5]. Por óbvio, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação Administrativa do Direito. 2 A Classificação dos Princípios no Direito Administrativo Escorando-se no espancado alhures, faz-se mister ter em conta que o princípio jurídico é um enunciado de aspecto lógico, de característico explícito ou implícito, que, em decorrência de sua generalidade, goza de posição proeminente nos amplos segmentos do Direito, e, por tal motivo, de modo implacável, atrela o entendimento e a aplicação das normas jurídicas à sua essência. Com realce, é uma flâmula desfraldada que reclamada a observância das diversas ramificações da Ciência Jurídica, vinculando, comumente, aplicação das normas abstratas, diante de situações concretas, o que permite uma amoldagem das múltiplas normas que constituem o ordenamento aos anseios apresentados pela sociedade. Gasparini, nesta toada, afirma que “constituem os princípios um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a validade” [6]. Nesta senda, é possível analisar a prodigiosa tábua principiológica a partir de três órbitas distintas, a saber: onivalentes ou universais, plurivalentes ou regionais e monovalentes. Os preceitos acampados sob a rubrica princípios onivalentes, também denominados universais, têm como traço peculiar o fato de ser comungado por todos os ramos do saber, como, por exemplo, é o caso da identidade e da razão suficiente. É identificável uma aplicação irrestrita dos cânones às diversificadas área do saber. Já os princípios plurivalentes (ou regionais) são comuns a um determinado grupo de ciências, no qual atuma como agentes de informação, na medida em que permeiam os aportes teórico-doutrinários dos integrantes do grupo, podendo-se citar o princípio da causalidade (incidente nas ciências naturais) e o princípio do alterum non laedere (assente tanto nas ciências naturais quanto nas ciências jurídicas). Os princípios classificados como monovalentes estão atrelados a tão somente uma específica seara do conhecimento, como é o caso dos princípios gerais da Ciência Jurídica, que não possuem aplicação em outras ciências. Com destaque, os corolários em comento são apresentados como axiomas cujo sedimento de edificação encontra estruturado tão somente a um segmento do saber. Aqui, cabe pontuar a importante observação apresentada por Di Pietro que, com bastante ênfase, pondera “há tantos princípios monovalentes quantas sejam as ciências cogitadas pelo espírito humano” [7]. Ao lado disso, insta destacar, consoante entendimento apresentado por parte da doutrina, que subsiste uma quarta esfera de princípios, os quais são intitulados como “setoriais”. Prima evidenciar, com bastante destaque, que os mandamentos abarcados pela concepção de dogmas setoriais teriam como singular aspecto o fato de informarem os múltiplos setores que integram/constituem uma determinada ciência. Como robusto exemplo desse grupo, é possível citar os princípios que informam apenas o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Administrativo, dentre outros. Tecidas estas ponderações, bem como tendo em conta as peculiaridades que integram a ramificação administrativa da Ciência Jurídica, de bom alvitre se revela ponderar que os “os princípios administrativos são postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício das atividades administrativas”[8]. Assim, na vigente ordem inaugurada pela Carta da República de 1988[9], revela-se imperiosa a observação dos corolários na construção dos institutos administrativos. Pois, olvidar-se de tal, configura-se verdadeira aberração jurídica, sobremaneira, quando resta configurado o aviltamento e desrespeito ao sucedâneo de baldrames consagrados no texto constitucional e os reconhecidos pela doutrina e jurisprudência pátrios. Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”[10]. Nesta toada, ainda, quadra, também, ter em mente os seguintes apontamentos: “Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais”[11]. É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada à proeminência alçada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, que constituem a Administração Indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentallis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “Princípios Constitucionais Explícitos” ou “Princípios Expressos”. São considerados como verdadeiras diretrizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas[12]. De outra banda, tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, conquanto não estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do Direito Administrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscientização de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, advindos dessa ramificação da Ciência Jurídica. “Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas”[13]. Em que pese o reconhecimento de uma tábua de preceitos e cânones pela doutrina, tal fato não tem o condão de desnaturar o importante papel desempenado na orientação e conformação da interpretação dos diplomas normativos. No mais, ao se ter em visão, a dinamicidade que influencia a contínua construção do Direito, conferindo, via de consequência, mutabilidade diante das contemporâneas situações apresentadas pela sociedade, é possível salientar que a construção da tábua principiológica não está adstrita apenas aos preceitos dispostos nos diplomas normativos e no texto constitucional. Ao reverso, é uma construção que também encontra escora no âmbito doutrinário, tal como no enfrentamento, pelos Tribunais Pátrios, das situações concretas colocadas sob o alvitre. Afora isso, “doutrina e jurisprudência usualmente a elas se referem, o que revela sua aceitação geral como regras de proceder da Administração. É por esse motivo que os denominamos de princípios reconhecidos, para acentuar exatamente essa aceitação”[14]. 3 Breves Ponderações ao Princípio da Licitação enquanto Baldrame Sustentador da Administração Pública Em sede de comentários introdutórios acerca do corolário em comento, impende sustar que a Administração Pública é norteada por uma gama de princípios gerais, cujo escopo está assentado na orientação da ação do administrador na prática dos atos administrativos. De outro passo, aludidos dogmas asseguram uma boa administração, que se materializa na correta gestão dos negócios públicos e do manejo dos recursos públicos, entendidos como dinheiro, bens e serviços, visando o interesse coletivo, com o qual se assegura administrados o seu direito a práticas administrativas consideradas honestas e probas. É cediço, arrimando-se nas ponderações vertidas acima, que os princípios explicitados no caput do artigo 37 são os da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Entrementes, outros defluem dos incisos e parágrafos do mesmo dispositivo, como a da licitação, da prescritibilidade dos ilícitos administrativos e o da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público. Cuida destacar que a Carta Política do Estado Brasileiro de 1988, ao dispor acerca dos corolários gerais da atividade econômica, de maneira expressa, faz alusão a imprescindibilidade da realização de licitação pública no tocante a concessão ou permissão do serviço público. Neste sentido, inclusive, é possível colacionar a redação do dispositivo 175 que assim menciona: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos"[15]. Em mesmo sedimento, é possível coligir os regramentos emanados do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Cidadã sagra que: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [omissis] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”[16]. Assim, pelo que extrai, do exame dos dispositivos constitucionais citados alhures, a partir da vigência da Constituição de 1988, “a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração”[17]. Trata-se, com efeito, de preceito que assegura a materialização do princípio constitucional da impessoalidade, em sede de contratações de serviços e aquisição de bens, estruturada pela Administração Pública, a fim de assegurar que não ocorra o favorecimento de determinada pessoa, natural ou jurídica, em detrimento de outrem. Ora, os influxos emanados pelo corolário da licitação vedam o favorecimento indevido, estando, pois, pautados em critérios dotados de objetividade e formalismo, bem como propostas que se apresentam revestidas de vantagens para a Administração. Em mesmo pano de fundo, o constitucionalista José Afonso da Silva, ao abordar o tema, qualifica a licitação como princípio constitucional da Administração Pública, sustenta que “o princípio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regra, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a Administração Pública”[18]. Ao lado disso, quadra anotar que o dogma em comento constitui um princípio instrumental de realização dos cânones da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes da Administração Pública. Ora, não se pode olvidar que o procedimento licitatório ambiciona alcançar dois objetivos, quais sejam: proporcionar às entidades governamentais possibilidade de realizarem o negócio mais vantajoso, porquanto a instauração de competição entre os ofertantes tem como argumento justificador isto. Verifica-se, assim, que o procedimento licitatório busca assegurar aos administrados possibilidade de disputarem a participação dos negócios que as pessoas governamentais objetivam realizar com os particulares. Desse modo, ambiciona-se alcançar um trinômio de aspectos imprescindíveis, a saber: I – proteção aos interesses públicos e recursos governamentais, na medida em que busca a oferta que se revela mais satisfatória; II – atenção e obediência aos mandamentos da isonomia e impessoalidade, acinzelados, respectivamente, nos artigos 5º e 37 da Carta da República de 1988, o que se dá pela abertura do procedimento licitatório; e, por derradeiro, III – obediência aos reclamos constantes da probidade administrativa, estabelecido expressamente pelo caput do artigo 35 e pelo inciso V do artigo 85, ambos da Carta Magna de 1988. No que concerne ao primeiro aspecto do trinômio supramencionado, é possível evidenciar que o Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar acerca do tema, já consolidou entendimento, no qual, com clareza solar, explicita que “a licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltado a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio”[19]. Com realce, quadra anotar que o procedimento licitatório objetiva, ressalvadas as excepcionalidades previstas nos diplomas normativos, realizar contratações que se apresentem dotadas de vantagem para a Administração Pública, por vezes ancorada no menor preço ou mesmo na melhor técnica do serviço ou bem a que se busca. Afora isso, a competição estruturada pela licitação almeja a seleção da proposta descrita como mais vantajosa para a Administração Pública, de maneira tal que o seu desenvolvimento deva garantir a igualdade (isonomia) daqueles que pretendam ter acesso às contratações da Administração[20]–[21]. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já explicitou entendimento de ser possível a lei estabelecer distinções, sem que subsista qualquer violação ao corolário da isonomia, estabelecendo tratamento diverso ao qual é dispensado a outro. Para tanto, com o escopo de ilustrar o aventado, cuida colacionar o aresto: “Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 11, § 4º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Licitação. Análise de proposta mais vantajosa. Consideração dos valores relativos aos impostos pagos à fazenda pública daquele estado. Discriminação arbitrária. Licitação. Isonomia, princípio da igualdade. Distinção entre brasileiros. Afronta ao disposto nos artigos 5º, caput; 19, inciso III; 37, inciso XXI, e 175, da Constituição do Brasil. […] 4. A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal violação se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. 5. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível. 6. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional o § 4º do artigo 111 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte”. (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI N° 3.070/RN/ Relator: Ministro Eros Grau/ Julgado em 29.11.2007/ Publicado no DJe em 18.12.2007). Nesta toada, não é possível perder de vista que a licitação há de ser concebida como uma imposição decorrente do interesse público, sendo seu pressuposto a competição. Ora, é fato que a competição assume, neste cenário, assume duas significações. Enquanto pressuposto da licitação, competição se apresenta como possibilidade de acesso de todos e quaisquer agentes econômicos capacitados à licitação. Desta feita, consiste na concreção da garantia de igualdade, enquanto norte dotado de proeminência substancial no ordenamento pátrio. Doutro prisma, a competição também consiste em disputa, isto é, no caso, a possibilidade de uns licitantes apresentarem melhores propostas do que outros, um a proposta melhor de todas. Nessa perspectiva, o festejado doutrinador José dos Santos Carvalho Filho afirma que o legislador pátrio, ao instituir o procedimento licitatório, inspirou-se, fundamentalmente, na moralidade administrativa e na igualdade de oportunidades àqueles interessados em contratar: “Erigida atualmente à categoria de princípio constitucional pelo art. 37, caput, da CF, a moralidade administrativa deve guiar toda a conduta dos administradores. A estes incumbe agir com lealdade e boa-fé no trato com os particulares, procedendo com sinceridade e descartando qualquer conduta astuciosa ou eivada de malícia. A licitação veio prevenir inúmeras condutas de improbidade por parte do administrador, algumas vezes curvados a acenos ilegítimos por parte dos particulares, outras levadas por sua própria deslealdade para com a Administração e a coletividade que representa. Daí a vedação que se lhe impõe, de optar por determinado particular. Seu dever é o de realizar o procedimento para que o contrato seja firmado com aquele que apresentar a melhor proposta. Nesse ponto a moralidade administrativa se toca com o próprio princípio da impessoalidade, também insculpido no art. 37, caput, da Constituição, porque, quando o administrador não favorece este ou aquele interessado, está, ipso facto, dispensando tratamento impessoal a todos. (…) Outro fundamento da licitação foi a necessidade de proporcionar igualdade de oportunidades a todos quantos se interessam em contratar com a Administração, fornecendo seus serviços e bens (o que é mais comum), ou àqueles que desejam apresentar projetos de natureza técnica, científica ou artística. A se permitir a livre escolha de determinados fornecedores pelo administrador, estariam alijados todos os demais, o que seria de lamentar, tendo em vista que, em numerosas ocasiões, poderiam eles apresentar à Administração melhores condições de contratação. Cumpre, assim, permitir a competitividade entre os interessados, essencial ao próprio instituto da licitação”[22]. Destarte, sem uma escorreita licitação, não há como agasalhar-se o ato administrativo, que além de ilegal, se mostra em verdadeira afronta ao Texto Maior, que exige que a concessão ou permissão de serviço público seja precedida, sempre, de licitação pública. Ao lado disso, deve-se, com bastante alarde, destacar que o artigo 43 da Lei 8.987, de 13 de Janeiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências, assevera e determina que “ficam extintas todas as concessões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988”[23]. Há que se rememorar que, desde 1993, o Excelso Supremo Tribunal Federal, através da lavra do voto do Ministro Octávio Galotti, acompanhado pelos demais integrante do Excelso Pretório, ao relatoriar o Recurso Especial N° 140.989, pôs termo no assunto e se manifestou sobre a matéria, no sentido: “Ementa: Transporte Urbano Concessão e Permissão – Licitação. Exploração de transporte urbano, por meio de linha de ônibus. Necessidade de prévia licitação para autorizá-la, quer sob a forma de permissão ou concessão. Recurso Extraordinário provido por contrariedade do art. 175, da Constituição Federal”. (Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma/ RE Nº 140.989/ Relator: Ministro Octávio Galotti/ Publicado em 16.03.1993). Com efeito, a realização de compras e serviços na Administração Pública Federal, Estadual, do Distrito Federal e dos Municípios deve, imperiosamente, ser precedidas do competente procedimento licitatório, obedecendo aos ditames arvorados no inciso XXI do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, cujos procedimentos e ritos foram devidamente disciplinados pelo Estatuto das Licitações. Trata-se, com efeito, de observância dos corolários desfraldados como flâmulas, os quais reclamam atendimento por parte da Administração Pública, porquanto conformam e condicionam sua atuação. 4 Fundamentos Constitucionais do Direito ao Mínimo Existencial Socioambiental Em ressonância com o preceito de necessidades humanas básicas, na perspectiva das presentes e futuras gerações, é colocada, como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de qualidade e segurança ambiental, sem o qual o preceito de dignidade humana restaria violentado em seu núcleo essencial. A seara de proteção do direito à vida, quando confrontado com o quadro de riscos ambientais contemporâneos, para atender o padrão de dignidade alçado constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no seu quadrante normativo. Insta salientar, ainda, que a vida se apresenta como condição elementar para o pleno e irrestrito exercício da dignidade humana, conquanto esta não se limite àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível que subsista a conjugação dos direitos sociais e dos direitos ambientais para identificação dos patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover o reconhecimento de um direito-garantia do mínimo existencial socioambiental, “precisamente pelo fato de tal direito abarcar o desenvolvimento de todo o potencial da vida humana até a sua própria sobrevivência como espécie, no sentido de uma proteção do homem contra a sua própria ação predatória”[24]. A exemplo do que ocorre com o conteúdo do superprincípio da dignidade humana, o qual não encontra pontos limítrofes ao direito à vida, em uma acepção restritiva, o conceito de mínimo existencial não pode ser limitado ao direito à simples sobrevivência na sua dimensão estritamente natural ou biológica, ao reverso, exige concepção mais ampla, eis que almeja justamente a realização da vida em patamares dignos, considerando, nesse viés, a incorporação da qualidade ambiental como novo conteúdo alcançado por seu âmbito de proteção. Arrimado em tais corolários, o conteúdo do mínimo existencial não pode ser confundido com o denominado “mínimo vital” ou mesmo com o “mínimo de sobrevivência”, na proporção em que este último tem seu sentido atrelado à garantia da vida humana, sem necessariamente compreender as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida dotada de certa qualidade. O conteúdo normativo ventilado pelo direito ao mínimo existencial deve receber modulação à luz das circunstâncias históricas e culturais concretas da comunidade estatal, inclusive numa perspectiva evolutiva e cumulativa. Destarte, é natural que novos elementos, decorrentes das relações sociais contemporâneas e das novas necessidades existenciais apresentadas, sejam, de maneira paulatina, incorporados ao seu conteúdo, eis que o escopo primordial está assentado em salvaguardar a dignidade da pessoa humana, sendo indispensável o equilíbrio e a segurança ambiental. Nesta esteira, com o escopo de promover a conformação do conteúdo do superprincípio da dignidade da pessoa humana, é imperioso o alargamento do rol dos direitos fundamentais, os quais guardam ressonância com a concepção histórica dos direitos humanos, porquanto a tendência é sempre a ampliação do universo dos direitos fundamentais, de maneira a garantir um nível cada vez maior de tutela e promoção da pessoa, tanto em uma órbita individual como em aspectos coletivos. Ademais, o processo histórico-constitucional de afirmação de direitos fundamentais e da proteção da pessoa viabilizou a inserção da proteção ambiental no rol dos direitos fundamentais, de maneira que o conteúdo do mínimo existencial, até então restrito à dimensão social, deve necessariamente compreender também um mínimo de qualidade ambiental, no sentido de encampar o mínimo existencial ecológico, que assume verdadeira feição socioambiental. Ao se adotar os paradigmas ventilados pelo artigo 225 da Constituição Federal[25], é verificável que a promoção da sadia qualidade de vida só é possível, enquanto desdobramento da vida e saúde humanas, dentro dos padrões mínimos estabelecidos constitucionalmente para o desenvolvimento pleno da personalidade humana, num ambiente natural com qualidade ambiental.  O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares para o desenvolvimento das potencialidades humanas, além de ser imprescindível à sobrevivência do ser humano como espécie natural. Desta feita, com o intento que se contribuir para a construção de uma fundamentação do mínimo existencial ecológico e, em uma perspectiva mais ampla, socioambiental, é adotado, portanto, uma compreensão alargada do conceito de mínimo existencial, com o escopo de alcançar a ideia de uma vida com qualidade ambiental. “A dignidade da pessoa humana, por sua vez, somente estará assegurada – em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver assegurada nem mais nem menos do que uma vida saudável”[26], o que, com efeito, passa, por imperioso, pela qualidade, equilíbrio e segurança do ambiente em que a vida humana se encontra sediada. 5 Comentários ao Princípio da Licitação Sustentável: O Reconhecimento dos influxos do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no procedimento licitatório Ao voltar um olhar para a questão discutida no presente, cuida apontar, inicialmente, que o princípio da sustentabilidade da licitação ou da licitação sustentável está atrelado ao ideário de que é possível, por meio do procedimento licitatório, fomentar a preservação do meio ambiente. Nesta linha, o marco legislativo rememora à Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981[27], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, que afixou a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio econômico-social, difusão de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais. Em igual modo, é possível identificar, ainda, a difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, divulgação de dados e informações ambientais e formação de uma consciência pública acerca da necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico, preservação e restauração dos recursos ambientais com o escopo de assegurar a utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida e ao alcance da dignidade da pessoa humana. De outro norte, o Texto Constitucional, de maneira expressa, incluiu a defesa do meio ambiente entre os objetivos da ordem econômica, tal como estabeleceu que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Quadra ponderar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 menciona que para assegurar o direito em comento é carecido exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, ao qual se dará a imprescindível publicidade. Em mesma toada, incumbe ao Poder Público, com o escopo de promover a concreção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente. Mister faz-se frisar que o inciso VI do artigo 170 da Constituição Federal, ao incluir como princípio da ordem econômica, a defesa do meio ambiente, inclusive por meio de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e dos serviços e dos seus processos de elaboração e prestação, assentou a pedra de toque sobre a qual se edificaram as licitações sustentáveis ou licitações verdes. Infere-se, nesta nova ótica, a combinação entre os objetivos tradicionais visado pelo procedimento licitatório, consistente na busca pela melhor proposta para a Administração e garantir isonomia aos licitantes, com o cânone do desenvolvimento sustentável, que ambiciona preservar o meio harmonia, em consonância com fatores sociais e econômicos. Trata-se de corolário cunhado pelo ideário de solidariedade e fraternidade, o qual impregna o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrando, passando a dispensar uma visão contemporânea do procedimento licitatório, em prol do alinhamento da busca pela preservação do meio ambiente e a promoção do desenvolvimento. 6 Comentários Finais: Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado como corolários da Licitação Sustentável Contemporaneamente, há que se reconhecer o relevo assumido pelos debates envolvendo a necessidade de proteção do meio ambiente, sobretudo com o escopo, no território nacional, de imprimir substância ao princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, expressamente entalhado no artigo 225 da Carta de 1988. Logo, fez-se urgente a estruturação de decisões das autoridades governamentais com o escopo de obstar a degradação do ambiente. Além disso, a busca pela sustentabilidade não abarca apenas uma preocupação ambiental em seu sentido mais estrito, compreendendo, também, diversas outras acepções sociais e econômicas. O desenvolvimento sustentável partilha a ideia de uma sociedade mais justa com a redistribuição de recursos como incentivo ao crescimento econômico. Denota-se, nesta linha de exposição, que a integração entre o meio ambiente e o desenvolvimento deve ocorrer em todos os níveis de tomada de decisão, sendo que o Estado desempenha papel fundamental, pois se revela detentor de fortes instrumentos de fomento do mercado na produção e consumo de bens mais sustentáveis como a implementação de políticas e o uso consciente de seu poder de compra. Ora, a Administração Pública deve orientar suas atividades pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Assim, ao realizar os processos licitatórios obedecerá a estes e, ainda, aos princípios específicos arrolados na lei de licitações, quais sejam da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo. Além de observar o princípio constitucional da isonomia e garantir a seleção da proposta mais vantajosa. Para a materialização da licitação sustentável, a busca pela proposta mais vantajosa deve ser entendida e analisada em um contexto mais amplo, realçando que a escolha deve considerar o interesse público em todas suas acepções. O critério apenas econômico, assentado no menor preço, poderia levar o próprio Estado ao não analisar os critérios ambientais e sociais, inobservando, pois, os ditames estabelecidos. A proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental, conforme artigos 225 e 170 da Constituição e deve, portanto, ser garantido por todo o ordenamento jurídico. A Política Nacional do Meio Ambiente, também, promove o desenvolvimento sustentável como dever do Estado, e não mera faculdade. A interpretação sistemática do ordenamento permite constatar a necessidade do Estado em adotar a licitação de modo sustentável o que, inclusive, torna o processo mais eficiente. Produtos e serviços sustentáveis minimizam os custos estatais com seus ciclos de vida, em razão da menor impacto de externalidades negativas. Consequentemente, promove uma eficiente gestão dos recursos públicos vez que se considera todas as possibilidades de dispêndios, atendendo aos preceitos da Administração Pública e, em especial, à legislação ambiental. A exigência desses critérios como pressuposto de validade no processo licitatório permite que o interesse público atenda concomitantemente à economicidade e outros interesses igualmente legítimos como a proteção ambiental. Sendo assim, não caberá juízo de conveniência e oportunidade a adoção desses critérios.
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Implicações da desapropriação por utilidade pública do Decreto-Lei n.º 3.365/41 para grandes investimentos públicos
O presente artigo tem como finalidade principal analisar o processo de desapropriação por utilidade pública para projetos de longo prazo, considerando implicações oriundas do Decreto-lei nº 3.365, de 21 de Julho de 1941, também chamado de Lei Geral das Desapropriações. O trabalho ainda induz à reflexão sobre o exercício da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado verificado nas iniciativas de desapropriação por utilidade pública, especificamente grandes investimentos promovidos pelo Poder Público. Considerando as novas tendências da Administração Pública de realizar grandes investimentos de longo prazo, apresentamos o caso da expansão do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Minas Gerais, visando a exemplificar as implicações do Decreto-lei 3.365/41 em grandes investimentos.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO Os gastos públicos ou gastos governamentais comportam todas as despesas da Administração Pública realizadas em todas as esferas da administração direta e indireta, englobando inclusive as despesas do governo com suas atividades econômicas através das empresas estatais. Segundo inteligência da Constituição da República de 1988 – CR/88 – o Estado assumiu as funções típicas de saúde, educação, defesa nacional, policiamento, regulação, justiça e assistência social. Ademais, com o pacto federativo trazido pela CR/88, o governo federal assumiu uma série de outras funções, como o ensino superior. Ocorre que intrínsecos aos gastos públicos estão os investimentos públicos estratégicos, geralmente relacionados a grandes obras que visam à promoção do desenvolvimento econômico do país e consequente melhoria do bem-estar social. A desapropriação é o instituto utilizado em nosso ordenamento jurídico para transferência da propriedade privada quando houver interesse público que a justifique. As próximas seções irão apresentar os principais conceitos relacionados ao instituto da desapropriação, sua evolução em nosso ordenamento jurídico, além de apresentar implicações do princípio da Supremacia do Interesse Público em relação ao Interesse Privado. Em seguida serão demonstradas as principais implicações do Decreto-lei n.º 3.365, de 21 de Julho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, para os grandes investimentos do Poder Público. Visando a enriquecer o trabalho, ainda será sucintamente apresentado o plano de longo prazo para a expansão do Aeroporto Internacional Tancredo Neves e as implicações que os prazos estabelecidos no Decreto-lei trazem para um planejamento governamental de longo prazo. 2. O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO Grosso modo, toda vez que se faz necessária a transferência da propriedade privada para o Poder Público, independente da vontade do privado e justificada a necessidade do Poder Público, constitui-se a desapropriação. Nos sucintos dizeres de Abagge (2007) é ato pelo qual o “Poder Público, mediante prévio procedimento e indenização justa, em razão de uma necessidade ou utilidade pública, ou ainda diante do interesse social, despoja alguém de sua propriedade e a toma para si”. Em nosso ordenamento jurídico, historicamente, a desapropriação já era disciplinada no tempo do Império, através do Decreto de 21 de maio de 1821, na íntegra abaixo: “Prohibe tomar-se a qualquer, cousa alguma contra a sua vontade, e sem indemnisação.  Sendo uma das principaes bases do pacto social entre os homens segurança de seus bens; e Constando-Me que com horrenda infracção do Sagrado Direito de Propriedade se commettem os attentados de tomar-se, a pretexto de necessidades do Estado, e Real Fazenda, effeitos de particulares contra a vontade destes, e muitas vezes para se locupletarem aquelles, que os mandam violentamente tomar; e levando sua atrocidade a ponto de negar-se qualquer titulo para poder requerer a devida indemnisação: Determino que da data deste em diante, a ninguem possa tomar-se contra sua vontade cousa alguma de que fôr possuidor, ou proprietario; sejam quaesquer que forem as necessidades do Estado, sem que primeiro de commum acordo se ajuste o preço, que lhe deve por a Real Fazenda ser pago no momento da entrega; e porque pode acontecer que alguma vez faltem meios proporcionaes a tão promptos pagamentos: Ordeno, nesse caso, que ao vendedor se entregue Tittulo apparelhado para em tempo competente haver sua indemnisação, quando elle constrangimento consinta em lhe ser tirada a cousa necessaria ao Estado e aceite aquelle modo de pagamento. Os que o contrario fizerem incorreção na pena do dobro do valor a beneficio dos offendidos. O Conde dos Arcos, do Conselho de Sua Magestade, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios, o tenha assim entendido, e o faça executar com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em 21 de Maio de 1821”. (grifos nossos). Observava-se já no Império a possibilidade do Estado tomar para si bens particulares considerando suas necessidades. Todavia, extrai-se do texto acima que seria necessário um comum acordo com o particular, inclusive no que diz respeito ao valor da indenização. Já com a Constituição do Império do Brasil de 1824, com a redação do inciso 22 do artigo 179 abaixo transcrito, resta clara a manutenção da obrigação de indenização prévia, sem, contudo, prescrever a necessidade de aquiescência do particular: “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. (…) XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.” De forma semelhante, a Constituição de 1891, em seu artigo 72, §17 determinou que “O direito de propriedade mantem-se em toda a plenitude, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia”. Na mesma linha, a Constituição de 1934, em seu artigo 113, item 17, previa: “É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra e comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior.” (grifos nossos) Merece destaque aqui o surgimento das expressões “necessidade ou utilidade pública”, “prévia e justa indenização” e o uso da propriedade particular em algumas situações, com guerra, com posterior indenização. Tais expressões, bem como o instituto da requisição administrativa podem ser considerados avanços para o instituto da desapropriação. A seguir, com o item 14 do artigo 122 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937, inicialmente estabelecia que: “(…) o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício; “ Tal dispositivo foi posteriormente revogado pelo Decreto n.º 10.358, de 31 de agosto de 1942, que declarava o Estado de Guerra em todo o território nacional. De toda sorte, no ano anterior era publicado o Decreto-lei 3.365, de 21 de julho de 1941, que se tornou o diploma legal fundamental das desapropriações em geral, especialmente aquelas que têm por finalidade a necessidade ou utilidade pública, ficando conhecido como “Lei Geral das Desapropriações”. (DA SILVA, 1993) Da Silva (1993) ainda ensina que o conteúdo relacionado a desapropriação consubstanciado nas Constituições de 1946 e 1967, praticamente mantiveram os mesmos requisitos da justa e prévia indenização em dinheiro. Todavia, referente à política de reforma agrária, ao definir que a indenização devia ser em dinheiro, Da Silva acredita que tal fato emperrou a reforma agrária no país. Somente com os Títulos da Dívida Agrária – TDA’s –, instituídos por Ato Institucional, o pagamento das indenizações provenientes em interesse social para fins de reforma agrária em TDA’s foi viabilizado. (DA SILVA, 1993) Atualmente, segundo inteligência do art. 5º, inciso XXIV, e do art. 184 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CR/88 – são imperiosos como pressupostos da desapropriação a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social: “Art. 5 (…) XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição. (…) Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação. § 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação. § 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício. § 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.” Por tudo visto, pode-se afirmar que objetivando ao atendimento de interesses sociais, o Poder Público pode se valer do instituto da desapropriação. De acordo com Mello (2001), a desapropriação é então: “(…) o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real.” A desapropriação por utilidade pública é o instrumento pelo qual a Administração Pública, com objetivo de incorporar ao patrimônio público propriedade que não lhe pertence, tendo em vista os interesses sociais. De acordo com Carvalho Filho (2014, p. 830): “Desapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização.” Seguindo interpretação distinta, Justen Filho (2006), discorda parcialmente do conceito acima, ao não compreender a desapropriação como um procedimento, mas sim como um ato estatal unilateral, que por sua vez pressupõe um procedimento prévio. Para o autor a desapropriação é resultado do procedimento e deve ser considerada ato unilateral por desconsiderar a vontade do proprietário, ao qual caberia discordar tão somente do valor da desapropriação. Em relação às finalidades da desapropriação, como bem assevera Meirelles (2007), necessidade pública está relacionada a uma situação de urgência que implica a transferência de bens particulares para o domínio do Poder Público, enquanto utilidade pública se configura nos casos em que é conveniente a transferência da propriedade privada para o Poder Público, mas sendo apenas oportuna e vantajosa para o interesse coletivo. Já interesse social se justifica quando a transferência da propriedade busca redução das desigualdades. Destarte, Meirelles (2007) defende que: “(…) o interesse social ocorre quando as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público. Esse interesse social justificativo de desapropriação está indicado na norma própria (Lei 4.132 /62) e em dispositivos esparsos de outros diplomas legais. O que convém assinalar, desde logo, é que os bens desapropriados por interesse social não se destinam à Administração ou a seus delegados, mas sim à coletividade ou, mesmo, a certos beneficiários que a lei credencia para recebe-los e utiliza-los convenientemente”. Cabe frisar que a regulamentação prevista pela Carta Magna se dá pelo Decreto-lei nº 3.365/41, que foi recepcionado pelo ordenamento jurídico brasileiro, e dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Para Carvalho Filho (2014), a desapropriação é resultado da aplicação direta, clara e manifesta, do Princípio da Supremacia do Interesse Público, pois caracteriza o interesse da sociedade se sobrepujando ao interesse individual à propriedade, configurando-se em um fato administrativo característico da atuação do Estado para consecução do interesse público e a clara intervenção do Estado na propriedade privada. Segundo o autor: “O objetivo da desapropriação é a transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse fim só pode ser alcançado se houver os motivos mencionados no conceito, isto é, a utilidade pública ou o interesse social. E a indenização pela transferência constitui a regra geral para as desapropriações, só por exceção se admitindo, como adiante se verá, a ausência desse pagamento indenizatório” (Carvalho Filho, 2014, p.830). 3. A SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO NOS GRANDES INVESTIMENTOS Os princípios são linhas gerais aplicadas a determinada área do direito, constituindo as bases e determinando as estruturas em que se assentam institutos e normas jurídicas. São de grande importância e aplicação no Direito Administrativo. De acordo com Gavião Pinto (2008), o Direito Administrativo, assim como as demais ciências jurídicas, é regido por vários princípios, que refletem o momento político em que vive a sociedade. Seguindo essa linha, pertinente destacar que a Administração Pública possui prerrogativas e sujeições que atendem ao interesse coletivo. Por esta razão ocorre, muitas vezes, a limitação de direitos e liberdades individuais em virtude da supremacia do interesse público sobre o particular. Tem-se então que o interesse público possui dois grandes postulados, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a indisponibilidade do interesse público pela Administração. Pela indisponibilidade pode-se aludir que os interesses pertencentes à coletividade não estão à disposição de ninguém, inclusive do administrador. Como supramencionado, o princípio da supremacia do interesse público ensina-nos que, no confronto entre o interesse do particular e o interesse público, prevalecerá o público, no qual está representado o interesse da coletividade. Celso Antônio Bandeira de Mello expõe que “(…) como expressão desta supremacia, a Administração, por representar o interesse público, tem a possibilidade, nos termos da lei, de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais. Tais atos são imperativos como quaisquer atos do Estado. Demais disso, trazem consigo a decorrente exigibilidade, traduzida na previsão legal de sanções ou providências indiretas que induzam o administrado a acatá-los. Bastas vezes ensejam, ainda, que a própria Administração possa, por si mesma, executar a pretensão traduzida no ato, sem necessidade de recorrer previamente às vias judiciais para obtê-la. É a chamada auto-executoriedade dos atos administrativos”.  Carvalho Filho diz que “(…) não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. Saindo da era do individualismo exacerbado, o Estado passou a caracterizar-se como o Welfare State, dedicado a atender ao interesse público. Logicamente, as relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas, ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público. Trata-se, de fato, do primado do interesse público. O indivíduo tem que ser visto como integrante da sociedade, não podendo os seus direitos, em regra, ser equiparados aos direitos sociais”. Por defender o uso mais racional e ponderado do princípio da supremacia do interesse público, Viegas (2011) assevera que o interesse individual também deve ser observado pelo administrador, evitando que muitos interesses particulares sejam massacrados, ofendendo inclusive a dignidade humana, preceito muito bem resguardado por nossa Carta Magna. Cohen (2010), em estudo sobre a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, constatou que, recorrentemente, os ministros não utilizam o princípio de maneira originária. Isso significa que a supremacia do interesse público sobre o privado somente é analisada quando levado à apreciação do STF pelas partes na resolução dos litígios. Não obstante, em instâncias diversas o princípio é reforçado nos julgados, sendo comumente utilizado para fundamentar decisões sobre litígios envolvendo desapropriação por utilidade pública. O extrato abaixo, referente à decisão do Agravo de Instrumento n.º 08022873420138020900, julgado pelo Tribunal de Justiça de Alagoas em 04 de novembro de 2015, bem ilustra isso: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORIGINÁRIA DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. IMÓVEL DECLARADO DE UTILIDADE PÚBLICA, PARA FINS DE DESAPROPRIAÇÃO, A QUAL SE DEU COM A LAVRATURA DE ESCRITURA DE DESAPROPRIAÇÃO. SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PARTICULAR. PRINCÍPIO BASILAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EVENTUAL MUDANÇA DA SITUAÇÃO PODERIA ACARRETAR DANO INVERSO AO ESTADO DE ALAGOAS, NA MEDIDA EM QUE O TERRENO OBJETO DA AÇÃO FOI POR ELE DESAPROPRIADO. INVIABILIDADE DA PRETENSÃO POSSESSÓRIA DO AGRAVANTE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DA USUCAPIÃO DE BEM PÚBLICO. ART. 191, P. ÚNICO DA CF”. (grifos nossos). Reconhecida a recorrente utilização do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado para se justificar desapropriações, há de se reforçar a relevância dos grandes investimentos públicos para o interesse coletivo, visto que objetivam o desenvolvimento econômico e melhoria do bem-estar geral. Ao encontro disso, Maciel (2006 apud Borja Reis, 2008) defende que o objetivo social e politicamente legítimo da infraestrutura está intimamente ligado ao aprimoramento do bem-estar da população, ao efetivar o acesso universal aos serviços relevantes para a vida das pessoas. Silva Filho e Pompermayer (2015) lembram que num contexto de limitação da capacidade das instituições financeiras em fornecer linhas de crédito de longo prazo, enaltece a necessidade de se buscar novos instrumentos para financiar a modernização da infraestrutura econômica e urbana. Levando-se em conta o atual cenário de deterioração das contas públicas e esgotamento das fontes oficiais de financiamento no Brasil, soluções como as parcerias público-privadas – PPP – assumem extremada importância no debate sobre como o Estado pode ampliar sua capacidade de realizar grandes investimentos. 4. Decreto-Lei Federal nº 3.365/41 – PRINCIPAIS PONTOS      O Art.1º do Decreto-lei nº 3.365/41 informa que é por esse instrumento legal que o instituto das desapropriações é regulado em todo o território nacional, pois trata-se de competência federal.      Assim, para a análise dos processos expropriatórios é condição necessária observar os dizeres deste dispositivo legal, além, é claro, dos princípios que regem o Direito Administrativo brasileiro e a Constituição Federal de 1988. O art. 4º do Decreto-lei n.º 3.365/41 determina que: “Art. 4º – A desapropriação poderá abranger a área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina, e as zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço. Em qualquer caso, a declaração de utilidade pública deverá compreendê-las, mencionando-se quais as indispensáveis à continuação da obra e as que se destinam à revenda. Parágrafo único.  Quando a desapropriação destinar-se à urbanização ou à reurbanização realizada mediante concessão ou parceria público-privada, o edital de licitação poderá prever que a receita decorrente da revenda ou utilização imobiliária integre projeto associado por conta e risco do concessionário, garantido ao poder concedente no mínimo o ressarcimento dos desembolsos com indenizações, quando estas ficarem sob sua responsabilidade”. Além disso, o Decreto-lei elenca em seu Art. 5º o rol de casos que são considerados de utilidade pública para fins de desapropriação. Entre os quais encontra-se “a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronave” (inciso n, grifo nosso). Há ainda regulamentação para a forma com que o processo expropriatório deve ocorrer, sendo que a declaração de utilidade pública deve ser realizada mediante publicação de decreto pelo Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito. Além disso, há na legislação a previsão de que o pagamento seja justo, prévio e em dinheiro. Portanto, o Expropriante deve realizar avaliação do valor do bem e destinar os recursos necessários para a desapropriação. Caso o proprietário não concorde com o valor fixado pelo Poder Público, há a possibilidade de recorrer a Justiça, sendo que o expropriado pode levantar até 80% do valor avaliado pelo Poder Público, enquanto transcorre o processo na Justiça. Quanto aos prazos para a desapropriação, o art. 10 do Decreto-lei é expresso em delimitar o prazo máximo de 5 (cinco) anos para que o Poder Público efetive a desapropriação: “Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração.” A questão que surge, então, é relacionada aos casos dos grandes projetos de longo prazo que são implementados pelo Poder Público, pois a disponibilidade de recursos pode não ser imediata, mas o interesse público é existente. Nesses casos, no intervalo de 1 (um) ano após o prazo legal, não há o interesse público e transcorrido 1 (um) ano o interesse público para os mesmos fins prevalece. Não é questão trivial o processo de desapropriação, pois exige uma série de atos administrativos e, principalmente, de disponibilidade de recursos para a sua efetivação (Carvalho Filho, 2014). Nesse sentido, o Decreto-lei nº 9.282, de 23 de Maio de 1946, suspendeu, por dois anos, no Distrito Federal, o disposto no artigo 10 do Decreto-lei nº 3.365 de 21 de Junho de 1941, que é o artigo que dispõem sobre os prazos para o poder público efetivar a desapropriação. A justificativa para a suspensão por dois anos consubstanciadas no Decreto-lei n.º 9.282/46 foram as que seguem: “O Presidente da República, considerando que dentro no plano de urbanização e consequentes desapropriações no Distrito Federal, não foi possível ao Poder Público concluir, em muitos caso, as desapropriações decretadas; Considerando que efetivamente tendo sido originariamente efetuado um estudo para execução do projeto a longo prazo, eis que a lei anterior de desapropriações fixava nenhum prazo de caducidade dos decretos chegou ainda a seu termo: Considerando que, assim, projetos cuja execução prevista demandaria um período mais longo foram aprovados por decretos que, no entanto, até hoje, por carência de tempo e de recursos materiais para o financiamento das desapropriações, ficaram sem execução; Considerando que muitos desses decretos, cuja execução continua a ser objeto dos planos urbanísticos em pleno desenvolvimento, tendo sido os mesmos expedidos no sentido expresso dessa finalidade, estão na iminência de caducar; Considerando que o dispositivo novo do artigo 10 do Decreto-lei número 3.365, de 21 de Junho de 1941, considera caducos em cincos anos os decretos expedidos para as desapropriações e que dentro naquele prazo não tenham tido execução; Considerando que a aplicação deste princípio, no caso especial do Distrito Federal, redundará, no momento, em graves prejuízos para a economia, da administração, atraso nas obras projetadas sem vantagem de qualquer espécie, quer para os particulares, quer para o Poder Público”.      Assim, tem-se no Decreto-lei nº 9.282/46 a ratificação de que o prazo estabelecido pelo Decreto-lei nº 3.365/41 não é exequível para todas as situações em que o Poder Público precisa realizar desapropriações, não sendo este fato uma questão nova na história das desapropriações para grandes projetos. 5. O CASE DO PROJETO DE EXPANSÃO DO AEROPORTO INTERNACIONAL TANCREDO NEVES – AITN Nesse sentido, cumprindo o previsto no Decreto-lei 3.365/41, o Estado de Minas Gerais decretou, em 2009, de utilidade pública para fins de desapropriação a área necessária à expansão do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, localizado nos Municípios de Lagoa Santa e de Confins. A decretação de Utilidade Pública se faz necessária para que o aeroporto tenha capacidade de comportar o volume de passageiros previstos para o longo prazo. Contudo, após o transcurso de 5 (cinco) anos, o Estado de Minas Gerais não obteve êxito na desapropriação de toda a área de expansão. Dessa forma, pretende-se discutir a viabilidade de novo Decreto de Desapropriação para esta área, tendo em vista que o interesse público na expansão do Aeroporto Internacional permanece. O Decreto Sem Número de 31 de Agosto de 2009 trouxe em seu conteúdo a área inicial prevista para a ampliação do aeroporto. No entanto, após estudos técnicos visualizou-se a necessidade de readequação da área para contemplar também a área do acesso viário norte ao Aeroporto Internacional Tancredo Neves – AITN –, que motivou assim a publicação do Decreto Sem Número de 05 de Março de 2010 para assim alterá-lo. Objetivando readequar o memorial descritivo e a redação do Decreto Sem Número de 2009, o Decreto Sem número de 2010 fora revogado pelo Decreto com Numeração Especial 646 de 19 de Novembro de 2013. No entanto, após vislumbrar novamente a necessidade de readequação do memorial descritivo, e por fim, o Decreto Sem Número de 31 de Agosto de 2009 foi readequado pelo Decreto com Numeração Especial 710 de Dezembro de 2013. Analisando o histórico de decretos apresentado acima, podemos vislumbrar que o Expropriante mantém o interesse em tornar públicas as áreas decretadas 2009, tendo em vista as atualizações em procedimentos que foram realizadas. Ademais, conforme apresentado abaixo, percebe-se que estão em curso diversos investimentos na área já pertencente ao Aeroporto, de acordo com informações da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico: “Projeto Aeroporto Industrial; Nova Rodovia LMG 800; Novo Terminal de Passageiros; Terminal provisório de passageiros”. Além disso, o Aeroporto foi concessionado pelo Governo Federal no ano de 2013, sendo administrado por um consórcio chamado BH Airport, que é composto pelas seguintes empresas: “Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR); Zurich Airport  (operador aeroportuário internacional); Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária)”. As duas empresas constituíram uma Sociedade de Propósito Específico – SPE –, que detém 51% da composição acionária do aeroporto, permanecendo os outros 49% da composição acionária com a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária -Infraero. Esse consórcio restou responsável pela gestão do aeroporto pelos próximos 30 anos. (BH Airport). O grupo BH Airport será responsável por uma série de investimentos para modernização e aumento de capacidade do aeroporto, conforme está previsto no contrato de concessão. Dentre os investimentos, destacam-se a construção de uma nova pista de pousos e decolagens até o ano de 2020, novo terminal de passageiros até o ano de 2016, novas áreas para estacionamento e aumento de capacidade do aeroporto para 20 milhões de passageiros, entre outras iniciativas (BH Airport). Assim, fica latente que o interesse público na expansão do Aeroporto Internacional Tancredo Neves permanece, apesar de ainda não ter sido concluído o processo expropriatório. Nesse sentido, de acordo com informações da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, parte das áreas necessárias para desapropriação já está em processo judicial para expropriação. A Ação de Desapropriação de uma das fazendas necessárias à expansão é a de n.º 004016-24.2014.8.13.0210 e tramita na Comarca de Pedro Leopoldo. Foi realizado o depósito judicial e o Estado já possui a posse da fazenda, pois foi determinada a Imissão de Posse da área. Há de se reforçar a premissa de que a utilidade pública da área de ampliação do AITN não foi alterada pelo decurso do tempo de 5 anos, conforme apresentado na seção anterior. A redação do Decreto-lei n.º 3.365/41 disciplina: “Art. 10 A desapropriação, deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará. Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração”. (grifo nosso). Dessa forma, a análise inicial sobre o tema parece nos remeter à caducidade do decreto que declara de utilidade pública a área de ampliação do AITN. No entanto, tal raciocínio pode ser refutado se interpretarmos o Art. 10 do Decreto-lei 3.365/41 como não recepcionado pela Constituição de 1988. A Constituição de 1988, em seu art. 5º, inciso XXIV prevê o seguinte mandamento: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; (..”) (grifos nossos). Dessa forma, podemos perceber que o texto constitucional estabelece que a desapropriação ocorrerá sempre que existir a necessidade ou utilidade pública. Nesse sentido advoga Salles (1995): “Inúmeras vezes, editada a declaração de utilidade pública, fatores supervenientes criam sérios percalços à expropriação, tais como: falta de recursos orçamentários para a execução das obras ou serviços, prioridade na feitura de outras obras ou serviços, etc. A Administração vai, assim, procrastinando o início das obras que deram origem à declaração, até que, em determinado momento, se dá a caducidade do ato respectivo. Nessa altura, pode até mesmo ocorrer que o Poder Público já se tenha desinteressado inteiramente da execução dos planos iniciais, de modo que, com a caducidade do ato declaratório, a propriedade particular estará plenamente liberada. Há, pois, um interesse a justificar a fixação de um prazo de caducidade para o ato declaratório de utilidade pública”. Percebe-se que, no caso fático, não houve a mera desídia do Poder Público expropriante, pois a fim de garantir a prévia indenização, e atuar de forma coerente com a vontade do legislador constituinte, tornou-se imperativo a viabilização de verbas orçamentárias para iniciar o processo de desapropriação. Outro fator que acarretou o retardo ao início do processo de desapropriação fora a reestruturação da área a ser desapropriada por conta do Plano Macroestrutural elaborado pelo Estado de Minas Gerais, sendo que o objetivo foi otimizar a área a ser desapropriada, reduzindo os custos do Estado, a luz do princípio da eficiência, e também minimizar a intervenção na propriedade privada (PEREIRA, 2015). Em sentido diverso Carvalho Filho (2014, p. 852) leciona que a constituição conferiu à norma infraconstitucional a possibilidade de, ao regular o procedimento de desapropriação, estabelecer algumas restrições ao Poder Público. Se tomarmos esse argumento como válido, uma alternativa que se faz viável, do ponto de vista jurídico, é a possibilidade dos poderes municipais envolvidos, in casu Lagoa Santa e Confins, ou até mesmo a União, procederem com a desapropriação por interesse público ou a desapropriação urbanística. Isto é possível porque a caducidade do decreto não vincula outro ente federado. Nesse sentido leciona Salles (1995): “Todavia, para os que consideram constitucional a parte final do art. 10 da Lei de desapropriações, o lapso de uma ano ali previsto não impede que outro setor da administração edite nova declaração no curso daquele prazo; Em outras palavras: se o ato declaratório atingido pela caducidade fixado pelo Poder Executivo Estadual, nada impede, p. ex., que o Presidente da República edite nova declaração de utilidade pública versando sobre o mesmo bem, ainda que no curso daquele prazo, se o considerar útil ou necessário à execução de obra ou serviço federal. A proibição constante da parte final do art. 10 só atinge, portanto, o setor da Administração que permitiu ocorresse a caducidade do ato declaratório, que seria, assim, como que punido pela desídia em que incidiu ou pela precipitação com que se houve ao declarar a utilidade pública de um bem para fins de desapropriação, sem estar certo da pronta conveniência de efetivá-la”. Dessa forma, percebemos que no plano pragmático seria possível outro ente federado (União ou os Municípios) não estão impedidos de emitir outro ato declaratório de utilidade pública. No entanto, esse procedimento mobilizaria um outro aparato técnico-administrativo para conduzir a desapropriação que manifestamente é de interesse local, regional e nacional. Nesse sentido, podemos proceder com a argumentação de que o art. 10 do Decreto-lei 3.365/41 não está oferecendo garantia alguma ao particular, pois a sua propriedade é de relevante interesse público, visto que a ampliação do Aeroporto é considerada planejamento macroestrutural e de longo prazo. Assim, o poder público não só não desistirá da desapropriação, como não pode desistir sob pena de afrontar o interesse público. Portanto, a aplicação do art. 10 do Decreto-lei 3.365/41 colide com o princípio da Supremacia do Interesse Público, pois com a necessidade de uma nova declaração expropriatória a indicação do estado em que se encontra o bem, que será objeto da desapropriação, para efeito de fixar a futura indenização, poderá sofrer uma atualização encarecendo o custo da desapropriação. Ainda, a aplicação do referido dispositivo, no caso analisado, trará a necessidade de que outro ente federado proceda com a declaração expropriatória colidindo com os princípios da eficiência e da celeridade. Dessa forma, tem-se que o art. 10 do Decreto-lei 3.365/41, não deveria ser aplicado, pois, tem-se que a desapropriação da área de ampliação do AITN é uma desapropriação anômala visto que reúne os requisitos da Desapropriação por Necessidade Pública e da Desapropriação Urbanística, porém em seara onde prevalece o interesse regional/metropolitano. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em decorrência dos pontos acima apresentados, observando-se a evolução histórica do instituto da desapropriação e a busca pelo interesse público pelo Poder Público, credita-se ao instituto da desapropriação importante ato ou procedimento pelo qual o Estado viabiliza estratégicas políticas públicas em pro do desenvolvimento econômico. Em que pese a importância do princípio da Supremacia do Interesse Público em relação ao Interesse Privado, há de se reforçar a necessidade da boa fundamentação da escolha pública, sob pena de direitos e liberdades individuais restarem prejudicados. Após analisada a importância de grandes investimentos públicos para o bem-estar da coletividade, configurando-se então, a priori, o interesse público, passou-se à análise do Decreto-lei 3.364/41 frente à desapropriação da área de ampliação do Aeroporto Internacional Tancredo Neves – AITN –, bem como a possibilidade de renovação do seu decreto expropriatório. Pelo exposto, a área de implantação do aeroporto, está posta como de extrema utilidade pública, e de relevante interesse para a população da região metropolitana de Belo Horizonte, pois se consolidará como o principal indutor de desenvolvimento para a metrópole. Além disso, a partir do fortalecimento dessa região metropolitana os benefícios advindos da implantação da ampliação do aeroporto repercutirá na população do estado de Minas Gerais como um todo. A partir dos principais elementos técnicos e jurídicos que envolvem o caso do AITN, pode-se concluir que o prazo estabelecido art. 10 do Decreto-lei 3.365/41 não se revela adequado à racionalidade pragmática dos grandes investimentos públicos nacionais. Destarte, pode-se aludir que o prazo de 1 (um) ano, consubstanciado no art. 10 acima mencionado, não está alinhado à vontade do legislador, que foi de penalizar a desídia do poder público e a falta de diligência no processo de desapropriação. In casu, foi demonstrado que fatores externos ao poder-dever da administração pública levaram à não efetivação do processo de desapropriação. Por isso, tem-se que na prática, o decurso do prazo de 5 anos, não alterou a extrema relevância da área que se objetiva desapropriar. Assim, o mero decurso do tempo não alterou a base axiológica da necessidade, por parte do poder público, de se apoderar da área em questão para repercutir para toda a sociedade a função social que aquela propriedade tem. Além disso, ficou demonstrada a viabilidade jurídica da expropriação ser efetuada pelos poderes municipais diretamente envolvidos territorialmente com a área. Assim, as prefeituras dos Municípios de Cofins e Lagoa Santa, ou a União, poderiam tranquilamente efetivar, a partir do poder executivo, novos atos administrativos de desapropriação, pois a atuação do Estado de Minas Gerais, não exaure o poder de atuação do ente federado municipal. Essa alternativa, no entanto, fere de morte o princípio da eficiência, pois a possível impossibilidade formal do Estado de Minas Gerais renovar o decreto de desapropriação, aproveitando toda a demarcação técnica de extensão da área e seus parâmetros geodésicos, traria para as administrações municipais todo o trabalho técnico-burocrático, gerando retrabalho administrativo, diminuindo a eficiência dos serviços públicos municipais envolvidos.
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Das áreas de urbanificação prioritária: breves ponderações
O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Neste aspecto, o presente se debruça na caracterização das áreas de urbanificação prioritária, à luz da sistemática constitucional e da legislação urbanística de regência.
Direito Administrativo
3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que: “Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011). “Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012) O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19]. Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que: “Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). “Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005). Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas. 4 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano: Inicialmente, cuida anotar que o meio ambiente artificial não está disciplinado tão somente na redação do artigo 225 da Constituição Federal[22], mas sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a política urbana, desempenha papel proeminente no tema em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata. “Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182 do mesmo diploma”[23]. Salta aos olhos, deste modo, que o conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988[24]. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente. Com efeito, não se pode olvidar que o pleno desenvolvimento reclama uma participação municipal intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal[25], “que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”[26], tal como estabelecendo competência suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder Público, por conseguinte, proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar que a Constituição Federal, em seus artigos 183[27] e 191[28], consagrou modalidades especiais de usucapião urbano e rural. “Outra função importante da cidade é permitir a livre e tranquila circulação, através de um adequado sistema da rede viária e de transportes, contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”[29]. O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se apresenta como um óbice á livre e adequada circulação. Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação, edificando praças e implementando áreas verdes. Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de atividades laborativas, produzindo reais possibilidades de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de assegurar a existência de condições econômicas destinadas à realização do consumo de produtos e serviços fundamentais para a existência da pessoa humana, bem como da ordem econômica estabelecida no país. 5 As Cidades Sustentáveis como Paradigma perseguido pelo Estatuto das Cidades: A Ambiência Urbana Contemporânea e seus matizes como o Meio Ambiente Artificial Agasalhado nas ponderações articuladas alhures, é verificável que o Estatuto das Cidades, na condição de lei que ambiciona o equilíbrio ambiental na órbita das cidades, estabeleceu a garantia do direito a cidades sustentáveis, colocando-a como diretriz geral entalhada na redação do artigo 2º, inciso I, da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[30], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, “os direitos enumerados no art. 2º, I, do Estatuto da Cidade, garantidos também pela Lei n. 10.257/2001, têm caráter metaindividual, sendo tutelados não só pelo próprio Estatuto da Cidade como particularmente pelas Leis n. 7.347/85 e 8.078/90”[31]. Nesta seara, a garantia do direito a cidades sustentáveis significa, por extensão, importante diretriz destinada a nortear a política do desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e seus destinatários, compreendendo-se os brasileiros e os estrangeiros residentes no território nacional, a ser executada pelo Poder Público municipal, dentro da denominada tutela dos direitos materiais metaindividuais. Decorre de tal ideário a necessidade de estabelecer-se o conteúdo de cada um dos direitos que edificam a garantia do direito a cidades sustentáveis, no viés de adotar posição clara diante da defesa em decorrência de episódica lesão ou ameaça a esse rol de importantes componentes constituintes do meio ambiente artificial. Há que se destacar que se trata, com efeito, de diretriz geral vinculada aos objetivos da política urbana estabelecida como patamar de direitos metaindividuais destinados a brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional, a partir de uma perspectiva de tutela do meio ambiente artificial, objetivando realizar os objetivos contidos na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[32], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Com clareza solar, é perceptível que apenas por meio dos instrumentos da política urbana, estabelecida no Estatuto das Cidades, que será possível a concreção da gama de direitos agasalhados em seu âmago, afigurando, neste aspecto, proeminente a gestão orçamentária participativa alçada ao status de importante instituto econômico orientado a viabilizar recursos financeiros para que cada cidade possa estruturar seu desenvolvimento pautado na sustentabilidade em face não apenas de suas necessidades, mas também de suas possibilidades. Estabelecido em decorrência da estruturação do direito ambiental constitucional, como bem afiança Fiorillo, “a garantia do direitos a cidades sustentáveis em nada se vincula com superados conceitos de direito administrativo que teimam em compreender as cidades como ‘abstrações’ única e exclusivamente formais adaptadas ao ‘princípio da legalidade’”[33]. Desta feita, harmonizando-se com os alicerces estruturantes do Estado Democrático do Direito, é possível colocar em destaque que a diretriz geral que consagra a garantia do direito a cidades sustentáveis propiciará a todos os brasileiros e estrangeiros residentes em território nacional uma tutela mais adequada do equilíbrio ambiental. Com efeito, trata-se de paradigma jurídica impregnado de aspectos de solidariedade, bem como de valores provenientes do meio ambiente ecologicamente equilibrado, içado à condição de princípio fundamental que viabiliza a materialização da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, denota-se que o Estatuto das Cidades, na condição de diploma inspirado pelos valores consagrados pela nova ordem inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, objetiva a materialização de uma nova realidade na qual seja possível conjugar a urbanização com o meio ambiente, de modo a obter núcleos urbanos sustentáveis e sensíveis aos elementos primordiais para se alcançar a materialização do superprincípio da dignidade da pessoa humana. 6 Das Áreas de Urbanificação Prioritária Em um primeiro exame, faz-se carecido sublinhar que as denominadas áreas de urbanificação prioritária (ou preferencial), conforme o magistério de Silva[34], são aquelas que o Poder Público, em observância a necessidade ou a conveniências, estabelece como sujeitas à atuação da atividade urbanística com preferencia a outras. Com efeito, supramencionadas áreas são estabelecidas para: (i) promover a implantação de serviços públicos; (ii) acelerar ou induzir a ocupação de terrenos edificáveis nas zonas urbanas ou de expansão urbana; (iii) promover a implantação de núcleos habitacionais de interesse social; (iv) implantar ou expandir núcleos urbanos vinculados a programas federais ou estaduais de desenvolvimento; (v) controlar o crescimento de núcleos urbanos de valor histórico, cultural ou paisagístico. Tecidos tais comentários, é conveniente reconhecer que a realidade urbanística brasileira, tradicionalmente, não se volta para a delimitação de áreas de urbanificação prioritária, exceto para a implantação de núcleos habitacionais de interesse social. Contudo, cuida sublinhar que, em decorrência do fortalecimento do Direito Urbanístico no ordenamento nacional, a urbanificação prioritária ganhará terreno e cogitação habitual para o Poder Público, conferindo, assim, materialização aos planos pertinentes, cujo fundamento já se encontra estribado no artigo 5º, inciso I, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, que possibilita a desapropriação de imóveis, se for o caso, para a execução desse tipo de plano urbanístico especial, abarcando, inclusive, a revenda dos imóveis excedentes após a urbanificação. Nesta esteira, quadra evidenciar que o plano elaborado pelos órgãos urbanísticos competentes, porquanto aprovado por lei – federal, estadual ou, especialmente, municipal, conforme o caso -, reclama aos particulares situados na área, que não podem impedir sua execução, conquanto fiquem com direito à indenização possível dos prejuízos que seus imóveis sofrerem, além das meras restrições urbanísticas gerais. Ao lado disso, o aproveitamento a ser exigido poderá ser precisamente a urbanificação prioritária, na forma prevista nos instrumentos legais, ficando o proprietário obrigado a realiza-la, sob pena das cominações estatuídas no verbete inserto no §4º do artigo 182 do Texto Constitucional de 1988[35], a saber: parcelamento compulsório, tributação progressiva e, por derradeiro, desapropriação com pagamento da indenização em títulos da dívida pública. Silva[36] vai apontar que as hipóteses de urbanificação prioritária são compreensíveis por si, cumprindo apenas recordar que a aceleração ou indução de ocupação de terrenos edificáveis nas zonas urbanas ou de expansão urbana se tornam, comumente, uma exigência urbanística, com o escopo de possibilitar o adensamento de áreas rarefeitas, a fim de permitir o desenvolvimento de serviços públicos que beneficiem maior número de habitantes. Assim, a implantação de núcleos urbanos habitacionais de interesse social envolve a execução de planos destinados à construção de casas populares, única espécie de urbanificação prioritária que tem tido aplicação constante e sistemática, conquanto seja insuficiente. Já a implantação ou expansão de núcleos urbanos vinculados a programas federais ou estaduais de desenvolvimento refere-se quer a política de colonização, quer à política de desenvolvimento de áreas subdesenvolvidas.
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Função social dos instrumentos urbanísticos. Parcelamento, edificação e utilização compulsória. Estatuto da Cidade
O presente estudo aborda alguns pontos do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/ 01, especificamente com relação aos instrumentos de política urbana, quais sejam: parcelamento, edificação e utilização compulsória do solo urbano, além do IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública. O tema está diretamente ligado ao princípio da função social da propriedade urbana, consagrado pela Constituição Federal de 1988, dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão – art. 5º, XXIII.
Direito Administrativo
1 – Introdução Através do presente estudo pretendemos abordar alguns pontos do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/ 01, mais especificamente no que diz respeito a alguns dos denominados instrumentos de política urbana, quais sejam, parcelamento, edificação e utilização compulsória do solo urbano, além do IPTU progressivo no tempo e a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, aos quais também faremos referência. O tema está diretamente ligado ao princípio da função social da propriedade urbana, consagrado pela Constituição Federal de 1988 dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão – art. 5º, XXIII. Com efeito, a atual Carta Magna, ao incluir a função social da propriedade como direito fundamental, surge como um divisor de águas entre o pensamento liberal e o social, caracterizado no ordenamento jurídico pela limitação aos direitos subjetivos individuais em benefício da existência digna e do bem-estar da sociedade. O Estatuto da Cidade está diretamente ligado ao referido princípio e regulamenta todo o capítulo de política urbana – arts. 182 e 183 da Constituição. O Estatuto é, portanto, um dos pilares fundamentais do direito urbanístico, porquanto tornou-se inconcebível a ocupação aleatória do espaço urbano e o Plano Diretor tem papel fundamental na eficácia da política de desenvolvimento e de extensão urbana, conforme também será demonstrado. Deste modo, os instrumentos ora em análise são considerados importantes aliados na repressão à especulação imobiliária e efetividade do princípio da função social da propriedade urbana. 2 – O princípio da função social da propriedade Como dito acima, o tema objeto deste modesto estudo está diretamente relacionado ao princípio da função social da propriedade, cuja noção tal qual a conhecemos hoje, resulta de transformações econômicas, políticas, sociais e jurídicas ao longo dos tempos.  A palavra propriedade, do latim proprietas, significa o que pertence a uma pessoa, tendo sentido mais amplo na acepção jurídica, qual seja, a apropriação pelo indivíduo de um bem qualquer que seja, corpóreo ou incorpóreo, conforme definição de a Pedro Elias Avvad[1]. O autor menciona os ensinos de Serpa Lopes acerca da palavra dominium, que no Direito Romano tinha significado mais extenso que o de propriedade, uma vez que servia aquela para indicar tudo o que pertencia ao chefe da casa, tendo a palavra proprietas sentido mais estrito. Alexandre Levin[2] incia a abordagem do tema lembrando que “o direito de propriedade vem evoluindo ao longo dos séculos. Foi marcado, a princípio, pela extrema subjetividade.”  Sob a égide da subjetividade da propriedade, buscava-se garantir, prioritariamente, a proteção do proprietário contra terceiros. A mudança deste conceito de propriedade caracteriza-se pela criação de crescentes limitações e modificações de seu caráter subjetivo em prol da coletividade.  Segundo Sylvio Toshiro Makai, citado por Alexandre Levin na mesma obra supra, p. 22, no Direito Romano, a propriedade era definida como o “poder jurídico absoluto e exclusivo sobre uma coisa corpórea (…) uma relação entre o titular do direito e a coisa.” Assim, podia o proprietário usar, gozar e dispor da coisa sem qualquer interferência alheia no exercício de seus direitos. No entanto, ressalta o autor, já havia naquele tempo algumas restrições a esse direito absoluto sobre a propriedade, de acordo com o interesse público ou privado e imposta pela autoridade administrativa ou jurisdicional. Eram, por exemplo, inscritos na última classe dos cidadãos (aerarri) os proprietários que deixassem sem cultivo suas terras ou que não cuidassem de seus animais. Algumas limitações de natureza privada também eram conhecidas pelos romanos, como, por exemplo, estabelecimento de distâncias mínimas entre os terrenos e os edifícios, além das relações de vizinhança. Em meados do século XVIII, sob influência do pensamento liberal e da revolução industrial, a propriedade passa a ser considerada como um direito natural contraposto ao poder estatal, passando o proprietário a gozar de poderes invioláveis e absolutos sobre o bem. Este pensamento passa a sofrer modificações a partir do século XX, em especial num cenário devastador provocado pela I Guerra Mundial, onde “passou a ser necessária uma maior intervenção do Estado na vida econômica e no direito de propriedade, um dos pilares da economia de mercado.”[3] Segundo o autor, ainda, “O Estado liberal dá lugar ao Estado social”, momento em que passa-se a impor limitações aos direitos subjetivos individuais em benefício de existência digna e bem-estar social. Conforme bem observa, ainda, “o direito de usar, gozar e dispor da coisa, garantido pela ordem jurídica liberal, passou a significar usar, gozar e dispor da coisa também em prol do bem-estar coletivo e não somente no interesse individual do proprietário.” Para José Isaac Pilati[4], o direito constitucional do século XX começa a reagir às doutrinas da função social “desde a Constituição de Weimar de 1919, que no art. 153, alínea 3, consagrava o princípio: A propriedade obriga. Seu uso deve igualmente ser um serviço ao bem comum.” Segundo o mesmo autor – p. 79 – a função social “redimensiona o individual e o público-estatal, como o próprio conceito de propriedade e a respectiva tutela jurídica (…) os direitos do indivíduo proprietário perdem a perspectiva de ir além do mérito de capital e trabalho, pela apropriação gratuita do coletivo.” Nesta mesma vertente é o entendimento de Gustavo Tepedino[5], no sentido de que a propriedade não seria mais uma atribuição de poder tendencialmente plena, “cujos confins são definidos externamente (…) de tal modo que, até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para suas atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem”. Conclui o autor afirmando que a determinação do conteúdo da propriedade “dependerá de centros de interesses extraproprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da relação jurídica de propriedade.” Por sua vez, o ordenamento jurídico pátrio também passa por profundas modificações no conceito de propriedade, a exemplo do que se observa nas diversas Constituições Brasileiras. Tendo em vista a objetividade, transcreveremos as palavras de Alexandre Levin[6], que bem sintetiza a questão. Segundo descrito pelo autor, a Constituição de 1824 e também a de 1891, possuíam forte influência do pensamento liberal, limitando-se a garantir o direito de propriedade pleno, sem nenhuma referência ao interesse social ou coletivo no uso da propriedade. A Constituição de 1934 é a primeira a fazer referência expressa às relações entre propriedade e função social, em seu at. 113, 17: “Art. 113. 17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar”. A Constituição de 1937 silenciou com relação ao interesse social do uso da propriedade, garantindo apenas no art. 122, 14, o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante prévia indenização. Na sequência, a Constituição de 1946, art. 147, previa que o uso da propriedade era condicionado ao bem-estar social. A Carta Magna de 1967, nos termos do art. 157, dispunha que a ordem econômica tinha por fim realizar a justiça social com base em determinados princípios, dentre eles o princípio da função social da propriedade. Este preceito foi mantido pela Emenda nº1 de 1969, art. 160, III. Como é cediço, foi a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 que introduziu, expressamente, as mudanças mais profundas com respeito ao direito de propriedade. Através das previsões dos arts. 5º, XXII; XXIII; 170, III; 182, §2º e 186[7], o conceito clássico de propriedade foi definitivamente transformado, passando o exercício desse direito a ser condicionado à observância do princípio da função social. Conforme bem observa Zélia Leocádia da Trindade Jardim[8], a Constituição de 1988 foi a principal norma inovadora de Direito Urbanístico e Ambiental, “quando incorporou as premissas básicas do denominado Movimento Nacional de Reforma Urbana, iniciado nas décadas de 1960 e retomado em 1987, no propósito de cumprir as funções sociais da cidade, o que sempre se constituiu na finalidade daquele movimento.” Dentre outros, destaca a autora, o projeto da Reforma Urbana introduzido no plano constitucional, trazia as seguintes premissas: submissão do direito de propriedade à sua função social; dever do Estado de garantir os direitos urbanos e controle social do uso do solo urbano. No campo do Direito Civil, o Código de 1916, abordava o direito de propriedade “muito mais como um direito individual do que social, em consonância com a Constituição de então”.[9] Neste contexto, o Estado preocupava-se em assegurar os meios jurídicos necessário para garantia da manutenção da propriedade pelo proprietário, com caráter perpétuo. Continua o autor no sentido de que, o Código Civil de 2002, já em observância à Constituição de 1988, destaca a função social da propriedade, no sentido de que, o pensamento do direito privado da propriedade deu lugar ao direito social da propriedade. Essa doutrina vem expressa no novo Código no art. 1.228, §1º[10], bem como no art. 2.035, parágrafo único[11], tornando-se norma de ordem pública, uma vez que limita a autonomia privada à função social da propriedade. Conforme pondera o mesmo autor supra, o art. 1.228 manteve o direito do proprietário de usar, gozar e dispor da propriedade, ao passo que o §1º expressamente determinada que a propriedade deve atender as finalidade não só econômicas, mas principalmente as sociais. – g.n. Paulo Afonso Cavichioli Carmona[12] trata da questão da função social da propriedade, no sentido de que: “O Estado passou intervir cada vez mais na sociedade e na economia, de tal forma que não foram abolidos os direitos individuais, mas comprimidos. Vale dizer, o que antes era só direito de propriedade[13] transformou-se em direito-dever de propriedade, pois há de cumprir sua função social.” – g.n. Refere-se, ainda, o autor, à evolução histórica do conceito do direito de propriedade, transcrevendo as palavras de Léon Duguit, em sua obra Les transformations générales du droit privé depuis le Code Napoleón, que demonstra que a importância da função social da propriedade vem sido destacada há bastante tempo: “Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função, na razão direta do lugar que nela ocupa. Ora, o detentor da riqueza, pelo próprio fato de deter a riqueza, pode cumprir uma certa missão que só ele pode cumprir. Somente ele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação das necessidades gerais, fazendo valer o capital que detém. Está, em consequência, socialmente obrigado a cumprir esta missão e só será socialmente protegido se cumpri-la e na medida em que o fizer. A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor da riqueza.” – g.n. No que diz respeito à função social da propriedade urbana, o §2º do art. 182 da Carta Magna define que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”. Note-se que o plano diretor tem um papel fundamental na concretização do dispositivo constitucional supra, regulado pelo art. 39 e seguintes do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/ 01. É no plano diretor, afirma José Isaac Pilati[14], “que se definem modelo de cidade e desenvolvimento, e consequentemente as balizas de função social da propriedade e da cidade (…) antecipando-se ao dano e à especulação irresponsável.” Conforme bem observado, por Alexandre Levin[15], com relação ao tema, ”embora gere efeitos desde a sua previsão constitucional, a sua plena eficácia é assegurada somente com a edição do plano diretor municipal, que é o instrumento da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, §1º da Constituição[16]).” Com sua peculiar doutrina de Adilson Abreu Dallari[17], ensina que a Constituição consagrou o princípio da função social da propriedade e, ainda, instituiu um parâmetro para aferição do seu entendimento. “Tal parâmetro é exatamente o conjunto de medidas a serem adotadas ou de ações a serem empreendidas, constantes do plano diretor.”, vaticina o consagrado autor. Para Paulo Afonso Cavichioli Carmona[18], o Plano Diretor “é o mais importante instrumento de planejamento urbano municipal”. Conforme já mencionamos, é exatamente o que prevê o §2º do art. 182 da Constituição Federal[19], cuja disposição é expressa no sentido de que a função social da propriedade urbana se cumpre pelas diretrizes do plano diretor. Concluímos o tópico, fazendo uso das palavras de Gustavo Tepedino[20]:  “A regra corrobora os princípios gerais da tutela da pessoa, do trabalho e da dignidade humana, demonstrando a preocupação do legislador constituinte com os dramáticos conflitos social”. 3 – O Estatuto da Cidade Coube à Lei 10.257/ 2001, que se auto denominou como Estatuto da Cidade[21], regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal que compõem o capítulo da Política Urbana[22]. De acordo com a definição de José dos Santos Carvalho Filho, política urbana é: “O conjunto de estratégias e ações do Poder Público, isoladamente ou em cooperação com o setor privado, necessárias à constituição, preservação, melhoria e restauração da ordem urbanística em prol do bem-estar das comunidades.” Conforme bem lembrado por Alexandre Levin, o fundamento constitucional do Estatuto não reside apenas nos citados arts. 182 e 183 da Carta Magna, mas também o art. 5º, XXIII[23] e 170, III, corolários do princípio da função social da propriedade. O autor menciona, na mesma obra, Diogenes Gasparini, para quem o art. 6º da Lei Maior, que indica o direito à moradia como uma dos direitos sociais, também pode ser considerado fundamento constitucional do Estatuto da Cidade. José dos Santos Carvalho Filho[24] pondera que o histórico legislativo sobre política urbana vem de longe, sendo que, antes da Constituição de 1988, “várias leis sobre matéria urbanística foram editadas, embora sempre tratando isoladamente de temas específicos relacionados aos problemas das cidades”. Cita, o autor, como exemplos, a Lei. nº 6.766/ 79, que disciplina o uso e o parcelamento do solo urbano; o PL nº 775/ 83 que pretendeu definir o sentido de “função social da propriedade”, substituído pelo PL nº 2.191/ 89. Posteriormente foi apresentado o PL nº 5.788/ 90, que “depois de longo percurso, no qual foram introduzidas várias alterações, acabou por converter-se na Lei nº10.257/ 01”. O caput do art. 182 da Constituição Federal exige a edição de lei específica para fixação das diretrizes gerais da política de desenvolvimento urbano, com o fim de, nos termos do próprio dispositivo, “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”[25]. Conforme bem observa Alexandre Levin[26], a edição do Estatuto da Cidade também “atende o disposto no art. 24, inciso I da Constituição, em interpretação conjugada com o determinado no §1º do mesmo dispositivo. A leitura conjunta de tais preceitos atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal a competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, e atribui à primeira a edição de normas gerais.[27]” O autor pondera, na sequência, que o art. 30, I[28] da Constituição Federal estabelece a competência do Município para legislar sobre assuntos de interesse local e, no inciso VIII, delega competência para promover o adequado ordenamento territorial, através do “planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. O Estatuto da Cidade é considerado, nas palavras de Adilson Abreu Dallari[29]: “Um marco relevante para o desenvolvimento dos estudos de Direito Urbanístico, na medida em que representa o ponto de partida para uma futura sistematização normativa dessa matéria”. Segundo o mesmo autor, a inexistência de um código urbanístico no Brasil, a exemplo o que existe na França[30], se deve à estrutura federativa do Estado brasileiro, fato que impossibilita um código nacional de urbanismo. Dada à estrutura federativa brasileira, cada pessoa jurídica política – União, Estados e Municípios – legisla em matéria administrativa, incluindo matéria de organização dos espaços habitáveis, nos limites delegados pela Constituição Federal. De acordo ainda, com Adilson Abreu Dallari[31], o papel preponderante, em matéria urbanística, “foi dado ao Município, provavelmente porque os assuntos urbanísticos afetam mais acentuadamente as populações locais. Portanto, a legislação de caráter administrativo versando urbanismo é basicamente ou principalmente uma legislação municipal.” Outro ponto pertinente abordado pelo mesmo autor e que aqui transcrevemos, diz respeito ao fato do Estatuto da Cidade tratar-se de lei nacional e que, nesta qualidade, “estabelece normas gerais de observância obrigatória por todos os jurisdicionados do estado brasileiro” [32]. Assim, conclui não ser possível “que o Município atue em descompasso com as normas gerais contidas no Estatuto da Cidade. A legislação municipal de uso e ocupação do solo, muito especialmente a Lei do Plano Diretor, deve orientar-se pelas diretrizes estabelecidas no art. 2º da Lei nº 10.257/ 01”. O caput[33] do referido artigo bem sintetiza o objetivo primordial do Estatuto, no sentido de “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante diretrizes gerais (art. 182, CF). Portanto, não pode a legislação municipal adotar posicionamento que favoreça o caráter individualista da propriedade, em detrimento da função social coroada pela própria Constituição Federal. Neste sentido, a definição de Carvalho Filho[34] sobre as diretrizes gerais de política urbana:  “São o conjunto de situações urbanísticas de fato e de direito a serem alvejadas pelo Poder Público no intuito de constituir, melhorar, restaurar e preservar a ordem urbanística, de modo a assegurar o bem-estar das comunidades em geral.” Ressalta o autor que o bem-estar das comunidades pode configurar-se como direito individual ou transindividual, sendo que no primeiro, “a ordem urbanística garante certas faculdades jurídicas individuais, como por exemplo, o direito individual de vizinhança e o direito à licença para construir”, o que influencia diretamente o interesse particular do indivíduo. Ocorrem os direitos transindividuais quando “o interesse jurídico for titularizado por grupos de pessoas, destacando-se que em relação a eles a ideia de grupo pondera sobre a dos indivíduos que a compõem.”. Com efeito o Estatuto da Cidade é a lei a que faz referência o art. 182 da Constituição Federal[35] e, portanto, responsável pelas já mencionadas diretrizes da política de desenvolvimento urbano. A Lei 10.257/ 01 é composta por cinco capítulos, sobre os quais faremos breve abordagem. O capítulo primeiro dispõe sobre as diretrizes gerais na execução das políticas públicas, cujo objetivo, nos termos do disposto no art. 2º, é “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante a adoção, dentre outras, das seguintes medidas: pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana; garantia do direito a cidades sustentáveis; gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas; cooperação entre os governos, a iniciativa privada; planejamento do desenvolvimento das cidades; oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; ordenação e controle do uso do solo. O Estatuto da Cidade tem, portanto, como finalidade principal tornar as cidades brasileiras saudáveis e sustentáveis, aliando, nos termos do que dispõe o art. 2º, II, “a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”, compondo a denominada “gestão democrática”. O capítulo segundo, insere um rol de instrumentos urbanísticos como meio de intervenção sobre o território das cidades, no contexto de uma nova concepção de planejamento e gestão urbana. O art. 4º elenca, dentre outros, os seguintes instrumentos: plano diretor; disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; planos, programas e projetos setoriais; desapropriação; concessão de uso especial para fins de moradia; parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; usucapião especial de imóvel urbano; estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). – g.n. Na sequência, o capítulo terceiro fornece os parâmetros gerais para elaboração do plano diretor, como instrumento base da política de desenvolvimento e expansão urbana. Destaca-se o disposto no at. 41, que impõe a elaboração de um plano diretor para as cidades: I – com mais de vinte mil habitantes[36]; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional e, VI – incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. Por sua vez, o capítulo quarto trata da já mencionada gestão democrática da cidade, aliando-se políticas públicas, iniciativa privada e participação popular através dos seguintes instrumentos, prescritos no art. 43: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Finalmente, o último e quinto capítulo aborda as disposições gerais, das quais destacamos a responsabilização do Chefe do Executivo Municipal pela não elaboração do plano diretor no prazo previsto no art. 50 do Estatuto[37]. Destaca-se, também o disposto no art. 46 que prevê a possibilidade de estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel. É, também, neste capítulo, que são previstos os prazos de elaboração de leis e projetos que atendam o disposto pelo Estatuto[38]. O parágrafo único do art. 1º, estabelece que o Estatuto da Cidade “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.  Assim, o Município deve executar a política de desenvolvimento urbano nos referidos termos dispostos pelo Estatuto da Cidade, com observância das diretrizes gerais e utilizando-se dos instrumentos nele previstos. Dentre os instrumentos estão os dispostos nos artigos 5º a 8º da Lei 10.257/ 01, quais sejam, parcelamento, edificação e utilização compulsórios (objetos do presente estudo); IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública. Dentre as diretrizes da política de desenvolvimento urbano dispostas no art. 2º do Estatuto, está a que visa o combate à retenção especulativa imobiliária, nos termos da alínea e do inciso VI, que provoca a subutilização ou a não utilização da propriedade imobiliária urbana[39]. Sobre o tema, Carvalho Filho[40] vaticina que: “Os proprietários de imóveis urbanos não podem deixar de compatibilizá-los com o plano diretor da cidade. Por isso, diz o Estatuto que deve ser evitada a retenção especulativa de imóveis que redunde em sua subutilização ou não utilização.” Continua o autor afirmando que “o que é prejudicial à ordem urbanística é o não uso do imóvel ou seu uso inadequado objetivando o proprietário retê-lo para fins especulativos”. – g.n. Os instrumentos previstos nos artigos supra citados – e que regulamentam o art. 182, §4º[41] da CF – têm como objetivo especial, cumprir as diretrizes previstas pelo Estatuto, buscando evitar a retenção especulativa de imóveis, em observância ao princípio da função social da propriedade. Zélia Leocádia da Trindade Jardim[42] pondera que a versão final do Estatudo da Cidade é resultado de “longos anos de processo legislativo no Congresso Nacional, desde 1982”, tendo institucionalizado as diretrizes gerais para a uniformização da políticas urbanas no país e “ratificou o papel do plano diretor, como um modelo institucional inovador e instrumento jurídico-político fundamental para a ampliação da cidadania, o ordenamento do solo urbano e a sustentabilidade da qualidade de vida de nossas cidades”. Concluímos, assim, que o principal papel do Estatuto da Cidade ao regulamentar os arts. 182 e 183 da Carta Magna, é o de estabelecer diretrizes gerais de política urbana de modo a ordenar a efetiva observância da função social da cidade e da propriedade urbana. 4 – Definições preliminares Antes de adentrarmos na análise dos instrumentos de desenvolvimento urbanístico, julgamos oportuno algumas considerações acerca de algumas expressões pertinentes ao tema. 4.1 – Solo urbano Tanto o §4º do art. 182 da CF, quanto o art. 5º do Estatuto, fazem referência a solo urbano. Alexandre Levin[43], faz referência a José Afonso da Silva, que ensina: “A qualificação de solo como ‘urbano’ é função dos planos e normas urbanísticos, que lhe fixam o ‘destino urbanístico’ a que fica vinculado o proprietário (…) Esse destino consiste primordialmente na ordenação do terreno e na sua predeterminação a uma das funções do urbanismo”. Segundo o mesmo autor, a utilização do solo urbano pelo proprietário também depende da predeterminação dada pela legislação urbanística. A edificabilidade é uma das utilidades legais do solo, cuja vocação natural é a produção de “riquezas naturais“, segundo José Afonso da Silva, mencionado na mesma obra supra. Deste modo, é o plano diretor ou outra lei municipal que define o solo como urbano, conferindo-lhe a destinação urbanística mais conveniente à coletividade, ao que estará vinculado o proprietário na utilização deste espaço. 4.2 – Solo subutilizado Os dispositivos legais em análise também fazem referência a solo subutilizado. A definição de subutilizado é trazida pelo próprio Estatuto da Cidade, no §1º do art. 5º[44] que assim considera o imóvel “cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente”. Trata-se, nas palavras de Alexandre Levin[45], do imóvel “cujo aproveitamento fique abaixo do coeficiente mínimo para a área em que se situa.” O autor continua sobre o tema referindo-se à corrente doutrinária[46], cujo entendimento também inclui a edificação ociosa na definição de imóvel subutilizado. Considera-se que há um aspecto qualitativo e não apenas quantitativo na caracterização da função social da propriedade, transcrevendo o autor exemplo de Victor Carvalho Pinto: “um terreno que contenha edificação industrial em zona residencial pode ser considerado subutilizado.” O posicionamento majoritário, ao que nos pareceu, está na corrente cujo entendimento é no sentido de que não há como ampliar o rol do §1º do art. 5º do Estatuto da Cidade[47]. Não apenas, havia uma outra hipótese de imóvel subutilizado, inicialmente prevista no inciso II do §1º do art. 5º do Projeto do Estatuto e que foi objeto de veto presidencial. O dispositivo vetado previa que poderia ser considerado subutilizado o imóvel “utilizado em desacordo com a legislação urbanísica ou ambiental[48]”. Conforme pondera Victor Carvalho Pinto[49], a exigência é que sejam fixadas àreas máximas de lotes e coeficientes mínimos de aproveitamento, cabendo ao plano diretor estabelecer tais índices, considerando a proporcionalidade entre a densidade populacional e a disponibilidade de infra-estrutura em cada região da cidade. 4.3 – Imóvel não utilizado Entende-se como não utilizado o imóvel urbano “despojado de qualquer uso útil e legal, como é o dotado de vegetação imprestável para qualquer fim de interesse social”, segundo Diogenes Gasparini[50]. O autor complementa a definição: “Também quando está há longo tempo desocupado e já começa a mostrar sinais de abandono (…) também os imóveis cujas construções foram iniciadas e estão há muito tempo paralisadas (…) deve ser prescrito pela lei específica a que se refere o caput do art. 5º do Estatuto da Cidade.” De se observar que o imóvel, em qualquer das situações acima descritas, estão distantes do ideal delineado pelo princípio da função social da propriedade urbana. Com efeito, os parâmetros para aferição da não utilização do imóvel são fornecidos pelo Plano Diretor Municipal, assim como a medida da subutilização do solo, conforme bem explicita Alexandre Levin, p. 104 da mesma obra supra mencionada. 4.4 – Imóvel não edificado Na definição de Vera Scarpinella Bueno[51], imóvel não edificado é “a terra nua que não atende à utilização desejada pelo plano diretor e lei dele decorrente (moradia, indústria, recreação, etc).” Mais uma vez utilizamos os comentários precisos de Alexandre Levin, na sequência, que destaca o fato de que a qualificação do imóvel como não edificado deve ser realizada em cotejo com as disposições do plano diretor. – g.n. Assim, a não edificação deve ser contrária às diretrizes do plano diretor para ser considerada contrária ao princípio da função social da propriedade, visto que a próppria legislação municipal pode proibir que se construa em determinada área urbana, a exemplo das praças, área verdes, área de lazer, dentre outras. Aproveitamos a lição de Carvalho Filho[52] que assim resume os três tópicos acima: “O certo é que o art. 182, §4º da Constituição, estabelece três tipos de condições (ou pressupostos) para que o Município possa diligenciar as imposições urbanísticas: terreno não edificado, terreno subutilizado e terreno não utilizado. No primeiro caso, tem-se a área despida de construção; no segundo, o terreno é usado em desconformidade com o plano diretor; no terceiro, o terreno não tem qualquer utilização.” 5 – Instrumentos de política urbana Conforme já mencionado acima, a Constituição Federal de 1988 determinou em seu art. 182 a execução de políticas de desenvolvimento urbano pelo Município, conforme diretrizes gerais fixadas em lei. Neste sentido, foi editada a Lei 10.527/ 01 – Estatuto da Cidade – que indicou as diretrizes da política de desenvolvimento urbano, com instrumentos hábeis à realização da concreta aplicação dos princípios normativos fundamentais, voltados à efetividade da função social da propriedade urbana. O cumprimento da função social da propriedade urbana é a premissa maior, porquanto Constitucional[53], dessas diretrizes e instrumentos de desenvolvimento urbanísticos, como bem ponderado por Alexandre Levin[54]: “Nada disso é realizado sem a existência de plano diretor municipal, que fornece os parâmetros para a aferição do cumprimento da função social da propriedade imobiliária urbana”. Novamente fazemos referência à doutrina de Carvalho Filho[55] que divide os instrumentos urbanísticos em gerais e especiais, “entendendo-se como gerais aqueles que têm utilidade para toda e qualquer cidade, e como especiais aqueles que atendem a situações particulares de cada cidade.” Ressalta, ainda, o autor, que “os instrumentos gerais têm as suas linhas básicas definidas no Estatuto, em cujo art. 4º se encontra substancioso elenco. Já os instrumentos especiais são normalmente empregados pelos governos das próprias cidades, que, como é evidente, conhecem de perto as particularidades de sua ordem urbanística.” Dentre referidos instrumentos estão o parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios, objetos do presente estudo. Dispõe o §4º do art. 182 da Constituição Federal que: “Art. 182. § 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; – g.n. II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.” Em atendimento ao dispositivo Constitucional supra, o Estatuto da Cidade prevê em seu artigo 5º: “Art. 5o Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.” – g.n. Trata-se, portanto, de previsão Constitucional e legal que permite (e determina, simultaneamente), que o Poder Municipal imponha o princípio da função social da propriedade urbana, com impedimento à retenção meramente especulativa. Carvalho Filho[56] sintetiza a questão nos seguintes termos: “O poder de exigibilidade do governo municipal consiste na possibilidade de o proprietário ser obrigado a providenciar a adequação de seu imóvel ao plano diretor. Descumprindo essa obrigação, o proprietário sujeitar-se-á, sucessivamente, a três tipos de providências, conforme previsão no art. 182, §4º: 1ª) o parcelamento ou a edificação compulsórios (inc. I); 2ª) IPTU progressivo no tempo (inc. II); 3ª) desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública (inc. III). Conclusão pertinente do mesmo autor, no sentido de que, a obrigação de parcelamento ou de edificação “não contém densidade punitiva”, mas apenas aponta qual providência deve ser tomada pelo proprietário. Apenas se não atendida a determinação do Município, é que serão tomadas as subsequentes providências administrativas, “estas sim, nitidamente com o caráter de sanção”. Como bem pondera o mesmo autor, as obrigações urbanísticas no sentido de se observar o princípio da função social da propriedade, demonstram destacar a propriedade como um direito absoluto, adequando-a ao bem-estar social (promovedo o bem de todos) e impedindo-se práticas especulativas. – g.n. 5.1 – Parcelamento compulsório Parcelamento do solo urbano, de acordo com a Lei 6.766/ 79, é a divisão em lotes de uma gleba ou área situada em zona urbana ou de expansão urbana. Para Carvalho Filho[57], parcelamento do solo “é a providência pela qual se procede a sua subdivisão, em parte iguais ou não, de modo a resultarem vários módulos imobiliários autônomos em substituição à área parcelada.” Nos termos do art. 2º da referida lei, o parcelamento do solo urbano pode ser feito através do loteamento ou do parcelamento: “Art. 2º – O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.” O §1º[58] do referido artigo, considera loteamento a subdivisão de uma área (ou gleba) em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. O desmembramento, por sua vez, é definido pelo §2º do mesmo artigo, e também consiste na subdivisão de área (ou gleba) em lotes destinados a edificação, porém, com aproveitamento do sistema viário existente, ou seja, sem abertura de novas vias e logradouros públicos, nem prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes. Segundo Diogenes Gasparini, citado por Alexandre Levin[59], “tanto o loteamento quanto o desmembramento objetivam a implantação de uma aglomeração urbana, mas o primeiro implica a abertura ou o prolongamento de logradouros públicos, e o segundo não”. Nenhuma das duas modalidades pode ser confundida com o fracionamento “que é apenas a divisão da área urbana sem nenhuma intenção de implantar uma aglomeração urbana”. Não podemos deixar de transcrever, também, a definição dada por José Afonso da Silva, citado pelo mesmo autor e obra supra mencionados, para quem o “parcelamento urbanístico do solo é o processo de urbanização de uma gleba, mediante sua divisão ou redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares urbanísticas”. Sendo assim, uma vez que haja inobservância da função social do imóvel, nos termos e áreas definidos pelo plano diretor, pode o Poder Público Municipal, através de lei específica, obrigar o proprietário ao loteamento ou ao desmembramento de gleba ou lote com dimensões superiores ao máximo permitido pela legislação municipal. Novamente nos utilizamos dos ensinos de Carvalho Filho[60], que ressalta que o Estatuto da Cidade contempla o chamado “parcelamento compulsório, providência a cargo do proprietário (…) imposição que só vai ocorrer no caso de o imóvel estar dissonante das linhas traçadas pelo plano diretor (…) significa que o imóvel não atende sua função social representada pela ordem urbanística definida no plano da cidade”. Note-se que o parcelamento imposto pelo Município deve adequar-se ao plano diretor da cidade, conforme pondera o mesmo autor. 5.2 – Edificação compulsória Edificação é, segundo Carvalho Filho[61], “atividade por meio da qual se executa alguma construção sobre o solo”. “Edificar”, prossegue o autor, “é construir, erguer, levantar, fundar algum edifício, a partir de alguma profundidade do subsolo, mas com o início visível a partir do solo”. A edificação consiste em uma construção ou obra que se destina à habitação, trabalho, culto, ensino ou recreação, constituindo um direito cujo exercício é subordinado às denominadas regras edilícias, como por exemplo, a obtenção do alvará municipal de licença de edificação. Pressuposto básico para concessão da licença de edificação é a existência de área livre, ou seja, sem construção. Assim, está autorizado o Município impor obrigação de edificar ao dono do imóvel urbano sem aproveitamento algum, com a condição de que a “não edificação” do solo seja contrária ao disposto pelo plano diretor e desde que cumpra os requisitos do art. 5º do Estatuto da Cidade. Nada impede, vaticina Carvalho Filho na sequência da citação supra, que nos casos de terreno subutilizado, também se imponha a edificação compulsória: “o proprietário deverá demolir a construção existente e proceder a nova edificação, ou, ao menos, acrescentar construção para que o aproveitamento atinja o mínimo fixado no plano diretor.” 5.3 – Utilização compulsória Com relação à utilização, importante mencionar que, conforme destacado pela doutrina[62], tanto o art. 5º do Estatuto quanto o art. 182, §4º da CF, trazem a expressão “não edificado, subutilizado ou não utilizado”, porém, o texto constitucional não faz referência expressa à “utilização compulsória”, como instrumento de desenvolvimento urbano. Como bem observa Carvalho Filho[63], a Constituição e o Estatuto referem-se à utilização do imóvel em dois momentos diversos: uma para indicar a subutilização e outra a não utilização. – g.n. São situações diferentes, continua o autor: “A não utilização significa que determinada área não possui qualquer tipo de uso ou de atividade; o proprietário posta-se em situação passiva. Já a subutilização tem o sentido de uso indevido ou impróprio em face de determinados padrões de uso fixados no plano diretor; o proprietário aqui tem postura ativa, porque assume o uso, muito embora de modo diverso do que deveria.”. Entende parte da doutrina que não é possível a imposição da utilização compulsória do imóvel sob pena de incorrer-se em inconstitucionalidade. Há uma corrente doutrinária contrária[64], que entende que o Estatuto da Cidade, através da utilização compulsória, buscou conferir maior eficácia ao dispositivo constitucional de política urbana. Além disso, há o entendimento de que o inciso I do §1º do at. 5º do Estatuto, refere-se a “aproveitamento inferior ao mínimo definido no plano diretor”, que deve ser entendido não apenas sob o aspecto quantitativo, mas também qualitativo. Significa dizer que, além de se verificar se há desatendimento ao coeficiente mínimo de aproveitamento, deve-se verificar, também, se a utilização do imóvel está de acordo com o princípio da função social da propriedade, através de outros indicadores elaborados pelo próprio plano diretor do município. Carvalho Filho[65] pondera que a Constituição Federal é clara ao apontar duas cominações urbanísticas para o caso de imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado: o parcelamento e a edificação compulsórios: “Não foi feita nenhuma referência à utilização compulsória.” Porém, observa o autor; “O parcelamento e a edificação já são, por si mesmas, formas de utilização do solo urbano, mas são formas que exprimem finalidades específicas – uma, a de dividir a área, e outra, a de construir nela. Mas o termo utilização é mais amplo e pode indicar o uso para finalidades diversas, e para estas a Constituição não permitiu imposições urbanísticas.” Segundo o Carvalho Filho, ainda, a subutilização no Estatuto, definida no art. 5º, §1º, I[66], deixa dúvidas quanto ao seu sentido. Admite-se que o legislador referiu-se ao termo “aproveitamento”, como sendo o “coeficiente de aproveitamento, que é a relação entre a área total do lote e a área da construção”. O autor menciona, também, o fato do Poder Executivo ter vetado o inciso II do art. 5º, §1º do Estatuto, que considerava também subutilizado o terreno “utilizado em desacordo com a legislação urbanística ou ambiental”. O autor segue a partir da página 104 da mesma obra, uma interpretação da questão conforme a Constituição Federal e considera que o artigo 5º do Estatuto exige interpretação conforme a Constituição para a aferição de sua validade no plano de compatibilidade normativa. Finalmente, pondera o autor que, se a obrigação do uso consistir na ampliação da construção para atingir o coeficiente mínimo de aproveitamento, “será ela caracterizada como obrigação de edificar, sendo desnecessária a menção à obrigação de utilizar – expressão genérica na qual se insere a obrigação de edificar”. 6 – Procedimento O procedimento administrativo de imposição pelo Município da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar imóvel que não cumpra sua função social, estão regulados entre os parágrafos 2º e 5º do art. 5º do Estatuto da Cidade. A observância do procedimento pela municipalidade é ato vinculado, “formalidade que não pode ser afastada pela lei específica municipal que disciplinar a matéria”, destaca Fernando Dias Menezes de Almeida, citado por Alexandre Levin[67]. De acordo com o §2º do referido artigo[68], o proprietário do imóvel considerado não edificado, subutilizado ou não utilizado, nos termos do plano diretor, deverá ser notificado pelo Município, para cumprimento da respectiva obrigação, devendo ser a notificação averbada no cartório de registro de imóveis. Nas palavras de Carvalho Filho[69], “o efeito primordial da averbação da notificação é dar publicidade ao fato jurídico consistente na obrigação urbanística cominada ao proprietário (…) a publicidade produz efeito erga omnes”. Não apenas, continua o autor, mas também pelo fato da notificação ser um ato administrativo, sendo a ela inerente “a marca da presunção de legitimidade, (…) que o ato é, em princípio, válido e eficaz, e que só se desfaz se houver prova efetiva em sentido contrário.” Pelo dispositivo supra, percebemos que a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o solo urbano em desacordo com o plano diretor, só passará a ser exigível a partir da notificação ao proprietário do imóvel ou por edital, quando frustrada a notificação após três tentativas, nos termos do §3º[70]. No §4º do art. 5º[71], o Estatuto dispõe sobre os prazos mínimos para que seja exigido o protocolo do projeto de urbanização, e para que seja dado início às respectivas obras, seja parcelamento, edificação ou utilização do solo, a atender a função social da propriedade urbana. Assim, não poderá ser inferior a um ano o prazo de entrega do projeto ao Município, a partir da efetiva notificação. Para início das obras, a lei fixa prazo não inferior a dois anos, a contar da aprovação do projeto. As ponderações de Carvalho Filho[72] a respeito da notificação prévia, nos remete ao Princípio do Devido Processo Legal[73], quando o autor afirma que : “A notificação deve emanar de processo administrativo já instaurado previamente, e nele devem constar todos os elementos que demonstrem que o imóvel do proprietário está em desacordo com o plano urbanístico (…) explicar as razões da notificação para o cumprimento da imposição urbanística, no caso de irresignição do interessado (…) há de comportar a interposição de recurso administrativo pelo proprietário em prazo fixado no processo administrativo ou na própria lei (…) o prazo deve ser razoável e suficiente para que o interessado examine o processo administrativo e, se for o caso, apresente suas razões de recurso.” – g.n. Como já mencionado, nos parece que a legislação é criteriosa na observância dos princípios inerentes ao Devido Processo Legal. Note-se que a notificação é ato formal, vinculado e com objetivo de dar ciência ao proprietário da obrigação de parcelar ou edificar imóvel de sua propriedade. Deve emanar de autoridade competente – “funcionário do órgão competente do Poder Público municipal” – em processo administrativo “previamente instaurado”, com todas as informações necessárias à ciência do proprietário acerca dos motivos da obrigação que lhe é imposta, com prazo para análise, cumprimento e eventual recurso administrativo, podendo o notificado “recorrer ao Judiciário para invalidar o ato notificatório se estiver contaminado de vício de legalidade”, vaticina o autor supra citado na sequência. Finalizamos o tópico com importante consideração de Paulo Afonso Cavichioli Carmona[74], no sentido de que, “a transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização, sem interrupção de quaisquer prazos (art. 6º).” 7 – IPTU progressivo no tempo O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo está previsto na Constituição Federal, art. 182, inciso II, §4º, como sanção a ser aplicada caso haja descumprimento na determinação de parcelamento ou edificação do imóvel. O art. 7º do Estatuto da Cidade é que trata do detalhamento dessa tributação progressiva, estabelecendo no caput do artigo que, havendo descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do art. 5o do Estatuto ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5o do art. 5o da mesma lei, o Município aplicará o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU – progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.” Deste modo, uma vez notificado para efetuar o parcelamento, a edificação ou utilização do imóvel que esteja em desacordo com o plano diretor, se o proprietário não cumprir os prazos previstos na lei específica, conforme dispõe o caput do at. 5º do Estatuto, o Município poderá exigir o pagamento do IPTU progressivo no tempo sobre a propriedade urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, com o fim de forçar o proprietário a promover o adequado aproveitamento do imóvel. De se notar que o artigo 7º do Estatuto segue o determinado pelo §4º do art. 182 da Carta Magna, que prescreve sanções que devem ser aplicadas sucessivamente, ou seja, “o IPTU progressivo no tempo somente será exigido em caso de descumprimento da obrigação de proceder à urbanização determinada pela lei específica de que trata o caput do art. 5º do Estatuto”.[75] Nos termos do dispositivo constitucional e da Lei 10.257/ 01, o Poder Público Municipal deve, primeiro, notificar o proprietário para que promova a edificação, o parcelamento ou a utilização do imóvel dentro das diretrizes do plano diretor e lei municipal específica. Apenas se desatendidos os prazos para a entrega do projeto de urbanização ou utilização ou os prazos determinados para o início das obras devidas é que o proprietário arcará com o pagamento do IPTU progressivo. Com relação aos prazos, Carvalho Filho ressalta que:  “É a inobservância do prazo fixado em lei que vai gerar a possibilidade de aplicação da sanção seguinte em termos de gravidade, conforme a gradação sucessiva prevista no art. 182, §4º, da Constituição. Significa que, não cumprida a obrigação de parcelar ou de edificar no prazo estabelecido, fica o Poder Público municipal autorizado a impor ao recalcitrante o pagamento do IPTU progressivo no tempo.” Análise de extrema relevância nos traz Carvalho Filho[76], a quem recorremos novamente. O autor assevera que o ITPU progressivo no tempo não pode ser aplicado de imediato sobre os imóveis ainda não compatibilizado com o plano diretor, sendo necessária a observância rigorosa do devido processo legal. Primeiro, diz o autor, pressuposto básico é a promulgação de lei federal, já observado com a Lei 10.257/ 10, pressuposto que deve ser complementado com a promulgação de lei municipal específica para área incluída no plano diretor, como consigna o art. 182, §4º, II, da CF. Segue o autor, colocando como segundo pressuposto a situação fático-jurídica do imóvel urbano, que deve ser obrigatoriamente contrária ao plano diretor. Finalmente, o terceiro pressuposto está no descumprimento pelo proprietário da obrigação de parcelamento ou edificação, que tenha sido devidamente notificado nos moldes do art. 5º do Estatuto. Carmona[77] sintetiza a questão sendo taxativo no sentido de que o Estatuto é claro que a “tributação progressiva no tempo tem aplicação após a utilização, parcelamento ou edificação compulsórios.” – g.n. Para concluirmos, válido lembrar que, se o proprietário parcela o imóvel ou nele edifica, de acordo com as imposições urbanísticas, o IPTU aplicável terá natureza meramente fiscal e não punitiva como instrumento urbanístico. Finalmente, a norma relacionada ao IPTU progressivo é cogente, ou seja, não admite opção de conduta pelo Município que atua de forma absolutamente vinculada: não cumprida a obrigação, o Município procederá à aplicação do imposto, conforme determina o art. 7º do Estatuto, seguido do §3º[78] que veda a concessão de isenções ou anistia. 8 – Desapropriação com pagamento em títulos A desapropriação com pagamento em títulos é outro instrumento de que dispõe o Município para que seja garantida a observância ao princípio da função social da propriedade urbana. Com previsão constitucional no art. 182, §4º, II, esta modalidade de desapropriação também está prevista, como um dos instrumentos da política urbana, no art. 4º, “a”[79] do Estatuto e art. 8º[80] da mesma Lei, que disciplina a desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida pública após cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização. A desapropriação em questão difere-se das demais modalidades previstas pelo ordenamento jurídico, primeiro pela sua finalidade, eminentemente voltada para a efetiva observância do princípio da função social da propriedade urbana e, segundo, por ser uma das sanções previstas pela legislação em estudo. José Carlos de Moraes Salles[81] bem define a desapropriação para fins de urbanização ou reurbanização, pela qual “não se cogita de uma possível valorização extraordinária das áreas adjacentes”, busca-se, primeiramente, “a recuperação urbanística de regiões citadinas atingidas por um evidente processo de deterioração ou implantação de núcleos industriais ou comerciais, que tornem as urbes mais funcionais, aumentando, portanto, o bem estar da população.” Note-se que a Constituição Federal prevê, no inciso XXIV do art 5º que: “a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. – g.n. Além do disposto acima, o § 3º do próprio art. 182 em estudo, também prevê que “as desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.” – g.n. Porém, no parágrafo seguinte, autoriza a desapropriação em estudo, com caráter eminentemente punitivo, ao proprietário do imóvel urbano que, ao descumprir as diretrizes do plano diretor no uso de sua propriedade, tambem não atenda a determinação municipal de edificar, parcelar ou utilizar o imóvel nos termos do plano diretor e lei específica. Uma vez notificado para tanto e após a incidência da tributação progressiva, está autorizado o Município a desapropriar o imóvel e, ao invés da “prévia e justa indenização em dinheiro” prevista no parágrafo terceiro, o proprietário infrator receberá como pagamento “títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”[82]. As palavras de Alexandre Levin[83] nos ajuda a melhor esclarecer a questão: “A desapropriação prevista no §4º difere daquela prevista no parágrafo anterior, pois esta é paga com justa e prévia indenização, enquanto aquela é indenizada com títulos de dívida pública com prazo de resgate de até dez anos, justamente por possuir caráter sancionatório.”  Concluímos com as considerações de Carvalho Filho[84], segundo o qual, é importante distinguir a desapropriação urbanística normal, prevista no art. 182, §3º da CF e no Decreto-lei nº 3.365/ 41 “que não indicando sanção, se enquadra como desapropriação geral,” e a desapropriação urbanística, prevista no §4º do mesmo dispositivo:  “De natureza sancionatória, que, além do objetivo urbanístico a que se destina, ostenta o caráter de punição ao proprietário recalcitrante em observar as regras de política urbana da cidade.” 9 – Consórcio imobiliário Dada a direta ligação ao tema em estudo, entendemos pertinente breves considerações com relação ao consórcio imobiliário, previsto no art. 46 do Estatuto da Cidade[85]. De acordo com o dispositivo supra, o Município poderá facultar ao proprietário obrigado a parcelar, edificar ou utilizar sua propriedade, nos termos do art. 5º do Estatuto, o estabelecimento de consórcio imobiliário, desde que requerido pelo obrigado. Conforme dispõe o próprio texto legal, o estabelecimento do consórcio imobiliário é uma forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel, nos parecendo oportuno caso o proprietário obrigado não possuir condições financeiras de atender as determinações de adequação de sua propriedade às diretrizes plano diretor. Conforme disposto no §1º, o proprietário deverá transferir ao Município o imóvel em questão e, após a realização da respectiva obra, receberá o pagamento em unidades imobiliárias “devidamente urbanizadas ou edificadas”. O §2º, na sequência, dispõe sobre o valor das unidades que serão entregues ao proprietário, que será ”correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras”. O consórcio imobiliário é visto como “uma opção ao Município para a concretização da urbanificação pretendida, nas hipóteses em que o proprietário do imóvel gravado com a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não possui os recursos financeiros suficientes para o seu cumprimento”, segundo esclarece Alexandre Levin[86]. O mesmo autor transcreve, na sequência, os dizeres de Regis Fernandes de Oliveira, que bem pondera no sentido de que: “A previsão não é nova. É bastante comum que o proprietário aliene o terreno que possui em troca de alguns apartamentos ou lojas na construção. A lei estabelece apenas mais uma possibilidade entre aquelas que se abrem ao proprietário remido pela obrigação urbana de dar destinação a seu imóvel”. Segundo Carvalho Filho, o consórcio imobiliário deve ser resultado de um ajuste entre o proprietário e o Município, cuja natureza é “de verdadeira associação”, na busca de interesses comuns, portanto, um negócio jurídico bilateral, onde os pactuantes assumem certos direitos e obrigações.[87] 10 – Conclusão A partir deste modesto estudo acerca do parcelamento, edificação e utilização compulsórios da propriedade urbana, instrumentos de desenvolvimento da política urbana e diretamente ligados ao princípio da função social da propriedade, percebe-se claramente que o direito de propriedade firmado pela Constituição Federal vigente eliminou o caráter individualista até então predominante, dando lugar ao caráter público, de cunho eminentemente social. Neste sentido, a Carta Magna eleva a função social da propriedade ao grau dos direitos e garantias fundamentais e destina capítulo específico para a questão da política urbana, no qual determina, no art. 182, que a política de desenvolvimento urbano deverá ter suas diretrizes fixadas em lei, a “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes”. Para cumprir o dispositivo constitucional foi editado o Estatuto da Cidade que dispõe, dentre outras questões, a respeito das referidas diretrizes e instrumentos da política de desenvolvimento urbano, incluindo-se os instrumentos que foram objeto do presente estudo. Neste contexto, as palavras de Ricardo Pereira Lima[88] sintetizam o escopo desejado pela Constituição Federal de 1988: “A existência de uma política pública voltada para a solução da questão urbana (…) é de fundamental importância para a observância dos princípios republicanos pertinentes ao reconhecimento da cidadania de toda a comunidade, à dignidade da pessoa humana, à erradicação da pobreza, à eliminação da marginalidade e das desigualdades sociais, à promoção do bem de todos sem preconceitos de qualquer natureza, e à construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. A exemplo de outros temas dotados de relevância social, a sociedade contemporânea percebeu a importância do uso consciente da propriedade privada, que vai muito além do espírito individualista da aquisição pela aquisição, com intuito meramente especulativo. Nesta vertente, os instrumentos ora analisados constituem importantes ferramentas no sentido dar efetividade às diretrizes formadoras do princípio da função social da propriedade urbana. A importância da função social da propriedade na sociedade atual é sintetizada de maneira precisa nas palavras José Isaac Pilati[89], as quais transcrevemos para conclusão do tema:  “A Função Social abre espaço à autotutela da Sociedade.”
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Apontamentos ao inventário da oferta turística: breves comentários aos instrumentos fixados pela Lei nº 11.771/2008
O objetivo do presente está assentado na análise no inventário da oferta turística, introduzido no ordenamento jurídico por meio da Lei nº 11.771/2008. Cuida salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: Breves notas à construção teórica do Direito Ambiental Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Com espeque em tais premissas, cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[4]. Assim, em decorrência da proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas degradadas, primacialmente as culturais.  Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha realçar que mais contemporâneos, os direitos que constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da humanidade[5]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária”[6]. Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em especial quando destaca: “Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível”[7]. Quadra anotar que os direitos alocados sob a rubrica de direito de terceira dimensão encontram como assento primordial a visão da espécie humana na condição de coletividade, superando, via de consequência, a tradicional visão que está pautada no ser humano em sua individualidade. Assim, a preocupação identificada está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas influências afetam a todos, de maneira indiscriminada. Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides, que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[8]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos direitos fundamentais. 2 Comentários à concepção de Meio Ambiente Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[9], que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos, provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos apresentados por José Afonso da Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[10]. Nesta senda, ainda, Fiorillo[11], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com bastante pertinência, que: “(…) o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública, saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente, que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor técnico, porque salta da própria Constituição Federal”[12]. É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[13]. Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[14] está abalizado em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental. Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que: “A preocupação com o meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras (…) tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade”[15]. O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade considerada em si mesma. Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos, incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista. Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social. Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies). Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente, trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da referida corresponsabilidade, são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. 3 Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos Introdutórios Quadra salientar que o meio ambiente cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que possuem valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico, científico, refletindo as características de uma determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as sociedades humanas, sendo formada pela história e maciçamente influenciada pela natureza, como localização geográfica e clima. Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa interação entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado daquilo que era próprio das populações tradicionais indígenas e das transformações trazidas pelos diversos grupos colonizadores e escravos africanos”[16]. Desta maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela como instrumento robusto da sobrevivência da própria sociedade. Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema, é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens culturais materiais e imateriais portadores de referência à memória, à ação e à identidade dos distintos grupos formadores da sociedade brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio histórico e artístico nacional abrange todos os bens moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da História pátria ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e ambiental”[17]. Quadra anotar que os bens compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do passado e obras contemporâneas. Nesta esteira, é possível subclassificar o meio ambiente cultural em duas espécies distintas, quais sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o meio-ambiente cultural concreto, também denominado material, se revela materializado quando está transfigurado em um objeto classificado como elemento integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível citar os prédios, as construções, os monumentos arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico, paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos citados alhures, em razão de todos os predicados que ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso Especial N° 115.599/RS: “Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio cultural. Destruição de dunas em sítios arqueológicos. Responsabilidade civil. Indenização. O autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira). Recurso conhecido em parte e provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em 27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça em 02.09.2002, p. 192). Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando este não se apresenta materializado no meio-ambiente humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade. Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a língua e suas variações regionais, os costumes, os modos e como as pessoas relacionam-se, as produções acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional. Neste sentido, é possível colacionar o entendimento firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N° 2005251015239518, firmou entendimento que “expressões tradicionais e termos de uso corrente, trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o patrimônio cultural de um povo”[18]. Esses aspectos constituem, sem distinção, abstratamente o meio-ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente”[19], decorrendo, com destaque, da interação com a natureza e dos acontecimentos históricos que permeiam a população. O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 2000[20], que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências, consiste em instrumento efetivo para a preservação dos bens imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo[21], em seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também estruturou uma política de inventariança, referenciamento e valorização desse patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por Celso Fiorillo[22], que os bens que constituem o denominado patrimônio cultural consistem na materialização da história de um povo, de todo o caminho de sua formação e reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o condão de substancializar a identidade e a cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente em decorrência de produzir um sentimento de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem como é propiciada a constante evolução fomentada pela atenção à diversidade e à criatividade humana. 4 Ponderações à Política Nacional de Turismo De plano, a Política Nacional de Turismo é regida por um conjunto de leis e normas, voltadas ao planejamento e ordenamento do setor, e por diretrizes, metas e programas definidos no Plano Nacional do Turismo – PNT estabelecido pelo Governo Federal. A Política Nacional de Turismo obedecerá aos princípios constitucionais da livre iniciativa, da descentralização, da regionalização e do desenvolvimento econômico-social justo e sustentável, tendo os seguintes objetivos: (i) democratizar e propiciar o acesso ao turismo no País a todos os segmentos populacionais, contribuindo para a elevação do bem-estar geral; (ii) reduzir as disparidades sociais e econômicas de ordem regional, promovendo a inclusão social pelo crescimento da oferta de trabalho e melhor distribuição de renda; (iii) ampliar os fluxos turísticos, a permanência e o gasto médio dos turistas nacionais e estrangeiros no País, mediante a promoção e o apoio ao desenvolvimento do produto turístico brasileiro; (iv) estimular a criação, a consolidação e a difusão dos produtos e destinos turísticos brasileiros, com vistas em atrair turistas nacionais e estrangeiros, diversificando os fluxos entre as unidades da Federação e buscando beneficiar, especialmente, as regiões de menor nível de desenvolvimento econômico e social; (v) propiciar o suporte a programas estratégicos de captação e apoio à realização de feiras e exposições de negócios, viagens de incentivo, congressos e eventos nacionais e internacionais; (vi) promover, descentralizar e regionalizar o turismo, estimulando Estados, Distrito Federal e Municípios a planejar, em seus territórios, as atividades turísticas de forma sustentável e segura, inclusive entre si, com o envolvimento e a efetiva participação das comunidades receptoras nos benefícios advindos da atividade econômica; (vii) criar e implantar empreendimentos destinados às atividades de expressão cultural, de animação turística, entretenimento e lazer e de outros atrativos com capacidade de retenção e prolongamento do tempo de permanência dos turistas nas localidades; (viii) propiciar a prática de turismo sustentável nas áreas naturais, promovendo a atividade como veículo de educação e interpretação ambiental e incentivando a adoção de condutas e práticas de mínimo impacto compatíveis com a conservação do meio ambiente natural; (ix) preservar a identidade cultural das comunidades e populações tradicionais eventualmente afetadas pela atividade turística; (x) prevenir e combater as atividades turísticas relacionadas aos abusos de natureza sexual e outras que afetem a dignidade humana, respeitadas as competências dos diversos órgãos governamentais envolvidos. Igualmente, são computados como objetivos: (xi) desenvolver, ordenar e promover os diversos segmentos turísticos; (xii) implementar o inventário do patrimônio turístico nacional, atualizando-o regularmente; (xiii) propiciar os recursos necessários para investimentos e aproveitamento do espaço turístico nacional de forma a permitir a ampliação, a diversificação, a modernização e a segurança dos equipamentos e serviços turísticos, adequando-os às preferências da demanda, e, também, às características ambientais e socioeconômicas regionais existentes; (xiv) aumentar e diversificar linhas de financiamentos para empreendimentos turísticos e para o desenvolvimento das pequenas e microempresas do setor pelos bancos e agências de desenvolvimento oficiais; (xv) contribuir para o alcance de política tributária justa e equânime, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, para as diversas entidades componentes da cadeia produtiva do turismo; (xvi) promover a integração do setor privado como agente complementar de financiamento em infra-estrutura e serviços públicos necessários ao desenvolvimento turístico; (xvii) propiciar a competitividade do setor por meio da melhoria da qualidade, eficiência e segurança na prestação dos serviços, da busca da originalidade e do aumento da produtividade dos agentes públicos e empreendedores turísticos privados; (xviii) estabelecer padrões e normas de qualidade, eficiência e segurança na prestação de serviços por parte dos operadores, empreendimentos e equipamentos turísticos; (xix) promover a formação, o aperfeiçoamento, a qualificação e a capacitação de recursos humanos para a área do turismo, bem como a implementação de políticas que viabilizem a colocação profissional no mercado de trabalho; e (xx) implementar a produção, a sistematização e o intercâmbio de dados estatísticos e informações relativas às atividades e aos empreendimentos turísticos instalados no País, integrando as universidades e os institutos de pesquisa públicos e privados na análise desses dados, na busca da melhoria da qualidade e credibilidade dos relatórios estatísticos sobre o setor turístico brasileiro. Quando se tratar de unidades de conservação, o turismo será desenvolvido em consonância com seus objetivos de criação e com o disposto no plano de manejo da unidade. O Plano Nacional de Turismo – PNT será elaborado pelo Ministério do Turismo, ouvidos os segmentos públicos e privados interessados, inclusive o Conselho Nacional de Turismo, e aprovado pelo Presidente da República, com o intuito de promover: (i) a política de crédito para o setor, nela incluídos agentes financeiros, linhas de financiamento e custo financeiro; (ii) a boa imagem do produto turístico brasileiro no mercado nacional e internacional; (iii) a vinda de turistas estrangeiros e a movimentação de turistas no mercado interno; (iv) maior aporte de divisas ao balanço de pagamentos; (v) a incorporação de segmentos especiais de demanda ao mercado interno, em especial os idosos, os jovens e as pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, pelo incentivo a programas de descontos e facilitação de deslocamentos, hospedagem e fruição dos produtos turísticos em geral e campanhas institucionais de promoção; (vi) a proteção do meio ambiente, da biodiversidade e do patrimônio cultural de interesse turístico; (vii) a atenuação de passivos socioambientais eventualmente provocados pela atividade turística; (viii) o estímulo ao turismo responsável praticado em áreas naturais protegidas ou não; (ix) a orientação às ações do setor privado, fornecendo aos agentes econômicos subsídios para planejar e executar suas atividades; e (x) a informação da sociedade e do cidadão sobre a importância econômica e social do turismo. O PNT terá suas metas e programas revistos a cada 4 (quatro) anos, em consonância com o plano plurianual, ou quando necessário, observado o interesse público, tendo por objetivo ordenar as ações do setor público, orientando o esforço do Estado e a utilização dos recursos públicos para o desenvolvimento do turismo. O Ministério do Turismo, em parceria com outros órgãos e entidades integrantes da administração pública, publicará, anualmente, relatórios, estatísticas e balanços, consolidando e divulgando dados e informações sobre: (i) movimento turístico receptivo e emissivo; (ii) atividades turísticas e seus efeitos sobre o balanço de pagamentos; e (iii) efeitos econômicos e sociais advindos da atividade turística. Em consonância com o artigo 8º da Política em comento, o Sistema Nacional de Turismo será composto pelos seguintes órgãos e entidades: I – Ministério do Turismo; II – EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo; III – Conselho Nacional de Turismo; e IV – Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Turismo. Poderão ainda integrar o Sistema: (i) os fóruns e conselhos estaduais de turismo; (ii) os órgãos estaduais de turismo; e (iii) as instâncias de governança macrorregionais, regionais e municipais. O Ministério do Turismo, Órgão Central do Sistema Nacional de Turismo, no âmbito de sua atuação, coordenará os programas de desenvolvimento do turismo, em interação com os demais integrantes. O Sistema Nacional de Turismo tem por objetivo promover o desenvolvimento das atividades turísticas, de forma sustentável, pela coordenação e integração das iniciativas oficiais com as do setor produtivo, de modo a: (i) atingir as metas do PNT; (ii) estimular a integração dos diversos segmentos do setor, atuando em regime de cooperação com os órgãos públicos, entidades de classe e associações representativas voltadas à atividade turística; (iii) promover a regionalização do turismo, mediante o incentivo à criação de organismos autônomos e de leis facilitadoras do desenvolvimento do setor, descentralizando a sua gestão; e (iv) promover a melhoria da qualidade dos serviços turísticos prestados no País. Os órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Turismo, observadas as respectivas áreas de competência, deverão orientar-se, ainda, no sentido de: (i) definir os critérios que permitam caracterizar as atividades turísticas e dar homogeneidade à terminologia específica do setor; (ii) promover os levantamentos necessários ao inventário da oferta turística nacional e ao estudo de demanda turística, nacional e internacional, com vistas em estabelecer parâmetros que orientem a elaboração e execução do PNT; (iii) proceder a estudos e diligências voltados à quantificação, caracterização e regulamentação das ocupações e atividades, no âmbito gerencial e operacional, do setor turístico e à demanda e oferta de pessoal qualificado para o turismo; (iv) articular, perante os órgãos competentes, a promoção, o planejamento e a execução de obras de infraestrutura, tendo em vista o seu aproveitamento para finalidades turísticas; (v) promover o intercâmbio com entidades nacionais e internacionais vinculadas direta ou indiretamente ao turismo; (vi) propor o tombamento e a desapropriação por interesse social de bens móveis e imóveis, monumentos naturais, sítios ou paisagens cuja conservação seja de interesse público, dado seu valor cultural e de potencial turístico; (vii) propor aos órgãos ambientais competentes a criação de unidades de conservação, considerando áreas de grande beleza cênica e interesse turístico; e (viii) implantar sinalização turística de caráter informativo, educativo e, quando necessário, restritivo, utilizando linguagem visual padronizada nacionalmente, observados os indicadores de sinalização turística utilizados pela Organização Mundial de Turismo. O poder público federal promoverá a racionalização e o desenvolvimento uniforme e orgânico da atividade turística, tanto na esfera pública como privada, mediante programas e projetos consoantes com a Política Nacional de Turismo e demais políticas públicas pertinentes, mantendo a devida conformidade com as metas fixadas no PNT. O Comitê Interministerial de Facilitação Turística, com a finalidade de compatibilizar a execução da Política Nacional de Turismo e a consecução das metas do PNT com as demais políticas públicas, de forma que os planos, programas e projetos das diversas áreas do Governo Federal venham a incentivar: (i) a política de crédito e financiamento ao setor; (ii) a adoção de instrumentos tributários de fomento à atividade turística mercantil, tanto no consumo como na produção; (iii) o incremento ao turismo pela promoção adequada de tarifas aeroportuárias, em especial a tarifa de embarque, preços de passagens, tarifas diferenciadas ou estimuladoras relativas ao transporte turístico; (iv) as condições para afretamento relativas ao transporte turístico; (v) a facilitação de exigências, condições e formalidades, estabelecidas para o ingresso, saída e permanência de turistas no País, e as respectivas medidas de controle adotadas nos portos, aeroportos e postos de fronteira, respeitadas as competências dos diversos órgãos governamentais envolvidos; (vi) o levantamento de informações quanto à procedência e nacionalidade dos turistas estrangeiros, faixa etária, motivo da viagem e permanência estimada no País; (vii) a metodologia e o cálculo da receita turística contabilizada no balanço de pagamentos das contas nacionais; (viii) a formação, a capacitação profissional, a qualificação, o treinamento e a reciclagem de mão-de-obra para o setor turístico e sua colocação no mercado de trabalho; (ix) o aproveitamento turístico de feiras, exposições de negócios, congressos e simpósios internacionais, apoiados logística, técnica ou financeiramente por órgãos governamentais, realizados em mercados potencialmente emissores de turistas para a divulgação do Brasil como destino turístico; (x) o fomento e a viabilização da promoção do turismo, visando à captação de turistas estrangeiros, solicitando inclusive o apoio da rede diplomática e consular do Brasil no exterior; (xi) o tratamento diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte de turismo; (xii) a geração de empregos; (xiii) o estabelecimento de critérios de segurança na utilização de serviços e equipamentos turísticos; e (xiv) a formação de parcerias interdisciplinares com as entidades da administração pública federal, visando ao aproveitamento e ordenamento do patrimônio natural e cultural para fins turísticos. O Comitê Interministerial de Facilitação Turística, cuja composição, forma de atuação e atribuições serão definidas pelo Poder Executivo, será presidido pelo Ministro de Estado do Turismo. O Ministério do Turismo poderá buscar, no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, apoio técnico e financeiro para as iniciativas, planos e projetos que visem ao fomento das empresas que exerçam atividade econômica relacionada à cadeia produtiva do turismo, com ênfase nas microempresas e empresas de pequeno porte.O Ministério do Turismo poderá buscar, no Ministério da Educação e no Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito de suas respectivas competências, apoio para estimular as unidades da Federação emissoras de turistas à implantação de férias escolares diferenciadas, buscando minorar os efeitos da sazonalidade turística, caracterizada pelas alta e baixa temporadas. O Ministério do Turismo, diretamente ou por intermédio do Instituto Brasileiro de Turismo – EMBRATUR, poderá utilizar, mediante delegação ou convênio, os serviços das representações diplomáticas, econômicas e culturais do Brasil no exterior para a execução de suas tarefas de captação de turistas, eventos e investidores internacionais para o País e de apoio à promoção e à divulgação de informações turísticas nacionais, com vistas na formação de uma rede de promoção internacional do produto turístico brasileiro, intercâmbio tecnológico com instituições estrangeiras e à prestação de assistência turística aos que dela necessitarem. 5 Apontamentos ao Inventário da Oferta Turística: Breves Comentários aos Instrumentos fixados pela Lei nº 11.771/2008 Diante das ponderações apresentadas, cuida reconhecer, de início, que o inventário de oferta turística substancializa instrumento peculiar da Política Nacional de Turismo, cujo escopo é servir de mecanismo para a estruturação do turismo sustentável e de qualidade nas regiões contempladas. A inventariação se presta para registrar, relacionar, contar e conhecer aquilo de que se dispõe e gerar, a partir disso, informação para refletir de que forma é possível alcançar determinada meta. Com efeito, em sede de turismo, o inventário consiste em levantar, identificar, registrar e divulgar os atrativos, os serviços e os equipamentos turísticos, tal como as estruturas de apoio ao turismo, às instâncias de gestão e outros itens e condições em gerais que permitem a atividade turística, com arrimo nas informações reunidas, a fim de planejar e gerenciar adequadamente o processo de desenvolvimento. Assim, é perceptível que o escopo é dar conhecimento do que um município tem que seja passível de utilização para fins turísticos para alicerçar as ações de planejamento, gestão, promoção e incentivo à comercialização do turismo a partir do emprego de uma metodologia-padrão para inventariar a oferta turística do país, de modo a disponibilizar aos planejadores, gestores e visitantes informações confiáveis e atualizadas. Neste aspecto, a inventariação encontra justificativa na premissa que ela é utilizada para desenvolver as potencialidades turísticas de cada região, conjugando planejamento e confiabilidade nos dados reunidos, os quais subsidiarão análises e decisões acertadas. Os procedimentos permitem conhecer as características e a dimensão da oferta, o que vindica melhorias ou aperfeiçoamento, bem como as iniciativas a serem tomadas e que podem permitir aos municípios, regiões, estados e ao país o desenvolvimento de um turismo competitivo e sustentável. Desta sorte, de posse desses resultados, é possível o planejamento e o investimento com maior segurança, norteando os negócios e as políticas de turismo. Ao lado disso, cuida reconhecer que a confecção de tal inventário exige a mais ampla participação, sensível ao fato de que os aspectos técnicos, para os quais inventariantes e inventariados devem estar peculiarmente preparados, sejam os profissionais de turismo e de outras áreas, as comunidades receptoras, os representantes dos municípios e dos estados, assim como a iniciativa privada. Primeiramente, deve-se conhecer com profundidade os instrumentos elaborados e disponibilizados pelo Ministério do Turismo, além dos aspectos operacionais e das condições para a gestão do processo de inventariação em sintonia com a realidade de cada município. É preciso articulação para se trabalhar de forma integrada e regionalizada, além de muita sensibilidade ao dar início às ações de abordagem, mobilização e parceria, fato decisivo para o envolvimento e colaboração das comunidades, detentoras do verdadeiro conhecimento que faz o diferencial na questão identitária de cada destino turístico.   Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/apontamentos-ao-inventario-da-oferta-turistica-breves-comentarios-aos-instrumentos-fixados-pela-lei-n-11-771-2008/
O superfaturamento por meio dos jogos de planilha em contratos administrativos oriundos de certame licitatório
O presente trabalho trata do superfaturamento em licitações e contratos administrativos por meio de “jogo de planilha”. Para tanto, num primeiro momento elaborou-se o estudo acerca do procedimento licitatório. Posteriormente foram analisados os principais elementos do contrato administrativo. A abordagem foi feita a partir da doutrina, jurisprudência e dados disponibilizados pela Corregedoria Geral da União e Tribunal de Contas da União em razão da publicidade dos atos. Rotineiramente os noticiários abordam fraudes que são cometidas em certames licitatórios, causando grande prejuízo para o erário. Então, a importância do estudo é trazer para discussão uma das fraudes que é mais comum em licitações, que é o superfaturamento. Também, as formas de evitar e/ou coibir tal prática, visando o atendimento ao interesse coletivo. Por isso, foi realizado um estudo acerca das fases da licitação e principais características do contrato administrativo. Assim, é possível verificar que com a aplicação da Lei de Licitações, as fraudes podem ser evitadas/coibidas, com foco principal em realizar a fase interna da licitação de forma mais detalhada para que o contrato seja pouco alterado e, sendo necessária a alteração, as cláusulas benéficas para o interesse Público sejam mantidas proporcionalmente.[1]
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho busca abordar o superfaturamento por meio do “jogo de preços”, para que seja possível apontar possíveis formas de evitar e punir quem comete tal prática. O objetivo geral do trabalho é analisar a prática do superfaturamento em processos licitatórios e contratos administrativos. Os objetivos específicos são: descrever o processo de licitação até a fase contratual e apontar as formas de evitar a ocorrência dos “jogos de planilhas”. A pesquisa será de natureza básica, considerando a busca de conhecimentos para a formulação de hipóteses. Já do ponto de vista da forma de abordar o problema, será feita uma abordagem qualitativa, buscando identificar e compreender os dados da pesquisa coletados por meio de revisão bibliográfica, valendo-se de fontes teóricas como livros e artigos, bem como a legislação e jurisprudência acerca da matéria. Também será quantitativa com uso de informações numéricas acerca do tema. A investigação proposta neste trabalho dar-se-á através do método de abordagem dedutivo, pretendendo no final confirmar as hipóteses formuladas. 1 – SUPERFATURAMENTO DEVIDO AO "JOGO DE PLANILHA" 1.1 SUPERFATURAMENTO E “JOGO DE PLANILHA” Primeiramente, cabe verificar o conceito de superfaturamento. Os peritos criminais engenheiros do Departamento de Polícia Federal, no Manual de Cálculo do Superfaturamento e outros Danos ao Erário, conceituam superfaturamento como sinônimo de dano ao erário caracterizado por: “a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas; b) pagamento de obras, bens e serviços por preços manifestamente superiores à tendência central (mediana ou média) praticada pelo mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, bem como pela prática de preços unitários acima dessa tendência central (mediana ou média) de mercado; c) deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resulte em diminuição da qualidade, vida útil ou segurança; d) quebra do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em desfavor da Administração por meio da alteração de quantitativos e/ou preços (jogo de planilha) durante a execução da obra; e) alteração de cláusulas financeiras gerando recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual ou reajustamentos irregulares; e f) superdimensionamento ou subdimensionamento de quantidades e/ou qualidades de materiais ou serviços, além ou aquém das necessárias segundo práticas e normas de engenharia vigentes à época do projeto.”[2]  A partir disto será feita uma abordagem sobre o “jogo de planilha”, com demonstração das medidas preventivas e das sanções cabíveis, visto que ainda que haja o termo aditivo no contrato, o § 1º da alínea “d”, inciso II, artigo 65 da Lei 8.666/93, determina que tais alterações, para as situações lá previstas, devem manter as mesmas condições iniciais. Assim, a fraude de “jogo de planilha” ou “jogo de preços” ocorre da seguinte forma: “[…] Na distribuição de recursos ao longo do cronograma da obra origina-se em orçamentos que apresentam preços unitários superiores aos de mercado nos serviços a serem executados inicialmente, compensados por reduções significativas nos preços dos serviços a executar no final do contrato, de forma a manter o valor global do contrato dentro dos valores de mercado”.[3] Geralmente as obras públicas precisam de aditivos contratuais que alteram o ponto do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. É necessário que o gestor público tenha condições de mensurar a alteração para evitar irregularidades. Existem também propostas chamadas de fictícias ou de cobertura (forma mais comum de conluio, por conferirem um caráter aparente de competitividade ao certame licitatório)[4] e as rotativas ou rodízio (quando as empresas cartelizadas combinam o vencedor da licitação).[5] 1.2 MEDIDAS PRÉVIAS As medidas prévias visam evitar a ocorrência do superfaturamento por “jogo de preços/planilha”. Tais medidas podem ser tomadas por meio da aplicação do critério de preços unitários e/ou também pela elaboração de projeto executivo prévio. Por isso, estes métodos são: “[…] medidas adotadas para se precaver de possíveis jogos de planilha e são aplicadas no edital de licitação. Uma delas é garantir um projeto básico de qualidade, visando diminuir o risco de assimetria de informação, tanto entre os concorrentes, como também entre os licitantes e a Administração Pública”.[6] Considerando que são, principalmente, duas condições que possibilitam a ocorrência de “jogo de planilha”: projeto básico deficiente e ausência de critério de aceitabilidade de preços unitários. É necessário o planejamento adequado durante todo o certame licitatório desde a fase interna até a fase contratual. Outrossim, a Lei de Licitações preceitua no artigo 40, inciso X,  o critério de aceitabilidade de preço unitário, sendo previsto no edital da licitação e “[…] tendo como limite máximo dos preços unitários os do orçamento-base integrante do Projeto Básico e elaborado de acordo com os preços médios do mercado.”[7] Tal critério deve ser analisado juntamente com o parágrafo 3º do artigo 44 da referida Lei, que dispõe acerca da inadmissibilidade da proposta que apresente preços globais ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero. Indica ainda como devem ser analisadas as propostas no artigo 48, II, §§ 1º e 2º, para desclassificação. Nesse sentido a Súmula nº 25 do Tribunal de Contas da União refere que “nas contratações de obras e serviços de engenharia, a definição do critério de aceitabilidade dos preços unitários e global, com fixação de preços máximos para ambos, é obrigação e não faculdade do gestor.”[8] Assim, com a adoção deste critério, se evita que a proposta com sobrepreços unitários seja selecionada. 1.3 MEDIDAS SANEADORAS/POSTERIORES Ao ser verificada a ocorrência da prática de superfaturamento em licitações e/ou contratos administrativos busca-se evitar a rescisão contratual por nulidade, pois os prejuízos seriam maiores em razão da obra ficar paralisada. O Tribunal de Contas da União, nestes casos, busca realizar a repactuação contratual utilizando o método do balanço ou o método do desconto. 1.3.1 Método do Balanço Como já foi abordado neste trabalho, o orçamento busca informar o preço de mercado do objeto da licitação. Assim, ao considerar o custo unitário deste objeto em caso de alteração contratual, é benéfico para a Administração. Consoante a orientação técnica 005/2012 do Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas: “a discriminação de cada insumo, unidade de medida, sua produtividade/consumo na realização do serviço, preço unitário e custo parcial e o custo unitário total do serviço, representado pela soma dos custos parciais de cada insumo”[9] são importantes. O método do balanço, como é posterior ao contrato, baseia-se nas informações constantes no mercado. Assim, deve ser realizado um balanço para verificar os valores pagos em excesso, bem como as alterações que foram realizadas, apurando-se as consequências financeiras dessas modificações confrontando-se os preços da contratada com os preços de mercado.[10] No entanto, este método só será utilizado quando ocorrerem mudanças quantitativas e/ou qualitativas no contrato, bem como quando não forem adotadas as medidas prévias antes referidas. 1.3.2 Método do Desconto Quando na planilha do licitante constar preços muito diferentes dos de mercado, deve a Administração buscar o desconto de forma proporcional. Assim, desde já inibe a prática de superfaturamento depois de firmado o contrato administrativo, conforme afirma Junior Pedro de Sousa Oliveira “[…] o desconto original, caso exista, deve ser mantido para os termos aditivos, ressalvadas as situações excepcionais previstas legalmente.[11] Desta forma, se pretende que o previsto na alínea “d” do artigo 65 da Lei 8.666/93, seja mantido até o final da obra. Assim como no método do balanço, o método do desconto será aplicado quando a adjudicação for realizada por menor valor global, ocorrendo modificações quantitativas e/ou qualitativas durante a fase contratual. 1.4.3 Método da Comparação com a Segunda Licitante Me­lhor Classificada Este método na verdade cabe para comparar a proposta vencedora da licitação com os demais concorrentes. Neste caso, após as alterações contratuais, comparando licitante que ficou na segunda melhor classificação será apurado se houve ou não superfaturamento no contrato firmado com o vencedor. 1.4 CORRUPÇÃO Os casos de corrupção causam grandes prejuízos à sociedade e ao erário, uma vez que há desvio de dinheiro público para beneficiar uma minoria, por isso é importante ressaltar o que a Controladoria Geral da União estabelece: “O agente público não pode, no desempenho de sua função, desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, em sua atuação, não pode decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto, consoante as regras contidas no art. 37, caput e § 4º, da Constituição Federal. Isso porque a moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da ideia de que o fim é sempre o bem comum.”[12] São considerados indicativos de corrupção: “o financiamento de campanha, empresas constituídas em início de mandato, direcionamento de licitações, licitações fictícias, mesma diagramação, notas fiscais ‘frias’, valores próximos de R$ 8 mil.”[13] Para evitar a corrupção é de suma importância que os atos da Administração, principalmente em casos de licitações e contratos, sejam fiscalizados durante todo o certame, visto que “fiscalização é a atividade que deve ser realizada de modo sistemático pelo contratante e seus prepostos, com a finalidade de verificar o cumprimento das disposições contratuais, técnicas e administrativas em todos os seus aspectos”[14]. O plano de fiscalização anual (Fiscobras) que verifica a execução de obras financiadas pela União, por determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), por meio de auditorias, constatou muitas irregularidades: “No âmbito do Fiscobras 2015, foram realizadas 97 fiscalizações, correspondentes a 189 empreendimentos auditados in loco, para atendimento às determinações da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). As 97 fiscalizações ocorreram nas áreas de infraestrutura urbana (52%), transportes (22%), edificações (16%), energia (7%) e obras hídricas (3%). Foram encontradas 535 irregularidades relacionadas com execução de obra (44,3%), processo licitatório (42,3%), projeto básico ou executivo (32%), formalização e execução do convênio (25,8%), sobrepreço/superfaturamento (21,6%) e fiscalização de obra (12,4%), entre outras”.[15] Em razão da importância do tema, a legislação está sendo cada vez mais aprimorada para evitar, proibir e punir condutas ilícitas. Com a atuação dos controles interno e externo e aplicação dos dispositivos legais a esperança é a de que pessoas corruptas se conscientizem do mal que praticam. 1.5 TRANSPARÊNCIA E LEI ANTICORRUPÇÃO Além da Lei de Licitações, é possível apontar outras disposições legais importantes para o combate à corrupção. Uma das leis mais importantes é a Lei 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Os artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429/92 relacionam os três grupos de improbidade administrativa, que importam, respectivamente: em ganho patrimonial ilícito para o próprio agente público, prejuízo patrimonial para a entidade administrativa, em violação aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Considerando que nestes artigos consta a expressão “e notadamente”, Pedro Roberto Decomain leciona que “denota claramente que as listas de atos de improbidade administrativa que se seguem ao longo dos incisos são meramente exemplificativas e não meramente taxativas”.[16] Em razão da independência das esferas o agente público pode ser responsabilizado administrativa, civil e penalmente, bem como por ato de improbidade administrativa. Aluízio Bezerra Filho conceitua improbidade administrativa da seguinte forma “[…] reside na conduta desonesta do agente político ou público no trato de assuntos atinentes à administração pública”[17]. Os atos de improbidade podem ocorrer de forma isolada ou de forma conjugada. A Lei de Improbidade Administrativa traz sanções para empresas que cometem fraudes em licitações. Uma das sanções é a declaração de inidoneidade da empresa para contratar com a Administração. No entanto, “faculta-se a ‘reabilitação’ do sujeito declarado inidôneo, a ser concedida mediante ressarcimento pelo interessado dos prejuízos derivados de sua conduta”[18] [grifo do autor]. Existem várias leis que fornecem mecanismos para prevenção e repressão da corrupção, denominado ‘Sistema nacional de combate à corrupção’, sendo que este bloco de leis introduz um verdadeiro ‘sistema legal de defesa da moralidade’[19]. Assim, em razão da publicidade foi editada a Lei 12.527/2011, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Outrossim, a Controladoria Geral da União expõe: “a transparência e o acesso à informação são essenciais para a consolidação do regime democrático e para a boa gestão pública […] os cidadãos podem acompanhar a implementação das políticas públicas e fiscalizar a aplicação do dinheiro público”[20]. Os gestores poderão ser fiscalizados de forma fácil, rápida e eficiente, sendo esta informação disponível para quem quiser acessar. Cabe fazer a diferenciação das esferas penal e administrativa, considerando que “os fatos erigidos a tipo penal recebem uma sanção mais severa, privando o indivíduo de sua liberdade. Já o ilícito administrativo gera sanções como advertência e destituição de cargos.[21] Operações são realizadas no Brasil inteiro buscando fiscalizar e punir os agentes que cometem fraudes, como por exemplo:  “Operação Semilla”: Operação conjunta da CGU com a Superintendência de Polícia Federal e Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, realizada em 13 de maio de 2015 […]. Segundo as investigações, o esquema agia em benefício de empresas do setor agropecuário e agroindustrial. O grupo, por exemplo, reduzia valores de multas aplicadas, avocava processos para evitar a cobrança de infrações e agilizava procedimentos para ajudar empresas. Além disso, também foi constatada a existência de empresas e empresários que eram avisados previamente sobre fiscalizações realizadas por fiscais federais agropecuários. Também foi descoberto pagamentos de propina a agentes públicos por empresa prestadora de serviços relacionados a eventos promovidos pela superintendência. Os valores eram superfaturados e parte do pagamento era desviado para a conta de uma empresa que distribuía os valores entre o grupo”[22]. Com intuito de evitar fraudes e a consequente dilapidação do patrimônio público, algumas práticas merecem destaque como: edital de licitação bem elaborado, orçamento buscando o preço de mercado, projeto básico e projeto executivo de forma detalhada, com preços unitários, bem como afirma Heinen, “aumento da fiscalização; buscar um produto que possa ser renovado futuramente, para que a próxima aquisição não seja de contratação direta por haver fornecedor exclusivo; documentar os aspectos das licitações, contratações e execuções, dentre outras.”[23] Nesse sentido Rafael Maffini aponta que a fiscalização é “prerrogativa (cláusula exorbitante), consiste na possibilidade de a Administração Pública promover a fiscalização da execução do contrato, qualquer que seja a natureza de seu objeto”[24]. Também visando ao combate à corrupção, em 2013 foi editada e promulgada a Lei Anticorrupção sob o número 12.846, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. O referido diploma legal, segundo Heinen, “tem por meta coibir os atos de corrupção administrativa, que, sob diversas maneiras, desvirtua as premissas basilares que norteiam a Administração Pública.”[25] Em suma, ao longo do trabalho foram abordados os fatores que influenciam na ocorrência de fraudes. A sugestão é de que seja organizada uma equipe para auxiliar a Comissão de Licitação. Pessoas de diversas áreas como engenheiros, contadores, advogados, para que colaborem com seus conhecimentos técnicos. Assim, embora necessário investir em pessoas qualificadas, os prejuízos à Fazenda Pública serão diminuídos. 2. LICITAÇÃO 2.1 CONCEITO, PREVISÃO LEGAL E COMPETÊNCIA LEGISLATIVA O procedimento licitatório é prévio à contratação pela Administração Pública, sendo necessário para que seja assegurada a melhor proposta para atender ao interesse público. Tal procedimento é exigido por lei para que o Poder Público compre, venda, faça locação de bens, realize obras ou adquira serviços, de forma que as condições são previamente estipuladas. Sobre o assunto, a Controladoria Geral da União afirma que: “Licitação é um procedimento administrativo formal, isonômico, de observância obrigatória pelos órgãos/entidades governamentais, realizado anteriormente à contratação, que, obedecendo à igualdade entre os participantes interessados, visa escolher a proposta mais vantajosa à Administração, com base em parâmetros e critérios antecipadamente definidos em ato próprio (instrumento convocatório)”.[26] Licitação conceituada por Celso Antônio Bandeira de Mello como sendo “[…] um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas”.[27] 2.2 EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO No que tange à exigência de licitação, cabe lembrar o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que ressalva os casos especificados na legislação, quando não há exigência de licitar. De regra, há a exigência de certame licitatório para obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações, na forma do artigo 1º da Lei de Licitações.[28] A Constituição prevê no artigo 173, §1º, inciso III, um regime diferenciado de licitações e contratos para empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção e comercialização de bens ou de prestação de serviços. Já no artigo 175 da Carta Magna há previsão de que é obrigatória licitação para concessão e/ou permissão de serviços públicos. Tal dispositivo foi regulamentado pela Lei 8.987/95, aplicando-se subsidiariamente a Lei de Licitações. Neste caso, não há ressalva no tocante a obrigatoriedade de licitar. A Administração Direta, a Administração Indireta, os Fundos Especiais, as Entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, subordinam-se à Lei de Licitações. Já para as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista das exploram atividades econômicas não há exigência da aplicação da Lei de Licitações no que diz respeito a sua atividade-fim, sendo obrigatória no que tange a sua atividade-meio. 2.3 PRINCÍPIOS É possível verificar na doutrina vários princípios atinentes às licitações. Mello aponta que “os princípios cardeais da licitação poderiam ser resumidos nos seguintes: a) competitividade; b) isonomia; c) publicidade; d) respeito às condições prefixadas no edital; e e) possibilidade de o disputante fiscalizar o atendimento aos princípios anteriores.”[29] Quanto aos princípios gerais, os principais são os seguintes: legalidade (artigo 4º Lei de Licitações); impessoalidade e igualdade (artigo 3º, §1°, da Lei de Licitações); moralidade e probidade (considerando que a inobservância destes princípios pode acarretar a prática dos crimes tipificados nos artigos 89 e seguintes da Lei de Licitações) e publicidade (para garantir a transparência do certame licitatório, resguardado o sigilo das propostas). Quanto aos princípios específicos da seara licitatória, na Lei 8.666/93, o artigo 3º, caput, apresenta os objetivos e princípios que regem as licitações. Além dos princípios básicos previstos, tal dispositivo legal faz alusão aos princípios correlatos (que derivam dos básicos), que por sua vez são previstos ao longo do texto da Lei, quais sejam: competitividade (artigo 3º, §1°, I); indistinção (artigo 3°, §1°, II); padronização (artigo 11); inalterabilidade do edital (artigo 41); sigilo das propostas; vedação à oferta de vantagens (artigo 44, §2°) e ampla defesa (artigo 87). A doutrina aponta ainda os princípios do Formalismo Procedimental (qualquer mudança das formalidades elencadas na Lei de Licitações pode acarretar ilegalidade do procedimento); Princípio da Obrigatoriedade e o Princípio da Adjudicação Compulsória (a adjudicação somente pode ser feita ao vencedor). 2.4 DISPENSA E INEXIGIBILIDADE As hipóteses excludentes de licitação, ou seja, quando deixa de ser obrigatória, são dispensa e inexigibilidade, quando haverá a contratação direta do particular, tendo vista que “a singularidade consiste na ‘impossibilidade de encontrar o objeto que satisfaz o interesse público dentro de um gênero padronizado, com uma categoria homogênea’. É aquele que poderia ser qualificado como infungível”[30]. No primeiro caso, mesmo sendo possível a licitação, em virtude do interesse público será dispensada a realização do certame. No entanto, a Administração deverá justificar os motivos para a sua discricionariedade, pormenorizadamente, demonstrando de forma indubitável os motivos que levaram o administrador a utilizar do seu juízo de oportunidade e conveniência.[31] Os casos de licitação dispensável estão previstos no artigo 24 da Lei de Licitações. Os casos de licitação inexigível estão arrolados no artigo 25 do mesmo diploma legal. 2.5 MODALIDADES DE LICITAÇÃO O artigo 22 da Lei de Licitações aponta que as modalidades de licitação são: concorrência; tomada de preços; convite; concurso e leilão. A própria lei conceitua as modalidades, dos parágrafos primeiro ao parágrafo quinto do mesmo artigo. 2.6 FASE INTERNA DA LICITAÇÃO A fase interna do procedimento licitatório é destinada para o planejamento do certame. Antes de iniciar o empreendimento, o órgão deve levantar suas principais necessidades, definindo o universo de ações e empreendimentos que deverão ser relacionados para estudos de viabilidade. Esse é o programa de necessidades. “[…] Os estudos de viabilidade objetivam eleger o empreendimento que melhor responda ao programa de necessidades, sob os aspectos técnico, ambiental e socioeconômico.”[32] Comissão de licitação é criada pela Administração com a função de receber, examinar e julgar todos os documentos e procedimentos relativos a licitações públicas nas modalidades concorrência, tomada de preços e convite[33]. Mello explica sinteticamente as fases do certame licitatório: “a) edital – ato pelo qual são convocados os interessados e estabelecidas as condições que irão reger o certame; b) habilitação – ato pelo qual são admitidos os proponentes aptos; c) julgamento com a classificação – ato pelo qual são ordenadas as propostas admitidas; d) homologação – ato pelo qual se examina a regularidade do desenvolvimento do procedimento anterior; e)adjudicação – ato pelo qual é selecionado o proponente que haja apresentado proposta havida como satisfatória.”[34] Após a definição do objeto e dos recursos para a despesa a Comissão elabora o edital, que segundo a Corregedoria Geral da União tem como função principal a de “[…] estabelecer as regras definidas para a realização do procedimento, as quais são de observância obrigatória, tanto pela Administração, quanto pelos licitantes. Após a publicação do edital, qualquer falha ou irregularidade constatada, se insanável, levará à anulação do procedimento.”[35] 2.7 FASE EXTERNA DA LICITAÇÃO Com a publicação do edital é iniciada a fase externa da licitação. Além de determinações básicas o edital deve conter elementos que deverão ser indicados no texto. Tais requisitos são previstos no artigo 40 da Lei 8.666/93. O edital é a lei interna da Licitação, sendo que por meio dele a Administração leva ao conhecimento de todos a intenção de contratar, podendo o licitante ou cidadão impugnar, forte no artigo 41 da Lei de Licitações. A Administração tem três dias para sua manifestação, abrindo novo prazo para impugnações após o aditamento. O cidadão também pode impugnar o edital, assim como representar ao Tribunal de Contas ou órgãos do controle interno irregularidades, consoante a previsão dos artigos 101 e 113 da Lei 8.666/93. Após a publicação do edital, a próxima fase é a de habilitação, oportunidade em que a Administração verifica a aptidão do candidato para futura contratação. Por isso, nesta fase os candidatos apresentam os envelopes, no horário marcado pela Comissão de Licitação, um contendo os documentos para habilitação e outro com a proposta. Se o candidato for inabilitado, o envelope da proposta nem será aberto. Ato contínuo, a fase de classificação das propostas, que visa analisar as formalidades da proposta. Di Pietro aponta que “na terceira fase do procedimento, a Administração faz o julgamento das propostas, classificando-as pela ordem de preferência, segundo critérios objetivos constantes no edital.”[36] Se todos forem tidos como inabilitados, aplica-se a regra do artigo 48, §3°, da Lei de Licitações. Havendo empate, deve ser aplicado o disposto no artigo 45, §2º, da Lei 8.666/93. Então, após a publicação do edital, abertura dos envelopes, classificação e julgamento das propostas, vem a fase de homologação, que é o ato de aprovação que confirma a validade do certame. A próxima fase é da adjudicação, quando a Administração Pública confere ao licitante a qualidade de vencedor da licitação, sendo este o titular da preferência para a celebração do contrato. Neste momento, importante se faz analisar o artigo 64 da Lei de Licitações. Tal dispositivo trata acerca da convocação do interessado para assinatura do contrato. No §2º do referido dispositivo resta claro que a convocação é uma faculdade da Administração, podendo revogar o certame no caso de ser a medida que mais atende ao interesse Público. As fases que foram abordadas se referem à modalidade de concorrência, que é a mais formal, sendo que as demais têm procedimentos mais simplificados. Observa-se que nas modalidades de convite, leilão e concurso não há fase de habilitação, também chamada de qualificação. Em suma, o certame licitatório tem várias fases que, apesar de tornar burocrática a contratação, visam alcançar o interesse público, sendo que após as fases da licitação serem cumpridas será feita a homologação e adjudicação e dado início ao cumprimento do contrato, que possui as seguintes características conforme Di Pietro: “1. Presença da Administração Pública como Poder Público; 2. Finalidade Pública; 3. Obediência à forma prescrita em lei; 4. Procedimento legal; 5. Natureza de contrato de adesão; 6. Natureza intuitu personae; 7. Presença de cláusulas exorbitantes; 8. Mutabilidade.”[37] O que faz com que estas sejam as características do contrato administrativo é a supremacia do interesse público sobre o particular, por isso é possível a existência de cláusulas exorbitantes. 3. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Os principais contratos administrativos são os de obra pública, de serviço, de fornecimento, de alienação, de gerenciamento, de empréstimo público, de concessão (se serviço público, obra pública, uso de bem público e parceria-público-privada) e o contrato de permissão. Considerando que o contrato administrativo é importante para as diversas modalidades de licitações, em alguns casos é obrigatório, como demonstra a Controladoria Geral da União, no sentido de que: “O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço, observadas as disposições da lei quanto às cláusulas necessárias aos contratos.”[38] O artigo 56 da Lei Federal das Licitações e Contratos prevê, facultativamente, o direito da Administração Pública exigir garantia visando assegurar a execução do contrato. Por outro lado, o contratado poderá pedir a substituição da garantia por outra que seja mais conveniente. Neste caso, a Administração Pública vai analisar o pedido levando em conta o interesse Público, caso aceitar, será aplicado o previsto no artigo 65, inciso II, alínea “a”, da Lei de Licitações. Mesmo havendo previsão legal para que a elaboração dos contratos decorrentes de procedimento licitatório seja de que “os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam”[39], consoante o §1º, do artigo 54, da Lei das Licitações, existem fraudes que desrespeitam este dispositivo legal. 3.1 CLÁUSULAS EXORBITANTES Existem cláusulas, que estão previstas no artigo 55 da Lei 8.666/93, que em caso de ausência de qualquer delas haverá nulidade do contrato administrativo, mas também a Administração pública tem algumas prerrogativas e privilégios para atender ao interesse público, chamadas de cláusulas exorbitantes. As cláusulas exorbitantes estão no artigo 58 da Lei de Licitações (1993), que resumidamente são direitos conferidos à Administração de modificar e rescindir unilateralmente os contratos, bem como fiscalizar a execução, aplicar sanções e apurar faltas contratuais.[40] De acordo com Helly Lopes Meirelles: “Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado. As cláusulas exorbitantes não seriam lícitas num contrato privado, porque desigualariam as partes na execução do avençado; mas são absolutamente válidas no contrato administrativo, uma vez que decorrem da lei ou dos princípios que regem a atividade administrativa e visam a estabelecer prerrogativas em favor de uma das partes, para o perfeito atendimento do interesse público, que se sobrepõe sempre aos interesses particulares”.[41] No caso de a Administração não cumprir a sua parte, em nome do princípio da continuidade do serviço público o contratado deve continuar prestando o serviço por 90 dias, esta é a cláusula denominada “Exceptio non adimpleti contractus”. Tal cláusula é prevista nos artigos 476 e 477 do Código Civil, significando que o devedor pode escusar-se de cumprir a sua parte no contrato em razão de o contratante não ter cumprido com o que lhe competia. Pode ser definida como “[…] um meio de defesa, pelo qual a parte demandada pela execução de um contrato pode arguir que deixou de cumpri-lo pelo fato da outra também não ter satisfeito a prestação correspondente.”[42] Existe também a chamada “exceção do contrato parcialmente cumprido”. Neste caso, “nada difere da anteriormente aventada, tendo em vista que quem cumpre parcial, defeituosa ou inexatamente não deixa de estar descumprindo”.[43] Logo, é possível concluir que uma das partes exige o cumprimento do contrato para que então a outra parte possa alegar uma das exceções antes abordadas. 3.2 MUTABILIDADE/ALTERAÇÃO DO CONTRATO As cláusulas que tratam da remuneração somente podem ser alteradas com a anuência do Estado, consoante artigo 55, II, da Lei de Licitações. Mesmo que haja alteração contratual deve ser preservado o equilíbrio econômico-financeiro, que “[…] consiste na manutenção das condições de pagamento estabelecidas inicialmente no contrato, de maneira que se mantenha estável a relação entre as obrigações do contratado e a justa retribuição da Administração pelo fornecimento de bem, execução de obra ou prestação de serviço.”[44] Mesmo sendo comum fazer aditivos em contratos provenientes de certames licitatórios, para que o interesse público e os princípios acima elencados sejam obedecidos é necessário que seja preservado o equilíbrio econômico-financeiro. No caso de superfaturamento por “jogos de planilhas” é justamente nesta etapa que as empresas visam a um lucro exorbitante, acabando muitas vezes não sendo mais a proposta mais vantajosa, visto que o “[…] equilíbrio econômico-financeiro ou equação econômica financeira é a relação que se estabelece, no momento da celebração do contrato, entre o encargo assumido pelo contratado e a contraprestação assegurada pela Administração.”[45] Outros pontos que merecem destaque são os princípios e fundamentos regentes dos contratos: 1. Lei entre as partes; 2. Observância do pactuado (Pacta sunt servanda) e 3. Rebus sic standibus, que se desdobra nos casos de força maior, caso fortuito, fato príncipe, fato da Administração e interferências imprevistas. Como ponto comum que é a imprevisibilidade, é possível citar a força maior (evento da natureza), caso fortuito (evento humano que afeta o cumprimento do ajuste) e fato do príncipe (ato geral do Poder Público que onera a execução do contrato). Também há o Fato da Administração que incide sobre o contrato. As interferências imprevistas criam dificuldade e oneram o contrato, sendo necessária adequação dos preços e prazos. Logo, em havendo fato novo e superveniente ao contrato, sendo ele imprevisto ou imprevisível aplica-se a cláusula rebus sic stantibus, que autoriza a revisão dos contratos aplicando-se a teoria da imprevisão. Para haver a recomposição do equilíbrio econômico financeiro do contrato a Constituição (art 37, XXI) permite a recomposição de preços, que pode ser assim conceituada: “A recomposição de preços, por vezes nominada como revisão de preços, tem lugar naqueles casos em que a mantença do equilíbrio econômico-financeiro não pode ser efetuada ou eficazmente efetuada pelos reajustes, pois trata-se de considerar situações novas insuscetíveis de serem por estes corretamente solucionáveis”.[46] Diferente é o conceito de reajuste, que se trata de cláusula que visa à composição dos preços por meio da correção monetária. O Tribunal de Contas da União tem posicionamento no sentido de que “para concessão de reajuste, o marco inicial conta-se da data da apresentação da proposta ou da ata do orçamento a que a proposta referir-se, conforme previsto no edital e no contrato, ou ainda do último reajustamento.”[47] A repactuação também busca o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, no entanto exige que seja feita análise sobre a necessidade de aumento do contrato.  A modificação de cláusulas contratuais sob o argumento de revisão, reajuste ou repactuação, busca manter o equilíbrio econômico financeiro do contrato com a Administração Pública. 3.2.1 Licitação e contrato O alastramento de fraudes causa prejuízo ao erário, o que é notório na sociedade, não atingindo a finalidade principal da licitação que é de obter proposta mais vantajosa.  Nas fases da licitação alguns pontos merecem destaque, pois vão refletir no contrato administrativo. Num primeiro momento ressalta-se o edital, que bem elaborado certamente evita a prática de fraudes em licitações. Assim, pode-se concluir que o edital rege o procedimento licitatório no qual os recursos públicos serão aplicados na fase posterior à licitação, chamada de fase contratual, com a finalidade de atender aos interesses de uma coletividade. O orçamento é outro ponto que deve ser muito bem elaborado na fase licitatória, visto que é com base nele que vai ser possível avaliar se o valor ofertado pelos licitantes está de acordo com preço de mercado ou não. Assim a importância de tal elemento é descrita: “O custo de uma obra normalmente é feito com os insumos (materiais) necessários, a mão de obra e os equipamentos utilizados para a execução dos serviços definidos. Essa forma tradicional de orçar define a forma como deve ser controlada a execução da obra e tem impacto direto sobre os termos aditivos ao contrato, que por sua vez, influenciam diretamente na ocorrência de jogo de planilha. Há diversos níveis de orçamento e quanto mais detalhado ou discriminado ele for, mais tenderá a se aproximar do custo real da obra. Isso é muito importante para a realização de uma perícia em obra de engenharia, considerando que irá definir o grau de certeza que o Perito disporá para conclusão do trabalho”[48] Da mesma forma ressalta-se a importância do projeto-básico, que compreende a reunião dos principais elementos para obras ou serviços, permitindo que os licitantes formulem sua proposta de acordo com a necessidade da Administração. Não sendo corretamente elaborado traz consequências “visto que o licitante, analisando o projeto e detectando a deficiência, pode fazer uso dos jogos de planilha para garantir superfaturamento da obra.”[49] Assim como o projeto básico, o projeto executivo também pode evitar fraudes em licitações. Quanto mais próximo do Projeto Executivo estiver o Projeto Básico, ou ainda, caso a Administração Pública opte pela inclusão do Projeto Executivo juntamente com o Projeto Básico no edital de licitação, menor será o risco de haver alterações contratuais durante a execução da obra ou do serviço de engenharia[50] (BARROSII, 2014, p. 13). 3.3 INEXECUÇÃO DO CONTRATO São hipóteses de extinção anômala do contrato administrativo a rescisão unilateral pela Administração Pública e a rescisão amigável ou judicial. O primeiro caso pode decorrer em razão de legalidade, inadimplemento pelo contratante particular ou razões de interesse público. Tais casos são enumerados no artigo 78, incisos I a XII e XVII, da Lei 8.666/93. Trata-se de medida auto-executável, visto que a Administração pode findar o contrato sem prévia ordem judicial. Somente haverá ressarcimento de prejuízos ao contratado se não houver descumprimento da sua parte, sobre rescisão amigável ou judicial se referem os incisos XII a XVII. No caso do previsto no artigo 78, inciso I, inadimplemento, não há ressarcimento forte no artigo 80 da Lei de Licitações, ainda que não tenha havido culpa do contratado. Sendo a rescisão consensual cabe à autoridade administrativa competente autorizar a elaboração do termo de distrato. Tal documento vai conter as condições do ajuste. Rescisão sem culpa do contratado (artigo 78 XVII da Lei 8.666/93), acarreta o pagamento de lucros cessantes, consoante preceitua o artigo 79, §2º, Lei 8.666/93. Nas hipóteses de caso fortuito e força maior não há culpa do contratado sendo cabível a indenização que era devida pela retomada pelo interesse publico. Por outro lado aponta Gasparini “diz-se que é com culpa quando o descumprimento do avençado decorre do comportamento da parte, matizado por negligência, imprudência ou imperícia.”[51] 3.4 EXTINÇÃO DO CONTRATO A extinção normal do contrato se dá com o cumprimento do mesmo, ou seja, com a conclusão dos trabalhos e a entrega do objeto ao contratante, ou ainda, pelo decurso do prazo de vigência do contrato. No artigo 57 da Lei Federal das Licitações e Contratos é estabelecido o prazo de duração dos contratos, podendo ser prorrogado até o limite máximo previsto na Lei. Tal dispositivo prevê que ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, com algumas exceções. Os casos de extinção dos contratos são abordados por Gasparini: “São fatos que extinguem o contrato administrativo: o cumprimento do objeto, o cumprimento do prazo, o desaparecimento do contratante particular, o desaparecimento do objeto. São atos que findam o ajuste: a rescisão administrativa, a rescisão consensual e a rescisão judicial”[52] [grifo do autor]. A entrega do objeto pressupõe o recebimento pela Administração, conforme os artigos 73 a 76 da Lei 8.666/93, que pode ser provisório ou definitivo. Será rejeitado, no todo ou em parte, objeto em desacordo com o contrato, sendo que de forem detectados vícios, defeitos ou incorreções, o contratado deverá reparar, corrigir, substituir ou reconstruir às suas expensas, no total ou em parte. 3.5 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO O Brasil adota o sistema de jurisdição única, sistema Inglês, no qual o Poder Judiciário exerce a atividade de controle, sendo que excepcionalmente a Administração decidirá, e quando isto ocorrer, esta decisão pode ser revista pelo Judiciário.  Os pilares de sustentação do controle administrativo são: o princípio da legalidade e o das políticas públicas.”[53]. Existem espécies de controle divididas quanto à extensão, ao momento, à natureza, ao órgão que o exerce. Quanto à extensão do controle se subdivide em controle interno, externo, externo popular. O controle interno é realizado por órgão integrante da própria estrutura do poder. Exercido de forma integrada entre os Poderes. Normalmente por meio de auditoria. As atividades tem sido intensificas: “A CGU, criada em 2003, reformulou as atividades de controle interno e corregedoria, com o objetivo declarado de combater a fraude e a corrupção. Culminou com a criação de uma secretaria específica no órgão, em 2006, para prevenção da corrupção: a Secretaria de Prevenção da Corrupção e de Informações Estratégicas (SPCI) […] Na ocasião, também foi criada uma Coordenação de Operações Especiais (DCOPE), que por meio de ações integradas com o Ministério Público Federal (MPF) e com o Departamento de Polícia Federal (DPF) intensificaram a apurações de denúncias e de representações de esquemas de corrupção.”[54] O controle externo ocorrerá quando o órgão que fiscaliza se situa em administração diversa daquela de onde a conduta administrativa se originou. É exercido pelo Poder Legislativo, Tribunal de Contas, Ministério Público, Poder Judiciário, tendo como limites a autonomia do órgão administrativo controlado, não podendo adentrar no exame da oportunidade, ressalvando-se o controle negativo, do “de mérito” ou “administrador negativo”. No que tange ao controle exercido pelo Tribunal de Contas é possível verificar que este trabalho é realizado com base nos artigos 70 e 71 da Constituição Federal, visto o que Gasparini aborda: “No exercício de sua competência, cabe ao Tribunal de Contas assinar prazo para que o órgão adote as providências necessários ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade, e, quando não atendido, sustar a execução do ato impugnado, comunicando essa decisão á Câmara dos Deputados e ao Senado Federal”[55]. Já o controle popular é aquele exercido nos Municípios por força do artigo 31 da Constituição Federal. O controle social é entendido como “a participação do cidadão na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da Administração Pública, […] importante mecanismo de fortalecimento da cidadania.”[56] No que tange ao momento que o controle é efetuado é possível dizer que pode ser prévio ou preventivo quando exercido antes de se consumar a conduta administrativa, ou ainda, pode ser concomitante quando acompanha a situação no momento em que ocorre. Também pode ser posterior ou corretivo, cujo objetivo é revisar os atos praticados. Assim Carvalho Filho discorre: “O controle prévio ( ou a priori ) é o exercido antes de consumar-se a conduta administrativa. Tem, por isso, natureza preventiva; Controle concomitante é aquele que se processa à medida que vai desenvolvendo a conduta administrativa. Esse controle tem aspectos preventivos e repressivos; Controle de ofício é o executado pela própria Administração no regular exercício de suas funções; Já o controle provocado é aquele deflagrado por terceiro.”[57] No que pertine à natureza do controle pode ser dividido em 1. Legalidade (conformidade com as normas) ou 2. De mérito (consoante análise de conveniência e oportunidade). Já quanto ao órgão que o exerce, tal controle pode ser: administrativo (legalidade e mérito), Legislativo, Político, Financeiro (Tribunais de Contas) e controle Judicial (restrito ao controle da legalidade e legitimidade do ato impugnado). 3.6 MEIOS DE CONTROLE São meios de controle: fiscalização hierárquica; supervisão ministerial; recursos administrativos; representação; reclamação; pedido de reconsideração e  recurso hierárquico. “Os controles internos ocorrem de ofício ou mediante provocação. Em geral a provocação advém de interposição de recurso administrativo.”[58] Os recursos administrativos são previstos no artigo 109 da Lei de Licitações. CONCLUSÃO O trabalho versa sobre um tema que atualmente está constantemente sendo debatido na mídia e pelos cidadãos brasileiros. Por ser amplo, tal temática não é exaurida em obras já existentes. A presente monografia visa trazer uma abordagem simples, objetiva e acessível para que seja uma forma de colaborar com a Administração Pública no sentido de identificar as formas de evitar o superfaturamento, principalmente por “jogo de planilha” em contratos/licitações. O interesse pelo tema objeto deste estudo foi despertado pelas constantes notícias de fraudes em licitações. Ao pesquisar foi possível identificar quais são as principais fraudes que ocorrem nos certames licitatórios. Assim, considerando que é de interesse da comunidade saber sobre os investimentos do dinheiro público, o estudo possibilitou entender melhor o processo licitatório e a forma de como são realizadas e cumpridas as contratações mediante licitações. Na doutrina pouco foi abordado sobre o tema de superfaturamento e “jogo de planilha”. Existem alguns trabalhos acadêmicos sobre o assunto, abordando a área de superfaturamento em obras de engenharia, também na área contábil no âmbito da contabilidade forense como forma de prevenção as fraudes. Na área jurídica quanto às fraudes em licitações geralmente é abordado no âmbito dos crimes praticados em licitações, com a aplicação da Lei 8.666/93 e da Lei 8.429/92. Na seara administrativa, que é a matéria do direito que se concentra este trabalho, será possível analisar o certame licitatório como um todo. Posteriormente, a prática do superfaturamento com foco no “jogo de planilha”. O trabalho foi dividido em três capítulos, sendo que o primeiro tratou especificamente da licitação. Elencou dispositivos da Constituição Federal e do Estatuto Jurídico das Licitações. Tratou dos seguintes pontos: conceito, previsão legal e competência legislativa; exigência de licitação; princípios; obrigação de licitar: dispensa e inexigibilidade; modalidades de licitação; fases da licitação. No próximo capítulo, tratou-se dos contratos administrativos. Tal abordagem diz respeito ao conceito, características, alteração, extinção, prazo e prorrogação/alterações, bem como foram abordadas as formas de controle interno e externo. Já no último capítulo foi abordado especificamente o superfaturamento, jogo de planilha, medidas para evitar e punir tal prática. Ante a análise do presente trabalho, é possível afirmar que as hipóteses levantadas foram confirmadas em razão de restar demonstrado que o planejamento do edital é de suma importância para evitar o superfaturamento por meio de “jogo de planilha”, por ser considerado uma medida prévia. Por fim, tratou-se de algumas leis que visam punir pessoas que agem de forma ilícita em prejuízo do interesse público. Desta forma a questão problema é respondida, considerando que as medidas para evitar o superfaturamento em licitações e punir quem comete tal ilícito, aplicando a Lei de Licitações, são: a aplicação do critério de preços unitários e elaboração de projeto executivo prévio. Não sendo realizadas estas medidas prévias, pode-se adotar as medidas saneadoras por meio do método de balanço (verificar os valores pagos em excesso, bem como as alterações que foram realizadas, apurando-se as consequências financeiras dessas modificações confrontando-se os preços da contratada com os preços de mercado) ou pelo método do desconto de forma proporcional. Outrossim, normalmente são necessários aditivos que alteram o contrato administrativo. Para que não ocorra fraude é importante preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Também, que seja aumentada a fiscalização para verificar o cumprimento das cláusulas contratuais, direito amparado pela Lei 12.527/2011, sendo que em caso de ilícitos os responsáveis sejam responsabilizados administrativa, civil e penalmente, ou ainda por ato de improbidade administrativa, com a aplicação da Lei 8.429/92, bem como da Lei Anticorrupção (no caso de pessoas jurídicas). Em suma, ao longo do trabalho foram abordados os fatores que influenciam na ocorrência de fraudes. A sugestão é de que seja organizada uma equipe para auxiliar a Comissão de Licitação. Pessoas de diversas áreas como engenheiros, contadores, advogados, para que colaborem com seus conhecimentos técnicos.
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Primeiros comentários ao poder regulamentar da administração pública
Em sede de ponderações inaugurais, cuida colocar em destaque que determinados agentes públicos possuem competência para editar atos normativos, denominados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la. Nesta linha de dicção, ao praticar esses atos, aludidos agentes públicos desempenham o denominado poder regulamentar. Com efeito, essa competência, que em outros países é outorgada a agentes diversos, no ordenamento nacional, é conferida privativamente ao Presidente da República, consoante clara dicção do inciso IV do artigo 84 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Obviamente, em decorrência do princípio da simetria que norteia as três esferas do governo (União, Estados-membros/Distrito Federal e Municípios), o poder regulamentar é reconhecido, também, aos Governadores Estaduais e Distrital e aos Prefeitos. Em complemento, ainda, com as ponderações colacionadas, quadra sublinhar que, em referência aos entes ora mencionados, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas outorgam-lhes, expressamente, tais atribuições.
Direito Administrativo
1 Poder Regulamentar: Primeiros Comentários Em sede de ponderações inaugurais, cuida colocar em destaque que determinados agentes públicos possuem competência para editar atos normativos, denominados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la. Nesta linha de dicção, consoante o magistério apresentado por Diógenes Gasparini[1], ao praticar esses atos, aludidos agentes públicos desempenham o denominado poder regulamentar. Com efeito, essa competência, que em outros países é outorgada a agentes diversos, no ordenamento nacional, é conferida privativamente ao Presidente da República, consoante clara dicção do inciso IV do artigo 84 da Constituição da República Federativa do Brasil[2], promulgada em 05 de outubro de 1988. Obviamente, em decorrência do princípio da simetria que norteia as três esferas do governo (União, Estados-membros/Distrito Federal e Municípios), o poder regulamentar é reconhecido, também, aos Governadores Estaduais e Distrital e aos Prefeitos. Em complemento, ainda, com as ponderações colacionadas, quadra sublinhar que, em referência aos entes ora mencionados, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas outorgam-lhes, expressamente, tais atribuições. Gasparini, ainda, vai definir o poder regulamentar como “a atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo para, mediante decreto, expedir atos normativos, chamados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la”[3]. Conquanto a atribuição normativa regulamentar esteja entre as privativas do Presidente da República, conforme dispositivo constitucional suso mencionado, e, por corolário da simetria, aos Chefes dos Executivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tem-se admitido, supedaneado no inciso II do artigo 87 do Texto Constitucional de 1988[4], que outros agentes públicos, a exemplo dos Ministros de Estado, emitam atos normativos em geral, objetivando a execução de leis e regulamentos. É pertinente, contudo, assinalar que não são verdadeiros regulamentos, sendo que tal atribuição normativa também é outorgada a outros entes, como as agências regulamentadoras. Sobre a temática, em específico, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto: “Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Constitucional. Princípios da Publicidade e da Transparência. Ausência de violação à intimidade e à privacidade. Distinção entre a divulgação de dados referentes a cargos públicos e informações de natureza pessoal. Os dados públicos se submetem, em regra, ao direito fundamental de acesso à informação. Disciplina da forma de divulgação, nos termos da Lei. Poder regulamentar da Administração. Agravo Regimental a que se nega provimento. I – O interesse público deve prevalecer na aplicação dos Princípios da Publicidade e Transparência, ressalvadas as hipóteses legais. II – A divulgação de dados referentes aos cargos públicos não viola a intimidade e a privacidade, que devem ser observadas na proteção de dados de natureza pessoal. III – Não extrapola o poder regulamentar da Administração a edição de portaria ou resolução que apenas discipline a forma de divulgação de informação que interessa à coletividade, com base em princípios constitucionais e na legislação de regência. IV – Agravo regimental a que se nega provimento.” (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE nº 766.390 AgR/ Relator: Ministro Ricardo Lewandowski/ Julgado em 24 jun. 2014/ Publicado no DJe em 15 ago. 2014). “Ementa: Constitucional e Administrativo. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Regulação. Supervisão e avaliação de Instituição de Ensino Superior. Criação de novos cursos. Função regulamentar do Poder Executivo. Conselho de Fiscalização de Profissão Regulamentar. Ausência de Direito Subjetivo. Negado provimento ao recurso. 1. O exercício do poder regulamentar pelo Presidente da República (art. 84, IV, CF/88) e por Ministros de Estado – em auxílio à função diretiva da administração federal (art. 84, II, CF/88) – é legítimo quando restrito à expedição de normas complementares à ordem jurídico-formal vigente. 2. A pretensão não está amparada em qualquer fundamento constitucional, legal ou infralegal de que se possa extrair direito subjetivo líquido e certo do autor a ser protegido na via do mandamus. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento”. (Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma/ RMS nº 27.666/ Relator: Ministro Dias Toffoli/ Julgado em 10 abr. 2012/ Publicado no DJe em 04 mai. 2012). José dos Santos Carvalho Filho[5], em apurado escólio, vai ponderar que o poder regulamentar, na condição de prerrogativa concedida à Administração Pública, é apenas para complementar as leis, permitindo, desta feita, a sua efetiva aplicação. Doutra linha, é defeso à Administração Pública promover a alteração da lei, ao utilizar o poder regulamentar, sob o argumento de estar regulamentando. Ora, agindo dessa forma, a Administração Pública cometerá o abuso de poder regulamentar[6], sendo autorizado, via de consequência, pelo Texto Constitucional, em seu artigo 49, inciso V, ao Congresso Nacional a possibilidade de sustar atos normativos que extrapolem os limites do poder de regulamentação. É conveniente, ainda, sublinhar que a Administração Pública, ao desempenhar o poder regulamentar, exerce inegavelmente a função normativa, eis que expede normas de caráter geral e com grau de abstração e impessoalidade, não obstante encontrem fundamentos de validade na lei. Ademais, é cogente o reconhecimento que a função normativa é gênero no qual se aloca a função legislativa, significando que o Estado pode exercer aquela sem que tenha, imperiosamente, que executar esta última. No mais, prima elucidar que é na função normativa geral que se insere o denominado poder regulamentar. Conveniente faz-se, ainda, realçar a discussão se a edição de regulamento substancializa um poder, uma faculdade ou uma atribuição. Consoante o escólio de Gasparini[7], o poder de regulamentar não configura poder, como não são os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, conquanto assim sejam qualificados na redação do artigo 2º do Texto Constitucional de 1988. Ora, o Poder Político é uno, indivisível e indelegável, em que pese o seu exercício dá-se mediante esses órgãos. Em complemento, eles desempenham funções, respectivamente a executiva, a legislativa e a judiciária. Doutro prisma, não há que se falar em faculdade, em decorrência da moldura de obrigatoriedade de seu exercício, porquanto quem é compelido a cumprir certa obrigação não a exerce a título de faculdade. Convém, assim, reconhecer que se tratar de atribuição do Chefe do Executivo promover a regulamentação de leis, encontrando sedimento, inclusive, na própria dicção do dispositivo constitucional pertinente. Não obstante ser assim, a doutrina clássica tem adotado o designativo poder regulamentar. 2 Fundamento do Poder Regulamentar O poder regulamentar, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello[8], preconizado no inciso IV do artigo 84 da Constituição Cidadã, confere poderes muito circunscritos ao Presidente, diversamente do que se verifica nos regulamentos independentes e autônomos do Direito Europeu. Com destaque, se ao Chefe do Executivo não é permitido nem criar nem extinguir órgão, nem determinar qualquer coisa que implique aumento de despesa. É permitido, porém, unicamente transpor uma unidade orgânica maior para outra menor que esteja encartada em unidade orgânica maior para outras destas unidades maiores. A título de exemplificação, é possível aludir a transferência de um departamento de um Ministério para outro ou, ainda, para uma autarquia e vis-à-vis; uma divisão alocada em determinado departamento para outro; uma determinada seção pertencentes a certa divisão para outra divisão. Nos limites do poder regulamentar, em harmonia com a dicção insculpida no artigo constitucional supramencionado, poderá, ainda, redistribuir atribuições preexistentes em determinado órgão, passando-as para outro, desde que sejam apenas algumas atribuições. Ora, admitir a transferência de todas as atribuições de um órgão para outro equivaleria, na prática, a extinção do órgão. Denota-se, portanto, que os pontos limítrofes afixados na alínea “a” do inciso IV do artigo 84 da Constituição de 1988[9] implicam em uma competência para um simples arranjo dos órgãos e competências já criados por lei. Nesta toada, no que alude à alínea “b”[10] do dispositivo supramencionado contempla um caso em que é permitido ao Executivo expedir ato concreto de sentido contraposto a uma lei, porquanto ali abarca a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo extinguir cargos vagos. Mello vai sustentar que “como os cargos públicos são criados por lei, sua extinção por decreto, tal como ali prevista, implica desfazer o que por lei fora feito”[11]. Em complemento, Gasparini[12] vai esposar que, conquanto o fundamento para o exercício do poder regulamentar seja o dispositivo constitucional ora espancado, no que diz respeito aos Estados-membros e Municípios, são dispositivos semelhantes, entalhados, de maneira expressa, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas municipais. Ademais, há que se frisar que o fundamento, também, encontra escora na legislação infraconstitucional que, por vezes, de maneira ofuscante, outorga ao Chefe do Poder Executivo, a quem cabe executá-la, a competência para expedir regulamento necessário à sua execução. Com destaque, tal outorga, em sede de legislação infraconstitucional, apresenta-se como supérflua em decorrência da atribuição ampla para promover a regulamentação dada ao Executivo pelo dispositivo constitucional destacado alhures. Assim, mesmo não havendo qualquer menção na legislação infraconstitucional, o Executivo pode regulamentar a lei omissa nesse particular. Afora isso, mister faz-se elucidar que, mesmo na ausência dessas prescrições, no vazio legislativo, seu exercício seria do Executivo, notadamente em razão da natureza originária de tal atribuição. 3 Natureza do Poder Regulamentar Em uma primeira plana, cuida invocar as tessituras apresentadas em páginas anteriores, maiormente ao reconhecer que o poder regulamentar substancializa uma prerrogativa de direito público, porquanto é conferido aos órgãos que têm a incumbência de gestão dos interesses públicos. “Sob o enfoque de que os atos podem ser originários e derivados, o poder regulamentar é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz da lei preexistente”, consoante escólio de Carvalho Filho[13], ao passo que as leis constituem atos de natureza originária (ou primária), emanando diretamente do Texto Constitucional. Neste talvegue, importa destacar que só se considera poder regulamentar a atuação administrativa de complementação de leis ou atos análogos a elas, decorrendo daí seu caráter derivado. Todavia, convém pontuar, há alguns casos em que a Constituição de 1988 autoriza a determinados órgãos a produzirem atos que, tanto como as leis, emanam diretamente da Carta e são detentores de natureza primária; inexiste qualquer ato de natureza legislativa que se situe em patamar entre o Texto Constitucional de 1988 e o ato de regulamentação, a exemplo do que se extrai do poder de regulamentar. Exemplificando os apontamentos supramencionados, é conveniente trazer à colação o enunciado burilado no artigo 103-B, inserido por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004[14], que altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências, que, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conferiu a esse órgão atribuição para expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência ou recomendar providências. Conforme ponderações de Carvalho Filho[15], conquanto dos termos da expressão (“atos regulamentares”), aludidos atos não se emolduram no âmbito do verdadeiro poder regulamentar, porquanto, como terão por fito regulamentar a própria Constituição, serão eles considerados como autônomos e dotados de natureza primária, alocando-se no mesmo patamar em que são alojadas as leis dentro do sistema de hierarquia normativa. No que pertine à formalização do poder regulamentar, quadra explicitar que se dá, essencialmente, por decretos e regulamentos. Neste quadrante, é ofuscante a redação do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal aludir que o Presidente da República compete a expedição de decretos e regulamentos destinados à fiel execução das leis. Ancorado no corolário da simetria constitucional, o mesmo poder, repisando o que foi dito anteriormente, aos outros Chefes do Poder Executivo (governadores, prefeitos e interventores) para os mesmos objetivos. Em complemento, há também atos normativos que, editados por outras autoridades administrativas, podem caracterizar-se como inseridos no poder regulamentar. A título de exemplificação, é possível fazer alusão às instruções normativas, resoluções, portarias etc. Com efeito, tais atos, por vezes, têm um círculo de aplicação mais restrito, porém, veiculando normas gerais e abstratas para a explicitação das leis, não deixam de ser, a seu modo, meios de formalização do poder regulamentar. Sobre a matéria, inclusive, pode-se transcrever o entendimento pretoriano: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade – Instrução Normativa Nº 62, do Departamento da Receita Federal – Sua natureza regulamentar – Impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade – Seguimento negado por decisão singular – Competência do Relator (RISTF, art. 21, § 1º; Lei 8.038, art. 38) – Princípio da reserva de plenário preservado (CF, art. 97) – Agravo Regimental improvido. [omissis] – As Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Não se revelam, por isso mesmo, aptas a sofrerem o controle concentrado de constitucionalidade, que pressupõe o confronto direto do ato impugnado com a Lei Fundamental” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 531 AgR/ Relator: Min. Celso de Mello/ Julgado em 11 dez. 1991/ Publicado no DJ em 03 abr. 1992). Em razão das ponderações assentadas até o momento, ao se considerar o sistema de hierarquia normativa nacional, é possível dizer que existem graus diversos de regulamentação, conforme o patamar em que se aloque o ato regulamentador. Assim, os decretos e os regulamentos podem ser considerados como atos de regulamentação de primeiro grau; ao passo que outros atos que a eles se subordinem e que, por sua vez, os regulamentem, evidentemente com detalhamento mais aprofundado, podem ser delineados como atos de regulamentação de segundo grau. Com o escopo de ilustrar o expendido, é possível mencionar que os atos de regulamentação de segundo encontram substancialização nas instruções expedidas pelos Ministros de Estado, cujos escopos estão fincados na regulamentação da lei, dos decretos e dos regulamentos, possibilitando, destarte, sua execução. Carvalho Filho[16], ainda, vai obtemperar que, conquanto, em regra, o poder regulamentar seja expresso em atos de regulamentação de primeiro grau, formalizando-se por decretos e regulamentos, há situações especiais em que a lei indicará, para sua regulamentação, atos de formalização diversa, embora idêntico seja seu conteúdo normativo e complementar. Em tal cenário, o que é dotado de relevo é a natureza do ato, a saber: normativo e visando complementar e minudenciar as normas da lei, terá ele a natureza de ato regulamentar de primeiro grau, produzido, assim, no exercício do poder regulamentar. No que atina aos limites à poder regulamentar, Diógenes Gasparini[17] pondera que há três ordens de limites que, caso inobservados, invalidam-no, denominando-os de limites formais, legais e constitucionais. O primeiro consiste ao veículo de exteriorização, pois o regulamento deve ser manifestado por meio de decreto, nos termos preconizados no inciso IV do artigo 84 do Texto Constitucional. Logo, a utilização da portaria para substancializar o regulamento configuraria veículo ilegal. Já o segundo limite encontra relação com o extravasamento da atribuição, dispondo, por meio do regulamento, além do limite afixado na legislação. O terceiro, por sua vez, encontra assento com as reservas legais, criando, por exemplo, cargo mediante regulamento, apesar de existir expressa proibição no Texto Constitucional. A inobservância de aludidos limites vicia o regulamento, tornando-o ilegal. 4 Regulamentação Técnica Em harmonia com o sistema clássico de tripartição de Poderes, não pode o legislador, além dos casos consagrados na Constituição Federal, delegar integralmente seu poder legiferante aos órgãos administrativos. Importa dizer, assim, que o poder regulamentar legítimo não pode simular o exercício da função de legislar advindo da equivocada delegação do Poder Legislativo, delegação essa que substancializaria inaceitável renúncia à função reservada pelo Texto Constitucional. Contemporaneamente, entretanto, em razão da crescente complexidade das atividades técnicas da Administração, passou a aceitar-se nos sistemas normativos o fenômeno das deslegalização, consoante ponderações de Carvalho Filho[18], por meio do qual a competência para regular determinadas matérias se transfere da lei (ou de ato análogo) para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador. Desta feita, cuida salientar que a normatização sai do domínio da lei (domaine de la loi) para o domínio de ato regulamentar (domaine de l’ordonnance). Ora, o fundamento não é dotado de difícil compreensão para sua concepção: incapaz de criar a regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica, o próprio Legislativo delega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica de institui-la, valendo-se dos especialistas técnicos que melhor podem versar sobre tais assuntos. Sem embargo, é importante sublinhar que referida delegação não é completa e integral; ao reverso, sujeita-se a limites. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico, assentado nos critérios políticos e administrativos, promovendo a transferência apenas da competência técnica por meio de parâmetros previamente insculpidos na lei. Com efeito, em conformidade com o direito americano, tal possibilidade configura a delegação com parâmetros (delegation with standards). Desta feita, é possível sublinhar que a delegação pode conter apenas discricionariedades técnicas. Com efeito, há que se reconhecer que tal possibilidade configura o modelo atual do exercício do poder regulamentar, cujo aspecto basilar não é simplesmente a de complementar a lei por meio de normas de conteúdo organizacional, mas sim de criar normas técnicas não compreendidas na lei, viabilizando, conseguintemente, inovação no ordenamento jurídico. Em decorrência de tal aspecto, há doutrinas que denominam tal expressão como poder regulador, com o escopo de diferenciar do poder regulamentar tradicional. Em alinho ao expendido, é possível fazer alusão a exemplos de tal forma especial de poder regulamentar em algumas agências reguladoras, entidades autárquicas às quais o legislador tem delegado a função de criar as normas técnicas concernentes a seus objetivos institucionais, tal como se infere da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)[19] e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)[20], em cujo âmbito de competência se insere a produção de normas técnicas para os setores de energia elétrica e telecomunicações, no exercício de sua atuação controladora. 5 Controle dos Atos de Regulamentação Objetivando coibir a indevida extensão do poder regulamentar, preconiza o inciso V do artigo 49 da Constituição Federal[21] que o Congresso Nacional poderá, em sede de competência exclusiva, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Trata-se, consoante se pode inferir, de controle exercido pelo Legislativo sobre o Executivo no que atina aos limites do poder regulamentar, com o escopo de ser preservada a função legislativa para o Poder constitucionalmente competente para exercê-la. No que concerne ao controle judicial, é carecido distinguir a natureza do conteúdo plasmado no ato regulamentar. Tratando-se, com efeito, de ato regulamentar contra legem, isto é, aquele que exacerba os limites da lei, viável será apenas o controle de legalidade, em decorrência do confronto com a lei, conquanto possua caráter normativo. Sobre a temática, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já externou: “Ementa: Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Isenção da Contribuição Sindical Patronal para as empresas inscritas no “Simples”. Impugnação do §4º do artigo 3º da Lei n. 9.317, de 05.12.96, e do §6º do artigo 3º da Instrução Normativa SRF nº 9, de 10.02.99. Preliminar de Conhecimento. I – Preliminar. 1. Quando instrução normativa baixada por autoridades fazendárias regulamenta diretamente normas legais, e não constitucionais, e, assim, só por via oblíqua atinge a Constituição, este Tribunal entende que se trata de ilegalidade, não sujeita ao controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes. 2. Ação direta não conhecida nesta parte. II – Mérito. 1. A criação de imunidade tributária é matéria típica do texto constitucional enquanto a de isenção é versada na lei ordinária; não há, pois, invasão da área reservada à emenda constitucional quando a lei ordinária cria isenção. 2. O Poder Público tem legitimidade para isentar contribuições por ele instituídas, nos limites das suas atribuições (CF, artigo 149). 3. A tutela concedida às empresas de pequeno porte (artigo 170, IX) sobreleva à autonomia e à liberdade sindical de empregados e empregadores protegidas pela Constituição (art. 8º, I). Não fere o princípio da isonomia a norma constitucional que concede tratamento favorecido às empresas de pequeno porte. 4. Ação direta conhecida em parte, e nesta parte indeferida a liminar por ausência de relevância da arguição de inconstitucionalidade e de conveniência da suspensão cautelar da norma impugnada” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 2006 MC/ Relator: Ministro Maurício Corrêa/ Julgado em 01 jul. 1999/ Publicado no DJe em 01 dez. 2000) “Ementa: ADIN – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) – Decreto Federal n. 861/93 – Conflito de legalidade – Limites do poder regulamentar – Ação direta não conhecida. Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizara, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em consequência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. – O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou obliqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 996 MC/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 11 mar. 1994/ Publicado no DJe em 06 mai. 1994). Entrementes, caso o ato regulamentar ofender diretamente a Constituição, sem que haja lei a que deva subordinar-se, terá a qualificação de ato autônomo. Conforme lição de Carvalho Filho[22], materializando a hipótese retro, poderá sofrer controle de constitucionalidade pela via direta, ou seja, por meio da ação direta de inconstitucionalidade, nos termos preconizados no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal[23]. Ora, em tal cenário, para que seja viável o controle de constitucionalidade de decreto, regulamento ou outro tipo de ato administrativo de cunho normativo editado pelo Poder Executivo, dois serão os aspectos de que deva emoldurar-se, a saber: além de normativo – consoante expressa dicção do Texto Constitucional de 1988 -, deverá ele ser, também, autônomo. É ofuscante, porém, de que tal interpretação apresentava dubiedade em relação a determinados atos regulamentares subordinados restassem sem um efetivo controle judicial. Tal fato derivava da premissa que, de um lado, não podiam ser atacados pela via direta e, doutro ângulo, não comportavam concreta defesa do direito individual pela via incidental, porquanto nesta os efeitos do ato regulamentar só poderiam ser paralisados se o interessado obtivesse a concessão da medida cautelar. Contemporaneamente, conforme magistério acurado de Carvalho Filho[24], é cabível a impugnação por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental, cuja previsão encontra cristalizada no artigo 102, §1º, da Constituição Federal[25], pois, aqui, o controle exercido é mais amplo, compreendendo a inconstitucionalidade direta e indireta, atos normativos autônomos e subordinados, bem como atos concretos. Denota-se, portanto, que tal ação objetivou preencher lacuna antes existente, viabilizando o controle direto e concentrado sobre qualquer ato regulamentar, ainda que derivado de lei. Outra relação entre a lei e o poder regulamentar se encontra adstrita ao mandado de injunção, instrumento especial instituído pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXI. Ora, tratando-se de poder, a atividade de regulamentação substancializa, também, como dever. Dessa sorte, não é permitido a Administração eximir-se de desempenhá-la quando necessária à aplicação da lei. Em tal âmbito, o vício consiste na ausência de norma regulamentadora. O entendimento evoluído da Suprema Corte consiste em proceder a imediata regulamentação para o caso concreto, com o escopo de imprimir mais eficaz o citado remédio constitucional.
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Licitação – problemas e possíveis soluções
A presente proposta tem como escopo principal a garantia dos ditames constitucionais que visam a proteção da coletividade nos processos de licitação, conforme preceitua o artigo 37, XXI da Constituição Federal, regulamentado pelas normas da Lei 8.666/93, que regem os processos licitatórios em todo o país. O maior problema apresentado, contudo, para o integral cumprimento dos preceitos legais é a conduta fraudulenta apresentada nesses processos, articulada em diversos tipos de licitações, em todas as esferas da federação, nos vários órgãos da Administração Pública, conforme amplamente noticiado pela mídia nacional e que, apesar do incansável trabalho desenvolvido pelo Ministério Público, Polícia Federal, Polícia Estadual, Poder Judiciário e Tribunal de Contas, para garantir o cumprimento da legislação pertinente e a defesa da coisa pública, registra-se um crescimento contínuo e crescente dessas fraudes, concebidas das mais variadas formas. Concluindo, esse trabalho apresenta algumas possíveis soluções para o grave problema aqui descrito, com procedimentos factíveis, possibilitando ótimos resultados e uma possível redução dos casos a seguir descritos.
Direito Administrativo
Introdução Os problemas enfrentados pela Administração Pública para garantir o cumprimento das normas e dos princípios constitucionais que regem as licitações impõem limites e restrições aos agentes públicos, condicionando-os ao estrito cumprimento da Lei. Com uma participação estimada entre 10% e 15% do PIB brasileiro, conforme informação do Ministério do Planejamento e do Portal de Compras Governamentais, as licitações tem uma posição relevante na economia do país. Todos os processos de licitação onde a compra ou a contratação, conforme a legislação, se faz necessária, não são raros os casos de acordos ilegais, favoritismos absurdos, má administração de recursos públicos e escolhas pré estabelecidas por conveniência de ambos os lados. A tutela do interesse público está totalmente na contramão dos interesses de alguns agentes públicos e algumas empresas privadas, onde a fraude se faz presente. Essas práticas fraudulentas vem, reiteradamente, deixando de atender as necessidades básicas da população, resultando em grandes prejuízos ao erário público, fornecendo produtos de baixa qualidade na composição de cestas básicas, medicamentos superfaturados, precariedade e qualidade duvidosa no abastecimento da merenda escolar, prestação de serviços desnecessários ou inexistentes e em inúmeras obras superfaturadas, mal acabadas, sendo que algumas sequer iniciadas. A atualidade do tema escolhido pode ser ratificada quando observa-se os inúmeros casos de fraudes, amplamente noticiados pelos diversos órgãos da mídia nacional. Todas as normas e princípios presentes na Constituição Federal e na Lei 8.666/93 que visam um gerenciamento positivo dos recursos públicos através da licitação é muito mais do que um processo administrativo obrigatório, é uma forma de garantir-se o pleno atendimento das necessidades da sociedade e do crescimento seguro e contínuo do país. O árduo trabalho dos órgãos competentes que visam coibir as fraudes aqui relatadas, deparam-se com inúmeros problemas que impedem um rápido processamento das denuncias e retardam algumas punições exemplares, que poderiam estancar os interesses privados que insistem em sobrepor-se aos interesses públicos. Concluindo a presente pesquisa sobre os problemas registrados nas licitações, este artigo tem a pretensão de apresentar possíveis soluções para minimizar os casos de fraudes, adequando mecanismos já existentes e desenvolvendo novas ações, com o objetivo de uma fiscalização eficiente, um julgamento eficaz e punições exemplares. A metodologia adotada neste trabalho consistiu em uma pesquisa bibliográfica exploratória sobre o tema, embasada na Constituição Federal, Lei 8.666/93, Projeto de Lei 1292/95 e várias referências existentes, além da experiência real vivida em processos licitatórios, durante anos, em várias regiões do país. 1. Controle Atual de Licitações Para a pesquisa deste trabalho foi utilizada a Lei 8.666 de 21 de junho de 1.993 e as alterações subsequentes que, até 2.014 somavam um total de 80 alterações, realizadas através de 61 medidas provisórias e 19 Leis. Nos últimos 23 anos foram apresentadas mais de 650 propostas de alterações na Lei 8.666/93, com mais de 500 mudanças apresentadas na Câmara de Deputados e um total superior a 150 mudanças propostas no Senado Federal. Tramitando pelo Senado, o Projeto de Lei 1292/95 aprovado pela Comissão do Senado Federal em 12/12/2013 é considerada ultrapassada por especialistas dessa área, não garantindo a transparência, a agilidade e o impedimento do conjunto de fraudes apresentados nas atuais licitações. As principais mudanças apresentadas no Projeto de Lei aprovado pela Comissão do Senado, como o fim da carta convite e o término da tomada de preços, a inversão das etapas entre a habilitação e a apresentação da proposta de preços, a responsabilidade solidária e a seleção por uma qualidade superior, os impedimentos do licenciamento ambiental e a redução de detalhamentos excessivos para a contratação, as alterações relacionadas às atas de registros de preços para compras posteriores, a exigência de seguro fiança maior e a exclusão de propostas com preços irrisórios e inexequíveis não garantem, absolutamente, a redução ou o final das fraudes atuais apresentadas. Os diversos tipos de licitação, regidos pela Lei 8.666/93, seja para execução de uma obra ou para a prestação de um serviço, seja para a venda, locação ou para a aquisição de produtos e equipamentos, devem ter suas normas rigorosamente atendidas quando, através dessas licitações, essas empresas foram contratadas ou tiveram produtos e equipamentos adquiridos pelos órgãos da Administração Direta, pelos fundos especiais, das Autarquias, pelas Fundações Públicas, pelas Empresas Públicas, pelas Sociedades de Economia Mista e pelas demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Contudo, infelizmente, mesmo diante do cumprimento das normas atuais apresentadas, conclui-se que  esse processo tornou-se ineficaz e ineficiente diante das inúmeras fraudes apresentadas, amplamente noticiadas, nos diversos tipos de licitações existentes, além das fraudes que insistem em perpetuar-se, sem divulgação, apuração, fiscalização ou punição, pelos motivos a seguir expostos. 2. Normas Legais As importantes normas já descritas, através da legislação pertinente e os princípios que regem as licitações, como o Princípio da Isonomia, o Princípio da Legalidade, o Princípio da Impessoalidade, o Princípio da Moralidade, o Princípio da Publicidade, o Princípio da Probidade Administrativa,  da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo que deveriam ser rigorosamente cumpridos para a garantia dos interesses públicos são, eventualmente, desrespeitados por agentes públicos inescrupulosos e empresas irresponsáveis, que visam, exclusivamente, o seu próprio lucro, desrespeitando essas normas e esses importantes princípios. A licitação visa a seleção do melhor negócio para a efetivação do melhor contrato para a Administração Pública, sendo que, além de todas as normas legais, alguns conceitos devem ser observados. Autores consagrados conceituam a licitação da seguinte forma: “[…] procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.” Meirelles (2008, p.247) “[…] procedimento administrativo formal, realizado sob regime de direito público, prévio a uma contratação, pelo qual a administração seleciona com quem contratar e define as condições de direito e de fato que regularão essa relação jurídica futura.” Justen Filho (1998, p.5) […] procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato. Di Pietro (2009, p.331) Constata-se, nos conceitos elencados, que o procedimento administrativo deve ser regrado pelas normas pertinentes e pelos princípios do Direito Administrativo, garantindo-se as condições legais e ideais para que o agente público escolha a melhor proposta para a Administração Pública, possibilitando o atendimento pleno das necessidades de toda a comunidade, de forma justa e isonômica. 3. Principais Fraudes Através das licitações a Administração Pública tem sido fraudada com frequencia, registrando-se inúmeras formas de manipulação. O erário público tem sido constantemente “saqueado” por pessoas sem escrúpulos, que se aproveitam reiteradamente do dinheiro público, ocasionando prejuízos sem precedentes e repercutindo diretamente na economia do país, resultando na possível volta da inflação, no atual quadro de desemprego e no fechamento de empresas idôneas que, além de todas as adversidades enfrentadas, deixam de receber dos órgãos públicos e padecem diante da imposição de novos impostos para custear esse descalabro e a efetiva má administração pública registrada. Alguns exemplos de fraudes são comumente constatados em licitações de diversos tipos, como: I) O superfaturamento de produtos e serviços para atender o pagamento da propina exigida pelo agente público e a ganância de fornecedores ou prestadores de serviços, que fizeram dessa prática ilegal uma ação usual e costumeira; II) A contratação de serviços fantasmas para a realização de obras, sequer iniciadas, ou para a prestação de serviços, jamais realizados; III) A combinação prévia de valores que garantam aos licitantes inúmeras vantagens indevidas, possibilitando ao vencedor do certame, além de um ganho absurdamente alto, a possibilidade de distribuir “gratificações” aos demais participantes da licitação, com o dinheiro público, ilegalmente recebido; IV) A “preferência” explícita de alguns agentes públicos que, descumprindo totalmente as normas vigentes e até mesmo o edital ao qual acha-se vinculado, beneficia determinada empresa, declarando-a vencedora, independentemente dos evidentes prejuízos causados ao erário público e à toda comunidade; V) As absurdas exigências registradas no edital que, indiscutivelmente, direcionam a licitação para uma determinada empresa, considerando-se algumas peculiaridades que só uma licitante tem condições de atender; VI) As ameaças físicas de algumas licitantes que, de forma costumeira e inconsequente, impedem que outras empresas idôneas participem de determinados processos licitatórios, garantindo um fornecimento de produtos e serviços permanentes, sem concorrência, em toda a região onde costumam atuar. Além dos principais tipos de fraudes aqui relatados, deve considerar-se ainda o fato incontestável, comprovado pela vivência nesse segmento e devidamente denunciado aos órgãos competentes, do condicionamento da propina para a liberação do pagamento legal previsto, após a entrega do produto ou o término da obra contratada, sob as mais absurdas alegações possíveis. Essas exigências, totalmente absurdas e ilegais, que condicionam o pagamento de propina ao recebimento pelo produto legalmente fornecido ou a prestação de serviço realizada, desrespeita inclusive a ordem cronológica de pagamentos, desconsiderando-se que esse ato  é um crime previsto no art. 92 da Lei 8.666/93, ou seja: “Art. 92.  Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)” Assim como no referido artigo 92, a Lei 8.666/93 prevê punição para vários casos onde o crime, a frustração criminosa e a fraude são constatadas nos diversos tipos de licitação, contudo, a “criatividade” de agentes públicos mal intencionados e empresas privadas inidôneas na busca de brechas na legislação para fraudar, tem se tornado crescente. A licitação deveria ser a forma mais segura e viável para que a Administração Pública contratasse bens e serviços, garantindo uma administração justa e legal, que propiciasse o bem geral e as melhores condições para toda a comunidade. Contudo, as frequentes manipulações, as constantes fraudes e todo o aproveitamento ilegal do dinheiro público colocam em dúvida a legislação e os procedimentos até aqui adotados. O combate constante às Organizações Criminosas tem sido noticiado constantemente na mídia, existente nas diversas esferas da federação, seja através da Operação Lava Jato, Operação Zelotes, Operação Acrônimo, Operação Politéia, Operação Pixuleco e diversas outras operações que buscam coibir essas fraudes, punindo exemplarmente esses criminosos, entretanto, novas fraudes se apresentam frequentemente, dando-nos a impressão de que as exemplares punições constatadas nas operações descritas não tem sido suficientes para coibir novas fraudes. 4. Como Recorrer As fraudes e os demais crimes aqui descritos podem ser denunciados, investigados e devidamente punidos, desde que encaminhados para os órgãos competentes responsáveis. No caso da Polícia Estadual e Polícia Federal as denuncias podem ser anônimas ou não, podendo ser realizadas por telefone, pela internet ou pessoalmente, sendo que a identidade do denunciante sempre é preservada. O inquérito instaurado, após a denuncia, deverá dar inicio a investigação para apurar a veracidade dos fatos denunciados. Ainda, no caso do Ministério Publico, os crimes contra as licitações definidos na Lei 8.666/93, após a denuncia e a devida investigação, estarão sujeitos à aplicação de ação penal pública incondicionada conforme determina o artigo 100 da referida lei, ou seja: Art. 100.  Os crimes definidos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la. No caso das denuncias junto ao Ministério Público, o artigo 101 da referida lei ainda determina: Art. 101.  Qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência. Parágrafo único.  Quando a comunicação for verbal, mandará a autoridade reduzi-la a termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas. O Ministério Público, conforme determina o artigo 127 da Constituição Federal, confirma a sua legitimidade para receber denúncias, responsabilizando-se pela instauração do procedimento legal cabível, podendo requisitar documentos, efetuar diligências, determinando a inquirição dos envolvidos e de todas as testemunhas, objetivando a responsabilização apropriada aos respectivo fraudadores. “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” A participação do Poder Judiciário também é fundamental nesse processo, podendo ser acionado pelo Ministério Público ou por uma ação da pessoa física ou do licitante lesado que, através de mandado de segurança, pode socorrer-se conforme determina o artigo 1º da Lei 12.016/2009, ou seja: “Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.” As fraudes e ilegalidades registradas nas licitações também podem ser denunciadas aos Tribunais de Conta, sendo competência dos referidos tribunais o acompanhamento e fiscalização dos gastos públicos e a verificação efetiva dos atos praticados na arrecadação, na correta execução de despesas, no perfeito controle do patrimônio público, garantindo a legitimidade e a efetividade desses atos. Em algumas situações os órgãos de classe, as agências reguladoras e outros órgãos fiscalizadores também podem intervir em casos de denuncias de licitantes prejudicados ou outra pessoa que identifique possíveis ilegalidades ou fraudes nos processos licitatórios. 5. Resultados Apresentados Apesar do incansável e determinante trabalho executado pelos órgãos competentes aqui descritos, resultando em diversas punições exemplares, o número de fraudes em licitações tem aumentado absurdamente. A possível morosidade na investigação dessas fraudes pode ser atribuída à falta de especialistas capacitados e, possivelmente, investigadores em número insuficiente para atender toda a demanda existente, atribui-se, ainda, a referida morosidade na dificuldade em obtenção de provas legais para as punições em função de manobras de agentes públicos, ocupando cargos em vários níveis da Administração Pública, que tentam barrar a apresentação dos documentos comprobatórios e, também, no julgamento de alguns dos inúmeros casos denunciados, que crescem de forma absurda e contínua, ocasionando a sobrecarga ao Poder Judiciário e do Tribunal de Contas, podendo estimular alguns fraudadores a continuar, dando-lhes a falsa impressão de impunidade. Um grande número de administradores públicos, diante dos inúmeros posicionamentos adotados, são notadamente desprovidos da consciência de tutelar o erário público, aproveitando-se dos poderes que lhe são conferidos, em função do cargo ocupado, buscando frequentemente lacunas na legislação que lhes possibilitem o desvio de recursos, a concessão de favores indevidos, a aquisição de bens e serviços de forma ilegal, deixando seu interesse particular sobrepor-se ao interesse da coletividade. A morosidade das punições aqui detalhada, pelos motivos devidamente expostos, apesar das várias punições exemplares noticiadas, infelizmente, motivam muitos agentes públicos a dar continuidade em suas ações ilegais, visando a fraude e dilapidando reiteradamente o erário público, em várias esferas da Administração Pública. As punições atuais apresentadas relacionadas às fraudes, graças ao eficiente trabalho dos órgãos competentes em suas respectivas áreas de atuação, tem propiciado à população a sensação de que, a partir de agora, a impunidade vai ser reduzida, entretanto, quem atua nesse segmento pode afirmar que ainda é crescente o número de fraudes nos processos licitatórios e que o apoio da coletividade para impedir o bloqueio de investigações e as devidas punições deve ser renovado constantemente. 6. Soluções Apresentadas Como afirmado nesse trabalho, a legislação atual, tampouco o Projeto de Lei que tramita pelo Senado deverá solucionar o grave problema das fraudes apresentadas nas licitações, em toda a Administração Pública do país. Dessa forma, o presente artigo pretende apresentar algumas soluções que podem ser adotadas para minimizar ou coibir as diversas formas de fraudes existentes, garantindo o respeito aos princípios e às leis que regem os processos licitatórios. Nas soluções apresentadas, conforme detalhadas a seguir, registra-se a ampliação de medidas já existentes e a adoção de novas providências para uma redução efetiva das fraudes comumente constatadas: a) Para as providências relacionadas às pesquisas de preços que devem servir de base para o processo licitatório, os órgãos licitantes comumente pesquisam os preços junto às próprias licitantes, dando margem a manipulações que vão desde a informação de um preço inexequível, fornecido por uma empresa que decide não participar do certame, até a informação de um preço excessivamente elevado, combinado entre vários licitantes, afim de que a verba disponibilizada pelo órgão público seja maior, objetivando, além do lucro excessivo para a licitante vencedora, o valor suficiente para o pagamento de propinas. Dessa forma, propõe-se a criação de equipes técnicas com profissionais capacitados, ligadas diretamente aos Tribunais de Contas, que possam efetuar essas pesquisas, regionalmente, antecipadamente, garantindo-se a inexistência de vícios e possíveis fraudes, nessa etapa; b) No caso de Pregões Presenciais, onde as fraudes são mais frequentes, considerando-se os inúmeros casos de acordos entre licitantes para o pagamento de propinas e o direcionamento do certame à uma determina empresa, que distribui “bônus” às demais, garantindo um lucro excessivo, a proposta, nesse caso, seria a de extiguir definitivamente esse tipo de pregão. Essa modalidade de pregão, além de possibilitar os vícios descritos, permite que empresas idôneas sejam desclassificadas injustamente, diante das várias alegações infundadas sobre “documentação irregular” ou sobre o produto que “não atende completamente” as normas editalícias, comumente efetuadas por um licitante corrupto, tendo essas alegações acatadas pelo agente público desonesto, desclassificando a empresa idônea participante; c) Para a substituição dos Pregões Presenciais, a sugestão é substituí-los completamente pelos Pregões Eletrônicos, que deverão ter toda a documentação, desde as pesquisas que antecedem o pregão, totalmente disponíveis através da internet, para que de forma transparente, possam ser acompanhados e fiscalizados, mesmo à distância, por órgãos legais fiscalizadores, formados através de comissões especializadas ligadas ao Tribunal de Contas, que deverão aprovar todas as etapas do processo, assim como deverá  estar disponível, de forma transparente, para que toda a população possa acessar, também; d) Concluindo as sugestões apresentadas, a proposta é a criação de um setor especializado, ligado ao Tribunal de Contas, para fiscalizar e julgar, com agilidade, as possíveis irregularidades apresentadas. A proposta, ainda, contempla a criação de setores específicos, subordinados ao Ministério Público e Poder Judiciário, objetivando agilizar investigações e realizar julgamentos dos casos específicos de fraudes em licitações. Conclusão Os problemas apresentados nas licitações, ocasionados pelas manipulações e fraudes  frequentes, podem, diante das soluções propostas, coibir muitas das ações ilegais lideradas por agentes públicos inescrupulosos e empresas criminosas, representadas por executivos que deveriam ser totalmente excluídos desses processos licitatórios e, até, da sociedade. A economia gerada com a adoção das soluções propostas, além de garantir a total legalidade das licitações, deverão gerar uma grande economia ao erário público do país, podendo, inclusive, amenizar o déficit atual de todas as esferas da Administração Pública, considerando-se que o valor total movimentado nas licitações é de, aproximadamente, 500 bilhões de reais/ano, sendo grande parte desse total desviado por fraudes e esquemas criminosos. Dessa forma, as propostas de soluções aqui descritas tem o propósito exclusivo de, além de confirmar o grande mal que acomete os processos licitatórios, devidamente comprovado através da pesquisa exploratória realizada e da vivência de muitos anos nessa área, propõe coibir a continuidade desses esquemas criminosos, de forma eficaz e eficiente.
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Primeiras ponderações à desapropriação confiscatória: a intervenção do estado na propriedade com espeque no artigo 243 da Constituição Federal
Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional, sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. A intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. 2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[4], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais. Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[5], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades. Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[6]. Desta feita, para consubstanciar a novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[7], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais. Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais. Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[8]. 3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no Ordenamento Brasileiro Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional[9], sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII[10] do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. Consoante o magistério de Carvalho Filho[11], a intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Tecidos tais comentários, cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória. Ademais, em se tratando de um procedimento de direito público retrata a existência de uma sequência de atos e atividades do Estado e do proprietário, desenvolvidas nas órbitas administrativa e judicial. Com efeito, sobre o procedimento em comento incidem normas de direito público, maiormente nos aspectos que demonstram a supremacia do Estado sobre o proprietário. Ao lado disso, cumpre evidenciar que o escopo da desapropriação reside na transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse objetivo só pode ser materializado se houver os requisitos ensejadores substancializados, ou seja, a utilidade pública ou o interesse social. Como regra geral, a indenização é paga pela transferência das desapropriações, só por exceção admitindo a ausência desse pagamento indenizatório. Neste diapasão, a natureza jurídica do instituto da desapropriação é de procedimento administrativo e, quase sempre, também judicial. Ora, considera-se procedimento como um conjunto de atos e de atividades, devidamente formalizados e produzidos com sequencia, com o escopo de se alcançar determinado objetivo. Em aludido procedimento de desapropriação, tais atos se originam não somente do Poder Público, mas também do particular proprietário. Convém, ainda, mencionar que o procedimento tem seu curso, quase sempre, em duas fases. A primeira é a administrativa, na qual o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à transferência do bem. Por vezes, a desapropriação encontra seu esgotamento nessa fase, havendo acordo com o proprietário. Tal situação, porém, destaque-se, é considerada rara. O normal é prolongar-se pela outra fase, a judicial, substancializada por meio da ação a ser movida pelo Estado em face do proprietário. No que concernem aos pressupostos, considera-se que a desapropriação só pode ser considera legítima se reunir a utilidade pública, compreendendo-se em tal requisito a necessidade pública, e o interesse social. Carvalho Filho[12] vai aduzir que a utilidade pública resta materializada quando a transferência do bem se apresenta conveniente para Administração, ao passo que a necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução reclame a desapropriação do bem. Conquanto o Texto Constitucional se refira a ambas as expressões, o correto é a noção de necessidade pública já está inserta na de utilidade pública, porquanto esta é mais abrangente que aquela, de maneira que se pode dizer que tudo que for necessário será útil. O interesse social, por sua vez, consiste naquelas hipóteses em que mais se sublinha a função da propriedade. O Poder Público, em tais episódicas situações, tem preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as desigualdades coletivas, encontrando nos assentamentos de colonos e na reforma agrária os exemplos mais robustos. É importante assinalar que ambos os requisitos autorizadores materializam conceitos jurídicos indeterminados, porquanto são despojados de precisa que permita a identificação. Logo, importa frisar que ambos os conceitos serão aludidos na legislação pertinente. 4 Primeiras Ponderações à Desapropriação Confiscatória: A Intervenção do Estado na Propriedade com espeque no artigo 243 da Constituição Federal Em alinho aos comentários tecidos até o momento, cuida ponderar que a desapropriação confiscatória foi instituída pelo artigo 243 da Constituição Federal de 1988[13], cujo escopo é a expropriação, sem o pagamento de qualquer verba indenizatória, de glebas em que sejam localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, as quais passam a ser destinadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. A temática encontra regulamentação por meio da Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991[14], que dispõe sobre a expropriação das glebas nas quais se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas e dá outras providências, responsável por incluir em sua disciplina as regras processuais aplicáveis para a transferência do imóvel. Carvalho Filho[15] vai consignar que a primeira característica distintiva em relação às demais modalidades expropriatórias assenta-se na premissa que na desapropriação confiscatória, em decorrência de sua particularidade, não há ensejo para a expedição de decreto declaratório prévio. Em decorrência de tal aspecto, a fase administrativa limita-se à formalização das atividades gerais e as de polícia dos órgãos públicos com vistas à preparação da ação de desapropriação. Mesmo não havendo expressa menção na Constituição de 1988, a competência para propor a ação expropriatória é privativa da União, sendo lícito, porém, que a atribuição seja delegada a pessoa de sua administração indireta. Ao lado disso, cuida reconhecer que há mais uma razão para a atribuição ser privativa da União. Em primeiro lugar, quadra ponderar que é competência privativa da União legislar sobre desapropriação, conforme elucida o inciso II do artigo 22 do Texto de 1988[16]. Além disso, “a lei reguladora, tal como a Constituição, em nenhum momento fez referência direta a qualquer competência para Estados, Distrito Federal e Municípios, ao contrário do que ficou expresso na lei geral de desapropriações”[17]. É possível que surjam dúvidas quanto à extensão em que se dará esse tipo de expropriação, porquanto a dúvida repousa se a cultura for localizada em parte da propriedade, a expropriação se dará apenas na área em que há o cultivo ou em toda a extensão da propriedade. Convém mencionar que a Constituição de 1988 e a Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991[18], referiram-se apenas as glebas de qualquer região do país, sem fazer qualquer alusão, contudo, a área total ou parcial. Carvalho Filho[19], em decorrência disso, firma entendimento que a desapropriação deve alcançar a propriedade integralmente, ainda que o cultivo dê-se apenas em parte dela. O argumento utilizado pelo doutrinador está ancorado no ideário que o proprietário tem o dever de vigilância sobre sua propriedade, de sorte que é de presumir que conhecia o cultivo. A hipótese só vai comportar solução diversa no caso de o proprietário comprovar que o cultivo é processado por terceiros à sua revelia, mas, em tal cenário, o ônus da prova desse fato se inverte e cabe ao proprietário. Em síntese, o entendimento plasmado pelo doutrinador em comento exterioriza que não há desapropriação parcial, ou seja, a desapropriação incide na gleba integralmente, caso presente o pressuposto constitucional, ou não será caso de expropriação, devendo-se, nessa hipótese, destruir a cultura ilegal e processar os respectivos responsáveis. Cuida mencionar, porém, que o entendimento jurisprudencial postula pelo reconhecimento da desapropriação confiscatória parcial, consoante é extraído dos entendimentos colacionados: “Ementa: Administrativo. Desapropriação. Expropriação. Cultivo de plantas psicotrópicas. Ocorrência. Confisco. Limitação. Vários herdeiros. Sanção. Desproporcionalidade. 1. O perdimento de propriedade imobiliária destinada ao cultivo ilegal de plantas psicotrópicas tem assento na Constituição Federal de 1988, conforme o seu art. 243. 2. A desapropriação-confisco limita-se à área efetivamente plantada, que, na espécie, totaliza cerca de 36m², abrangendo parte ínfima do imóvel, que possui um total de 69,3907 ha. Não se mostra proporcional determinar a expropriação da totalidade do imóvel, se apenas uma pequena parte deste foi destinada ao plantio ilegal. 3. Desproporcional a medida do confisco quando existirem diversos co-proprietários ou muitos herdeiros e apenas um deles for o autor da prática ilícita. 4. Apelação da União e remessa oficial a que se nega provimento (Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Terceira Turma/ AC 0005726-45.2010.4.01.3813-MG/ Relator: Desembargador Federal Ney Bello/ Publicado no e-DJF1 em 25 jul. 2014, p.1232). Ementa: Administrativo. Desapropriação. Cultivo de plantas psicotrópicas. Proprietário do imóvel. Legitimidade passiva. Expropriação da área efetivamente plantada. 1. O proprietário do imóvel no qual ocorreu o cultivo ilegal de planta psicotrópica é parte legítima para figurar no polo passivo da ação expropriatória. 2. A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 243, o perdimento do imóvel destinado ao cultivo ilegal de plantas psicotrópicas. 3. A desapropriação-confisco limita-se à área efetivamente plantada, ou ao módulo-rural para a região, caso a área plantada seja inferior ao mínimo. 4. Apelação parcialmente provida, para reduzir a expropriação do imóvel à área efetivamente plantada (2,00 ha), ou à área referente ao módulo rural para a região, caso este seja maior que 2 hectares”. (Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Terceira Turma/ AC 0044123-67.2000.4.01.3800-MG/ Relator: Desembargador Federal Tourinho Neto/ Publicado no DJe em 01 jun. 2007, p. 14). “Ementa: Constitucional. Desapropriação confisco. Plantio de plantas psicotrópicas. Proprietários não envolvidos no fato delituoso. Parcela da terra de difícil acesso. Área proporcionalmente pequena. Impossibilidade do desprezo do aspecto subjetivo. Punição que não se aplica sem análise criteriosa. Direito de propriedade. Proteção Constitucional. 1. A desapropriação não constitui direito absoluto do Estado, autorizando-o a atingir o direito de propriedade, constitucionalmente assegurado, que, só por exceção, pode ser retirada do seu titular, após procedimento expropriatório submetido ao devido processo legal e à ampla defesa, ou seja, ao controle judicial. 2. Os proprietários da fazenda não foram envolvidos no fato delituoso. 3. Como o confisco é uma penalidade, não pode ser aplicada sem que se levem em conta os aspectos subjetivos. 4. Documentos provam que a fazenda objeto da presente ação é produtiva. A área onde foi encontrada a plantação da droga é, em comparação com o tamanho do imóvel, pequena e de difícil acesso. Não se pode dizer que os proprietários foram omissos quanto ao dever de emprestar à propriedade sua função social. 5. Apelos e remessa, tida por interposta, improvidos” (Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Terceira Turma/ AC 0015864-10.2000.4.01.3300-BA/ Relator: Desembargador Federal Hilton Queiroz/ Publicado no DJ em 18 out. 2004, p.83). O procedimento judicial preconizado na Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991[20], tem caráter sumário. A petição inicial, sem regra especial na lei, atenderá aos requisitos afixados no Código de Processo Civil, não havendo oferta de preço nem juntada de exempla do diário oficial, ao contrário do que é exigido para as demais modalidades de desapropriação. Assim, o juiz, ao ordenar a citação, já nomeia o perito, tendo este o prazo de oito dias para promover a entrega do laudo. O prazo para contestação e indicação de assistentes técnicos é de dez dias, a contar da juntada do mandado, cabendo ao magistrado designar audiência de instrução e julgamento dentro do período de quinze dias contados da data da peça de bloqueio. Caso o juiz conceda ao expropriante a imissão liminar na posse do imóvel, deverá proceder a realização a audiência de justificação, na qual haverá o exercício do contraditório. Encerrada a instrução processual, a sentença deve ser prolatada em cinco dias, desafiando o recurso de apelação. Transitando em julgamento o pronunciamento judicial, o bem expropriado será incorporado ao acervo patrimonial da União Federal. Parte significativa da doutrina tem firmado entendimento que a intervenção do Ministério Público, em sede de ações de desapropriação confiscatória, é imprescindível, porquanto tem fundamento constitucional e se reveste de indiscutível interesse público, embora a legislação específica seja lacunosa em tal questão.
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Escala de trabalho, repouso, e não obrigatoriedade do serviço extraordinário remunerado
O descanso/folga/repouso do policial militar deve ser respeitado, visto que tem previsão como norma Constitucional sendo entendida a dedicação do militar durante sua jornada de trabalho, pois o efetivo deve ser proporcional a população do Estado, pois visa justamente resguardar os direitos dos trabalhadores, servidores militares, que são pais de família, filhos, membros da sociedade que defendem e como tal devem ter seu horário de descanso respeitados.
Direito Administrativo
Introdução O repouso e o descanso do policial militar deve ser respeito, visto que tem previsão como norma Constitucional sendo entendida a dedicação do militar durante sua jornada de trabalho, pois o efetivo deve ser de acordo e proporcional a população do Estado. Essa proporcionalidade visa justamente resguardar os direitos desses trabalhadores, servidores militares estaduais, são pais de família, filhos, membros da sociedade que defendem e como tal devem ter seu horário de descanso respeitados em situação de normalidade social. No entanto, quando o policial entende que consegue voluntariamente desempenhar horário extra a sua carga horaria normal nada impede que preste este trabalho de forma voluntária, mas que esse serviço seja devidamente recompensado, com uma remuneração que permita em sua próxima folga ou férias ter mais conforto com sua família havendo um sacrifício para uma posterior compensação, adquirindo bens, viajando ou se divertindo ao lado de seus entes queridos. 1. Jornada de trabalho O Policial Militar como qualquer outro trabalhador tem direito a sua folga após a jornada de trabalho, nos termos da Portaria nº 2550/12 no art. 2º define a Jornada de Trabalho e o § 1º a carga horária máxima em 42 horas semanais: Art. 2º – A Jornada de Trabalho corresponde a toda e qualquer carga horária de trabalho diário, formalizada para fins de execução dos serviços operacionais ou administrativos da PMGO, dos quais decorrem o período de descanso e a correspondente folga regulamentar. § 1º – Para o emprego operacional e administrativo do policial militar, em situações normais, fica definida a jornada máxima de 42 (quarenta e duas) horas semanais. Sublinhei Nesse termo a jornada de trabalho do Policial Militar fica definida em 42 horas semanais com a jornada máxima diária de 12 (doze) horas trabalhadas com, no mínimo, 12 horas de descanso, com escalas uniformes de 12X24 por 12X48 em rodízio de escala (diurna e noturna) conforme artigo 3º da Portaria (Redação dada pela Port. nº 3507 de 25.06.13): “Art. 3º – Fica estabelecida, no âmbito desta Corporação, a jornada máxima diária de 12 (doze) horas trabalhadas com, no mínimo, 12 horas de descanso. § 1º – O efetivo operacional da Corporação obedecerá às escalas uniformes de 12×24 por 12×48, em rodízio de escala (diurna e noturna), respeitadas as exceções constantes desta Portaria. § 2º – A escala de serviço para o Comando da 8ª CIPM, o Comando Ambiental, o Comando Rodoviário e para os destacamentos da Polícia Militar – DPM, será de 24×72. § 6º – Qualquer outro tipo de escala que, por sua natureza, não se enquadrar às normas aqui estabelecidas, estará sujeita à autorização expressa do Comando da Corporação. § 7º – A responsabilidade pelo cumprimento da presente portaria é do comandante imediato do policial militar, respondendo solidariamente os demais níveis de comando. “ 1.2. As escalas de trabalho Desta forma a jornada máxima diária de 12 (doze) horas trabalhadas com, no mínimo, 12 horas de descanso, não permite uma escala extra, nem mesmo o extra remunerado pois o descanso pertence ao militar e somente ele pode abrir mão do seu repouso tendo como recompensa um extra, vez que cumprida a sua escala e a sua jornada de trabalho (carga horária), da seguinte forma: 1.3. Na escala 12×36: Em uma semana trabalhará 12 horas por 4 dias: 12×4= 48 horas trabalhada, com a jornada de 42 horas semanais, sobram seis horas 48-6=42. Na outra semana trabalhara 12 horas por 3 dias: 12×3=36, com as 6 horas que sobraram da semana anterior 36+6=42, haverá a compensação e o mês fechará com a carga horaria implantada pelo Comando. 1.4. Na escala 12×24 – 12×48: Em um mês o militar trabalha um período de 12 horas diurno, folga 24 horas, trabalha 12 horas noturno e folga 48 horas, retornando a escala diurna e assim sucessivamente. Desta forma em um mês de 30 dias, teremos uma jornada de trabalho de 192 horas (serão realizadas 16 escalas de 12 horas, 16×12=192 horas), com a jornada semana de 42 horas (42×4=168 horas), ou seja, neste regime o militar vai trabalhar no mínimo 24 horas a mais. Desta forma o policial deve ficar atento e computar o tempo que está trabalhando. 2. Do repouso ou folga O repouso ou folga, atualmente, é um direito dos trabalhadores, previsto pela Constituição Federal (CF) de 1988 em seu artigo 7º, inciso XV: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;” Assim, os policiais militares trabalham geralmente em regime de escala, devendo seu merecido repouso fazer jus a sua exaustiva escala de trabalho. O mais importante é que o repouso é garantia constitucional, da qual somente o interessado pode abrir mão. A folga do policial não pode ser prejudicada ou interrompida por qualquer motivo, vez que é justamente nesse período em que se reúne forças para o segmento normal de sua escala de trabalho, o nosso corpo é uma máquina vulnerável, pois adoecemos e envelhecemos. O abuso desta máquina pode acarretar efeitos desastrosos no ambiente de trabalho, principalmente para um trabalhador que anda armado e dirige quase todo o tempo, gerando alguns desgastes irreversíveis e outros que, aparentemente insignificantes, no final de um longo período representam latente prejuízo ao Estado a Sociedade e principalmente à saúde do trabalhador, conforme texto de Rogério Martir in: http://rogeriomartir.jusbrasil.com.br/artigos/112097516/a-importancia-do-descanso-no-ambiente-laboral: Quando não nos alimentamos corretamente, não dormimos e não estamos submetidos a uma rotina de recuperação das energias físicas e mentais, a nossa produtividade cai de forma vertiginosa e passamos a estar exposto a doenças profissionais e acidentes de trabalho, o que está cientificamente e estatisticamente provado. Por isso que as empresas mais conscientes e com departamento de Recursos Humanos ativo se preocupa muito com o fator descanso e qualidade de vida dos empregados, pois, não obstante o custo em um primeiro momento, no futuro o reflexo é imenso e, de igual forma o retorno econômico. Lembremos alguns praticas culturais militares como as formaturas gerais, que pegavam o militar na folga ou saindo do serviço, o que causa grande fadiga na tropa. Conforme exposto é de suma importância uma rotina de recuperação das energias físicas e mentais, no entanto, não é o que acontece os militares são frequentemente escalados contra sua vontade em Serviço Extraordinário pela prestação de serviços operacionais fora de suas escalas normais de trabalho, conforme a Lei nº 15.949/06, o que viola esse período de repouso e descanso, pagando um valor ínfimo ao serviço prestado, com servidores com a produtividade reduzida em razão de estresse devido ausência de um descanso mínimo necessário ou devidamente remunerado. Desta forma em analogia a folga como qualquer outro afastamento (férias ou licença) não pode ser suspensa ou prejudicada por qualquer motivo, devendo ser uma situação de relevância e excepcionalidade conforme descreve o Estatuto dos Policiais Militares como: interesse da Segurança Nacional, de manutenção da ordem, de extrema necessidade de serviço, em caso de mobilização e estado de guerra, decretação de estado de sítio, conforme artigo 61, § 2º e 67, § 1º. O que vem ocorrendo atualmente é o emprego de policiais devido à falta de efetivo, o que é um problema político devido à falta de exação do Governador em realizar concurso e contratar mais policiais, de forma que o policial não pode ser prejudicado pelos desmandos do Governo e ainda receber um pagamento irrisório pela sua hora extra trabalhada o que nos moldes da Constituição deve ser no mínimo de cinquenta por cento a hora normal. 3. Da hora extra – Serviço Extraordinário Remunerado (SER) A Lei nº 15.949/06, dispõe sobre a ajuda de custo, no âmbito da Secretaria da Segurança Pública, em seu artigo 1º, inciso IV: serviço extraordinário – AC4, definido no artigo 5º: “Art. 5º A indenização por serviço extraordinário -AC4- será atribuída ao servidor do órgão gestor do Sistema de Execução Penal, ao militar e ao policial civil pela prestação de serviços operacionais fora de suas escalas normais de trabalho, para fazer face a despesas extraordinárias, a que estão sujeitos, conforme as circunstâncias de cada caso e instruções normativas a serem baixadas pelo titular do órgão gestor do Sistema de Execução Penal, pelo Secretário de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária e pelo Chefe do Gabinete Militar. Negritei.” – Redação dada pela Lei nº 18.837, de 27-05-2015, art. 7º. Inicialmente atentar para a definição “indenização por serviço extraordinário”, nome dado para fugir da hora extra, o que não impede seu reajuste nos moldes constitucionais, ou, a mudança da nomenclatura, de qualquer forma se refere ao emprego dos policiais pela prestação de serviços operacionais fora de suas escalas normais de trabalho, ou seja, essa prestação de serviço ocupa o policial em seu horário de descanso, na sua folga, que como dito, é um problema político, que vem gerando o emprego de servidores na sua folga, sendo pago uma quantia irrisória, que da forma que vem ocorrendo nunca ira gera novo concurso, pois pagar um policial na folga, é muito mais econômico do que contratar novo servidor, assim, nos moldes da Constituição essa remuneração deve ser no mínimo de cinquenta por cento a hora normal: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal”; Negritei. Como dito o recuso se chama “indenização por serviço extraordinário”, assim determina a Constituição que o serviço extraordinário deve ser no mínimo cinquenta por cento a do normal, não cabendo qualquer divergência sobre esse valor ou indenização, como querem chamar. Neste raciocínio, calculamos o seguinte: se o militar exerce 42 horas semanais, um mês tem 4 semanas, gera 168 horas de trabalho mensal (42×4=168). Com um salário base de R$ 4.485,92 (soldo de soldado), encontramos o valor da hora de R$ 26,70 (4.485,92÷168=26,70), valor com 50% a hora normal (26,70×50%=40,05) daria uma hora extra de no mínimo R$ 40,05, ou seja, bem superior a hora extra paga pelo governo, o que valorizaria a folga do policial, sem contar que seria outro o cálculo para o período noturno, feriado e finais de semana no valor de 100%. Isso para tentar mostrar o valor da folga para o policial militar. Ocorre que o mais justo é que em cada Posto ou Graduação seja calculada a sua hora extra devida, pois implica em uma responsabilidade diferente, portanto, a “indenização” deve ser diferente. Ressalto, ainda, que a hora extra deve incidir ainda aos alunos que estão fazendo cursos e esse curso extrapole o período de 42 horas semanal, já que o fato de estar fazendo curso não lhe retira a condição de policial militar ou funcionário público, devendo ser recompensado pelas horas que foram “roubadas” do seu descanso. No caso da Academia de Polícia Militar o aluno se apresenta as 07:00 horas para o desfile e geralmente fica após as 18:00 horas, para alguma “instrução”. Conclusão: Conforme exposto o a dedicação integral ao serviço policial militar e a fidelidade a instituição a que pertence, preconizado no artigo 30, I, do Estatuto dos Policiais Militares (Lei nº 08.033/75), se caracteriza dentro da sua jornada de trabalho, devendo sobre qualquer pretexto prevalecer a folga ou descanso do policial militar, conforme a própria Lei descreve: “Art. 30 – Os deveres Policiais-Militares emanam de vínculos racionais e morais que ligam o Policial-Militar à comunidade estadual e à sua segurança, e compreendem, essencialmente: I – a dedicação integral ao serviço Policial-Militar e a fidelidade à instituição a que pertence, mesmo com o sacrifício da própria vida; Parágrafo Único – A dedicação integral a que ser refere o item I deste artigo sujeita o Policial-Militar à jornada mínima de 40 (quarenta) horas semanais de trabalho". O próprio texto não deixa dúvida, a dedicação integral a que ser refere o item I deste artigo sujeita o Policial-Militar à jornada mínima de 40 (quarenta) horas semanais de trabalho, definida pela Portaria nº 2550/12 em 42 horas semanais, desta forma a folga/descanso do policial militar pertence somente ao mesmo, podendo ocupar esse tempo como bem entender (claro que em atividade licita), seja, e, somente por este pode ser abdicada, ao ser voluntário no serviço extraordinário, que deve fornecer uma remuneração/indenização condizendo com o sacrifício desprendido, privado de seu convívio familiar e social. É claro que nenhum direito é absoluto, pois em caso de interesse da Segurança Nacional, de manutenção da ordem, de extrema necessidade de serviço, em caso de mobilização e estado de guerra, decretação de estado de sítio, deve o militar estadual atender ao chamado da nação ou do Estado, no entanto, podemos verificar que tais situações são completamente anormais ou atípicas, devendo ser assim entendidas para efeito de supressão do descanso/folga/repouso do policial. A necessidade do serviço é um fator atípico da atividade policial, pois a perseguição ou cerco a marginais não deve terminar com o turno de serviço, mas dentro da possibilidade da troca das equipes, evitando a fuga dos criminosos e o interesse público, mas deve aquele que extrapolou seu turno ser recompensado com o que lhe é devido, conforme entendimento do Ministério Público de Goiás in: http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/acao-do-mp-contra-jornada-excessiva-de-trabalho-dos-militares-em-goias-e-instruida-com-nota-tecnica–2: É preciso deixar claro, ainda, que apesar de existir um Código Penal Militar não é disso que se trata, uma vez que não estamos tratando de nenhuma conduta ilegal do militar ou mesmo funcionário civil, mas da sua situação perante o ordenamento jurídico brasileiro diante da pratica de jornada exaustiva de trabalho. Também é certo que em tempo de guerra o militar, seja do Exército, Marinha, Aeronáutica, ou mesmo de força auxiliares internas ou polícia preventiva, não teria como discutir o horário de trabalho, porém estamos tratando de jornada de militares em tempo de paz quando esses profissionais devem ser tratados como servidor público regido por um regime especial, mas antes de tudo cidadão. O descanso/folga/repouso como norma Constitucional deve ser respeitada, e entendido a dedicação do militar durante sua jornada de trabalho, pois o efetivo deve ser de acordo e proporcional a população do Estado, pois visa justamente resguardar os direitos dos trabalhadores, servidores militares, que são pais de família, filhos, membros da sociedade que defendem e como tal devem ter seu horário de descanso respeitados. Agora quando o policial entende que consegue voluntariamente desempenhar horário extra a sua carga horaria normal nada impede que preste este trabalho de forma voluntária, mas que esse serviço seja devidamente recompensado, com uma remuneração que permita em sua próxima folga ou férias ter mais conforto com sua família havendo um sacrifício para uma posterior compensação, adquirindo bens, viajando ou se divertindo ao lado de seus entes queridos. Se aplicando o exposto as Unidades de Ensino, pois como dito pelo MPGO, estamos tratando de jornada de militares em tempo de paz quando esses profissionais devem ser tratados como servidor público regido por um regime especial, mas antes de tudo cidadão.
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A responsabilidade civil do Estado
Tem-se como objetivo analisar a responsabilidade civil do Estado, o seu conceito, os seus requisitos, as suas principais teorias, sua previsão constitucional, a quem ela se aplica e breves aspectos sobre a ação regressiva.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A responsabilidade civil do Estado é um instituto estatal que sofre constantes mudanças através dos diversos contextos sociais, para se adequar sempre ao ponto em que a sociedade se encontra para fazer frente às demandas tanto da coletividade quanto da Administração Pública. Atualmente, a máxima que se observa sobre o tema em tela, é primar pela observância ao princípio constitucional/administrativo da igualdade e não deixar que indivíduos em sociedade sofram prejuízos sem o devido e adequado ressarcimento, desde que eu proporção ao dano sofrido. Este trabalho abordará a forma como é gerada essa responsabilização estatal e o que fundamenta a reparação de danos. 1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO 1.1. Conceito A responsabilidade civil do Estado consiste no momento em que surge para o Estado a obrigatoriedade de indenizar o particular por dano patrimonial ou moral, durante a prestação de serviço público e na função de Administração Pública. Tal obrigação deve ser cumprida quando se encontram presentes os seguintes elementos: a conduta humana, o dano causado e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. A conduta humana desempenhada pelo agente público que exerce o poder de Estado consiste na prestação de um serviço público que causou danos. Enquanto isso, o dano causado consiste em bem jurídico tutelado pela ordem jurídica que foi lesado. Já o nexo causal, representa a ligação entre os dois no caso concreto. Segundo o professor de Direito Administrativo Carvalho (2016, p. 321), a responsabilidade civil do Estado, por existir independentemente de vínculo ou relação prévia com o Poder Público, também é denominada como extracontratual. 1.2 A responsabilidade civil objetiva A responsabilidade civil do Estado se dá, atualmente, no ordenamento jurídico, de maneira objetiva. Isso ocorre pelo fato de o particular possuir certa dificuldade de ter que provar o dano, nexo causal e o elemento subjetivo, consistente na culpa ou no dolo do agente público que presta serviço público, requisitos da responsabilidade subjetiva. A teoria objetiva traz, conforme o ilustre mestre Celso Antônio Bandeira de Melo[1], que a responsabilidade civil  estabelece a “obrigação de indenizar quem incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem”, motivo pelo qual basta que seja comprovado o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, não mais o dolo ou culpa do agente. 1.3 A Reponsabilidade Civil na Constituição Federal/88 A Constituição Federal de 1988 trata, em determinado ponto, sobre a responsabilidade civil estatal, no art. 37, §6º. Vejamos: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. […]” Conforme traz a CF/88, os princípios norteadores da Administração Pública Federal também devem ser observados quando da responsabilização do Estado por danos causados ao particular. A responsabilidade civil objetiva do Estado não alcança somente o Estado propriamente dito, mas também aqueles entes administrativos (membros da administração indireta) que lhes fazem as vezes e os integram, como as autarquias, as fundações públicas de Direito Público. A responsabilidade também alcança as pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos, tal como concessionárias e permissionárias de serviço público. Essa responsabilidade se dá pelo simples fato de que elas também usufruem da qualidade de Poder Público durante essa prestação de serviço e, sendo assim, também estão sujeitas à responsabilização, já que é perfeitamente plausível que podem vir a causar danos ao particular. Já as entidades administrativas que exploram atividades econômicas, como Empresas Públicas e Sociedade de Economia Mista, não se incluem entre as que se regulam pela Responsabilidade Civil do Estado. 1.4 A questão de terceiros que não usufruem dos serviços públicos prestados no momento em que o dano é causado A responsabilidade civil estatal não atinge tão-somente a danos causados a pessoas que usufruem dos serviços públicos prestados pelo Estado, ou por quem faça as vezes dele. É possível que a imputação Estatal surja em caso de terceiro que não é usuário do serviço público, pelo fato de ele também vir a ser alvo de uma conduta lesiva ao seu bem jurídico tutelado, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal. Vejamos: “CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II – A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III – Recurso extraordinário desprovido.” (STF – RE: 591874 MS, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 26/08/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO). 1.5 Teorias da Responsabilidade Civil Objetiva do Estado 1.5.1 Teoria do Risco Integral A teoria do risco integral traz que é necessário o acontecimento de um caso concreto que cause danos e o nexo causal para que o Estado indenize. Isso não permite que o Estado alegue eventuais excludentes de responsabilidade jurídica. Há doutrina, como Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino, por exemplo, com o entendimento de que um exemplo de responsabilização integral ocorre quando há acidentes nucleares e, assim, o Estado se torna inteiramente responsável por esses danos. Outro exemplo seria o caso de cometimento de crimes ambientais. Segundo o doutrinador Hely Lopes Meireles[2] (2003), a teoria do risco integral nunca foi adotada no ordenamento jurídico, vez que é, segundo ele “absurda, injusta e inadmissível no Direito Moderno”. 1.5.2. Teoria do Risco Administrativo A teoria do risco administrativo estabelece que o dano causado pela atuação do Estado deve ser passível de indenização, ainda que se trate de falta de serviço ou culpa de determinado agente público. O que se exige, neste caso, é a ocorrência do dano sem a concorrência de um particular, por exemplo. Mesmo que exista o fato do serviço, o nexo de causalidade direto entre o fato e o dano que foi causado, é necessário que o Poder Público indenize. Nesse diapasão, não há necessidade de o particular provar a culpabilidade estatal ou do agente público, entretanto se o Estado tiver interesse em se eximir de cumprir a obrigação de ressarcir o dano causado, ou quiser atenuar, poderá apresentar defesa no sentido de comprovar a existência de excludentes de sua culpa. 1.6 Responsabilidade Subjetiva do Estado 1.6.1 Teoria da Culpa Administrativa Esta teoria traz que a culpa administrativa apenas gera obrigatoriedade de o Estado indenizar o particular se houver prova da existência da falta de serviço. Essa culpabilidade da Administração Pública pode decorrer de inexistência do serviço, mau funcionamento ou retardamento. É necessário que o particular comprove a ausência para ser indenizado, quando sofrer o dano por algum serviço que o Estado deveria ter prestado. Deve comprovar a causalidade no contexto de que se não fosse a omissão estatal, o dano teria sido evitado. Doutrina como a dos professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, (2013, p. 814) dão conta de que esse tipo de dano causado ode ser exemplificado por eventos que envolvam delinquentes ou multidões, fenômenos da natureza, e eventos de força maior. É fundamental, para que o comportamento estatal gere indenização, prova da omissão culposa da Administração: negligência, imperícia ou imprudência. 1.6.2 Força Maior ou Caso Fortuito De acordo com lição de Maria Sylvia Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, temos uma situação de força maior quando se trata de um evento externo, que não faz parte da atuação da administrativa, ao qual não é possível conferir a característica de imprevisível, irresistível ou inevitável. Os autores citam como exemplo um furacão, terremoto, uma guerra, uma revolta popular incontrolável. Já o caso fortuito seria caracterizado por evento interno, esse sim decorrente da atuação da administração, resultando em algo anômalo, inexplicável e imprevisível, por exemplo: casos relativos à segurança, onde toma-se todas as providências necessárias para a obtenção de um resultado, mas ele vem a ocorrer de forma diferente da prevista. Em situações em que danos advenham de caso fortuito ou força maior, sem que não haja conduta comissiva por parte do Estado, só existirá a responsabilidade deste caso se tiver ocorrido o resultado em decorrência de sua omissão, por deixar de prestar um serviço que deveria, em situações normais, e que se tivesse sido fornecido evitaria ou diminuiria o dano. Caso seja acarretada a responsabilidade, nesse contexto, será de forma subjetiva, fundamentada na teoria da culpa administrativa, conforme a proporção que a omissão do Estado contribuiu para o dano. Conforme os ilustres administrativistas afirmam, somente situações enquadradas em caso de força maior excluem a responsabilidade civil objetiva da Administração Pública e seus delegatários. O caso fortuito, não. 1.7 Responsabilidade civil por dano em obra pública A responsabilização civil ocorrerá em razão de dois aspectos: má execução da obra ou fato dela, na modalidade risco administrativo, ou se a administração pública estiver executando a obra ou tiver firmado contrato administrativo com um particular, conforme lição de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2013, p. .824/825). Diz-se que o fato da obra acontece quando algo imprevisível ou inevitável, sem culpa de alguém, sem irregularidade, ocorre, cabendo, então, à Administração Pública responder pelos danos causados. Já em caso de má execução de obra pública, se esta for realizada pela Administração, estará ela enquadrada no art. 37, §6º da CF/88, de responsabilidade objetiva, podendo ajuizar ação regressiva contra o agente público responsável pela obra, provando culpa ou dolo na conduta do agente. Quando se falar de obra realizada por particular, por intermédio de contrato administrativo firmado com a Administração, a resposta será subjetiva. É possível, ainda seja o dano imputado ao Estado e ao agente público, reduzindo a responsabilidade de cada um, na medida de sua culpa pelo dano causado. 1.8 Da responsabilidade por atos legislativos e jurisdicionais Via de regra, o Legislativo não pode ser responsabilizado por legislar, que é sua função principal. O Judiciário não pode ser responsabilizado por julgar, também sua função principal. Entretanto, há casos em que os dois serão passíveis de responsabilização. Para existir responsabilidade por ato legislativo, é imprescindível que ele seja danoso e que seja declarado inconstitucional em controle concentrado, no caso de edição de leis inconstitucionais e de leis de efeitos concretos. Enquanto isso, o judiciário também poderá responder, por atos judiciais/judiciários, de maneira excepcional, já que esses atos são, geralmente, recorríveis e não passíveis de indenização: quando alguém permanecer preso por erro e/ou além do tempo fixado na sentença, conforme art. 5º, LXXV, da CF/88. Será caso de responsabilidade objetiva do Estado. O Estado-Juiz só será responsabilizado por ato judicial se houver a comprovação de dolo ou fraude, por exemplo, quando recusar, omitir ou retardar providência sem justo motivo, de ofício ou a requerimento da parte. Sua responsabilidade será de forma pessoal, devendo ressarcir prejuízos causados. Esta responsabilização, entretanto, não alcança eventuais erros decorrente de culpa nas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, mesmo acarretando danos. 1.9 Ação regressiva: administração pública X agente público É possível, por autorização expressa da CF/88, no art. 37, §6º, a ação regressiva contra o agente que estava representando o Estado no momento em que o dano foi causado, se for provado dolo ou culpa na sua atuação. Para que a ação regressiva seja possível, é necessário que a Administração ou quem lhe fizer as vezes prove que já foi obrigada a indenizar, vez que o seu direito de regresso nasce apenas com o trânsito em julgado da decisão judicial condenatória. É importante diferencia a responsabilidade da administração da responsabilidade do agente perante a administração. A primeira será no risco administrativo e objetiva, já a segunda, no caso de dolo ou culpa do agente responsável e será subjetiva. A responsabilidade civil possui natureza de ação cível e, em razão disso, transmite-se aos sucessores dos agentes que tenham atuado com dolo ou culpa (desde que respeitado o limite patrimonial transferido). Ainda, é possível que mesmo depois de encerrado o vínculo entre o agente e a Administração Pública, a ação de regresso seja ajuizada. CONCLUSÃO Conclui-se, deste trabalho, que o instituto da responsabilidade civil é bastante amplo, comportando bastante detalhes e mudou bastante com o passar dos tempos. A responsabilidade que se dá ao Estado na reparação do dano causado evoluiu de forma significativa, notadamente se considerarmos que antes o indivíduo tinha que provar não apenas a relação de causalidade entre o dano e a conduta, mas o dolo ou culpa presente no comportamento do prestador de serviço, o que assegura com que agora o particular jamais saia no prejuízo.
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Atos administrativos
Procura-se, por meio deste trabalho fazer uma breve análise sobre alguns aspectos do instituto do direito administrativo Ato Administrativo, como sua classificação, seus elementos, seus atributos e suas principais formas de extinção.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O ato administrativo é um instituto extremamente relevante para o estudo do Direito Administrativo, não apenas para entender como funciona o exercício da atividade pública pela administração, mas para entender como eles se encaixam no ordenamento jurídico. Por meio das classificações de seus diversos tipos de atos, é necessário estudar seus elementos, atributos e formas de extinção, que definem como ele funciona e se adequa à Administração Pública e à convivência em sociedade. 1. Atos Administrativos 1.1 Conceito Os atos administrativos são praticados durante o exercício da função administrativa, em regime público, representando a vontade estatal. Possui como finalidades adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou, ainda, impor obrigações aos particulares e constituir limitações ao próprio Estado quando este exerce o Poder Público. O ato administrativo se cinge naquele momento em que a Administração Pública exerce a função administrativa dentro do regime de direito público. Segundo ensina o professor Hely Lopes Meireles (2006), constitui “uma manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, adquire, resguarda, transfira e modifique, extinga e declare direitos. ” que legitima o Estado a instrumentalizar a função de administrar. Além de ser um instrumento pelo qual o Estado (ou quem exerça a função de Estado) administre o poder público, ele consiste também em uma declaração e, em determinados aspectos, se sujeita ao controle do Poder Judiciário, conforme entendimento da autora Maria Sylvia Di Pietro (2009): “Declaração do estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário. ” Em consonância com o pensamento de doutrinadora acima mencionada, está o entendimento do também administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, segundo a qual o Estado quem assume essa posição declara e manifesta cumprimento de providências para fazer valer a lei, também sujeitas a regulação por parte do Poder Judiciário. Dito isso, o exercício da Administração pode ser traduzido pela edição de ato administrativo, já que ele positiva essa função tanto pelo Poder Executivo, quanto pelos Legislativo e Judiciários. 1.2 Classificação do Ato Administrativo O ato administrativo, conforme a maior parte da doutrina, possui diversas classificações. Conforme a classificação dos ilustres mestres Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ((2015, p. 484-506), eles classificam-se em vinculados, discricionário, geral, individual, de império, de gestão, de expediente, ampliativo, restritivo, simples, composto, complexo, interno, externo, constitutivo, extintivo, modificativo, declaratório, válido, nulo, anulável, inexistente, perfeito, imperfeito, eficaz, ineficaz, pendente, consumado. O ato vinculado é aquele que encontra previstos em lei todos os seus requisitos e elementos, de forma bastante objetiva. Neste ato, o legislador não dá margem ao administrador para agir conforme a sua manifestação livre de vontade, é obrigatório seguir a lei. Já no ato discricionário, o Estado tem margem para escolher a melhor atuação conforme o caso concreto. Mesmo havendo margem para discricionariedade, esta nunca é total, pois geralmente a competência e a finalidade são elementos que se encontram previstos na legislação. Os atos gerais têm a sua edição voltada para todos, não possui destinatário específico. Exemplo deles são comandos normativos aplicáveis a todas as pessoas e casos concretos que se enquadrem na ordem que ele emite. Já os individuais, delimitam o tipo de pessoa para o qual o ato é editado. Os atos de império constituem os famosos momentos em que o Estado, como Administração Pública, edita comando para que ele tenha prerrogativa estatal em determinados contextos. Ao contrário deles, nos atos de gestão, o estado não possui qualquer prerrogativa e age de forma igualitária com o particular. Já no ato de expediente, o Estado edita com função de fazer prosseguir processos e outras atividades administrativas, somente. O ato ampliativo é aquele que gera direitos ao particular, criando—lhe vantagens, licenças, permissões, autorizações e nomeações. Nesse interim, o restritivo restringe obrigações e determina penalidades. Ato simples é aquele que depende de tão-somente uma única e simples manifestação de vontade para estar perfeito e acabado. Enquanto isso, o ato complexo, depende de mais de uma manifestação de vontade e constitui a soma de atos independentes para que ele se concretize. Ainda, o ato composto depende de mais de uma manifestação de vontade e é constituindo por uma vontade principal e outra acessória, sendo que a última ratificará a primeira. Atos internos são os que são editados com vistas a produzir efeito somente no âmbito da administração pública, atingindo diretamente apenas seus órgãos e agentes. Enquanto o externo, atinge somente os administradores em geral, criando direitos ou obrigações gerais ou individuais, declarando situações jurídicas. Ademais, o constitutivo cria uma nova situação jurídica individual em relação à administração. Já o extintivo, finaliza e desconstitui situações jurídicas individuais existentes. Tem-se, também, o ato modificativo, que tem como objetivo modificar situações preexistentes sem que se as extinga. Enquanto isso, a declaratória declara alguma situação jurídica anterior a ele, direito ou obrigação preexistente. Ato válido, por sua vez, é o que está em conformidade com o ordenamento jurídico e observou totalmente as exigências legais e infra legais necessárias para ser corretamente editado, assim como os princípios jurídicos orientadores da atividade administrativa. Junto com ele, há o ato nulo, que constitui aquele tipo de ato que nasce com vício insanável, geralmente o que advém da ausência dos elementos constitutivos, ou defeito substancial neles, retroagindo assim que for retirado do universo jurídico, desfazendo efeitos já produzidos (exceto em caso de terceiros de boa-fé). Já o anulável é o que representa ato com defeito sanável e pode ser convalidado pela própria administração que o praticou, desde que não seja lesivo ao interesse público ou cause prejuízo a terceiros. Ato inexistente é constituído por apenas ter aparência de manifestação de vontade da administração, mas advém de alguém que se passa por agente público. Ato perfeito é o que está terminado e concluiu seu ciclo e todas as etapas de construção e quando já se passaram todas as fases necessárias para sua produção. Ao contraste dele, o imperfeito é o que não chegou perto de completar seu ciclo de formação. Ato eficaz é aquele ato que se constituí por estar pronto para gerar efeitos típicos dele, conforme a legislação. O ineficaz, ao contrário, não pode produzir seus efeitos. Ato pendente é o que está sujeito a termo ou condição, ou seja, ato pendente é ato que, por si só, já é ineficaz. Ao contrário disso, o consumado produziu todos os seus efeitos na esfera jurídica e não possui mais possibilidade de produzir novos, encerrando o objetivo para o qual foi criado. 1.3 Elementos dos atos administrativos Os elementos dos atos administrativos são requisitos que norteiam a edição do ato em si, imprescindíveis para a sua formação, de forma que a falta de algum deles pode prejudicar a sua validade e os seus efeitos. São eles: competência, forma, finalidade, motivo, objeto. 1.3.1 Competência A competência se define pelo fato de existir sempre um agente público ao qual a lei dá competência para prática de ato específico. Ela é um elemento irrenunciável, imprescritível, improrrogável e intransferível. Em regime de excepcionalidade, há a avocação, que é quando um ente toma para si a competência de agente inferior, somente. Já a delegação, acontece quando um órgão de mesma ou inferior hierarquia toma para si as atribuições de algum órgão, não a titularidade. A competência, dessa forma, é um elemento sempre vinculado, mesmo que o ato seja discricionário, pois ela se origina da lei. 1.3.2 Forma Em se tratando da forma como elemento do ato administrativo, é o meio pelo qual o ato se apresenta. Em geral, é escrito. Ele não busca sempre a forma, como traz o princípio da instrumentalidade das formas, pois mesmo que ele tenha sido editado de forma incorreta, se alcançar o objetivo para o qual foi criado, ele será válido. A forma é um elemento sempre vinculado, por isso, passível de controle judiciário. Defeito de forma é geralmente possibilita convalidação, a menos que a lei estabeleça diferente. 1.3.3 Finalidade A finalidade do ato administrativo é aquilo que ele procura quando é editado, a finalidade que pretende alcançar, para afirmar a busca pelo interesse público, mas além disso, sempre há uma finalidade prevista na lei. Tal elemento é sempre vinculado, vez que está sempre previsto em lei (também passível de controle pelo Judiciário). Qualquer falta de atendimento à finalidade configura vício insanável, sendo obrigatória a anulação do ato, sem poder ser convalidado. 1.3.4 Motivo Motivo é o elemento do ato que dá base e fundamento à sua edição. É a relação entre o motivo e o resultado (objeto e finalidade). O fato e o direito que dá origem à pratica do ato sempre se correlaciona com o motivo. O motivo, porém, tem que ser diferenciado da motivação. O primeiro, constitui-se no motivo pelo qual o ato nasce, seu propósito. Já a motivação, é a exposição do motivo, sua explicitação e fundamentação. Com base nisso, foi criada a teoria dos motivos determinantes que sustenta, em suma, que a validade dos atos administrativos sempre se ligará aos motivos indicados como seu fundamento. 1.3.5 Objeto Por fim, o objeto, constitui aquilo que se pode traduzir no conteúdo/matéria do ato. Por meio dele, a administração manifesta a sua vontade ou trata sobre situações preexistentes. Consiste, em outras linhas, na alteração que esse elemento causa no universo jurídico, que é imediato. 1.4 Mérito administrativo Superado o primeiro momento do ato administrativo, tem-se que há ocasiões em que a Administração possui a necessidade de decidir sobre a oportunidade e conveniência da prática de um determinado ato discricionário, escolhendo o conteúdo desse ato, dentro dos limites estabelecidos na lei. Trata-se do mérito administrativo. O mérito administrativo só pode ser realizado no ato discricionário. Constitui a valoração dos motivos e a escolha do objeto do ato a ser praticado pela Administração, a quem cabe a prática. Conforme a lição de Hely Lopes Meireles “consiste na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração imcumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e a justiça do ato a realizar Em se tratando de atos administrativos, o mérito administrativo traz possíveis resultados que podem resultar da sua realização, tais como revogação ou não do ato, porém nunca sua anulação. Além disso, não pode o Poder Judiciário intervir e revogar atos administrativos, só anular em caso de ilegalidade ou ilegitimidade, pois este não realiza controle de mérito e nem substitui a Administração analisando conveniência e oportunidade, sob pena de contrariar o princípio da separação dos poderes. 1.5 Atributos dos atos administrativos Os atributos dos atos administrativos constituem aquilo que, juntamente com os elementos, norteiam os atos administrativos. São caraterísticas que fazem com que o ato seja aplicado ou não. 1.5.1 Presunção de Legitimidade A presunção de legitimidade está presente desde o nascimento do ato e independentemente da norma legal que o prevê. É um atributo que se encontra em todos os atos administrativos, de obrigação ou de reconhecimento de direitos. Segundo os administrativistas Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2013, p. 494), é um atributo que permite que mesmo que tenham vícios ou defeitos, se não forem anulados ou sustados temporariamente seus efeitos, seja plenamente eficaz, como se fosse válido. Existem recursos que podem sustar preventivamente (até com efeito suspensivo), inclusive, atos administrativos, ou a sua execução e, também, com mandado de segurança com pedido limitar, ações cautelares, antecipação dos efeitos da tutela, etc. Assim, a presunção de legitimidade e relativa e admite prova em contrário, ou seja, prova de o ato ser ou não legítimo. A ilustre administrativista Maria Sylvia Zanella de Pietro divide em duas a presunção de legitimidade: onde a interpretação e a aplicação da norma foram corretas pela administração e a presunção de veracidade, que os fatos alegados pela administração existem e são verdadeiros. 1.5.2 Imperatividade É o poder de coerção que a Administração Pública possui para criar obrigações, de forma unilateral e impor limitações. Conforme os professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, ela decorre do poder extroverso (2015, p.), cuja definição se encontra na habilidade de o Poder Público praticar atos que extravasam sua esfera jurídica e adentram na alheia, alterando-a, independentemente da concordância prévia do indivíduo. A imperatividade, por mais que se trate de imposição da Administração Pública, não se encontra prevista em todos os atos. Os atos administrativos que, para sua concretização, precisam de concordância e de provocação, não se encontram presentes entre os que possuem o atributo da imperatividade, vez que não constituem, diretamente, uma obrigação ou imposição do Poder Público. 1.5.3 Autoexecutoriedade O atributo da autoexecutoriedade faz parte dos atos que podem ser utilizados de forma material pela Administração. Essa utilização se dá de forma direta, já que não há a necessidade de autorização judicial anterior para que isso aconteça. É possível, inclusive, o uso de força. Mesmo que os atos administrativos que gozam de autoexecutoriedade não tenham necessidade de provocar o judiciário, nada impede que o Poder Judiciário controle o ato. Isso se dará sempre que algum interessado tiver informação de que a Administração vai editar algum ato administrativo e, por liminar, deve ser comprovada a potencial ilegalidade do ato. A autoexecutoriedade não constitui atributo de todos os atos, já que é uma atividade que faz parte das atribuições da Administração, quando esta exerce atividade de Poder Público. O mencionado atributo existe diante da necessidade que a Administração Pública necessita para preservar o interesse público, precisando agir sem intervenção do Judiciário, especialmente no exercício do poder de polícia, conforme lição dos administrativistas Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2015, p.) 1.5.4 Tipicidade O ato administrativo deve gozar de tipicidade, atributo que estabelece que ele deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como possíveis de produzir certos resultados. A tipicidade administrativa impede que a Administração, no exercício do Poder Público, crie atos inominados, de maneira unilateral e coercitiva, sem prévia autorização legal. Este atributo do ato administrativo só se encontra em atos unilaterais e impede que a Administração Pública edite ato totalmente discricionário. 1.6 Extinção dos atos administrativos. 1.6.1 Anulação A anulação do ato administrativo terá que ocorrer sempre em caso de vício no ato, que se relacione à legalidade ou legitimidade, quando ofenda a lei ou o direito como um todo e no controle de legalidade, não do mérito. É obrigatório que o ato administrativo que contenha vicio insanável seja anulado, já o que tenha vício sanável, é passível ser anulado ou convalidado (discricionariamente pela administração). Os efeitos da anulação são ex tunc (retroativos), porém os efeitos alcançados a terceiros de boa-fé são resguardados. A anulação pode ser feita pela Administração, de ofício (autotutela) ou mediante provocação, ao Poder Judiciário. O prazo de anulação dos atos administrativos ilegais é 5 anos e não permanece se houver ofensa à Constituição Federal. 1.6.2 Revogação A revogação de um ato administrativo é a sua exclusão do ordenamento jurídico, e conforme discricionariedade da Administração, tornou-se inoportuno ou inconveniente. A revogação se fundamenta no poder discricionário, que decorre da oportunidade e da conveniência. É o ato que define controle de mérito. A revogação produz efeitos ex nunc, ou seja, para a frente, não sendo possível revogar ato que já tenha gerado direito adquirido. Ela é ato que somente a própria pessoa que a pratica pode realizar, sendo que um poder jamais revoga ato administrativo do outro poder. Ainda, não é possível que o ato vinculado seja revogado, somente pode ser revogado o discricionário. CONCLUSÃO Conclui-se que os atos administrativos são de suma importância para o funcionamento adequado da Administração Pública no contexto da prestação de serviço público. Não apenas do lado prático, mas também pelo lado teórico, que garante a eles a possibilidade de manifestar a vontade e o poder da Administração. Na prestação do serviço público à sociedade, os atos administrativos têm papel fundamental, pois garante direitos, declara situações jurídicas e faz leis entre as partes, contribuindo para o funcionamento do Estado.
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Da desapropriação urbanística para fins de implantação de loteamento: primeiras tessituras
Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional, sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. A intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. 2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[4], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais. Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[5], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades. Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[6]. Desta feita, para consubstanciar a novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[7], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais. Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais.  Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[8]. 3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no Ordenamento Brasileiro Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional[9], sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII[10] do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. Consoante o magistério de Carvalho Filho[11], a intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Tecidos tais comentários, cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória. Ademais, em se tratando de um procedimento de direito público retrata a existência de uma sequência de atos e atividades do Estado e do proprietário, desenvolvidas nas órbitas administrativa e judicial. Com efeito, sobre o procedimento em comento incidem normas de direito público, maiormente nos aspectos que demonstram a supremacia do Estado sobre o proprietário. Ao lado disso, cumpre evidenciar que o escopo da desapropriação reside na transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse objetivo só pode ser materializado se houver os requisitos ensejadores substancializados, ou seja, a utilidade pública ou o interesse social. Como regra geral, a indenização é paga pela transferência das desapropriações, só por exceção admitindo a ausência desse pagamento indenizatório. Neste diapasão, a natureza jurídica do instituto da desapropriação é de procedimento administrativo e, quase sempre, também judicial. Ora, considera-se procedimento como um conjunto de atos e de atividades, devidamente formalizados e produzidos com sequencia, com o escopo de se alcançar determinado objetivo. Em aludido procedimento de desapropriação, tais atos se originam não somente do Poder Público, mas também do particular proprietário.  Convém, ainda, mencionar que o procedimento tem seu curso, quase sempre, em duas fases. A primeira é a administrativa, na qual o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à transferência do bem. Por vezes, a desapropriação encontra seu esgotamento nessa fase, havendo acordo com o proprietário. Tal situação, porém, destaque-se, é considerada rara. O normal é prolongar-se pela outra fase, a judicial, substancializada por meio da ação a ser movida pelo Estado em face do proprietário. No que concernem aos pressupostos, considera-se que a desapropriação só pode ser considera legítima se reunir a utilidade pública, compreendendo-se em tal requisito a necessidade pública, e o interesse social. Carvalho Filho[12] vai aduzir que a utilidade pública resta materializada quando a transferência do bem se apresenta conveniente para Administração, ao passo que a necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução reclame a desapropriação do bem. Conquanto o Texto Constitucional se refira a ambas as expressões, o correto é a noção de necessidade pública já está inserta na de utilidade pública, porquanto esta é mais abrangente que aquela, de maneira que se pode dizer que tudo que for necessário será útil. O interesse social, por sua vez, consiste naquelas hipóteses em que mais se sublinha a função da propriedade. O Poder Público, em tais episódicas situações, tem preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as desigualdades coletivas, encontrando nos assentamentos de colonos e na reforma agrária os exemplos mais robustos. É importante assinalar que ambos os requisitos autorizadores materializam conceitos jurídicos indeterminados, porquanto são despojados de precisa que permita a identificação. Logo, importa frisar que ambos os conceitos serão aludidos na legislação pertinente. 4 Da Desapropriação Urbanística para fins de Implantação de Loteamento: Primeiras Tessituras Em alinho aos comentários tecidos até o momento, cuida mencionar que a alínea “i” do artigo 5º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941[13], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, estabelece, como hipótese de desapropriação por utilidade pública, o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética. Denota-se do dispositivo legal em apreço o emprego do termo “parcelamento”, o que implica dizer que as urbanizações se darão sob a forma de loteamento ou de desmembramento. Como bem obtempera Diógenes Gasparini[14], em sede de loteamento, verifica-se a abertura de vias de comunicação no interior da gleba e pode haver a utilização do sistema viário oficial, por meio do qual, em qualquer caso, os lotes terão frente, ao passo que no desmembramento não há vias de comunicação no interior das glebas, pois os lotes fazem frente para o sistema viário considerado como oficial. É perceptível, portanto, que duas são as hipóteses possíveis de desapropriação para a implantação dessas urbanizações: a primeira a dos loteamentos; a segunda dos desmembramentos. Com efeito, a gleba, área dotada de dimensões que permitem a implantação dessas urbanizações, há de pertencer imprescindivelmente à zona urbana, de expansão urbana ou de urbanização específica, podendo estar ou não edificada. Frise-se, oportunamente, que somente cabe a desapropriação se o ambicionado pelo Poder Público residir na melhor utilização econômica, higiênica ou estética da área assim urbanizável. Desta feita, o parcelamento deve integrar a urbanização que dará a essa área melhor utilização econômica, higiênica ou estética. Quadra reconhecer que a hipótese consagrada na alínea “i” do artigo 5º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941[15], que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, não versa sobre loteamento popular, conquanto essa espécie de urbanização seja possível em decorrência da dicção do §3º[16] do dispositivo ora mencionado. É importante, ainda, mencionar que, durante a vigência do §4º do dispositivo supramencionado, acrescentado pela Medida Provisória nº 700, de 8 de dezembro de 2015[17], que altera o Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências, foi estabelecida a dispensa do título de propriedade, quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União Federal, Estado, Distrito Federal, Município e suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. Gasparini[18] vai mencionar que a implantação, qualquer que seja a espécie de parcelamento, deverá observar a legislação urbanística e ambiental vigente. Logo, uma vez implantado o parcelamento, ou seja, executado e registrado no cartório competente, o Poder Público expropriante poderá alienar os lotes resultantes, devendo, contudo, observar as cautelas legais, a exemplo de legislação autorizadora para tal escopo e o procedimento licitatório, conquanto Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941[19], não faça qualquer menção a tal hipótese. Ora, ainda que assim não seja, não se pode compreender que o Poder Público com outra responsabilidade, senão a de implantar parcelamentos para os mencionados fins e posteriormente promover a alienação dos lotes advindos dessa urbanização. Com efeito, a legislação deverá autorizar o Poder Público a desapropriar a gleba, estabelecer os aspectos caracterizadores da urbanização do parcelamento, prescrever o modo e as condições de alienação dos lotes e dar outras providências. No mais, a alienação, consoante o interesse público, pode ocorrer mediante venda, doação ou permuta, não havendo, pois, nenhuma restrição.
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Da desapropriação urbanística sancionatória: primeiras pinceladas à hipótese do artigo 182, §4º, inciso III, da Constituição Federal de 1988
Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional, sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. A intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória.
Direito Administrativo
1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados. Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas. 2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[4], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais. Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[5], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades. Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[6]. Desta feita, para consubstanciar a novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[7], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais. Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais.  Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[8]. 3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no Ordenamento Brasileiro Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional[9], sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII[10] do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. Consoante o magistério de Carvalho Filho[11], a intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Tecidos tais comentários, cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória. Ademais, em se tratando de um procedimento de direito público retrata a existência de uma sequência de atos e atividades do Estado e do proprietário, desenvolvidas nas órbitas administrativa e judicial. Com efeito, sobre o procedimento em comento incidem normas de direito público, maiormente nos aspectos que demonstram a supremacia do Estado sobre o proprietário. Ao lado disso, cumpre evidenciar que o escopo da desapropriação reside na transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse objetivo só pode ser materializado se houver os requisitos ensejadores substancializados, ou seja, a utilidade pública ou o interesse social. Como regra geral, a indenização é paga pela transferência das desapropriações, só por exceção admitindo a ausência desse pagamento indenizatório. Neste diapasão, a natureza jurídica do instituto da desapropriação é de procedimento administrativo e, quase sempre, também judicial. Ora, considera-se procedimento como um conjunto de atos e de atividades, devidamente formalizados e produzidos com sequencia, com o escopo de se alcançar determinado objetivo. Em aludido procedimento de desapropriação, tais atos se originam não somente do Poder Público, mas também do particular proprietário.  Convém, ainda, mencionar que o procedimento tem seu curso, quase sempre, em duas fases. A primeira é a administrativa, na qual o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à transferência do bem. Por vezes, a desapropriação encontra seu esgotamento nessa fase, havendo acordo com o proprietário. Tal situação, porém, destaque-se, é considerada rara. O normal é prolongar-se pela outra fase, a judicial, substancializada por meio da ação a ser movida pelo Estado em face do proprietário. No que concernem aos pressupostos, considera-se que a desapropriação só pode ser considera legítima se reunir a utilidade pública, compreendendo-se em tal requisito a necessidade pública, e o interesse social. Carvalho Filho[12] vai aduzir que a utilidade pública resta materializada quando a transferência do bem se apresenta conveniente para Administração, ao passo que a necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução reclame a desapropriação do bem. Conquanto o Texto Constitucional se refira a ambas as expressões, o correto é a noção de necessidade pública já está inserta na de utilidade pública, porquanto esta é mais abrangente que aquela, de maneira que se pode dizer que tudo que for necessário será útil. O interesse social, por sua vez, consiste naquelas hipóteses em que mais se sublinha a função da propriedade. O Poder Público, em tais episódicas situações, tem preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as desigualdades coletivas, encontrando nos assentamentos de colonos e na reforma agrária os exemplos mais robustos. É importante assinalar que ambos os requisitos autorizadores materializam conceitos jurídicos indeterminados, porquanto são despojados de precisa que permita a identificação. Logo, importa frisar que ambos os conceitos serão aludidos na legislação pertinente. 4 Da Desapropriação Urbanística Sancionatória: Primeiras Pinceladas à hipótese do artigo 182, §4º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 Em alinho aos comentários tecidos até o momento, cuida mencionar que o inciso III do §4º do artigo 182 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi responsável por instituir a desapropriação de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, incluída no plano diretor, consoante vier a ser prevista em legislação federal, cujo proprietário não promoveu o seu adequado aproveitamento, nos termos preconizados em legislação municipal ou distrital, caso não tenham sido eficazes as sanções contidas nos incisos I e II do parágrafo supra[13]. Tal instituto recebeu, pela doutrina, a denominação de “desapropriação urbanística sancionatória”. Conforme elucida Diógenes Gasparini[14], o dispositivo constitucional em comento recebeu regulamentação por meio da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, notadamente a partir de seu artigo 8º[15]. “Essa espécie de desapropriação é utilizável após o decurso de cinco anos de cobrança do IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”[16], consoante aduz Gasparini. Convém explicitar que o Município não é o único ente federativo que poderá utilizar de tal espécie de desapropriação, como se depreende, inclusive, de uma interpretação conjugada do artigo 182, §§1º e 2º, combinado com o artigo 32, §1º, ambos do Texto Constitucional[17], porquanto o último dispositivo atribui, com clareza ofuscante, ao Distrito Federal as competências que são próprias dos Estados-membros e dos Municípios. Assim, cuida realçar, conforme entendimento doutrinário[18] abalizado, que a modalidade de desapropriação urbanística sancionatória não estará restrita apenas aos Municípios, mas também, em decorrência de expressa alusão do Texto Constitucional de 1988, ao Distrito Federal. Em complemento ao expendido, cuida pontuar que o artigo 51 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[19], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, assegura a expressa incidência da legislação em comento ao Distrito Federal, ampliando, via de consequência, a possibilidade da utilização de seu sucedâneo de institutos por tal ente federativo. Carvalho Filho[20], em magistério acurado, vai apontar que a natureza jurídica da desapropriação em comento não pode afastar-se dos parâmetros com os quais encontra conexão, a saber: a política urbana. Desta feita, é possível assinalar que a natureza jurídica da desapropriação urbanística sancionatória configura, pois, instrumento de política urbana, revestida de aspecto punitivo, executado por meio da transferência coercitiva do imóvel para o patrimônio municipal. Ademais, o pressuposto da modalidade expropriatória em análise repousa no descumprimento, pelo proprietário, da obrigação urbanística de aproveitamento do imóvel em harmonia com o que foi entalhado no plano diretor. Ora, a determinação urbanística consiste na adequação do solo urbano às diretrizes estabelecidas no plano diretor. Assim, não sendo cumprida, o Município deverá adotar as providências punitivas em caráter sucessivo, sendo que, repise-se, só é possível a aplicação da sanção subsequente se a anterior for ineficaz. Nesta linha de dicção, as sanções possuem a seguinte ordem de aplicabilidade: 1º) ordem de edificação ou parcelamento compulsórios; 2º) imposição de IPTU progressivo no tempo; 3º) desapropriação urbanística sancionatória. Há que se reconhecer que essa sanção é revestida de maior gravidade, vez que implica na perda da propriedade do imóvel. Em complemento, a finalidade, no que toca à espécie de desapropriação, tem por fito o regime de adequação entre os imóveis e as diretrizes afixadas no plano diretor. Sendo o instrumento básico da política urbana, o plano diretor reclama que o solo urbano seja com ele compatível, porquanto, apenas assim, estará atendendo a função social aludida nos §§1º e 2º do artigo 182 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[21]. Carvalho Filho[22], ainda, vai aduzir que o efeito originário produzido pela desapropriação em comento consiste na transferência da propriedade para o Município. Entretanto, substancializa efeito derivado (ou sucessivo) a obrigação de o Município proceder ao aproveitamento do imóvel no lapso temporal de cinco anos a partir do ingresso do bem no acervo municipal, em consonância com o aludido no §4º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[23], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, o descumprimento de semelhante obrigação tem o condão de caracterizar omissão do Prefeito e dos agentes como conduta de improbidade administrativa, estando, pois, os autores sujeitos às penalidades. No que alude ao aproveitamento do imóvel, insta mencionar que este pode se dá diretamente pelo governo municipal, conforme preconiza a primeira parte do §5º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[24] (Estatuto das Cidades). A segunda parte do dispositivo supramencionado estabelece que o Município poderá alienar ou conceder a terceiros o imóvel expropriados, desde que, em tal situação, sejam observadas as regras do procedimento licitatório. Na hipótese de haver alienação, restam mantidas para o adquirente as mesmas obrigações urbanísticas de parcelamento ou de edificação compulsórios anteriormente estabelecidas ao ex-proprietário, nos termos em que dicciona o §6º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[25] (Estatuto das Cidades). No que se relaciona ao procedimento para efetivar a transferência do imóvel, incidirá, in casu, as disposições oriundas do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, porém incide, no que couber e houver compatibilização, visto ser imprescindível às peculiaridades da desapropriação sancionatória. Conseguintemente, ao Município e ao Distrito Federal, em decorrência da intelecção da disposição específica, cabe propor a devida ação de desapropriação. Carvalho Filho[26] vai enunciar que é dispensável o decreto expropriatório, pois o objetivo de tal ato é o de indicar o escopo da Administração e comunica-lo ao proprietário. Há que se reconhecer, neste sentido, que, na desapropriação urbanística sancionatória, o proprietário há muito tomou ciência de que o descumprimento poderia culminar na desapropriação. Doutro viés, a finalidade do Poder Público permanece a mesma, a saber: a necessidade de adequação do imóvel ao plano diretor para observância às disposições da política urbana. No que toca à indenização a ser paga, cuida observar que o adimplemento se dará por meio de títulos da dívida pública, previamente aprovados pelo Senado Federal, com resgate no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurando-se o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano, conforme previsão do §1º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[27] (Estatuto das Cidades). A legislação, contudo, indicou o sentido de valor real, estabelecendo: 1º) que esse valor refletirá o que serve de base de cálculo do IPTU, descontando-se, com efeito, o montante incorporado em função de obras executadas pelo Poder Público; 2º) que no quantum indenizatório não poderão ser computados expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios, atendendo-se, assim, os ditames burilados nos incisos I e II do §2º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[28] (Estatuto das Cidades). Carvalho Filho[29], porém, vai apresentar entendimento que se afasta de tal percepção, ponderando que o conceito de indenização justa não se apresenta com determinação tal que dela possa se extrair valor pré-fixado. Afora isso, a referência, preconizada no inciso XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional, substancializa regra para as desapropriações, sendo, contudo, plenamente admissível que haja exceções na própria Constituição. Em complemento, ainda como argumento contrário, é preciso realçar que a modalidade de desapropriação em comento apresenta natureza punitiva e só foi acionada em virtude da resistência do proprietário em atender às obrigações urbanísticas de adequação ao plano diretor. Logo, tal situação não pode merecer o mesmo tratamento que o dispensado para a desapropriação ordinária.
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Tessituras ao regulamento: singelos comentários
Em sede de ponderações inaugurais, cuida colocar em destaque que determinados agentes públicos possuem competência para editar atos normativos, denominados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la. Nesta linha de dicção, ao praticar esses atos, aludidos agentes públicos desempenham o denominado poder regulamentar. Com efeito, essa competência, que em outros países é outorgada a agentes diversos, no ordenamento nacional, é conferida privativamente ao Presidente da República, consoante clara dicção do inciso IV do artigo 84 da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Obviamente, em decorrência do princípio da simetria que norteia as três esferas do governo (União, Estados-membros/Distrito Federal e Municípios), o poder regulamentar é reconhecido, também, aos Governadores Estaduais e Distrital e aos Prefeitos. Em complemento, ainda, com as ponderações colacionadas, quadra sublinhar que, em referência aos entes ora mencionados, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas outorgam-lhes, expressamente, tais atribuições.
Direito Administrativo
1 Poder Regulamentar: Primeiras Ponderações Em sede de ponderações inaugurais, cuida colocar em destaque que determinados agentes públicos possuem competência para editar atos normativos, denominados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la. Nesta linha de dicção, consoante o magistério apresentado por Diógenes Gasparini[1], ao praticar esses atos, aludidos agentes públicos desempenham o denominado poder regulamentar. Com efeito, essa competência, que em outros países é outorgada a agentes diversos, no ordenamento nacional, é conferida privativamente ao Presidente da República, consoante clara dicção do inciso IV do artigo 84 da Constituição da República Federativa do Brasil[2], promulgada em 05 de outubro de 1988. Obviamente, em decorrência do princípio da simetria que norteia as três esferas do governo (União, Estados-membros/Distrito Federal e Municípios), o poder regulamentar é reconhecido, também, aos Governadores Estaduais e Distrital e aos Prefeitos. Em complemento, ainda, com as ponderações colacionadas, quadra sublinhar que, em referência aos entes ora mencionados, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas outorgam-lhes, expressamente, tais atribuições. Gasparini, ainda, vai definir o poder regulamentar como “a atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo para, mediante decreto, expedir atos normativos, chamados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la”[3]. Conquanto a atribuição normativa regulamentar esteja entre as privativas do Presidente da República, conforme dispositivo constitucional suso mencionado, e, por corolário da simetria, aos Chefes dos Executivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tem-se admitido, supedaneado no inciso II do artigo 87 do Texto Constitucional de 1988[4], que outros agentes públicos, a exemplo dos Ministros de Estado, emitam atos normativos em geral, objetivando a execução de leis e regulamentos. É pertinente, contudo, assinalar que não são verdadeiros regulamentos, sendo que tal atribuição normativa também é outorgada a outros entes, como as agências regulamentadoras. Sobre a temática, em específico, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto: “Ementa: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Constitucional. Princípios da Publicidade e da Transparência. Ausência de violação à intimidade e à privacidade. Distinção entre a divulgação de dados referentes a cargos públicos e informações de natureza pessoal. Os dados públicos se submetem, em regra, ao direito fundamental de acesso à informação. Disciplina da forma de divulgação, nos termos da Lei. Poder regulamentar da Administração. Agravo Regimental a que se nega provimento. I – O interesse público deve prevalecer na aplicação dos Princípios da Publicidade e Transparência, ressalvadas as hipóteses legais. II – A divulgação de dados referentes aos cargos públicos não viola a intimidade e a privacidade, que devem ser observadas na proteção de dados de natureza pessoal. III – Não extrapola o poder regulamentar da Administração a edição de portaria ou resolução que apenas discipline a forma de divulgação de informação que interessa à coletividade, com base em princípios constitucionais e na legislação de regência. IV – Agravo regimental a que se nega provimento”. (Supremo Tribunal Federal – Segunda Turma/ RE nº 766.390 AgR/ Relator:  Ministro Ricardo Lewandowski/ Julgado em 24 jun. 2014/ Publicado no DJe em 15 ago. 2014). “Ementa: Constitucional e Administrativo. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Regulação. Supervisão e avaliação de Instituição de Ensino Superior. Criação de novos cursos. Função regulamentar do Poder Executivo. Conselho de Fiscalização de Profissão Regulamentar. Ausência de Direito Subjetivo. Negado provimento ao recurso. 1. O exercício do poder regulamentar pelo Presidente da República (art. 84, IV, CF/88) e por Ministros de Estado – em auxílio à função diretiva da administração federal (art. 84, II, CF/88) – é legítimo quando restrito à expedição de normas complementares à ordem jurídico-formal vigente. 2. A pretensão não está amparada em qualquer fundamento constitucional, legal ou infralegal de que se possa extrair direito subjetivo líquido e certo do autor a ser protegido na via do mandamus. 3. Recurso ordinário a que se nega provimento”. (Supremo Tribunal Federal – Primeira Turma/ RMS nº 27.666/ Relator: Ministro Dias Toffoli/ Julgado em 10 abr. 2012/ Publicado no DJe em 04 mai. 2012). José dos Santos Carvalho Filho[5], em apurado escólio, vai ponderar que o poder regulamentar, na condição de prerrogativa concedida à Administração Pública, é apenas para complementar as leis, permitindo, desta feita, a sua efetiva aplicação. Doutra linha, é defeso à Administração Pública promover a alteração da lei, ao utilizar o poder regulamentar, sob o argumento de estar regulamentando. Ora, agindo dessa forma, a Administração Pública cometerá o abuso de poder regulamentar[6], sendo autorizado, via de consequência, pelo Texto Constitucional, em seu artigo 49, inciso V, ao Congresso Nacional a possibilidade de sustar atos normativos que extrapolem os limites do poder de regulamentação. É conveniente, ainda, sublinhar que a Administração Pública, ao desempenhar o poder regulamentar, exerce inegavelmente a função normativa, eis que expede normas de caráter geral e com grau de abstração e impessoalidade, não obstante encontrem fundamentos de validade na lei. Ademais, é cogente o reconhecimento que a função normativa é gênero no qual se aloca a função legislativa, significando que o Estado pode exercer aquela sem que tenha, imperiosamente, que executar esta última. No mais, prima elucidar que é na função normativa geral que se insere o denominado poder regulamentar. Conveniente faz-se, ainda, realçar a discussão se a edição de regulamento substancializa um poder, uma faculdade ou uma atribuição. Consoante o escólio de Gasparini[7], o poder de regulamentar não configura poder, como não são os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, conquanto assim sejam qualificados na redação do artigo 2º do Texto Constitucional de 1988. Ora, o Poder Político é uno, indivisível e indelegável, em que pese o seu exercício dá-se mediante esses órgãos. Em complemento, eles desempenham funções, respectivamente a executiva, a legislativa e a judiciária. Doutro prisma, não há que se falar em faculdade, em decorrência da moldura de obrigatoriedade de seu exercício, porquanto quem é compelido a cumprir certa obrigação não a exerce a título de faculdade. Convém, assim, reconhecer que se tratar de atribuição do Chefe do Executivo promover a regulamentação de leis, encontrando sedimento, inclusive, na própria dicção do dispositivo constitucional pertinente. Não obstante ser assim, a doutrina clássica tem adotado o designativo poder regulamentar. 2 Fundamento do Poder Regulamentar O poder regulamentar, nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello[8], preconizado no inciso IV do artigo 84 da Constituição Cidadã, confere poderes muito circunscritos ao Presidente, diversamente do que se verifica nos regulamentos independentes e autônomos do Direito Europeu. Com destaque, se ao Chefe do Executivo não é permitido nem criar nem extinguir órgão, nem determinar qualquer coisa que implique aumento de despesa. É permitido, porém, unicamente transpor uma unidade orgânica maior para outra menor que esteja encartada em unidade orgânica maior para outras destas unidades maiores. A título de exemplificação, é possível aludir a transferência de um departamento de um Ministério para outro ou, ainda, para uma autarquia e vis-à-vis; uma divisão alocada em determinado departamento para outro; uma determinada seção pertencentes a certa divisão para outra divisão. Nos limites do poder regulamentar, em harmonia com a dicção insculpida no artigo constitucional supramencionado, poderá, ainda, redistribuir atribuições preexistentes em determinado órgão, passando-as para outro, desde que sejam apenas algumas atribuições. Ora, admitir a transferência de todas as atribuições de um órgão para outro equivaleria, na prática, a extinção do órgão. Denota-se, portanto, que os pontos limítrofes afixados na alínea “a” do inciso IV do artigo 84 da Constituição de 1988[9] implicam em uma competência para um simples arranjo dos órgãos e competências já criados por lei. Nesta toada, no que alude à alínea “b”[10] do dispositivo supramencionado contempla um caso em que é permitido ao Executivo expedir ato concreto de sentido contraposto a uma lei, porquanto ali abarca a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo extinguir cargos vagos. Mello vai sustentar que “como os cargos públicos são criados por lei, sua extinção por decreto, tal como ali prevista, implica desfazer o que por lei fora feito”[11]. Em complemento, Gasparini[12] vai esposar que, conquanto o fundamento para o exercício do poder regulamentar seja o dispositivo constitucional ora espancado, no que diz respeito aos Estados-membros e Municípios, são dispositivos semelhantes, entalhados, de maneira expressa, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas municipais. Ademais, há que se frisar que o fundamento, também, encontra escora na legislação infraconstitucional que, por vezes, de maneira ofuscante, outorga ao Chefe do Poder Executivo, a quem cabe executá-la, a competência para expedir regulamento necessário à sua execução. Com destaque, tal outorga, em sede de legislação infraconstitucional, apresenta-se como supérflua em decorrência da atribuição ampla para promover a regulamentação dada ao Executivo pelo dispositivo constitucional destacado alhures. Assim, mesmo não havendo qualquer menção na legislação infraconstitucional, o Executivo pode regulamentar a lei omissa nesse particular. Afora isso, mister faz-se elucidar que, mesmo na ausência dessas prescrições, no vazio legislativo, seu exercício seria do Executivo, notadamente em razão da natureza originária de tal atribuição. 3 Natureza do Poder Regulamentar Em uma primeira plana, cuida invocar as tessituras apresentadas em páginas anteriores, maiormente ao reconhecer que o poder regulamentar substancializa uma prerrogativa de direito público, porquanto é conferido aos órgãos que têm a incumbência de gestão dos interesses públicos. “Sob o enfoque de que os atos podem ser originários e derivados, o poder regulamentar é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz da lei preexistente”, consoante escólio de Carvalho Filho[13], ao passo que as leis constituem atos de natureza originária (ou primária), emanando diretamente do Texto Constitucional. Neste talvegue, importa destacar que só se considera poder regulamentar a atuação administrativa de complementação de leis ou atos análogos a elas, decorrendo daí seu caráter derivado. Todavia, convém pontuar, há alguns casos em que a Constituição de 1988 autoriza a determinados órgãos a produzirem atos que, tanto como as leis, emanam diretamente da Carta e são detentores de natureza primária; inexiste qualquer ato de natureza legislativa que se situe em patamar entre o Texto Constitucional de 1988 e o ato de regulamentação, a exemplo do que se extrai do poder de regulamentar. Exemplificando os apontamentos supramencionados, é conveniente trazer à colação o enunciado burilado no artigo 103-B, inserido por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004[14], que altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e dá outras providências, que, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conferiu a esse órgão atribuição para expedir atos regulamentares no âmbito de sua competência ou recomendar providências. Conforme ponderações de Carvalho Filho[15], conquanto dos termos da expressão (“atos regulamentares”), aludidos atos não se emolduram no âmbito do verdadeiro poder regulamentar, porquanto, como terão por fito regulamentar a própria Constituição, serão eles considerados como autônomos e dotados de natureza primária, alocando-se no mesmo patamar em que são alojadas as leis dentro do sistema de hierarquia normativa. No que pertine à formalização do poder regulamentar, quadra explicitar que se dá, essencialmente, por decretos e regulamentos. Neste quadrante, é ofuscante a redação do artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal aludir que o Presidente da República compete a expedição de decretos e regulamentos destinados à fiel execução das leis. Ancorado no corolário da simetria constitucional, o mesmo poder, repisando o que foi dito anteriormente, aos outros Chefes do Poder Executivo (governadores, prefeitos e interventores) para os mesmos objetivos. Em complemento, há também atos normativos que, editados por outras autoridades administrativas, podem caracterizar-se como inseridos no poder regulamentar. A título de exemplificação, é possível fazer alusão às instruções normativas, resoluções, portarias etc. Com efeito, tais atos, por vezes, têm um círculo de aplicação mais restrito, porém, veiculando normas gerais e abstratas para a explicitação das leis, não deixam de ser, a seu modo, meios de formalização do poder regulamentar. Sobre a matéria, inclusive, pode-se transcrever o entendimento pretoriano: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade – Instrução Normativa Nº 62, do Departamento da Receita Federal – Sua natureza regulamentar – Impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade – Seguimento negado por decisão singular – Competência do Relator (RISTF, art. 21, § 1º; Lei 8.038, art. 38) – Princípio da reserva de plenário preservado (CF, art. 97) – Agravo Regimental improvido. [omissis] – As Instruções Normativas, editadas por Órgão competente da Administração Tributária, constituem espécies jurídicas de caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Não se revelam, por isso mesmo, aptas a sofrerem o controle concentrado de constitucionalidade, que pressupõe o confronto direto do ato impugnado com a Lei Fundamental” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 531 AgR/ Relator:  Min. Celso de Mello/ Julgado em 11 dez. 1991/ Publicado no DJ em 03 abr. 1992). Em razão das ponderações assentadas até o momento, ao se considerar o sistema de hierarquia normativa nacional, é possível dizer que existem graus diversos de regulamentação, conforme o patamar em que se aloque o ato regulamentador. Assim, os decretos e os regulamentos podem ser considerados como atos de regulamentação de primeiro grau; ao passo que outros atos que a eles se subordinem e que, por sua vez, os regulamentem, evidentemente com detalhamento mais aprofundado, podem ser delineados como atos de regulamentação de segundo grau. Com o escopo de ilustrar o expendido, é possível mencionar que os atos de regulamentação de segundo encontram substancialização nas instruções expedidas pelos Ministros de Estado, cujos escopos estão fincados na regulamentação da lei, dos decretos e dos regulamentos, possibilitando, destarte, sua execução. Carvalho Filho[16], ainda, vai obtemperar que, conquanto, em regra, o poder regulamentar seja expresso em atos de regulamentação de primeiro grau, formalizando-se por decretos e regulamentos, há situações especiais em que a lei indicará, para sua regulamentação, atos de formalização diversa, embora idêntico seja seu conteúdo normativo e complementar. Em tal cenário, o que é dotado de relevo é a natureza do ato, a saber: normativo e visando complementar e minudenciar as normas da lei, terá ele a natureza de ato regulamentar de primeiro grau, produzido, assim, no exercício do poder regulamentar. No que atina aos limites à poder regulamentar, Diógenes Gasparini[17] pondera que há três ordens de limites que, caso inobservados, invalidam-no, denominando-os de limites formais, legais e constitucionais. O primeiro consiste ao veículo de exteriorização, pois o regulamento deve ser manifestado por meio de decreto, nos termos preconizados no inciso IV do artigo 84 do Texto Constitucional. Logo, a utilização da portaria para substancializar o regulamento configuraria veículo ilegal. Já o segundo limite encontra relação com o extravasamento da atribuição, dispondo, por meio do regulamento, além do limite afixado na legislação. O terceiro, por sua vez, encontra assento com as reservas legais, criando, por exemplo, cargo mediante regulamento, apesar de existir expressa proibição no Texto Constitucional. A inobservância de aludidos limites vicia o regulamento, tornando-o ilegal. 4 Regulamentação Técnica Em harmonia com o sistema clássico de tripartição de Poderes, não pode o legislador, além dos casos consagrados na Constituição Federal, delegar integralmente seu poder legiferante aos órgãos administrativos. Importa dizer, assim, que o poder regulamentar legítimo não pode simular o exercício da função de legislar advindo da equivocada delegação do Poder Legislativo, delegação essa que substancializaria inaceitável renúncia à função reservada pelo Texto Constitucional. Contemporaneamente, entretanto, em razão da crescente complexidade das atividades técnicas da Administração, passou a aceitar-se nos sistemas normativos o fenômeno das deslegalização, consoante ponderações de Carvalho Filho[18], por meio do qual a competência para regular determinadas matérias se transfere da lei (ou de ato análogo) para outras fontes normativas por autorização do próprio legislador. Desta feita, cuida salientar que a normatização sai do domínio da lei (domaine de la loi) para o domínio de ato regulamentar (domaine de l’ordonnance). Ora, o fundamento não é dotado de difícil compreensão para sua concepção: incapaz de criar a regulamentação sobre algumas matérias de alta complexidade técnica, o próprio Legislativo delega ao órgão ou à pessoa administrativa a função específica de institui-la, valendo-se dos especialistas técnicos que melhor podem versar sobre tais assuntos. Sem embargo, é importante sublinhar que referida delegação não é completa e integral; ao reverso, sujeita-se a limites. Ao exercê-la, o legislador reserva para si a competência para o regramento básico, assentado nos critérios políticos e administrativos, promovendo a transferência apenas da competência técnica por meio de parâmetros previamente insculpidos na lei. Com efeito, em conformidade com o direito americano, tal possibilidade configura a delegação com parâmetros (delegation with standards). Desta feita, é possível sublinhar que a delegação pode conter apenas discricionariedades técnicas. Com efeito, há que se reconhecer que tal possibilidade configura o modelo atual do exercício do poder regulamentar, cujo aspecto basilar não é simplesmente a de complementar a lei por meio de normas de conteúdo organizacional, mas sim de criar normas técnicas não compreendidas na lei, viabilizando, conseguintemente, inovação no ordenamento jurídico. Em decorrência de tal aspecto, há doutrinas que denominam tal expressão como poder regulador, com o escopo de diferenciar do poder regulamentar tradicional. Em alinho ao expendido, é possível fazer alusão a exemplos de tal forma especial de poder regulamentar em algumas agências reguladoras, entidades autárquicas às quais o legislador tem delegado a função de criar as normas técnicas concernentes a seus objetivos institucionais, tal como se infere da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)[19] e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)[20], em cujo âmbito de competência se insere a produção de normas técnicas para os setores de energia elétrica e telecomunicações, no exercício de sua atuação controladora. 5 Controle dos Atos de Regulamentação Objetivando coibir a indevida extensão do poder regulamentar, preconiza o inciso V do artigo 49 da Constituição Federal[21] que o Congresso Nacional poderá, em sede de competência exclusiva, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa. Trata-se, consoante se pode inferir, de controle exercido pelo Legislativo sobre o Executivo no que atina aos limites do poder regulamentar, com o escopo de ser preservada a função legislativa para o Poder constitucionalmente competente para exercê-la. No que concerne ao controle judicial, é carecido distinguir a natureza do conteúdo plasmado no ato regulamentar. Tratando-se, com efeito, de ato regulamentar contra legem, isto é, aquele que exacerba os limites da lei, viável será apenas o controle de legalidade, em decorrência do confronto com a lei, conquanto possua caráter normativo. Sobre a temática, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já externou: “Ementa: Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Isenção da Contribuição Sindical Patronal para as empresas inscritas no “Simples”. Impugnação do §4º do artigo 3º da Lei n. 9.317, de 05.12.96, e do §6º do artigo 3º da Instrução Normativa SRF nº 9, de 10.02.99. Preliminar de Conhecimento. I – Preliminar. 1. Quando instrução normativa baixada por autoridades fazendárias regulamenta diretamente normas legais, e não constitucionais, e, assim, só por via oblíqua atinge a Constituição, este Tribunal entende que se trata de ilegalidade, não sujeita ao controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes. 2. Ação direta não conhecida nesta parte. II – Mérito. 1. A criação de imunidade tributária é matéria típica do texto constitucional enquanto a de isenção é versada na lei ordinária; não há, pois, invasão da área reservada à emenda constitucional quando a lei ordinária cria isenção. 2. O Poder Público tem legitimidade para isentar contribuições por ele instituídas, nos limites das suas atribuições (CF, artigo 149). 3. A tutela concedida às empresas de pequeno porte (artigo 170, IX) sobreleva à autonomia e à liberdade sindical de empregados e empregadores protegidas pela Constituição (art. 8º, I). Não fere o princípio da isonomia a norma constitucional que concede tratamento favorecido às empresas de pequeno porte. 4. Ação direta conhecida em parte, e nesta parte indeferida a liminar por ausência de relevância da arguição de inconstitucionalidade e de conveniência da suspensão cautelar da norma impugnada” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 2006 MC/ Relator: Ministro Maurício Corrêa/ Julgado em 01 jul. 1999/ Publicado no DJe em 01 dez. 2000) “Ementa: ADIN – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) – Decreto Federal n. 861/93 – Conflito de legalidade – Limites do poder regulamentar – Ação direta não conhecida. Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizara, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em consequência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. – O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou obliqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 996 MC/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 11 mar. 1994/ Publicado no DJe em 06 mai. 1994). Entrementes, caso o ato regulamentar ofender diretamente a Constituição, sem que haja lei a que deva subordinar-se, terá a qualificação de ato autônomo. Conforme lição de Carvalho Filho[22], materializando a hipótese retro, poderá sofrer controle de constitucionalidade pela via direta, ou seja, por meio da ação direta de inconstitucionalidade, nos termos preconizados no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal[23]. Ora, em tal cenário, para que seja viável o controle de constitucionalidade de decreto, regulamento ou outro tipo de ato administrativo de cunho normativo editado pelo Poder Executivo, dois serão os aspectos de que deva emoldurar-se, a saber: além de normativo – consoante expressa dicção do Texto Constitucional de 1988 -, deverá ele ser, também, autônomo. É ofuscante, porém, de que tal interpretação apresentava dubiedade em relação a determinados atos regulamentares subordinados restassem sem um efetivo controle judicial. Tal fato derivava da premissa que, de um lado, não podiam ser atacados pela via direta e, doutro ângulo, não comportavam concreta defesa do direito individual pela via incidental, porquanto nesta os efeitos do ato regulamentar só poderiam ser paralisados se o interessado obtivesse a concessão da medida cautelar. Contemporaneamente, conforme magistério acurado de Carvalho Filho[24], é cabível a impugnação por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental, cuja previsão encontra cristalizada no artigo 102, §1º, da Constituição Federal[25], pois, aqui, o controle exercido é mais amplo, compreendendo a inconstitucionalidade direta e indireta, atos normativos autônomos e subordinados, bem como atos concretos. Denota-se, portanto, que tal ação objetivou preencher lacuna antes existente, viabilizando o controle direto e concentrado sobre qualquer ato regulamentar, ainda que derivado de lei. Outra relação entre a lei e o poder regulamentar se encontra adstrita ao mandado de injunção, instrumento especial instituído pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LXXI. Ora, tratando-se de poder, a atividade de regulamentação substancializa, também, como dever. Dessa sorte, não é permitido a Administração eximir-se de desempenhá-la quando necessária à aplicação da lei. Em tal âmbito, o vício consiste na ausência de norma regulamentadora. O entendimento evoluído da Suprema Corte consiste em proceder a imediata regulamentação para o caso concreto, com o escopo de imprimir mais eficaz o citado remédio constitucional. 6 Tessituras ao Regulamento: Singelos Comentários Em ressonância com os argumentos expendidos até o momento, cuida explicitar que o regulamento é considerado como o ato que se origina do exercício do poder regulamentar. Consoante o escólio de Gasparini, no ordenamento nacional brasileiro, o regulamento pode “ser definido como o ato administrativo do Poder Executivo, segundo uma relação de compatibilidade com a lei, para desenvolvê-la”[26]. Ora, a partir da definição colacionada, é perceptível que o Direito Positivo Brasileiro só admite o regulamento de execução, ou seja, o regulamento destinado à fiel execução da lei, encontrando, dessa maneira, ancoragem no multicitado inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal. Ademais, não bastasse a redação do dispositivo supramencionado, convém trazer a campo a premissa entalhada no inciso II do artigo 5º do Texto de 1988, cominando, com clareza solar, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Destarte, o regulamento não é lei no sentido formal, não podendo criar direito novo, ao contrário do que ocorre com os denominados regulamentos autônomos. Além do expendido, cuida salientar que incumbe ao Congresso Nacional, em harmonia com o artigo 48 da Constituição Federal, dispor acerca de todas as matérias de competência da União. Portanto, não há espaço jurídico para o estabelecimento de regulamento autônomo no território nacional. Igualmente, em decorrência do conceito ofertado por Diógenes Gasparini acima, ganha vulto a premissa que não admite o regulamento delegado, porquanto não é possível delegar atribuições delegadas, subsistindo, dessa feita, o brocardo latino delegata potestas delegari non potest. Desta feita, o Executivo, que recebeu sua atribuição por delegação do povo, não a pode delegar. Afora isso, a Constituição Federal, ao permitir a delegação, o faz de maneira expressa, a respeito do que se extrai, por exemplo, da redação do artigo 68, dispondo sobre a delegação para elaborar a lei. No que concerne, contudo, ao regulamento, denota-se que o Texto Constitucional de 1988 não estabeleceu de semelhante. O instrumento ou veículo do regulamento é o decreto, cuja exigência advém do disposto no inciso IV do artigo 84 da Carta de 1988. É interessante, porém, explicitar que, em outros ordenamentos jurídicos, é possível que o regulamento seja exteriorizado por veículo diverso, tal como, por exemplo, portarias. No que concerne à classificação, apesar da diversidade ofertada pelos autores em relação a tal ato administrativo, cuida explicitar que em relação: (i) aos destinatários, os regulamentos são nominados gerais e especiais; (ii) à abrangência de seus efeitos, os regulamentos são considerados nacionais e regionais; (iii) às entidades que os editam, tais atos administrativos podem ser federais, estaduais, distritais ou municipais; e (iv) à lei, os regulamentos são considerados como executivos, delegados e autônomos. 6.1 Regulamentos em relação à lei Das classificações apresentadas acima, reclama especial atenção àquela que espanca os regulamentos em relação à lei. Como dito algures, pela classificação em comento, tem-se regulamentos executivos, regulamentos delegados e regulamentos autônomos, conquanto nem todas as formas encontrem descanso no ordenamento jurídico nacional. O regulamento executivo, também chamado de regulamento de execução ou subordinado, é aquele que se preordena ao desenvolvimento de determinada lei. “Presta-se, pois, para efetivar a exequibilidade da lei, particularizando-a de modo a torna-la praticável no que respeita à sua generalidade e abstração ou no que concerne ao procedimento a ser observado na sua aplicação”[27]. Em decorrência de tais apontamentos, o regulamento executivo não ultrapassar os limites afixados na legislação, sob pena de nascer inquinado de ilegalidade. Caso tal hipótese reste materializada, incumbe ao Congresso Nacional, com exclusividade, em obediência ao artigo 49, inciso V, da Constituição Federal, promover a sustação dos efeitos de tal regulamento. Em complemento, tal poder de sustar aludidos atos nessas condições é conferido por algumas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas às Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, respectivamente. Ora, da lei que visa executar, o regulamento extrai sua legitimidade, de maneira que, com o desaparecimento daquela, ele desaparece. Os regulamentos delegados, também chamados de autorizados ou habilitados, por seu turno, são editados pelas autoridades competentes, em atendimento a uma norma legal, para prover matéria reservada à lei. Em decorrência de tal autorização, como se denota, há uma ampliação da atribuição regulamentar, limitada, contudo, à matéria e aos termos afixados na delegação. Ultrapassados os pontos limítrofes, o regulamento é tido como ilegal. O sistema nacional, com destaque, não acolhe essa modalidade de regulamento. Por derradeiro, os regulamentos autônomos ou independentes são aqueles editados pela autoridade competente para versar sobre matérias constitucionalmente reservadas ao Executivo. Tal espécie de regulamento não encontra vinculação a nenhuma lei nem dependem de qualquer delegação prévia do Poder Legislativo, mas, antes, corporificam verdadeiras leis em sentido material[28]. A reserva pode ser explícita, quando a Constituição prevê o emprego do regulamento autônomo, ou implícita, quando há reserva da matéria em favor do Poder Executivo, sem lhe atribuir expressamente a atribuição a regulamentar. Carvalho Filho[29] vai afirmar que os regulamentos autônomos não são admitidos no ordenamento jurídico nacional, porquanto o Texto Constitucional, com clareza solar, atribui ao Chefe do Executivo o poder de editar atos para a fiel execução das leis, motivo pelo qual só seriam admitidos os regulamentos de execução.
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Administração pública – o princípio da legalidade influenciando as decisões do administrador
O princípio da legalidade, é o principal conceito para a configuração do regime jurídico-administrativo, pois segundo ele, a administração pública só poderá ser exercida quando estiver em conformidade com a lei. Segundo o princípio em análise, todo ato que não possuir embassamento legal, é ilícito. Como problema deste artigo, o princípio da legalidade, mesmo que protegendo os direitos e deveres da administração pública, faz-se estagnar a implementação de novos métodos no meio público? Entendendo que tal princípio traz segurança jurídica ao indivíduo, pois limita o poder do Estado. Porém, dificulta a aplicação de novos métodos, tecnologias na administração pública, fazendo com que o administrador encontre barreiras legais na tomada de suas decisões. Logo, o objetivo deste artigo é apresentar ao administrador que mesmo tendo a lei, apresentando seus direitos e deveres, há sim em certos casos, certa liberdade na tomada de decisão de suas atividades. Por meio da pesquisa bibliográfica, encontrou-se a discricionaridade, sendo esta a competência que o administrador possui, em certos casos quando a lei permitir certa liberdade, que possa escolher a melhor solução para suas atividades. Concluiu-se que, o administrador público deve seguir não somente a legalidade, mas também os princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade[1].
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO O Brasil se caracteriza atualmente como um Estado Democrático de Direito, que segundo Galvão Pinto (2008), é um regime político que visa estabeler um equilíbrio entre os direitos das pessoas e os direitos da sociedade, liberdade e a soberania, sendo que o povo governa a si mesmo, diretamente, ou por meio de representantes eleitos para gerir os negócios públicos e elaborar leis. Portanto, o direito de todos os cidadãos são protegidos por meio de leis, e os deveres do Estado são concretizados pela lei. Na administração pública para que o direito de todos, administradores e administrados sejam respeitados, torna-se necessário obedecer os seguintes princípios descritos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 37 – A adminstração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoabilidade, moralidade, publicidade e eficiência”. O princípio da legalidade, segundo Silva (2015, p.1) , é o principal conceito para a configuração do regime jurídico-administrativo, pois segundo ele, a administração pública só poderá ser exercida quando estiver em conformidade com a lei. Segundo o princípio em análise, todo ato que não possuir embassamento legal, é ilícito. “O adminstrador não pode agir, nem mesmo deixar de agir, senão de acordo com o que dispõe a lei”, explica Silva. Como problema deste artigo, o princípio da legalidade, mesmo que protegendo os direitos e deveres da administração pública, faz-se estagnar a implementação de novos métodos no meio público? Meirelles (2000, p. 82) nos diz que “na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. […]. A lei para o particular significa ‘poder fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’”. Entendo que este princpio possuí sim sua importância, pois passa muita segurança jurídica ao indivíduo, limitando o poder do Estado. Porém, dificulta a aplicação de novos métodos, novas tecnologias na administração pública, por fim, fazendo com que o administrador encontre barreiras legais para a tomada de novas decisões, fazendo valer o interesse coletivo. Logo, o objetivo deste artigo é apresentar ao administrador que mesmo tendo a lei, apresentando seus direitos e deveres, há sim em certos casos, certa liberdade na tomada de decisão de suas atividades. Como justificativa deste artigo, pretende-se apresentar ao administrador que mesmo dentro da lei, há liberdade no modo de agir, ainda por meio constitucional. Porém, de nada valerá este artigo, se o administrador não obedecer aos demais princpíos  contidos na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988: impessoabilidade, moralidade, publicidade e eficiência, e aos princípios gerais de direito. Para estudo futuros, possamos pesquisar meios em que os demais princípios influenciam a administração pública de vários modos. O artigo não possui um viés político, portanto não será objeto desta pesquisa, mas ele é relevante sim nas decisões do administrador. O aspecto político é objeto de estudo a posteriori. O estudo deste artigo pretende contribuir para que administração pública no Brasil seja atualizada, apresentando ao administrador que ele pode sim agir de modo mais eficiente no meio público. Fazendo valer um um dos princípios que respaldam a administração pública, o da eficiência, sendo que “o administrador deve procurar a solução que melhor atenda aos interesses da coletividade, aproveitando ao máximo os recursos públicos, evitando dessa forma de desperdícios” (Silva 2015, p.1), logo entende-se que deve-se buscar um aperfeiçoamento na prestação dos serviços públicos, mantendo ou melhorando a qualidade com economia de despesas. Em tempos de crise em que o Brasil vem passando, pouco deverá ser investido em melhorias na administração pública, portanto, encontrando os fatores que atrasam e dificultam as decisões do administrador, apresentando o meio para alteração e criação de novas leis,  facilita a aplicação de novos métodos, novas tecnologias  em proveito de toda a sociedade brasileira, está é a principal contribuição deste artigo. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Neste artigo será abordado os seguintes preceitos: administração pública, Estado Democrático de Direito, princípios constitucionais, atos administrativos e discricionaridade. 2.1. Administração Pública Administração pública se faz necessária para o controle, planejamento de todo o serviço público à população, visando sempre manter o bem da sociedade. Segundo Bächtold (2008, p. 26) “administração pública é o planejamento, organização, direção e controle dos serviços públicos, segundo as normas do direito e da moral, visando o bem comum”. Meirelles  define da seguinte forma: “Administração pública é todo o aparelhamento do Estado, preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas”. Silva (2015 p.1) demonstra que “a administração pública é a atividade do Estado exercida pelos seus órgãos encarregados do desempenho das atribuições públicas, em outras palavras é o conjunto de órgãos e funções instituídos e necessários para a obtenção dos objetivos do governo”. “A administração pública é o conjunto de normas, lei e funções desempenhadas para organizar a administração do Estado em todas as suas instâncias e tem como principal objetivo o interesse público, seguindo os princípios constitucionais da legalidade, impessoabilidade, moralidade, publicidade e eficiência” , (Art. 37 CF, 1988). Administração pública pode ainda ser definida como um “complexo de órgãos aos quais se confiam funções administrativas, sendo a soma das ações manifestadas da vontade do Estado, submetidas à direção do Chefe de Estado” (CRETELLA JÚNIOR, 1966).  Sendo que “as funções administrativas devem ser exercidas pelo Poder Executivo e seus auxiliares, e em certos casos, por orgãos de outros Poderes.” (MELLO, 2008). 2.1.1. Administração Pública Direta Administração pública direta, é aquela que é exercida diretamente pelo Estado. Tulim (2015 p.9) conceitua da seguinte forma: “É o conjunto de órgãos que integram as pessoas políticas do Estado (União, estados, municípios e Distrito Federal), aos quais foi atribuída competência para o exercício, de maneira centralizada, de atividades administrativas, é composta por órgãos ligados diretamente ao poder central, seja na esfera federal, estadual ou municipal.” A Administração Pública Federal está regulamentada por meio do Decreto 200/67: “Art. 4º A Administração Federal compreende: I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.” Administração pública direta, é caracterizada pela ação direta Estado. Douglas (2015) afirma que “assim, quando a União, os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, prestam serviços públicos por seus próprios meios, diz que há atuação da Administração Direita”. 2.1.2. Administração Pública Indireta Administração pública indireta, é aquela que o Estado de forma descentralizada, passa o comando para outras entidades. Silva (2015 p.10) explica que: “É o conjunto de pessoas jurídicas – desprovidas de autonomia política – que, vinculadas à Administração Direta, têm a competência para o exercício, de maneira descentralizada, de atividades administrativas. São compostas por entidades com personalidade jurídica própria, que foram criadas para realizar atividades de Governo de forma descentralizada. São exemplos as Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.” O poder público pode passar atividades públicas para pessoas jurídicas, privadas ou entidades públicas. Douglas (2015) explica que “o poder público pode repassar seus serviços a outras pessoas jurídicas, sejam elas de direito público (sujeitas as regras do direito público) ou de direito privado (sujeitas às regras do direito privado, em especial direito civil e comercial)”. Quando os serviços são repassados ao meio privado, elas podem atuar livremente, mas terão que prestar contas à União, visto o resultado de seus serviços visam o interesse público. “Assim, no desenvolvimento de suas atividades, essas entidades terão os meios necessários para atuar livremente na esfera privada (art. 173, § 1, II, CF/88), porém, deverão se submeter em parte ao regime administrativo, para que se garanta que sejam atingidos os fins para quais foi criada” (SOUSA, 2015). 2.2. Estado Democrático de Direito Estado, aquilo que atende determinado grupo de pessoas, por meio de instituições. Para Rodolfo (2016): “Por Estado entende-se a unidade administrativa de um território. Não existe Estado sem território. O Estado é formado pelo conjunto de instituições públicas que representam, organizam e atendem (ao menos em tese) os anseios da população que habita o seu território. Entre essas instituições, podemos citar o governo, as escolas, as prisões, os hospitais públicos, o exército, dentre outras.”  É inquestionável que o Estado ganhou diferentes definições, dadas por diferentes personalidades, de diferentes ideologias e em diferentes épocas, tendo uma figura positiva, como definido por Albert Einstein, “a maior missão do Estado é, para mim, a de proteger o indivíduo e de lhe oferecer a oportunidade de manifestar sua personalidade criadora”. Ou então de forma negativa como “todo Estado é uma ditadura”, dito por Antônio Gramsci, filósofo e comunista. Atualmente o Brasil encontra-se sendo como um Estado Democrático de Direito, tendo cinco fudamentos constitucionais definidos por Paulo Bonavides (2012): a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. “Os objetivos funamentais da República Federativa do Brasil são: construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação” (Art. 3º, CF 1988). Portanto, o desenvolvimento nacional é um dos objetivos principais do Estado, fazendo-se presente na administração pública. Gavião Pinto (2008, p. 133) nos diz que “[…] num Estado Democrático de Direito, regime político que visa estabelecer um razoável equilíbrio entre soberania, através  do qual o povo se governa a si mesmo, quer diretamente, quer por meio de representantes eleitos para gerir os negócios e elaborar as leis”. 2.3. Princípios Constitucionais Segundo Garcia e Araújo (2012) os princípios são necessários para nortear o direito, embasando como deve der. Portanto, também temos na administração pública princípios expressos na constituição que são responsáveis por organizar toda a estrutura e além disso mostar requisitos básicos par uma “boa administração”. Para os autores, os princípios também estão presentes para gerar uma segurança jurídica aos cidadãos, dão o exemplo do princípio da legalidade, sendo que este atribui ao indivíduo a obrigação de realizar algo, apenas em virtude de lei, impedindo que assim haja abuso de poder. Definindo de modo básico os princípios, Reale apud Garcia e Araújo (2012) afirma que: “Os princípios são, pois verdaddes ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas preposições, que apesar de não serem evidentess ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”. Princípios podem ser expressos ou implícitos, abordaremos os expressos que são apresentados no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil. Meirelles (2000, p.81) afirma que: “Os princípios básicos da administração pública estão consubstancialmente em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade ou  finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público. Os cinco primeiros são expressamente previstos no art. 37, caput, da CF de 1988; e os demais, embora não mencionados, decorrem do nosso regime político, tanto que, ao daqueles, foram textualmente enumerados pelo art. 2º da Lei federal 9.784, de 29/01/1999”. 2.3.1. Legalidade Meirelles (2000, p. 82) defende que: “na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”. Silva (2015 p.1) explica que: “Para que a administração possa atuar, não basta à inexistência de proibição legal, é necessário tanto a existência de determinação ou autorização da atuação administrativa na lei. Os particulares podem fazer tudo o que a lei não proíba, entretanto, a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei autorizar.” 2.3.2. Moralidade Gavião Pinto (2008, p.134) diz que “tal princípio obriga que a atividade administrativa seja pautada cotidianamente não só pela lei, mas também pelos princípios éticos da boa-fé, lealdade e probidade, deveres da boa administração”. “A partir da Constituição de 1988, a moralidade passou ao status de princípio constitucional, dessa maneira pode-se dizer que um ato imoral é também um ato inconstitucional” (SILVA, 2015 p.1). Garcia e Araújo (2012, p.3) conceitua que: “Tendo por base ‘a boa administração’, este princípio relaciona-se com as decisões legais tomadas pelo agente de administação pública, acompanhando, também, pela honestidade”. Continuam dizendo que: “Um agente administrativo ético que usa da moral e da honestidade, consegue realizar uma boa administração, consegue discernir a licitude e ilicitude de alguns atos, além do justo e injusto de determinadas ações, podendo garantir um bom trabalho”. 2.3.3. Impessoalidade Silva (2015 p.1) afirma que a administração pública deve “manter uma posição de neutralidade em relação aos seus administrados, não podendo prejudicar nem mesmo privilegiar quem quer que seja.” Gavião Pinto (2008, p.134) define este princípio da seguinte forma: “Também combate o desvituamento da atuação do administrador público como meio de promoção pessoal, sendo, portanto, vedada a utilização de nomes, símbolos e imagens nas realizações da administração, que, em prejuízo do interesse público, promovam partidos políticos e agentes públicos comprometendo a legítima atuação administrativa, que deve ser impessoal, abstrata e genérica”.. 2.3.4. Publicidade Os governates ou administradores devem apresentar à sociedade o que ocorre dentro do Estado. Gavião Pinto (2008, p. 134) nos explica que neste princípio, “[…] convém esclarecer que a Administração Pública tem o dever de dar publicidade, ou seja, de conduzir ao conhecimento de terceiros, o conteúdo e a exata dimensão do ato administrativo, a fim de facilitar o controle da administração”. Silva (2015 p.1) a respeito das informações, afirma que há exceções: “Por tal razão, os atos públicos deve ter divulgação oficial como requisito de sua eficácia, salvo exceções previstas em lei, onde o sigilo dever mantido e preservado”. Exemplo de informações cujo sigilo seja necessário à segurança da sociedade e Estado. 2.3.5. Eficiência A administração pública sempre deverá prezar que seus atos sejam feitos de maneira mais eficiente possível, usando de modo correto o recurso público, evitando desperdícios. Gavião Pinto (2008, p.135) afirma que este princípio exige que: “[…] a Administração Pública seja organizada em permanente atenção aos padrões modernos de gestão, no fito de vencer o peso burocrático, para lograr os melhores resultados na prestação dos serviços públicos postos à disposição dos cidadãos”. Silva (2015 p.1) nos diz que: “O administrador deve procurar a solução que melhor atenda aos interesses da coletividade, aproveitando ao máximo os recursos públicos, evitando dessa forma desperdícios”. Meirelles apud Garcia e Araújo (2012) afirma que: “O Princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em se desempenhar apenas com uma legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento as necessidades da comunidade e de seus membros”. 2.4. Atos administrativos São por meio dos atos administrativos que o administrador público exerce suas atividades. Meirelles (2000) conceitua ato administrativo da seguinte forma: “ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extingir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”. Silva (2015, p.5) de forma excepcional explica: “Dessa forma, temos que é por meio do ato administrativo que a função administrativa se concretiza, sendo toda a exteriorização da vontade do Estado, executada pelos agentes públicos, objetivando alcançar o interesse coletivo” e continua: “Portanto, ato administrativo é a manifestação ou declaração da  Administração Pública, editada pelo Poder Público, através de seus agentes, no exercício concreto da função administrativa que exerce, ou quem lhe faça às vezes, sob as regras de direito público, com a finalidade de preservar e alcançar os interesses da coletividade, passível de controle Jurisdicional (SILVA, 2015, p.6)”. Atos administrativos possuem os seguintes atributos, Silva (2015, p.5) considera sendo qualidades ou características, “uma vez que requisitos dos atos administrativos constituem condições de observância obrigatória para a sua validade”, são eles: presunção de legitimidade, imperatividade, autoexecutoriedade, tipicidade. 2.4.1. Atos vinculados Atos vinculados, são aqueles que não possui nenhuma liberdade, deve-se seguir aquilo que a lei exige. Silva (2015, p.9) afirma que: “Os atos vinculados são os que a Administração Pública pratica sem qualquer margem de liberdade de decisão, tendo em vista que a lei previamente determinou a única medida possível de ser adotada sempre que se configure a situação objetiva descrita em lei.” Logo, atos vinculados são atos com respaldo na lei, tudo além dela, trata-se de violação ao princípio da legalidade. Cavalcanti (2016) resume que, atos vinculados são aqueles que o procedimento está plenamente delineados em lei, sem liberdade alguma para a atividade. Meirelles (2000) conceitua os atos vinculados da seguinte forma: “Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização.” 2.4.2. Atos discricionários Atos discricionários, possuem certa margem de liberde, agindo dentro dos parâmetros exigidos pela lei. Silva (2015, p.9) afirma que os atos discricionários são: “aqueles que a Administração Pública pode praticar com certa liberdade de escolha e decisão, sempre dentro dos termos e limites legais, quanto ao seu conteúdo, seu modo de realização, sua oportunidade e conveniência administrativa”. Cavalcanti (2016) explica “os discricionários são aqueles em que o dispositivo normativo permite certa margem de liberdade para a atividade pessoal do agente público, especialmente no que tange à conveniência e oportunidade, elementos do chamado mérito administrativo.” Ou seja, dentro dos limites da lei, o administrador pode agir com certa liberdade. Continua Cavalcanti, “[…] na verdade, passa-se como um dever vinculado à observância do objetivo traçado pela lei àquela política pública -, que a própria lei confere ao administrador para praticar atos, mas sempre nos limites que ela traça. Portanto, o ato discricionário corretamente praticado, deve se adequar também ao respeito da lei e dos princípios da administração pública”. 2.5.  Discricionariedade Discricionaridade é o modo de agir, quando a lei por uso de termos indeterminados, faz com que o administrador possa agir com certa liberdade. Porém, não deixando-o fugir de sua finalidade, ou seja, satisfazer o interesse público. Caso o administrador não atenda aos requisitos legais, o ato gerado torna-se ilícito, dar-se o agir arbítrario do administrador. Doravante, todo conteúdo do ato torna-se inválido, digno de revisão jurídica. Celso Antônio de Bandeira Mello (2006, p.48) conceitua de forme brilhante e direta, sobre o que é discricionaridade: “Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente”. John Locke apud Andreas J. Krell (2004, p. 18) explica o por quê da necessidade da discricionaridade: “muitas questões há que a lei não pode em absoluto prover e que devem ser deixadas à discrição daquele que detenha nas mãos o poder executivo, para serem por ele reguladas, conforme o exijam o bem e a vantagem do público”. Ao administrator em si, em certas situações, a competência discricionária, sendo que a lei reconhece que a Administração está melhor posicionada para identificar o comportamento ideal, afim de atender da melhor forma a finalidade do ato. Seguindo critérios de conveniência e oportunidade, dar-se-á a atitude discricionária ao administrador, que dentre várias ações, escolherá a que melhor se aplica. 3. METODOLOGIA A classificação da pesquisa a ser utilizado será: quanto a abordagem qualitativa, sendo que condidera-se haver uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. Gerhardt e Silveira (2009 p.32) nos explica que neste método: “Os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos buscam explicar o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificam os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e se valem de diferentes abordagens”. Quanto aos objetivos será também explicativa, pois visa identificar o modo com que o princípio da legalidade engessa o administrador. Aprofundando-se e explicando a razão para tal, e apresentando meios para facilitar as ações do administrador. Gil (2002, p.42) explica que o modo explicativo identifica os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos. É o tipo que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas. Quanto ao procedimento será bibliográfio, que para Gil (2002, p. 44), os exemplos mais característicos desse tipo de pesquisa são sobre investigações de ideologias ou aquelas que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema. 4. ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA Para melhor entendimento deste estudo, fora necessário dividir está análise em dois tópicos. O primeiro trata-se sobre o modo com que o administrador público deve agir seguindo princípio da legalidade, o segundo, apresenta-se a discricionaridade como meio do administrador público agir com certa liberdade seus deveres na administração pública, ainda seguindo o princípio da legalidade. 4.1. O princípio da legalidade agindo sob o administrador. O Brasil atualmente se caracteriza com um Estado Democrático de Direito, como foi observado por Galvão Pinto(2008), é um regime político que visa estabelecer um equilíbrio entro os direitos das pessoas e os direitos da sociedade, liberdade e a soberania, sendo que o povo governa a si mesmo, diretamente, ou por meio de represantes eleitos para gerir negócios públicos e elaborar leis. Portanto, atualmente todo os direitos dos cidadãos são protegidos por meio da lei, e os deveres do Estado são dados também pela lei. Na administração pública para que o direito de todos, administrados e administradores, sejam respeitados, torna-se necessário obedecer os seguintes princípios constitucionais que são explicados por Reale apud Garcia e Araújo (2012) como “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade”, presentes na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 art. 37, são eles: Legalidade, onde o administrador deve fazer somente aquilo que a lei permite, Meirelles (2000, p.82) defende que na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal, Silva (2015, p.1) afirma que “para que a administração possa atuar, não basta à inexistência de proibição legal, é necessário tanto a existência de determinação ou autorização da atuação administrativa na lei”; Moralidade, sendo que para Gavião Pinto (2008, p.134) este princípio “obriga que a atividade administrativa seja pautada cotidianamente não só pela lei, mas também pelos princípios éticos da boa-fé, lealdade e probidade, deveres da boa administração”, Silva (2015 p.1) afirma que aparti da Constituição de 1988 a moralidade passou ao status de princípio constitucional, logo quem agir de forma imoral, age de forma inconstitucional; Impessoalidade, sendo para Silva que a atuação da administração pública deve ser neutra em relação aos administrados, não prejudicando nem privilegiando quem quer que seja (2015, p.1), também este princípio combate o desvituarmento da atuação do administrador público como meio de promoção pessoal, afirma Gavião Pinto (2008, p.134); Publicidade, a administração pública tem o dever de manter transparência em seus atos, “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5º, XXXIII da CF); Eficiência, tal princípio segundo Gavião Pinto exige que “[…] a administração pública seja organizada em permanente atenção aos padrões modernos de gestão, fito de vencer o peso burocrático, para lograr os melhores resultados na prestação de serviços públicos postos à disposição dos cidadãos”, Meirelles apud Garcia e Araújo (2012) complementa, “o Princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em se desempenhar apenas com uma legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento as necessidades da comunidade e de seus membros”. Destaque o princípio da legalidade, que segundo Silva (2015), a administração só poderá ser exercida quando estiver em conformidade com a lei. Logo, qualquer ato do administrador no meio público que não possuir embasamento em lei, torna-se nulo, ilícito. Ou seja, o alicerce da adminstração pública é a legalidade de seus atos. Mesmo que agindo em favor do interesse público, o administror não possui liberdade para agir, é o que defende Meirelles: “Na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim” (2000, p.82). Dentre todos autores estudados, fica unânime que: o administrador deve agir dentro do que diz a lei. Para que o administrador possa exercer seus deveres, ele o faz por meio de atos administrativos, que tem por função segundo Silva (2015, p.5): “é por meio do ato administrativo que a função administrativa se concretiza, sendo toda a exteriorização da vontade do Estado, executada pelos agentes públicos, objetivando alcançar o interesse coletivo”, podem ser classificados como Atos Administrativos Vinculados, que segundo Cavalcanti (2016) são aquele que o procedimento está plenamente delineados em lei, sem liberdade alguma para a atividade. Meirelles (2000) conceitua do seguinte modo: “Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização”. Porém, o que se observa é que a lei não consegue prever todos os cenários possíveis para ação do administrador. Sendo que em determinado cenários, cabe ao administrador, por seu conhecimento técnico na área, decidir qual será o mehor modo agir. Costa (2007, p.16) ressume: “Há casos em que, para melhor efetivação do bem da vida perseguido pela norma pública, essa confere ao Administrador uma amplitude de discernimento em que ele decide pelo ato que corresponde à inteireza da finalidade legal”. Isso no direito administrativo é chamado de discricionaridade. 4.2. Discricionariedade: liberdade para agir dentro da lei. Tendo sido apresentado por vários autores de que a administração pública deve agir dentro da lei, e apresentado que esta em certos casos não sendo objetiva, entrega ao administração competência no modo de agir afim de atingir o interesse público, o que ocorre neste caso: discricionaridade. A lei entrega ao administrador certa margem de liberdade. Mello explica que: “Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente” (2006, p. 48). Muitos autores caracterizam como Poder ou Juízo Discricionário, sendo que o Ato discricionário é resultado dessa competência do Administrador. Mello (2007) deixa claro que o atos discricionários são melhor denominados por atos praticados no exercício de competência discricionária, pois discricionário não é o ato, mas a “apreciação a ser feita pela autoridade quanto aos aspectos tais ou quais”. Cretella (2002) define poder discricionário sendo aquele que permite que o administrador se oriente livremente com base no binômio conveniência-oportunidade, percorrendo também livremente o terreno demarcado pela legalidade. Para Silva (2016) o objetivo principal da discricionariedade é o bem administrar, e os administradores não podem se desvincular desse objetivo sob pena de anular tais atos, por caracterizar uma ilegalidade. Todos autores estudados explanam sobre certa liberdade dentro dos parâmetros permitidos na lei. Ao administrador, cabe distinguir quando utilizará o uso da discricionariedade analisando a lei. Mello (2003) apresenta três situações distintas onde ocorrera discricionaridade na prática: Da hipótese da norma: modo impreciso com que a lei haja descrito a situação fática (motivo), isto é, o acontecimento do mundo empírico que fará deflagar o comando da norma, ou da omissão em descrevê-lo. Do comando da norma: quando nele se houver aberto, para o administrador ou agente público, alternativas de conduta, seja: quando expedir ou não expedir o ato; por caber-lhe apreciar a oportunidade adequada para tanto; por lhe conferir liberdade quando à forma juridíca que revestirá o ato; por lhe haver sido atribuída competência para resolver sobre qual será a medida mais satisfatória perante as circustâncias. Da finalidade da norma: é que a finalidade aponta para valores, e as palavras, ao se reportarem a um conceito de valor, podem signifcar conceitos, estes claros e precisos, ou vagos e imprecisos. De modo que o administrador deve identificar quando está se deparando com conceitos plurissignificativos (conceitos vagos, imprecisos, também chamados de fluidos ou indeterminados) e não unissignificativos. O administrador observando essas três situações pode fazer uso do poder discricionário. Caso haja fora dessas situações, o ato terá efeito nulo, visto que o administrador agiu de forma arbitrária. Mello explica a diferença entre ambos: “Não se confundem discricionaridade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente está agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em consequência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente o agente estará, quando a lei lhe outorgar tal faculdade (que é simultaneamente um dever), cumprindo a determinação normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por força da indeterminação quanto ao comportamento adequado à satisfação do interesse público no caso concreto (2005, p.401).” O administrador público deve saber que a discricionaridade é uma ferramenta legal, que em certos casos, pode ser usada. 5. CONCLUSÃO Neste estudo, com o objetivo de apresentar ao administrador público, que mesmo tendo a lei apresentando seus direitos e deveres, há sim em certos casos, liberdade na tomada de decisão de suas atividades, conhecido como discricionaridade, a qual permite ao administrador, em certos casos a tomada de decisão, adotando a melhor solução dentro dos parâmetros permitidos em lei. Não houve limitações, visto que o tempo para leitura e desenvolvimento fora bem aproveitado. Porém, respondendo ao problema do estudo, o princípio da legalidade, mesmo que protegendo os direitos e deveres da administração pública, faz-se estagnar a implementação de novos métodos no meio público? Ao desempenhar a pesquisa bibliográfica, percebeu-se que a administração pública tem como princípios não somente a legalidade, mas também: impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência, portanto, o administrador público em suas ações, faz valer também os  demais princípios e na constituição de 1988, artigo 37, informa nitidamente e objetivamente: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]”. Para estudos futuros, fica a oportunidade de observar a atuação do meio político sobre o administrador público, influenciando-o talvez, a não agir dentro dos princípios constitucionais da administração pública, fazendo valer o interesse pessoal e agindo de modo arbitrário. As contribuições deste artigo, são deixar claro ao administrador público, que mesmo tendo a lei apresentando seus direitos e deveres, ele pode sim, inovar, instituir novos métodos, mesmo dentro da lei, mesmo de modo constitucional. Doravante, conclui-se que o princípio da legalidade não faz estagnar a administração pública, visto que não somente a legalidade serve de base à ao administrador público. Visto que dentro do artigo 37 da Constituição Federativa do Brasil de 1988, são apresentados de modo claro, mais 4 princípios, que servem como base à administração pública. O administrador público motivado à entregar o melhor de si ao interesse público e agindo de modo ético (moralidade), neutro (impessoabilidade), eficiente (eficiência), dentro da lei (legalidade) e transparente (publicidade), atuará de forma eficiente dentro do meio público.
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A responsabilidade civil do agente público condutor de veículos oficiais de emergência envolvido em acidentes de trânsito
O presente estudo teve por objetivo identificar e delimitar a responsabilidade civil do agente público condutor de veículos de emergência quando da ocorrência de acidentes de trânsito. Foram analisadas as características específicas de tal atividade pública bem como as normas legais que a regem. A pesquisa inclinou-se para os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários acerca do tema, especialmente quando da análise dos casos concretos. Ao final, buscou-se delimitar o tratamento dado ao condutor de veículos de emergência estatal pelo direito brasileiro, no que concerne à responsabilidade civil por danos materiais e/ou morais.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O trânsito de veículos no Brasil tem se tornado cada vez mais violento, sendo rotineiras as notícias de acidentes que geram grandes perdas humanas e materiais. Ao considerarmos a enorme frota de veículos que atualmente trafegam nas ruas e se apertam buscando espaço para conseguir chegar ao seu destino, conclui-se que no dia a dia, em deslocamentos rotineiros, está o cidadão comum bastante suscetível a envolver-se em um acidente com seu veículo. Se o risco de acidentes existe para o motorista comum, o que dizer dos riscos aos quais os condutores de veículos de emergência estão sujeitos? A expectativa da população quando aciona um órgão público como a polícia, os bombeiros ou o serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU), está sempre ligada a um atendimento rápido, pois na maioria das situações em que um cidadão reclama o auxílio do Estado, representado pelas citadas instituições, está a clamar por uma intervenção urgente. Daí é comum se ver os deslocamentos das equipes de atendimento em ritmo mais acelerado do que a velocidade do fluxo normal de veículos, isso sob a justificativa da necessidade de chegar ao local do socorro com a maior brevidade possível. Desta forma, tem-se que os deslocamentos em veículos de atendimento a emergências tem o risco de acidentes potencializado, não sendo raro o envolvimento de veículos desta natureza em acidentes de trânsito graves. Ocorrido o acidente de trânsito surge a discussão sobre a quem deve recair a responsabilidade pelos danos materiais e até mesmo morais. Caberia ao agente ou incumbiria ao próprio ente público arcar com tais consequências? Caberia ação de regresso contra o agente publico para buscar reaver a quantia despendida com indenizações a terceiros e recuperação de veículos de propriedade estatal? Neste contexto é que se apresenta o propósito do presente trabalho, que não é outro senão analisar as questões acima propostas, perante a legislação, doutrina e jurisprudência, buscando identificar e delimitar o grau de responsabilidade civil do agente público, bem como o tratamento atual dado pelo direito brasileiro quando da ocorrência de acidentes com veículos públicos em atendimento de emergência. Sabe-se que veículos particulares também trafegam em situações de emergência (mormente atendimentos ligados a saúde), no entanto, o presente trabalho se ocupará especificamente da análise da responsabilidade civil decorrente de acidentes com veículos estatais. 1. ATENDIMENTOS DE EMERGÊNCIA Os atendimentos públicos de caráter urgente ocorrem, via de regra, nas prestações de serviços de socorrimento público e ainda no exercício de poder de polícia para a garantia da ordem pública. O atual modelo contido na Constituição Federal, no que respeita à atividade estatal de cuidar da saúde da população, atribui titularidade comum à União, Estados e Municípios, na forma de seu artigo 23, inciso II, abaixo transcrito: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I – […]; II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;” A referida atenção a saúde integra desde as ações mais básicas até os procedimentos mais complexos, podendo o particular prestar tais serviços mediante autorização estatal, pois o art. 199 da Constituição Federal traz expresso: “a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”. Interessam-nos diretamente os casos de atendimento a urgências e emergências médicas, sendo que, ainda na fase pré-hospitalar, a efetividade dos atendimentos em tais situações, não raras vezes, está ligada à agilidade e ao tempo resposta, conforme se extrai do excerto da Resolução nº 1671/2003 do Conselho Federal de Medicina: “Consideramos como nível pré-hospitalar na área de urgência-emergência aquele atendimento que procura chegar à vítima nos primeiros minutos após ter ocorrido o agravo à sua saúde, agravo esse que possa levar à deficiência física ou mesmo à morte, implica várias vezes na necessária eficiência […]”. Mesmo nos deslocamentos inter-hospitalares, em razão da situação clínica do paciente, o tempo de gasto na transferência de um hospital para outro que detenha o suporte necessário, pode implicar em consequências sérias a integridade física do conduzido. Assim, a prestação de serviços de atenção à saúde em muitas situações reclama agilidade de deslocamento dos veículos adequados tripulados por pessoal treinado, daí a justificativa para que os veículos do tipo ambulância (como os do SAMU) desloquem com sinais luminosos e sonoros ligados e em velocidade acima daquela praticada pelos veículos comuns. No que se refere à Segurança Pública, a Constituição Federal traça seus fundamentos no artigo 144, no qual elenca também os órgãos por meio dos quais é exercida, valendo transcrevê-lo: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares” Na lição de MAZZA (2012, pag. 602) a atividade de segurança pública exercida pelo estado não constitui prestação de serviço público e sim “na medida em que, sendo atividade limitadora da esfera de interesses do particular, a atuação estatal de manutenção da ordem tecnicamente não é serviço público, mas manifestação do poder de polícia”. Independentemente de tratar-se de prestação de serviços públicos ou não, fato é que para garantir a almejada ordem pública, os policiais (militares, civis, federais, rodoviários, etc) podem, eventualmente, necessitar de maior agilidade nos deslocamentos para o exercício de seu mister, sendo também comum que veículos policiais transitem em missões urgentes como: atuação em locais onde crimes estão acontecendo, perseguição a meliantes, etc. Tal atividade, a qual, vale repisar, é obrigação estatal, por sua natureza, leva a efeito circunstâncias diferenciadas de trafego de seus agentes, assim como se dá nos serviços de atendimento a urgências médicas. Aos Corpos de Bombeiros Militares cabe a execução da defesa civil (de acordo com a dicção do §6º do art. 144 da Constituição Federal) e ainda, o exercício de atividades de busca, salvamento, prevenção e combate a incêndios, atividades estas, via de regra, previstas nas constituições dos estados membros. Estes serviços têm em si já incutida a ideia de emergência, pois são prestados ao cidadão que se vê em situação adversa em virtude da ocorrência de um sinistro qualquer como um acidente, um incêndio ou mesmo uma catástrofe natural. Veículos de combate a incêndio e salvamento também são comumente vistos em deslocamentos de urgência, efetuando manobras e imprimindo velocidade diversa daquelas praticadas pelo cidadão comum, sob o argumento de que a chegada ao destino no menor tempo possível pode significar o salvamento ou não de uma vida. Assim, diante da já demonstrada necessidade e obrigatoriedade dos atendimentos de urgência a serem prestados por órgãos públicos, impõe-se logicamente que se analise as condições legais de tráfego as quais os condutores e veículos estão sujeitos. 2. O TRATAMENTO DADO PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO A Lei 9503/1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seu art. 29, inciso VII, traz a prioridade na circulação dos veículos de atendimento a emergências e fiscalização de trânsito, assim dispondo: “Os veículos destinados a socorro de incêndio e salvamento, os de polícia, os de fiscalização e operação de trânsito e as ambulâncias, além de prioridade de trânsito, gozam de livre circulação, estacionamento e parada, quando em serviço de urgência e devidamente identificados por dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação vermelha intermitente, observadas as seguintes disposições: a) quando os dispositivos estiverem acionados, indicando a proximidade dos veículos, todos os condutores deverão deixar livre a passagem pela faixa da esquerda, indo para a direita da via e parando, se necessário; b) os pedestres, ao ouvir o alarme sonoro, deverão aguardar no passeio, só atravessando a via quando o veículo já tiver passado pelo local; c) o uso de dispositivos de alarme sonoro e de iluminação vermelha intermitente só poderá ocorrer quando da efetiva prestação de serviço de urgência; d) a prioridade de passagem na via e no cruzamento deverá se dar com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança, obedecidas as demais normas deste Código.” A lei de trânsito traça então os contornos do que denomina “prioridade de trânsito” e “livre circulação, estacionamento e parada” que detêm os veículos quando em serviço de urgência. Por sua vez a Resolução nº 268/2008 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), no seu artigo 1º, apresenta a definição de prestação de serviço de urgência como sendo: “os deslocamentos realizados pelos veículos de emergência, em circunstâncias que necessitem de brevidade para o atendimento, sem a qual haverá grande prejuízo à incolumidade pública”. Em decorrência da aplicação de tais institutos tem claro que os veículos listados no inciso VII do art. 29 do CTB, quando efetivamente prestando serviço de urgência, gozam de prioridade de trânsito quanto aos demais veículos e até mesmo quanto aos pedestres, no entanto, estes devem estar identificados por sinais sonoros e luminosos e deve ser a prioridade exercida com os devidos cuidados. Ocorrido o acidente de trânsito, as decorrências jurídicas na esfera cível para o agente público condutor do veículo de emergência estatal, por óbvio, dependerão de sua conduta ao volante se adequar ou não ao prescrito no CTB. Ora, vê-se no texto legal que o CTB abre uma prioridade de trânsito ao veículo de emergência, mas limita o exercício desta em termos imprecisos, devendo o condutor ter os “devidos cuidados” para fazer uso da prioridade de passagem. Caminhando um pouco mais para alcançar o objetivo proposto no presente artigo, cabe-nos passar à análise da responsabilização civil do servidor público. 3. A RESPONSABILIDADE CIVIL Toda pessoa, qualquer que seja sua situação econômica, grau de escolaridade ou posição na escala social, tem em seu íntimo a noção bastante consolidada de que aquele que provoque dano a outro tem o dever de indenizá-lo. Tal noção foi consubstanciada no inciso V do art. 5º da Constituição Federal que veio dispor que: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. A legislação infraconstitucional, in casu, o Código Civil Brasileiro (CCB), em seu art. 186 dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Daí é possível inferir-se os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, quais sejam: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade (liame que liga a ação ao resultado) e o dano experimentado pela vítima. Decorre logicamente da prática do ato ilícito a responsabilidade do agente e o dever de indenizar, dever este previsto na Constituição Federal conforme dispositivo supra, e também no art. 927 do CCB, que assim prescreve: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” O parágrafo único do art. 927 do CCB (já transcrito), traz ainda a possibilidade da responsabilização sem culpa (objetiva), de acordo com o que a lei dispuser. Exemplos dessa forma de responsabilização do particular estão nas leis que trataram da proteção ao meio ambiente e do consumidor. Como justificativa para a imputação do dever de indenizar sem a obrigatoriedade de provar-se a culpa, a doutrina comumente busca supedâneo na chamada teoria do risco, a qual é assim explicada por Gonçalves (2012, p.37): “[…] toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.” Portanto, a lei impõe a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido, ainda que sem culpa. Esta, então, a chamada responsabilidade objetiva. 3.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO O estudo da responsabilidade civil do Estado nos diversos trabalhos acadêmicos normalmente perpassa pelo caráter histórico, abrangendo as diversas teorias da responsabilidade estatal outrora aceitas e aplicadas. Considerando as características de concisão do presente estudo, serão analisadas, apenas em linhas gerais, as teorias preponderantemente adotadas no direito brasileiro atual. No tema em debate, identificam-se duas relações jurídicas distintas, conforme lição de Carvalho Filho (2011): a primeira envolvendo o Estado e o particular e a segunda envolvendo o Estado e agente público. As duas relações jurídicas são distintas em sua natureza, posto que a primeira (Estado e particular) constitui a responsabilidade denominada extracontratual, pois esta é a que decorre da grande gama de atividades estatais que são, conforme defende Marçal Justen Filho (2012, p. 1223), “[…] relativas a condutas que configurem infração a um dever jurídico de origem não contratual”. Já a segunda relação (Estado e agente público) se caracteriza por uma ligação estatutária, uma vez que estão as partes ligadas por lei que prevê as regras a serem observadas na relação. Em demandas judiciais pairam controvérsias de ordem processual, como a possibilidade ou não do Estado promover a denunciação à lide do agente que julgue culpado para integrar à contenda judicial que busca a indenização; possibilidade ou não do particular acionar judicialmente e diretamente o agente público (ação per saltum), etc. No entanto, à vista da extensão destes assuntos, bem como dos objetivos propostos para o presente trabalho, não será aprofundada tal discussão. 3.1.1 Teoria da responsabilidade objetiva Consubstanciada no § 6º do art. 37 da Carta da República, tal forma de responsabilização prescinde da necessidade de constatação da culpa, sendo suficiente que o lesado comprove o nexo causal entre a ação e o resultado, assim dispondo o citado preceito constitucional: “Art. 37, § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Para fundamentar tal forma de responsabilização estatal, recorre-se a denominada teoria do risco administrativo. O Estado, por ser mais forte política e economicamente, estaria em vantagem em relação ao lesado e assim, conforme lição de Carvalho Filho (2011, pag. 333): “[…] passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado”. O mesmo autor continua sua argumentação alertando para a necessidade de não se confundir as noções do risco administrativo e do denominado risco integral, expondo a diferença entre os dois institutos: “No risco administrativo, não há responsabilidade civil genérica e indiscriminada: se houver participação total ou parcial do lesado para o dano, o Estado não será responsável no primeiro caso e, no segundo, terá atenuação no que concerne a sua obrigação de indenizar. Por conseguinte, a responsabilidade civil decorrente do risco administrativo encontra limites.” (2011, pag. 333). A existência da responsabilidade objetiva pressupõe a ocorrência de uma conduta (comissiva ou omissiva) da administração, a existência de dano e por fim o nexo de causalidade entre um e outro, prescindindo, conforme já acima aventado, da comprovação da culpa. De se anotar que a responsabilidade objetiva do estado não o torna, em expressão bastante difundida, no segurador universal, pois inexistindo um dos três pressupostos acima elencados, não há que se cogitar em dever de indenizar estatal. 3.1.2 A responsabilidade civil do agente público Delineamos até então, por dever de coerência, a forma de responsabilização do próprio Estado. No entanto, de acordo com o tema proposto para debate, interessa-nos mais diretamente as formas de responsabilização do agente público, por atos praticados no exercício de sua função pública. Ocorrido um dano, de acordo com as circunstâncias deste, há a possibilidade de proposição de ação de regresso pelo Estado em desfavor do agente público, possibilidade esta que é expressa na Constituição Federal (§6º do art. 37 – já transcrito), na situação deste ter dado causa por dolo ou culpa. De fato, conforme dita a Carta Constitucional, em se verificando culpa ou dolo do agente público, deve este indenizar. Porém, o Estado realiza várias atividades que, per si, importam em um risco acima do habitual. No exercício destas atividades de risco, caberia ao agente indenizar o erário por eventuais danos, ou deveriam estes ser suportados pelo ente público? Aqui, temos o cerne da questão em debate neste trabalho, pelo que julgamos necessário adentrar em maior minúcia ao estudo do elemento subjetivo, especialmente no que se refere a culpa em sentido estrito, posto que em ações marcadas pela inexistência da vontade em alcançar o dano é que se dão a grande maioria dos acidentes de trânsito envolvendo veículos de emergência estatais. 3.2 ELEMENTOS DA CULPA A dificuldade de fixação de um conceito de culpa é destacada por GAGLIANO, sendo em sua obra proposto o conceito abaixo: “A culpa (em sentido amplo) deriva da inobservância de um dever de conduta, previamente imposto pela ordem jurídica, em atenção à paz social. Se esta violação é proposital, atuou o agente com dolo; se decorreu de negligência, imprudência ou imperícia, a sua atuação é apenas culposa, em sentido estrito”. (2012, pag. 141).   Assim, extrai-se que os elementos da culpa (em sentido amplo) seriam o comportamento voluntário, a inobservância de um dever de cuidado e ainda, conforme os autores acima indicados, a previsibilidade do prejuízo causado. No entanto, deve ser verificada a gravidade da culpa do agente, a fim de se evitar a desproporção entre esta e o dano, de acordo com o parágrafo único do art. 944 do CCB que assim prevê: “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”. Não há expressamente no Código Civil pátrio a indicação de gradações de culpa, cabendo-nos reportar ao posicionamento doutrinário para aprofundar o estudo a esse respeito. Carlos Roberto Gonçalves (2012, pag. 230, 231), propõe três gradações: culpa grave, leve e levíssima. Segundo o doutrinador, a culpa grave é aquela em que o autor vem a se “omitir dos cuidados mais elementares ou descuidar da diligência mais evidente”. Exemplificando, indica o motorista que se põe a conduzir um veículo em situação de embriaguez. Continua o doutrinador indicando que a culpa leve é aquela que deriva da falta de atenção ordinária (própria do bom pai de família) e a culpa levíssima é aquela originada da falta de extrema cautela (ou atenção extraordinária). Traçadas as principais linhas sobre a responsabilidade civil do agente público, no que tange à previsão legal e doutrinária, cabe-nos examinar a aplicação nos casos concretos, pelo que passaremos a discorrer sobre o posicionamento dos tribunais nas ações em que o Estado vem demandar seu agente na busca de reaver valores a título de indenização em decorrência de acidentes de trânsito com veículos de emergência. 4 O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL Depreende-se da jurisprudência que os tribunais, diante do caso concreto, têm avaliado o grau da culpa do agente, bem como sopesado esta diante do dever legal de agir que a este incumbe. Constatam-se decisões que, ao ponderar eventual descumprimento de regras de trânsito diante do necessário cumprimento do dever legal do agente, a este último valor atribuem maior peso, conforme ementa e excertos da fundamentação abaixo transcritos, retirados do acórdão da AC 1002404302826-5/001 – TJMG: “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ACIDENTE COM VIATURA POLICIAL. ATRIBUIÇÃO DA CULPA DO EVENTO DANOSO AO MILITAR CONDUTOR. PROVA. AUSÊNCIA. REGRESSO IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. O acidente de viatura policial, durante perseguição de supostos marginais, onde não se comprova a culpa do condutor na ocorrência do evento danoso, inviabiliza a condenação do agente público em ação de regresso. Importante ressaltar que durante uma perseguição policial o agente público tem muitas vezes o dever de ultrapassar a velocidade máxima da via em que encontra, sob pena de, assim não o fazendo, deixar que o criminoso se refugie do local do crime, descumprindo o dever de zelar pela ordem pública conforme disposto no artigo 144, § 5º, da Constituição Federal que estabelece: "Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiro militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil". Desse modo, nem mesmo a alegação de que o condutor do veículo se encontrava em excesso de velocidade para a via permite a caracterização de sua culpa pelo evento danoso, visto que o cumprimento do dever constitucional acima citado deve, nas especificidades do caso em concreto, se sobrepor à alegada regra de trânsito não observada.”  O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) também trilha este mesmo caminho e inicialmente firmou entendimento no sentido de que somente cabe impor ao servidor público a obrigação de ressarcir ao Estado no caso de ser constatado que aquele tenha agido no evento causador do dano com culpa grave, fazendo interessante analogia com a previsão do art. 462 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), conforme abaixo demonstrado: “AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS CAUSADOS EM ACIDENTE DE TRÂNSITO – ação proposta pelo estado de Santa Catarina contra policial militar – precedentes desta corte no sentido de que o servidor somente é responsabilizado pelos prejuízos nas hipóteses de culpa grave ou dolo – inocorrência na hipótese em apreço – interpretação sistemática do art. 37, § 6º, da CRFB, art. 43 do Código Civil e art. 462 da CLT – inexistência de ato ilícito e elemento subjetivo capaz de configurar a obrigação de indenizar – policial acionado para auxiliar outros fardados em busca de fugitivo – situação de emergência caracterizada – elementos probatórios que confirmam a utilização dos dispositivos sonoros e luminosos da viatura – inocorrência de violação ao art. 29, vii, da Lei n. 9.503/97 (Código Brasileiro de Trânsito) – veículo militar que seguia por via preferencial e cujo calçamento contribui para o acidente – excesso de velocidade superado pela condição extrema e ausência de ofensa às disposições do CTB – recurso desprovido – sentença mantida. É firme o entendimento nesta Corte de Justiça que o servidor público somente se obriga a reparar os danos que causou a terceiro, no exercício da função pública, se comprovado que agiu com culpa grave ou dolo, por interpretação sistemática do art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), art. 43 do Código Civil (CC) e art. 462, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). TJSC, Apelação Cível n. 2008.065372-6.” “RESPONSABILIDADE CIVIL – ACIDENTE DE TRÂNSITO COM VIATURA OFICIAL CONDUZIDA POR POLICIAL MILITAR – AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS MOVIDA PELO ESTADO CONTRA O AGENTE PÚBLICO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CULPA GRAVE OU CONDUTA DOLOSA DO RÉU NO SINISTRO – DEVER DE INDENIZAR AFASTADO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – MANUTENÇÃO DA VERBA ARBITRADA PELO JUÍZO A QUO – RECURSO DESPROVIDO 1. ''O servidor público não responde pela reparação de dano causado a terceiro em decorrência de ato relacionado com o exercício de sua função, salvo se comprovado que procedeu com culpa grave ou dolo. A regra do § 6º, in fine, do art. 37 da Constituição Federal deve ser interpretada em consonância com a do § 1º do art. 462 da Consolidação das Leis do Trabalho”. TJSC, Apelação Cível n. 2011.055338-5, Relator: Juiz Rodrigo Collaço.” Diante da fundamentação acima, torna-se importante para nossa análise a transcrição do artigo 462 da CLT, o qual é assim grafado: “Art. 462 – Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. § 1º – Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.” Porém, como é cediço, a aplicação da CLT se dá em relações de emprego da iniciativa privada, e a disposição em comento se refere aos casos em que o empregador poderá ou não efetuar descontos nos salários do empregado, indicando a possibilidade deste ocorrer no caso de dano causado por dolo do empregado. Assim, o que transparece das decisões acima é que, ao não identificar norma que venha de forma expressa regular as situações de acidentes com veículos em atendimento de emergências ocorridos com servidores públicos, o TJSC se socorreu da CLT, ainda que tal diploma tenha o fulcro de regular relação jurídica distinta. Mais recentemente, a 3ª Câmara de Direito Público do TJSC deu entendimento diverso do acima explicitado, indicando como inaplicável o art. 462 da CLT em demandas desta natureza, como se vê na ementa abaixo: “AÇÃO REGRESSIVA. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM VIATURA OFICIAL CONDUZIDA POR POLICIAL MILITAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA DOLOSA DO RÉU NO SINISTRO. CULPA, TODAVIA, COMPROVADA. INAPLICABILIDADE ANALÓGICA DO ARTIGO 462, § 1º, DA CLT. DEVER DE RESSARCIR O ERÁRIO EVIDENCIADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "A norma do § 1º do art. 462 da CLT não exclui a responsabilidade por danos causados culposamente pelo empregado ao empregador, apenas veda o desconto nos salários daquele de importância relativa à indenização por danos, salvo se acordado ou se houver dolo do empregado" TJSC, Apelação Cível 2012.061924-6. Relator: Des. Subst. Paulo Ricardo Bruschi.” Na fundamentação procedida no acórdão acima citado é afirmado que, no caso de danos que o agente público cause agindo no estrito cumprimento de seu dever legal, não há que se analisar a graduação da culpa, mas sim avaliar se seria exigido deste, nas circunstâncias, conduta diversa da que adotou. Já o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e também o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) vão além, ao reconhecer que o atendimento de emergência tem em si um risco inerente à própria atividade e que ao Estado cabe arcar com os riscos normais da atividade que presta, não podendo atribuí-lo ao seu agente. Nesse sentido as decisões abaixo colacionadas: “ACIDENTE DE TRÂNSITO. VIATURA. ATENDIMENTO A OCORRÊNCIA POLICIAL. AQUAPLANAGEM. ABALROAMENTO. 1. Veículo do Estado que atendia à ocorrência de tentativa de roubo, e, em face da forte chuva havida na data, o automóvel terminou por aquaplanar, vindo o réu a perder o controle do veículo, colidindo no poste de luz. Circunstância que não permite imputar ao condutor da viatura a culpa pela ocorrência do sinistro. Não haveria como exigir cautela ordinariamente exigida dos demais condutores da via. Agente público que, ao cabo, agia no estrito cumprimento do dever legal. Caso típico de responsabilidade civil objetiva do Estado decorrente do risco da atividade. Apelação Cível 0065706-66.2013.8.21.7000 – TJRS. Relator Des. José Aquino Flores de Camargo”. “AÇÃO DE REGRESSO Acidente automobilístico envolvendo ambulância do SAMU Veículo oficial direcionando-se ao atendimento de vítima de atropelamento Colisão em cruzamento Danos que não podem ser imputados ao servidor, no cumprimento do seu mister Cautelas tomadas, com sinais sonoros e luminosos em funcionamento Diminuição da velocidade da viatura no entroncamento das ruas Ausência de culpa basilar para a responsabilização de regresso Estrito cumprimento do dever legal Necessidade de ponderação dos danos advindos da atuação dos agentes públicos com os custos sociais e institucionais Precedentes jurisprudenciais Apelação não provida. TJSP, Apelação Cível 0005452-75.2013.8.26.0053. Relator Des. Fermino Magnani Filho”. Neste último julgado trazido à colação o eminente relator, em seu voto, deixa clara a natureza distinta da atividade de condução de veículos de emergência, valendo transcrever parte da fundamentação por ele exposta: “Algumas atividades desempenhadas pelo Estado, por meio de seus agentes, pressupõem, por si só, alguma “flexibilização” de regras aplicáveis aos particulares. Do contrário, o fim buscado nunca seria atingido. É o caso da velocidade que alguns veículos devem imprimir para lograr êxito em seu mister, como se dá tipicamente com equipes do Corpo de Bombeiros, busca, resgate e salvamento. De nada adiantaria a condução vagarosa, absolutamente ineficiente para proteger vidas e arrostar o perigo. É da natureza do exercício destas atividades a presteza, o que pode ensejar como de fato ocorre direção acima das velocidades permitidas nas vias públicas. Ressalte-se: não se está a estimular, aqui, que as ações dos agentes públicos sejam realizadas de qualquer jeito, de modo irresponsável. Não. O que aqui se apregoa é que a análise se dê sob um crivo razoável, para não ensejar condutas temerosas e ineficientes dos agentes públicos, que a todo instante poderiam vir a ser chamados para indenizar prejuízos causados no estrito cumprimento do dever legal. […] Apelação Cível nº 0005452-75.2013.8.26.0053 – Voto nº 16693, p. 3 e 4.” Assim, evidente fica que para a jurisprudência não basta que se apure certo grau de negligência ou imprudência do agente. De acordo com cada caso e diante de suas circunstâncias específicas, eventuais danos são considerados como risco da própria atividade, com os quais cabe ao ente público arcar. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS De fato, pelo que se viu do que foi acima exposto, na ocorrência de um acidente de trânsito com veículos estatais, as demandas buscando ressarcimento de danos, a depender de quais sejam os litigantes, são analisadas pelo prisma da responsabilidade objetiva (quando o demandado é o Estado) e da responsabilidade subjetiva (quando o demandado é o servidor público). Não se pode olvidar do risco natural que envolve a condução de viaturas policiais, ambulâncias e veículos de combate a incêndio em deslocamentos em situação de emergência. Por seu turno o CTB autoriza que os condutores de tais veículos descumpram as regras de trânsito, impondo que o façam com segurança. Assim, diante do seu maior objetivo, que é prestar um atendimento ágil, se vê o agente público no seguinte dilema: utilizar a prerrogativa prevista no CTB para chegar rapidamente a seu destino propiciando o salvamento de vidas ou obedecer exatamente às regras de circulação de trânsito, mas com isso postergar atendimentos urgentes. Se a mesma norma que dita as regras que os condutores de veículos devem obedecer no trânsito faz expressa exceção aos veículos em situação de emergência, ao utilizar de tal prerrogativa não estariam os agentes públicos que atuam como motoristas praticando ato ilegal, nem, portanto, ilícito. Neste caso, o que tornaria o ato ilícito é o abuso do direito, ou seja, abusar da prerrogativa de “livre trânsito e livre estacionamento”. Daí pode decorrer a necessária valoração do grau de culpa verificada na conduta do agente público diante do caso concreto e, consequentemente, analisar se deste seria exigida conduta diversa da que adotou. Admitir que qualquer dano, por menor que seja, ocorrido em deslocamentos de emergência sejam de responsabilidade do motorista, seria garantir ao Estado não mais arcar com o risco da atividade que presta. Por outro lado, a aplicação analógica do já citado § 1º do art. 462 da CLT adotada pelo TJSC, aparentemente se mostra inadequada, já que tal dispositivo legal apenas regula os casos de possibilidade de descontos nos salários dos empregados, em se verificando dolo no agir danoso, porém, não exclui a responsabilidade por atos culposos. Desta forma, ainda que as circunstâncias indiquem culpa do condutor do veículo de emergência, na espécie, deve ser avaliado o grau desta, isto porque o Estado, ao cumprir a obrigação de prestar atendimentos que demandem deslocamentos rápidos deve assumir o risco da atividade, não podendo atribuir responsabilidade por ressarcimento de danos a seu agente quando este praticava o ato no exercício de sua função pública e dentro dos limites do que lhe era exigido para o momento.
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A arbitragem no âmbito do contencioso administrativo português
O presente texto dedica-se ao estudo da arbitragem no âmbito do Contencioso Administrativo português, com ênfase nos critérios para delimitação da admissibilidade da arbitragem nos litígios entre a Administração Pública e particulares e na disciplina normativa dada ao tema pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos português. Adotando como linha divisória a reforma do Contencioso Administrativo português, o presente artigo trabalhará, de forma crítica, as questões relativas à admissibilidade da arbitragem no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e das respectivas ações de regresso, dos atos administrativos destacáveis relativamente à execução dos contratos administrativos e dos atos administrativos que podem ser revogados sem fundamento na sua invalidade.
Direito Administrativo
Introdução O presente estudo insere-se no âmbito da arbitragem nas relações jurídico-administrativas, voltando-se mais especificamente para a disciplina, dada a este instituo, pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA. Contudo, ousar-se a abordar uma problemática tão vasta e rica em problemas no limitado espaço de um artigo é algo que não nos atreveríamos a fazer. Era necessário, pois, promover um corte que delimitasse, em termos mais restritos, a temática a ser analisada. Sob essa perspectiva, trataremos apenas das principais novidades trazidas pelo aludido diploma e das questões que estas suscitam, noticiando as discussões a este propósito travadas na doutrina e, tanto quanto possível, levando outras, sem embargo de expressar nosso posicionamento a respeito destas. 1. Âmbito da Justiça Administrativa e tribunais arbitrais A primeira questão que cabe discutir diz respeito à previsão do art. 212, nº 3, da Constituição da República Portuguesa – CRP. É necessário esclarecer qual o alcance da reserva de jurisdição feita pelo mencionado dispositivo. Neste sentido, subscrevemos o entendimento do Professor Vieira de Andrade para o qual “a reserva de jurisdição estabelecida no art. 212º não é uma reserva material absoluta”[1]. O fato de a CRP estabelecer o âmbito da jurisdição administrativa não quer dizer que ela exclua a liberdade de conformação do legislador ordinário[2]. É bem verdade que essa liberdade está sujeita a limites impostos pela própria constituição, limites cuja determinação deverá ser realizada através da interpretação sistemática das normas constitucionais. A esse propósito, convém salientar que a CRP, ao incluir os tribunais arbitrais entre as categorias de tribunais (art. 209º), reconhece a natureza jurisdicional[3] da atividade desenvolvida por aqueles. Nesse diapasão, é sob essa perspectiva de interpretação integrada das normas constitucionais, para o efeito de delimitar o alcance da reserva de jurisdição constante do nº 3 do art. 212, que entendemos que a leitura desta disposição deverá ser feita, necessariamente, em consonância com o art. 209, ambos da CRP[4]. A interpretação conjunta dos aludidos dispositivos, ao nosso ver, autorizaria o legislador, no exercício de sua liberdade de conformação, a estabelecer que litígios respeitantes a relações jurídico-administrativas pudessem ser objeto de arbitragem[5]. Conforme se verá ao longo deste estudo, a admissibilidade da arbitragem dos litígios dessa natureza é sufragada pela melhor doutrina e, inclusive, goza de reconhecimento legislativo. 2. Aspectos gerais da reforma de 2002/2004 do contencioso administrativo português Como se colhe das manifestações doutrinárias feitas ao longo da interessante discussão pública que foi travada a propósito da reforma do contencioso administrativo, a necessidade de se promover à dita reforma, mais do que uma exigência de ordem prática, no sentido de ampliar o espectro de proteção dos administrados e otimizar as funções da Justiça Administrativa, era imposição da própria Constituição da República Portuguesa, na formatação que lhe foi dada pelas sucessivas revisões[6]. Em síntese, pode-se afirmar que a reforma do contencioso administrativo, na dupla perspectiva — estrutural e processual — em que pode ser vista, embora reforçando as garantias atinentes às esferas jurídicas individuais, procurou conciliar e equilibrar as dimensões subjetiva e objetiva (proteção da legalidade e do interesse público) que a Justiça Administrativa deve assumir, aperfeiçoando o sistema a fim de proporcionar a efetiva tutela dos direitos individuais dos administrados e do interesse público[7]. É sob esse espírito que devem ser compreendidas as modificações operadas pela reforma, cujas principais linhas serão brevemente noticiadas a seguir[8]. Em primeiro lugar, verifica-se a redefinição da competência dos tribunais administrativos, feita, sobretudo, com o escopo de desafogar os tribunais superiores, notadamente o Supremo Tribunal Administrativo – STA, das competências originárias que lhe eram atribuídas. Na configuração do contencioso, nota-se a ampliação do âmbito da jurisdição administrativa, estabelecendo-se novas pretensões que passam a se submeter à Justiça Administrativa, como, por exemplo, questões relativas a contratos administrativos e contratos de direito privado (submetidos a um procedimento pré-contratual de direito público, e.g.); responsabilidade civil extracontratual do Estado e de seus órgãos, agentes, funcionários, inclusive ações de regresso; fiscalização da legalidade de atos materialmente administrativos. Por outro lado, é de se destacar a significativa alteração no que diz respeito aos meios processuais para fazer atuar tais pretensões, criando-se novas formas para o processo contencioso: a) a ação especial, que se destinaria às situações em que estivesse presente o exercício de poder de autoridade; e b) a ação comum, voltada às questões em que não se verificasse o exercício desse poder, isto é, nas relações paritárias entre a Administração e administrados. A par disso, foram criadas outras formas processuais destinadas à tutela principal urgente, como, e.g., o contencioso eleitoral, o pré-contratual e os processos de intimação. A legitimidade processual, por seu turno, também foi objeto de modificação. A legitimidade ativa nas ações relativas a contratos foi estendida ao Ministério Público e contra-interessados ao passo que a legitimidade passiva passou a ser das pessoas jurídicas ou dos ministérios a que os órgãos estão vinculados, sem o prejuízo de se poder indicar o órgão como sujeito passivo da ação administrativa, como no sistema anterior. Observou-se, outrossim, o reforço do poder dos tribunais administrativos para a execução de seus julgados, bem como a atribuição de poderes para efetivar as providências necessárias a garantir a utilidade do processo, quais sejam: cautelares, antecipatórias e conservatórias. Cumpre referir, ainda, a inauguração da possibilidade de a Administração ser sancionada por litigância de má-fé e obrigada ao pagamento de custas. Finalizando essa breve notícia acerca das inovações promovidas pela reforma do contencioso administrativo, faz-se mister sublinhar aquela que diz respeito ao tema deste estudo: a previsão da criação de tribunais e centros arbitrais para a apreciação de litígios oriundos das relações jurídico-administrativas (arts. 180º a 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA). A rigor, o CPTA teve o mérito de ampliar o rol de litígios, surgidos entre a Administração e os particulares, que podem ser apreciados no juízo arbitral, uma vez que essa possibilidade já era admitida há muito tempo pelo ordenamento jurídico português em relação a certas matérias, conforme será visto mais a frente. Deve-se reconhecer, entretanto, que a ampliação operada pela reforma — sem que se queira tirar-lhe o mérito — foi tímida e adotou critério discutível, conforme teremos a oportunidade de referir. A ampliação operada pelo CPTA, com efeito, insere-se no contexto mais amplo da necessidade — que a reforma procurou atender — de a Justiça Administrativa dar ao cidadão uma resposta adequada às pretensões que lhe fossem submetidas, o que acaba tocando a questão da celeridade; somente poderá ser considerada adequada a resposta que seja dada em tempo razoável. Sucede que a análise da estrutura e do funcionamento da Justiça Administrativa, feita por ocasião dos trabalhos que antecederam a reforma, diagnosticou a morosidade processual como um dos principais problemas enfrentados por esta jurisdição[9]. De fato, o aumento da litigiosidade em matéria de relações jurídico-administrativas, verificado pelo aumento da quantidade de processos que, todos os anos, ingressavam nos tribunais administrativos, não pôde ser solucionado pelo simples acréscimo do número de juízes e tribunais, o que fez com que a tramitação dos processos passasse a demorar mais[10]. Por outro lado, a crescente complexidade que as demandas administrativas adquiriram, devido à evolução das formas e campos de atuação da Administração, também contribuiu para agravar o problema da celeridade processual, uma vez que a atividade do magistrado foi atravancada, na medida em que este se viu obrigado, não obstante o auxílio que os peritos podem prestar, a apreciar litígios que demandam conhecimentos técnicos cada vez maiores[11]. É diante dessa realidade de congestionamento dos tribunais administrativos, e de sua impossibilidade de dar uma resposta mais célere às pretensões dos administrados, que o legislador reformista passou a ver o fortalecimento da arbitragem em matéria administrativa como uma boa saída — não a única, evidentemente — para tentar minimizar os citados problemas. Vale dizer, passa-se a ver na arbitragem uma excelente alternativa para a questão da morosidade da Justiça Administrativa, no sentido de que se poderia promover o desvio, para o seu âmbito, de certos tipos de litígios que iriam entulhá-la. Demais disso, a celeridade e flexibilidade da via arbitral, em contraposição à rigidez e morosidade da Justiça Administrativa[12], apontariam no sentido do citado propósito de dar uma resposta adequada às pretensões dos cidadãos. É, pois, sob essa perspectiva que julgamos ser possível contextualizar as novas disposições referentes à arbitragem trazidas pelo CPTA. 3. Notas sobre a arbitragem A temática da arbitragem no âmbito do direito administrativo suscita muitas questões, cuja elucidação depende da compreensão que se tenha sobre o instituto em tela. Por essa razão, antes de adentrarmos propriamente na arbitragem nas relações jurídico-administrativas, julgamos necessárias algumas notas sobre as feições gerais desta figura. Em linha de princípio, cabe trazer a lume as principais características que a arbitragem assume no ordenamento Jurídico Português, a fim de fixar as bases sobre as quais algumas das posições aqui sustentadas irão se apoiar. A arbitragem, como cediço, insere-se no domínio mais amplo dos meios alternativos[13] de solução de controvérsias, a par de outros institutos como a mediação, transação e a conciliação extrajudicial. Embora a questão não seja pacífica, entendemos que a arbitragem tem natureza jurisdicional[14], resultando duma espécie de “delegação” de poder jurisdicional — monopolizado pelo Estado —, que este permite atribuir a árbitros, em atenção a vontade das partes de submeter a resolução de seus conflitos à decisão de terceiros, estranhos ao Poder Judiciário. No caso de Portugal, sem embargo de outros argumentos perfilhados pela doutrina, pensamos assim devido à circunstância de os tribunais arbitrais constarem, ao lado dos demais tribunais, no Titulo V, Capítulo II, da Constituição da República Portuguesa[15], mais especificamente no nº 2 do art. 209. Ademais, é de se notar que: i) os tribunais arbitrais têm o poder de decidir sobre a sua própria competência (kompetenz-kompetenz) (art. 21º da LAV); ii) suas decisões fazem coisa julgado e possuem a mesma força executiva das decisões dos tribunais judiciais de 1ª instância (art. 26º da LAV); iii) o art. 25 da LAV é expresso ao qualificar de “jurisdicional” o poder exercido pelos árbitros. Como assinalado acima, por entregar a terceiros a solução da lide trata-se de técnica heterocompositiva[16] de composição de litígios. O recurso à arbitragem, em regra, deriva da vontade das partes de submeter a terceiros a apreciação do litígio entre elas surgidas, nesse sentido, pode esta ser caracterizada como forma convencional[17] de resolução de controvérsias. A arbitragem nasce da convenção de arbitragem, que poderá assumir duas formas (v. art. 1º, nº 2 da LAV): a) quando tiver por “objecto um determinado litígio actual, mesmo que já na pendência dum processo judicial”[18],  assumirá a veste de compromisso arbitral; ou b) tratando-se de “litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual”[19], estar-se-á diante de uma cláusula compromissória. Ademais, a arbitragem poderá ser: a) institucional, quando submetida a centros especializados já existentes, que contam com organização e estrutura voltadas para essa atividade (lista de árbitros, regulamento sobre a forma do processo etc.); e b) ad hoc, quando o tribunal arbitral for constituído especialmente para o julgamento litígio surgido entre as partes ou assim estiver previsto. Nesse passo, impende salientar que a LAV impõe dois requisitos para que os litígios possam ser cometidos à resolução por via arbitral (art.1º, nº1). Deve-se cuidar de direitos disponíveis e inexistir lei que determine que o litígio deve se submeter a arbitragem necessária ou tribunal judicial. Por fim, assevere-se que os tribunais arbitrais necessitam manter alguma relação com os tribunais judiciais, porquanto não possuam o poder de executar suas próprias decisões e de efetivar de providências cautelares, bem assim por poderem ver suas decisões submetidas ao controle daqueles — de forma e de fundo — pela via do recurso e da ação de anulação. 4. A arbitragem no quadro anterior à reforma de 2002/2004 do Contencioso Administrativo português Nesse item, segue-se o panorama acerca da arbitragem no quadro anterior à reforma de 2002/2004 do Contencioso Administrativo português. A história da arbitragem em questões relacionadas ao direito administrativo remonta às décadas de cinquenta e sessenta, quando o Supremo Tribunal Administrativo – STA proferiu diversas decisões nas quais admitia a validade de cláusulas compromissórias inseridas em contratos administrativos de concessão de serviço público[20]. O STA, nessas decisões, apontava no sentido de permitir que os litígios respeitantes a contratos administrativos fossem submetidos ao juízo arbitral, por entender que os artigos do Código de Processo Civil – CPC disciplinadores da questão continham “um princípio geral de direito cujo afastamento, no âmbito da jurisdição administrativa, não era imposto nem pela natureza administrativa dos contratos de concessão nem pelo facto de a competência para conhecer das questões emergentes de tais contratos ser confiada aos tribunais arbitrais[21]”. Por seu turno, indagando-se sobre a possibilidade de submeter litígios administrativos à arbitragem, a melhor doutrina acabou por responder positivamente a tal questão quando se tratasse de matérias que estivessem no âmbito da disponibilidade das partes (Administração e particular). Todavia, fora desta seara, isto é, quando estivessem em causa situações respeitantes ao contencioso de anulação, rejeitava-se a possibilidade de recurso à arbitragem, com fundamento na interpretação conjunta dos arts. 1510º do CPC[22], que somente considerava válido o compromisso quando os direitos estivessem na esfera de disponibilidade das partes, e 13º da Lei Orgânica do STA, donde se afirmava a natureza de ordem pública da competência contenciosa[23]. A legislação editada à época, com efeito, acabou consagrando a aludida orientação. Nesse sentido, o Decreto-Lei nº 48.871, de 19 de fevereiro de 1969, continha a previsão de que os conflitos referentes à validade, interpretação e execução dos contratos de empreitadas de obras públicas poderiam ser objeto de exame por parte de tribunais arbitrais (v. art. 217º). Nessa mesma linha, embora de forma não tão clara[24], o Decreto Regulamentar 54, de 24 de agosto de 1977, parecia autorizar que os litígios relativos à execução e ao descumprimento dos contratos administrativos de investimentos estrangeiros fossem submetidos à arbitragem. Registre-se, assim, que até o ano de 1984, quando foi publicado o Estatuto dos Tribunais Administrativos – ETAF, não existia em Portugal previsão legal genérica que autorizasse o recurso à arbitragem nas relações jurídico-administrativas, mas apenas alguns diplomas esparsos nos quais se admitia que questões relativas à validade, interpretação e execução de contratos administrativos fossem submetidas a um tribunal arbitral[25]. Este, inclusive, era o entendimento da doutrina majoritária. Nesse diapasão, com a entrada em vigor do ETAF, cujo art. 2º, nº 2[26], admitia o recurso à arbitragem no domínio do contencioso dos contratos administrativos, assistiu-se à legitimação, a nível legislativo, do entendimento já sustentado pela doutrina e jurisprudência, conforme acima exposto[27]. Noutra quadra, o dispositivo em tela trouxe uma inovação: passou a admitir que os litígios respeitantes à responsabilidade civil extracontratual, inclusive as ações de regresso daí advindas, fossem submetidos a um tribunal arbitral. A partir do ETAF, portanto, passou a existir em Portugal cláusula geral de arbitrabilidade de litígios pertencentes à jurisdição administrativa, embora somente no que respeitasse àqueles relativos à contratos administrativos e à responsabilidade por atos de gestão pública (e respectivas ações de regresso). Em 1986, com a entrada em vigor da Lei de Arbitragem Voluntária – LAV, a arbitragem na administração pública voltou a ser objeto de discussão. O nº 1 do art. 1º desse diploma estabelecia os requisitos básicos exigidos para que determinado litígio fosse submetido à apreciação de árbitros[28]. Segundo esta norma, tratando-se de direitos disponíveis e não estando o litígio submetido exclusivamente a tribunal judicial ou arbitragem necessária, seria cabível a arbitragem. Nesse compasso, após esclarecer, no nº 2 do art. 1º, as espécies de convenção arbitral e suas características, e ampliar, no nº 3 do citado artigo, para além das questões contenciosas o conceito de litígio, traz a LAV, no seu nº 4 do mesmo artigo, importante disposição no que se refere à matéria ora tratada, verbis: “Art. 1º (Convenção de arbitragem) (…) 4 — O Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, se para tanto forem autorizadas por lei especial ou se elas tiverem por objecto litígios respeitantes a relações de direito privado.” Da leitura do artigo percebe-se que o Estado e demais pessoas coletivas de direito público, nas suas relações de direito privado, podem submeter-se ao juízo arbitral, autorização que decorre diretamente da LAV e independe de lei especial. Isto porque as relações de direito privado travadas por esses entes seriam apreciadas por tribunais judiciais, mediante aplicação das regras de processo civil comum, nas quais se incluiriam as normas sobre arbitragem constantes da LAV[29]. Noutra quadra, no que toca à interpretação da primeira parte da norma em foco, cabe dizer que a doutrina mais abalizada entende que o preceito do art. 1º, nº 4, quer, na verdade, delimitar o alcance da cláusula geral de arbitrabilidade constante do nº 1 do mesmo dispositivo. Em termos porventura mais claros quer-se dizer que, tendo o nº 1 do artigo 1º enunciado uma cláusula genérica de arbitrabilidade destinada aos litígios referentes às relações de direito privado, a previsão do nº 4 do mesmo artigo vem asseverar que o disposto no nº 1 não se dirige aos entes públicos, uma vez que estes necessitam de autorização e regulação própria (lei especial) para submeterem seus litígios à arbitragem. Precisa, a esse respeito, a lição de Servúlo Correia[30]: “Manifestamente, a função do nº 4 do artigo 1º da LAV (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto) é a de tornar claro que a permissão geral de estipulação de convenções de arbitragem formulada no seu nº 1 (dentro dos limites aí fixados) se não alarga ao Estado e às outras pessoas colectivas de direito público. Mas, a par desta indicação, o citado nº 4 fornece outra não menos importante: a de que o propósito do legislador não é o de enunciar um princípio geralmente adverso ao recurso das pessoas públicas à arbitragem mas tão só o de remeter essa questão para outras sedes (leis especiais) onde as permissões poderão ser concedidas.” No mesmo sentido Aroso de Almeida[31]: “No entanto, o sentido do artigo 1º, nº 4, da LAV parece ser tão-só o de delimitar o alcance das soluções consagradas no nº 1 do mesmo artigo, deixando claro que a cláusula geral de arbitrabilidade aí enunciada apenas tem em vista a arbitragem no âmbito das relações jurídicas de direito privado, pelo que não tem, só por si, o propósito nem o alcance de estender a regra da admissibilidade do recurso à arbitragem ao domínio das relações jurídico-administrativas. Ao direito administrativo cabe, por isso, determinar se a mesma regra vale para os litígios que envolvam entidades públicas e não digam respeito a relações de direito privado e, portanto, definir um regime próprio no que toca aos critérios de arbitrabilidade a adoptar no âmbito das relações jurídico-administrativas.” Resulta, assim, que as relações jurídico-administrativas necessitam de autorização legal — que não pode ser buscada no nº 1 do art. 1º da LAV, mas em diplomas de direito administrativo, repise-se — para que possam submeter suas controvérsias ao juízo arbitral. Essa autorização, com efeito, constava do art. 2º, nº 2, do ETAF, que admitia a arbitragem em relação aos litígios sobre contratos administrativos e responsabilidade civil por prejuízos decorrentes de atos de gestão pública e as respectivas ações de regresso. Convém salientar que a referida disposição do ETAF, embora anterior a LAV, era considerada pela melhor doutrina[32] como lei especial no sentido do art. 1º/4 da LAV[33]. Neste ponto, cumpre fazer uma última referência ao art. 188º do CPA[34]. Ao estabelecer que seria válida a cláusula compromissória inserta em contratos administrativos para resolver as questões neste âmbito advindas, o art. 188º do CPA teria adquirido, relativamente a estas, a função de norma autorizadora da arbitragem — lei especial no sentido da LAV — em substituição à do art. 2º, nº 2, do ETAF. Por outro lado, frise-se que a ausência de referência ao compromisso arbitral não quis significar que esta espécie de convenção de arbitragem tivesse ficado órfã de disciplina, pois o nº 2 do art. 2º do ETAF continuou a exercer o papel de norma habilitante (rectius: autorizadora) relativamente aos compromissos arbitrais nos contratos administrativos[35].        Da resenha feita acima, pode-se concluir que, antes da reforma do contencioso administrativo, admitia-se a arbitragem em matéria de responsabilidade civil da Administração por atos de gestão pública (e ações de regresso neste âmbito surgidas), bem como nas questões relacionadas à validade, interpretação e execução dos contratos administrativos. Entendia-se que os litígios surgidos nesse âmbito estariam relacionados a direitos e obrigações disponíveis[36], uma vez que neste domínio, em regra, a Administração não exerceria poderes de autoridade, estabelecendo relações paritárias com o particular. Não se colocaria aqui, portanto, o obstáculo normalmente posto à arbitragem, qual seja, a indisponibilidade dos direitos em causa nos litígios relativos a relações jurídico-administrativas. Tais argumentos, contudo, serão analisados, de forma mais detida, adiante.  Nesse passo, cumpre chamar atenção para o fato de que, nestes domínios, a Administração nem sempre atua sem valer-se dos poderes de autoridade. Conforme se verá no item 5.3.2, é possível que a Administração, na execução de contratos administrativos, exerça tais poderes, caso em que estaremos diante de verdadeiro ato administrativo[37]. Por ora, registre-se apenas que, nessa seara, ou seja, quando se tratasse de ato administrativo destacável da execução do contrato administrativo, a doutrina rechaçava a possibilidade de submeter os litígios relativos à legalidade desses atos — como de resto a outros atos administrativos — ao juízo arbitral[38].    Quanto ao novo CPTA, apenas deve-se adiantar que mantêm a possibilidade das citadas matérias serem objeto de arbitragem, trazendo, contudo, algumas inovações que serão tratadas em tópicos específicos. 5. A arbitragem no quadro pós-reforma 5.1. Aspectos diversos[39] O primeiro aspecto a sublinhar, no que diz respeito aos aspectos processuais da arbitragem na disciplina do CPTA, é a distinção, acolhida pelo Código, entre arbitragem ad hoc e arbitragem institucional. As diferenças entre uma e outra modalidade de arbitragem já foram vistas no item 3, não convindo repeti-las. Importa esclarecer, contudo, as implicações que daí podem ser extraídas. O âmbito das matérias que podem ser objeto de arbitragem administrativa ad hoc vem delimitado no nº 1 do art. 180º do CPTA: contratos e atos administrativas relativos à sua execução (“a”); responsabilidade civil extracontratual e respectivas ações de regresso (“b”); e atos administrativos que podem ser revogados sem fundamento na sua invalidade (“c”). Neste campo, o CPTA, a par de prever a arbitragem em matérias relativamente as quais esta já era admitida, trouxe algumas novidades, notadamente a previsão constante da alínea “c” do nº 1 do art. 180º e a veiculada na parte final da alínea “a” do nº 1 do mesmo artigo — inovações que serão objeto de análise a seguir. Todavia, esse alargamento — qualificado de “modesto”, por João Caupers[40] — foi maior no que se refere às matérias que podem ser objeto de arbitragem institucionalizada, pois o art. 187º, além de repetir as constantes nas alíneas “a” e “b” do nº 1 do art. 180º, amplia o leque de questões passíveis de arbitragem, ao prever, nas alíneas “c”, “d” e “e”, respectivamente, a criação de centros de arbitragem nos domínios do funcionalismo público, dos sistemas de proteção social e do urbanismo. A análise cuidadosa dos dispositivos em cotejo levanta, desde logo, duas dúvidas. Primeiro, há de se perguntar se a omissão do art. 187º, no que tange aos atos administrativos relativos à execução do contrato administrativo e às ações de regresso nas questões de responsabilidade civil, tem alguma significação, ou se, pelo contrário, resulta do entendimento de que seria desnecessária a repetição, uma vez que o art. 180º já teria definido a extensão da referência a contratos administrativos e a responsabilidade civil. Embora a dúvida não seja esclarecida pelos comentadores da forma, cumpre dizer que, de nossa parte, não vemos qualquer razão que justifique o entendimento de que a supressão quisesse significar algo. As diferenças existentes entre arbitragem institucional e ad hoc não me parecem autorizar esse raciocínio. Considerando que a arbitragem institucionalizada, realizada por centros especializados para a apreciação de certos conflitos, dotados de estrutura e regulamento próprio para a tramitação do processo arbitral, acaba por ser, em regra, mais conveniente e segura para as partes[41], não há motivo para se admitir que determinado litígio possa ser dirimido por tribunais arbitrais ad hoc e não possa sê-lo em centros de arbitragem institucionalizados[42].  A questão, ao que tudo indica, deve ser resolvida pela interpretação sistemática dos artigos constantes do Título X do CPTA. O legislador omitiu a alusão a atos administrativos relativos à execução do contrato administrativo e às ações de regresso nas questões de responsabilidade civil, por entender que essa abrangência já podia ser deduzida pelo teor do nº 1 do art. 180º. Em segundo lugar, impende indagar porque o legislador não previu a arbitragem institucionalizada em relação aos atos administrativos que podem ser revogados sem fundamento na sua invalidade (art. 180º, nº 1, alínea “c”). Teria sido a omissão proposital? Com que fundamento? Ou estaríamos diante de um lapso do legislador? Também aqui a doutrina é silente[43]. Aplica-se aqui — agora, todavia, de lege ferenda — o mesmo raciocínio e os mesmo argumentos desenvolvidos acima, no sentido de que não vemos razão para que determinada matéria possa ser submetida a arbitragem ad hoc e não possa à arbitragem institucionalizada.  É bem verdade que é difícil aceitar a hipótese de falha legislativa, uma vez que, se assim fosse, haveria de ter sido corrigida por ocasião da Lei nº 4-A/2003, de 19 de fevereiro, que veio a alterar diversos dispositivos do CPTA. De qualquer forma, não se pode deixar de levar em consideração a clareza do dispositivo. No art. 187º não consta a previsão de criação de centros de arbitragem institucionalizada no domínio dos atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade. Por essas razões, até que a lei venha dispor em sentido contrário, cremos não se poder buscar no art. 187º do CPTA autorização para a criação de centros de arbitragem no referido âmbito. Levando-se em conta que as inovações do art. 180º serão tratadas em itens específicos, passa-se a cuidar da disciplina do art. 187º. Além dos domínios nos quais a arbitragem já estava consagrada e para os quais existe a possibilidade da arbitragem ad hoc — com a exceção, já referida, dos atos administrativos que podem ser revogados sem fundamento na sua invalidade —, prevê o nº 1 do art. 187º que o Estado poderá autorizar a criação de centros de arbitragem institucionalizada para apreciação de litígios relativos à função pública, aos sistemas de proteção social e ao urbanismo. Registre-se que os centros de arbitragem poderão desempenhar funções de conciliação, mediação ou consulta no âmbito dos procedimentos de impugnação administrativa, conforme resulta do nº 3 do art. 187º. A previsão de criação desses centros, inclusive a possibilidade de realizarem autocomposição extrajudicial de conflitos[44], parece residir no intuito de desafogar os tribunais administrativos, permitindo a agilização dos processos que nestes tramitam, uma vez que os domínios do funcionalismo público e dos sistemas de proteção social têm forte aptidão para desencadear o fenômeno dos processos em massa[45]. A previsão de centros de arbitragem em matéria de urbanismo, por seu turno, vai ao encontro da concepção que vê nos litígios com complexidade técnica um campo propício à arbitragem e, na medida em que poderá liberar os juízes administrativos de julgarem lides que consomem um maior tempo de apreciação, também caminha no sentido de conferir maior agilidade a Justiça Administrativa. Segundo o nº 2 do art. 187º, criados os centros de arbitragem permanente, mediante autorização do Estado, no âmbito das matérias constantes do nº 1 do mesmo dispositivo, poderão os ministérios decidir pela vinculação à jurisdição desses centros arbitrais, outorgando-lhes competência para o julgamento das querelas surgidas com os particulares. A submissão de cada ministério à jurisdição dos centros de arbitragem será feita mediante portaria emitida conjuntamente pelo Ministro da Justiça e pelo ministro da tutela, em cujo conteúdo deverá constar os tipos de litígios que o ministério admite submeter ao centro arbitral, além dos valores máximos destes. Apesar do dispositivo se referir à necessidade de lei para disciplinar os pormenores dessa questão, já se pode extrair do artigo que, uma vez vinculado a determinado centro de arbitragem, o ministério ficará obrigado a entregar ao centro de arbitragem o julgamento do litígio, desde que este esteja dentro do âmbito da portaria e se assim desejar o particular[46]. De acordo com art. 182º do CPTA, havendo litígios dentro do âmbito de matérias delimitado no art. 180º do mesmo diploma, poderá o particular exigir da Administração a celebração de compromisso arbitral. A interpretação do dispositivo[47] suscita algumas dúvidas, das quais nos ocuparemos, sem, entretanto, pretender dar qualquer resposta definitiva em relação a elas. Em primeiro lugar, coloca-se o problema de se saber se a Administração está mesmo obrigada a outorgar o compromisso arbitral. Embora reconhecendo a pertinência das intenções subjacentes ao dispositivo em foco, entende João Caupers que o direito de o particular exigir a celebração do compromisso arbitral não seria um direito potestativo[48]. Segundo o autor, “o poder de exigir a celebração de compromisso arbitral não parece produzir nenhum efeito jurídico automático na esfera jurídica da entidade pública a quem seja dirigida tal exigência: muito embora esta tenha a obrigação de celebrar o compromisso arbitral, a lei não faz recair sobre ela quaisquer consequências da recusa”[49]. De fato, é forçoso reconhecer que a posição adotada pelo legislador traz sérios inconvenientes. Eis alguns exemplos[50]: conquanto o texto do art. 182º estabeleça a obrigatoriedade da celebração do compromisso “no âmbito dos litígios previstos no art. 180º…”, não seria de se questionar se a intenção foi mesmo a de abranger todas as matérias ali previstas ou, em verdade, apenas aquelas que já eram pacificamente aceitas como passíveis de arbitragem? Poderia se admitir a exigência de celebração do compromisso quando o particular quisesse recorrer a arbitragem segundo a equidade? Em suma, a necessidade de um regime capaz de suprir as lacunas da disciplina dada pela LAV às situações em que ocorra a falta de colaboração da Administração na celebração do compromisso arbitral, bem assim capaz de definir os pressupostos de que dependerão a efetivação do direito a outorga do compromisso, é uma realidade que não pode ser desprezada[51]. Não nos parece que a simples indicação, constante do nº 1 do art. 181º, de que “o tribunal arbitral é constituído e funciona nos termos da lei sobre arbitragem voluntária, com as devidas adaptações” seja suficiente para solucionar os problemas que podem surgir nesse âmbito. Note-se que a LAV (arts. 12º, nº 1 e 14º, nº 2) somente trata do suprimento do dissentimento no que diz respeito à escolha dos árbitros. Nada obstante a ressalva feita acima, julgamos que é preciso respeitar a opção feita pelo legislador ao por a questão nesses termos. A lei é expressa ao consagrar a possibilidade de o particular exigir — e cremos que o termo não escolhido por desapego a técnica — a outorga do compromisso. Diante dessa constatação, julgamos que o direito a exigir da Administração a celebração do compromisso decorre diretamente do CPTA, embora tenha que se reconhecer que esse direito não está regulado em todos os seus aspectos. À lei que venha a regular esse direito, por conseguinte, caberá conferir “ao órgão competente para despachar o poder vinculado de verificar, em função do objecto do litígio (a indicar necessariamente pela interessado no requerimento), se se preenchem os pressupostos de que irá depender a celebração do compromisso arbitral”[52]. Por outras palavras, ao receber o requerimento, cumprirá ao ministro da tutela[53], após verificar se o litígio que o particular pretende submeter à arbitragem insere-se no âmbito das matérias constantes do art. 180º[54], despachá-lo[55] no sentido do seu deferimento, por força do preceito contido no art. 182º. Caso haja por bem indeferir o requerimento, abrir-se-á ao particular a via da ação administrativa especial de condenação a prática de ato administrativo legalmente devido (art. 46º, nº 1, alínea “b”)[56], caso em que a sentença produzirá os mesmos efeitos do ato omitido ao arrepio da lei (art. 167º, nº 6)[57]. O prazo de que dispõe o órgão competente para apreciação do aludido requerimento é de 30 (trinta) dias, contados da apresentação daquele, conforme dispõe o nº 1 do art. 184º. Deixando de despachá-lo dentro desse prazo — desde que a lei não venha a dispor de forma distinta —, caberá o manejo de ação administrativa especial de condenação a prática de ato administrativo legalmente devido (art. 46º, nº 1, alínea “b”)[58].  Outro aspecto digno de nota, no que respeita à disciplina dada à arbitragem pelo CPTA, é a suspensão dos prazos de que dispõe o particular para lançar mão das vias processuais próprias da jurisdição administrativa, uma vez apresentado o requerimento com vistas à celebração do compromisso arbitral, nos termos do art. 183º[59].  Conquanto o despacho do órgão competente deva ser proferido em 30 (trinta) dias (art. 184º, nº 1) — o que, em princípio, impediria a perda dos prazos para a ação especial (art. 58º, nsº 1 e 2) e para a comum (art. 41º, nsº 1 e 2) —, não se pode desprezar a possibilidade de que ocorra algum atraso na apreciação do requerimento, fato que, sem a suspensão operada pelo art. 183º, poderia causar sérios prejuízos ao particular que pretenda recorrer à arbitragem[60]. É preciso ter em linha de conta que não há previsão de qualquer sanção para o caso de descumprimento do preceito do nº 1 do art. 184º, sem o prejuízo, nesse caso, de o particular poder se valer da ação administrativa especial de condenação a prática de ato administrativo legalmente devido, como já assinalado. Ainda em relação a aspectos processuais do CPTA, convém referir ao disposto no nº 1 do art. 181º. Segundo este artigo o tribunal arbitral será constituído e funcionará nos termos da LAV, sem o prejuízo das adaptações que se façam necessárias. Como já dito, a mera referência de que os tribunais arbitrais deverão funcionar, com os necessários ajustes, de acordo com o regime estabelecido da LAV certamente não será capaz de contornar todos os problemas que poderão surgir quanto à constituição e funcionamento daquele. Por conseguinte, a necessidade de lei para regular os pormenores da aplicação da LAV à arbitragem relativa a questões administrativas é imperiosa. Nada obstante, o CPTA já procedeu a alguns ajustamentos da disciplina da LAV, como se nota no texto do nº 2 do art. 181º e art. 186º. A previsão do nº 2 do art. 181º promove a adequação das referências feitas na LAV aos tribunais judiciais comuns. Dessa forma, nos casos em que falte a nomeação do(s) árbitro(s), será o presidente do Tribunal Central Administrativo da região a que o lugar fixado para arbitragem estiver vinculado, ou, na ausência de tal fixação, da região a que o domicílio daquele que requereu a nomeação estiver vinculado, que terá competência para fazê-la (art. 12º, nº 1, da LAV), salvo se a convenção for manifestamente nula, hipótese em que caberá àquele declarar a impossibilidade de designação de árbitros (art. 12º, nº 4, da LAV). Em igual sentido, caberá ao presidente do Tribunal Central Administrativo a escolha do presidente do tribunal arbitral no caso de não haver acordo entre os árbitros ou entre as partes acerca da designação daquele (art. 14º, nº 1 e 2). Nesse passo, passa-se a analisar a disciplina da impugnação da decisão arbitral prevista do art. 186º do CPTA. Embora o CPTA não seja muito preciso no tratamento da questão, parece-nos que foi mantido o sistema de impugnação da decisão arbitral previsto na LAV, uma vez que o nº 1 do art. 186º do CPTA, à semelhança do art. 27º da LAV, prevê a possibilidade da anulação daquela, e o nº 2 do mesmo artigo se refere, também como o art. 29º da LAV, à possibilidade de recurso. A ação de anulação deverá ser intentada perante o Tribunal Central Administrativo[61] e poderá veicular qualquer dos fundamentos constantes do art. 27º da LAV (art. 186º, nº 1, do CPTA)[62]. Por força do disposto no nº 2 do art. 186º, da decisão arbitral podem ser manejados os mesmos recursos cabíveis da decisão prolatada pelo tribunal administrativo de círculo[63], desde que a decisão dos árbitros não tenha sido segundo a equidade, pois o julgamento com base na equidade implica a renúncia aos recursos (art. 29º, nº 2, da LAV). 5.2. Questões relativas à responsabilidade civil extracontratual e ações de regresso A arbitrabilidade das questões relativas à responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas de direito público já vigorava há muito tempo em Portugal, de modo que, nesse particular, quase nada acrescentou a reforma. Registre-se apenas que o art. 185º do CPTA, acolhendo proposta formulada durante a discussão pública da reforma[64], veda o recurso à arbitragem nas questões de responsabilidade que envolvam “prejuízos decorrentes de atos praticados no exercício de função política, legislativa e jurisdicional”. 5.3 A arbitragem nos litígios relativos a atos administrativos 5.3.1. Algumas premissas Das modificações operadas pela reforma, especificamente no que toca à arbitragem, certamente a previsão de arbitrabilidade de litígios relacionados à prática de atos administrativos é a inovação mais significativa e a que suscita maiores questionamentos de ordem dogmática. Quando se apontou no item 4 os argumentos sustentados pela doutrina para admitir a arbitragem nos litígios relacionados à responsabilidade civil extracontratual do Estado e aos contratos administrativos e, pelo contrário, para não admiti-la nas questões que dissessem respeito a atos administrativos, já se adiantou um pouco da temática que será tratada agora. Todavia, nessa altura, a questão será abordada com mais profundidade, a fim de fincar as bases sobre as quais iremos discutir a novidade trazida pela reforma. A propósito da arbitragem e do requisito da disponibilidade dos direitos cuja discussão se pretende levar àquela, formou-se, na doutrina portuguesa, o entendimento de que o contraste feito entre direitos disponíveis e direitos indisponíveis, fundado basicamente na autonomia da vontade, poderia ser transposto para o plano das relações jurídico-administrativas por meio da contraposição entre relações paritárias e relações de autoridade[65]. Dessa forma, quando estivéssemos perante situações em que a Administração atuasse com poderes de autoridade, notadamente mediante emissão de atos administrativos, entendia-se que as questões neste âmbito surgidas estariam fora da sua disponibilidade[66]. Por esta razão, o contencioso da legalidade — domínio onde se discutem as questões relacionadas a atos administrativos, como cediço — seria prerrogativa confiada, em regime de exclusividade, aos tribunais administrativos[67], cuja competência seria de ordem pública[68]. Com bases nesses fundamentos, portanto, afastava-se a arbitragem da seara relativa ao contencioso da legalidade. Por outro lado, quando a Administração atuasse sem se colocar numa posição de superioridade para com os particulares, entendia-se que as situações aí surgidas estariam na sua disponibilidade, pelo que as questões afetas ao contencioso de plena jurisdição — donde se incluíam, como se sabe, as relacionadas à responsabilidade civil do Estado e aos contratos administrativos — eram admitidas como passíveis de apreciação arbitral. Nessa mesma linha de raciocínio, acrescenta Aroso de Almeida que, devido ao fato de não se discutirem, no âmbito desse contencioso, questões que envolvam o exercício de poderes de autoridade, “a função do juiz não é essencialmente diferente da que corresponde aos juízes dos tribunais judiciais, pelo que não há inconveniente em confiar a apreciação dessas questões à arbitragem, a exemplo do que sucede no âmbito dos litígios que são submetidos à jurisdição daqueles tribunais”[69]. Nesse diapasão, na esteira da evolução da conduta da Administração, em cujo agir nota-se, cada vez mais, a valorização da consensualidade e a passagem progressiva do tradicional modelo autoritário para “um modelo crescentemente contratualizado”[70], verifica-se o fortalecimento da arbitragem e o desenvolvimento de correntes de pensamento refratárias a concepção que afasta a arbitrabilidade dos litígios envolvendo atos administrativos. Põe-se em xeque o entendimento tradicional de que a arbitragem não encontraria espaço no âmbito dos litígios relacionados a atos administrativos devido à natureza indisponível deste domínio[71]. Nessa conformidade, sustenta João Caupers[72] que a sujeição da Administração ao princípio da legalidade não seria suficiente, só por só, para afastar a arbitragem dos litígios que digam respeito à atos administrativos. Segundo o eminente professor, o conteúdo do ato administrativo não deriva de modo absoluto da lei, esta apenas regula, “modula”, seu conteúdo, de maneira que quase sempre haverá espaço — mais ou menos amplo — para a discricionariedade administrativa[73]. Nestas situações, prossegue, poderá haver mais de uma decisão legalmente possível, e o juiz não poderá aqui entrar no mérito de saber se a decisão adotada foi a melhor — este seria o espaço da discricionariedade administrativa[74]. Com base nessas premissas, conclui o citado professor no sentido de que não haveria razão para se vedar a discussão, no juízo arbitral, das questões a respeito das quais a Administração tenha essa margem de discricionariedade[75] [76]. Na mesma linha de intelecção, Sérvulo Correia critica a relação que se estabelece entre a “definição da situação jurídico-administrativa por acto administrativo”[77] e a indisponibilidade das “posições jurídicas conformadas”[78], asseverando que “o caráter disponível ou indisponível do poder da Administração resulta da natureza vinculada ou discricionária do poder de definição do conteúdo da situação jurídica administrativa e não da forma típica adoptada para a conduta concreta”[79].     Contudo, não nos parece que o critério proposto seja o melhor caminho para justificar, em termos gerais, a arbitragem nas questões relacionadas a atos administrativos, muito embora não se ponha em causa a correção das premissas utilizadas; não se pode negar a existência de um grau variável de discricionariedade na atuação da Administração. Ao que tudo indica, no entendimento acima exposto vai o equívoco de se associar a suscetibilidade de questões à arbitragem em referência ao campo de admissibilidade da transação, como procurarmos demonstrar a seguir. Embora se reconheça alguma similitude entre as duas figuras, existem diferenças capitais que não autorizam a correlação, em termos de âmbito de admissibilidade, que entre elas se faz. Em termos de semelhança, pode-se dizer que ambas as figuras representam meios alternativos de resolução de conflitos, que passam pelo acordo de vontade das partes em ter sua situação jurídica definida sem a emissão de uma sentença estatal[80]. Noutra quadra, convém ter presente que enquanto a transação constitui técnica autocompositiva de litígios, na qual as partes, mediante concessões recíprocas, definem a nova situação jurídica a que vão se submeter, vale dizer, definem elas próprias a solução do litígio; a arbitragem, diversamente, apresenta-se como técnica heterocompositiva, no sentido de que a solução acerca da situação controvertida (do litígio) é dada por terceiros[81], de modo que o tribunal arbitral é chamado a “decidir efetivamente e, portanto, resolver ele próprio o litígio, definindo os termos da sua composição com autoridade de caso julgado, como se tribunal estadual se tratasse”[82]. É nesse ponto que reside a diferença fundamental entre os dois institutos. Note-se que, na transação, a partes verdadeiramente dispõem dos direitos envolvidos na relação material controvertida, pois só assim se pode admitir que elas, mediante acordo de vontades, renunciem parte dos seus direitos — por isso se fala em concessões ou abandonos recíprocos. Na arbitragem não se verifica essa mesma disposição, uma vez que a conjugação de vontades só se dá para efeito de designar os árbitros e confiar-lhes a resolução do litígio[83], não abrangendo a disciplina da relação substancial objeto de conflito.  À vista dessas diferenças, cumpre retomar a questão sobre se a existência de margem de discricionariedade na atuação da Administração, por si só, autoriza a arbitragem neste campo. Não nos afigura correto entender que a mera circunstância de os juízes estaduais não poderem adentrar no mérito das ações da Administração, em termos de que lhes seria vedado preencher o espaço reservado à discricionariedade administrativa, possa ser suficiente para permitir que tal poder seja entregue aos árbitros. Em termos porventura mais claros: o fato da Administração, nestas situações, ser detentora de um certo poder de disposição, no sentido de optar por um, dentre os vários caminhos legalmente possíveis, não significa que ela possa, sem mais, entregá-lo a árbitros. Ora, se aos juízes estaduais é vedado julgar a conveniência e oportunidade (o mérito) da atuação da Administração[84] (art. 3º, nº 1, do CPTA) porque se deveria admitir que os árbitros — cujo papel não é essencialmente distinto do que é conferido àqueles — o fizessem?  Não cremos que os árbitros estejam autorizados a desempenhar a função de procurar a solução, dentre as legalmente possíveis, que melhor atenda ao interesse público (art. 266º da CRP), mormente quando se leva em conta que esta tarefa foi cometida por lei a Administração[85].  É preciso ter em mente, aqui, as características da arbitragem já enunciadas. Lembre-se que se trata de técnica de heterocomposição de litígios, na qual é um terceiro que vai decidir a lide, no desempenho de atividade jurisdicional[86], que não difere, em substância, da desempenhada pelos tribunais estaduais. Se a Administração pode dispor, em certa medida, de situações onde haja espaço para a discricionariedade, então é de entender-se que esse domínio, em verdade, é campo fértil para a transação[87]. Esclareça-se, por oportuno, que não se está defendendo que não seja possível a arbitragem nas situações com os contornos já assinalados; cremos que ela será possível se atendidos certos limites. O que pretendemos firmar é que não se pode adotar a discricionariedade como critério único para definir o campo da arbitragem dos atos administrativos e, bem assim que a arbitrabilidade neste campo não pode representar a entrega a árbitros do poder de proceder à determinadas valorações que incumbem à Administração, como já visto. Verificada a prática de um ato administrativo discricionário, seria de se admitir, e.g., que o tribunal arbitral verificasse a conformidade entre o fim legal (“aquele visado pela lei ao conferir ao órgão administrativo determinado poder legal”[88]) e o fim real (“motivo principalmente determinante da prática do ato administrativo em causa”[89]) deste ato, podendo, caso esteja ausente essa relação de adequação, declarar a sua invalidade, com base no desvio de poder.  Outro exemplo seria a questão dos atos administrativos que envolvessem juízos de elevada complexidade técnica, onde poderá haver margem a alguma discricionariedade administrativa. Não se pode negar a conveniência da arbitragem em litígios desta natureza, uma vez que é suposto que o juiz conheça a lei, não lhe sendo possível dominar as diversas áreas do conhecimento, das quais podem ser exigidos conhecimentos para resolver determinada lide. O árbitro, pelo contrário, mormente em se tratando de arbitragem ad hoc, deve possuir conhecimentos específicos sobre o tema discutido. Todavia, pode ocorrer que esses juízos técnicos devam ser apreciados segundo valorações cuja assunção cabe à Administração, casos em que não se poderá entregar aos árbitros a decisão desses litígios, uma vez que, como visto, a discricionariedade deve ser exercida pela Administração. Será preciso, portanto, fixar os limites em que será admitida a atuação do árbitro, cercando-se de cautelas para que ele não avance para o terreno da discricionariedade.  Nesse passo, impende esclarecer que não é porque criticamos a correlação que tem sido feita, por parte da doutrina, entre a presença de discricionariedade no ato administrativo e arbitrabilidade dos litígios daí decorrentes, que não estejamos de acordo com a intenção que lhe é subjacente: admitir a arbitragem nas questões relacionadas a atos administrativos; ao revés, esse é o entendimento que desposamos e, a propósito do qual, traremos, a par dos acima apontados, outros argumentos. Em linha de princípio, cumpre registrar que não nos parece que a indisponibilidade das questões ligadas a atos administrativos, ante a presença de poderes de autoridade, seja obstáculo suficiente para afastar a arbitragem. Quando as partes decidem submeter a controvérsia à decisão de árbitros, o que se faz, por outras palavras, é pedir-lhes que, com base no direito constituído[90], defina a sua situação jurídica, pondo termo ao litígio, dizendo qual o direito aplicável ao caso. É fácil verificar que a atividade dos árbitros nessas situações — dizer o direito aplicável ao caso concreto — não é, em essência, distinta daquela desenvolvida pelos juízes estaduais. Portanto, não nos parece que, ao submeter a decisão do litígio a arbitragem, as partes estejam verdadeiramente dispondo dos direitos em causa. Sob essa perspectiva, a exigência da disponibilidade dos direitos talvez faça sentido em relação à transação, pois aqui é que se verifica a efetiva disposição dos direitos. Recorde-se que na transação as partes, valendo-se da autonomia privada e da possibilidade de disporem dos direitos controvertidos, fazem concessões recíprocas, compondo a sua nova situação jurídica na forma que melhor lhes convenha. Nessa linha de pensamento, é a manifestação de Raúl Ventura: “quando leio que arbitragem não é possível quando a transacção não o é, pois esta exige a faculdade de dispor, visto ser constituída por abandonos recíprocos (MOTULSKY, Études et notes sur l’arbitrage, p. 55), compreendo que a transacção não possa, pelo citado motivo, incidir sobre direitos indisponíveis, mas continuo a duvidar da igualdade, para este efeito, entre transacção e convenção de arbitragem, ou, por outras palavras, duvido que o julgamento por um tribunal arbitral de litígio sobre o direito disponível afete a indisponibilidade do direito”[91]. É bem verdade que as partes podem autorizar os árbitros a julgar segundo a equidade (art. 22º da LAV), o que afastaria, em certa medida, a semelhança entre a atividade do árbitro e do juiz estadual, correndo-se o risco de a solução do litígio distanciar-se daquela que seria dada pelo direito constituído. Nesse sentido, é possível entender-se que, ao permitir que os árbitros julgassem com base na equidade, estaria a Administração, de certa forma, dispondo do direito controvertido. É por isso que alguns autores[92] têm sustentado — acertadamente, ao meu ver — que as questões relativas a atos administrativos poderiam ser apreciadas por árbitros desde que não lhes fosse permitido julgar segundo a equidade. Essa circunstância, somada a possibilidade de um posterior controle judicial — de forma e de fundo — da decisão arbitral (art. 186º do CPTA), em termos já assinalados, talvez seja capaz de abrandar a resistência que tem sido oposta à arbitrabilidade no domínio dos atos administrativos. Ainda deverá ser considerado um outro argumento. Já foi visto no item 4 que abalizada doutrina sustenta que o nº 1 do artigo 1º da LAV teria enunciado uma cláusula genérica de arbitrabilidade, destinada aos litígios referentes às relações de direito privado, e que a previsão do nº 4 do mesmo artigo deve ser entendida no sentido de excluir, em relação ao Estado e demais pessoas de direito público, a disciplina do disposto no citado nº 1. Estes necessitariam de autorização e regulação própria (lei especial) para submeterem seus litígios à arbitragem. Ora, tendo o requisito da disponibilidade de direitos sido previsto no nº 1 do art. 1º da LAV, e, ainda, considerando que este dispositivo não disciplinaria a arbitragem em matéria de direito administrativo, conforme visto, parece-nos possível sustentar que tal requisito não possa ser exigido neste domínio com base na LAV. Seria preciso que lei especial, relativa à arbitragem administrativa, colocasse a questão da disponibilidade dos direitos e interesses controvertidos como condição de arbitrabilidade.  Todavia, sem embargo de se reconhecer que a disciplina da arbitragem nas relações jurídico-administrativas se vale da distinção entre situações disponíveis e indisponíveis, não há disposição no CPTA, no ETAF ou em outros diplomas que estabeleça tal exigência. É possível, contudo, que a lei que venha regulamentar a arbitragem no citado âmbito o faça. À vista do exposto, estamos em que as questões relacionadas a atos administrativos não seriam domínios, por natureza, vedados à arbitragem. Conforme se demonstrará no próximo item, o novo CPTA vem sufragar esse entendimento, muito embora não firme permissivo que autorize a arbitragem em relação à generalidade dos litígios envolvendo atos administrativos. 5.3.2. Questões relativas a atos administrativos destacáveis relativamente à execução dos contratos administrativos A arbitrabilidade dos litígios referentes à validade, interpretação e execução dos contratos administrativos já era pacífica de há muito em Portugal, conforme se viu no item 4, de modo que nenhuma novidade trouxe o novo CPTA nesse particular. Todavia, não se admitia a apreciação, pelo tribunal arbitral, das questões referentes à execução dos contratos administrativos que envolvessem atos administrativos, como também restou salientado no item 4[93]. Tal entendimento, devido ao permissivo constante da parte final da alínea “a” do nº 1 do art. 180º do CPTA, resta agora superado. Com efeito, dispõe a norma em foco que poderão ser objeto de arbitragem “questões respeitantes a contratos, incluindo a apreciação de actos administrativos relativos à respectiva execução” (art. 180º, nº 1, do CPTA). Antes de avançarmos, todavia, faz-se mister esclarecer que atos administrativos são esses que podem aparecer no curso da execução do contrato administrativo. No campo da execução dos contratos administrativos, pode a Administração praticar atos de diversas naturezas; como assevera Servúlo Correia: “não existe princípio algum de tipicidade no que respeita aos actos de execução dos contratos administrativos”[94]. Assim, no curso da execução dos contratos administrativos, a Administração manifesta-se, e.g., através de atos opinativos, declarações negociais e também mediante atos administrativos. De uma maneira geral, pode-se dizer que, se os atos através dos quais a Administração atua refletem o exercício de poderes de autoridade[95], estar-se-á diante de atos administrativos destacáveis da execução do contrato[96]. Não é pelo simples fato de ato estar previsto no contrato que restará infirmada sua natureza de ato administrativo[97]. Exemplos de atos destacáveis da execução do contrato são aqueles a que a Administração se obriga a praticar e que exigem o exercício de poderes de autoridade, como expropriar terrenos, constituir servidões, conceder licenças[98]. Feitos esses esclarecimentos, verifica-se que a previsão contida na parte final da alíena “a” do nº 1 do art. 180 do CPTA, ao incluir a possibilidade de as questões ligadas a atos administrativos relacionados à execução do contrato administrativo serem objeto de arbitragem, operou a ampliação da gama de litígios suscetíveis de arbitragem. A nosso ver, devido a essa disposição, perde um pouco de sentido a discussão doutrinária acerca da (im)possibilidade de submeter questões relacionadas a atos administrativos ao juízo arbitral. É a lei que chancela essa possibilidade e o faz de forma clara, inequívoca e, segundo cremos, correta. Se aos juízes arbitrais é outorgada competência para apreciar os litígios relativos a invalidade, interpretação e execução dos contratos administrativos, é razoável que também lhes seja atribuída competência para analisar as questões, surgidas neste último domínio, que digam respeito a atos administrativos. Entendemos assim por dois motivos. Por primeiro, julgamos que o fato da Administração fazer uso do seu poder de autoridade não afasta a arbitrabilidade das questões neste âmbito surgidas; como se viu, por mais que este campo seja considerado de indisponibilidade, deve-se lembrar que o fato de se submeter as controvérsias, nesta seara nascidas, à arbitragem — bem vista como técnica heterocompositiva de resolução de conflitos, de inegável natureza jurisdicional — não significa que se esteja dispondo dos direitos envolvidos. Em segundo lugar, justifica-se que sejam assim pela vantagem de se permitir que os árbitros conheçam e atuem sobre a totalidade da relação jurídica controvertida. Como asseverou o Conselho de Estado francês, “o recurso à arbitragem não tem interesse jurídico e prático a menos que os árbitros tenham o poder de decidir todas as questões relacionadas com o litígio lhes é submetido”[99].     Nessa linha de intelecção, pode-se afirmar que as mesmas razões acima apontadas devem justificar que os poderes de apreciação dos árbitros sejam amplos, em termos de lhes ser dada a permissão de se pronunciar[100] sobre a legalidade dos atos administrativos destacáveis relativos à execução do contrato[101]. Vale dizer, só haverá razão de ser para a arbitragem se todos os aspectos respeitantes ao litígio puderem ser apreciados pelo juízo arbitral, como se viu, e este desígnio somente será alcançado se os árbitros puderem analisar a legalidade do ato. É importante lembrar que, de acordo com o nº 2 do art. 180º do CPTA, havendo contra-interessados, somente poderá ter lugar a arbitragem se estes aceitarem a celebração do compromisso arbitral. Diga-se, ainda, que a outorga do compromisso arbitral poderá ser requerida não só pelas partes da relação contratual, mas também por terceiros, devido à previsão do art. 40º, nº 2, do CPTA que estende a estes a legitimidade para deduzir pedidos relacionados à execução e validade dos contratos administrativos — resguardado o direito dos contra-interessados de aceitar ou não a celebração do compromisso[102].  5.3.3. Questões relativas a atos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade A par da arbitrabilidade dos litígios relativos a atos administrativos destacáveis referentes à execução do contrato administrativo, estabelece a alínea “c” do nº 1 do art. 180º outra situação em que os atos administrativos poderão ser apreciados pelo juízo arbitral: “Art. 180.º (Tribunal arbitral) 1 — Sem o prejuízo do disposto em lei especial, pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de: (…) c) Questões relativas a actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento a sua invalidade, nos termos da lei substantiva.” Antes de qualquer coisa, é preciso buscar no CPA (lei substantiva) o que se entende por “actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento a sua invalidade”. De acordo com o art. 140º do CPA, os atos administrativos são livremente[103] revogáveis, salvo: “quando sua irrevogabilidade resultar de vinculação legal” (art. 140º, nº 1, “a”); “quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos”[104] [105] [106] (art. 140º, nº 1, “b”); e “quando deles resultem, para a Administração, obrigações legais ou direitos irrenunciáveis” (art. 140º, nº 1, “c”).      De início, cumpre esclarecer que a possibilidade de revogabilidade dos atos, sem fundamento na sua invalidade, pressupõe a sua validade[107]. Note-se que atendidas as condições apontadas em (a) e (b), isto é, não sendo o caso de ato administrativo cuja irrevogabilidade conste de lei, nem se tratando de ato que gere direitos ou obrigações para a Administração, ainda será preciso que estes atos, para efeito de sua revogabilidade, não sejam constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos, o que autorizaria concluir que, em suma, são passíveis de revogação, sem fundamento em invalidade, os atos administrativos válidos que não constituam direitos e interesses legalmente protegidos[108] [109]. Ora, se os fundamentos para a revogabilidade do ato não podem ser encontrados na sua invalidade, estaremos diante de atos que podem revogados por razões de mérito[110] (conveniência e oportunidade), que, enquanto tais, são razões que se compreendem no poder discricionário da Administração. Bem vistas as coisas, verifica-se que a previsão do art. 180º, nº 1, “c” parece adotar o entendimento que relaciona a disponibilidade dos direitos com a presença de poderes discricionários da Administração, caso se admita que, sendo a apreciação das razões que conduzirão à revogação do ato feita de acordo com a discricionariedade da Administração, as situações jurídicas relacionadas ao ato em causa digam respeito à matéria disponível.    Outra questão que pode ser colocada é de saber se o CPTA, ao utilizar a fórmula “questões envolvendo actos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade”, quis admitir que o tribunal arbitral poderia apreciar apenas o ato não constitutivo de direitos e interesses legalmente protegidos ou não somente este, mas também o ato revogatório daquele. Pela forma como está redigido o preceito, ao que acrescemos o entendimento de não vemos ínsita na disciplina dos atos administrativos vedação que impeça a sua apreciação pelo juízo arbitral, julgamos que deverá ser afastada a interpretação restritiva, de modo a prevalecer a segunda das opções acima aventadas. Contudo, deve-se levar em conta as ressalvas anteriormente feitas, no sentido de que o poder discricionário da Administração não pode ser entregue aos árbitros, de maneira que a margem de apreciação do tribunal arbitral deverá ser demarcada em função de critérios previamente definidos. Poderá o tribunal arbitral, por exemplo, apreciar se, tendo havido a revogação de ato administrativo, provocada pela ocorrência de certas circunstâncias, das quais a revogação dependia, nos termos da lei ou do que constou do próprio ato, estas circunstâncias efetivamente se verificaram[111]. Quanto à extensão dos poderes de apreciação dos árbitros nestas questões, parece-nos que não seria de se excluir a possibilidade de apreciação da legalidade do ato administrativo[112]. Pensamos assim pelos fundamentos já expostos no item 5.3.2. para o qual remetemos o leitor. Por fim, faz-se necessário relembrar que, nos termos do nº 2 do art. 180º do CPTA, havendo contra-interessados, somente poderá ter lugar a arbitragem se estes aceitarem a celebração do compromisso arbitral. Conclusão Para além das questões que tivemos a oportunidade de suscitar, certamente muitas outras ainda poderão ser levantadas, pois ainda há muito que se discutir e refletir sobre o assunto em cotejo. Sob essa perspectiva, vemos o presente trabalho designadamente como um ponto de partida para o estudo mais aprofundado que o tema demanda. Como foi salientado na apresentação deste estudo, não pretendíamos abordar o tema em sua inteireza, mas apenas os principais aspectos relacionados com a reforma do contencioso administrativo. Esperamos, pois, que o tenhamos feito de forma satisfatória.
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Contratação, por inexigibilidade de licitação, de assessoria jurídica pela administração pública municipal
O presente trabalho tem por objetivo analisar a questão da contratação direta de assessoria jurídica pelo princípio da inexigibilidade de licitação por parte da Administração Pública Municipal. A importância deste estudo é verificar a necessidade de se realizar ou não o processo licitatório em quaisquer que sejam suas modalidades para a contratação de assessoria jurídica prestada obviamente por advogados autônomos ou por sociedade de advogados. Não há critérios objetivos que permitam discriminar se este ou aquele advogado é o melhor daí que se deve contentar com os critérios de escolha do Chefe do Poder Executivo Municipal que como representante legal do Município está no direito de contratar diretamente segundo seu poder discricionário a assessoria que melhor lhe convier observando é claro os princípios norteadores da Administração Pública. Assim a contratação de profissional do direito pelo Município vem acobertada pelo princípio legal da inexigibilidade de licitação não ocorrendo a prática de ato em improbidade administrativa.
Direito Administrativo
A análise das licitações públicas deve ter por base o estudo aprofundado da Lei nº. 8.666/93, pois é esta Lei que dispõe a respeito das normas gerais sobre licitações e contratos da Administração Pública, uma vez que praticamente todos os aspectos relevantes relativos à matéria encontram-se detalhadamente nela regulados. A primeira observação que deverá ser feita é com relação à abrangência da citada Lei. A Lei nº. 8.666/93 é uma lei de normas gerais, editada nos conformes do art. 22, XXVII da CF/88, segundo o qual “compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III”. Por sua vez, o art. 37, XXI da CF/88, dispositivo este que é regulamentado pela Lei nº. 8.666/93, dispõe que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnicas e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Considerando esses motivos, em seu artigo primeiro, a Lei em comento declara tratar-se de uma lei de normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Já o parágrafo único do artigo primeiro da já indicada lei, dispõe que submetem-se aos seus preceitos e ordenamentos, além dos órgãos da Administração Direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Assim, serão abordados os aspectos relevantes e que merecem destaque no que diz respeito aos procedimentos licitatórios e à contratação por parte da Administração Pública. Como se sabe, a regra geral trazida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, inciso XXI, é que a contratação de obras, serviços, compras e alienações deverá ser precedido de devido processo licitatório, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, e obedecendo aos princípios que regem a Administração Pública e aos princípios que disciplinam os processos licitatórios. Para tanto, foi promulgada a Lei nº. 8.666/93 e, posteriormente, a Lei nº. 10.520/02 que disciplinam os procedimentos licitatórios nas modalidades concorrência, tomada de preços, convite, leilão, concurso e pregão, respectivamente. Muito embora a regra geral para se contratar com a Administração Pública exija aos pretensos contratantes submeter-se à realização de licitação, a própria Lei nº. 8.666/93 traz algumas hipóteses, em casos excepcionais, em que não é necessária a realização do procedimento licitatório para a contratação com a Administração Pública. Tratam-se dos casos de dispensa de licitação e de inexigibilidade de licitação já mencionados anteriormente. Neste ponto, abordaremos os aspectos sobre a contratação, por inexigibilidade de licitação de serviço técnico profissional especializado, mais especificamente, de assessoria jurídica, realizada por advogados, sejam eles profissionais autônomos (pessoa física) ou por sociedades de advogados (pessoa jurídica). Serviço técnico profissional especializado, nas palavras de BRAZ (2010, p. 580): “é aquele que exige, além da habilidade profissional pertinente, conhecimentos mais avançados na técnica de sua execução, operação ou manutenção. Esses conhecimentos podem ser científicos ou tecnológicos, vale dizer, de ciência pura ou de ciência aplicada ao desenvolvimento das atividades humanas e às exigências do progresso social e econômico em todos os seus aspectos.” Entende-se por serviço profissional o que se relaciona a uma profissão, isto é, uma atividade especializada de caráter permanente. Regra geral, as profissões são regulamentadas por lei específica, que outorga a habilitação legal em complementação à capacitação técnica. Além da habilitação específica para a prestação de uma espécie distinta de serviço, a Lei identifica a necessidade de especialização, de cunho bem mais abrangente. A especialização significa a capacitação para o exercício de uma atividade com habilidades que não estão disponíveis para qualquer profissional. A contratação direta de advogado, sem licitação, pelas Prefeituras Municipais tem sido objeto de grande discussão entre os juristas, alguns defendendo a tese de que cabe a contratação direta por inexigibilidade de licitação, e outros que são adeptos à corrente que é desfavorável a tal contratação, pois entendem que inexiste a singularidade em algumas contratações. Todavia, a corrente doutrinária majoritária, apoiada em julgados do Superior Tribunal de Justiça – STJ, trata a matéria como pacífica, no sentido de que o Município pode contratar, diretamente, pela inexigibilidade de licitação, assessoria jurídica. É sobremodo importante assinalar que os procedimentos licitatórios são regulados pela Lei nº. 8.666/93. Assim, é do próprio texto da Lei em causa que se há de buscar a âncora para sustentação desta corrente defendida por renomados administrativistas. A Lei nº. 8.666/93 define os casos de dispensa e de inexigibilidade de licitação, tendo em visa, em primeiro plano, o interesse público, definindo-se interesse público como aquele que concerne à coletividade, de onde possa nascer benefício ou prejuízo em decorrência do ato. Afirma-se que no caso de contratação de advogado para defesa de interesses em juízo ou fora dele, no exercício específico da profissão, não há necessidade de comprovação da notória especialização, posto que todo advogado já é um profissional especializado. Já para a prestação de serviços de assessoria e consultoria, ramos de natureza técnica e especialíssima da profissão, há que ser comprovada a notória especialidade. O art. 13 da Lei nº. 8.666/93 declara expressamente serem considerados serviços técnicos especializados os trabalhos relativos a assessorias ou consultorias técnicas e o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas. Prescreve o art. 25 do Estatuto das Licitações ser inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição para os serviços técnicos enumerados no já referido art. 13, desde que de natureza singular, e o § 1º, do mesmo art. 25, considera de notória especialidade o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenhos anteriores, estudos, experiências, publicações, organizações, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. É importante, todavia, para atendimento do texto legal, que se entenda objetivamente o que venha a ser natureza singular do objeto da contratação. Entende-se que a singularidade informada pela Lei se refere ao serviço a ser prestado. Singularidade, todavia, não pode ser entendida como unidade. É singular o serviço que possua particularidades que permitam distingui-lo de outros. Tem, no corpo da Lei, o sentido de especial. Também a singularidade se ressalta da capacidade intelectual do profissional. A singularidade dessa prestação de serviços está fincada nos conhecimentos individuais de cada profissional da advocacia, impedindo, portanto, que a aferição da competição seja plena, pois não se licitam coisas desiguais, só se licitam coisas homogêneas. Para Mello (2011, p. 548): “Serviços singulares são os que se revestem de análogas características. De modo geral são singulares todas as produções intelectuais, realizadas isolada ou conjuntamente – por equipe –, sempre que o trabalho a ser produzido se defina pela marca pessoal (ou coletiva), expressada em características científicas, técnicas ou artísticas importantes para o preenchimento da necessidade administrativa a ser suprida”. A singularidade (capacidade intelectual) da prestação do serviço do advogado, por si só, justifica a ausência de competição, bem como da pré-qualificação também, pois o preço da contratação não é fator crucial que direciona a melhor contratação para o ente público. A inviabilidade de competição, como um dos pressupostos de natureza legal, estabelece-se pela impossibilidade de licitar valores heterogêneos. Não se pode buscar a prestação do melhor serviço profissional pelo menor preço ofertado. Não se trata de compra de mercadorias. Não pode o profissional capaz de ofertar o melhor serviço competir com outro sem especialização pelo preço a ser ofertado. Não é esse o interesse público da contratação. Trabalho intelectual não pode ser aferido em termos de menor preço. MELLO (2011, p. 548): ensina: “Todos estes serviços se singularizam por um estilo ou por uma orientação pessoal. Note-se que a singularidade mencionada não significa que outros não possam realizar o mesmo serviço. Isto é, são singulares, embora não sejam  necessariamente únicos”. Entende-se, na verdade, ser impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição. O advogado desempenha um trabalho singular, onde a sua criação intelectual retira do administrador público a necessidade de promover o certame licitatório para, através do menor preço, escolher qual seria a melhor opção para a administração pública contratar. Após a análise da Lei de Licitação, pode-se afirmar, com certeza, de que os serviços técnicos profissionais especializados relativos a patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas dos advogados, independentemente de suas qualificações pessoais, possuem natureza singular, pelo fato da notória especialização que a profissão em questão exige. A intelectualidade do advogado independe da sua inscrição na OAB, não se vincula a qualquer rótulo, tendo em vista que a advocacia é um estado permanente de criação intelectual. Entende-se que a notória especialização, para efeito de exonerar a Administração de prévia licitação para a contratação dos serviços, tem como critério básico o perfil da profissão da advocacia e a intelectualidade do prestador de serviços, na forma do § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93. Para o ilustre Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, Carlos Alberto Sobral de Souza, “a contratação de advogado implica, basicamente, confiança entre outorgante e outorgado.” Nessa mesma linha, a Ordem dos Advogados do Brasil, através de seu Código de Ética e Disciplina, impede o profissional do direito de celebrar contratos para a prestação de serviços jurídicos com redução de valores estabelecidos na Tabela de Honorários. O advogado não pode alvitrar o valor de seus honorários, nem os fixar de forma irrisória. Daí se concluir o impedimento para oferta de propostas variadas de honorários em procedimento de licitação. Embora não seja reconhecidamente exaustiva a relação constante do art. 25 da Lei nº. 8.666/93, ela contempla expressamente a contratação de profissional do direito em diversos casos. Na contratação de advogado o que a Administração Pública busca, presente o interesse público, não é necessariamente o menor preço, mas o resultado a ser alcançado com a contratação. O preço, todavia, deve ser razoável, definido em razão da maior ou menor complexidade do serviço. A notória especialização, para efeito de exonerar a Administração de prévia licitação para a contratação dos serviços tem como critério básico o perfil do profissional da advocacia e a intelectualidade do prestador dos serviços, na forma do § 1º do art. 25 da Lei nº. 8.666/93. É humanamente impossível dimensionar-se qual é o melhor advogado do Brasil em virtude da complexidade jurídica que o caso comporta, bastando o advogado possuir alto grau de especialização. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) publicou na edição de 23 de outubro de 2012 do Diário Oficial da União súmula sobre a inexigibilidade de procedimento licitatório para a contratação de serviços advocatícios por parte da Administração Pública. A súmula foi aprovada na sessão plenária da OAB de setembro de 2012. A publicação se deu na página 119, Seção 1 do Diário Oficial. A dispensa do processo licitatório se dá, conforme o texto da súmula, em razão da singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição dos serviços. A referida Súmula, a de número 04/2012 tem o seguinte texto: “ADVOGADO. CONTRATAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. Atendidos os requisitos do inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/93, é inexigível procedimento licitatório para contratação de serviços advocatícios pela Administração Pública, dada a singularidade da atividade, a notória especialização e a inviabilização objetiva de competição, sendo inaplicável à espécie o disposto no art. 89 (in totum) do referido diploma legal.” Coadunado com tal entendimento, vale transcrever os ensinamentos de FILHO (2014, p. 501): “Por outro lado, os profissionais de grande êxito e qualificação superior não colocam seus serviços no mercado. Não se dispõem a competir num certame aberto, mesmo pelos efeitos derivados de uma eventual derrota. Serviços assim especializados conduzem a uma situação de privilégio para o prestador, que assume posição de aguardar a procura por sua contratação antes do que de participar em processos coletivos de disputa por um contrato.” Necessariamente, o procedimento de licitação não se oferece como a melhor opção ofertada à Administração para a contratação de advogado, seja para a defesa em processos judiciais, seja para a prestação de serviços de assessoria ou consultoria, cabendo ao administrador o direito de optar discricionariamente pela contratação desse ou daquele profissional, presente a inexigibilidade de licitação. Nas palavras de FERNADES (2014, P. 620): “Há porém, um elemento que parece ser considerável para o STF na decisão do gestor público: confiança. Note-se que a literalidade da norma, ao conceituar notório especialista, permite ao gestor inferir que aquele profissional é essencial e indiscutivelmente o mais adequado a plena satisfação do objeto.” E o citado autor continua: “Esse escólio resolve, de forma lapidar, a difícil questão prática de ocorrência frequente, em que o objeto é singular mas, existe mais de um notório especialista capaz, em tese, de realiza-lo. Por isso, a opção guarda certa discricionariedade. Note-se, porém, que para ser notório especialista, nos termos da Lei, é necessária a satisfação de algum dos elementos do § 1º do art. 25 da Lei nº. 8.666/93, fato que limita a discricionariedade.” Com relação ao requisito “confiança”, trazemos à baila parte da ementa do HC 86.198/PR, julgado pelo STF, cuja relatoria foi do Ministro Sepúlveda Pertence. Vejamos: “III – Habeas Corpus: crimes previstos nos artigos 89 e 92 da L. 8.666/93: falta de justa causa para a ação penal, dada a inexigibilidade, no caso, de licitação para a contratação de serviços de advocacia”. A presença dos requisitos notória especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho, que deve encontrar respaldo da inequívoca prova documental a ser trazida ao processo de contratação, permite concluir, no caso, pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos serviços de advocacia. Extrema dificuldade, de outro lado, da licitação de serviços de advocacia, dada a incompatibilidade com as limitações técnicas e legais da profissão (L. 8.906/94, art. 34, IV; e Código de Ética e Disciplina da OAB/1995, art. 7º). Para corroborar a tese da notória especialização trazida, transcreveremos aresto do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, retirado do Recurso Especial nº. 629.257 – TJMG (2004/0016854-4) – STJ. “A contratação de advogado para prestar assessoria jurídica ao Município prescinde de licitação, como permite o art. 13, incisos III e V, da Lei nº. 8.666/93, e quanto à notória especialização a que se refere o art. 25, § 1º, da mesma Lei, não há critérios objetivos que permitam discriminar este ou aquele advogado, daí que se deve contentar com os critérios de escolha do Prefeito, que, como representante legal do Município, está no direito de fazê-lo, segundo seu poder discricionário, não tendo obrigação de atender a recomendações de recaiam nas pessoas de A ou B, ainda que possuem especialização. Não se pode confundir notória especialização com notáveis especialistas, como não se pode olvidar que somente ao Prefeito Municipal incumbia julgar se a escolha recaia sobre profissional apto. Ninguém pode substituí-lo neste mister.” Na mesma linha, temos também os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça, os quais se transcrevem a seguir: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 17 DA LIA. ART. 295, V DO CPC. ART. 178 DO CC/16. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ARTS. 13 E 25 DA LEI 8.666/93. REQUISITOS DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. SINGULARIDADE DO SERVIÇO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR NA ESCOLHA DO MELHOR PROFISSIONAL, DESDE QUE PRESENTE O INTERESSE PÚBLICO E INOCORRENTE O DESVIO DE PODER, AFILHADISMO OU COMPADRIO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Quanto à alegada violação ao art. 17, §§ 7º, 8º, 9º e 10 da Lei 8.429/92, art. 295, V do CPC e art. 178, § 9º, V, “b” do CC/16, constata-se que tal matéria não restou debatida no acórdão recorrido, carecendo de prequestionamento, requisito indispensável ao acesso às instâncias excepcionais. Aplicáveis, assim, as Súmulas 282 e 356 do STF. 2. Em que pese a natureza de ordem pública das questões suscitadas, a Corte Especial deste Tribunal já firmou entendimento de que até mesmo as matérias de ordem pública devem estar prequestionadas. Precedentes: AgRg nos EREsp 1.253.389/SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 02/05/2013; AgRg nos EAg 1.330.346/RJ, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 20/02/2013; AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 10/05/2012. 3. Depreende-se, da leitura dos arts. 13 e 25 da Lei 8.666/93 que, para a contratação dos serviços técnicos enumerados no art. 13, com inexigibilidade de licitação, imprescindível a presença dos requisitos de natureza singular do serviço prestado, inviabilidade de competição e notória especialização. 4. É impossível aferir, mediante processo licitatório, o trabalho intelectual do Advogado, pois trata-se de prestação de serviços de natureza personalíssima e singular, mostrando-se patente a inviabilidade de competição. 5. A singularidade dos serviços prestados pelo Advogado consiste em seus conhecimentos individuais, estando ligada à sua capacitação profissional, sendo, dessa forma, inviável escolher o melhor profissional, para prestar serviço de natureza intelectual, por meio de licitação, pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos (como o menor preço). 6. Diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional. 7. Recurso Especial a que se dá provimento para julgar improcedentes os pedidos da inicial, em razão da inexistência de improbidade administrativa. (grifo nosso) “RECURSO ESPECIAL Nº 1.192.332 – RS (2010/0080667-3) RELATOR: MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO RECORRENTE: ÉLBIO DE MENDONÇA SENNA ADVOGADO: JOSÉ ALEXANDRE BARBOZA JUNQUEIRA E OUTRO(S) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 535, II, DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. LICITAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. SERVIÇO SINGULAR E NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. 1. Alegações genéricas quanto à violação do artigo 535 do CPC não bastam à abertura da via especial, com base no art. 105, inciso III, alínea "a", da CF. Incidência da Súmula 284/STF. 2. A contratação de serviços de advogado por inexigibilidade de licitação está expressamente prevista na Lei 8.666/93, art. 25, II c/c o art. 13, V. 3. A conclusão firmada pelo acórdão objurgado decorreu da análise de cláusulas contratuais e do conjunto fático-probatório dos autos. Dessarte, o acolhimento da pretensão recursal, no sentido da ausência dos requisitos exigidos para a contratação de escritório de advocacia por meio da inexigibilidade de licitação, esbarra no óbice das Súmulas 5 e 7/STJ. Precedentes. 4. Recurso especial não conhecido” (REsp 1285378/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 28/03/2012). Contratando diretamente o advogado, não estará a autoridade administrativa cometendo infrações e nem agindo no vácuo da lei, visto que a Lei 8.666/93 não impede a aludida tomada de posição, devendo apenas o administrador justificar a escolha dentro de uma razoabilidade. Portanto, diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica, fincados, principalmente, na relação de confiança, é lícito ao administrador, desde que movido pelo interesse público, utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para a escolha do melhor profissional. Mostrou-se exaustivamente que é possível a contratação direta de advogado para a prestação de serviços jurídicos à Administração Pública. Nas assessorias junto à Administração Pública, enfrenta-se objeto mais específico que a assessoria jurídica que normalmente é prestada pelos demais advogados da iniciativa privada. Tal assessoria não se refere a simples execuções de títulos da dívida ativa municipal. Mais uma vez, chama-se a atenção para o requisito da confiança entre o gestor público e o advogado para justificar a contratação direta por inexigibilidade de licitação. Além do mais, a natureza do objeto da assessoria jurídica junto aos Municípios é bastante singular, e neste ponto temos que analisar o entendimento da expressão “natureza singular” sob três aspectos: a) em relação ao próprio objeto; b) em relação ao seu executor; e, c) em relação ao modo de executar. Nas palavras de BRAZ (2012, p. 111-112): “O objeto da contratação não pode ser, à toda evidência, um serviço comum, passível de ser realizado por qualquer profissional, especializado ou não. Não deve, todavia, ser entendido como um serviço único, predeterminado. Pode ter natureza genérica, desde que possua características particularizantes e específicas, como por exemplo, assessoria jurídica.” Neste caso, vê-se que a assessoria jurídica junto aos Municípios preenche perfeitamente o requisito da singularidade do objeto, haja vista não ser do conhecimento geral o modo como proceder com tal assessoria, sendo que poucos os profissionais que se aventuram nessa área tão específica do direito. O executor deve ser profissional possuidor de notória especialidade em relação ao objeto da contratação, dessa especialização extrapola a singularidade específica. Já se abordou com bastante detalhe o presente ponto em linhas passadas. BRAZ (2012, p. 112), citando Toshio Mukai, esclarece: “Não basta a singularidade do objeto e a especialização do executor, necessário se faz, para a junção desses fatores, que o sujeito execute de modo especial o objeto, o que é, em síntese, o que busca a Administração Púbica: a execução do serviço de modo particularizado, de forma a assegurar seja alcançado o objetivo almejado, atendendo ao interesse público.” Viu-se que a contratação direta de advogado para prestar assessoria jurídica por inexigibilidade de licitação é possível, desde que o objeto seja singular e o profissional de notória especialidade. Mostrou-se que o advogado, por si só, é profissional especializado, haja vista não ser permitido a qualquer cidadão o desenvolvimento de tal atividade. Exige-se que seja formado em direito e que obtenha sua carteira de identidade profissional que, hoje, se dá através do exame de ordem. Isso torna o advogado profissional especializado. Também foi demonstrado que o requisito confiança é muito relevante em tais circunstâncias, podendo ser fator determinante na contratação de determinado advogado ou escritório jurídico, tendo em vista o poder discricionário do gestor público para tal contratação. Também já se viu que a notoriedade do profissional contratado deverá ser demonstrada quando do processo de contratação. Assim, é possível a contratação direta de advogado para a prestação de assessoria jurídica por meio da inexigibilidade de licitação, haja vista que, além de preencher os requisitos da confiança, notória especialidade e inviabilidade de competição (por se tratar de serviços intelectuais), o objeto é específico. Assim, trata-se de objeto singular, e os profissionais a serem contratados devem comprovar com a documentação juntada ao processo de contratação, serem bastante capacitados para tal mister, demonstrando sua notoriedade. Assim, foram abordados os aspectos relevantes e que merecem destaque no que diz respeito aos procedimentos licitatórios e à contratação por parte da Administração Pública. No decorrer deste trabalho conclui-se que a contratação direta de advogado ou escritórios jurídicos, pela inexigibilidade de licitação, para o assessoramento de Prefeituras é totalmente permitido. Porém, devem ser obedecidos alguns requisitos trazidos pelo art. 25 da Lei nº. 8.666/93, tais como a comprovação da singularidade do objeto, a notória especialização e a inviabilidade de competição. Viu-se que a assessoria jurídica municipal é singular, tendo sua autonomia no ramo do direito, fazendo com que nem todos os profissionais do direito tenham o conhecimento teórico e prático para seu desenvolvimento, considerando seu aspecto peculiar e específico da matéria. Com relação à notória especialização, esta já é demonstrada pelo fato de o advogado já ser um profissional especializado, tendo em vista que se preparou durante anos para o desempenho de suas atividades. Somado a isso, tem-se a possibilidade de o profissional aperfeiçoar-se, fazendo cursos, seminários, pós-graduações, sejam elas em sentido stricto sensu ou latu sensu. Além do mais, para demonstrar sua notoriedade, o profissional pode publicar obras de cunho científico e outros trabalhos que comprovem seu conhecimento vasto sobre a matéria, mostrando que é o profissional mais adequado a ser contratado. Temos também a questão da confiança. Deverá haver confiança entre o gestor público que contrata e o advogado contratado. Afinal, os interesses públicos estão vinculados a tal contratação. Por fim, a inviabilidade de competição se dá quando se torna impossível competir trabalhos intelectuais. A prestação de serviços dos advogados se dá de forma totalmente intelectual. Não existe uma fórmula a ser seguida. O advogado está em processo contínuo de criação intelectual. Assim, é inviável a competição. No caso de contratação de assessoria jurídica, nem sempre o menor preço traduz-se no melhor contrato. O que se busca neste tipo de contratação é a qualidade dos serviços a serem prestados, e não o menor preço ofertado. Assim, conclui-se pela viabilidade da contratação direta, pelo princípio da inexigibilidade de licitação, de advogados ou escritórios jurídicos para a prestação de assessoria aos Municípios. Não incorrerá o gestor público em crime de improbidade administrativa.
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Princípios sistêmicos da administração pública
Resumo – O presente artigo aborda, de maneira eficiente e dinâmica, os essenciais e mais relevantes aspectos dos princípios sistêmicos da Administração Pública. A escorreita análise e observação de referenciados princípios são de fundamental importância para o estudo e compreensão do Direito Administrativo. Por princípios sistêmicos da Administração Pública entendem-se aqueles disciplinados no caput do artigo 37 da Constituição Federal, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Direito Administrativo
Introdução Os princípios são fundamentos de validade e verdades fundantes, inerentes a qualquer ciência. Nesse sentido, representam o sustentáculo de determinada ciência e seus sistemas. Na ciência jurídica não haveria de ser diferente, vez que os princípios orientam a aplicação e elaboração da lei, preenchendo ainda lacunas legislativas quando necessário. Os princípios do Direito Administrativo estão previstos ao longo de todo o texto constitucional, implícita ou explicitamente. Dentre os princípios expressos, trataremos daqueles disciplinados no artigo 37, caput, da Constituição Federal, a saber: (i) legalidade; (ii) impessoalidade; (iii) moralidade; (iv) publicidade, e (v) eficiência. Os princípios expressos no artigo 37 são aqueles que comumente atribuem-se a sigla “LIMPE”, diante da adoção da primeira letra de cada um dos princípios (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência). Consoante determinação também expressa na Constituição Federal, referenciados princípios deverão ser obedecidos pela administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 1. Princípio da Legalidade O artigo 5º, II, da Constituição Federal, dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” consagrando a legalidade como princípio geral do Direito. No âmbito privado, aplicando-se o princípio da legalidade, tem-se que o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Entretanto, o princípio atinge outra dimensão quando se trata do setor público. Cabe ao administrador público a escorreita execução da lei e por esse motivo que apenas pode fazer o que a lei permite. Ou seja, no silêncio da lei, o comportamento estará vedado. Hely Lopes Meirelles consagra, em festejada conceituação, o emprego do princípio da legalidade em âmbito privado e público ao disciplinar que “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza[1]”. Dessa forma, em síntese, entende-se que o princípio da legalidade, quando aplicado no âmbito público, garante a adstrição do administrador aos comandos legais. 2. Princípio da Impessoalidade O princípio da impessoalidade é decorrência do princípio da igualdade e determina a imparcialidade no exercício da função administrativa, com a adoção de “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades” (Lei nº 9.784/99, artigo 2º, parágrafo único, III). Este princípio é aplicado de maneira dúplice: tanto em face do administrado quanto do administrador. No que toca aos administrados, o princípio determina que não sejam observadas suas características pessoais e, em relação ao administrador público, este não pode exercer a função administrativa impregnando-a de suas características pessoais. Ainda em relação ao administrador público, um dos aspectos do princípio da impessoalidade, assegura que realizações não serão atribuídas à pessoa física do agente, mas sim à pessoa jurídica a qual estiver ligado. Desdobramento importante do princípio da impessoalidade é aquele inserto no parágrafo 1º, artigo 37 da Constituição Federal, que impede a promoção pessoal do agente público. Referido dispositivo constitucional estabelece que “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Nota-se a evidente preocupação do legislador em coibir propagandas que pudessem associar obras governamentais ao agente responsável por seus implementos. A jurisprudência tem reconhecido a ofensa ao princípio da impessoalidade quando o agente utiliza, por exemplo, as cores de sua campanha partidária para pintar equipamentos públicos, visando a autopromoção. Confira-se, nesse sentido: “EMENTA AÇÃO POPULAR. Município de São Vicente. Uso de recursos públicos com objetivo de autopromoção. Pintura de equipamentos públicos, confecção de uniformes escolares e propaganda institucional com a cor roxa da campanha eleitoral do atual Prefeito. Ofensa ao artigo 37, § 1º, da Constituição Federal. Retorno ao status quo ante às expensas do agente público e ressarcimento dos gastos correspondentes. Descabidas sanções da Lei 8429/1992 no âmbito da ação popular. Recurso e reexame necessário a que se dá parcial provimento para julgar procedente em parte a demanda”[2]. [grifamos] A doutrina e a jurisprudência têm assegurado, justamente, a aplicação do princípio da impessoalidade para o fim de impedir a promoção pessoal dos administradores e o tratamento equânime a todos os administrados. 3. Princípio da Moralidade Toda atuação pública deve seguir a lei, mas também deve pautar-se em comportamentos éticos, na chamada moralidade administrativa. Deve-se levar em conta que a moral administrativa difere da moral ordinária, tendo em vista que a primeira exige estrito respeito ao decoro, boa-fé, honestidade e probidade.   Hely Lopes Meirelles, citando Maurice Hauriou, bem conceitua a moral administrativa como “o conjunto de regras de condutas tiradas da disciplina interior da Administração Pública[3]”.  Significa dizer, dessa forma, que a moral administrativa busca sua validade e parâmetros conceituais no regramento jurídico administrativo, nas normas positivadas, bem como nos princípios da Administração Pública. Alguns instrumentos constitucionais asseguram a aplicação do princípio da moralidade, dentre os quais a ação popular. A ação popular, nos termos do artigo 5º, LXXIII, Constituição Federal, pode ser proposta por qualquer cidadão visando “anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (…)”. É possível verificar, diante de todo o exposto acima, a importância crucial do princípio da moralidade administrativa, que servirá de critério para a atuação da Administração Pública. 4. Princípio da Publicidade O princípio da publicidade impõe ao administrador a obrigatoriedade de tornar seus atos públicos com a finalidade de dar-lhes a maior transparência possível, bem como possibilitar que produzam efeitos em relação a outrem. Hely Lopes Meirelles entende que a “publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos[4]”. No entanto, há exceções ao princípio da publicidade, devendo os atos permanecer sigilosos para segurança do Estado e da sociedade ou para proteção da intimidade ou privacidade. Comumente se verifica o equívoco de igualar os conceitos de publicidade e publicação. Ocorre, no entanto, que referidos conceitos não são sinônimos. Nesse sentido, Gustavo Scatolino disciplina que “publicação não é sinônimo de publicidade. A publicação é a divulgação do ato nos meios oficiais (ex.: Diário Oficial da União), tratando-se de uma forma de publicidade[5]”. 5. Princípio da Eficiência O princípio da eficiência foi acrescido ao caput do artigo 37 pela Emenda Constitucional 19/1998 e apregoa que o ato administrativo deve ser adequado ao melhor que a Administração Pública possa fazer, sopesando-se meios utilizados e fins a serem atingidos. Para Hely Lopes Meirelles, o princípio da eficiência “deve ser entendido e aplicado no sentido de que a atividade administrativa (causa) deve buscar e produzir um resultado (efeito) razoável em face do atendimento do interesse público visado[6]”. Diante da inércia da Administração Pública em fornecer documento à ex-servidora pública, a jurisprudência reconheceu a ofensa ao princípio da eficiência. Veja-se: “EMENTA REEXAME NECESSÁRIO MANDADO DE SEGURANÇA EX-SERVIDORA ESTADUAL – Expedição de Certidão de Tempo de Serviço, para formalizar pedido de aposentadoria perante o INSS – Inércia da Administração, que não forneceu a certidão e nem fixou prazo para fazê-lo, sob o fundamento de acúmulo de serviço – Inadmissibilidade – Não pode o particular aguardar indefinidamente o fornecimento dos dados solicitados, devendo a Administração Pública respeitar um prazo razoável para o fornecimento do documento – Violação a direito líquido e certo da requerente, consagrado pelo art. 5º, XXXIV, 'b', da Lei Maior –  Inércia do órgão público que representa flagrante desrespeito ao princípio constitucional da eficiência, que rege a Administração Pública (art. 37) – Concessão da segurança para a imediata entrega do documento – Decisão mantida – Reexame necessário não provido”[7]. [grifamos] Embora seja o mais moderno dos princípios da Administração Pública, o princípio da eficiência deve pautar todos os atos administrativos. Dessa forma, aguarda-se que a atividade administrativa seja exercida “com presteza, perfeição e rendimento funcional[8]”. Conclusão Nota-se pelo atento estudo dos principais elementos dos princípios expressos ou sistêmicos da Administração Pública a importância basilar que constituem, devendo o administrador aplicá-los da maneira mais integral possível. O presente artigo busca direcionar o caminho do estudante no estudo destes princípios e da Administração Pública como um todo, mas sem pretensão alguma de esgotar o tema. É importante que se busque conhecer e estudar também os demais princípios expressos e implícitos da Administração Pública, bem como proceder com leitura direcionada, principalmente, à Constituição Federal.
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Aspectos gerais da Lei de Improbidade Administrativa à luz da Constituição Federal de 1.988
Este trabalho científico se propõe a trazer aos leitores, de forma objetiva, aspectos gerais da Lei de Improbidade Administrativa à luz da Constituição Federal vigente. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92, LIA) traz em seu bojo os agentes ativos e passivos, divide os atos ilícitos em três modalidades: os atos que importam enriquecimento ilícito; os atos que causam prejuízo ao erário e os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. A mencionada lei trata ainda das sanções pela prática de atos ímprobo, bem como de suas respectivas prescrições. Utilizou-se como metodologia para criar o presente artigo da leitura de livros notadamente de Direito Administrativo e Improbidade Administrativa, foi realizada também pesquisa sobre o tema em leis (especialmente a LIA), artigos e revistas especializadas. Outrossim, importante mencionar que a presente pesquisa sobre a Improbidade Administrativa se justifica pelo fato de a República Federativa do Brasil estar passando por um sensível período em suas instituições devido a reiterada prática de corrupção, por exemplo os casos do “mensalão e da lava jato”. A ação de improbidade surgiu como um instrumento de combate e ressarcimento ao erário por prática desse tipo de comportamento ilícito.
Direito Administrativo
Introdução Este trabalho cientifico se propõe a fazer uma análise acerca da Lei de Improbidade Administrativa à luz da Constituição Federal, tendo em vista sua importante função de prevenção e repressão à corrupção na República Federativa do Brasil, país que possui um dos maiores índices de desvio de dinheiro público no cenário mundial. Primeiramente, buscou-se fazer uma abordagem acerca da Lei Improbidade Administrativa (LIA, Lei nº 8.429/92), com explanação dos seus principais elementos e características. Diante desse contexto, esse trabalho foi elaborado da seguinte forma: inicialmente, buscou-se um estudo sobre as noções gerais da Lei de Improbidade (sujeitos, atos ímprobos, sanções e prescrição), posteriormente, foi elaborado um estudo sobre a relação dessa Lei com preceitos constitucionais acerca do tema. Utilizou-se de metodologia de pesquisa qualitativa, com método dedutivo, para se fazer a citada análise de pesquisa. Assim foi realizada a leitura de livros, notadamente de Direito Constitucional, Direito Administrativo e de Improbidade Administrativa, bem como pesquisa sobre o tema em leis (especialmente a LIA), artigos e revistas especializadas. Outrossim, importante mencionar que a presente análise acerca da Lei de Improbidade Administrativa se justifica pela constante dificuldade que os operadores do direito possuem quando se deparam com a matéria na aplicação dos casos em concreto. 1 Aspectos gerais da Lei de Improbidade Administrativa à luz da Constituição Federal de 1.988 A Constituição Brasileira cidadã inovou ao introduzir o ato de improbidade no capítulo da Administração Pública. No entanto, antes de sua promulgação, já havia no direito brasileiro positivo, desde longa data, normativa prevendo sanções para os atos que importassem prejuízo para a Fazenda Pública e locupletamento ilícito para o indiciado (Decreto-lei nº 3.240/41, Constituição Federal de 1946, Lei nº 3.164/57, Lei nº 3.502/58, Constituição Federal de 1967, Ato Institucional nº 5/68). De acordo com a doutrinadora, DI PIETRO (2015, p. 974), com a Carta Magna de 1988, foi previsto o princípio da moralidade no artigo 37, caput, entre os princípios a que se sujeita a Administração Pública direta e indireta de todos os níveis de Governo e, no artigo 5º, inciso LXXIII, foi inserida, como fundamento para propositura da ação popular, a lesão à moralidade administrativa. A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição foi um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e à impunidade no setor público. A inserção desse princípio da moralidade na Constituição é alinhada com a evolução do princípio da legalidade ocorrida no sistema jurídico de outros países, evolução essa que levou à instituição do Estado Democrático de Direito, expressamente consagrado no preâmbulo da Carta Política atual e em seu artigo 1º. Além disso, a teor do §4º, do mesmo artigo 37 da CF, os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Por sua vez, o art. 15 da CF, ao indicar os casos em que é possível a perda ou suspensão dos direitos políticos, expressamente inclui, no inciso V, a improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º. A Lei que regulamenta o art. 37, § 4º da Carta Magna é a de nº 8.429/92, denominada Lei de Improbidade Administrativa (LIA), a qual traz em seu bojo os agentes que compõem o polo passivo e ativo, bem como os atos que podem ensejar a propositura da Ação de Improbidade e suas respectivas sanções. Pode-se definir improbidade administrativa como a violação dos deveres de honestidade, legalidade ou lealdade por parte de agente público cumulada ou não com o seu enriquecimento ilícito ou dano material ao patrimônio público. Pode se afirmar que a Lei de Improbidade surgiu com objetivo de conter o avanço da corrupção neste país, pois, recentemente, deflagrou-se várias operações milionárias por desvio de dinheiro público, como o “mensalão e a lava jato, por exemplo” Desse modo, a Ação de Improbidade apresenta-se como um eficiente instrumento de prevenção e combate à corrupção, pois além de exigir dos governantes e contratados do serviço público conduta proba, ainda prevê sanções pela a prática de ilícitos, entre elas encontram-se o ressarcimento ao erário e a perda do cargo ou função pública. 1.1 Os sujeitos dos atos de Improbidade Administrativa 1.1.1 Sujeito Passivo De acordo com ALVES e GARCIA (2015, p. 313), violado o preceito proibitivo previsto na norma, ter-se-á a lesão ao bem jurídico tutelado, e, por via reflexa, ao direito de outrem. Em casos tais, o titular do bem jurídico ameaçado ou violado pela conduta ilícita recebe a denominação de sujeito passivo material. Ainda segundo esses doutrinadores (2015, p. 313) tratando-se de norma de natureza cogente, cuja aplicação não possa ser afastada pela vontade dos interessados, qualquer que seja o bem atingindo, o Estado sempre estará presente como sujeito passivo formal, já que a norma violada fora por ele estatuída. No caso dos atos de improbidade, o artigo 1º da Lei 8.429/92 (BRASIL, on line) indica as entidades que podem ser atingidas por tais atos, com a seguinte redação: “Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.” Como se pode constatar do artigo acima transcrito, as entidades protegidas pela lei são praticamente as mesmas protegidas pela Lei nº 4.717/65, que disciplina a ação popular (BRASIL, on line). No entanto, o objeto da lei da ação popular é a anulação do ato lesivo e o ressarcimento ao erário, já a lei de improbidade tem como objeto a aplicação de medidas sancionatórias e o ressarcimento ao erário. Pela citação, observa-se que o sujeito passivo abrange todas as pessoas jurídicas públicas compreendendo: a) a administração direta e indireta de qualquer dos poderes da união, dos Estados, dos municípios ou do distrito Federal; b) as empresas que, mesmo não integrando a administração indireta e não tendo a qualidade de sociedade de economia mista ou empresas públicas, pertencem ao Poder Público, porque a ele foram incorporadas; c) as empresas para cuja criação o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, ou que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público. Vale ressaltar, por fim que, consoante o art. 17 da LIA, “a ação principal por ato de improbidade, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar”. 1.1.2 Sujeito Ativo A Lei de Improbidade Administrativa, ou seja, a Lei nº 8.429/92 (BRASIL, on line), considera atos de improbidade os praticados por agentes públicos, com ou sem o auxílio de terceiros, assim dispondo em seu artigo 2º: “Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” Como se observa pela análise desse dispositivo, e bem elucidado por ALVES e GARCIA (2015, p. 343), a concepção de agente público não foi construída sob uma perspectiva meramente funcional, sendo definido o sujeito ativo a partir da identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, havendo um nítido entrelaçamento entre as duas noções. Qualquer pessoa que preste serviço ao Estado é considerado agente público, incluindo, de acordo com DI PIETRO (2015, p. 981), as modalidades: a) agentes políticos (parlamentares de todos os níveis, Chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal, Ministros e Secretários dos Estados e dos Municípios); os servidores públicos (pessoas com vínculo empregatício, estatutário ou contratual, com Estado); c) os militares (que também têm vínculo estatutário, embora referidos na constituição fora da seção referente aos servidores públicos): e d) os particulares em colaboração com o Poder Público (que atuam sem vínculo de emprego, mediante delegação, requisição ou espontaneamente) Com efeito, estão sujeitos às sanções previstas na Lei de Improbidade, não só os agentes públicos, mas também os agentes que exercem atividade junto à administração direta ou indireta e aqueles que não possuem qualquer vínculo com o Poder Público, exercendo atividade eminentemente privada junto a entidades que, de qualquer modo, recebem numerário de origem pública (perspectiva patrimonial). De acordo com ALVES e GARCIA (2015, p. 343), trata-se de conceito muito mais amplo do que o utilizado pelo artigo 327 do Código Penal, o qual considera funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. 1.2 Dos atos de improbidade administrativa Os atos de improbidade administrativa estão elencados na Lei 8.429/92, divididos em três modalidades: a) os que importam enriquecimento ilícito; b) os que causam prejuízo ao erário e, c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública. 1.2.1 Dos atos que importam enriquecimento ilícito Pelo disposto no artigo 9º da LIA (BRASIL, on line): “Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado; XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.” A leitura dos tipos descritos nesse artigo aponta não ser relevante se, com sua conduta, o agente público causou ou não prejuízo ao patrimônio público, não obstante ser evidente a ocorrência do prejuízo, em alguns casos, como aqueles em que há percepção de vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços por preço superior ao valor de mercado (inciso II) ou percepção de vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado (inciso III). O art. 21, I, da Lei de Improbidade (BRASIL, on line) é expresso no sentido de que a aplicação das sanções nele previstas, independe de efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento. O que dever ser provado, de fato, é que o agente público enriqueceu ilicitamente, auferindo vantagens indevidas, por meio do exercício ou pelo menos em razão do exercício de uma função pública. 1.2.2 Dos atos que causam prejuízo ao erário A tipologia dos atos lesivos ao patrimônio público está prevista no artigo 10 da LIA (BRASIL, on line), dispositivo que está assim redigido:  “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei; XVI – facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XVII – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XVIII – celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XIX – agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; XX – liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XXI – liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;” De acordo com ALVES e GARCIA (2015, p. 411) “[…] a noção de dano não se encontra adstrita à necessidade de demonstração da diminuição patrimonial, sendo inúmeras as hipóteses de lesividade presumida previstas na legislação. Como conseqüência da infração às normas vigentes, ter-se-á a nulidade do ato, o qual será insuscetível de produzir efeitos jurídicos válidos. Tem-se, assim, que qualquer diminuição do patrimônio público advinda de ato inválido será ilícita, pois “quod nullum est, nullum producit effectum[1]” Desse modo, esse artigo 10 inaugura o tópico da lei reservado aos atos lesivos ao erário. Embora a preocupação maior da lei da probidade administrativa seja direcionada aos valores morais da Administração Pública, inseriu acertadamente em seu bojo esta modalidade ou espécie de improbidade administrativa, que configura a repressão à ruinosa gestão do patrimônio público, integrando-se ao sistema da ação popular. 1.2.2.1 Amplitude da noção de patrimônio público Ainda de acordo com esses doutrinadores (2015. p. 412), erário e patrimônio, em rigor técnico, não designam objetos idênticos, sendo este mais amplo do que aquele, abrangendo-o. Entendendo por erário o conjunto de bens e interesses de natureza econômico-financeira pertencentes ao Poder Público Patrimônio Público pode ser definido, de acordo com o art. 1º da Lei nº 4.717/65 (BRASIL, on line), como sendo os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico pertencentes ao Poder Público. O vocábulo “erário” é utilizado como sendo substantivo designador das pessoas jurídicas que compõem a administração direta e indireta (compreendendo as pessoas elencadas no citado art. 1º da LIA), Nesse sentido, vale frisar o entendimento de ALVES e GARCIA (2015, p. 414) “[…] podem ser assentadas as seguintes conclusões: a) ao vocábulo erário, constante do art. Art. 10, caput, da Lei 8.429/92, deve-se atribuir a função de elemento designativo dos entes elencados no art. 1º, vale dizer, dos sujeitos passivos dos atos de improbidade; b) a expressão perda patrimonial, também constante do referido dispositivo, alcança qualquer lesão causada ao patrimônio público, concebido este em sua inteireza.” 1.2.3. Dos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. O art. 11 da Lei 8.429/98 (BRASIL, on line) trouxe em seu bojo, de acordo com a interpretação de MARTINS JÚNIOR (2009, p. 279), novidade ao sistema repressivo da improbidade administrativa, dirigido contra o comportamento omissivo ou comissivo violador dos princípios que regem a Administração Pública e dos deveres impostos aos agentes públicos em geral. Esse artigo traz a seguinte redação: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV – negar publicidade aos atos oficiais; V – frustrar a licitude de concurso público; VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço; VIII – descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; IX – deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação” (BRASIL, on line). Com efeito, pode-se afirmar que os atos de improbidades não se resumem apenas em enriquecimento ilícito ou causar danos ao erário público, incluem-se, ainda, entre eles os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. Segundo MARTINS JÚNIOR (2009, p. 279- 280) “A violação de princípio é o mais grave atentado cometido contra a Administração Pública, porque é a completa e subversiva maneira frontal de ofender as bases orgânicas do complexo administrativo. Grande utilidade fornece a conceituação do atentado contra os princípios da Administração Pública como espécie de improbidade administrativa, na medida em que inaugura a perspectiva de punição do agente público pela simples violação de um princípio, para assegurar a primazia dos valores ontológicos da Administração Pública, que a experiência mostra tantas e tantas vezes ofendidos à míngua que qualquer sanção. A inobservância dos princípios acarreta agora responsabilidades, pois o art. 11 censura “condutas que não implicam necessariamente locupletamento de caráter financeiro ou material […]” Esses princípios, elencados no artigo 11 da LIA, são exemplificativos, traduzindo de forma bem abrangente a preocupação com a violação ao princípio da moralidade administrativa. De acordo com o doutrinador, anteriormente citado (2009, p. 283): “[…] os cogitados no art. 11 são, em verdade, também deveres do agente público de observância indeclinável, consistindo em conceitos de significação fornecida pela ética administrativa. Em essência, transcendem a noção de legalidade constante do art. 11, caminhando para o campo da moralidade administrativa: honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições, de modo a evitar a dispensa de tratamento diferenciado através de perseguições e favorecimentos e exigir a fiel e estrita observância de todas as regras éticas inerentes à Administração Pública. Imparcialidade, honestidade e lealdade prendem-se, necessariamente, aos conceitos de moralidade e probidade. O art. 11 censura condutas consideradas imorais ou ilegais, dispensando a relevância da produção de resultado nocivo na órbita das relações da administração Pública. O resultado poderá até ser lícito, porém, se imoral, consistirá o ato em violação dos princípios e, portanto, improbidade administrativa.” Vale à pena gizar que, como esse artigo não é exaustivo no que tange aos princípios da administração pública, sua aplicação deve ser feita com bastante cautela, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares. 1.3 Das sanções Após citar de forma enunciativa as três ordens dos atos de improbidade, faz-se necessário descrever as consequências que estarão passíveis as pessoas que os praticam. À luz da Constituição Federa, art. 37, § 4º, os atos de improbidade importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Nesse mesmo giro, aduz DI PIETRO (2015, p. 977), que a natureza das medidas supracitadas está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter consequências na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos ´políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário. Com efeito, a violação do dever de probidade administrativa possibilita, ainda, persecução judicial para a imposição das sanções previstas na Lei Federal nº. 8.429/92, aos seus responsáveis. Se o ato de improbidade, de acordo com a Lei, causar enriquecimento ilícito de agente público, as sanções impostas serão as insculpidas no art. 12, I. Se caracterizar lesão ao erário, incidirá o art. 12, II, e, por fim, se configurar mero atentado aos princípios da Administração Pública, o caso será de aplicação das sanções dispostas no art. 12, III. Para melhor elucidação sobre o tema em debate, destaca-se o inteiro teor do art. 12 da LIA: “Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”. Impende ressaltar que, no que tange ao ressarcimento do dano, trata-se de uma forma de recompor o patrimônio lesado. Seria cabível, ainda que não previsto na Carta Magna, já que decorre do artigo 159 do Código Civil de 1916, o qual consagrou, no direito positivo, o princípio geral do direito segundo o qual quem quer que cause dano a outrem é obrigado a repará-lo. A norma repete-se no artigo 186 do novo Código Civil, com o acréscimo de menção expressa ao dano moral. 1.4 Da Prescrição estabelecida na Lei de Improbidade Administrativa Uma vez cometido o ato ímprobo, surge para o Estado o dever-poder de exercer a pretensão punitiva em face do responsável, através do exercício da função jurisdicional civil, consoante a Lei nº 8429/92. Essa pretensão, no âmbito do Estado democrático de direito encontra limitação temporal para se concretizar (OLIVEIRA, 2009). No ponto, cumpre ressaltar que a matéria abordada encontra-se disciplinada inicialmente no artigo 37, §5º, da Constituição Federal da seguinte forma: “§ 5º – A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Da simples leitura do artigo colacionado, infere-se que a intenção da Carta Magna foi transferir para o legislador ordinário a tarefa de fixar prazos de prescrição para os ilícitos praticados por agentes públicos causadores de prejuízos aos cofres públicos. Destaca-se que o referido preceito constitucional, prevê duas situações distintas: uma relativa à sanção pelo ato ilícito, outra relacionada à reparação do prejuízo. Na primeira hipótese, o artigo 23 da LIA encarregou-se de fixar os prazos prescricionais; na segunda, garantiu-se a imprescritibilidade das ações, medida considerada imprópria, pois a regra é inversa, vigorando em outras situações legais a prescritibilidade, mas como veio previsto na Carta Política de 88, não há que infirmar o transcurso do tempo como pseudo barreira para a reposição ao erário de valores que lhes foram lesados (MATTOS, 2005). Diante disso, o mencionado artigo se aplica de modo integral aos atos de improbidade administrativa, não sendo inconstitucional, ao passo que o ressarcimento de prejuízo ou lesão ao erário não possui o limite de marco temporal, devendo ser ajuizado a qualquer tempo, não se confundindo com o procedimento da ação de improbidade. Acerca do assunto, o artigo 23 da LIA traz ainda dois limites de tempo para propor a ação: o prazo de 05 (cinco) anos para a manifestação da ação competente, a iniciar do término de mandato, de cargo em comissão, ou de função gratificada; e o limite estabelecido para a prescrição das faltas disciplinares, cuja pena é a demissão a bem do serviço público, para os casos de exercício de cargo efetivo o de emprego (RIZARDO, 2009): “Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego”. Nesse caminho, quanto ao início do prazo, pretendendo alguma sanção contemplada na referida lei com a ação civil, seja qual for, exceto se meramente indenizatória ou de reposição de valores desviados, tem incidência a prescrição, a qual se inicia a partir do término do mandato, quando se tratar de função de caráter temporário; ou do momento do conhecimento da infração por parte da administração pública (artigo 142, §1º da Lei nº 8.112/90), se efetivo o exercício do cargo ou do emprego. CONCLUSÃO Com o surgimento da onda de corrupção que assola a República Federativa do Brasil, buscou-se mecanismo de prevenção e sanção por prática de condutas ímprobas que causam enormes prejuízos às pessoas deste país. Dessa forma, na medida em que se passaram os anos, foram surgindo institutos jurídicos para prevenir e buscar reparação por essas práticas ilícitas. Dentro desse cenário, surgiu a ação de improbidade administrativa. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92, LIA) divide os atos ilícitos em três modalidades: os atos que importam enriquecimento ilícito; os atos que causam lesão ao erário, ensejando perda patrimonial, e os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, Os atos que importam enriquecimento ilícito estão elencados de forma exemplificativa no artigo 9º da LIA, esse artigo busca sancionar qualquer ação ou omissão que possibilite ao agente público auferir uma vantagem não prevista em lei. Os atos que causam prejuízo ao erário estão inseridos, de forma não taxativa no artigo 10 da LIA, o qual diz respeito ao ato dos agentes públicos que causa lesão ao erário por qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseja perda patrimonial, desvio, apropriação ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º da LIA. O último ato ilícito trazido pela LIA, artigo 11, trata-se dos atos inseridos de forma exemplificativa, que atentam contra os princípios regentes da atividade estatal. Nesse sentido, entende-se que os princípios que regem a atividade estatal não são apenas os elencados no art. 37, caput, da Constituição da República. Se o ato de improbidade, de acordo com a LIA, causar enriquecimento ilícito de agente público, as sanções impostas serão as insculpidas no art. 12, I. Se caracterizar lesão ao erário, incidirá o art. 12, II, e, por fim, se configurar mero atentado aos princípios da Administração Pública, o caso será de aplicação das sanções dispostas no art. 12, III. Por fim, restou demonstrado que o artigo 23 da LIA traz dois limites de tempo para propor a ação: o prazo de 05 (cinco) anos para a manifestação da ação competente, a iniciar do término de mandato, de cargo em comissão, ou de função gratificada; e o limite estabelecido para a prescrição das faltas disciplinares, cuja pena é a demissão a bem do serviço público, para os casos de exercício de cargo efetivo o de emprego
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Orientações para contratação de serviços de hotéis pelos órgãos do poder público
A contratação pelos órgãos do Poder Público exige procedimento licitatório, como regra. Em algumas hipóteses previstas em lei a licitação poderá deixar de ser realizada. A contratação de hotéis para serviços de hospedagem, alimentação ou locação de espaços para eventos podem ser contratados pelo Poder Público, respeitando os Princípios da Moralidade e da Legalidade.
Direito Administrativo
Professor de Direito Administrativo. Pós-Graduado em Licitações e Contratos Públicos pela Fundação Getúlio Vargas. Foi Procurador Municipal. Autor, dentre outros, dos livros “Lei de Licitações comentada segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais” e “Lei de Licitações comentada segundo a jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo”
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A (des)aplicação do princípio constitucional da eficiência na administração pública
Este trabalho tem como objetivo apresentar conceito do princípio da Eficiência na Administração Pública e a ausência de aplicação desse princípio Constitucional no exercício da Administração Pública. Para tal utiliza as teorias de Zanella (2014), Alexandre (2015), Meireles (2009), entre outros.[1]
Direito Administrativo
Introdução A Administração Pública, assim como qualquer outro conjunto de órgãos, possui direitos e deveres que devem ser respeitados e compridos. Para funcionar ela necessita ter alguma base. Assim como a Constituição Federal de 1988 tem nos artigos 1º a 4º seus princípios fundamentais que servem como base para todo o ordenamento legal presente nela, a Administração Pública também possui seu conjunto de princípios. Temos como princípios da Administração Pública, previstos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 a Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. No presente artigo iremos tratar apenas do princípio da Eficiência. Tal princípio exige que o Estado exerça uma boa administração. "O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros" (MEIRELLES, 2009, p.98). Quase da mesma forma que uma empresa privada exige de seus funcionários um rendimento maior e um serviço de qualidade a Administração Pública também passou a exigir de seus integrantes rendimento, celeridade e qualidade nos serviços. O princípio em questão, se aplicado garante um excelente serviço para a sociedade. Será que a Administração Pública põe em prática efetivamente tal princípio? 1. O PRÍNCIPIO DA EFICIÊNCIA O princípio da Eficiência é um dos mais importantes para o funcionamento da Administração Pública como um todo. Ele tem relação direta com a gestão dos interesses públicos visto que trata da forma com que o Estado movimenta sua máquina e se relaciona com a sociedade. “Entendida, assim, a eficiência administrativa, como a melhor realização possível da gestão dos interesses públicos, posta em termos de plena satisfação dos administrados com os menores custos para a sociedade, ela se apresenta, simultaneamente, como um atributo técnico da administração, como uma exigência ética a ser atendida, no sentido weberiano de resultados, e, coroando a relação, como uma característica jurídica exigível, de boa administração dos interesses públicos. Embora já praticado no âmbito da proteção do consumidor, e doutrinariamente reconhecido nas obras dos administrativistas mais recentes, o certo é que, uma vez constitucionalmente consagrado este dever de eficiência do setor público, conotado aos interesses da sociedade, sempre que possa ser objetivamente aferível, passou a ser um direito da cidadania”. (MOREIRA NETO, 2014, p. 183) Vale lembrar que apesar de não existir hierarquia entre os princípios a Eficiência deve ser aplicada em todas as áreas da Administração Pública dentro dos limites legais. Esses definidos e baseados pelo princípio da Legalidade. A ideia de Eficiência pode divergir a depender do ponto de vista que esteja em discussão. Alguns podem dizer que ser eficiente é produzir com qualidade, mesmo que de forma mais lenta. Outros preferem defender que é preciso ter mais agilidade para poder atender um maior número de pessoas. E há quem defenda que apenas a união da qualidade e celeridade alcança a eficiência. “O conteúdo do princípio da eficiência diz respeito a uma administração pública que prime pela produtividade elevada, pela economicidade, pela qualidade e celeridade dos serviços prestados, pela redução dos desperdícios, pela desburocratização e pelo elevado rendimento funcional. Todos estes valores encarnam o que se espera de uma administração eficiente, que em última análise pode ser resumida na seguinte frase: “fazer mais e melhor, gastando menos”.” (ALEXANDRE, 2015, p. 204) Mas é preciso lembrar que a eficiência na Administração Pública não pode ser equiparada a eficiência presente nas empresas privadas. Isto porque elas têm o objetivo maior de lucrar e a Administração Pública tem como maior objetivo manter o Estado em funcionamento. “O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”. (ZANELLA, 2014, p. 84-85) O Estado tem interesses que vão além da arrecadação. Servir as necessidades sociais e do Estado devem ser prioridades nesse setor. Mazza (2014) completa o entendimento da função do princípio da Eficiência ao dizer que: “É impossível deixar de relacionar o princípio da eficiência com uma lógica da iniciativa privada de como administrar. Porém, o Estado não é uma empresa; nem sua missão, buscar o lucro. Por isso, o princípio da eficiência não pode ser analisado senão em conjunto com os demais princípios do Direito Administrativo. A eficiência não pode ser usada como pretexto para a Administração Pública descumprir a lei.  Assim, o conteúdo jurídico do princípio da eficiência consiste em obrigar a Administração a buscar os melhores resultados por meio da aplicação da lei”. (MAZZA, 2014, p. 107-108) Além de fazer parte da lei de forma expressa, tal princípio encontra-se integrado ao mais importante ordenamento jurídico nacional. O princípio da Eficiência não foi colocado na Carta Magna de forma aleatória. Ele surgiu de uma necessidade do Estado. “(…)a colocação da palavra eficiência no caput do art. 37 da Constituição como o ato de fincar uma bandeira naquele local, mas sem descuidar de espalhar no texto constitucional novos institutos, novas regras aptas a buscar a concretização real do princípio.” (ALEXANDRE, 2015, p. 204) A apresentação desse princípio do rol de princípios que devem ser respeitados pela Administração Pública na forma de seus integrantes levanta um questionamento. Não deveria ser algo óbvio o dever da Administração Pública de ser eficiente? 2.  APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Os princípios são normas jurídicas que exigem cautela, relação direta com a prática, aplicação tópica e complementação. Eles não são absolutos em sua aplicabilidade, mas seus efeitos devem ser irradiados nos serviços e trabalhos da Administração Pública. A existência desse princípio previsto na Constituição Federal não pode ser considerada de efeito meramente decorativo. Deve a Administração buscar formar de aplicar e fiscalizar a aplicação dele junto aos seus integrantes. A capacitação dos profissionais da Administração, a melhor organização de setores e distribuição de tarefas são exemplos de ações que podem ser tomadas pelo Estado para garantir o exercício da Eficiência. Há muitas reclamações referentes ao péssimo atendimento nos órgãos da Administração Pública. A má qualidade no atendimento tem origem nos profissionais, no tempo de espera, no retorno muitas vezes inexistente quando alguém busca o serviço público. “Nesse contexto, podemos citar as seguintes regras introduzidas no nosso ordenamento jurídico com o objetivo de tornar mais eficiente a prestação de serviços públicos: Para adquirir estabilidade o servidor público necessariamente terá que passar por uma avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (CF, art. 41, § 4.º);  Mesmo após a aquisição da estabilidade, o servidor não pode relaxar, estando sujeito a avaliação periódica de desempenho, podendo vir a perder o cargo, no caso de insuficiência, assegurada ampla defesa (CF, art. 41, § 1.º, III); A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ficaram obrigados a manter escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos em um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados; Passou a existir a possibilidade de ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta, mediante contrato de gestão, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para órgão ou entidade.” (ALEXANDRE, 2015, p. 204-205) Embora o ordenamento brasileiro traga a formula para a melhora a efetividade da aplicação e fiscalização deixa a desejar. Mesmo não sendo uma empresa privada e preocupada com a concorrência a Administração Pública deve buscar a todo instante a evolução do seu serviço. Não se trata aqui de observar apenas os cuidados nas áreas de atendimento ao cliente. Setores internos refletem nos setores externos sendo, portanto necessário também uma organização maior de forma que possam ver o trabalho com metas de qualidade a cumprir. A aplicação de metas no serviço público não seria para sobrecarregar o servidor. Teria como função desafogar a Administração de atividades acumuladas, retirar a sobrecarga de serviço de alguns setores e distribuir as funções de forma mais metódica. Além disso o Estado também poderia buscar na iniciativa privada modelos positivos de eficiência. Não significaria que o Estado estarei a se submeter ao setor privado, apenas estaria a se apropriar de algumas ideias que poderiam ser posteriormente aproveitadas de forma adaptada as necessidades do Estado. O aparelhamento estatal ainda é muito burocrático. Não há nada errado em ser burocrático, até porque muitas fraudes e falhas são evitadas por conta da burocracia exigida em diversos serviços. O problema dela na Administração Pública é que muitas vezes não é aplicada de forma proveitosa. Muitas vezes as etapas burocráticas de um serviço ferem diretamente o princípio constitucional da Eficiência na Administração pública por não aplicar economia de recursos, celeridade no serviço e qualidade no serviço. O excesso de burocracia muitas vezes submete a sociedade a situações indignas. É esse tipo de ocorrência que faz a sociedade descontar as frustrações com o serviço nos agentes do Estado. O retorno disso são funcionários cada vez mais desmotivados e que acabam por refletir isso no serviço. Forma-se um ciclo com o serviço mal prestado. “Qualidades intrínsecas de excelência são, por certo, numerosas e diferenciadas, sendo, assim, imprescindível defini-las através de parâmetros objetivos previamente anexados, que se destinam à aferição dos resultados alcançados pela ação administrativa. Esses parâmetros tanto poderão ser fixados pela lei, como pelo ato administrativo, pelo contrato administrativo ou pelo ato administrativo complexo, sob critérios de tempo, de recursos utilizados, de generalidade do atendimento ou de respostas de usuários (feedback), tendo sempre em linha de conta que o conceito jurídico de eficiência jamais poderá ser subjetivo, pois de outro modo, chegar-se-ia ao arbítrio no controle”. (MOREIRA NETO, 2014, P. 183) O Estado é capaz de evitar a continuidade desse ciclo se investir na reforma da gestão pública. Investir na profissionalização dos servidores, estudos sobre os impactos negativos por conta da ineficiência na administração para detectar pontualmente as falhas para que se possa resolve-las e cumprir efetivamente o que a Constituição Federal exige da Administração Pública. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Administração Pública ainda não põe em prática a Eficiência enquanto princípio basilar em todas as suas atividades, mas a sua previsão legal apresenta um salto grande e importante para sua aplicação efetiva. O princípio da Eficiência, previsto na Constituição Federal, na Administração Pública garante ao cidadão o direito de exigir e questionar frente ao Estado, e entes terceirizados, a qualidade em obras, serviços e decisões tomadas no exercício de suas funções. A sociedade aguarda que o Estado atue com mais qualidade e responsabilidade diante de suas ações para que se tenha uma Administração harmoniosa e satisfatória, tendo em vista o bem comum.
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Empresas subsidiárias e o dever de realizar concurso público
As empresas subsidiárias, também denominadas de empresas de segundo grau, são empresas criadas por entes integrantes da administração pública indireta, quais sejam, empresa públicas e sociedades de economia mista, como forma de exploração de uma determinada atividade econômica ou prestação de serviço pelo Estado. Nesse prisma, este artigo tem como objetivo análise quanto a subordinação de empresas subsidiárias, controladas diretamente por empresas públicas e sociedades de economia mistas, que por sua vez são controladas pelo estatal que às instituíram, às normas de direito público e, por conseguinte, ao princípio do concurso público previsto no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, concluindo pela obrigatoriedade da realização de concurso público para investidura de seus empregados.
Direito Administrativo
Introdução O enfoque do presente estudo será acerca da necessidade de contratação por meio de concurso público pelas empresas subsidiárias de empresas públicas e sociedades de economia mista. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 492) “Empresas subsidiárias são aquelas cujo controle e gestão das atividades são atribuídos à empresa pública ou a sociedade de economia mista diretamente criadas pelo Estados.” Assim, considerando que as empresas subsidiárias são aquelas que possuem em seu quadro societário uma empresa pública ou sociedade de economia mista, surge questionamento quanto a obrigatoriedade de realizarem concurso público para contratação de seus empregados, ainda que não controladas diretamente pelo Estado. Para tanto, partiremos de breves considerações em relação a administração pública direta e indireta, destacando-se dentre estas as empresas públicas e as sociedades de economia mistas, espécies de entidades que fazem parte da administração pública indireta, mencionando quanto forma de constituição e regime jurídico. Por conseguinte, abordaremos o conceito de sociedade subsidiária, também denominada empresa de segundo grau verificando se esta está subordinada às normas de direito público para concluir quanto a obrigatoriedade de aplicação do princípio do concurso público, previsto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Neste prisma, se busca análise quanto a legalidade de contratação de forma direta de empregados de empresas subsidiárias controladas diretamente pelos entidades acima mencionadas, ainda que estas sejam constituídas com fins de exploração de uma atividade econômica específica e que não recebam benefícios fiscais ou investimentos de dinheiro público por parte da administração direta. 1. Da Administração Pública Direta e Indireta O presente estudo versa sobre a legalidade da contratação de empregados sem a realização de concurso público por subsidiárias que são constituídas por empresas diretamente controladas pelo Estado. Considerando que as empresas públicas e as sociedades de economia mistas são entidades que fazem parte da Administração Pública indireta, necessária se faz uma abordagem inicial quanto a administração pública. O Decreto –lei 200/67, dispõe em seu artigo 4º que integram a administração federal a administração direta, sendo esta constituída pelos serviços exercidos pela estrutura administrativa da Presidência da República e Ministérios, bem como, pela administração pública indireta, formada por entidades dotadas de personalidade jurídica, quais sejam, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Nestes termos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p.478) define a administração pública indireta quando empregada em seu sentido subjetivo: “Em resumo, a Constituição usa a expressão Administração Pública Indireta no mesmo sentido subjetivo do Decreto-lei nº200/67, ou seja, para designar o conjunto de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, criadas por lei, para desempenhar atividades assumidas pelo Estado, seja com serviço público, seja a título de intervenção no domínio econômico.” (grifo do autor) Assim, a administração pública direta está relacionada às atividades exercidas pelos órgão estatais sendo estas subordinas ao poder público vez que não possuem personalidade jurídica autônoma, em um outro viés, a administração pública indireta possui personalidade jurídica autônoma para prestação de serviços públicos ou exploração de atividade econômica que são controladas pelo poder estatal. 2. Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista Por conseguinte o referido diploma legal acima mencionado, defini em seu artigo 5º: “Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: […] II – Empresa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. III – Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.” Da leitura do artigo acima se nota que ambas entidades são dotadas de personalidade jurídica de direito privado criadas com a finalidade de exploração econômica. O que difere as sociedades de economia mista das empresas pública, é a forma de constituição de seu capital social, onde estas possuem capital exclusivo da união, sendo a maioria do capital social daquelas pertencente a União ou entidade da Administração Pública Indireta admitindo-se participação de capital social privado. Ou seja, é permitida participação de pessoas jurídicas privadas no quadro societário das sociedades de economia mista, devendo a maior parte ser controlada por uma entidade pertencente a administração pública. Já as empresas públicas são integralmente controladas pelo poder público, não sendo permitido participação de sócios de capital privado. 3. Submissão às regras de Direito Público No que tange ao regime jurídico destes entes da Administração Indireta, leciona José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 495 e 496) “As sociedades de economia mista e as empresas públicas, como se tem observado até o momento, exibem dois aspectos inerentes à sua condição jurídica: de um lado, são pessoas jurídicas de direito privado e, de outro, são pessoas sob o controle do Estado. Esses dois aspectos demonstram, nitidamente, que nem estão elas sujeitas inteiramente ao regime' de direito privado nem inteiramente ao direito público. Na verdade, pode dizer-se, como o fazem alguns estudiosos, que seu regime tem certa natureza híbrida, já que sofrem o influxo de normas de direito privado em alguns setores de sua atuação e de normas de direito público em outros desses setores. E nem poderia ser de outra forma, quando se analisa seu revestimento jurídico de direito privado e sua ligação com o Estado.” Ou seja, apesar de prestarem serviços de natureza privada concorrendo diretamente com empresas deste setor, regidas pelas normas de direito privado, ainda assim estão submetidas às normas de direito público, vez que encontram-se sob o controle Estatal. Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (2010, p. 201), as empresas públicas e as sociedades de economia mista “(…) por força da Própria Constituição, veem-se colhidas por normas ali residentes que impedem a perfeita simetria de regime jurídico entre elas e a generalidade dos sujeitos de Direito Privado.” Podem ser citados como exemplos claros da submissão às regras de direito público a subordinação à fiscalização do Tribunal de Contas, obrigatoriedade de certame licitatório para realização de compras e contratação de prestação de serviços, bem como, a obrigatoriedade de concurso público para contratação de empregados. O princípio do concurso público se encontra disciplinado no artigo 37, inciso II da Constituição Federal que condiciona a investidura em cargo ou emprego público à aprovação em concurso público, aplicando-se expressamente tal exigência a administração pública direta e indireta. Neste sentido, insta frisar o disposto na Súmula n° 231 do TCU (Acesso em: 11 de fev. de 2016), que disciplina “A exigência de concurso público para admissão de pessoal se estende a toda a Administração Indireta, nela compreendidas as Autarquias, as Fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, as Sociedades de Economia Mista, as Empresas Públicas e, ainda, as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, mesmo que visem a objetivos estritamente econômicos, em regime de competitividade com a iniciativa privada.” Assim, podemos auferir que as empresas públicas e as sociedades de economia, mistas não estão imune ao cumprimento das normas de direito público, sendo por estas regidas vez que fazem parte da administração pública indireta. 4. Obrigatoriedade de contratação por meio de realização de concurso público Neste viés, surge questionamento quanto a subordinação das empresas subsidiárias às normas de direito público, consequentemente, tornando-se também obrigatória a contratação por meio de realização de concurso público. Para resposta a questão principal do presente artigo, abre-se parêntese para delinearmos o conceito de empresa subsidiária de empresa pública ou sociedade de economia mista. Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2012, p. 492) “Empresas subsidiárias são aquelas cujo controle e gestão das atividades são atribuídos à empresa pública ou à sociedade de economia mista diretamente criadas pelo Estado. Em outras palavras, o Estado cria e controla diretamente determinada sociedade de economia mista (que podemos chamar de primária) e esta, por sua vez, passa a gerir uma nova sociedade mista, tendo também o domínio do capital votante. É esta segunda empresa que constitui a sociedade subsidiária. Alguns preferem denominar a empresa primária de sociedade ou empresa de primeiro grau, e, a subsidiária, de sociedade ou empresa de segundo grau. Se houver nova cadeia de criação, poderia até mesmo surgir uma empresa de terceiro grau e assim sucessivamente.” Em síntese, empresas subsidiárias, ou empresa de segundo grau, são aquelas que possuem a maioria de seu capital social pertencente a uma empresa pública ou sociedade de economia mista, também denominadas de empresa de primeiro grau, que por sua vez, conforme frisado, são controladas diretamente pelo poder estatal. Observa-se, ainda, que é permitindo a criação de empresas de segundo e terceiro grau, e assim por diante. Sua criação se dá por meio de lei, sendo a autorização legislativa dispensada nos casos em que a lei que criou a empresa de primeiro grau já dispõe de autorização para constituição de empresas de segundo grau, sendo este o entendimento pacificado na doutrina e jurisprudência. No que tange a subordinação das empresas subsidiárias às normas de direito público, insta frisa novamente os ensinamentos o retro mencionado autor (CARVALHO FILHO, 2012, p. 493) “Além disso, não se pode perder de vista que as subsidiárias também são controladas, embora de forma indireta, pela pessoa federativa que instituiu a entidade primária. A subsidiária tem apenas o objetivo de se dedicar a um dos segmentos especificas da entidade primária, mas como esta é quem controla a subsidiária, ao mesmo tempo em que é diretamente controlada pelo Estado, é este, afinal, quem exerce, direto ou indireto, sobre todas. Por tais motivos, não se pode negar sua condição de pessoas integrantes da Administração Indireta.” (grifo nosso) Verifica-se que as empresas subsidiárias são controladas por empresas que integram a administração pública indireta, logo, ainda que indiretamente são controladas pelo Estado, assim, estão também subordinadas às normas de direito público que as regem. Por conseguinte, considerando que as empresas subsidiárias estão sujeitas às regras de direito público conclui-se que cabe aplicação do princípio do concurso público para contratação, que obrigatoriamente deve ser realizada por meio de provas ou provas de títulos, sendo vedada contratação direta. Conclusão As empresas públicas e sociedades de economia mistas são criadas pelo Estado através de legislação específica com a finalidade de explorar uma atividade econômica ou com fins de prestação de serviços. Uma das principais características que as difere é a forma de constituição do seu capital social, onde aquelas são constituídas integralmente com capital público, e estas possuem maior parte do capital votante pertencente ao Estado, sendo permitida participação de capital privado. Considerando que ambas são parte integrante da administração pública indireta, conforme disposto no artigo 4º do Decreto-lei 200/67, estão diretamente sob o controle estatal, aplicando-se a estas regras de direito público, onde citamos como exemplo, a submissão à fiscalização dos Tribunais de Contas, dever de licitar, bem como, o dever de realização de concurso público. Por conseguinte, tais empresas estão autorizadas a criarem as empresas subsidiárias, também denominadas, empresa de segundo grau, para exploração de outros segmentos da economia diferente daqueles que exerce. Assim, surge o enfoque do presente estudo, a análise quanto a subordinação das empresas subsidiárias ao princípio do concurso público previsto no artigo 37, inciso II da Constituição Federal. Diante de todas as considerações apresentadas, conclui-se que as empresas subsidiárias, estão sujeitas às normas de direto público, e consequentemente a obrigatoriedade de realização de concurso público, vez que estas são criadas por empresas públicas e sociedades de economia mistas, entes integrante da administração pública, controladas diretamente pelo Estado. Desta feita, é correto afirmar que, ainda que indiretamente, as empresas subsidiárias estão sob o controle do poder estatal, devendo-se a estas serem aplicadas as normas de direito público, e por conseguinte, o princípio do concurso público para investidura de seus empregados, considerada ilegal a contratação direta.
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Anotações à concessão do direito real de uso pela administração pública: painel jurisprudencial à luz do Superior Tribunal de Justiça
Quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda. De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria.
Direito Administrativo
1 Gestão de Bens Públicos: Ponderações Introdutórias Em sede de comentários inaugurais, quadra anotar que a gestão (ou ainda administração) dos bens públicos encontra-se, umbilicalmente, atrelada à utilização e conservação. Desta feita, com o escopo de traçar linhas claras acerca do tema colocado em debate, cuida ponderar que a atividade gestora dos bens públicos não alcança o poder de alienação, oneração e aquisição desses bens. Nesta esteira, o poder de administração, subordinado aos ditames contidos no Ordenamento Pátrio, apenas confere ao administrador o poder, e ao mesmo tempo o dever, de zelar pelo patrimônio, devendo, para tanto, utilizar os instrumentos que apresentem como escopo a conservação dos bens ou, ainda, que objetivem obstar a sua deterioração ou perda. De igual maneira, incumbirá ao administrador, em atendimento aos postulados que regem a Administração, proteger os bens públicos contra investida de terceiros, ainda que se revele imprescindível a adoção de conduta coercitiva executória ou mesmo recorrer ao Judiciário para a defesa do interesse público. Consoante manifestado entendimento jurisprudencial, “por certo, a conservação e a segurança estão inseridos no conceito de administração dos bens municipais e não podem ser transferidos integralmente para os cidadãos”[1]. Ao lado disso, como bem anota Carvalho Filho, “a gestão dos bens públicos, como retrata típica atividade administrativa, é regulada normalmente por preceitos legais genéricos e por normas regulamentares mais especificas”[2]. Além disso, não se pode olvidar que a alienação, a oneração e a aquisição exigem, como regra, autorização legal de cunho mais específico, porquanto na hipótese ora mencionada não há que se falar em simples administração, mas sim alteração na esfera do domínio das pessoas do direito público. No mais, deve-se pontuar, imperiosamente, que a atividade de gestão de bens públicos é essencialmente regulamentada pelo direito público, socorrendo-se dos fundamentos do direito privado, de maneira supletiva, quando não há norma expressa que verse acerca da matéria. 2 Uso de Bens Públicos Os bens públicos podem ser usados pela pessoa jurídica de direitos público a que pertencem, independentemente de serem considerados de uso comum, de uso especial ou mesmo dominicais. Entretanto, é plenamente possível que aludidos bens sejam utilizados por particulares, ora com maior liberalidade, ora com a atenção aos preceitos normativos pertinentes. Em sentido similar, posiciona-se a jurisprudência, notadamente quando destaca que “o uso dos bens públicos pode ser feito pela própria pessoa que detém a propriedade ou por particulares, quando for transferido o uso do bem público”[3]. Sobreleva anotar que é importante demonstrar que a utilização de bens públicos por particulares atende ao interesse público, aferido pela Administração, sendo possível, inclusive, a estruturação de regulamentação mais minuciosa. Ademais, em se tratando da utilização de bens públicos por particulares, imprescindível se faz que, de maneira pormenorizada, sejam analisados os fins atendidos por aqueles, já que de nenhuma maneira é admitida a desvirtuação dos objetivos elementares para satisfazer interesse exclusivamente privados. Insta sublinhar que há hipóteses em que o uso é considerado normal, porquanto se coaduna com os fins do bem público, a exemplo do que infere no uso de praças e ruas por particulares, de modo geral. Em outras situações, todavia, o uso é considerado anormal, eis que o objetivo da utilização só indiretamente se harmoniza com os fins naturais do bem. Neste passo, com o fito de ilustrar o expendido, podem-se citar as conhecidas ruas de lazer, vez que o uso normal da rua apresenta como objetivo o trânsito geral dos veículos, mas em determinado dia ambicionou a utilização anormal, atendendo a diversão das pessoas. Gize-se, ainda, que algumas formas de utilização independem do consentimento do Poder Público, porque o uso é natural. “Vejam-se os bens de uso comum do povo. Quando de tratar de uso anormal, ou de hipóteses especiais de uso normal, necessária se tornará a autorização estatal para que o uso seja considerado legítimo”[4]. 3 Formas de Uso 3.1 Uso Comum Em uma primeira plana, considera-se como bem de uso comum do povo todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição. Trata-se do uso feito pelo povo em relação às ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. “Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite frequência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual”[5]. Para esse uso são admitidas tão somente regulamentações gerais de ordem pública, cujo escopo seja promover a preservação da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem que haja particularizações de pessoas ou mesmo categorias sociais. Assim, qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição, tal como a cobrança de pedágio nas rodovias, desencadeia a especialização do uso e, quando se tratar de bem considerado realmente necessário à coletividade, tal situação só poderá ocorrer em caráter excepcional. Carvalho Filho, ao abordar o tema em destaque, anota que “uso comum é a utilização de um bem público pelos membros da coletividade sem que haja discriminação entre os usuários, nem consentimento estatal específico para esse fim”[6]. Saliente-se, oportunamente, que no uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade (utili universi) motivo pelo qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou mesmo a privilégio na utilização do bem. In casu, vigora a premissa que o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou suportar os ônus dele resultantes. É possível, desta sorte, diccionar que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo. “Mas, por relações de vizinhança e outras situações especiais, o indivíduo pode adquirir determinados direitos de utilização desses bens e se sujeitar a encargos específicos”[7]. Consoante leciona Carvalho Filho[8], o uso comum deve ser gratuito, de maneira a não produzir qualquer ônus aos que utilizem o bem, porquanto esse característico é fruto da própria generalidade do uso, uma vez que, se oneroso fosse, haveria discriminação entre aqueles que poderiam e os que não poderiam sofrer o ônus. Anotar se faz carecido que não somente os bens de uso comum do povo possibilitam o uso comum. Ao reverso, os bens de uso especial também o admitem, quando a utilização está em consonância com os fins normais a que se destinam. A título de exemplificação, é possível mencionar as repartições públicas, os prédios de autarquias e fundações governamentais estão sujeitados ao uso comum, porquanto os cidadãos podem ingressar livremente nesses locais, sem que haja necessidade de qualquer autorização especial. Conquanto essa forma de uso seja comum e geral, não se pode negar ao Poder Público a competência para estabelecer as normas regulamentadoras, com o escopo de adequar a utilização ao interesse público. A aludida regulamentação, mesmo que seja dotada de caráter restritivo, de certa maneira, há que se traduzir em ditames gerais e impessoais, com o fito de manter incólume a indiscriminação entre os indivíduos. Convém, ainda, explicitar que os bens de uso comum do povo, ainda que estejam à disposição da coletividade, estão sob a administração e a vigilância do Poder Público, que tem o dever de mantê-los em normais condições de utilização pelo público, de maneira geral. “Todo dano ao usuário, imputável à falta de conservação ou obras e serviços públicos que envolvam esses bens, é da responsabilidade do Estado, desde que a vítima não tenha agido com culpa”[9]. Infere-se, por derradeiro, que são aspectos característicos do uso comum dos bens públicos a generalidade da utilização do bem, a indiscriminação dos administrados no que concerne ao uso do bem, a compatibilização do uso com os fins normais a que se destina e a inexistência de qualquer gravame para permitir a utilização. 3.2 Uso Especial Inicialmente, é denominada como uso especial a forma de utilização de bens públicos, na qual o indivíduo se sujeita a regras específicas e consentimento estatal ou, ainda, se submete à incidência da obrigação de pagar pelo uso. Como aponto Carvalho Filho, “o sentido do uso especial é rigorosamente o inverso do significado do uso comum. Enquanto este é indiscriminado e gratuito, aquele não apresenta essas características”[10]. A partir das ponderações apresentadas, é possível frisar que uma das formas de uso especial de bens públicos está atrelada ao uso remunerado, consistindo na modalidade por meio da qual o administrado sofre uma espécie de ônus, sendo a forma mais comum o adimplemento de certa importância que possibilite o uso. Imperioso se faz colacionar o magistério do festejado doutrinador Hely Lopes Meirelles, que arrazoa: “Uso especial é todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento; bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições”[11]. Cuida ponderar que tanto os bens de uso comum como os de uso especial podem estar sujeitos a uso especial remunerado. Em tom de exemplificação, como bem de uso comum do povo, é possível mencionar o pagamento de pedágio em estradas rodoviárias e em pontes e viadutos. “Um museu de artes pertencentes ao Governo, cujo ingresso seja remunerado, é exemplo de bem de uso especial sujeito a uso especial”[12]. É fato que ninguém é detentor natural do direito de uso especial de bem público, porém qualquer indivíduo ou mesmo empresa poderá obtê-lo, mediante contrato ou ato unilateral da Administração, na forma autorizada por lei ou regulamento ou simplesmente consentida pela autoridade competente. “Assim sendo, o uso especial do bem público será sempre uma utilização individual – uti singuli – a ser exercida privativamente pelo adquirente desse direito”, consoante obtempera Hely Lopes Meirelles. O que tipifica o uso especial está assentado na privatividade da utilização de um bem público, ou mesmo de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou do contrato, afastando, via de consequência, a fruição geral e indiscriminada da coletividade ou do próprio Poder Público. Prima evidenciar que esse uso pode ser consentido gratuita ou remuneradamente, por lapso temporal certo ou indeterminado, conforme o teor do ato ou contrato administrativo que o autorizar, permitir ou conceder. Nesta esteira, é possível acrescentar que, uma vez titulado regularmente o uso especial, o particular passa a usufruir de um direito subjetivo público ao seu exercício, podendo opô-lo a terceiros e à própria Administração, nas condições estabelecidas ou convencionadas. Urge evidenciar que “a estabilidade ou precariedade desse uso assim como a retomada do bem público, com ou sem indenização ao particular, dependerão do título atributivo que legitimar”[13]. Realçar se faz premente que os aspectos caracterizadores da espécie de uso em comento estão alicerçados nos seguintes axiomas: a exclusividade do uso aos administrados que pagam a remuneração ou, ainda, aos que recebem consentimento estatal para o uso; a onerosidade, nas hipóteses de uso especial remunerado; a privatividade, nas situações de uso especial privativo; e, a inexistência de compatibilidade estrita, em específicos casos, entre o uso e o fim a que se destina o bem. 3.3 Uso Compartilhado O uso compartilhado é assim considerado aquele em pessoas públicas ou privadas, que prestam serviços públicos, necessitam de utilizar-se de áreas de propriedade de pessoas diversas. Tal situação é plenamente verificável, por exemplo, no uso de determinadas áreas para a instalação de serviços de energia, de comunicações e de gás canalizado, estruturando, para tanto, dutos normalmente implantados no subsolo. “Quando se trata de serviços envolvendo pessoas públicas, o problema se resolver através de convênios. Mas quando o prestador do serviço é pessoa de direito privado, mesmo que incluída na administração pública descentralizada, são mais complexas as questões e as soluções”[14]. Em se tratando do tema colocado em destaque, quatro hipóteses distintas são observáveis. A primeira está atrelada ao uso de área integrante de domínio público, sendo que aludido uso carecerá de autorização do ente público que detém o domínio sobre o bem e, vigora como regra, não há o pagamento de remuneração pelo uso. Neste sentido, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que “a cobrança em face de concessionária de serviço público pelo uso de solo, subsolo ou espaço aéreo é ilegal (seja para a instalação de postes, dutos ou linhas de transmissão)”[15]. Outra situação a ser sublinhada, o uso de área non aedificandi pertencente a particular, pois, “como há, na hipótese, mera limitação administrativa, pode o prestador usá-la livremente e, como o uso não afeta o direito do proprietário, não tem este direito à remuneração nem indenização”[16]. Excepciona-se ao expendido, quando houver demonstração do prejuízo causado. Cuida versar acerca do uso da área privada, além da faixa de não edificação, porquanto tal possibilidade reclama da autorização do proprietário, sendo norteado pelos ditames do direito privado, devendo, pois, a empresa prestadora do serviço entabular acordo no que concerne à eventual remuneração ou mesmo firmar pacto de cessão gratuita de uso. Por derradeiro, a última possibilidade a ser enfrentada está adstrita ao uso de área pública sujeita à operação por pessoa privada, em decorrência de contrato de concessão ou permissão, sendo imprescindível um ajuste pluripessoal, envolvendo o cedente, o concessionário e o prestador do serviço, ainda que não haja diploma legislativo trazendo expressa regulamentação da matéria, revela-se plenamente possível afixar remuneração pelo uso do solo e do subsolo. 4 Notas à Concessão do Direito Real de Uso: Painel jurisprudencial à luz do Superior Tribunal de Justiça Inicialmente, a concessão real de uso é o contrato administrativo por meio do qual o Poder Público confere ao particular o direito real resolúvel de uso de terrenos públicos ou sobre o espaço aéreo que o recobre, para os fitos que, prévia e determinadamente, o justificaram. Meirelles obtempera que o Poder Público “transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social”[17]. Aliás, tal acepção é proveniente do artigo 7° do Decreto-Lei N° 271[18], de 28 de Fevereiro de 1967, que dispõe sobre loteamento urbano, responsabilidade do Ioteador, concessão de uso e espaço aéreo e dá outras providências. O entendimento jurisprudencial, acerca do tema, sustenta que: “Ementa: Administrativo. FGTS. Movimentação dos depósitos. Construção de moradia. Possibilidade. Precedentes. […] 3. A concessão de uso prevista no art. 7 do Dl. 271/1967 institui um direito real, não se confundindo com a concessão, feita pelo estado a título precário, para utilização de bem público. 4. Recurso especial improvido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 193.324/DF/ Relator: Ministro Francisco Peçanha Martins/ Julgado em 15.04.2003/ Publicado no DJ em 16.06.2003). Ora, resta patentemente demonstrado que o escopo primitivo do diploma supramencionado, ao materializar o instituto em comento, está em promover a regularização fundiária, o aproveitamento sustentável das várzeas e a preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência. “Trata-se, como é fácil observar, de finalidade de caráter eminentemente social”[19]. A regularização fundiária, por meio da qual se possibilita a adequação de terrenos e moradias ao direito positivo, apresenta-se, na contemporaneidade, como ponto nodal da política urbana, cujo sedimento normativo está inserto no Texto Constitucional. A sustentabilidade do aproveitamento das várzeas se revela como dotada de aspecto essencialmente ambiental. Neste passo, a preservação das comunidades tradicionais é foco do interesse governamental em não causar prejuízos ao povo, notadamente às populações indígenas, já assentadas por longo lapso temporal em determinadas áreas, das quais se extraem os meios de subsistência. A concessão de uso, enquanto direito real, é transferível por ato inter vivos ou, ainda, por sucessão legítima ou testamentária, a título gratuito ou remunerado, tal como se inferem nos demais direitos reais sobre coisas alheias, com a singular diferenciação de que o imóvel reverterá à Administração concedente se o concessionário ou seus sucessores não lhe derem o uso prometido ou o desviarem de seu escopo contratual. “Desse modo, o Poder Público garante-se quanto à fiel execução do contrato, assegurando o uso a que o terreno é destinado e evitando prejudiciais especulações imobiliárias dos que adquirirem imóveis públicos para aguardar a valorização vegetativa”[20], o que acarreta o detrimento da coletividade. O instrumento de formalização pode ser escritura pública ou termo administrativo, devendo o direito ser inscrito no competente Cartório de Registro de Imóveis. Como destaca Carvalho Filho, “a concessão de direito real de uso salvaguarda o patrimônio da Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem qualquer vantagem para ela”[21]. Além disso, tal como dito anteriormente, o concessionário não fica livre para dar ao uso a destinação que lhe convier, mas, ao reverso, será obrigado a destiná-lo ao escopo contido no diploma, o que mantém salvaguardado o interesse público que deu azo à concessão real de uso. É imperioso destacar que, para a realização da concessão em apreço, são necessárias a lei autorizadora e licitação prévia, exceto se a hipótese se encontrar inserta dentro das de dispensa de licitação. Neste sentido, inclusive, é possível transcrever o entendimento robusto do Superior Tribunal de Justiça, que acena: “Ementa: Administrativo. Concessão de direito real de uso de terreno público a particular. Construção de sede recreativa de associação de direito privado sem fins lucrativos. Ausência de interesse eminentemente social. Hipótese não enquadrada na dispensa de licitação. Inteligência do art. 17, inc. I, alínea "f", e § 2º, inc. I, da Lei 8.666/1993. Necessidade de concorrência prévia. 1. Na origem, o Ministério Público do Estado do Maranhão propôs ação civil pública contra o Município de São Luís e a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Maranhão – ADEPOL, sob a alegação de que a Municipalidade teria celebrado ilegal concessão de direito real de uso de um terreno de 4.940 m2 para construção da sede recreativa da associação, sem autorização legislativa e sem licitação. 2. A sentença julgou procedente o pedido do Parquet para anular a concessão de direito real de uso; estabelecer que a Municipalidade se abstenha de edificar na área concedida e venha a demolir qualquer edificação lá existente; e determinar à ADEPOL que se abstenha de ocupar, utilizar, construir e edificar no local, sob pena de multa diária. O Tribunal maranhense deu provimento à apelação da Municipalidade para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido formulado na ação civil pública. 3. A concessão de direito real de uso corresponde a contrato pelo qual a Administração transfere a particular o uso remunerado ou gratuito de terreno público, sob a forma de direito real resolúvel, a fim de que dele se utilize para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. 4. A concessão de direito real de uso a particulares requer autorização legal e concorrência prévia. 5. Nos termos do art. 17, § 2º, inc. I, da Lei 8.666/1993, a Administração poderá conceder direito real de uso com dispensa de licitação quando a utilização destinar-se a outro órgão ou entidade da Administração Pública. 6. Em situações de caráter eminentemente social, o art. 17, inc. I, alínea "f", da Lei 8.666/1993 também prevê a dispensa de licitação na "alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública". 7. As associações de direito privado, ainda que sem fins lucrativos, não se enquadram nas hipóteses de dispensa de licitação previstas no art. 17, inc. I, alínea "f", e § 2º, inc. I, da Lei 8.666/1993. Recurso especial do Parquet conhecido em parte e, nessa, provido para restabelecer a sentença de primeiro grau que torna nula a concessão de direito real de uso do terreno.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.435.594/MA/ Relator: Ministro Humberto Martins/ Julgado em 27.10.2015/ Publicado no DJe em 11.11.2015). Em se tratando de esfera federal, a licitação será dispensada se o uso for concedido a outro órgão administrativo, em consonância com o artigo 17, §2°, da Lei N° 8.666/1993[22]. “O limite territorial máximo para esse tipo de concessão, no entanto, será de quinhentos hectares no âmbito da administração federal”[23]. Da mesma sorte, será dispensada a licitação quando o direito real de uso incidir sobre imóveis residenciais, ou de uso comercial de âmbito local, com área de duzentos e cinquenta metros quadrados, ser concedido em função de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvido pelo Poder Público.
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Os poderes da administração pública
o presente artigo pretende discorrer sobre os poderes da administração pública, com o escopo de mostrar que não há desculpa para um descuido com a coisa pública, principalmente se formos levar em conta a época de desmandos pela qual passa nosso país, cujos resultados são sentidos, sem sombra de dúvidas, e com maior gravidade, pelos menos favorecidos.
Direito Administrativo
Introdução A nossa Lei Maior vigente consagrou a constitucionalização dos preceitos básicos do Direito Administrativo, ao fazer previsão de que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, isto além dos preceitos básicos devidamente distribuídos nos 21 incisos e 10 parágrafos do artigo 37 e das demais regras previstas nos artigos 38 a 42. Cabe ser ressaltado que remonta ao fim do século XVIII, início do século XIX, o nascimento do Direito Administrativo como ramo autônomo do Direito, cindindo-se do Direito Civil, ramo que estabelecia até então esparsas normas administrativas a serem desempenhadas pelo Poder Público, bem como as funções, os cargos e a estrutura administrativa. Nesta exposição, ver-se-á os poderes de que dispõe a Administração para bem cuidar da coisa pública. 1 Desenvolvimento 1.1 Conceito de Administração Pública em sentido subjetivo Alexandre de Moraes[1] bem explana que Administração Pública pode ser definida, de forma objetiva, como sendo uma atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos, e subjetivamente como sendo um conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. A Administração Federal, em uma visão mais doutrinária, compreende a administração direta e a administração indireta: – administração direta: constitui-se dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; – administração indireta: compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias; empresas públicas; sociedades de economia mista; fundações públicas. Não pode deixar de ser lembrado que a regra de definição da amplitude da administração pública contém, em seu bojo, os princípios norteadores que devem ser aplicados, de maneira obrigatória, à administração dos Estados, Distrito Federal e Municípios. 1.2 Administração Pública em sentido objetivo Como já visto, Administração Pública é o conjunto de atividades concretas e imediatas que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos[2]. É exercida pelos órgãos do Poder Executivo, dentro da conhecida tripartição dos Poderes estatais. Em linhas gerais, sem adentrar a demais subdivisões de outros doutrinadores, a Administração Pública engloba: fomento, polícia administrativa, serviço público e intervenção: – fomento: corresponde à atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública, por meio de subvenções, financiamentos, favorecimentos fiscais e desapropriações; – polícia administrativa: corresponde ao concreto exercício de restrições ao exercício dos direitos individuais em benefício do interesse maior da coletividade, exteriorizando-se por intermédio de sanções, notificações, licenças, fiscalizações. Trata-se da execução das limitações administrativas que, de maneira obrigatória, devem estar previstas em lei; – serviço público: corresponde a toda atividade, sob regime predominantemente público, executada direta ou indiretamente, pela Administração Pública, com a finalidade de satisfazer à necessidade da coletividade; – intervenção: corresponde à regulamentação e à fiscalização da atividade econômica de natureza privada, e da atuação direta do Estado no domínio econômico, por meio de empresas estatais. 1.3 Poderes da Administração Baseado nas atividades exercidas pelo Estado, mais especificamente de forma concreta e imediata[3], para a consecução dos interesses coletivos, a Administração Pública deve sobrepor a vontade da lei à vontade particular dos administrados, de modo a privilegiar o interesse público em detrimento do interesse individual. Logo, pode ser percebido que um dos pilares do regime jurídico-administrativo é a observância do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, do qual surgem as prerrogativas da Administração. Dentre as prerrogativas supramencionadas, ocupam lugar de destaque os poderes que são conferidos ao Ente Público, poderes esses dotados de capacidades exorbitantes. E, através do seu correto uso, pode ser dito que o Estado se instrumentaliza para a realização do seu maior objetivo, que é o real atendimento do bem comum, de interesse de toda população.[4] Logo, para que haja possibilidade de realização de suas atividades e para a satisfação do bem comum, o ordenamento jurídico confere à Administração tais poderes, tudo com o intuito de instrumentalizar a realização de suas tarefas administrativas. Estes são conhecidos por poderes da administração ou poderes administrativos. Os poderes administrativos são, portanto, inerentes ao exercício da atividade administrativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tudo em observância a suas competências previstas constitucionalmente, e somente podem ser exercidos nos limites da lei. São poderes administrativos em sentido próprio, uma vez que consistentes em prerrogativas públicas propriamente ditas: o poder de polícia, poder regulamentar, poder disciplinar, poder de autotutela e o poder hierárquico. Ainda, existem outros que podem ser chamados de poderes em sentido impróprio, representando modos de concretização de regras de atribuição de competência, como é o caso do poder vinculado e do poder discricionário. Rapidamente, discorrer-se-á sobre estes. 1.3.1 Poder vinculado e poder discricionário Inicialmente, em sede de poder vinculado e de poder discricionário, doutrinariamente[5] explica-se que é conveniente que o poder vinculado e o poder discricionário sejam compreendidos em conjunto. Embora se apresentem, e sejam, nitidamente diferentes, possuem em comum o fato de não se tratarem de poderes, no sentido de prerrogativas. Consistem em formas pelas quais são previstas as regras de atribuição de competência. Em um sentido mais técnico, sequer seria correto falar em poder vinculado e em poder discricionário, sendo mais adequado falar em regra de atribuição de competência vinculada ou discricionária. Na verdade, trata-se de tema sobre o qual muito se comentou e tal fato apresenta-se de maneira plena e justificável devido ao teor relevante do assunto. Aliás, em virtude de tal relevância, todos os institutos do Direito Administrativo giram ao redor da diferença entre o poder vinculado e o poder discricionário. Uma correta compreensão temática induz ao correto entendimento dos verdadeiros limites do controle jurisdicional as Administração Pública[6]. Por outro lado, a incorreta apreensão do que seja poder vinculado, poder discricionário, bem como outros conceitos que lhe são conexos, pode originar, no que se refere ao controle jurisdicional da Administração Pública, dois severos equívocos, estes infelizmente comuns em nossa jurisprudência: 1) o primeiro deles consiste em reconhecer como matéria de mérito administrativo, este elemento nuclear da noção de discricionariedade, o que, de fato, consiste em matéria de validade da ação administrativa, com o que o Poder Judiciário fica indevidamente aquém do controle da Administração Pública para o qual se encontra legitimado constitucionalmente num non liquet, fundamento este utilizado de maneira errônea nos argumentos relacionados à discricionariedade; 2) o outro equívoco, talvez ainda mais grave, consiste no manejo indevido de tais conceitos, com vistas a outorgar ao Poder Judiciário mecanismos de controle de que constitucionalmente não dispõe, intrometendo-se em searas que não são suas. Adentrando na esfera de vinculação, discricionariedade e legalidade administrativa, não parece conveniente estudar a vinculação e a discricionariedade de maneira separada. Embora sejam diferentes, são ambos instrumentos de concretização direta de um mesmo princípio, qual seja, o princípio da legalidade administrativa, especialmente na sua feição de reserva legal. A legalidade, como reserva legal, impõe que a atuação do administrador fique adstrita às regras de atribuição de competência outorgadas pelo legislador. Em outras palavras, é a lei quem estabelece a atuação do administrador. Tendo essa realidade por princípio, deve ser entendido que a lei nem sempre prevê a atuação do administrador de um mesmo modo, fazendo-o, basicamente, de duas formas: uma de ordem vinculada e outra de ordem discricionária. Assim, é possível a conclusão de que a vinculação e a discricionariedade nada mais são do que formas pelas quais o legislador prevê as regras de atribuição de competência ao administrador. Neste sentido, haveria um poder vinculado ou um poder discricionário, mas, tão-somente, regras de atribuição de atribuição de competência vinculada ou discricionária. Disso se depreende uma conclusão importante sobre o tema: não é a doutrina, a Administração Pública ou o Poder Judiciário que dizem o que é vinculado ou o que é discricionário. Quem define, portanto, se a atuação administrativa é vinculada ou discricionária é a lei, ou seja, a regra de atribuição de competência endereçada ao administrador. Adentrando a seara das regras vinculadas[7], a vinculação administrativa ocorre sempre que a lei atribuir a competência ao administrador, de modo que, diante de uma determinada previsão de hipótese fático-jurídica, prevê como consequência jurídica uma única solução juridicamente válida. Logo, pode ser deduzido que numa regra vinculada, concretizada a hipótese legal, não restará ao administrador nenhuma outra forma de agir senão aquela prevista na regra de atribuição de competência. No que se refere às condutas administrativas vinculadas, duas observações devem ser feitas. Inicialmente, deve-se advertir que, embora a definição da vinculação seja singela, a aplicação de regras vinculadas, no caso concreto, não deve ser entendida como automática. A interpretação acompanha necessariamente todas as situações de aplicação de regras legais, inclusive as vinculadas. Assim, apesar do esquema normativo contido nas regras vinculadas, não se pode olvidar que existem, algumas vezes, determinadas questões de interpretação altamente complexas, tanto da hipótese normativa quanto da consequência jurídica que dela decorre. Em outras palavras, em alguns casos não se denota simples a subsunção do caso concreto a uma determinada regra vinculada. Em outros, a própria consequência, que não deixa de ser única, trará consigo algumas dificuldades de aplicação concreta. De qualquer modo, a definição do que seja uma regra vinculada é, como pode ser visto, singela. Trata-se de regra de atribuição de competência administrativa pela qual, diante de uma hipótese, a lei prevê um único comportamento válido. A outra consideração a ser feita em relação às regras de atribuição de competência vinculada diz como o modo pelo qual sobre ela incide o controle judicial da Administração Pública. Em princípio, o controle jurisdicional de condutas administrativas vinculadas não apresenta maiores complicações, por se tratar de uma espécie de controle de cotejo: o Poder Judiciário analisa qual é a hipótese legal e qual é a consequência única que dela resulta e, concretamente, pesquisa se há adequação entre o que a lei, no plano abstrato, prevê e o que, no caso concreto, foi levado a efeito pela Administração Pública. Existindo compatibilidade entre o que a lei dispunha e o que concretamente foi realizado pela Administração Pública, restará ao Poder Judiciário tão-somente promover o controle do conteúdo da lei, no que tange a questões de razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, impessoalidade, etc. Neste caso, contudo, a eventual invalidação da ação administrativa vinculada que seguiu rigorosamente a hipótese e a consequência previstas em lei terá de ser precedida da invalidação, por inconstitucionalidade, da regra vinculada em questão. No que se refere às regras discricionárias, tem-se que a existência da discricionariedade administrativa parece decorrer da conjugação de duas realidades incontrastáveis: de um lado, por melhor que seja o legislador, em uma perspectiva meramente técnica, a atividade legislativa se torna suscetível de cometer imprecisões, uma vez que se trata de atividade de prognose[8]. De outro lado, a atividade administrativa é dotada de grande riqueza de situações cotidianas. Da confluência de tais realidades depreende-se que não seria possível, e muito menos conveniente, que todas as condutas administrativas fossem embasadas sempre através de regras vinculadas. Surge, pois, a necessidade de uma espécie de válvula de escape, não do princípio da legalidade, mas da metodologia vinculada de atribuição legal de competências aos administradores. A discricionariedade reside na existência de regras legais que prevejam a atuação administrativa. Cabe lembrar que, na seara do Direito Administrativo, a falta de regras legais sobre determinada conduta não induz a liberdades, mas sim à proibição. Do mesmo modo, a discricionariedade não resulta das entrelinhas de regras legais. Não se trata, pois, de uma espécie de sobra da lei. Ao contrário, a discricionariedade consiste em uma técnica de concretização do princípio da legalidade, o qual decorre de uma atribuição legal expressa de competência. Nas regras referentes à atribuição de competência discricionária, a lei, diante de uma determinada hipótese legal, prevê mais de uma consequência jurídica, sendo, ao menos em princípio, válidas todas essas condutas administrativas previstas em tal margem legal de liberdade. Há de se atentar, nesse passo, para real e importante diferença entre discricionariedade e arbitrariedade. A discricionariedade consiste em uma margem, devidamente legal, de liberdade, que contempla mais de uma conduta administrativa válida, dentre as quais o administrador terá de optar, casuisticamente, por uma. Já a arbitrariedade consiste em condutas concretizadas fora das margens legais de validade, ou sem o devido embasamento legal, apresentando-se, em qualquer caso, inválida. Continuando, na concretização das regras discricionárias, o administrador, deparando-se com a concretização da hipótese legal, terá de eleger, portanto, uma das várias consequências que se descortinam validamente previstas. Tal eleição deve, obviamente, ocorrer segundo a ordem jurídica e seguirá critérios de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito administrativo. Em termos de discricionariedade administrativa e de controle jurisdicional, explica-se que o controle jurisdicional de condutas administrativas é tema muito corrente nos estudos de Direito Administrativo[9]. Existem variadas teses, de um extremo, que prevê a absoluta impossibilidade de controle judicial da discricionariedade administrativa, a outro, pelo qual se trataria de tema absolutamente sindicável pelo Poder Judiciário. Obviamente, a razão não reside em nenhum desses extremos, devendo, como sempre, posicionar-se de forma equilibrada entre ambos. Inicialmente, é importante lembrar que o Poder Judiciário, obviamente, poderá promover o controle, difuso ou concentrado, da constitucionalidade das regras discricionárias. Tal fato poderia ser denominado de controle de atribuição da discricionariedade administrativa. Todavia, a controvérsia não mora nesse aspecto. Muito é discutido acerca da viabilidade jurídica de um controle de exercício da regra discricionária. Em relação ao controle jurisdicional da concretização das regras discricionárias, pode ser dito que questões de conveniência e de oportunidade na seara da Administração Pública, estas consideradas de modo depurado e pressupostamente válidas, não podem se tornar objeto de controle jurisdicional. Em caso de uma conclusão contrária, isto significaria permitir que o Poder Judiciário se imiscuísse em temas para os quais não existe legitimação constitucional, por se tratarem de alçada exclusiva da Administração Pública. Se falando em condutas administrativas inválidas, o Poder Judiciário poderá, e deverá se for provocado, reconhecer o presente vício com a finalidade de proceder a respectiva anulação de tal conduta administrativa. E neste caso, não estará se intrometendo nas questões de conveniência e de oportunidade, mas sim estará cumprindo o seu dever constitucionalmente previsto, este de figurar como o verdadeiro guardião da ordem jurídica. Logo, em outras palavras, nas regras discricionárias, a lei outorga determinada margem de liberdade ao administrador, que, obviamente, deverá exercê-la de forma válida sob pena de ser possível o controle jurisdicional, não do mérito administrativo, mas da juridicidade da ação administrativa. O tema tem favorecido discussões por uma simples razão. Como já mencionado, em épocas passadas, a estrita legalidade correspondia ao único vetor da validade da ação administrativa, de sorte que bastava a Administração Pública agir de acordo com a lei formalmente considerada para que se chegasse a uma automática conclusão de que a presente conduta administrativa devesse ser considerada efetivamente válida. Há que ser lembrado que, com o passar do tempo, e com a nossa Constituição Federal vigente, outros princípios, relacionados de forma direta com os aspectos substanciais das ações estatais, foram sendo reconhecidos como outros elementos da definição da validade dos atos administrativos[10]. Diante dessa nova perspectiva, de legalidade ampla ou juridicidade, toda a principiologia, e não somente a legalidade estrita, passou a fundamentar o controle judicial das condutas discricionárias, com o que se ampliou, de forma significativa, o espectro de temas devidamente controláveis. Em outras palavras, pode ser dito que o Poder Judiciário sempre foi legitimado a promover o controle da validade das condutas discricionárias. O que sofreu evolução foi a definição de validade, que, anteriormente, se resumia a aspectos formais de legalidade estrita e que, hodiernamente, se relaciona com os aspectos mais abrangentes, estes de cunho formal e substancial, devidamente determinados por todo arcabouço de princípios formadores da noção de juridicidade administrativa. Em sede de mérito administrativo, é importante lembrar que tal mérito consiste em um instituto relacionado, de forma direta, com o que se entende por discricionariedade administrativa.[11] A discricionariedade administrativa se dá pela concretização de uma regra de atribuição de competência portadora de uma estrutura normativa pela qual a concretização da hipótese legal enseja a possibilidade de eleição, pelo administrador, de uma dentre as várias soluções previstas legalmente. Esta eleição é calcada através de um critério de oportunidade e conveniência, a que se dá o nome de mérito administrativo. Cabe salientar que o mérito administrativo consiste em um critério de escolha que, obviamente, somente poderá ser considerado presente nos casos onde existirem espaços legais para os devidos juízos de valor. Em virtude dessa razão é que pode ser concluído que não há que ser falado em mérito administrativo em relação a regras vinculadas de atribuição de competência, uma vez que, em tais casos, nenhuma escolha há de ser promovida. Continuando, em se tratando de mérito administrativo, apontando-se o binômio oportunidade/conveniência para tanto, podem advir algumas perplexidades, as quais não encontram justificativa. Embora recheada de elementos subjetivos, a definição do que sejam oportunidade e conveniência não se mostra difícil. Quando a figura do administrador público se depara com a necessidade de concretização de uma regra discricionária, não bastará o simples exercício de subsunção da hipótese à regra, uma vez que, além disso, terá de eleger qual dos comportamentos tidos como legalmente admitidos será o melhor para a satisfação do interesse público, em face das circunstâncias fático-jurídicas havidas naquele determinado caso concreto. Obviamente, tudo se dá de forma válida, de modo a não contrariar a ordem jurídica. Nesse sentido, embora a oportunidade e conveniência sejam conceitos inseparáveis na concretização de escolhas discricionárias, poder-se-ia relacionar a conveniência com as soluções legalmente previstas, com vistas à eleição daquela que melhor satisfaça ao interesse público, e a oportunidade, com a valoração de caso concreto em que tal escolha ocorrerá. Cabe ser lembrado que nas condutas vinculadas a atuação administrativa estará condicionada somente à subsunção legal, não sendo viável qualquer escolha de soluções ou valoração de caso concreto. Podem ser encontradas na doutrina, de um lado, diversas posições que defendem a impossibilidade de controle judicial do mérito administrativo e, de outro lado, aquelas que entendem ser viável tal controle. Rogando-se vênia aos que se imbuíram na presente discussão, ao menos nos dias de hoje tal questão se dá por meramente terminológica. Não se discute mais o quê e como o Poder Judiciário pode promover o controle das condutas discricionárias. Controverte-se, exclusivamente, sobre o modo de se denominar o objeto de tal controle. Com o objetivo de um melhor esclarecimento, a questão será analisada através de dois questionamentos. Se existir questionamento sobre a viabilidade de o Poder Judiciário promover o controle de decisões de mérito administrativo exaradas de forma válida, ou seja, caso se trate de decisão válida de oportunidade e conveniência, obviamente, a resposta se dará por negativa. Isto é, no sentido de se controlar as decisões válidas de conveniência e oportunidade, é claro que o Poder Judiciário não estará legitimado a promover tal fiscalização. Nesse sentido, costuma-se corretamente afirmar que o Poder Judiciário não pode controlar o mérito administrativo. De outro lado, se pretextando uma decisão discricionária de mérito administrativo, o administrador obrar de modo inválido, seja por desrespeitar as regras legais aplicáveis, seja por afrontar aos demais princípios do Direito Administrativo, por certo estará o Poder Judiciário habilitado a controlar tal conduta em juízo, em regra, negativo, ou seja, invalidando a decisão administrativa discricionária. Embora se trate de questão de validade, há quem considere tal controle como um controle judicial do mérito administrativo. Não se pode, contudo, concordar com tal perspectiva, uma vez que, como já afirmado, trata-se de um controle jurisdicional pautado por noção de validade, mesmo que esta se encontre devidamente ampliada. Comenta-se que seria possível afirmar que o Poder Judiciário não pode promover o controle do mérito administrativo, no sentido de não poder se intrometer em questões administrativas de conveniência e oportunidade propriamente ditas; poderá, contudo, fazer o controle do mérito administrativo no sentido de que está legitimado a realizar o controle da validade formal e substancial das decisões discricionárias, mesmo que para isso tenha de analisar a escolha que foi realizada pela Administração Pública.[12] Continuando, o mesmo raciocínio se mostra aproveitável em relação aos chamados atos políticos, ou de governo, e também em relação aos atos interna corporis, uma vez que ao Poder Judiciário não é dada a possibilidade de se intrometer em questões de conveniência estritamente política ou de conveniência interna. Havendo, todavia, a concretização inválida de atos políticos ou de atos interna corporis, daí, sim, num controle de validade da ação administrativa poderá o Poder Judiciário promover o controle de tais matérias. O que precisa estar devidamente esclarecido é que não mais se pode tratar a discricionariedade ou o mérito administrativo como círculos de imunidade de poder. Toda e qualquer atuação estatal, inclusive a discricionária, está sujeito à ordem jurídica e, assim, ao controle jurisdicional da observância a tal submissão. Assimiladas as definições de vinculação e discricionariedade, aparece a necessidade de se analisar a questão dos conceitos jurídicos indeterminados, sobretudo para se vislumbrar se também seriam casos de discricionariedade administrativa. Os conceitos jurídicos indeterminados possuem, incontroversamente, uma margem de interpretação a ser preenchida, em cada caso concreto pelo administrador quando da aplicação da regra legal em que está inserido. A questão que é posta é a de se saber se a presença de um conceito jurídico indeterminado em regras de atribuição de competência geraria outra espécie de discricionariedade, intelectiva e não volitiva, como a supra estudada. Tal discussão vem de há muito tempo no Direito Administrativo. Além disso, podem ser encontrados na doutrina setores importantes que vislumbram nos conceitos jurídicos indeterminados uma espécie de discricionariedade, bem como outros setores, não menos importantes, que rechaçam tal condição. Quer parecer que a razão está com aqueles que diferenciam a discricionariedade dos conceitos jurídicos indeterminados. A discricionariedade permite ao administrador que se produza um juízo de valor, ou seja, impõe ao administrador que pratique um ato de vontade, escolhendo uma dentre várias formas de ação legalmente previstas. Os conceitos jurídicos indeterminados ensejam que o administrador produza um juízo de interpretação, no sentido de, na aplicação da regra, o administrador promoverá um ato de inteligência. No que se refere ao controle jurisdicional da concretização, pelo administrador dos conceitos jurídicos indeterminados, esse deve possuir uma dimensão ainda maior do que aquela existente em relação à discricionariedade administrativa. Como é sabido, na discricionariedade, sendo a decisão validamente promovida, existirá um espaço que é da alçada exclusiva da Administração Pública, qual seja, a valoração da conveniência e da oportunidade. O controle jurisdicional de condutas administrativas discricionárias restringe-se a questões de validade, ainda que entendidas de forma a abarcar não só a estrita legalidade, mas também a principiologia do Direito Administrativo. No que diz respeito aos conceitos jurídicos indeterminados, tratando-se de questão de interpretação jurídica, o controle jurisdicional possui a plena sindicabilidade da correção de tal interpretação, por se tratar de questão de validade da ação administrativa. Pode ser dito que é verdade que, em relação aos conceitos jurídicos indeterminados, não é incomum a necessidade de o intérprete socorrer-se de outras áreas do conhecimento científico. Por vezes, o preenchimento do significado do conceito indeterminado reclama conhecimentos técnicos que exorbitam a Ciência Jurídica. Nesses casos, para fins de controle judicial, a demonstração do significado técnico do conceito em análise será uma incumbência do interessado na desconstituição levada à apreciação judicial. 1.3.2 Poder hierárquico A Administração Pública organiza-se através de uma estrutura que costuma ser altamente complexa. Os órgãos públicos e as entidades administrativas recebem do ordenamento jurídico um conjunto complexo de competências. Eles se organizam internamente através de várias outras unidades administrativas, cada uma das quais dispondo de vários agentes públicos. A necessidade de que tudo isso seja devidamente organizado impõe uma sistemática racionalmente elaborada, que, hodiernamente, segue o modelo hierárquico. O poder hierárquico, em uma boa visão doutrinária[13], consiste no instrumento de organização da Administração Pública através de mecanismos de distribuição de escalonamento das funções cometidas às unidades administrativas em patamares hierárquicos diferenciados. Forma-se, em virtude do poder hierárquico, uma espécie de teia de atribuições em que cada unidade poderá estar colocada, concomitantemente, acima e abaixo de outras unidades administrativas. Basta ter-se em mente a imagem de um organograma, o qual nada mais é do que a representação gráfica do poder hierárquico. Pode ser constatado que uma boa visão cobre a definição do que seja poder hierárquico não ocasiona maiores perplexidades. O que deve ser analisado, de forma mais detalhada, são os seus consectários, ou seja, os resultados fáticos de tal modelo de organização administrativa. Seguem-se tais consectários. 1.3.3 Poder de chefia Uma das decorrências mais óbvias do poder de hierárquico consiste no poder de chefia, pelo qual os agentes públicos que estiverem colocados em posição superior terão a prerrogativa de emitir ordens a seus subordinados que, por seu turno, estarão submetidos a um dever de obediência.[14] É importante salientar que tal poder de chefia, de maneira óbvia, sofre alguns limites, dos quais dois são destacados: 1) deve haver um vínculo de pertinência entre a ordem emitida e as atribuições legais de quem emite, bem como de quem a recebe; 2) não pode ser a ordem ilegal, havendo, inclusive, o dever de o subordinado não atendê-la quando apresentar ilegalidade manifesta. 1.3.4 Poder de fiscalização e coordenação Também resulta do poder hierárquico a prerrogativa de os superiores fiscalizarem e coordenarem a atuação de seus subordinados. Trata-se de uma prerrogativa perene, embora possam existir mecanismos de formalização periódica de fiscalização. Mesmo quando existirem tais mecanismos de formalização periódica de fiscalização, estes não afastam o permanente dever de fiscalização e coordenação inerentes ao poder hierárquico. Demais disso, em face do poder de coordenação, eventuais conflitos de competência administrativa entre subordinados serão, em nome da hierarquia, solucionados por aquele que estiver situado em patamar superior na escala de subordinação. 1.3.5 Poder de revisão de ato Do poder hierárquico decorre, também, a possibilidade de os superiores reverem condutas administrativas perpetradas pelos seus subordinados, seja por razões de legalidade, seja por questões de conveniência e oportunidade. Em tal sentido, o poder hierárquico se aproxima, não ao ponto da identidade, de outro poder administrativo, qual seja, o de autotutela. 1.3.6 Poder de transferência administrativa de competência Em função do poder hierárquico, podem ocorrer mecanismos de transferência de competências administrativas. Torna-se importante salientar que a delegação e a avocação são instrumentos de transferência temporária e excepcional de competências, não se traduzindo em formas de renúncia, a qual, aliás, é inadmitida no Direito Administrativo, em face do princípio da indisponibilidade do interesse público. 1.3.6.1 Delegação de competência Consiste em um instrumento de transferência administrativa de competência de um órgão ou autoridade a outros órgãos e autoridades que estejam submetidos a vínculos hierárquicos ou outros mecanismos de controle. Nesse sentido, o art. 12 da Lei 9.784/1999 inovou ao dispensar a necessidade de vínculo hierárquico entre o delegante e o delegatário. Embora a referida regra não mencione, quer parecer que se faz necessário, no mínimo, um vínculo de controle, mesmo que não seja hierárquico. Algumas leis estaduais, contudo, ainda determinam que a delegação de competências seja condicionada à existência de tal vínculo de subordinação. Os limites à delegação podem ser de três espécies:[15] 1) limites conceituais ou ontológicos: são aqueles que resultam da própria definição de delegação, relacionados notadamente com a atenção que se deve ter para que dela não se utilize para fins de renúncia de competência. Assim, a delegação deve ser temporária, excepcional e extraordinária. Isso significa dizer que a delegação há de se fundamentar em relevantes questões de ordem técnica, social, econômica, jurídica, territorial, etc. A delegação permanente ou ordinária significaria, por vias indiretas, caso indevido de renúncia de competência. 2) limites específicos: há também limites específicos à delegação, que são aqueles que se encontram fundamentados nas próprias regras de competências das autoridades administrativas. Exemplo disso é o que ocorre com as competências constitucionais privativas do Presidente da República. Tal regra constitucional enumera uma série de atribuições privativas do Presidente da República, das quais, segundo o parágrafo único do mesmo preceito, somente algumas poderiam ser objeto de delegação. 3) limites gerais: correspondem aos casos em que a delegação é vedada em face das características da conduta administrativa, independentemente das autoridades competentes. No plano federal, tais limites gerais são previstos no art. 13 da Lei 9.784/1999, pelo qual não pode ser objeto de delegação a edição de atos de caráter normativo, as decisões de recursos administrativos e os atos de competência exclusiva. 1.3.6.2 Avocação administrativa A outra forma de transferência administrativa de competência consiste na avocação, pela qual o superior hierárquico assume, de modo peremptório, uma competência que originariamente é atribuída a um dos seus subordinados. Cumpre salientar que, mesmo no plano federal, ao contrário do que ocorre com a delegação, a avocação pressupõe a existência de um vínculo hierárquico. Em outras palavras, somente pode haver a avocação onde houver um vínculo de natureza hierárquica. Em relação aos seus limites, o art. 15 da Lei 9.784/199, aplicável somente na esfera federal, embora traduza o que a melhor doutrina costuma a referir, estabelece que a avocação deve ser excepcional, temporária e devidamente fundamentada em motivos relevantes devidamente justificados, além do já referido vínculo de subordinação entre a autoridade avocante e aquela outra originariamente titular da competência. 1.3.7 Poder de iniciativa disciplinar Os poderes hierárquico e disciplinar não podem ser confundidos. O que existe, entre eles, é um ponto de convergência. Trata-se de fato de que a iniciativa de qualquer providência tendente à incidência do regime disciplinar deverá, necessariamente, seguir a cadeia hierárquica. Tal observância à estrutura hierárquica para fins de concretização do regime disciplinar é imperiosa, seja nos casos em que a relação é direta, seja no caso em que a relação é indireta. De qualquer forma, existe uma regra geral que precisa ser seguida: não podem subordinados deter a prerrogativa de iniciativa de providências tendentes à incidência do regime disciplinar, embora tenham a prerrogativa, que, aliás, se traduz em dever, de representar contra irregularidades cometidas por seus superiores. 1.3.8 Poder disciplinar É importante mencionar que para a compreensão do poder disciplinar da Administração Pública, faz-se necessário entender uma premissa teórica.[16] Os administrados podem estar subordinados à Administração Pública, basicamente, de dois modos. Uma das formas de subordinação, denominada subordinação geral, decorre da simples condição de cidadão, de administrado, ou seja, de destinatário da função administrativa. Diante disso, pode ser dito que todas as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, que são destinatárias da atividade estatal de Administração Pública encontram-se submetidas a tal vínculo de subordinação geral. A outra forma de subordinação, denominada especial ou específica, é aquela a que estão submetidos os administrados, e também subordinados de forma geral, que mantiverem outro vínculo jurídico regular e específico perante a Administração Pública. Cabe enfatizar que não são subordinações que se apresentam alternativamente. A subordinação geral atinge a todos. Além desta, alguns administrados estarão subordinados de modo especial por manterem vínculos jurídicos específicos com a Administração Pública. Logo, aquele que não possuir qualquer espécie de vínculo jurídico perante o Poder Público, ainda assim deverá ser considerado submetido à subordinação geral. Os agentes públicos, concessionários, contratados da Administração Pública, e outras tantas condições resultantes de vínculos jurídicos específicos, além da subordinação geral, estarão sujeitos a uma subordinação específica. Após as explicações anteriormente efetuadas, já se pode definir o poder disciplinar como sendo a prerrogativa que tem a Administração Pública de promover atos e determinados procedimentos tendentes à aplicação de penas administrativas àqueles que a elas estiverem relacionadas através de um vínculo de subordinação específica. Torna-se imperioso advertir que a Administração Pública também possui prerrogativas de imposição de limites e de aplicação de penalidades em decorrência da subordinação geral. Todavia, em tal caso, não se poderá considerar tais sanções resultantes do poder disciplinar, mas de outras formas de atividade estatal, como é o caso, por exemplo, do poder de polícia. Uma questão importante, sobre a natureza jurídica do ato que concretiza o poder disciplinar, se apresenta.[17] A doutrina encontra-se dividida entre os que entendem se tratar de um ato administrativo vinculado e, o que é mais comum, e aqueles que defendem ser um ato administrativo discricionário. A questão parece estar sendo analisada de modo simplista. Ele nos lembra que não existem condutas administrativas que sejam vinculadas ou discricionárias segundo a sua essência, ou seja, não é a doutrina que deve dizer o que é vinculado ou o que é discricionário, por meras imposições conceituais. A vinculação e a discricionariedade decorrem da estrutura das regras de atribuição de competência endereçadas aos administradores. Dessa forma, o ato de concretização do poder disciplinar será vinculado ou discricionário dependendo tão-somente da estrutura normativa da regra legal que o embasa devidamente. O que ocorre é que existem vários regimes disciplinares, tais como servidores, contratados, etc., alguns dos quais são normatizados por um complexo conjunto de regras legais, o que significa dizer que seria precipitado afirmar que os atos de concretização do poder disciplinar seriam, inicialmente, vinculados ou discricionários. Ainda sobre o tema em pauta, embora se apresente frequente a colocação de que o poder disciplinar é, essencialmente, discricionário, não se pode concordar com tal afirmação. O que de fato ocorre, é que a evolução dos regimes disciplinares vem determinando, como decorrência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que as regras dos regimes disciplinares sejam cada vez mais detalhadas, tanto na tipificação das infrações puníveis, quanto na capitulação das punições administrativas que lhes são decorrentes. Assim, pode ser percebido que a noção mais atual do poder disciplinar remete a uma tendência de que os atos administrativos que lhe dão concretização são embasados em regras predominantemente vinculadas. Não pode ser negada, contudo, a existência de regras discricionárias, contidas em regimes disciplinares. Concluindo, pode ser dito que os regimes disciplinares podem prever atos administrativos vinculados ou discricionários, tudo dependendo exclusivamente da estrutura normativa das regras de atribuição de competência, embora possa ser afirmado que devem ser considerados predominantemente vinculados em face do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. 1.3.9 Poder de autotutela O poder de autotutela é de singela compreensão. Para alguns doutrinadores, trata-se de um princípio. Em determinada visão doutrinária[18], é tratado como poder administrativo. Autotutela administrativa deve ser entendida como a prerrogativa que a Administração Pública possui de manter-se permanentemente controlada, tanto em relação à validade de suas condutas, a legalidade em sentido amplo, quanto em relação a questões de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito administrativo. Possui status constitucional reconhecido, de forma expressa, no art. 74 de nossa Carta Magna. Mesmo que assim não fosse, ainda se poderia reconhecer sua natureza constitucional, uma vez que resulta da própria submissão da Administração Pública à ordem jurídica. Nesse sentido, pode-se afirmar que a autotutela administrativa é subproduto do princípio da legalidade. Existem vários instrumentos de concretização da autotutela administrativa. De qualquer modo, há necessidade do entendimento de que a autotutela é prerrogativa permanente, que, embora possa ter instrumentos de formalização, a eles não fica vinculada. Do mesmo modo, tal permanente poder de controle, do qual é titular a Administração Pública, está casuisticamente submetido aos limites formais, materiais e temporais. A existência de tais limites não significa comprometimento ao exercício da autotutela. Representa, sim, formas de ponderação de princípios, no sentido de que a autotutela administrativa deve ser interpretada em cotejo com outros valores e princípios, disso podendo resultar os referidos limites. 1.3.10 Poder de polícia O poder de polícia corresponde a uma das mais importantes atividades administrativas.[19] A polícia administrativa encontra-se definida no art.78, do Código Tributário Nacional. Contudo, esta situação é justificável, uma vez que, conforme o constante do art.145, II, de nossa Carta Maior, uma das formas de contraprestação da atividade de polícia administrativa, e não a única, se dá através da cobrança de taxas, a qual, por seu turno, se presta a remunerar várias outras espécies de atividade estatal. Assim, embora não se apresente como absoluta ou necessária, há uma relação entre taxas e poder de polícia administrativa, razão pela qual o CTN define o poder de polícia quando trata daquela espécie de tributos. Conforme o diploma supramencionado, pode ser considerado poder de polícia “…atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão e autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade”. Pode ser dito que o art.78, parágrafo único, de nosso Código Tributário faz referência às características que, somadas, compõem a noção de exercício regular, devidamente válido, de poder de polícia. Continuando, uma advertência deve ser feita quanto a isso: o poder de polícia, como espécie de ação administrativa que é, terá sua validade condicionada à observância de todo o Direito Administrativo, no sentido de que não bastará o respeito formal às regras legais aplicáveis, sendo também necessária a observância de toda principiologia de tal área da Ciência Jurídica. Ainda sobre o tema, o art. 78 do CTN, em seu parágrafo único, destaca os principais elementos integrantes da noção de regularidade ou validade do poder de polícia. A primeira característica é ser o poder de polícia desempenhado por órgão e autoridade competentes. A segunda característica, esta óbvia e ao mesmo tempo muito relevante, é ser o poder de polícia exercido nos limites da lei aplicável. Sendo feição da atividade de Administração Pública, é, como citado, óbvio que o poder de polícia deve se submeter ao princípio da legalidade. No entanto, tal advertência é muito pertinente, porque é comum que maus administradores imponham restrições a direitos alheios sem qualquer embasamento legal, em nome de um suposto interesse público. Ora, o interesse público é a finalidade nuclear da ação administrativa, mas não é o administrador o seu titular, fato este que torna imprescindível o entendimento de que somente se exerça o poder de polícia em nome do interesse público que estiver cristalizado nas regras legais de atribuição de competência. Ainda, deve ser observado o devido processo legal, o que, aliás, figura como imposição constitucional, devidamente expressa no inciso LIV do art. 5º de nossa Carta Magna, especialmente nos casos como o poder de polícia, que se trata de uma atuação estatal potencialmente restritiva de direitos alheios. Pode ser entendido, de tal característica, que, de um lado, o chamado devido processo legal, em sentido procedimental, consubstancia-se na necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa como requisitos de efetivação do poder de polícia, devendo ocorrer precedentemente, ressalvadas as situações de urgência onde que se permite a mitigação de tais direitos procedimentais no sentido de postergá-los, não os eliminando. De outro lado, extrai-se de tal sobreprincípio, o denominado devido processo legal em sentido substancial, pelo qual o poder de polícia administrativa há de se submeter ao postulado da proporcionalidade, no sentido de que as restrições, impostas em nome do interesse público, incidentes sobre os direitos dos administrados, não podem ser excessivas ao ponto de esvaziá-los. Trata-se, portanto, de uma interdição de excessos. Finalizando, o art. 78, parágrafo único, do CTN cita que deve o poder de polícia ser exercido sem abuso ou desvio de poder, quando se tratar de atividade discricionária, restrição esta indevida, uma vez que a vedação ao abuso e ao desvio de poder ou finalidade existe tanto para regras discricionárias quanto para regras vinculadas. E, em termos de atributos, para a efetiva e eficaz aplicabilidade do poder de polícia, é necessário entender que o poder de polícia é, em regra, discricionário, em regra é auto executório, é imperativo e coercitivo. 1.3.11 Poder regulamentar ou normativo Trata-se de prerrogativa excepcional de expedição de normas gerias e abstratas, normalmente secundárias em relação àquelas oriundas do Poder Legislativo, justamente para sua regulamentação. Tal prerrogativa é o que se pode denominar de poder regulamentar ou poder normativo da Administração Pública, a qual se concretiza através de variados instrumentos, tais como decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções normativas, regimentos, etc. Conclusão Diante do exposto, pode ser constatado, através da análise de tão singela doutrina, bem como da verificação devidamente centrada nas exposições de motivos proferidas por muitos de nossos administradores, com o intuito de defenderem-se de acusações que não possuem defesa, que não existem argumentos plausíveis para justificar medidas descabidas, de cunho meramente eleitoreiro, que coloquem em risco o bem público. O Estado possui excelentes ferramentas de controle e verificação, mas carece, como pode ser verificado mediante a mera assistência aos noticiários, de administradores competentes, em todas as esferas de Poder, para bem cuidar do que é de todos. A doutrina mais simples e, a meu ver, a melhor, por ser acessível intelectualmente a todos, está aí, presente, clamando para ser lida, ouvida e, sem mais demora, posta em uso, com o escopo de criar uma verdadeira Administração Pública, que a todos assiste e que de todos cuida, dando efetivamente o retorno que o contribuinte espera, por ser de direito, tendo em vista os tributos que paga. Assim, para aqueles que querem enveredar no ramo de administrar o bem público, exige-se, no mínimo, o respeito e o interesse em cuidar, em zelar pelo que é de toda população, atendendo seus anseios, ouvindo suas reais necessidades e, acima de tudo, respeitando o contribuinte, mola propulsora ao financiamento e ao incremento construtivo de uma verdadeira nação. E, para isso, o administrador conta com uma gama de poderes de que poderá valer-se para, no fim, atingir o verdadeiro bem comum.
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Da arbitragem à judicialização nos contratos de PPP: a experiência das parcerias público-privadas do Estado de Minas Gerais
O estudo provoca a reflexão sobre a utilização da arbitragem no âmbito dos contratos de Parcerias Público-Privadas para resolução de conflitos de interesses entre as Administrações Públicas e seus parceiros privados. Remetendo ao caso mineiro, o artigo questiona em que medida a arbitragem tem sido considerada um dos principais meios de resolução de conflitos entre o parceiro privado e o poder público como opção à judicialização. Para tanto, baseou-se em revisão da literatura, além da análise da legislação relacionada.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO A arbitragem, instrumento usualmente utilizado para dirimir conflitos em âmbito empresarial, dado o novo perfil de relação entre público e privado estabelecido pelas leis que regem os contratos de concessão (comum e especial), a partir do século 21, tem sido adotada pelo poder público como forma de horizontalização na solução de controvérsias. Assim, torna-se importante a análise desse instituto para entender os possíveis benefícios e malefícios advindos de sua utilização em face dos contratos de concessão, especificamente, no tocante às concessões especiais ou parcerias público-privadas. Dessa forma, procedeu-se com o estudo da arbitragem no Brasil, passando pela análise do instituto, suas principais características e seus elementos peculiares, para possibilitar a compreensão da repercussão da utilização do instituto, em face dos meandros do Direito Administrativo. Partiu-se para o estudo do instituto em face aos contratos de concessão, mais especificamente os contratos de concessão especial, com a revisão dos principais marcos regulatórios que envolvem a temática, relacionando o procedimento arbitral e a persecução do interesse público. Então, a partir da análise das parcerias público-privadas realizadas pelo estado de Minas Gerais, e os conflitos gerados entre os parceiros privados e o poder público, tornou-se possível entender a ligação entre a utilização da arbitragem e a judicialização das questões que envolvem os direitos patrimoniais advindos dos contratos de concessão. 2. A ARBITRAGEM NO BRASIL A arbitragem no Brasil foi instituída, pela primeira vez, através das Ordenações Filipinas, sendo regida posteriormente pela Constituição do Império de 1824 e “após, a arbitragem passou a ser regulada pelo Código Comercial e pelo Regulamento 737, ambos de 1850” (COSTA, 2013). Atualmente, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem, ou Lei de Arbitragem – LA –, é a principal fonte normativa desse instituto que representa uma técnica que visa solucionar controvérsias por meio da intervenção de uma ou mais pessoas cujos poderes decisórios advém de uma convenção privada e destinam-se, a partir do estabelecido nesta, a assumir eficácia de sentença judicial (CARMONA, 2009). Cabe salientar, conforme dispõe o art. 1º da Lei nº 9.307/96, que a arbitragem está apta a dirimir litígios que envolvam necessariamente pessoas capazes de contratar e direitos patrimoniais disponíveis. Essa noção de que a arbitragem se relaciona a conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis vai ser de extrema importância para a análise futura da utilização desse instituto junto ao poder público contratante. Acerca desse ponto, Oliveira (2005) esclarece: “Em face do art. 1º da LA, a doutrina alude a uma arbitrabilidade subjetiva e a uma arbitrabilidade objetiva. Assim, somente podem pactuar e sujeitar-se a arbitragem as pessoas capazes de contratar (arbitrabilidade subjetiva); e somente podem ser submetidas ao juízo arbitral controvérsias atinentes a direitos patrimoniais disponíveis (arbitrabilidade objetiva).” A arbitrabilidade subjetiva reflete a relação de que a arbitragem deve sujeitar pessoas capazes de contratar. Já a arbitrabilidade objetiva, segundo Oliveira (2005), pode ser observada a partir da leitura da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que Institui o Código Civil. Em seu art. 852, o código estabelece um mandamento similar ao art. 1º da LA, dispondo que é vedado compromisso para soluções de controvérsias que envolvam questões de estado, direito pessoal ou outros direitos que não tenham caráter exclusivamente patrimonial. O Código Civil ressalta, dessa forma, a necessária observação do caráter disponível do direito patrimonial para a possibilidade de utilização de método arbitral, conforme pode-se depreender da leitura do art. 841: “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”. Bacellar (2012) aponta que a arbitragem é instituída somente através da materialização da vontade das partes em um acordo genérico intitulado convenção de arbitragem. Nesse sentido, Carmona (2009) esclarece que de forma semelhante ao ocorrido na França no início da década de 80, a LA tratou em um mesmo capítulo tanto a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, denominando-os como convenção de arbitragem. Se no caso prático for apresentada a opção genérica pela utilização da arbitragem, no âmbito do contrato, o compromisso arbitral conforme ressalta Bacellar (2012), objetivará tornar perfeita e acabada essa opção. Assim, o referido autor conclui: “Com base no aforismo uti tatoo cuti, o papel do compromisso é o papel do tatuador, que, a partir da preferência dos interessados, estabelecerá o desenho, seus contornos e cores antes de instaurar definitivamente a tatuagem. Acordada a escolha (ou forma de escolha) do árbitro ou instituição arbitral, firmam-se, no compromisso, condições efetivas para a instauração da arbitragem” (BACELLAR, 2012). Já a cláusula compromissória pode ser definida “como a convenção por meio da qual as partes comprometem-se, por escrito, a submeter à arbitragem os litígios, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, que possam vir a surgir, relativamente a um contrato (BACELLAR, 2012). A cláusula compromissória pode ser classificada como vazia ou cheia. A primeira opção implica na utilização necessária da arbitragem, porém não apresenta a delimitação da forma como se dará essa aplicação. Com essa cláusula, embora registre-se a opção da arbitragem, não se adquire firmeza com relação ao seus contornos para que se possa instaurar e efetivar a arbitragem. Segundo Carmona (2009), a utilização de cláusulas arbitrais vazias traz notórios inconvenientes e para tanto merece ser evitada, devendo as partes sempre que possível anteciparem a possibilidade de um conflito estabelecendo assim, desde logo, as regras de instituição de um órgão arbitral, ou prever no instrumento contratual a forma de nomeação de árbitro, evitando assim o procedimento do art. 7º da LA. Bacellar (2012) partilha da mesma opinião e aponta: “Não se recomenda a adoção da cláusula compromissória branca ou vazia (arts. 6º e 7º), que sempre precisará de complemento (compromisso), não tem aplicação imediata e no mais das vezes é ponto de controvérsias que poderiam ter sido eliminadas preventivamente com uma redação mais completa e adequada.” A cláusula compromissória cheia, por sua vez, possui todos os elementos necessários a permitir a instituição da arbitragem. A cláusula possui completude e integralidade em seu conteúdo, representando todas as condições essenciais para o estabelecimento da arbitragem, além da indicação de árbitros, forma, procedimento e os critérios de julgamento e prazos. (Bacellar, 2012). A arbitragem, a partir de sua forma de instrução, pode constituir em uma célere e justa forma de resolução de conflitos. Os defensores desse instituto como forma de resolução de conflitos, costumam, conforme aponta Scavone Jr. (2014), elucidam cinco vantagens básicas: “a) Especialização: na arbitragem, é possível nomear um árbitro especialista na matéria controvertida ou no objeto do contrato entre as partes. A solução judicial de questões técnicas impõe a necessária perícia que, além do tempo que demanda, muitas vezes não conta com especialista de confiança das partes do ponto de vista técnico. b) Rapidez: na arbitragem, o procedimento adotado pelas partes é abissalmente mais célere que o procedimento judicial. c) Irrecorribilidade: a sentença arbitral vale o mesmo que uma sentença judicial transitada em julgado e não é passível de recurso. d) Informalidade: o procedimento arbitral não é formal como o procedimento judicial e pode ser, nos limites da Lei 9.307/1996, estabelecido pelas partes no que se refere à escolha dos árbitros e do direito material e processual que serão utilizados na solução do conflito. e) Confidencialidade: a arbitragem é sigilosa em razão do dever de discrição do árbitro, insculpido no § 6º do art. 13 da Lei 9.307/1996, o que não ocorre no procedimento judicial que, em regra, é público, aspecto que pode não interessar aos contendores, notadamente no âmbito empresarial, no qual escancarar as entranhas corporativas pode significar o fim do negócio” (SCAVONE JR, 2014). Dessa forma, a arbitragem se mostra uma forma bastante vantajosa para a resolução amigável de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. É amplamente utilizada nas relações empresariais e suas vantagens podem ser transportadas para os contratos administrativos. Portanto faz-se necessário o estudo do instituto em face da administração pública para entender a potencial utilização da arbitragem nos contratos de concessão. 3. A ARBITRAGEM E OS CONTRATOS DE CONCESSÃO A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art. 23, inciso XV, prevê que é uma cláusula essencial do contrato de concessão à relativa “ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais”. No entanto essa redação não possibilitava, segundo a interpretação da maioria da doutrina especializada, de forma inequívoca a utilização da arbitragem nos contratos de serviços públicos. Com o advento da Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, houve a previsão expressa da possibilidade do uso da arbitragem nos contratos de concessão especial (PPP’s), desde que fosse utilizada para a solução de questões que envolvessem necessariamente direitos patrimoniais disponíveis. Essa inovação estimulou a inclusão taxativa da arbitragem no regime jurídico das concessões comuns. Em 2005, a partir da lei n º 11.196, fora incluído o art. 23-A na Lei 8.987/1995, que estabelece: “Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.” Segundo Ribeiro (2007), a arbitragem, enquanto meio para solução de conflitos no âmbito de contratos administrativos, tem sido considerada uma alternativa apta a garantir celeridade. Assim, ao indicar especialistas as partes decidem as questões controversas que surgirem durante a execução desse contrato (que por definição tem uma duração de médio a longo prazo), tem-se o aumento da segurança jurídica, evitando que o parceiro privado incorpore os custos de transação jurídicos ao preço cobrado pelo parceiro privado, ricocheteando no Poder Público e usuário.  No entanto, Bandeira de Mello (2009) discorda dessa utilização sob o argumento de que: “Não é aceitável perante a Constituição que particulares, árbitros, como suposto no art. 11, III, possam solver contendas nas quais estejam em causa interesses concernentes a serviços públicos, os quais não se constituem em bens disponíveis, mas indisponíveis, coisas extra comercium. Tudo que diz respeito ao serviço público portanto – condições de prestações, instrumentos jurídicos compostos em vista desse desiderato, recursos necessários para o bem desempenhá-los, comprometimento destes mesmos recursos, é questão que ultrapassa por completo o âmbito decisório de particulares (cf. n. 21)” (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 781). Nesse sentido, Fortini (2007) esclarece que o interesse público real primário efetivamente é indisponível, o que limita a margem de aplicação do art. 11, inciso III da Lei das PPPs. No entanto, discorda em relação à constitucionalidade, uma vez que em litígios contratuais que envolvam questões “extra-erário público”, seria possível a adoção da arbitragem para consagrar assim o Princípio da Eficiência, dada a sua agilidade. A princípio não há correlação entre direitos patrimoniais, interesse público e suas (in)disponibilidades. Isso, porque segundo Grau (2002), dispor de direitos patrimoniais significa transferi-los a terceiros, ou seja, implica em uma potencial de alienação. O poder público, para a consecução do interesse público, pratica atos que repercutem em disposição de alguns direitos patrimoniais, ainda que existam direitos patrimoniais não passíveis de disponibilidade (como por exemplo os direitos patrimoniais sobre os bens públicos de uso comum). Assim, inúmeras vezes a Administração Pública dispõe de direitos patrimoniais objetivando o alcance do próprio interesse público. Portanto, a maioria dos estudiosos tem concluído pela viabilidade da utilização da arbitragem, por parte do Estado, pois a adoção desse instituto não ofenderia os princípios da legalidade e indisponibilidade dos bens públicos, desde que vise necessariamente o alcance do interesse público. Ressalva, no entanto, que é imperativo que os agentes não desviem a finalidade da arbitragem, nem maculem o interesse público através de uma atuação contaminada por improbidade administrativa (CARVALHO FILHO, 2014).  Com relação às vantagens da utilização do mecanismo da arbitragem, no âmbito dos contratos administrativos, além da já mencionada agilidade na resolução da controvérsia, a expertise do órgão julgador, a confiança das partes nesse órgão, a desburocratização dos procedimentos, ausência de duplo grau de jurisdição e reforço da noção de equilíbrio entre as partes dada o desapego das prerrogativas pelos entes públicos (BRANDT, 2008). Assim, uma vez que a majoritária doutrina conclui pela constitucionalidade da utilização da arbitragem, e percebemos as vantagens de sua aplicação aos contratos de concessão recorre-se à análise do caso prático como forma de analisar os elementos discutidos em face à realidade. 4. ESTUDO DE CASO DA ARBITRAGEM NAS PPP’S REALIZADAS PELO ESTADO DE MINAS GERAIS Em Minas Gerais, tem-se observado alguns problemas com relação à utilização do instituto da arbitragem em face às concessões especiais. O panorama atual dos contratos de PPP’s em Minas Gerais, com relação à utilização de cláusulas vazias ou cheias, pode ser elencado como se segue: “PPP MG-050: optou-se pela cláusula vazia, definindo-se apenas que a arbitragem, necessariamente, deveria ocorrer na capital do Estado; PPP PENITENCIÁRIA: mais uma vez, optou-se pela cláusula arbitral vazia, sem indicação da câmara. Todavia, desta vez, foram estabelecidos alguns parâmetros relativos ao procedimento arbitral; PPP ESTÁDIO DO MINEIRÃO: assim como no caso da PPP das UAI, optou-se pela cláusula arbitral cheia, com indicação da câmara arbitral e estabelecimento de alguns parâmetros; PPP UNIDADES DE ATENDIMENTO INTEGRADO (UAI): nesse caso, a opção foi pela cláusula cheia, com escolha do juízo arbitral e de alguns aspectos relativos ao procedimento arbitral” (OLIVEIRA e ALMEIDA, 2013). No caso da PPP da MG050, cujo contrato fora assinado em 2007, uma controvérsia com relação à multa a ser aplicada teve como desdobramento a judicialização da questão em 2009. A concessionária ingressou com uma ação cautelar obtendo liminarmente a suspensão da exigibilidade da multa. Essa ação judicial ocorreu, em detrimento ao processo de arbitragem, pois segundo apontam Oliveira e Almeida (2013), a inexistência de previsão de cláusula arbitral cheia, gerou margem para interpretações divergentes entre as partes, sendo provocado, assim o poder judiciário para definir os contornos do processo arbitral (OLIVEIRA E ALMEIDA, 2013). Portanto, como visto anteriormente, a recomendação de evitar a utilização de cláusulas compromissórias vazias, por parte da doutrina autorizada, não foi devidamente acatada, gerando a total ineficácia da arbitragem no caso concreto. A judicialização da controvérsia envolvendo a PPP da MG 050 provavelmente estimulou o poder legislativo a elaborar a Lei Estadual 19.477, de 12 de janeiro de 2011, que dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para a solução de litígio em que o Estado seja parte. A partir dessa norma os contratos de PPP’s no âmbito do Estado de Minas Gerais passaram a incorporar cláusula compromissória cheia, conforme disciplina seu art. 8º: “O procedimento arbitral para a solução de litígio relativo a contrato, acordo ou convênio celebrado pelo Estado fica condicionado à existência de cláusula compromissória cheia ou à formulação de compromisso arbitral.” Ao analisar o caso da PPP da MG050, Oliveira e Almeida (2013) concluem que ao contrário da expectativa de solução célere e eficiente, a utilização da cláusula arbitral vazia possibilitou interpretações divergentes, o que demandou necessariamente a participação de Poder Judiciário. O contrato de concessão da PPP do Complexo Prisional, assinado em junho de 2009, como já mencionado anteriormente, utilizou-se da cláusula compromissória vazia. A concessionária ao ser multada, de forma semelhante ao ocorrido com a PPP da MG050 ajuizou ação cautelar[1]com pedido liminar para suspender a referida multa, a qual foi acatada pelo julgador. A presença da fumus boni iuris foi identificada pelo julgador, uma vez “que a concessionária enfrentou no decorrer da obra algumas paralisações em virtude das chuvas e da escassez de mão-de-obra disponível” e o periculum in mora estaria materializado, dado que “o grande vulto da multa imposta representa um perigo de dano irreparável”. Em agosto de 2014, após análise do mérito, a ação cautelar[2] teve seu curso suspenso, devendo seus autos serem remetidos ao tribunal arbitral tão logo seja constituído, pois o juízo entendeu que o Juízo Arbitral é competente para proferir decisões e questões urgentes, incluindo nessas a reapreciação das liminares. A princípio então, dado os dois casos analisados, poder-se-ia direcionar para a existência de cláusula compromissória vazia a grande responsabilidade pelos ajuizamentos de ações cautelares no âmbito de contratos de concessão especial em Minas Gerais. No entanto, um breve olhar sobre o caso da PPP UAI, nos possibilitará esclarecer esse ponto. O contrato da PPP UAI fora assinado em dezembro de 2010 e previu, em seu conteúdo uma cláusula compromissória cheia, onde estariam definidas todas as diretrizes para a solução de controvérsias advindas do contrato de concessão especial. Apesar de já contemplar a cláusula cheia, antes mesmo da publicação da Lei 19.477/2011, a PPP UAI não obteve êxito na busca pela não-judicialização dos problemas advindos da relação contratual público-privado. Em setembro de 2014 a concessionária ingressou em juízo para requerer, através de ação cautelar[3], a suspensão da exigibilidade de multa aplicada pelo Poder Público até que fosse proferida decisão final em processo arbitral. O juízo de 1ª instância extinguiu o processo sem julgamento de mérito, levando em conta a cláusula 29 do contrato de concessão[4], que estabelece que as controvérsias “que não puderem ser resolvidas amigavelmente entre as partes e cuja apreciação não seja da competência exclusiva do Poder Judiciário, serão definitivamente dirimidas por meio da arbitragem”. Contudo, em sede de tutela antecipada recursal, a concessionária obteve êxito na busca pela suspensão da multa cominada pela administração pública, através da decisão da relatora[5] da turma julgadora da apelação, com base no manifesto perigo de dano irreversível, ou de difícil reparação (pois a execução da multa poderia redundar na necessidade de restituição futura mediante precatório) além do fundamento baseado na redação da cláusula 30.6 que estabelece: “30.6 – Para a finalidade exclusiva de obter medidas cautelares e urgentes, bem como para instituição forçada do foro arbitral ou para a execução da sentença arbitral exarada no processo de arbitragem conduzido nos termos da cláusula 29, fica eleito o Foro da Comarca do Município de Belo Horizonte, com renúncia expressa das PARTES a outros, por mais privilegiados que possam ser.” Assim, podemos perceber que não só a cláusula compromissória arbitral cheia não foi condição suficiente para afastar a judicialização dos conflitos, como a presença de uma cláusula que permita a concessão de medidas cautelares e de urgência tem como efeito imediato a permissão da intervenção do judiciário nas questões de direitos patrimoniais disponíveis inerentes ao contrato de concessão especial. Essa previsão remonta ao artigo 22, §4º da Lei 9307/96 que dispõe que “havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa. No entanto, a LA estabelece que o árbitro poderá solicitá-las ao Poder Judiciário, e não a parte envolvida. Conforme aponta Costa (2013): “O artigo 22, § 4º, da Lei n.º 9.307/96, que trata das tutelas de urgência no processo arbitral, não possui uma redação clara sobre o assunto, o que causou certa insegurança no início de sua vigência (notadamente porque a legislação pátria anterior, que regulava o instituto da arbitragem, vedava expressamente a concessão de medidas urgentes pelo árbitro, tendo a Lei n.º 9.307/96 modificado essa posição). Contudo passados mais de 16 (dezesseis) anos da promulgação de tal lei, já se pacificou na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de o árbitro decretar medidas cautelares e de antecipar os efeitos da tutela na arbitragem.” Portanto, podemos perceber que a mera existência de cláusula compromissória cheia nos contratos de concessão, não está apta a afastar o envolvimento do poder judiciário em decisões liminares. A possibilidade do juízo arbitral lançar mão de medidas cautelares na prática não é utilizada, em Minas Gerais, onde as questões controversas ainda são dirimidas, atualmente, em sua grande maioria através do poder judiciário. CONSIDERAÇÕES O estudo em tela teve como objetivo provocar a reflexão sobre a arbitragem nos contratos de parcerias público-privadas, em especial por parte do poder público estadual em Minas Gerais, e a materialização de sua previsão contratual no caso fático. A partir do caso acima analisado pode-se perceber que a utilização de cláusulas compromissórias vazias efetivamente não representa uma prática elogiável pois traz instabilidade para a relação contratual entre o público e o privado. No entanto, a utilização de cláusulas cheias para permitir a total delimitação do procedimento arbitral a ser utilizado quando da necessidade de dirimir um conflito, não se mostra condição necessária nem suficiente para evitar a judicialização das controvérsias. A análise dos contratos de PPP’s e das controvérsias possibilitaram perceber que a relação entre o público e o privado, que deveria ser pautada por uma característica de horizontalidade, equilíbrio e profissionalismo, tem sido marcada por intervenções do poder judiciário para permitir ao parceiro privado obter decisões liminares aptas a afastar as multas pelo descumprimento dos termos do contrato. Por outro lado, pode-se perceber que o poder público estadual não possui uma institucionalidade capaz de oferecer soluções arbitrais rápidas e suficientes para dirimir amigavelmente as disputas, pois não existe ainda, apesar das decisões judiciais nos casos em tela terem direcionado para tanto, uma câmara arbitral efetivamente constituída. Em respeito aos valores alvejados pelo Princípio Constitucional da Eficiência, eis que resta evidente a necessidade da realização de mais estudos sobre a utilização da arbitragem para a resolução de conflitos, pois a análise específica do caso do Estado de Minas Gerais permitiu apontar falhas tanto na confecção dos contratos das PPP’s, com cláusulas vazias ou incapazes de antecipar situações, como na estruturação das câmaras arbitrais, que devem possuir maior especialidade nas temáticas dos contratos e maior legitimação.
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Os poderes da administração pública
o presente artigo pretende discorrer sobre os poderes da administração pública, com o escopo de mostrar que não há desculpa para um descuido com a coisa pública, principalmente se formos levar em conta a época de desmandos pela qual passa nosso país, cujos resultados são sentidos, sem sombra de dúvidas, e com maior gravidade, pelos menos favorecidos.
Direito Administrativo
Introdução A nossa Lei Maior vigente consagrou a constitucionalização dos preceitos básicos do Direito Administrativo, ao fazer previsão de que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, isto além dos preceitos básicos devidamente distribuídos nos 21 incisos e 10 parágrafos do artigo 37 e das demais regras previstas nos artigos 38 a 42. Cabe ser ressaltado que remonta ao fim do século XVIII, início do século XIX, o nascimento do Direito Administrativo como ramo autônomo do Direito, cindindo-se do Direito Civil, ramo que estabelecia até então esparsas normas administrativas a serem desempenhadas pelo Poder Público, bem como as funções, os cargos e a estrutura administrativa. Nesta exposição, ver-se-á os poderes de que dispõe a Administração para bem cuidar da coisa pública. 1 Desenvolvimento 1.1 Conceito de Administração Pública em sentido subjetivo Alexandre de Moraes[1] bem explana que Administração Pública pode ser definida, de forma objetiva, como sendo uma atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos, e subjetivamente como sendo um conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. A Administração Federal, em uma visão mais doutrinária, compreende a administração direta e a administração indireta: – administração direta: constitui-se dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; – administração indireta: compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: autarquias; empresas públicas; sociedades de economia mista; fundações públicas. Não pode deixar de ser lembrado que a regra de definição da amplitude da administração pública contém, em seu bojo, os princípios norteadores que devem ser aplicados, de maneira obrigatória, à administração dos Estados, Distrito Federal e Municípios. 1.2 Administração Pública em sentido objetivo Como já visto, Administração Pública é o conjunto de atividades concretas e imediatas que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos[2]. É exercida pelos órgãos do Poder Executivo, dentro da conhecida tripartição dos Poderes estatais. Em linhas gerais, sem adentrar a demais subdivisões de outros doutrinadores, a Administração Pública engloba: fomento, polícia administrativa, serviço público e intervenção: – fomento: corresponde à atividade administrativa de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública, por meio de subvenções, financiamentos, favorecimentos fiscais e desapropriações; – polícia administrativa: corresponde ao concreto exercício de restrições ao exercício dos direitos individuais em benefício do interesse maior da coletividade, exteriorizando-se por intermédio de sanções, notificações, licenças, fiscalizações. Trata-se da execução das limitações administrativas que, de maneira obrigatória, devem estar previstas em lei; – serviço público: corresponde a toda atividade, sob regime predominantemente público, executada direta ou indiretamente, pela Administração Pública, com a finalidade de satisfazer à necessidade da coletividade; – intervenção: corresponde à regulamentação e à fiscalização da atividade econômica de natureza privada, e da atuação direta do Estado no domínio econômico, por meio de empresas estatais. 1.3 Poderes da Administração Baseado nas atividades exercidas pelo Estado, mais especificamente de forma concreta e imediata[3], para a consecução dos interesses coletivos, a Administração Pública deve sobrepor a vontade da lei à vontade particular dos administrados, de modo a privilegiar o interesse público em detrimento do interesse individual. Logo, pode ser percebido que um dos pilares do regime jurídico-administrativo é a observância do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, do qual surgem as prerrogativas da Administração. Dentre as prerrogativas supramencionadas, ocupam lugar de destaque os poderes que são conferidos ao Ente Público, poderes esses dotados de capacidades exorbitantes. E, através do seu correto uso, pode ser dito que o Estado se instrumentaliza para a realização do seu maior objetivo, que é o real atendimento do bem comum, de interesse de toda população.[4] Logo, para que haja possibilidade de realização de suas atividades e para a satisfação do bem comum, o ordenamento jurídico confere à Administração tais poderes, tudo com o intuito de instrumentalizar a realização de suas tarefas administrativas. Estes são conhecidos por poderes da administração ou poderes administrativos. Os poderes administrativos são, portanto, inerentes ao exercício da atividade administrativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tudo em observância a suas competências previstas constitucionalmente, e somente podem ser exercidos nos limites da lei. São poderes administrativos em sentido próprio, uma vez que consistentes em prerrogativas públicas propriamente ditas: o poder de polícia, poder regulamentar, poder disciplinar, poder de autotutela e o poder hierárquico. Ainda, existem outros que podem ser chamados de poderes em sentido impróprio, representando modos de concretização de regras de atribuição de competência, como é o caso do poder vinculado e do poder discricionário. Rapidamente, discorrer-se-á sobre estes. 1.3.1 Poder vinculado e poder discricionário Inicialmente, em sede de poder vinculado e de poder discricionário, doutrinariamente[5] explica-se que é conveniente que o poder vinculado e o poder discricionário sejam compreendidos em conjunto. Embora se apresentem, e sejam, nitidamente diferentes, possuem em comum o fato de não se tratarem de poderes, no sentido de prerrogativas. Consistem em formas pelas quais são previstas as regras de atribuição de competência. Em um sentido mais técnico, sequer seria correto falar em poder vinculado e em poder discricionário, sendo mais adequado falar em regra de atribuição de competência vinculada ou discricionária. Na verdade, trata-se de tema sobre o qual muito se comentou e tal fato apresenta-se de maneira plena e justificável devido ao teor relevante do assunto. Aliás, em virtude de tal relevância, todos os institutos do Direito Administrativo giram ao redor da diferença entre o poder vinculado e o poder discricionário. Uma correta compreensão temática induz ao correto entendimento dos verdadeiros limites do controle jurisdicional as Administração Pública[6]. Por outro lado, a incorreta apreensão do que seja poder vinculado, poder discricionário, bem como outros conceitos que lhe são conexos, pode originar, no que se refere ao controle jurisdicional da Administração Pública, dois severos equívocos, estes infelizmente comuns em nossa jurisprudência: 1) o primeiro deles consiste em reconhecer como matéria de mérito administrativo, este elemento nuclear da noção de discricionariedade, o que, de fato, consiste em matéria de validade da ação administrativa, com o que o Poder Judiciário fica indevidamente aquém do controle da Administração Pública para o qual se encontra legitimado constitucionalmente num non liquet, fundamento este utilizado de maneira errônea nos argumentos relacionados à discricionariedade; 2) o outro equívoco, talvez ainda mais grave, consiste no manejo indevido de tais conceitos, com vistas a outorgar ao Poder Judiciário mecanismos de controle de que constitucionalmente não dispõe, intrometendo-se em searas que não são suas. Adentrando na esfera de vinculação, discricionariedade e legalidade administrativa, não parece conveniente estudar a vinculação e a discricionariedade de maneira separada. Embora sejam diferentes, são ambos instrumentos de concretização direta de um mesmo princípio, qual seja, o princípio da legalidade administrativa, especialmente na sua feição de reserva legal. A legalidade, como reserva legal, impõe que a atuação do administrador fique adstrita às regras de atribuição de competência outorgadas pelo legislador. Em outras palavras, é a lei quem estabelece a atuação do administrador. Tendo essa realidade por princípio, deve ser entendido que a lei nem sempre prevê a atuação do administrador de um mesmo modo, fazendo-o, basicamente, de duas formas: uma de ordem vinculada e outra de ordem discricionária. Assim, é possível a conclusão de que a vinculação e a discricionariedade nada mais são do que formas pelas quais o legislador prevê as regras de atribuição de competência ao administrador. Neste sentido, haveria um poder vinculado ou um poder discricionário, mas, tão-somente, regras de atribuição de atribuição de competência vinculada ou discricionária. Disso se depreende uma conclusão importante sobre o tema: não é a doutrina, a Administração Pública ou o Poder Judiciário que dizem o que é vinculado ou o que é discricionário. Quem define, portanto, se a atuação administrativa é vinculada ou discricionária é a lei, ou seja, a regra de atribuição de competência endereçada ao administrador. Adentrando a seara das regras vinculadas[7], a vinculação administrativa ocorre sempre que a lei atribuir a competência ao administrador, de modo que, diante de uma determinada previsão de hipótese fático-jurídica, prevê como consequência jurídica uma única solução juridicamente válida. Logo, pode ser deduzido que numa regra vinculada, concretizada a hipótese legal, não restará ao administrador nenhuma outra forma de agir senão aquela prevista na regra de atribuição de competência. No que se refere às condutas administrativas vinculadas, duas observações devem ser feitas. Inicialmente, deve-se advertir que, embora a definição da vinculação seja singela, a aplicação de regras vinculadas, no caso concreto, não deve ser entendida como automática. A interpretação acompanha necessariamente todas as situações de aplicação de regras legais, inclusive as vinculadas. Assim, apesar do esquema normativo contido nas regras vinculadas, não se pode olvidar que existem, algumas vezes, determinadas questões de interpretação altamente complexas, tanto da hipótese normativa quanto da consequência jurídica que dela decorre. Em outras palavras, em alguns casos não se denota simples a subsunção do caso concreto a uma determinada regra vinculada. Em outros, a própria consequência, que não deixa de ser única, trará consigo algumas dificuldades de aplicação concreta. De qualquer modo, a definição do que seja uma regra vinculada é, como pode ser visto, singela. Trata-se de regra de atribuição de competência administrativa pela qual, diante de uma hipótese, a lei prevê um único comportamento válido. A outra consideração a ser feita em relação às regras de atribuição de competência vinculada diz como o modo pelo qual sobre ela incide o controle judicial da Administração Pública. Em princípio, o controle jurisdicional de condutas administrativas vinculadas não apresenta maiores complicações, por se tratar de uma espécie de controle de cotejo: o Poder Judiciário analisa qual é a hipótese legal e qual é a consequência única que dela resulta e, concretamente, pesquisa se há adequação entre o que a lei, no plano abstrato, prevê e o que, no caso concreto, foi levado a efeito pela Administração Pública. Existindo compatibilidade entre o que a lei dispunha e o que concretamente foi realizado pela Administração Pública, restará ao Poder Judiciário tão-somente promover o controle do conteúdo da lei, no que tange a questões de razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, impessoalidade, etc. Neste caso, contudo, a eventual invalidação da ação administrativa vinculada que seguiu rigorosamente a hipótese e a consequência previstas em lei terá de ser precedida da invalidação, por inconstitucionalidade, da regra vinculada em questão. No que se refere às regras discricionárias, tem-se que a existência da discricionariedade administrativa parece decorrer da conjugação de duas realidades incontrastáveis: de um lado, por melhor que seja o legislador, em uma perspectiva meramente técnica, a atividade legislativa se torna suscetível de cometer imprecisões, uma vez que se trata de atividade de prognose[8]. De outro lado, a atividade administrativa é dotada de grande riqueza de situações cotidianas. Da confluência de tais realidades depreende-se que não seria possível, e muito menos conveniente, que todas as condutas administrativas fossem embasadas sempre através de regras vinculadas. Surge, pois, a necessidade de uma espécie de válvula de escape, não do princípio da legalidade, mas da metodologia vinculada de atribuição legal de competências aos administradores. A discricionariedade reside na existência de regras legais que prevejam a atuação administrativa. Cabe lembrar que, na seara do Direito Administrativo, a falta de regras legais sobre determinada conduta não induz a liberdades, mas sim à proibição. Do mesmo modo, a discricionariedade não resulta das entrelinhas de regras legais. Não se trata, pois, de uma espécie de sobra da lei. Ao contrário, a discricionariedade consiste em uma técnica de concretização do princípio da legalidade, o qual decorre de uma atribuição legal expressa de competência. Nas regras referentes à atribuição de competência discricionária, a lei, diante de uma determinada hipótese legal, prevê mais de uma consequência jurídica, sendo, ao menos em princípio, válidas todas essas condutas administrativas previstas em tal margem legal de liberdade. Há de se atentar, nesse passo, para real e importante diferença entre discricionariedade e arbitrariedade. A discricionariedade consiste em uma margem, devidamente legal, de liberdade, que contempla mais de uma conduta administrativa válida, dentre as quais o administrador terá de optar, casuisticamente, por uma. Já a arbitrariedade consiste em condutas concretizadas fora das margens legais de validade, ou sem o devido embasamento legal, apresentando-se, em qualquer caso, inválida. Continuando, na concretização das regras discricionárias, o administrador, deparando-se com a concretização da hipótese legal, terá de eleger, portanto, uma das várias consequências que se descortinam validamente previstas. Tal eleição deve, obviamente, ocorrer segundo a ordem jurídica e seguirá critérios de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito administrativo. Em termos de discricionariedade administrativa e de controle jurisdicional, explica-se que o controle jurisdicional de condutas administrativas é tema muito corrente nos estudos de Direito Administrativo[9]. Existem variadas teses, de um extremo, que prevê a absoluta impossibilidade de controle judicial da discricionariedade administrativa, a outro, pelo qual se trataria de tema absolutamente sindicável pelo Poder Judiciário. Obviamente, a razão não reside em nenhum desses extremos, devendo, como sempre, posicionar-se de forma equilibrada entre ambos. Inicialmente, é importante lembrar que o Poder Judiciário, obviamente, poderá promover o controle, difuso ou concentrado, da constitucionalidade das regras discricionárias. Tal fato poderia ser denominado de controle de atribuição da discricionariedade administrativa. Todavia, a controvérsia não mora nesse aspecto. Muito é discutido acerca da viabilidade jurídica de um controle de exercício da regra discricionária. Em relação ao controle jurisdicional da concretização das regras discricionárias, pode ser dito que questões de conveniência e de oportunidade na seara da Administração Pública, estas consideradas de modo depurado e pressupostamente válidas, não podem se tornar objeto de controle jurisdicional. Em caso de uma conclusão contrária, isto significaria permitir que o Poder Judiciário se imiscuísse em temas para os quais não existe legitimação constitucional, por se tratarem de alçada exclusiva da Administração Pública. Se falando em condutas administrativas inválidas, o Poder Judiciário poderá, e deverá se for provocado, reconhecer o presente vício com a finalidade de proceder a respectiva anulação de tal conduta administrativa. E neste caso, não estará se intrometendo nas questões de conveniência e de oportunidade, mas sim estará cumprindo o seu dever constitucionalmente previsto, este de figurar como o verdadeiro guardião da ordem jurídica. Logo, em outras palavras, nas regras discricionárias, a lei outorga determinada margem de liberdade ao administrador, que, obviamente, deverá exercê-la de forma válida sob pena de ser possível o controle jurisdicional, não do mérito administrativo, mas da juridicidade da ação administrativa. O tema tem favorecido discussões por uma simples razão. Como já mencionado, em épocas passadas, a estrita legalidade correspondia ao único vetor da validade da ação administrativa, de sorte que bastava a Administração Pública agir de acordo com a lei formalmente considerada para que se chegasse a uma automática conclusão de que a presente conduta administrativa devesse ser considerada efetivamente válida. Há que ser lembrado que, com o passar do tempo, e com a nossa Constituição Federal vigente, outros princípios, relacionados de forma direta com os aspectos substanciais das ações estatais, foram sendo reconhecidos como outros elementos da definição da validade dos atos administrativos[10]. Diante dessa nova perspectiva, de legalidade ampla ou juridicidade, toda a principiologia, e não somente a legalidade estrita, passou a fundamentar o controle judicial das condutas discricionárias, com o que se ampliou, de forma significativa, o espectro de temas devidamente controláveis. Em outras palavras, pode ser dito que o Poder Judiciário sempre foi legitimado a promover o controle da validade das condutas discricionárias. O que sofreu evolução foi a definição de validade, que, anteriormente, se resumia a aspectos formais de legalidade estrita e que, hodiernamente, se relaciona com os aspectos mais abrangentes, estes de cunho formal e substancial, devidamente determinados por todo arcabouço de princípios formadores da noção de juridicidade administrativa. Em sede de mérito administrativo, é importante lembrar que tal mérito consiste em um instituto relacionado, de forma direta, com o que se entende por discricionariedade administrativa.[11] A discricionariedade administrativa se dá pela concretização de uma regra de atribuição de competência portadora de uma estrutura normativa pela qual a concretização da hipótese legal enseja a possibilidade de eleição, pelo administrador, de uma dentre as várias soluções previstas legalmente. Esta eleição é calcada através de um critério de oportunidade e conveniência, a que se dá o nome de mérito administrativo. Cabe salientar que o mérito administrativo consiste em um critério de escolha que, obviamente, somente poderá ser considerado presente nos casos onde existirem espaços legais para os devidos juízos de valor. Em virtude dessa razão é que pode ser concluído que não há que ser falado em mérito administrativo em relação a regras vinculadas de atribuição de competência, uma vez que, em tais casos, nenhuma escolha há de ser promovida. Continuando, em se tratando de mérito administrativo, apontando-se o binômio oportunidade/conveniência para tanto, podem advir algumas perplexidades, as quais não encontram justificativa. Embora recheada de elementos subjetivos, a definição do que sejam oportunidade e conveniência não se mostra difícil. Quando a figura do administrador público se depara com a necessidade de concretização de uma regra discricionária, não bastará o simples exercício de subsunção da hipótese à regra, uma vez que, além disso, terá de eleger qual dos comportamentos tidos como legalmente admitidos será o melhor para a satisfação do interesse público, em face das circunstâncias fático-jurídicas havidas naquele determinado caso concreto. Obviamente, tudo se dá de forma válida, de modo a não contrariar a ordem jurídica. Nesse sentido, embora a oportunidade e conveniência sejam conceitos inseparáveis na concretização de escolhas discricionárias, poder-se-ia relacionar a conveniência com as soluções legalmente previstas, com vistas à eleição daquela que melhor satisfaça ao interesse público, e a oportunidade, com a valoração de caso concreto em que tal escolha ocorrerá. Cabe ser lembrado que nas condutas vinculadas a atuação administrativa estará condicionada somente à subsunção legal, não sendo viável qualquer escolha de soluções ou valoração de caso concreto. Podem ser encontradas na doutrina, de um lado, diversas posições que defendem a impossibilidade de controle judicial do mérito administrativo e, de outro lado, aquelas que entendem ser viável tal controle. Rogando-se vênia aos que se imbuíram na presente discussão, ao menos nos dias de hoje tal questão se dá por meramente terminológica. Não se discute mais o quê e como o Poder Judiciário pode promover o controle das condutas discricionárias. Controverte-se, exclusivamente, sobre o modo de se denominar o objeto de tal controle. Com o objetivo de um melhor esclarecimento, a questão será analisada através de dois questionamentos. Se existir questionamento sobre a viabilidade de o Poder Judiciário promover o controle de decisões de mérito administrativo exaradas de forma válida, ou seja, caso se trate de decisão válida de oportunidade e conveniência, obviamente, a resposta se dará por negativa. Isto é, no sentido de se controlar as decisões válidas de conveniência e oportunidade, é claro que o Poder Judiciário não estará legitimado a promover tal fiscalização. Nesse sentido, costuma-se corretamente afirmar que o Poder Judiciário não pode controlar o mérito administrativo. De outro lado, se pretextando uma decisão discricionária de mérito administrativo, o administrador obrar de modo inválido, seja por desrespeitar as regras legais aplicáveis, seja por afrontar aos demais princípios do Direito Administrativo, por certo estará o Poder Judiciário habilitado a controlar tal conduta em juízo, em regra, negativo, ou seja, invalidando a decisão administrativa discricionária. Embora se trate de questão de validade, há quem considere tal controle como um controle judicial do mérito administrativo. Não se pode, contudo, concordar com tal perspectiva, uma vez que, como já afirmado, trata-se de um controle jurisdicional pautado por noção de validade, mesmo que esta se encontre devidamente ampliada. Comenta-se que seria possível afirmar que o Poder Judiciário não pode promover o controle do mérito administrativo, no sentido de não poder se intrometer em questões administrativas de conveniência e oportunidade propriamente ditas; poderá, contudo, fazer o controle do mérito administrativo no sentido de que está legitimado a realizar o controle da validade formal e substancial das decisões discricionárias, mesmo que para isso tenha de analisar a escolha que foi realizada pela Administração Pública.[12] Continuando, o mesmo raciocínio se mostra aproveitável em relação aos chamados atos políticos, ou de governo, e também em relação aos atos interna corporis, uma vez que ao Poder Judiciário não é dada a possibilidade de se intrometer em questões de conveniência estritamente política ou de conveniência interna. Havendo, todavia, a concretização inválida de atos políticos ou de atos interna corporis, daí, sim, num controle de validade da ação administrativa poderá o Poder Judiciário promover o controle de tais matérias. O que precisa estar devidamente esclarecido é que não mais se pode tratar a discricionariedade ou o mérito administrativo como círculos de imunidade de poder. Toda e qualquer atuação estatal, inclusive a discricionária, está sujeito à ordem jurídica e, assim, ao controle jurisdicional da observância a tal submissão. Assimiladas as definições de vinculação e discricionariedade, aparece a necessidade de se analisar a questão dos conceitos jurídicos indeterminados, sobretudo para se vislumbrar se também seriam casos de discricionariedade administrativa. Os conceitos jurídicos indeterminados possuem, incontroversamente, uma margem de interpretação a ser preenchida, em cada caso concreto pelo administrador quando da aplicação da regra legal em que está inserido. A questão que é posta é a de se saber se a presença de um conceito jurídico indeterminado em regras de atribuição de competência geraria outra espécie de discricionariedade, intelectiva e não volitiva, como a supra estudada. Tal discussão vem de há muito tempo no Direito Administrativo. Além disso, podem ser encontrados na doutrina setores importantes que vislumbram nos conceitos jurídicos indeterminados uma espécie de discricionariedade, bem como outros setores, não menos importantes, que rechaçam tal condição. Quer parecer que a razão está com aqueles que diferenciam a discricionariedade dos conceitos jurídicos indeterminados. A discricionariedade permite ao administrador que se produza um juízo de valor, ou seja, impõe ao administrador que pratique um ato de vontade, escolhendo uma dentre várias formas de ação legalmente previstas. Os conceitos jurídicos indeterminados ensejam que o administrador produza um juízo de interpretação, no sentido de, na aplicação da regra, o administrador promoverá um ato de inteligência. No que se refere ao controle jurisdicional da concretização, pelo administrador dos conceitos jurídicos indeterminados, esse deve possuir uma dimensão ainda maior do que aquela existente em relação à discricionariedade administrativa. Como é sabido, na discricionariedade, sendo a decisão validamente promovida, existirá um espaço que é da alçada exclusiva da Administração Pública, qual seja, a valoração da conveniência e da oportunidade. O controle jurisdicional de condutas administrativas discricionárias restringe-se a questões de validade, ainda que entendidas de forma a abarcar não só a estrita legalidade, mas também a principiologia do Direito Administrativo. No que diz respeito aos conceitos jurídicos indeterminados, tratando-se de questão de interpretação jurídica, o controle jurisdicional possui a plena sindicabilidade da correção de tal interpretação, por se tratar de questão de validade da ação administrativa. Pode ser dito que é verdade que, em relação aos conceitos jurídicos indeterminados, não é incomum a necessidade de o intérprete socorrer-se de outras áreas do conhecimento científico. Por vezes, o preenchimento do significado do conceito indeterminado reclama conhecimentos técnicos que exorbitam a Ciência Jurídica. Nesses casos, para fins de controle judicial, a demonstração do significado técnico do conceito em análise será uma incumbência do interessado na desconstituição levada à apreciação judicial. 1.3.2 Poder hierárquico A Administração Pública organiza-se através de uma estrutura que costuma ser altamente complexa. Os órgãos públicos e as entidades administrativas recebem do ordenamento jurídico um conjunto complexo de competências. Eles se organizam internamente através de várias outras unidades administrativas, cada uma das quais dispondo de vários agentes públicos. A necessidade de que tudo isso seja devidamente organizado impõe uma sistemática racionalmente elaborada, que, hodiernamente, segue o modelo hierárquico. O poder hierárquico, em uma boa visão doutrinária[13], consiste no instrumento de organização da Administração Pública através de mecanismos de distribuição de escalonamento das funções cometidas às unidades administrativas em patamares hierárquicos diferenciados. Forma-se, em virtude do poder hierárquico, uma espécie de teia de atribuições em que cada unidade poderá estar colocada, concomitantemente, acima e abaixo de outras unidades administrativas. Basta ter-se em mente a imagem de um organograma, o qual nada mais é do que a representação gráfica do poder hierárquico. Pode ser constatado que uma boa visão cobre a definição do que seja poder hierárquico não ocasiona maiores perplexidades. O que deve ser analisado, de forma mais detalhada, são os seus consectários, ou seja, os resultados fáticos de tal modelo de organização administrativa. Seguem-se tais consectários. 1.3.3 Poder de chefia Uma das decorrências mais óbvias do poder de hierárquico consiste no poder de chefia, pelo qual os agentes públicos que estiverem colocados em posição superior terão a prerrogativa de emitir ordens a seus subordinados que, por seu turno, estarão submetidos a um dever de obediência.[14] É importante salientar que tal poder de chefia, de maneira óbvia, sofre alguns limites, dos quais dois são destacados: 1) deve haver um vínculo de pertinência entre a ordem emitida e as atribuições legais de quem emite, bem como de quem a recebe; 2) não pode ser a ordem ilegal, havendo, inclusive, o dever de o subordinado não atendê-la quando apresentar ilegalidade manifesta. 1.3.4 Poder de fiscalização e coordenação Também resulta do poder hierárquico a prerrogativa de os superiores fiscalizarem e coordenarem a atuação de seus subordinados. Trata-se de uma prerrogativa perene, embora possam existir mecanismos de formalização periódica de fiscalização. Mesmo quando existirem tais mecanismos de formalização periódica de fiscalização, estes não afastam o permanente dever de fiscalização e coordenação inerentes ao poder hierárquico. Demais disso, em face do poder de coordenação, eventuais conflitos de competência administrativa entre subordinados serão, em nome da hierarquia, solucionados por aquele que estiver situado em patamar superior na escala de subordinação. 1.3.5 Poder de revisão de ato Do poder hierárquico decorre, também, a possibilidade de os superiores reverem condutas administrativas perpetradas pelos seus subordinados, seja por razões de legalidade, seja por questões de conveniência e oportunidade. Em tal sentido, o poder hierárquico se aproxima, não ao ponto da identidade, de outro poder administrativo, qual seja, o de autotutela. 1.3.6 Poder de transferência administrativa de competência Em função do poder hierárquico, podem ocorrer mecanismos de transferência de competências administrativas. Torna-se importante salientar que a delegação e a avocação são instrumentos de transferência temporária e excepcional de competências, não se traduzindo em formas de renúncia, a qual, aliás, é inadmitida no Direito Administrativo, em face do princípio da indisponibilidade do interesse público. 1.3.6.1 Delegação de competência Consiste em um instrumento de transferência administrativa de competência de um órgão ou autoridade a outros órgãos e autoridades que estejam submetidos a vínculos hierárquicos ou outros mecanismos de controle. Nesse sentido, o art. 12 da Lei 9.784/1999 inovou ao dispensar a necessidade de vínculo hierárquico entre o delegante e o delegatário. Embora a referida regra não mencione, quer parecer que se faz necessário, no mínimo, um vínculo de controle, mesmo que não seja hierárquico. Algumas leis estaduais, contudo, ainda determinam que a delegação de competências seja condicionada à existência de tal vínculo de subordinação. Os limites à delegação podem ser de três espécies:[15] 1) limites conceituais ou ontológicos: são aqueles que resultam da própria definição de delegação, relacionados notadamente com a atenção que se deve ter para que dela não se utilize para fins de renúncia de competência. Assim, a delegação deve ser temporária, excepcional e extraordinária. Isso significa dizer que a delegação há de se fundamentar em relevantes questões de ordem técnica, social, econômica, jurídica, territorial, etc. A delegação permanente ou ordinária significaria, por vias indiretas, caso indevido de renúncia de competência. 2) limites específicos: há também limites específicos à delegação, que são aqueles que se encontram fundamentados nas próprias regras de competências das autoridades administrativas. Exemplo disso é o que ocorre com as competências constitucionais privativas do Presidente da República. Tal regra constitucional enumera uma série de atribuições privativas do Presidente da República, das quais, segundo o parágrafo único do mesmo preceito, somente algumas poderiam ser objeto de delegação. 3) limites gerais: correspondem aos casos em que a delegação é vedada em face das características da conduta administrativa, independentemente das autoridades competentes. No plano federal, tais limites gerais são previstos no art. 13 da Lei 9.784/1999, pelo qual não pode ser objeto de delegação a edição de atos de caráter normativo, as decisões de recursos administrativos e os atos de competência exclusiva. 1.3.6.2 Avocação administrativa A outra forma de transferência administrativa de competência consiste na avocação, pela qual o superior hierárquico assume, de modo peremptório, uma competência que originariamente é atribuída a um dos seus subordinados. Cumpre salientar que, mesmo no plano federal, ao contrário do que ocorre com a delegação, a avocação pressupõe a existência de um vínculo hierárquico. Em outras palavras, somente pode haver a avocação onde houver um vínculo de natureza hierárquica. Em relação aos seus limites, o art. 15 da Lei 9.784/199, aplicável somente na esfera federal, embora traduza o que a melhor doutrina costuma a referir, estabelece que a avocação deve ser excepcional, temporária e devidamente fundamentada em motivos relevantes devidamente justificados, além do já referido vínculo de subordinação entre a autoridade avocante e aquela outra originariamente titular da competência. 1.3.7 Poder de iniciativa disciplinar Os poderes hierárquico e disciplinar não podem ser confundidos. O que existe, entre eles, é um ponto de convergência. Trata-se de fato de que a iniciativa de qualquer providência tendente à incidência do regime disciplinar deverá, necessariamente, seguir a cadeia hierárquica. Tal observância à estrutura hierárquica para fins de concretização do regime disciplinar é imperiosa, seja nos casos em que a relação é direta, seja no caso em que a relação é indireta. De qualquer forma, existe uma regra geral que precisa ser seguida: não podem subordinados deter a prerrogativa de iniciativa de providências tendentes à incidência do regime disciplinar, embora tenham a prerrogativa, que, aliás, se traduz em dever, de representar contra irregularidades cometidas por seus superiores. 1.3.8 Poder disciplinar É importante mencionar que para a compreensão do poder disciplinar da Administração Pública, faz-se necessário entender uma premissa teórica.[16] Os administrados podem estar subordinados à Administração Pública, basicamente, de dois modos. Uma das formas de subordinação, denominada subordinação geral, decorre da simples condição de cidadão, de administrado, ou seja, de destinatário da função administrativa. Diante disso, pode ser dito que todas as pessoas, sejam físicas ou jurídicas, que são destinatárias da atividade estatal de Administração Pública encontram-se submetidas a tal vínculo de subordinação geral. A outra forma de subordinação, denominada especial ou específica, é aquela a que estão submetidos os administrados, e também subordinados de forma geral, que mantiverem outro vínculo jurídico regular e específico perante a Administração Pública. Cabe enfatizar que não são subordinações que se apresentam alternativamente. A subordinação geral atinge a todos. Além desta, alguns administrados estarão subordinados de modo especial por manterem vínculos jurídicos específicos com a Administração Pública. Logo, aquele que não possuir qualquer espécie de vínculo jurídico perante o Poder Público, ainda assim deverá ser considerado submetido à subordinação geral. Os agentes públicos, concessionários, contratados da Administração Pública, e outras tantas condições resultantes de vínculos jurídicos específicos, além da subordinação geral, estarão sujeitos a uma subordinação específica. Após as explicações anteriormente efetuadas, já se pode definir o poder disciplinar como sendo a prerrogativa que tem a Administração Pública de promover atos e determinados procedimentos tendentes à aplicação de penas administrativas àqueles que a elas estiverem relacionadas através de um vínculo de subordinação específica. Torna-se imperioso advertir que a Administração Pública também possui prerrogativas de imposição de limites e de aplicação de penalidades em decorrência da subordinação geral. Todavia, em tal caso, não se poderá considerar tais sanções resultantes do poder disciplinar, mas de outras formas de atividade estatal, como é o caso, por exemplo, do poder de polícia. Uma questão importante, sobre a natureza jurídica do ato que concretiza o poder disciplinar, se apresenta.[17] A doutrina encontra-se dividida entre os que entendem se tratar de um ato administrativo vinculado e, o que é mais comum, e aqueles que defendem ser um ato administrativo discricionário. A questão parece estar sendo analisada de modo simplista. Ele nos lembra que não existem condutas administrativas que sejam vinculadas ou discricionárias segundo a sua essência, ou seja, não é a doutrina que deve dizer o que é vinculado ou o que é discricionário, por meras imposições conceituais. A vinculação e a discricionariedade decorrem da estrutura das regras de atribuição de competência endereçadas aos administradores. Dessa forma, o ato de concretização do poder disciplinar será vinculado ou discricionário dependendo tão-somente da estrutura normativa da regra legal que o embasa devidamente. O que ocorre é que existem vários regimes disciplinares, tais como servidores, contratados, etc., alguns dos quais são normatizados por um complexo conjunto de regras legais, o que significa dizer que seria precipitado afirmar que os atos de concretização do poder disciplinar seriam, inicialmente, vinculados ou discricionários. Ainda sobre o tema em pauta, embora se apresente frequente a colocação de que o poder disciplinar é, essencialmente, discricionário, não se pode concordar com tal afirmação. O que de fato ocorre, é que a evolução dos regimes disciplinares vem determinando, como decorrência dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, que as regras dos regimes disciplinares sejam cada vez mais detalhadas, tanto na tipificação das infrações puníveis, quanto na capitulação das punições administrativas que lhes são decorrentes. Assim, pode ser percebido que a noção mais atual do poder disciplinar remete a uma tendência de que os atos administrativos que lhe dão concretização são embasados em regras predominantemente vinculadas. Não pode ser negada, contudo, a existência de regras discricionárias, contidas em regimes disciplinares. Concluindo, pode ser dito que os regimes disciplinares podem prever atos administrativos vinculados ou discricionários, tudo dependendo exclusivamente da estrutura normativa das regras de atribuição de competência, embora possa ser afirmado que devem ser considerados predominantemente vinculados em face do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. 1.3.9 Poder de autotutela O poder de autotutela é de singela compreensão. Para alguns doutrinadores, trata-se de um princípio. Em determinada visão doutrinária[18], é tratado como poder administrativo. Autotutela administrativa deve ser entendida como a prerrogativa que a Administração Pública possui de manter-se permanentemente controlada, tanto em relação à validade de suas condutas, a legalidade em sentido amplo, quanto em relação a questões de conveniência e oportunidade, ou seja, de mérito administrativo. Possui status constitucional reconhecido, de forma expressa, no art. 74 de nossa Carta Magna. Mesmo que assim não fosse, ainda se poderia reconhecer sua natureza constitucional, uma vez que resulta da própria submissão da Administração Pública à ordem jurídica. Nesse sentido, pode-se afirmar que a autotutela administrativa é subproduto do princípio da legalidade. Existem vários instrumentos de concretização da autotutela administrativa. De qualquer modo, há necessidade do entendimento de que a autotutela é prerrogativa permanente, que, embora possa ter instrumentos de formalização, a eles não fica vinculada. Do mesmo modo, tal permanente poder de controle, do qual é titular a Administração Pública, está casuisticamente submetido aos limites formais, materiais e temporais. A existência de tais limites não significa comprometimento ao exercício da autotutela. Representa, sim, formas de ponderação de princípios, no sentido de que a autotutela administrativa deve ser interpretada em cotejo com outros valores e princípios, disso podendo resultar os referidos limites. 1.3.10 Poder de polícia O poder de polícia corresponde a uma das mais importantes atividades administrativas.[19] A polícia administrativa encontra-se definida no art.78, do Código Tributário Nacional. Contudo, esta situação é justificável, uma vez que, conforme o constante do art.145, II, de nossa Carta Maior, uma das formas de contraprestação da atividade de polícia administrativa, e não a única, se dá através da cobrança de taxas, a qual, por seu turno, se presta a remunerar várias outras espécies de atividade estatal. Assim, embora não se apresente como absoluta ou necessária, há uma relação entre taxas e poder de polícia administrativa, razão pela qual o CTN define o poder de polícia quando trata daquela espécie de tributos. Conforme o diploma supramencionado, pode ser considerado poder de polícia “…atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão e autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade”. Pode ser dito que o art.78, parágrafo único, de nosso Código Tributário faz referência às características que, somadas, compõem a noção de exercício regular, devidamente válido, de poder de polícia. Continuando, uma advertência deve ser feita quanto a isso: o poder de polícia, como espécie de ação administrativa que é, terá sua validade condicionada à observância de todo o Direito Administrativo, no sentido de que não bastará o respeito formal às regras legais aplicáveis, sendo também necessária a observância de toda principiologia de tal área da Ciência Jurídica. Ainda sobre o tema, o art. 78 do CTN, em seu parágrafo único, destaca os principais elementos integrantes da noção de regularidade ou validade do poder de polícia. A primeira característica é ser o poder de polícia desempenhado por órgão e autoridade competentes. A segunda característica, esta óbvia e ao mesmo tempo muito relevante, é ser o poder de polícia exercido nos limites da lei aplicável. Sendo feição da atividade de Administração Pública, é, como citado, óbvio que o poder de polícia deve se submeter ao princípio da legalidade. No entanto, tal advertência é muito pertinente, porque é comum que maus administradores imponham restrições a direitos alheios sem qualquer embasamento legal, em nome de um suposto interesse público. Ora, o interesse público é a finalidade nuclear da ação administrativa, mas não é o administrador o seu titular, fato este que torna imprescindível o entendimento de que somente se exerça o poder de polícia em nome do interesse público que estiver cristalizado nas regras legais de atribuição de competência. Ainda, deve ser observado o devido processo legal, o que, aliás, figura como imposição constitucional, devidamente expressa no inciso LIV do art. 5º de nossa Carta Magna, especialmente nos casos como o poder de polícia, que se trata de uma atuação estatal potencialmente restritiva de direitos alheios. Pode ser entendido, de tal característica, que, de um lado, o chamado devido processo legal, em sentido procedimental, consubstancia-se na necessidade de observância do contraditório e da ampla defesa como requisitos de efetivação do poder de polícia, devendo ocorrer precedentemente, ressalvadas as situações de urgência onde que se permite a mitigação de tais direitos procedimentais no sentido de postergá-los, não os eliminando. De outro lado, extrai-se de tal sobreprincípio, o denominado devido processo legal em sentido substancial, pelo qual o poder de polícia administrativa há de se submeter ao postulado da proporcionalidade, no sentido de que as restrições, impostas em nome do interesse público, incidentes sobre os direitos dos administrados, não podem ser excessivas ao ponto de esvaziá-los. Trata-se, portanto, de uma interdição de excessos. Finalizando, o art. 78, parágrafo único, do CTN cita que deve o poder de polícia ser exercido sem abuso ou desvio de poder, quando se tratar de atividade discricionária, restrição esta indevida, uma vez que a vedação ao abuso e ao desvio de poder ou finalidade existe tanto para regras discricionárias quanto para regras vinculadas. E, em termos de atributos, para a efetiva e eficaz aplicabilidade do poder de polícia, é necessário entender que o poder de polícia é, em regra, discricionário, em regra é auto executório, é imperativo e coercitivo. 1.3.11 Poder regulamentar ou normativo Trata-se de prerrogativa excepcional de expedição de normas gerias e abstratas, normalmente secundárias em relação àquelas oriundas do Poder Legislativo, justamente para sua regulamentação. Tal prerrogativa é o que se pode denominar de poder regulamentar ou poder normativo da Administração Pública, a qual se concretiza através de variados instrumentos, tais como decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções normativas, regimentos, etc. Conclusão Diante do exposto, pode ser constatado, através da análise de tão singela doutrina, bem como da verificação devidamente centrada nas exposições de motivos proferidas por muitos de nossos administradores, com o intuito de defenderem-se de acusações que não possuem defesa, que não existem argumentos plausíveis para justificar medidas descabidas, de cunho meramente eleitoreiro, que coloquem em risco o bem público. O Estado possui excelentes ferramentas de controle e verificação, mas carece, como pode ser verificado mediante a mera assistência aos noticiários, de administradores competentes, em todas as esferas de Poder, para bem cuidar do que é de todos. A doutrina mais simples e, a meu ver, a melhor, por ser acessível intelectualmente a todos, está aí, presente, clamando para ser lida, ouvida e, sem mais demora, posta em uso, com o escopo de criar uma verdadeira Administração Pública, que a todos assiste e que de todos cuida, dando efetivamente o retorno que o contribuinte espera, por ser de direito, tendo em vista os tributos que paga. Assim, para aqueles que querem enveredar no ramo de administrar o bem público, exige-se, no mínimo, o respeito e o interesse em cuidar, em zelar pelo que é de toda população, atendendo seus anseios, ouvindo suas reais necessidades e, acima de tudo, respeitando o contribuinte, mola propulsora ao financiamento e ao incremento construtivo de uma verdadeira nação. E, para isso, o administrador conta com uma gama de poderes de que poderá valer-se para, no fim, atingir o verdadeiro bem comum.
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Da arbitragem à judicialização nos contratos de PPP: a experiência das parcerias público-privadas do Estado de Minas Gerais
O estudo provoca a reflexão sobre a utilização da arbitragem no âmbito dos contratos de Parcerias Público-Privadas para resolução de conflitos de interesses entre as Administrações Públicas e seus parceiros privados. Remetendo ao caso mineiro, o artigo questiona em que medida a arbitragem tem sido considerada um dos principais meios de resolução de conflitos entre o parceiro privado e o poder público como opção à judicialização. Para tanto, baseou-se em revisão da literatura, além da análise da legislação relacionada.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO A arbitragem, instrumento usualmente utilizado para dirimir conflitos em âmbito empresarial, dado o novo perfil de relação entre público e privado estabelecido pelas leis que regem os contratos de concessão (comum e especial), a partir do século 21, tem sido adotada pelo poder público como forma de horizontalização na solução de controvérsias. Assim, torna-se importante a análise desse instituto para entender os possíveis benefícios e malefícios advindos de sua utilização em face dos contratos de concessão, especificamente, no tocante às concessões especiais ou parcerias público-privadas. Dessa forma, procedeu-se com o estudo da arbitragem no Brasil, passando pela análise do instituto, suas principais características e seus elementos peculiares, para possibilitar a compreensão da repercussão da utilização do instituto, em face dos meandros do Direito Administrativo. Partiu-se para o estudo do instituto em face aos contratos de concessão, mais especificamente os contratos de concessão especial, com a revisão dos principais marcos regulatórios que envolvem a temática, relacionando o procedimento arbitral e a persecução do interesse público. Então, a partir da análise das parcerias público-privadas realizadas pelo estado de Minas Gerais, e os conflitos gerados entre os parceiros privados e o poder público, tornou-se possível entender a ligação entre a utilização da arbitragem e a judicialização das questões que envolvem os direitos patrimoniais advindos dos contratos de concessão. 2. A ARBITRAGEM NO BRASIL A arbitragem no Brasil foi instituída, pela primeira vez, através das Ordenações Filipinas, sendo regida posteriormente pela Constituição do Império de 1824 e “após, a arbitragem passou a ser regulada pelo Código Comercial e pelo Regulamento 737, ambos de 1850” (COSTA, 2013). Atualmente, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem, ou Lei de Arbitragem – LA –, é a principal fonte normativa desse instituto que representa uma técnica que visa solucionar controvérsias por meio da intervenção de uma ou mais pessoas cujos poderes decisórios advém de uma convenção privada e destinam-se, a partir do estabelecido nesta, a assumir eficácia de sentença judicial (CARMONA, 2009). Cabe salientar, conforme dispõe o art. 1º da Lei nº 9.307/96, que a arbitragem está apta a dirimir litígios que envolvam necessariamente pessoas capazes de contratar e direitos patrimoniais disponíveis. Essa noção de que a arbitragem se relaciona a conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis vai ser de extrema importância para a análise futura da utilização desse instituto junto ao poder público contratante. Acerca desse ponto, Oliveira (2005) esclarece: “Em face do art. 1º da LA, a doutrina alude a uma arbitrabilidade subjetiva e a uma arbitrabilidade objetiva. Assim, somente podem pactuar e sujeitar-se a arbitragem as pessoas capazes de contratar (arbitrabilidade subjetiva); e somente podem ser submetidas ao juízo arbitral controvérsias atinentes a direitos patrimoniais disponíveis (arbitrabilidade objetiva).” A arbitrabilidade subjetiva reflete a relação de que a arbitragem deve sujeitar pessoas capazes de contratar. Já a arbitrabilidade objetiva, segundo Oliveira (2005), pode ser observada a partir da leitura da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que Institui o Código Civil. Em seu art. 852, o código estabelece um mandamento similar ao art. 1º da LA, dispondo que é vedado compromisso para soluções de controvérsias que envolvam questões de estado, direito pessoal ou outros direitos que não tenham caráter exclusivamente patrimonial. O Código Civil ressalta, dessa forma, a necessária observação do caráter disponível do direito patrimonial para a possibilidade de utilização de método arbitral, conforme pode-se depreender da leitura do art. 841: “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”. Bacellar (2012) aponta que a arbitragem é instituída somente através da materialização da vontade das partes em um acordo genérico intitulado convenção de arbitragem. Nesse sentido, Carmona (2009) esclarece que de forma semelhante ao ocorrido na França no início da década de 80, a LA tratou em um mesmo capítulo tanto a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, denominando-os como convenção de arbitragem. Se no caso prático for apresentada a opção genérica pela utilização da arbitragem, no âmbito do contrato, o compromisso arbitral conforme ressalta Bacellar (2012), objetivará tornar perfeita e acabada essa opção. Assim, o referido autor conclui: “Com base no aforismo uti tatoo cuti, o papel do compromisso é o papel do tatuador, que, a partir da preferência dos interessados, estabelecerá o desenho, seus contornos e cores antes de instaurar definitivamente a tatuagem. Acordada a escolha (ou forma de escolha) do árbitro ou instituição arbitral, firmam-se, no compromisso, condições efetivas para a instauração da arbitragem” (BACELLAR, 2012). Já a cláusula compromissória pode ser definida “como a convenção por meio da qual as partes comprometem-se, por escrito, a submeter à arbitragem os litígios, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, que possam vir a surgir, relativamente a um contrato (BACELLAR, 2012). A cláusula compromissória pode ser classificada como vazia ou cheia. A primeira opção implica na utilização necessária da arbitragem, porém não apresenta a delimitação da forma como se dará essa aplicação. Com essa cláusula, embora registre-se a opção da arbitragem, não se adquire firmeza com relação ao seus contornos para que se possa instaurar e efetivar a arbitragem. Segundo Carmona (2009), a utilização de cláusulas arbitrais vazias traz notórios inconvenientes e para tanto merece ser evitada, devendo as partes sempre que possível anteciparem a possibilidade de um conflito estabelecendo assim, desde logo, as regras de instituição de um órgão arbitral, ou prever no instrumento contratual a forma de nomeação de árbitro, evitando assim o procedimento do art. 7º da LA. Bacellar (2012) partilha da mesma opinião e aponta: “Não se recomenda a adoção da cláusula compromissória branca ou vazia (arts. 6º e 7º), que sempre precisará de complemento (compromisso), não tem aplicação imediata e no mais das vezes é ponto de controvérsias que poderiam ter sido eliminadas preventivamente com uma redação mais completa e adequada.” A cláusula compromissória cheia, por sua vez, possui todos os elementos necessários a permitir a instituição da arbitragem. A cláusula possui completude e integralidade em seu conteúdo, representando todas as condições essenciais para o estabelecimento da arbitragem, além da indicação de árbitros, forma, procedimento e os critérios de julgamento e prazos. (Bacellar, 2012). A arbitragem, a partir de sua forma de instrução, pode constituir em uma célere e justa forma de resolução de conflitos. Os defensores desse instituto como forma de resolução de conflitos, costumam, conforme aponta Scavone Jr. (2014), elucidam cinco vantagens básicas: “a) Especialização: na arbitragem, é possível nomear um árbitro especialista na matéria controvertida ou no objeto do contrato entre as partes. A solução judicial de questões técnicas impõe a necessária perícia que, além do tempo que demanda, muitas vezes não conta com especialista de confiança das partes do ponto de vista técnico. b) Rapidez: na arbitragem, o procedimento adotado pelas partes é abissalmente mais célere que o procedimento judicial. c) Irrecorribilidade: a sentença arbitral vale o mesmo que uma sentença judicial transitada em julgado e não é passível de recurso. d) Informalidade: o procedimento arbitral não é formal como o procedimento judicial e pode ser, nos limites da Lei 9.307/1996, estabelecido pelas partes no que se refere à escolha dos árbitros e do direito material e processual que serão utilizados na solução do conflito. e) Confidencialidade: a arbitragem é sigilosa em razão do dever de discrição do árbitro, insculpido no § 6º do art. 13 da Lei 9.307/1996, o que não ocorre no procedimento judicial que, em regra, é público, aspecto que pode não interessar aos contendores, notadamente no âmbito empresarial, no qual escancarar as entranhas corporativas pode significar o fim do negócio” (SCAVONE JR, 2014). Dessa forma, a arbitragem se mostra uma forma bastante vantajosa para a resolução amigável de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. É amplamente utilizada nas relações empresariais e suas vantagens podem ser transportadas para os contratos administrativos. Portanto faz-se necessário o estudo do instituto em face da administração pública para entender a potencial utilização da arbitragem nos contratos de concessão. 3. A ARBITRAGEM E OS CONTRATOS DE CONCESSÃO A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art. 23, inciso XV, prevê que é uma cláusula essencial do contrato de concessão à relativa “ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais”. No entanto essa redação não possibilitava, segundo a interpretação da maioria da doutrina especializada, de forma inequívoca a utilização da arbitragem nos contratos de serviços públicos. Com o advento da Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, houve a previsão expressa da possibilidade do uso da arbitragem nos contratos de concessão especial (PPP’s), desde que fosse utilizada para a solução de questões que envolvessem necessariamente direitos patrimoniais disponíveis. Essa inovação estimulou a inclusão taxativa da arbitragem no regime jurídico das concessões comuns. Em 2005, a partir da lei n º 11.196, fora incluído o art. 23-A na Lei 8.987/1995, que estabelece: “Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.” Segundo Ribeiro (2007), a arbitragem, enquanto meio para solução de conflitos no âmbito de contratos administrativos, tem sido considerada uma alternativa apta a garantir celeridade. Assim, ao indicar especialistas as partes decidem as questões controversas que surgirem durante a execução desse contrato (que por definição tem uma duração de médio a longo prazo), tem-se o aumento da segurança jurídica, evitando que o parceiro privado incorpore os custos de transação jurídicos ao preço cobrado pelo parceiro privado, ricocheteando no Poder Público e usuário.  No entanto, Bandeira de Mello (2009) discorda dessa utilização sob o argumento de que: “Não é aceitável perante a Constituição que particulares, árbitros, como suposto no art. 11, III, possam solver contendas nas quais estejam em causa interesses concernentes a serviços públicos, os quais não se constituem em bens disponíveis, mas indisponíveis, coisas extra comercium. Tudo que diz respeito ao serviço público portanto – condições de prestações, instrumentos jurídicos compostos em vista desse desiderato, recursos necessários para o bem desempenhá-los, comprometimento destes mesmos recursos, é questão que ultrapassa por completo o âmbito decisório de particulares (cf. n. 21)” (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 781). Nesse sentido, Fortini (2007) esclarece que o interesse público real primário efetivamente é indisponível, o que limita a margem de aplicação do art. 11, inciso III da Lei das PPPs. No entanto, discorda em relação à constitucionalidade, uma vez que em litígios contratuais que envolvam questões “extra-erário público”, seria possível a adoção da arbitragem para consagrar assim o Princípio da Eficiência, dada a sua agilidade. A princípio não há correlação entre direitos patrimoniais, interesse público e suas (in)disponibilidades. Isso, porque segundo Grau (2002), dispor de direitos patrimoniais significa transferi-los a terceiros, ou seja, implica em uma potencial de alienação. O poder público, para a consecução do interesse público, pratica atos que repercutem em disposição de alguns direitos patrimoniais, ainda que existam direitos patrimoniais não passíveis de disponibilidade (como por exemplo os direitos patrimoniais sobre os bens públicos de uso comum). Assim, inúmeras vezes a Administração Pública dispõe de direitos patrimoniais objetivando o alcance do próprio interesse público. Portanto, a maioria dos estudiosos tem concluído pela viabilidade da utilização da arbitragem, por parte do Estado, pois a adoção desse instituto não ofenderia os princípios da legalidade e indisponibilidade dos bens públicos, desde que vise necessariamente o alcance do interesse público. Ressalva, no entanto, que é imperativo que os agentes não desviem a finalidade da arbitragem, nem maculem o interesse público através de uma atuação contaminada por improbidade administrativa (CARVALHO FILHO, 2014).  Com relação às vantagens da utilização do mecanismo da arbitragem, no âmbito dos contratos administrativos, além da já mencionada agilidade na resolução da controvérsia, a expertise do órgão julgador, a confiança das partes nesse órgão, a desburocratização dos procedimentos, ausência de duplo grau de jurisdição e reforço da noção de equilíbrio entre as partes dada o desapego das prerrogativas pelos entes públicos (BRANDT, 2008). Assim, uma vez que a majoritária doutrina conclui pela constitucionalidade da utilização da arbitragem, e percebemos as vantagens de sua aplicação aos contratos de concessão recorre-se à análise do caso prático como forma de analisar os elementos discutidos em face à realidade. 4. ESTUDO DE CASO DA ARBITRAGEM NAS PPP’S REALIZADAS PELO ESTADO DE MINAS GERAIS Em Minas Gerais, tem-se observado alguns problemas com relação à utilização do instituto da arbitragem em face às concessões especiais. O panorama atual dos contratos de PPP’s em Minas Gerais, com relação à utilização de cláusulas vazias ou cheias, pode ser elencado como se segue: “PPP MG-050: optou-se pela cláusula vazia, definindo-se apenas que a arbitragem, necessariamente, deveria ocorrer na capital do Estado; PPP PENITENCIÁRIA: mais uma vez, optou-se pela cláusula arbitral vazia, sem indicação da câmara. Todavia, desta vez, foram estabelecidos alguns parâmetros relativos ao procedimento arbitral; PPP ESTÁDIO DO MINEIRÃO: assim como no caso da PPP das UAI, optou-se pela cláusula arbitral cheia, com indicação da câmara arbitral e estabelecimento de alguns parâmetros; PPP UNIDADES DE ATENDIMENTO INTEGRADO (UAI): nesse caso, a opção foi pela cláusula cheia, com escolha do juízo arbitral e de alguns aspectos relativos ao procedimento arbitral” (OLIVEIRA e ALMEIDA, 2013). No caso da PPP da MG050, cujo contrato fora assinado em 2007, uma controvérsia com relação à multa a ser aplicada teve como desdobramento a judicialização da questão em 2009. A concessionária ingressou com uma ação cautelar obtendo liminarmente a suspensão da exigibilidade da multa. Essa ação judicial ocorreu, em detrimento ao processo de arbitragem, pois segundo apontam Oliveira e Almeida (2013), a inexistência de previsão de cláusula arbitral cheia, gerou margem para interpretações divergentes entre as partes, sendo provocado, assim o poder judiciário para definir os contornos do processo arbitral (OLIVEIRA E ALMEIDA, 2013). Portanto, como visto anteriormente, a recomendação de evitar a utilização de cláusulas compromissórias vazias, por parte da doutrina autorizada, não foi devidamente acatada, gerando a total ineficácia da arbitragem no caso concreto. A judicialização da controvérsia envolvendo a PPP da MG 050 provavelmente estimulou o poder legislativo a elaborar a Lei Estadual 19.477, de 12 de janeiro de 2011, que dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para a solução de litígio em que o Estado seja parte. A partir dessa norma os contratos de PPP’s no âmbito do Estado de Minas Gerais passaram a incorporar cláusula compromissória cheia, conforme disciplina seu art. 8º: “O procedimento arbitral para a solução de litígio relativo a contrato, acordo ou convênio celebrado pelo Estado fica condicionado à existência de cláusula compromissória cheia ou à formulação de compromisso arbitral.” Ao analisar o caso da PPP da MG050, Oliveira e Almeida (2013) concluem que ao contrário da expectativa de solução célere e eficiente, a utilização da cláusula arbitral vazia possibilitou interpretações divergentes, o que demandou necessariamente a participação de Poder Judiciário. O contrato de concessão da PPP do Complexo Prisional, assinado em junho de 2009, como já mencionado anteriormente, utilizou-se da cláusula compromissória vazia. A concessionária ao ser multada, de forma semelhante ao ocorrido com a PPP da MG050 ajuizou ação cautelar[1]com pedido liminar para suspender a referida multa, a qual foi acatada pelo julgador. A presença da fumus boni iuris foi identificada pelo julgador, uma vez “que a concessionária enfrentou no decorrer da obra algumas paralisações em virtude das chuvas e da escassez de mão-de-obra disponível” e o periculum in mora estaria materializado, dado que “o grande vulto da multa imposta representa um perigo de dano irreparável”. Em agosto de 2014, após análise do mérito, a ação cautelar[2] teve seu curso suspenso, devendo seus autos serem remetidos ao tribunal arbitral tão logo seja constituído, pois o juízo entendeu que o Juízo Arbitral é competente para proferir decisões e questões urgentes, incluindo nessas a reapreciação das liminares. A princípio então, dado os dois casos analisados, poder-se-ia direcionar para a existência de cláusula compromissória vazia a grande responsabilidade pelos ajuizamentos de ações cautelares no âmbito de contratos de concessão especial em Minas Gerais. No entanto, um breve olhar sobre o caso da PPP UAI, nos possibilitará esclarecer esse ponto. O contrato da PPP UAI fora assinado em dezembro de 2010 e previu, em seu conteúdo uma cláusula compromissória cheia, onde estariam definidas todas as diretrizes para a solução de controvérsias advindas do contrato de concessão especial. Apesar de já contemplar a cláusula cheia, antes mesmo da publicação da Lei 19.477/2011, a PPP UAI não obteve êxito na busca pela não-judicialização dos problemas advindos da relação contratual público-privado. Em setembro de 2014 a concessionária ingressou em juízo para requerer, através de ação cautelar[3], a suspensão da exigibilidade de multa aplicada pelo Poder Público até que fosse proferida decisão final em processo arbitral. O juízo de 1ª instância extinguiu o processo sem julgamento de mérito, levando em conta a cláusula 29 do contrato de concessão[4], que estabelece que as controvérsias “que não puderem ser resolvidas amigavelmente entre as partes e cuja apreciação não seja da competência exclusiva do Poder Judiciário, serão definitivamente dirimidas por meio da arbitragem”. Contudo, em sede de tutela antecipada recursal, a concessionária obteve êxito na busca pela suspensão da multa cominada pela administração pública, através da decisão da relatora[5] da turma julgadora da apelação, com base no manifesto perigo de dano irreversível, ou de difícil reparação (pois a execução da multa poderia redundar na necessidade de restituição futura mediante precatório) além do fundamento baseado na redação da cláusula 30.6 que estabelece: “30.6 – Para a finalidade exclusiva de obter medidas cautelares e urgentes, bem como para instituição forçada do foro arbitral ou para a execução da sentença arbitral exarada no processo de arbitragem conduzido nos termos da cláusula 29, fica eleito o Foro da Comarca do Município de Belo Horizonte, com renúncia expressa das PARTES a outros, por mais privilegiados que possam ser.” Assim, podemos perceber que não só a cláusula compromissória arbitral cheia não foi condição suficiente para afastar a judicialização dos conflitos, como a presença de uma cláusula que permita a concessão de medidas cautelares e de urgência tem como efeito imediato a permissão da intervenção do judiciário nas questões de direitos patrimoniais disponíveis inerentes ao contrato de concessão especial. Essa previsão remonta ao artigo 22, §4º da Lei 9307/96 que dispõe que “havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa. No entanto, a LA estabelece que o árbitro poderá solicitá-las ao Poder Judiciário, e não a parte envolvida. Conforme aponta Costa (2013): “O artigo 22, § 4º, da Lei n.º 9.307/96, que trata das tutelas de urgência no processo arbitral, não possui uma redação clara sobre o assunto, o que causou certa insegurança no início de sua vigência (notadamente porque a legislação pátria anterior, que regulava o instituto da arbitragem, vedava expressamente a concessão de medidas urgentes pelo árbitro, tendo a Lei n.º 9.307/96 modificado essa posição). Contudo passados mais de 16 (dezesseis) anos da promulgação de tal lei, já se pacificou na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de o árbitro decretar medidas cautelares e de antecipar os efeitos da tutela na arbitragem.” Portanto, podemos perceber que a mera existência de cláusula compromissória cheia nos contratos de concessão, não está apta a afastar o envolvimento do poder judiciário em decisões liminares. A possibilidade do juízo arbitral lançar mão de medidas cautelares na prática não é utilizada, em Minas Gerais, onde as questões controversas ainda são dirimidas, atualmente, em sua grande maioria através do poder judiciário. CONSIDERAÇÕES O estudo em tela teve como objetivo provocar a reflexão sobre a arbitragem nos contratos de parcerias público-privadas, em especial por parte do poder público estadual em Minas Gerais, e a materialização de sua previsão contratual no caso fático. A partir do caso acima analisado pode-se perceber que a utilização de cláusulas compromissórias vazias efetivamente não representa uma prática elogiável pois traz instabilidade para a relação contratual entre o público e o privado. No entanto, a utilização de cláusulas cheias para permitir a total delimitação do procedimento arbitral a ser utilizado quando da necessidade de dirimir um conflito, não se mostra condição necessária nem suficiente para evitar a judicialização das controvérsias. A análise dos contratos de PPP’s e das controvérsias possibilitaram perceber que a relação entre o público e o privado, que deveria ser pautada por uma característica de horizontalidade, equilíbrio e profissionalismo, tem sido marcada por intervenções do poder judiciário para permitir ao parceiro privado obter decisões liminares aptas a afastar as multas pelo descumprimento dos termos do contrato. Por outro lado, pode-se perceber que o poder público estadual não possui uma institucionalidade capaz de oferecer soluções arbitrais rápidas e suficientes para dirimir amigavelmente as disputas, pois não existe ainda, apesar das decisões judiciais nos casos em tela terem direcionado para tanto, uma câmara arbitral efetivamente constituída. Em respeito aos valores alvejados pelo Princípio Constitucional da Eficiência, eis que resta evidente a necessidade da realização de mais estudos sobre a utilização da arbitragem para a resolução de conflitos, pois a análise específica do caso do Estado de Minas Gerais permitiu apontar falhas tanto na confecção dos contratos das PPP’s, com cláusulas vazias ou incapazes de antecipar situações, como na estruturação das câmaras arbitrais, que devem possuir maior especialidade nas temáticas dos contratos e maior legitimação.
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A teoria da reserva do possível frente aos direitos fundamentais
O presente artigo objetiva analisar aspectos referentes à aplicação da teoria da reserva do possível em face dos direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal, no âmbito judicial. O método científico utilizado foi o dialético, tendo como auxiliares o método comparativo e o analítico. A pesquisa teve finalidade analítica, e foi realizada por meio fundamentalmente bibliográfico, em uma abordagem qualitativa. Inicialmente, foi realizada uma breve apuração histórica acerca das origens da mencionada teoria, buscando-se averiguar o seu sentido original pela Corte Constitucional Alemã. Após, observou-se a perspectiva da tese no Brasil, bem como as suas peculiaridades e aceitação internas. Foi objeto de abordagem ainda a questão da insuscetibilidade de apreciação pelo judiciário dos critérios utilizados pelo Poder Público para a escolha de suas políticas dentre as inúmeras possibilidades legais disponíveis. Por fim, tratou-se da temática da judicialização de políticas públicas sob a ótica da doutrina e jurisprudência nacionais, por meio da análise dos limites de intervenção jurisdicional sobre os atos administrativos e os de governo.
Direito Administrativo
Introdução A teoria da reserva do possível, com precedente histórico alemão, teve como fundamento o princípio da razoabilidade em relação ao que proporcionalmente se pode exigir do ente estatal. No Brasil a teoria ganhou um perfil próprio, pois há algum tempo é utilizada como motivação para a ausência de implementação de determinadas políticas públicas garantidoras de direitos sociais em virtude da escassez de recursos do Poder Público para efetivamente concretizar tais garantias. Não obstante, essa justificativa é muito criticada, principalmente pelos Tribunais, conforme se verá a seguir, em razão da própria noção de primariedade dos direitos fundamentais destacados pela Constituição de 1988 se sobrepor a questão orçamentária. Tal discussão ainda hoje é levantada em inúmeros litígios judiciais envolvendo entes estatais, e por isso ainda é questionada por diversas bancas de concursos públicos, até mesmo pelo nível de complexidade que envolve a temática, que por esses motivos se tornou objeto do presente estudo. 2 A Teoria da Reserva Do Possível: Conceito e Evolução Histórica A Teoria da Reserva do Possível adquiriu essa nomenclatura a partir de um fundamento utilizado pela Corte Constitucional Alemã, nos anos 1970, ao decidir um caso a ela submetido, que fora denominado numerus clausus. O objeto de análise da referida causa era o pleito de dois estudantes que não foram aceitos nas universidades de Hamburgo e Munique, que por essa razão buscaram a chancela jurisdicional requerendo o acesso a um dos cursos, utilizando como argumento o direito de escolha de seu ofício e ao local de formação, que era assegurado pela Constituição alemã (KRELL, 2002 apud AVILA, 2014). A esse respeito asseverou Ramos (2014, p. 2): “O Tribunal negou o pedido dos estudantes, ao fundamento de que só se pode exigir do Estado aquilo que se pode esperar, nos limites da possibilidade e da razoabilidade. No caso em questão, a Corte Alemã considerou não ser razoável esperar do Estado o oferecimento de vagas ilimitadas para o curso de medicina.” Percebe-se que por meio do critério da razoabilidade e ponderação a referida Corte adotou o entendimento de que não é o Estado obrigado a cumprir prestação manifestamente inexigível, bem como destacou a noção de que os direitos fundamentais estão limitados as possibilidades materiais e jurídicas estatais. Esclarecendo o contexto e sentido de aplicação da referida teoria observa-se na doutrina (SARLET, 2012, p. 370): “Para além disso, colhe-se o ensejo de referir decisão da Corte Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou jurisprudência no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável”. Não obstante, torna-se perceptível que a referida interpretação do Tribunal Constitucional alemão não se referia diretamente a disponibilidade de recursos financeiros do Estado, mas sim a prestação de um direito de maneira razoável, proporcional e isonômica a cada cidadão. 3 A Perspectiva Brasileira da Reserva do Possível Afirma Ávila (2014) que, no Brasil, a teoria da reserva do possível teve seu conceito alterado, tendo em vista que o Executivo, de maneira ampla, veio utilizando-a para tentar justificar a ausência de efetivação políticas públicas com base na escassez de recursos financeiros, argumentando que caso houvesse a destinação de dinheiro para determinada área por meio de intervenção judicial, outras áreas prioritárias poderiam ser prejudicadas, ou seja, atender-se-ia um pleito isolado em detrimento de toda a coletividade. Sobre essa perspectiva teoria colhe-se na doutrina (SARLET, 2012, p. 389): “Sustenta-se, por exemplo, inclusive entre nós, que a efetivação destes direitos fundamentais encontra-se na dependência da efetiva disponibilidade de recursos por parte do Estado, que, além disso, deve dispor do poder jurídico, isto é, da capacidade jurídica de dispor. Ressalta-se, outrossim, que constitui tarefa cometida precipuamente ao legislador ordinário a de decidir sobre a aplicação e destinação de recursos públicos, inclusive no que tange às prioridades na esfera das políticas públicas, com reflexos diretos na questão orçamentária, razão pela qual também se alega tratar-se de um problema de natureza eminentemente competencial.” Torna-se evidente, então, a diferença entre a aplicação da citada teoria no Brasil e na Alemanha, onde o contexto político-econômico é totalmente diverso do quadro brasileiro, o que por certo explica o fato de que em nosso país a justificativa se distanciou do foco principal da teoria [a razoabilidade], passando a sustentar um fundamento diverso e mais específico, qual seja a ausência de recursos públicos. Notoriamente, a justificativa estatal ganha contornos legais bem mais profundos ao se observar a política orçamentária pré-definida para os gestores públicos, que estão subordinados a diversas leis orçamentárias para a consecução de suas despesas, consoante se observa na Lei de Responsabilidade Fiscal [Lei Complementar 101 ∕ 2000] e no próprio texto constitucional, que impõe diversos regramentos a esse respeito, conforme destacou afirmou Borges Mânica (2011, p. 3): “Nesse cenário, a Constituição de 1988 alçou o orçamento público a importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político. Para tanto, estabeleceu um encadeamento de três leis que se sucedem e se complementam: a Lei do Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Nesse sistema, todos os planos e programas governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual, nos termos do art. 165, § 4º da Constituição Federal, e a LDO deverá estar em harmonia com o PPA, nos termos do art. 166, § 4º da Constituição. […] Em face do princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público é imposta a obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leis orçamentárias. Sob pena de crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI da CF/88, é vedado ao administrador realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária, nos termos do art. 167, II da CF/88.” Dessa forma, observa-se que as exigências legais ao gerenciamento de recursos públicos, com exigências prévias e específicas para a manutenção do equilíbrio entre receitas e despesas constituem uma base, de certo modo, justificável aos argumentos da teoria da reserva do possível no Brasil, até mesmo porque o Estado possui limitações para consecução de suas ações impostas tanto pela lei quanto pela Constituição. Nesse cerne, pontuou Sarlet (2012, p. 389): “Para os que defendem este ponto de vista, a outorga ao Poder Judiciário da função de concretizar os direitos sociais mesmo à revelia do legislador, implicaria afronta ao princípio da separação dos Poderes e, por conseguinte, ao postulado do Estado de Direito. De acordo com a ponderação do publicista suíço J.-P. Müller, falta aos Juízes a capacidade funcional necessária para, situando-se fora do processo político propriamente dito, garantir a efetivação das prestações que constituem o objeto dos direitos sociais, na medida em que estas se encontram na dependência, muitas vezes, de condições de natureza macroeconômica, não dispondo, portanto, de critérios suficientemente seguros e claros para aferir a questão no âmbito estrito da argumentação jurídica.” A referida abordagem indica, a princípio, uma barreira lógica à intervenção judiciária na gestão de recursos públicos, que estão dispostos em dotações previamente indicadas em leis orçamentárias. Por essa razão, é de se perceber que a interpretação proposta constituiria então uma verdadeira limitação aos direitos sociais. Carvalho Filho (201, p. 47), em uma abordagem objetiva orientou acerca do tema: “Somente diante dos concretos elementos a serem sopesados ao momento de cumprir determinados empreendimentos é que o administrador público poderá concluir no sentido da possibilidade de fazê-lo, à luz do que constitui a reserva administrativa dessa mesma possibilidade. Por lógico, não se pode obrigar a Administração a fazer o que se revela impossível. Em cada situação, todavia, poderá a Administração ser instada a demonstrar tal impossibilidade; se esta inexistir, não terá como invocar em seu favor a reserva do possível.” Nesse norte, aponta-se que a impossibilidade estatal deve ser plenamente demonstrada, e é justamente nesse ponto que se observa o primeiro limite de aplicação da referida tese, qual seja, a prova da insuficiência financeira para a respectiva despesa. Não obstante, é cabível mencionar que o STF firmou entendimento parecido com o anteriormente demonstrado, conforme se ressalta a seguir, no voto do relator, ministro Celso de Melo, no julgamento da APDF de número 45 (BRASIL, 2004, p.4-5): “Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.” (Grifo nosso) Nesse sentido, é de se observar que a interpretação vigente é no sentido de que a teoria da reserva do possível é capaz de limitar os direitos sociais, no entanto, para que isso ocorra deve a justificativa ser evidentemente aferível, caso contrário, será inconsistente e inaplicável o sentido da referida alegação. 4 A Judicialização de Políticas Públicas Frente aos Direitos Fundamentais O Poder Público na consecução de suas políticas de governo dispõe, basicamente, de dois instrumentos de atuação: os atos administrativos e os atos políticos. Os primeiros, de acordo com Alexandrino e Paulo (2015) estão situados na categoria dos atos jurídicos e ao serem praticados no exercício de atribuições públicas se submetem ao regime de direito público. Já os últimos conforme a explicação de Mazza (2013) são atos que Administração Pública emite com ampla margem de discricionariedade, tendo em vista que sua competência advém das leis e da Constituição. Tendo em vista essas informações, faz-se necessário promover a distinção do modo com que a atuação jurisdicional poderá atuar frente as espécies de atos acima citados. No que atine aos atos administrativos, leciona Di Pietro (2014, p. 828): “O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade (arts. 5º, inciso LXXIII, e 3 7). Quanto aos atos discricionários, sujeitam-se à apreciação judicial, desde que não se invadam os aspectos reservados à apreciação subjetiva da Administração Pública, conhecidos sob a denominação de mérito (oportunidade e conveniência).” Verifica-se, então, que, em regra, o judiciário poderá avaliar os atos administrativo desde que se limite a verificar o exame da legalidade destes, não podendo, então, aferir o mérito do ato [o motivo e o objeto que motivaram a escolha do gestor], fundamento ao qual adere a melhor doutrina. A respeito da aferição do mérito administrativo pelo poder judiciário ponderou Carvalho Filho (2015, p. 1056): “O que é vedado ao Judiciário, como corretamente têm decidido os Tribunais, é apreciar o que se denomina normalmente de mérito administrativo, vale dizer, a ele é interditado o poder de reavaliar critérios de conveniência e oportunidade dos atos, que são privativos do administrador público. Já tivemos a oportunidade de destacar que, a se admitir essa reavaliação, estar-se-ia possibilitando que o juiz exercesse também função administrativa, o que não corresponde obviamente à sua competência. Além do mais, a invasão de atribuições é vedada na Constituição em face do sistema da tripartição de Poderes (art. 2º).” Assim, ao julgador é vedado, então, opinar, ainda que de forma fundamentada, quanto ao mérito administrativo, pois se assim agisse, estaria usurpando a função do administrador, que é a pessoa a quem a lei conferiu essa escolha. Em relação aos atos políticos a figura se modifica, eis que sua possibilidade de análise pelo judiciário por muito tempo foi vislumbrada pela legislação e pela doutrina brasileiras como impossível, especialmente diante da expressa disposição nesse sentido trazido pelo art. 94 da Constituição de 1937. No entanto, com o passar do tempo tal posição teórica restou superada, e mais abruptamente perdeu o sentido com a previsão constitucional na Carta Magna de 1988 de diversos meios de controle judicial de atos políticos em defesa dos direitos coletivos, dentre os quais podemos mencionar: a ação popular, o mandado de injunção e o mandado de segurança coletivo. (DI PIETRO, 2014) Ressalte-se que, nesse último caso o controle é mais limitado, pois conforme ressalta Carvalho Filho (2015) o controle judicial não deve incidir sobre as razões governamentais motivadoras da edição dos atos políticos porque o julgador não pode substituir a vontade do agente político diante de várias hipóteses legais de atuação disponíveis, tendo em vista que, nesse caso, a discricionariedade é do sujeito governamental. De outro turno, como já mencionado, há que se destacar que os tribunais atualmente vêm adotando justamente o entendimento de que quando os direitos fundamentais estão em discussão não há que se falar em discricionariedade. Ao se manifestar sobre o tema assim se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2010, p. 2): “[…] a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preterí-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restringe na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais.” Em sentido semelhante se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2013, p. 5): “Nem se alegue questões de ordem orçamentária e financeira precária ou limitada. Não há como se acolher qualquer argumento de que os recursos são limitados e que se deve adotar planejamento para o atendimento do maior número de pessoas, ante a falta de recursos orçamentários e diante da oportunidade e conveniência do Administrador, pois devem ser observados os ditames constitucionais que tratam do assunto 'saúde' com prioridade, nos termos dos artigos 6º e 196 a 200 da Constituição Federal. Com efeito, não há afronta ao princípio da separação de poderes nem tampouco ao poder discricionário do Poder Executivo, porque o administrador pode escolher a forma de executar a lei, porém não pode quedar-se ao dever de cumpri-la.” Assim, de acordo com o entendimento destes tribunais observa-se que, muito embora o orçamento seja, de fato, um instrumento de concretização de políticas públicas, bem como os atos governamentais devam a eles observância, o fator que prepondera, seja na consecução de um ato administrativo ou de governo, são os direitos fundamentais. Como visto anteriormente, a justificativa se encontra no próprio texto constitucional ao delinear como prioridade os direitos fundamentais nela consagrados. Não obstante, há que se consignar, por fim, que o STF [conforme demonstrado no título anterior] apontou que a teoria da reserva do possível pode ser de fato acolhida desde que se demonstre a “ocorrência de justo motivo objetivamente aferível” (BRASIL, 2004, p.4-5), situação que, evidentemente, se enquadra na ideia central da tese: a razoabilidade. Conclusão O presente estudo teve por objetivo analisar a aplicação da teoria da reserva do possível em face dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988. Foi discutido o histórico e sentido inicial da teoria da reserva do possível, por meio de uma breve abordagem aos fundamentos esposados pelo Tribunal Constitucional Alemão no julgamento do caso numeros clausus, que observava a teoria como uma lógica decorrente da razoabilidade e limitação das atribuições jurídicas e materiais do Estado. Em título próprio foi possível verificar que no Brasil a nominada tese teve uma alteração de sentido, tendo em vista que optou, principalmente, pela especificidade ao utilizá-la como fundamento para a não consecução de determinadas políticas públicas em razão da ausência de recursos financeiros para tanto. Também se observou que os atos de governo definidores destas políticas durante algum tempo foram observados como insuscetíveis de análise judicial, destaque especial para a disposição nesse sentido na própria Constituição de 1937, fato que descarta a utilização da teoria nesse período. Foi apurado ainda que nas últimas décadas, principalmente após a promulgação da Constituição de 1988, a tese teve seu sentido e aplicação reduzidos em razão das garantias e direitos fundamentais dispostos na Carta Magna serem alçadas a um patamar de primariedade para o bem-estar social e democrático. De fato, se tornou perceptível que os atos da Administração Pública, sejam administrativos ou de governo, sob a ótica da jurisprudência vigente, que seguindo os preceitos constitucionais, aderiu ao entendimento de que a teoria da reserva do possível não pode ser utilizada como justificativa para a ausência de efetividade dos direitos sociais pelo Estado, tendo em vista que o orçamento e as leis que o regem têm o exato objetivo de concretizá-los conjuntamente com a manutenção da máquina estatal. Tendo como base esses motivos, aderimos a esse posicionamento.
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O controle jurisdicional dos atos administrativos de competência discricionária: ênfase nos conceitos indeterminados
A presente pesquisa apresenta um estudo sobre o controle jurisdicional dos atos administrativos de competência discricionária, com ênfase nos conceitos indeterminados. Tem por objetivo esclarecer como este controle deve ser realizado no Estado Democrático de Direito no atual paradigma pós-modernista. Paralelamente, analisa o Direito Administrativo no paradigma pós-modernista e os direitos fundamentais em contraponto com o interesse público. Apresenta tema de grande importância e notória atualidade, eis que se vive um período de mudanças no Direito Administrativo e que se trata de tema controverso e importante para a sociedade. Utiliza o método fenomenológico e tem natureza qualitativa, explicativa, bibliográfica e documental. Os conceitos jurídicos indeterminados e a discricionariedade administrativa são institutos necessários e independentes, não havendo como afirmar, de modo que a utilização de conceitos indeterminados não gera, necessariamente, discricionariedade administrativa. O Poder Judiciário deve expandir o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, analisando-os quanto à sua competência, forma, juridicidade, motivos, finalidade e compará-los com o material de amostra existente.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO No atual paradigma pós-modernista, observa-se uma série de problemas a exigir soluções do Direito Administrativo que, no entanto, não podem ser concebidas sob o modelo burocrático, mecanicista, ineficaz e deficiente historicamente utilizado, de modo que a Administração Pública vive uma crise de legitimidade e precisa se reaproximar dos anseios sociais. A Administração Pública, antes um fim em si mesmo, passa a ser concebida como um instrumento de satisfação dos direitos fundamentais, assumindo uma posição de dever perante a sociedade. Exige-se que o Direito Administrativo atue em diálogo com o político, o econômico, o social e, principalmente, os direitos fundamentais. Neste quadro, de questionamento e releitura de conceitos outrora basilares à atuação Administrativista, ganha relevância a discussão sobre o controle jurisdicional de atos administrativos de competência discricionária, com ênfase nos conceitos indeterminados, tema este que constitui o objeto da presente pesquisa. Decerto, não se revela adequado aos anseios do Estado Democrático de Direito um controle mínimo, restrito ao aspecto da estrita legalidade, sem maiores questionamentos quanto à adequação do ato administrativo ao ordenamento jurídico como um todo. Sendo assim, o presente trabalho partiu do seguinte problema central: como deve ser o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários trazidos a lume através de conceitos indeterminados, norteado pela salvaguarda dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito? Para que este controle seja feito de maneira adequada a tais objetivos e cumpra com o seu papel no atual paradigma, deve ser ampliado, não apenas submetendo o ato administrativo à lei em sentido estrito, mas ao Direito como um todo? Esta foi a hipótese analisada. O objetivo deste trabalho foi analisar o exercício do controle jurisdicional dos atos administrativos de competência discricionária, com ênfase sobre aqueles que se utilizam de conceitos jurídicos indeterminados, de forma que este controle seja concebido sob um viés garantidor dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos e da efetivação do Estado Democrático de Direito. O estudo do tema em testilha apresenta grande importância e notória atualidade, eis que se vive um período de transição da modernidade, de questionamento de antigos valores então caros ao Direito Administrativo, tornando-se imprescindível que insira-se neste leque de questionamentos a análise do controle jurisdicional dos atos administrativos de competência discricionária. Some-se a isto o fato do tema receber interpretações diversas nos diferentes ordenamentos jurídicos, ensejando controvérsias, assim como não ser amplamente explorado pela doutrina brasileira, além de perceber-se uma insatisfação geral com a forma como é exercido, por diversas vezes, este controle por parte do Poder Judiciário, sob um enfoque abstencionista. Apreciou-se o tema através do método fenomenológico, realizando-se uma exposição do tema como ele é, sem indução ou dedução, tendo a pesquisa natureza qualitativa, explicativa, bibliográfica e documental. Explicativa porque empenhou-se em identificar como deve se comportar o Poder Judiciário quando instado a exercer controle sobre atos administrativos discricionários que apliquem conceitos indeterminados, com vistas à salvaguarda dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito. Bibliográfica e documental porque se tomou por base, especialmente, a doutrina e, em certos momentos, as decisões judiciais, que são fontes documentais. Além deste introito, o presente trabalho conta com quatro capítulos e conclusão. O primeiro capítulo voltou-se para o estudo do Estado Democrático de Direito e da relação entre os direitos fundamentais e o interesse público, sendo estes três pontos basilares à compreensão do Direito Administrativo atual. O segundo cuidou do Direito Administrativo no paradigma pós-modernista. O terceiro capítulo restou direcionado aos atos administrativos discricionários, fazendo uma crítica à discricionariedade do agente público e tratando, ainda, dos conceitos indeterminados frente à discricionariedade administrativa. O quarto e último capítulo versou sobre o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, tratando também, especificamente, da objetividade dos conceitos indeterminados motivada pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIREITOS FUNDAMENTAIS E INTERESSE PÚBLICO Havendo a presente pesquisa eleito, como tema central, o controle jurisdicional dos atos administrativos, torna-se imprescindível que se discorra acerca do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais, especialmente em sua relação com o interesse público. Assim o é porque este controle apenas pôde ser cogitado num Estado Democrático de Direito, pautado pela separação dos poderes, e sua eficácia somente pode ser almejada em um contexto de respeito aos direitos fundamentais e de sintonia do interesse público com estes. Como se notará ao longo desta pesquisa, a possibilidade de controle jurisdicional dos atos administrativos, sejam eles vinculados ou discricionários, surge como uma necessidade deste modelo de Estado, sendo hoje concebida como seu alicerce inafastável. É o que reconhece Di Pietro (2007, p. 3): “Quando, porém, à lei formal se acrescentam considerações axiológicas – o que aconteceu com a instauração do Estado de Direito Democrático – amplia-se a possibilidade de controle judicial, porque, por essa via, poderão ser corrigidos os atos administrativos praticados com in”observância de certos valores adotados como dogmas em cada ordenamento jurídico. O arcabouço principiológico regente do Estado Democrático de Direito, bem como sua própria lógica de funcionamento, exigem que a Administração Pública observe os imperativos legais – especialmente a Constituição –, o interesse público e os direitos fundamentais, e imaginar que esta observância ocorrerá sem maiores conflitos é incorrer em equívoco. É neste ponto que surge a necessidade de controle entre os poderes, dentre os quais, o controle jurisdicional dos atos administrativos. De outro lado, com o advento deste Estado e, notoriamente, da pós-modernidade, pode-se afirmar categoricamente que este controle tornou-se mais amplo e robusto, muito por força dos direitos fundamentais e da sua relação com o interesse público. Até então, o interesse público gozava de larga vantagem perante os direitos individuais, constituindo, em certos momentos, verdadeiro manto de proteção do ato administrativo em face do controle jurisdicional. Neste mister, o crescimento e fortalecimento do controle jurisdicional decorrem do protagonismo dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito e da necessidade de observância destes pelo Administrador Público[1]. Portanto, sendo estes temas basilares à compreensão do adequado controle jurisdicional dos atos administrativos, passa-se à sua análise. 1.1 O Estado democrático de direito O Estado Democrático de Direito, implantado formalmente no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988, possui raízes que remontam ao século XVIII, época do advento das ideias iluministas e das revoluções burguesas, condensadas no trinômio liberdade, igualdade e fraternidade. Somente a partir das ideias desenvolvidas neste período tornou-se possível o avanço do Estado – demasiado Estado – Absolutista para outras formas de Estado, como o Estado Liberal, o Estado Social de Direito e, mais importante, o Estado Democrático de Direito. Adota-se, na presente pesquisa, a concepção de Joaquim José Gomes Canotilho (1999), que parte das concepções de Estado de Direito e de Democracia para explicar o Estado Democrático de Direito ou, Estado de Direito Democrático, como consta da Constituição Portuguesa – diferenciação irrelevante para os fins do presente trabalho. O autor aponta, como princípio básico de um Estado de Direito, a eliminação do arbítrio no exercício dos poderes públicos, com a consequente garantia dos direitos dos indivíduos perante estes poderes, ideia que constitui, ao mesmo tempo, a razão de ser do objeto deste trabalho, o controle jurisdicional dos atos administrativos. A fim de aclarar o conceito de Estado de Direito, o autor propõe a comparação entre dois opostos: direito e não direito, não como mera comparação virtual, mas em virtude da análise história dos regimes estatais, que, por diversas vezes, assumiram feições nos dois sentidos. Neste ponto, Estado de direito seria aquele Estado ou “forma de organização político-estadual cuja atividade é determinada e limitada pelo direito”, enquanto Estado de não direito seria aquele “em que o poder político se proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de liberdade ante o poder protegida pelo direito” (CANOTILHO, 1999, p. 4). Caracteriza-se o Estado de não direito a partir de três ideias: é um Estado que decreta leis arbitrárias, cruéis ou desumanas; é um Estado em que a razão do Estado, determinada e imposta por chefes, confunde-se com o direito; é um Estado marcado pela radical injustiça ou desigualdade na aplicação do direito. O ponto caracterizador de um Estado de não direito é atingido quando o conflito entre as medidas jurídicas do Estado e os princípios de justiça (dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, fraternidade, dentre outros) seja tão insuportável que outro remédio não há senão considerar tais medidas injustas e arbitrárias e utilizar-se legitimamente do último recurso de que dispõem os homens na luta pela dignidade da pessoa humana: o direito de resistência, individual ou coletivo. Podem ser enumerados como exemplos históricos deste Estado de não direito, os regimes nazifascistas e o regime totalitário stalinista. Noutra margem, o Estado de Direito, concebido e desenvolvido no Ocidente, caracteriza-se por obedecer a critérios de juridicidade estatal, quais sejam: governo de leis (e não de homens) gerais e racionais, organização do poder segundo o princípio da divisão de poderes, primado do legislador, garantia de tribunais independentes, reconhecimento de direitos, liberdades e garantias, pluralismo político, funcionamento do sistema organizatório estatal em caráter de subordinação aos princípios da responsabilidade e do controle e exercício do poder estatal através de instrumentos jurídicos constitucionalmente determinados. Este modelo de Estado instalou-se paulatinamente na Europa e, posteriormente, nas Américas, de acordo com as circunstâncias fáticas de cada país. Na Inglaterra firmou-se sobre a ideia de rule of law (império do direito, em tradução livre), que implica na obrigatoriedade de adoção de um processo justo legalmente regulado quando for necessário julgar e punir cidadãos, na prevalência das leis e costumes do país perante a discricionariedade do poder real, na sujeição de todos os atos do poder executivo à soberania do parlamento e, por fim, na igualdade de acesso aos tribunais por parte de qualquer indivíduo, com vistas a defender seus direitos em face de qualquer pessoa ou entidade. Os Estados Unidos e a França das revoluções burguesas foram responsáveis pela exigência de uma Constituição emanada do povo (democrática) – e por ele legitimada –, da qual devem constar os objetivos essenciais e limites da ação estatal, de modo que não há Estado de Direito onde o texto constitucional não contiver uma declaração de direitos e uma organização do poder político segundo o princípio da divisão dos poderes. Estes caracteres historicamente definidores do Estado de Direito praticamente se confundem com os fundamentos do controle jurisdicional, sendo notória a relação de interdependência entre este e aquele. Não há como esquivar-se à conclusão de que o Estado de Direito necessita do controle jurisdicional dos atos administrativos para que permaneça nesta condição, ao mesmo tempo em que o controle pressupõe a existência de um Estado de Direito. Todavia, embora o Estado de Direito seja, primordialmente, um Estado com uma Constituição separadora e limitadora do poder através do império do direito, é um modelo que, como apontado, carece de legitimação, estando o seu sucesso diretamente ligado à sua estruturação, organização e exercício como uma ordem de domínio legitimada pelo povo, democrática. A concepção de Estado Democrático alude a um Estado fundado na soberania popular, caracterizada não apenas pela participação do povo na escolha de seus representantes, mas na efetiva participação deste na gestão da coisa pública, tendo como objetivo a concretização e salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana. Como aponta Canotilho (1999), “Estado de Direito” e “Estado Democrático” correspondem a dois modos de ver a liberdade. No Estado de Direito, concebe-se a liberdade como liberdade negativa, isto é, uma liberdade de defesa perante o Estado, limitando o poder deste perante a liberdade do indivíduo. Enquanto isto, ao Estado Democrático corresponderia a ideia de liberdade positiva, ou seja, a liberdade concebida através do exercício democrático do poder. Da simbiose destes dois conceitos surge o Estado Democrático de Direito, onde o elemento democrático não possui caráter de mero regulador (freio) do poder, mas assume a feição de legitimador deste, desde que concretizado através de procedimentos juridicamente regulados. Em relação à Administração Pública, Canotilho (apud Di Pietro, 2012) indica que a democratização exige: (I) a substituição das estruturas hierárquico-autoritárias por formas de deliberação colegial; (II) a introdução do voto na seleção das pessoas a quem forem confiados cargos de direção individual; (III) a participação paritária de todos os elementos que exerçam sua atividade em determinados setores da Administração; (IV) a transparência ou publicidade do processo administrativo; (V) a gestão participada, ou seja, a participação dos administrados através de organizações populares de base e de outras formas de representação na gestão da administração pública. Note-se, porém, que o Estado Democrático de Direito, presumidamente ativo na consecução dos direitos fundamentais da pessoa humana, não constitui mera união formal entre as concepções de Estado Democrático e Estado de Direito, mas novo conceito, que, embora construído a partir dos elementos daqueles, com eles não se confunde, englobando as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. O acréscimo do vocábulo “democrático” (do grego demos, que significa “povo” e kratos, que significa “poder”) ao Estado de Direito expõe uma diferença substancial entre os dois modelos, qual seja, a constatação de que não basta ao Estado ser fundado em normas aceitas – Estado de Direito –, mas que este deve ser um Estado do povo, por este legitimado e para este voltado. Este Estado deve, necessariamente, ser erguido e exercido em termos democráticos. Seguindo este viés, e em resposta à insuficiência dos modelos anteriores, este modelo de Estado se propõe a ser atuante, isto é, ir além da proclamação de direitos e garantias fundamentais, colocando-se como sujeito ativo no mister de concretizá-los, pautado na ideia aristotélica de igualdade (material), ou seja, tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual. Ganham importância os conteúdos programáticos, especialmente aqueles relativos a direitos sociais e econômicos. Passa a ser objetivo de maior monta a qualidade de vida individual e comunitária do homem. Como apontam Streck e Morais (2013), o Estado Democrático de Direito aponta para o resgate das promessas não cumpridas da modernidade. Entra em pauta a missão de transformar o status quo, tornando-se a lei instrumento para este desiderato. Busca-se superar o individualismo, passando o Estado a atuar com vistas à garantia de acesso a direitos fundamentais como a educação, saúde, lazer, previdência social, dentre outros, para grupos sociais. O Estado Democrático de Direito possui um sentido teleológico consistente na busca pela transformação da sociedade como um todo. Aqui, tem-se a proteção dos direitos fundamentais em face da atuação estatal, as garantias e prestações positivas voltadas à busca pela igualdade e, principalmente, a colocação desta igualdade como objetivo principal da sociedade, em seu aspecto geral, comunitário. Este último aspecto, juntamente com a participação popular, voltados para a busca da igualdade material – não apenas formal –, representam a grande inovação proposta. Concretamente, a Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988) é expressão direta deste Estado Democrático de Direito, enunciando literalmente esta condição em seu art. 1º e contendo expressões dele decorrentes em diversos pontos do texto constitucional, por exemplo: o princípio da separação dos poderes (art. 2º), a gama de direitos fundamentais elencada exemplificativamente no art. 5º, o princípio da legalidade administrativa (art. 37), a elevação do voto direto, secreto, universal e periódico à condição de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III), o controle de constitucionalidade previsto no art. 102, dentre outras. Sobre o Estado anunciado na Constituição de 1988, preceituam Streck e Morais (2013, p. 113): “A Constituição do Brasil de 1988 – ao lado do princípio republicano e da forma federativa de Estado, princípios fundamentais da organização do Estado, inova ao incorporar o conceito de Estado Democrático de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto onde a preocupação básica é a transformação do status quo.(…) O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência”. Neste quadro, o Direito Administrativo sofre profundas mudanças, sendo redimensionado para as novas aspirações do Estado. Passa-se da supremacia e unilateralidade ao consenso e bilateralidade e a função pública torna-se atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica (BANDEIRA DE MELLO, 2012). Com este modelo estatal, o Direito Administrativo – e, via reflexa, o controle jurisdicional dos atos administrativos – atingiu o ápice do seu desenvolvimento. A Administração passa por um processo de aproximação com a realidade social, sendo alvo direto e imediato das insatisfações da sociedade, não podendo esquivar-se de uma resposta crível. O Poder de Polícia estende-se a novas áreas, como o direito ambiental e do consumidor. De um lado, a Administração estende sua mão sobre atividades antes reservadas à iniciativa privada, notadamente as de natureza econômica; de outro, constatada sua insuficiência, busca o auxílio da iniciativa privada para executar serviços públicos. O princípio da legalidade assume uma acepção formal, por obedecer, necessariamente, a um processo legislativo e distribuição de competências preestabelecidos e material, por haver de observar os valores consagrados explícita ou implicitamente no texto constitucional, tais como a igualdade, liberdade, segurança, dentre outros. Neste contexto, a discricionariedade administrativa passa a ser limitada não apenas pela lei, mas também pela ideia de justiça, extraída da Constituição. Segundo Di Pietro (2012), com a ampliação do princípio da legalidade, houve uma redução da discricionariedade administrativa, pois, se esta envolve certa margem de apreciação nos limites da lei e o conceito de lei foi ampliado, decerto houve tal redução, seguida da ampliação do controle judicial dos atos administrativos de natureza discricionária. Feita esta breve caracterização do Estado Democrático de Direito, primordialmente segundo os ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho, passa-se ao enfrentamento do – aparente – conflito entre os direitos fundamentais e o interesse público e seus deslindes. 1.2. Direitos fundamentais e interesse público Os direitos fundamentais ocupam posição privilegiada na pós-modernidade, de modo que o anteriormente poderoso e pouco questionável interesse público passa a exigir maiores reflexões em sua aplicação e torna-se passível de controle jurisdicional sob diversos aspectos, especialmente quando posto em confronto com direitos fundamentais. Assim, revela-se profícuo aos objetivos do presente trabalho ater-se um pouco sobre estes dois institutos e seu aparente conflito. Para ilustrar a celeuma, interessante observação faz Mendes (1999) ao notar que a moderna doutrina constitucional está às voltas com o problema relativo ao desenvolvimento de instituições que, de um lado, consigam impor o interesse público em face das poderosíssimas organizações privadas como sindicatos, associações e conglomerados econômicos, e, de outro, logrem assegurar um regime democrático e de liberdades na acepção mais ampla, que tenha como baldrame a própria concepção de dignidade humana. Os direitos fundamentais constituem o núcleo intocável da sociedade, voltados à conquista e manutenção da dignidade da pessoa humana. Considerando o atual ordenamento jurídico brasileiro, podem ser caracterizados como direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva, universais, históricos[2], de eficácia imediata, vertical e horizontal, de caráter dúplice, relativos, irrenunciáveis, inalienáveis, imprescritíveis, e concorrentes. Como direitos subjetivos, conferem aos seus titulares a faculdade de impor a outrem sua observância. Quanto à eficácia vertical e horizontal, significa dizer que estes direitos são aplicáveis tanto às relações entre Estado e particular (eficácia vertical) quanto às relações entre particulares (eficácia horizontal). Deste modo, o conceito de “outrem” acima apontado engloba tanto as pessoas de direito público quanto os particulares. Segundo Mendes (1999), como elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva, tanto aqueles direitos fundamentais que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros concebidos como garantias individuais, formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito, norteando, assim, toda a atuação da Administração Pública. São direitos universais[3], pois se destinam a todos os seres humanos, de modo indiscriminado, bem como às pessoas jurídicas[4]. Sua eficácia imediata é característica atribuída pelo constituinte originário, que assim dispôs expressamente no parágrafo primeiro do artigo quinto da Constituição Federal de 1988[5] e significa, segundo Silva (2007, p.408) que as normas constitucionais que os definem são dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua pronta incidência aos fatos, situações, condutas ou comportamentos que elas regulam. O caráter dúplice dos direitos fundamentais é decorrência de sua historicidade, pois, inicialmente – à época do Estado Liberal –, os direitos fundamentais continham comandos negativos, voltados à salvaguarda da liberdade dos indivíduos perante o agir estatal. A partir do reconhecimento dos direitos fundamentais de segunda geração – sociais, culturais e econômicos – tais normas passaram a conter comandos positivos, impondo ao Estado uma atuação positiva. Nessa toada, tendo em vista que as gerações de direitos fundamentais não substituem as anteriores, mas somam-se a estas, tem-se claro que, hoje, o conjunto de direitos fundamentais abrange tanto comandos de natureza positiva quanto negativa, tanto ordens de ação quanto de abstenção, possuindo, portanto, caráter dúplice. São direitos concorrentes, porque não podem ser interpretados isoladamente, sendo, assim, relativos, porque podem entrar em conflito entre si, cabendo ao intérprete/aplicador sopesar os caracteres da situação fática que envolve a aplicação destes, para, a partir daí, um abrir espaço à aplicação de outro, sem, contudo, ser ignorado, bem como por não poderem ser utilizados para fins ilícitos. São, ainda, como ensina Silva apud Lenza (2012), irrenunciáveis, inalienáveis e imprescritíveis. Não possuindo conteúdo econômico-patrimonial e sendo conferidos a todos, deles não pode renunciar o titular – ainda que deixe de exercê-los –, nem aliená-los, assim como não são atingidos pelo instituto da prescrição, pois este só atua sobre a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial. Em relação ao interesse público ou ao princípio supremacia deste sobre os interesses privados, como dito alhures, é instituto que nos dias correntes exige profundas reflexões ao ser invocado e é alvo de amplo controle jurisdicional. Muito embora se reconheça que este princípio integra o núcleo do direito administrativo, no quadro atual, em que existem direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, muito se debate acerca dos limites daquele princípio, havendo quem defenda, até, a sua substituição pelo princípio da razoabilidade. Di Pietro (2012), adotando a concepção de Fernando Sainz Moreno, analisa o conceito de interesse público sob duas feições: princípio político e princípio jurídico. Como princípio político, o interesse público consiste no fim almejado por determinada sociedade em um dado momento histórico, variando de acordo com a ideologia dominante, constituindo a própria razão de ser de um Estado. Como princípio jurídico, o interesse público é concebido com a função de dar solução aos casos concretos singularmente considerados, ou seja, constitui o que a lei aponta como adequado ao interesse público, em sua feição política, para determinado caso concreto. Bandeira de Mello (2012, p. 62) conceitua o interesse público como “o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”. Quer o autor aclarar que o interesse público é o interesse do todo, do corpo social, não podendo, por esta razão, destoar dos interesses das partes, em sua qualidade de partícipes da sociedade. Como exemplo, pode-se apontar a situação de uma desapropriação: um indivíduo, particularmente considerado, muito provavelmente terá o interesse – privado – de não ser desapropriado, mas não pode, considerado em sua qualidade de membro da sociedade, ter interesse em que não exista o instituto da desapropriação, embora eventualmente este venha a ser utilizado em seu desfavor. Ora, não existindo o instituto aquele indivíduo não terá acesso a espaços vitais, tais como estradas, escolas, hospitais, dentre outros. O interesse público é o conceito central da expressão do bem comum, havendo uma constante necessidade de justificação de qualquer exercício de poder estatal, tendo em mente que a finalidade da atuação dos entes públicos é a comunidade integral dos cidadãos e não a soma dos indivíduos. O bem comum esboça uma unidade de interesses, que não existe no presente, mas deve ser incessantemente perseguida, tornando-se princípio regulador e parâmetro para a correta atuação estatal em relação a determinado fim. O interesse público, indissociável da ideia de bem comum, representa o resultado de um processo de decisão política, ou seja, uma permanente tarefa de concretização, levada a cabo por órgãos e entidades competentes através de procedimentos legalmente prefixados, sendo indispensável a participação da sociedade civil. Feita esta conceituação do instituto do interesse público, mostra-se necessário distinguir interesse público primário e secundário, bem como distinguir este interesse público de interesse comum, coletivo e difuso, que, embora constituam interesses públicos, com aquele não se confundem – são espécies do gênero interesse público. A primeira distinção, amplamente explorada pela doutrina italiana, decorre da existência do Estado como entidade personificada – com interesses próprios – formada pelo Estado pessoa jurídica e demais pessoas de Direito Público Interno, ou seja, todo o aparato organizacional administrativo. O Estado, sob esta ótica, possui interesses subjetivos, muitas vezes concorrentes com os interesses dos demais sujeitos da sociedade ou com o interesse público, sendo convencionado chamar aqueles de interesses públicos secundários. Para ilustrar, imagine-se situação em que o Estado buscasse tributar desmesuradamente os administrados, pois assim enriqueceria o Erário, no entanto, empobreceria a sociedade. É solar que, embora se trate de um interesse do Estado, não se está diante de interesse público. O interesse público primário, por sua vez, corresponde ao interesse público propriamente dito, acima conceituado. A distinção, comumente ignorada – ou camuflada por interesses escusos – no Brasil, é de enorme importância para o presente estudo, na medida em que o Estado, tendo na realização do interesse público primário seu núcleo essencial, sua razão de existir, só poderá agir sob o pálio do interesse público secundário quando este coincidir com aquele, de forma que a análise do ato administrativo quanto à sua adequação ao interesse público – primário – constitui forma essencial de controle jurisdicional. Quanto ao interesse comum, afigura-se inimaginável concebê-lo como sempre coincidente com o interesse público. Consiste o interesse comum na – impossível – comunhão de interesses da totalidade dos indivíduos de uma sociedade. Ora, mas já no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, o a República Federativa do Brasil adota a ideia de uma sociedade pluralista e isto, segundo Da Silva (1990, p. 127) “significa acolher uma sociedade conflitiva, de interesses contraditórios e antinômicos. O problema do pluralismo está precisamente em construir o equilíbrio entre as tensões múltiplas e por vezes contraditórias, em conciliar a sociabilidade e o particularismo, em administrar os antagonismos e evitar decisões irredutíveis.” O interesse público deve exsurgir dos anseios da sociedade, encartados na Constituição, que nunca coincidem com a totalidade dos interesses particulares e, certas vezes, até se contrapõe ao interesse da maioria. Já com relação aos interesses coletivos stricto sensu e difusos[6], a distinção é necessária porque, no ordenamento jurídico pátrio, existem distintos institutos jurídicos voltados à sua proteção. Ambos são espécies do gênero interesse público e aglutinam-se sob o conceito de interesses metaindividuais (transindividuais ou, ainda, supraindividuais), isto é, aqueles de que é titular uma coletividade, que transcendem a esfera individual de interesses. O interesse coletivo stricto sensu refere-se a grupo de pessoas determinadas ou determináveis, unidas por um interesse comum, que repousa sobre um vínculo jurídico definido e não pode ser exercido individualmente com exclusividade. Como exemplo de relação jurídica base que pode dar ensejo ao surgimento de interesses coletivos, cite-se a família e o condomínio. Os interesses difusos surgem não de uma relação jurídica base, mas de uma relação de fato, geralmente não constituída propositadamente pelos titulares daquele interesse, como consumir um mesmo produto, sujeitar-se a determinados empreendimentos, viver na mesma região. Lúcia Valle Figueiredo, citada por Di Pietro (2012) aponta como características destes interesses a indivisibilidade, porque dizem respeito a todos e a cada um, como o patrimônio ecológico, a indeterminação dos indivíduos que deles se beneficiam e a sua indisponibilidade, tendo em vista não haver um titular identificável com poderes para dele dispor. Aclarados estes pontos, coloca-se sob enfoque a suposta situação de conflito existente entre o interesse público e os direitos fundamentais individuais. É que, como dito, com o crescente protagonismo dos direitos fundamentais ao longo do tempo, o antes inquestionável interesse público vem, aparentemente, cedendo espaço ao princípio da razoabilidade na concretização do interesse público e, consequentemente, no exercício do controle jurisdicional dos atos administrativos. Quer dizer, a concretização do interesse público, que antes submetia tudo e todos ao seu império, hoje não pode ser assim concebida. Deve, em verdade, não apenas respeitar os direitos fundamentais, mas pautar-se por eles em sua definição, ou seja, deve conformar-se a estes. Em decorrência desta mudança de paradigma, alguns doutrinadores e juristas entendem que o princípio da supremacia do interesse público está em crise, havendo até quem defenda a sua extinção, dando lugar ao princípio da razoabilidade. Pede-se vênia para discordar, pois trata-se de conflito aparente. Como aponta Di Pietro (2012, p. 251): “O princípio da supremacia do interesse público, ao contrário do que se afirma, não coloca em risco os direitos fundamentais do homem. Pelo contrário, ele os protege. (…) O princípio do interesse público desenvolveu-se com o Estado Social de Direito. E não como um interesse público único. Ele nasceu para proteger os vários interesses das várias camadas sociais. Ele não afetou os interesses individuais. Pelo contrário, paralelamente a esse princípio nasceram os direitos sociais e econômicos”. Não existe real conflito entre interesse público e interesses privados, em que um deva sobrepujar o outro por completo, mas sim que o paradigma atual exige que haja uma ponderação entre os interesses envolvidos, sejam eles públicos ou privados, sob o prisma da razoabilidade. A observância desta razoabilidade não implica na superação do princípio da supremacia do interesse público, mesmo porque há muito se exige tal proceder por parte dos aplicadores do direito e gestores da res publica[7], mas sim que são princípios entrelaçados, que se completam. Acertam a doutrina e jurisprudência alemãs ao entender, segundo Krell (2013), que as exigências do interesse público no caso concreto hão de ser determinadas mediante uma ponderação que contemple todos os interesses relevantes, públicos ou privados, não havendo, entre estes, diferença fundamental, já que ambos podem influenciar a concretização do bem comum. Para o autor, a distinção entre interesses públicos e privados pode até ser útil em alguns setores, mas os seus múltiplos entrelaçamentos invalidam a tese da dicotomia entre eles. Também neste sentido se posiciona Bandeira de Mello (2012, p. 60) para quem “(…) o indispensável é prevenir-se contra o erro de, consciente ou inconscientemente, promover uma separação absoluta entre ambos, ao invés de acentuar, como se deveria, que o interesse público, ou seja, o interesse do todo, é “função” qualificada dos interesses das partes, um aspecto, uma forma específica, de sua manifestação. (…) Embora seja claro que pode haver um interesse público contraposto a um dado interesse individual, sem embargo, a toda evidência, não pode existir um interesse público que se choque com os interesses de cada um dos membros da sociedade.” Em síntese, o pretenso conflito entre interesse público e privado, mormente quando este se constituir sobre direitos fundamentais, não sobrevive a uma análise mais acurada. O interesse público deve ser concretizado e a sua supremacia permanece vigente, sob pena de naufrágio do poder de ação do Estado, contudo, na definição do que é interesse público, devem ser sopesados todos os interesses relevantes, independentemente da sua natureza – privados, coletivos, difusos, dentre outros – e, especialmente, os direitos fundamentais envolvidos. 2 O DIREITO ADMINISTRATIVO NO PARADIGMA PÓS-MODERNISTA Qualquer controle jurisdicional da Administração Pública adequado às aspirações da sociedade atual deve partir da compreensão do paradigma pós-modernista em que esta se insere, com todas as suas peculiaridades e desafios lançados ao Direito Administrativo, que passa a ser concebido de maneira nunca antes vislumbrada. A pós-modernidade, expressão que ganhou notoriedade na penúltima década do século XX e que significa, do ponto de vista léxico, a junção de duas palavras que significam, respectivamente, “aquilo que vem em seguida” e o “atual”, por razões lógicas, somente pode ser compreendida em diálogo, comparação, com a modernidade. A expressão não é unânime e tem sido utilizada para indicar diversas ideias, por vezes até divergentes, o que desde já denota uma de suas características: a incapacidade de gerar consensos. Adotar-se-á, na presente pesquisa, a concepção de pós-modernidade trabalhada por Eduardo C. B. Bittar (2008), para quem aquela, não sendo apenas um movimento intelectual ou conjunto de ideias críticas quanto à modernidade, vem sendo esculpida na realidade a partir da mudança de valores, costumes, hábitos sociais, instituições, sendo a transição em que se vive atestada por conquistas e desestruturações sociais. Aduz o filósofo que a pós-modernidade foi efetivamente constatada, descrita e batizada a partir de uma tomada de consciência das mudanças ocorrentes e dos rumos tomados pela cultura, pela filosofia e pela sociologia contemporâneas, especialmente na obra de Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna, de 1979. Em sua acepção, a pós-modernidade é o estado reflexivo da sociedade ante suas próprias mazelas, apto a gerar um revisionismo de seu modo de agir, especialmente considerando a condição de superação do modelo moderno de organização da vida e da sociedade, não encerrando esta, mas escavando os seus erros e partindo dos seus restos para preparar novas condições de vida. No campo do direito, já se percebem diversos benefícios nitidamente ligados ao advento da pós-modernidade, tais como a arbitragem, a conciliação, o pluralismo jurídico, assim como, por outro lado, abalos nos âmbitos das políticas públicas, na organização do Estado e na eficácia do direito como instrumento de controle social. O Estado de Direito da modernidade, do século XIX, constituiu-se como um Estado legalista, posto em movimento por uma gama de textos normativos, atos burocráticos, expedientes dispendiosos, e que, como hoje é perceptível, se revela incapaz de conter delitos os mais banais ou dar efetividade a normas de relevância social. Todavia, como diz Bittar (2008), o mundo é um projeto inacabado, sendo a história é seu eixo de movimentação e realização, e a humanidade, em contínua construção e reconstrução de seus valores, necessita de longos processos de maturação axiológica, de modo que aquela estrutura legalista dá sinais claros de esgotamento. Diversos paradigmas tradicionais do Estado de Direito de viés modernista não se encaixam nas necessidades do Estado contemporâneo e na busca deste pela execução de políticas públicas efetivas. Passam a perder significação: a universalidade da lei, ante as características peculiares dos atores sociais; o princípio da objetividade do direito, que anuncia a isenção da lei de qualquer contaminação política, quando se percebe que a legislação é formulada a partir de negociações políticas; a ideia de contenção do arbítrio pela lei, ante a ineficácia do combate à corrupção e crescimento das taxas de impunidade; a ideia de que a codificação representaria a obra-prima das ciências jurídicas, quando resta cada vez mais claro que os códigos possuem o mesmo potencial de dissintonia com as mudanças sociais que os demais textos normativos; a tripartição clara e total das competências do Estado, que gera falta de sincronia entre as políticas legislativas, judiciárias e administrativas; dentre tantos outros baldrames daquele Estado de Direito. Nesta esteira, o direito Administrativo atual traz consigo uma série de características adequadas à modernidade e, portanto, conflitantes com o paradigma pós-moderno. Reconhece-se a importância histórica da Administração Pública burocrática, caracterizada pela atuação racional, vinculada ao estrito cumprimento da lei, baseada num modelo hierárquico rígido, na obediência aos procedimentos e na separação entre a Administração especializada e a política, que substituiu o modelo patrimonialista perverso que vigorava com o absolutismo (DAVI, 2009). Contudo, busca-se superar tal burocracia, em nome da eficiência nas atividades realizadas pelo Estado, pela aplicação de novas técnicas de prestação de serviço, menos formalistas, menos burocratizadas, restando o regime publicístico reduzido aos serviços públicos típicos do Estado. A pós-modernidade carrega uma série de novos problemas que clamam por soluções oriundas do Direito Administrativo, ao tempo em que se torna claro que a busca por soluções alicerçadas unicamente no ordenamento jurídico e sob um modelo burocrático é ineficaz e deficiente, acarretando uma crise de legitimidade à Administração. O paradigma atual exige, com urgência, que se maneje o Direito Administrativo de modo a dialogar com o político, o econômico, o social e, especialmente, os direitos fundamentais, extraindo-o do quadro burocratizado, mecanicista, distante, em que é tradicionalmente compreendido. Não se menospreza os ideais almejados pelo modelo burocrático, eis que trazido a lume como resposta aos males de uma Administração patrimonialista, onde havia confusão entre patrimônio público e privado e reinavam o nepotismo e a corrupção, mas, hodiernamente, preconiza-se uma reaproximação entre os anseios sociais e a Administração Pública, que tem por desiderato a realização do interesse público. Conforme Di Pietro (2012), sempre tendo como objetivo a consecução do interesse público, ou seja, a solução que melhor atenda às necessidades coletivas, a Administração Pública não pode reduzir sua atuação a fórmulas rígidas, soluções estáveis, pois o próprio interesse público é essencialmente mutável, havendo a necessidade de imprimir-se à sua atuação certa flexibilidade na busca por meios adequados para atingir seus fins. São questionados imperativos outrora basilares ao ideário Administrativista, tais como a supremacia do interesse público, anteriormente debatida, a legalidade interpretada às cegas, dentre outros. Nesta direção aponta Nicknich (2014), ao pontuar que o Direito Administrativo contemporâneo corresponde a uma interface entre o Estado e os anseios da sociedade, estabelecendo limites entre direitos e deveres de ambas as partes, com vistas à convivência harmônica. O grande desafio do Direito Administrativo no presente momento histórico consiste em perceber as demandas sociais, e dar-lhes respostas adequadas aos anseios da sociedade, sempre sopesando o interesse público e os direitos dos administrados. Neste quadro, o controle jurisdicional do ato administrativo não pode cingir-se ao aspecto da estrita legalidade. A ideia de que a lei, por ser criação de um corpo legislativo legitimado pelo simples fato de ter sido eleito democraticamente, serviria de base a qualquer ato administrativo, sem maiores questionamentos quanto à adequação deste ao ordenamento jurídico como um todo e aos seus reflexos sociais, não é mais aceita como o era outrora. A eficácia social e a validade material de um comando normativo passam pela adequação destes aos direitos fundamentais, aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e a uma série de outros caracteres. Ao mesmo tempo em que estes fatores exigem maior flexibilidade na atuação administrativa, expandem os horizontes do controle a ser exercido sobre seus atos, especialmente voltado para os fins e princípios impostos ao agir administrativo, que, não sendo observados, implicam na nulidade do ato administrativo. Como apontado no capítulo anterior, hoje, a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado requer temperamentos, e isto não ocorre exclusivamente em relação a este princípio, mas a alguns cânones do Direito Administrativo vigente na modernidade, a exemplo da legalidade stricto sensu. A compreensão da legalidade sob a ótica pós-modernista propõe o abandono da paralisia administrativa (apenas agir como a lei o determinar, independentemente das necessidades político-sociais) e a ilusão de autossuficiência da lei, que, como é notório, não consegue acompanhar a dinâmica da vida em sociedade. Propõe o uso da interdisciplinaridade no momento da sua aplicação, distante do viés mecânico e simplista de outrora. Propõe, ainda, uma hipertrofia da ideia de legalidade, que passa a ser concebida não mais como obediência à lei em sentido estrito, mas em sentido lato, englobando todo o arcabouço científico jurídico – leis, princípios, valores e, principalmente, a Constituição. Como afirma Nicknich (2014), “Ao invés de um Direito Administrativo linear, determinista, fundado na lei, busca-se uma reflexão aberta, em constante interdependência com as demais ciências. Disto depende o diálogo do cientista jurídico não apenas com seus pares, mas com a doxa e com o mundo. Questões sobre o poder estatal e os valores da vida humana ganham outra dimensão. O Direito Administrativo não está no centro do universo, nem é pura razão, então não há como conceber verdades absolutas e acabadas, atemporais, ahistóricas e apolíticas (…).” A principal mudança percebida reside na relação mantida entre Administração Pública e administrados, como indica a autora: passa-se da supremacia e unilateralidade ao consenso e bilateralidade. A Administração deixa de ser um fim em si mesmo e passa a ser instrumento de satisfação dos direitos fundamentais e da plenitude da dignidade da pessoa humana, ou seja, passa de uma posição superioridade diante do particular para uma posição de dever perante este. Os fundamentos da República Federativa do Brasil, elencados no art. 1º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) – a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político –, assim como seus objetivos, elencados no art. 3º – uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação –, denotam o objeto central do Direito na pós-modernidade: o ser humano. Fazendo o Direito Administrativo parte do ordenamento jurídico, há de se concluir que este deve dobrar-se a tais objetivos e fundamentos, exteriorizando sua atuação em dois planos distintos: de caráter negativo ou omissivo, concernente à limitação do poder estatal e não estatal, visando salvaguardar liberdades e valores fundamentais da concentração de poderes políticos e econômicos; de caráter positivo ou comissivo, referente à realização efetiva dos interesses públicos. As normas formadoras do Direito Administrativo e atos administrativos devem buscar legitimidade não apenas formal, mas também material, em consonância com os valores do Estado Democrático de Direito. A concretização dos direitos fundamentais deve estar sempre presente na sua formação e aplicação. É necessário, segundo Justen Filho (2012), impregnar a atividade administrativa com o espírito da Constituição, com vistas à efetiva realização dos direitos fundamentais e valores nela consagrados. Não basta à concretização de um Estado Democrático de Direito ou à realização dos valores desejados, dotá-lo de uma Constituição. A transformação de fato da realidade e sua adequação ao modelo constitucional proposto passam pelo desenvolvimento de atividades administrativas efetivas. Para que a Constituição e os ideais por ela estabelecidos não se resumam a simples elementos de discurso, o Direito Administrativo destaca-se como peça fundamental. Em tal contexto, o controle jurisdicional dos atos administrativos surge como bastião da proteção e concretização destes objetivos e fundamentos, sendo perfeitamente cabível – e necessária – a intervenção do Poder Judiciário neste sentido. Ao contrário, sempre que este quedar-se inerte perante uma violação a direito fundamental, estará em desacordo com sua função primordial, a consecução da justiça. Afinal, no atual arranjo constitucional, sempre que houver divergência na interpretação das normas constitucionais ou legais, cabe ao Poder Judiciário dar a palavra final, sem que isso signifique, jamais, que toda e qualquer matéria deva ser decidida nesta seara, como lembra Barroso (2008). 3 DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS Em que pese o vasto arcabouço teórico acerca da discricionariedade e vinculação dos atos administrativos, ou, pela ótica adotada no presente trabalho, acerca da competência discricionária ou vinculada dos atos administrativos, em razão das várias mudanças sociopolíticas enfrentadas pelo Estado, este é um tema que sempre se renova, reavivando a necessidade de debater-se e debruçar-se sobre seu estudo. O tema e as diversas querelas dele decorrentes exigem tal proceder, mormente em função da constante disputa de forças entre os poderes estatais e entre a Administração Pública e o entorno social (direitos fundamentais, difusos, coletivos, dentre outros). A fim de que o tema seja mais claramente compreendido, é de bom alvitre que fazer uma breve exposição da sua evolução ao longo da história do Estado ocidental, desde o Absolutismo até os dias correntes, mesmo porque, como apontado, o pós-modernismo em que se insere o Direito Administrativo dos dias correntes é um período de transição, impossível de ser compreendido de forma isolada, sem contraponto com os paradigmas anteriores. A noção de discricionariedade administrativa sempre esteve intrinsecamente ligada à ideia de submissão do poder público à lei e, mais recentemente, aos direitos fundamentais. A observância da lei por parte do poder público começou a despertar interesse dos estudiosos após o fim do renascimento, no século XVI, quando surgiu o Estado de Polícia, caracterizado pelas monarquias absolutistas e pelo poder de administração praticamente ilimitado do rei. Nesta época, não havia distinção entre as esferas pública e privada da figura do monarca e a legitimação deste era expressa em brocardos como regis voluntas suprema (a vontade do rei é a lei suprema) ou the king can do not wrong (o rei não pode errar), não havendo que se falar em discricionariedade ou vinculação. Como resposta a esta distorção, veio a lume, sob inspiração da doutrina alemã, a teoria do fisco, concebendo este como um patrimônio distinto do Rei. Segundo esta teoria, além do monarca, o Estado era formado pelo fisco, que, nas palavras de Cademartori (2008, p. 39) “era uma persona ficta (…) uma ficção à qual se reconhecia a condição de pessoa jurídica privada, sujeita a imputações patrimoniais, inclusive aos tribunais ordinários do Reino”. Conquanto o monarca ainda gozasse de largos poderes e a arbitrariedade[8] permanecesse como regra geral, esta teoria representou a submissão de parte dos atos do rei ao império da lei, in casu, as leis de direito privado, e, assim, a submissão destes ao controle jurisdicional. Com o advento do Estado de Direito, ao fim do século XVIII, e em decorrência do encarecimento dos direitos fundamentais individuais, o princípio da legalidade passou a ganhar maior importância, como instrumento de proteção destes em face da ação estatal. Principal enunciação deste princípio, emanando efeitos até a atualidade, o art. 5º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, preceitua: “A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo o que não é vedado pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser forçado a fazer o que ela não ordena”. A ideia de discricionariedade administrativa surge no momento de transição do Estado Absolutista para este Estado, liberal. Contudo, neste período, em que vigorou o Estado Liberal, a despeito do fortalecimento do princípio da legalidade, a discricionariedade administrativa era regra geral, na medida em que a concepção vigente de legalidade administrativa correspondia ao que hoje é concebido como a legalidade na esfera das relações privadas, ou seja: tudo aquilo que a lei não proíbe, é permitido. A grande virada conceitual do princípio da legalidade veio com o Estado Social de Direito, já em meados do século XIX. Por influência do positivismo, nesta fase da história, a vinculação à lei passou a envolver toda a atividade administrativa, de modo que à Administração Pública só é permitido agir quando a lei o assim dispuser. A regra geral no direito administrativo deixou de ser a discricionariedade para ser a vinculação à lei. Com efeito, a discricionariedade passou a ser concebida como liberdade dentro dos limites da lei, outorgada pelo legislador, como o é até hoje. Com o Estado Democrático de Direito e, especialmente com o Estado Constitucional de Direito, verifica-se um alargamento do princípio da legalidade, que, se antes se reportava apenas à lei em sentido formal, agora passa a reportar-se ao direito, ou seja, tanto a esta quanto aos valores e princípios constitucionais – explícitos ou implícitos – norteadores da atuação dos três Poderes. Este mesmo alargamento é percebido em relação a outro aspecto do princípio da legalidade, qual seja, a gama de atos normativos que a ele se submetem: a lei em sentido formal, os atos normativos oriundos do Poder Executivo e de órgãos e entidades integrantes da Administração Direta e Indireta. Esta ampliação do princípio da legalidade implica em redução da discricionariedade administrativa. Ora, se esta é compreendida como liberdade de apreciação nos limites da lei e o conceito de legalidade sofreu alargamento, tem-se como resultante sua redução. Di Pietro (2012) coloca como fatores ligados à paulatina redução da discricionariedade administrativa, além da evolução do princípio da legalidade, a ideia de centralidade da pessoa humana, a elaboração, pela jurisdição administrativa francesa, das teorias do desvio do poder e dos motivos determinantes[9] e, especificamente em relação ao Direito brasileiro, a aplicação da teoria dos conceitos jurídicos indeterminados – tema que à frente será alvo de análise mais detida – e a superação da noção de que o título da ordem social[10] veicula normas de caráter meramente programático. O exame, ainda que perfunctório, da discricionariedade administrativa ao longo da história, tem como insofismável conclusão a existência de uma ligação umbilical entre esta e o princípio da legalidade administrativa. Nesta senda, cumpre aclarar o conceito deste. O princípio da legalidade administrativa, positivado nos arts. 37, caput[11], e 84, IV[12], da Constituição Federal de 1988 impõe a submissão da Administração Pública à vontade da lei, somente podendo vicejar a liberdade administrativa nos seus estritos limites, de forma que “a função do ato administrativo só poderá ser a de agregar à lei nível de concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos de terceiros” (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 106). Do que foi exposto, pode-se considerar a discricionariedade administrativa como uma necessidade nos dias correntes, tendo em vista o crescimento populacional, a evolução tecnológica e tantos outros fatores que fazem com que o meio social torne-se mais complexo e, por conseguinte, mais conflituoso. Não se pode pretender que o legislador seja capaz de contemplar todas as situações possíveis com ditames gerais, abstratos. Isto posto, resta claro que as promessas da modernidade hão de ser buscadas pelo esforço conjunto dos três Poderes: o legislador regula as matérias em linhas gerais, o administrador lhes confere concreção, adaptando-as às necessidades práticas, e o julgador controla eventuais distorções neste processo de concretização. No centro deste processo colocam-se a discricionariedade e vinculação do ato administrativo. Consiste a discricionariedade administrativa na margem de liberdade de decisão, deixada ao administrador pelo legislador, para que, diante do caso concreto, possa – poder-dever – optar, segundo critérios de oportunidade e conveniência, por uma solução dentre várias possíveis, todas válidas perante o direito. Por seu turno, a vinculação é atributo de todos os aspectos do ato administrativo em que não há liberdade de apreciação por parte do administrador, cabendo a este apenas executar o comando inteiramente delimitado pelo legislador.[13] Neste ponto, cumpre ressaltar que, em relação à dicotomia discricionariedade/vinculação, acertada é a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, ao considerar que estas são competências e não caracteres definidores da natureza do ato administrativo. Sob esta ótica, não existe ato vinculado ou ato discricionário, mas sim atos administrativos trazidos a lume no exercício da competência vinculada ou discricionária do agente público, sendo mesmo comum a identificação de aspectos vinculados e discricionários dentro de um mesmo ato. Neste sentido, o referido autor observa: “Em verdade, discricionária é a apreciação a ser feita pela autoridade quanto aos aspectos tais ou quais e vinculada é sua situação em relação a tudo aquilo que se possa considerar já resoluto na lei e, pois, excludente de interferência de critérios da Administração”. (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 1000). No mesmo sentido, Freitas (2009, p.14), citando Hans Julius Wolff e Otto Bachof aduz que “cada abstrata ou concreta criação de Direito se situa entre os polos da inteira liberdade e da rigorosa vinculação, sem que as extremas possibilidades jamais se realizem. Não se tocam em nenhuma hipótese”. A discricionariedade administrativa é, portanto, relativa em diversos sentidos: no sentido de que, seja qual for a amplitude da liberdade concedida, cingir-se-á àqueles aspectos que a lei tenha deixado à apreciação do legislador e não aos demais aspectos do ato; no sentido de que só poderá ser exercida tendo em mira a finalidade legal motivadora da concessão de liberdade; no sentido de que a liberdade conferida pela lei somente poderá ser exercida na extensão, medidas ou modalidades que dela resultem; no sentido de que, quando a lei conceder discricionariedade utilizando-se de expressões vagas, não poderá o seu exercício fugir do campo significativo mínimo a que tais expressões aduzem; por derradeiro, no sentido de que, a liberdade conferida pelo legislador pode ser reduzida ou mesmo deixar de existir quando da subsunção ao caso concreto (BANDEIRA DE MELLO, 2012). A discricionariedade administrativa é, sem dúvidas, instrumento necessário à nobre busca pela concretização do Estado Democrático de Direito. Neste mister, enriquece a compreensão do tema analisar seus fundamentos. Di Pietro (2012) aponta justificativas de ordem prática e jurídica para a existência de discricionariedade administrativa. Por critérios práticos, justifica-se tanto para prevenir o automatismo que inevitavelmente acometeria os agentes administrativos caso seu campo de ação fosse restrito à aplicação rigorosa das normas preestabelecidas, quanto para suprir a inoponível impossibilidade do legislador de prever todas as situações com que se deparará o Administrador, quanto para tornar possível o poder de iniciativa da Administração Pública, imprescindível ao atendimento das infinitas, complexas e crescentes necessidades coletivas. Decorrem estes fatores de uma raiz comum, que é a necessária flexibilidade de atuação do Estado frente às situações práticas, com a qual resta incompatível o procedimento legislativo. Do ponto de vista jurídico, justifica-se a discricionariedade administrativa através da teoria da formação do direito por degraus, elaborada por Hans Kelsen. Esta teoria parte do pressuposto de que a ordem jurídica é constituída por normas de diferentes hierarquias, sendo a unidade mantida pelo fato de que determinada norma válida remonta a outra, que, por sua vez remonta a outra, até que se chega à norma fundamental, supremo fundamento de validade normativa. Neste quadro, o ato administrativo representa a execução de uma norma de grau superior e a produção de uma norma de grau mais baixo, de modo que, sendo este válido, representa a execução da norma fundamental. A partir da norma fundamental, vão sendo editadas normas de grau inferior até chegar-se ao ato final de aplicação à situação concreta. A cada degrau, acrescenta-se um elemento inovador, concretizador, sem o qual a norma não seria aplicável, respeitando-se os limites contidos na norma de grau imediatamente superior. Assim, a ação discricionária da Administração Pública, se exercida nos limites das normas superiores, representa a concretização dos ditames contidos no ordenamento jurídico e, especialmente, na lex fundamentalis. Bandeira de Mello (2012), de outra parte, sumariando as diferentes tendências que animam o dissídio doutrinal, aponta como fundamentos da discricionariedade administrativa o deliberado intento legal de conferir à Administração certa liberdade para decidir-se frente ao caso concreto, tendo em conta a sua maior possibilidade de optar pela melhor maneira de satisfazer a finalidade legal frente às situações empíricas emergentes; a impossibilidade material de o legislador prever todas as situações práticas possíveis; a inviabilidade jurídica, em regime de tripartição dos Poderes, de abandono da discricionariedade, por implicar tal abandono em supressão da esfera Administrativa por parte do legislador; e, por fim, a impossibilidade lógica de obstá-la, porque, se existem conceitos unissignificativos, unívocos, e ao seu lado conceitos fluidos, carregados de imprecisão e, por isso, plurissignificativos, é impossível à norma legal esquivar-se da utilização de qualquer destes. Deste modo, a discrição resultaria de um imperativo lógico, em razão do qual sempre restaria à administração o poder e o encargo de lançar mão de um dentre os conceitos possíveis. Avançando no tema, para que a discricionariedade administrativa reste mais desnudada em seus detalhes, com vistas a facilitar, adiante, uma análise mais pormenorizada do controle jurisdicional dos atos administrativos carregados desta competência, é crucial que se identifique a localização da discricionariedade administrativa. Em linhas gerais, a doutrina tem utilizado como critérios à identificação desta localização, dentre outros, o da discricionariedade na norma jurídica, o da discricionariedade nas etapas de formação do ato administrativo, o da discricionariedade nos elementos do ato administrativo e o da discricionariedade nos conceitos indeterminados. Dentre os que a localizam utilizando como critério a norma jurídica, está Celso Antônio Bandeira de Mello, que aborda o tema sob o título “Estrutura lógico-normativa da discricionariedade” (2012, p. 984 e ss.). Em regra, os que encaram o tema sob esta luz o fazem ao abrigo do escólio de Kelsen (apud DI PIETRO, 2012), segundo o qual, ao se analisar qualquer estado de coisas consideradas pelo Direito, como por exemplo, um ato administrativo ou uma sentença judicial, é possível distinguir-se dois elementos: um ato sensorialmente perceptível, que tem lugar no tempo e no espaço, um acontecimento exterior, no mais das vezes uma conduta humana; e um sentido imanente ou aderente a este ato ou acontecimento, um comando decorrente do seu aperfeiçoamento no mundo material, que seria a sua significação jurídica. Partindo deste pressuposto, tem-se que a norma jurídica é constituída por duas partes, a saber: a hipótese da norma, que corresponde ao fato que, ocorrendo, desencadeia a sua incidência, e o mandamento da norma, que estatui as consequências jurídicas do fato descrito na hipótese. Há, na espécie, uma relação de causa e consequência: ocorrendo o fato descrito na hipótese, incide o mandamento. Neste quadro, a discricionariedade administrativa pode localizar-se na hipótese ou no mandamento da norma. Localizar-se-á na hipótese quando os pressupostos fáticos aos quais alude a norma forem descritos através de termos vagos, imprecisos, que deixem à Administração certa liberdade de escolha, dentro dos moldes legais, entre duas ou mais alternativas consideradas válidas perante o Direito. À guisa de exemplo, cite-se a exigência de “notável saber”, estabelecida em diversas normas do ordenamento jurídico pátrio, para que determinado sujeito esteja apto ao exercício de algum múnus público. Muito embora seja perfeitamente possível identificar casos em que alguém decerto não possui tal atributo e, ao revés, casos em que alguém indubitavelmente preenche tal requisito, em meio a estes extremos existe uma zona de incertezas. É nesta zona que reside certa discricionariedade Administrativa, por força da qual cabe à Administração Pública definir quem possui ou não o “notável saber” exigido ao exercício da função pública. Já no mandamento, a lei conferirá discricionariedade à Administração quando facultar uma ação, ao invés de exigi-la, ou quando deixar a cargo da Administração que ação deve ser levada a cabo, dente duas ou mais cabíveis, sendo obrigatória a opção por alguma. Entre os que buscam a discricionariedade nas etapas de formação do ato administrativo, cite-se o jurisconsulto brasileiro Caio Tácito (apud DI PIETRO, 2012, p. 71), que, ao versar sobre o tema, distingue as várias etapas de formação do ato administrativo, a saber: fase de verificação da competência específica, em que não há qualquer discricionariedade, porque o poder-dever de agir de cada autoridade provém de regra de direito; fase de constatação dos motivos, na qual cabe à Administração verificar a ocorrência das situações de fato ou de direito que determinam sua iniciativa, onde também não há discricionariedade porque se trata de mera constatação, matéria de ordem objetiva; fase de apreciação do valor dos motivos, que corresponde a um processo psicológico, no qual se identifica discricionariedade; por fim, a última fase apontada pelo doutrinador é a de concretização do objeto comissivo ou omissivo, etapa em que vagueia com maior amplitude a discricionariedade o poder discricionário. Segundo o autor, não havendo norma legal que vincule a autoridade a determinada ação ou abstenção, “pertence, livremente, à administração a faculdade de decidir, segundo sua convicção, da oportunidade, da justiça, da conveniência ou da necessidade do ato administrativo”. Para além destes critérios, Di Pietro (2012) discorre, ainda acerca da localização de discricionariedade nos elementos do ato administrativo, sendo estes: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade. Em relação ao sujeito do ato administrativo, isto é, aquele a quem a lei determinou certa incumbência, não há qualquer discricionariedade, tendo em mente que este sujeito só pode exercer as atribuições que a lei lhe confere e não pode delas dispor, em virtude do interesse público. Sob outro prisma, em relação ao objeto do ato administrativo, definido como o efeito jurídico imediato que o ato produz, aquilo que ele enuncia, a discricionariedade pode ser localizada no mandamento da norma, quando esta confere mera faculdade de agir ao Administrador ou quando confere a este mais de uma opção juridicamente válida. Como exemplo de ato administrativo em que se verifica discricionariedade quanto ao objeto, podem ser citadas as licitações, após as quais é possível à Administração optar – faculdade – entre celebrar ou não o contrato, segundo razões de interesse público devidamente justificado. Ou, ainda, norma que preveja duas ou mais penalidades diante de uma infração, quando caberá à Administração, discricionariamente, optar entre uma delas. Quanto à forma do ato administrativo, que consiste no modo como ele é exteriorizado, não há consenso doutrinário, entendendo alguns que serão sempre vinculados e outros que, a depender das disposições legais, a forma de determinado ato pode ser discricionária ou não. Bandeira de Mello (1981), apontando o formalismo como caractere distintivo do ato administrativo em relação ao ato de natureza privada, assevera que aquele deve, necessariamente, ater-se a um ritual formalístico, expressando-se dentro de certo modelo e atendendo a um plexo de exigências em sua exteriorização. Contudo, o autor admite que, em certas situações, pode inexistir forma determinada, pontuando que, em casos tais, a forma adotada terá de ser, no mínimo, aquela suficiente para a garantia da Administração e dos administrados quanto ao teor do ato, ao comprometimento que acarreta ao Estado e aos elementos de defesa do indivíduo perante eventual ilegitimidade. De outra margem – e, neste quadrante, em entendimento mais adequado – Di Pietro (2012, p. 76/77) aduz que, quando se fala em formalismo, o que se quer expressar é a necessidade de que ele seja expresso e escrito, salvo hipóteses excepcionais de atos verbais ou tácitos. Para a autora “Não significa o formalismo que todos os atos administrativos tenham forma determinada pela lei. A necessidade de documentar todos os atos é que leva à exigência de forma escrita, o que constitui uma garantia para a Administração e para os administrados, na medida em que permite o controle do ato em todos os níveis que o ordenamento jurídico prevê (controle administrativo, legislativo e judicial)”. Em decorrência disso, salvante os casos em que a lei imponha à Administração a obrigatoriedade de observância de determinada forma, o ato pode ser praticado pela forma que pareça mais adequada, a critério da autoridade competente – havendo, portanto, discricionariedade – e desde que expresso e escrito. Em regra, a exigência de maiores formalidades ocorre à medida que o ato administrativo diga respeito a mais direitos dos administrados, a exemplo das licitações e concursos públicos. Ainda em relação à forma, há de se atentar para hipóteses em que a lei põe à disposição do Administrador mais de uma forma possível para atingir o mesmo efeito jurídico, caso em que é inobjetável a existência de discricionariedade. Como exemplo, cite-se o acordo, que em algumas situações pode ser formalizado através de ordem de serviço, nota de empenho ou carta de autorização. Já quanto ao motivo a doutrina é uníssona no sentido de admitir a existência de discricionariedade, a depender do que dispuser o legislador. Compreende-se motivo como o pressuposto de direito e de fato que alicerça o ato administrativo, sendo considerado pressuposto de direito o fato hipoteticamente descrito na norma e pressuposto fático o conjunto de circunstâncias que, vindo a ocorrer na realidade fática, impõe uma prática à Administração. Para que o ato administrativo seja legal é necessário que haja correspondência entre tais pressupostos – de direito e de fato. Nestes moldes, haverá vinculação quando a lei, ao descrever o motivo através de termos precisos, unissignificativos, conceitos matemáticos, que não deixam margem a qualquer apreciação subjetiva. Como exemplo, cite-se o art. 40, inciso II, da Constituição Federal de 1988, que estabelece a aposentadoria compulsória dos servidores públicos aos setenta anos. Atingida esta idade, o servidor será compulsoriamente aposentado, não havendo margem para qualquer apreciação subjetiva quanto ao teor da norma. Contrario sensu, detectar-se-á discricionariedade quando: a lei não definir o motivo, deixando-o a cargo da Administração, como ocorre na exoneração de ofício de funcionário ocupante de cargo em comissão; a lei, ao definir o motivo, utilizar-se de termos imprecisos, plurissignificativos, que permitam à Administração a apreciação dos fatos segundo seus próprios critérios de valor, tais como “notável saber”, “boa-fé” ou “paz pública”. A existência ou não de discricionariedade neste segundo caso – quanto se utilizam conceitos jurídicos indeterminados – desperta maiores controvérsias doutrinárias e, consistindo em objeto central da presente pesquisa, será abordada mais atentamente a posteriori, precisamente no que concerne ao seu controle jurisdicional. Por derradeiro, no que se refere à finalidade do ato administrativo depara-se com solo fértil ao crescimento das controvérsias doutrinárias[14]. Embora haja unanimidade no reconhecimento da vinculação quanto ao atendimento do interesse público, tema abordado no capítulo anterior, as conclusões daí extraídas são, por vezes, conflitantes. Alguns entendem que isto é suficiente para concluir que o ato administrativo é sempre vinculado quanto à sua finalidade; outros entendem que, não estabelecendo o legislador critérios objetivos para identificar, no caso concreto, em que consiste o interesse público, resta discricionariedade ao Administrador quanto à sua definição. Neste mister, é de bom alvitre que se faça distinção entre a finalidade concernente ao interesse público e aquela decorrente, implícita ou explicitamente, da norma. A finalidade de concretização do interesse público, presente tanto no momento da elaboração quanto da execução da norma jurídica, sempre vinculará o ato, de modo que qualquer ato que não se coadune com o interesse público estará eivado de ilegalidade. Sem embargo, há hipóteses em que o legislador define, implícita ou explicitamente, determinados interesses públicos específicos a serem contemplados pelo Administrador e, nessa toada, faz uso de conceitos vagos, imprecisos, a exemplo dos citados acima quando da abordagem da discricionariedade no motivo do ato. Nestes casos, não há dúvidas de que tais conceitos constituem fins a serem perseguidos pelo Administrador e, não sendo objetivamente delimitados, ensejam certa discricionariedade – condicionada, é certo, a limitações como a competência, a forma, a motivação[15], a proporcionalidade e a razoabilidade. Havendo, dentro destes limites, a possibilidade de mais de uma solução válida perante o direito, cabendo tal opção à Administração, existe discricionariedade. Assim como quanto à localização da discricionariedade no ato administrativo, a doutrina abriga posicionamentos diversos quanto à relação existente entre discricionariedade e interpretação, precisamente no que concerne à aplicação dos conceitos indeterminados. Para Azzariti (apud DI PIETRO, 2012), tanto a interpretação quanto a discricionariedade exigem um momento subjetivo ou intelectivo, entretanto, na discricionariedade, além do momento intelectivo, um momento volitivo e uma capacidade criadora. Segundo exposição de Di Pietro (2012), há aqueles que, na linha de Bernatzik, entendem que os conceitos indeterminados, exatamente pelo seu caráter vago, geram liberdade total à Administração para fazer uma apreciação subjetiva diante dos fatos concretos, correspondendo a interpretação destes à pura discricionariedade. Em sentido oposto, há quem, na doutrina de Tezner, entenda que todos os conceitos indeterminados são passíveis de interpretação – de modo que seja sempre possível chegar a uma única solução válida perante o direito – e, portanto, não conferem qualquer discricionariedade à Administração. Colocando-se em posição intermediária, há aqueles que, embora reconheçam que da utilização de conceitos indeterminados pelo legislador exsurge discricionariedade administrativa, esta não consiste em livre apreciação, sendo obrigação do Administrador observar todos os métodos possíveis de interpretação para alcançar o interesse público visado pelo legislador ao conferir-lhe discricionariedade. Segundo esta visão, em suma, a discricionariedade começa onde termina a interpretação. Esta é a solução que se amolda aos mais diversos conceitos indeterminados utilizados pelo legislador. É verdade que existem conceitos indeterminados que, após interpretados tornam-se determinados, como os conceitos técnicos[16], mas não há como negar que existem termos que realmente conferem certa margem de livre apreciação ao Administrador, induzindo discricionariedade, ainda que não se cuide de liberdade total, mas de liberdade nos limites da lei submetida ao crivo da interpretação. É o exemplo da lei que estabelece a possibilidade de promoção por merecimento. Embora a Administração não goze de plena liberdade ao escolher um funcionário a ser promovido desta maneira, pois a apreciação é subordinada aos fatos, que conferem elementos objetivos à apreciação, o termo confere certa margem de apreciação subjetiva. Assim o é porque, após a interpretação do termo, pode restar mais de uma escolha válida perante o direito, ou seja, mais de um funcionário que, notadamente, seja considerado merecedor da promoção. Dentre estes, a escolha será feita discricionariamente. Nos moldes da lição de Azzariti acima citada, o momento volitivo estaria na escolha entre estes últimos candidatos, já aprovados segundo critérios interpretativos – objetivos – e a capacidade criadora seria a capacidade, conferida pela lei ao Administrador, de optar por um funcionário a ser promovido. Em resumo, pode-se afirmar que, não conseguindo o Administrador, através da interpretação e exame dos fatos à luz dos princípios constitucionais implícitos e explícitos, alcançar uma única solução válida perante o direito, restando-lhe duas ou mais, de forma que caiba a ele optar pela melhor solução para o caso concreto segundo critérios de oportunidade e conveniência, haverá discricionariedade administrativa. 3.1 Crítica à discricionariedade administrativa do agente público Diante de distorções e arbitrariedades praticadas por agentes públicos sob o pálio de um falso escudo forjado a partir da discricionariedade administrativa, surge a necessidade de pontuar seus limites, de modo que esta seja apenas – e realmente – um instrumento de concretização do Estado Democrático de Direito. Como dito, a discricionariedade administrativa é imprescindível ao desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, afinal o Poder Legislativo, com sua necessária generalidade e distanciamento do caso concreto é, decerto, insuficiente para este desiderato. Pretender que o Administrador Público não possua liberdade de agir – dentro dos limites legais – com vistas a subsumir o interesse público ao caso concreto é eliminar quaisquer chances de aproximação de um ideal de Estado nos moldes almejados pela pós-modernidade e condenar o Poder Executivo à atrofia, e isto é inconcebível. Acreditar que o legislador é capaz de tudo prever e que ao Administrador Público cabe apenas aplicar a lei, sem maiores reflexões político sociais – e constitucionais –, é assumir uma indesejável postura excessivamente dogmatista e contribuir com o já notório distanciamento do Direito em relação aos anseios da sociedade. Sobre este dogmatismo, pontua Ohlweiler (2000, p. 114): “A construção de um saber dogmático, forma esta assumida pelo Direito Moderno, apresenta como tendência fazer com que os operadores jurídicos exagerem no geral, no sistema de conceitos engenhosamente construídos e desprezem o particular, o individualizado. A consequência é o surgimento de uma racionalidade baseada em esquemas de subsunção lógica, não podendo responder aos problemas concretos da sociedade de hoje.” A concretização dos objetivos do Estado Democrático de Direito depende, invariavelmente, de uma atuação conjunta e harmoniosa dos Poderes Legislativo e Executivo, de maneira que aquele proporcione a este liberdade suficiente à superação da generalidade inerente aos comandos legais e amoldamento dos interesses estabelecidos na lei ao caso concreto e este exerça seu mister dentro de tais limites. Todavia, em que pese sua imprescindibilidade, faz-se necessário alertar: a discricionariedade não é ilimitada, absoluta, não se confunde, jamais, com arbítrio. Há de se atentar não apenas aos limites legais, mas acima destes, à Constituição e todo o seu arcabouço principiológico. O alerta é necessário em decorrência de abomináveis práticas que assolam o Brasil, tais como a nomeação de parentes para cargos em comissão e a perseguição de servidores públicos por superiores hierárquicos. Estas e outras práticas não podem ser interpretadas acriticamente, por um viés estritamente legalista, mas devem ser submetidas ao crivo da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade e de outros princípios norteadores do ordenamento jurídico pátrio. Neste sentido, Freitas (2009, p. 9) assevera que o Estado, em sua acepção atual, pode ser traduzido como o Estado das escolhas administrativas legítimas, no qual “não se admite a discricionariedade pura, intátil, sem limites”, havendo uma necessidade de “controlar (ou, ao menos, mitigar) os contumazes vícios forjados pelo excesso degradante, pelos desvios ímprobos ou pela omissão desidiosa”. Em suma, a crítica necessária pode ser assim colocada: embora se reconheça, com vistas a concretizar os objetivos do Estado Democrático de Direito, a inestimável importância da discricionariedade administrativa, esta não pode velejar livremente pelos mares da arbitrariedade, sendo necessário confiná-la em seus limites legais e, especialmente, constitucionais. Por fim, há de se perceber que doutrina e jurisprudência não têm acompanhado de maneira adequada a evolução do modelo jurídico e estatal vigente na pós-modernidade, especialmente no que concerne à posição da sociedade e do ser humano em relação ao Estado. Em tempos nos quais a defesa dos direitos fundamentais e o controle jurisdicional alcançam grande importância, o conceito de discricionariedade administrativa deve passar por uma releitura. Não mais se admite qualquer ato administrativo de natureza puramente discricionária, imutavelmente discricionário, pois todos os atos administrativos devem obediência ao arcabouço normativo constitucional e infraconstitucional, mormente no que diz respeito aos direitos fundamentais. A “liberdade de escolha”, que outrora ensejava uma faculdade pura da Administração, para escolher qualquer das alternativas possíveis, hoje deve coadunar-se, inarredavelmente, com a necessidade de adequação do caso concreto à hipótese normativa. Tal liberdade resta condicionada à obrigação do Administrador de buscar a solução mais adequada à realização da finalidade da lei. 3.2 Os conceitos jurídicos indeterminados frente à discricionariedade administrativa O simples uso da expressão “conceitos jurídicos indeterminados” gera controvérsias doutrinárias, havendo quem identifique estes por “termos indeterminados”, “normas abertas”, “conceitos vagos”, “conceitos de valor”, dentre outras denominações. Contudo, fugindo este ponto da proposta de pesquisa do presente estudo, opta-se por adotar a expressão mais amplamente difundida: conceitos jurídicos indeterminados. Estes podem ser definidos como palavras ou expressões, constantes de normas jurídicas, que não indicam uma noção apriorística e abstratamente precisa, delimitada, determinada, utilizadas com o fim de moldar-se aos casos concretos. São exemplos de conceitos jurídicos indeterminados comumente utilizados as expressões “interesse público”, “bem comum”, “boa-fé”, “notório saber”, “razoabilidade”, dentre outros. Interessante característica peculiar a tais conceitos é notada por Eros Grau (1985, p. 218-219) – o fato de que estes se referem a uma significação e não a uma coisa certa: “O objeto do conceito jurídico não existe ‘em si’; dele não há representação concreta, nem mesmo gráfica. Tal objeto só existe, ‘para mim’, de modo tal, porém, que sua existência abstrata apenas tem validade, no mundo jurídico, quando a este ‘para mim’, por força de convenção normativa, corresponde um – seja-me permitida a expressão – ‘para nós’. Apenas e tão somente na medida em que o ‘objeto’ – a significação – do conceito jurídico possa ser reconhecido uniformemente por um grupo social poderá prestar-se ao cumprimento de sua função, que é a de permitir a aplicação de normas jurídicas, com um mínimo de segurança… O objeto do conceito jurídico expressado, assim, é uma significação atribuível a uma coisa, estado ou situação e não a coisa, estado ou situação”. Em relação ao direito administrativo, o tema ganha grande relevância quando relacionado à discricionariedade administrativa, uma vez que a Administração Pública tem como função cardeal atender às demandas sociais e os conceitos jurídicos indeterminados são utilizados pelo legislador com este mesmo objetivo – tornar a lei apta a responder às demandas sociais. Interessa, aqui, analisar a relação entre conceitos de tal natureza e a discricionariedade administrativa. Eles conferem discricionariedade ao Administrador? Há como definir, invariável e categoricamente, se isto ocorre ou não? As raízes da celeuma remontam à Áustria do final do século XIX, e esta breve regressão histórica toma por base as lições de Krell (2013, p. 29 e ss.) e Di Pietro (2012, p. 91 e ss.). À época, Bernatzik afastava a possibilidade de apreciação judicial de atos administrativos editados com base em conceitos jurídicos indeterminados, devendo estes ser preenchidos por órgãos administrativos especializados. Tezner, em sentido oposto, defendia o controle objetivo de todos os conceitos jurídicos aplicáveis às relações entre Administração Pública e particulares, sejam determinados ou indeterminados. Ao longo da história, naquela região, especialmente após a criação da República Federal da Alemanha, desenvolveram-se limites cada vez maiores e mais rígidos à aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, não mais se considerando estes como uma expressão da discricionariedade, mas inteiramente apreciáveis pelo Poder Judiciário por meio da interpretação. A experiência totalitária do regime nazista, que aboliu o controle judicial dos atos administrativos, contribuiu substancialmente para uma hipertrofia do controle judicial dos atos administrativos, restando a discricionariedade fortemente reduzida.[17] Contudo, recentemente, os Tribunais Administrativos alemães têm abrandado o rigor deste posicionamento, passando a reconhecer certa esfera de liberdade administrativa no âmbito do direito, conferida pela utilização de conceitos jurídicos indeterminados. Na Espanha, a teoria mais aceita acerca do tema é desenvolvida por García de Enterría (apud DI PIETRO, 2012), que entende não haver qualquer discricionariedade quando a lei faz uso de conceitos indeterminados. Para o autor, sempre que a lei utilizar conceitos desta natureza, haverá uma única solução correta, plenamente alcançável através da interpretação, enquanto a discricionariedade pressupõe pluralidade de alternativas igualmente justas. Deste modo, aos tribunais espanhóis é conferida grande liberdade de apreciação sobre a aplicação daqueles conceitos. De outro lado, na França, onde há um tribunal encarregado exclusivamente da jurisdição administrativa, o Conselho de Estado, os conceitos jurídicos indeterminados são apreciados quanto aos seus motivos, havendo três graus de controle, quais sejam: o controle de materialidade, o controle de qualificação dos fatos e o controle da adequação da decisão aos fatos. O primeiro, um controle mínimo, limita-se a constatar se de ocorrência dos fatos que motivaram o ato administrativo. O segundo, verificador da qualificação dos atos, requer maior atenção por parte do controlador, pois objetiva verificar se os fatos ocorridos possuem o condão de justificar a tomada de uma atitude por parte da Administração Pública. Por último, o controle da adequação da decisão aos fatos, considerado um controle máximo, visa constatar se o ato administrativo especificamente trazido a lume é o mais adequado à satisfação do interesse público naquela situação, dentre todas as medidas possíveis. Seja qual for o grau de controle, a jurisdição administrativa francesa, com apoio da doutrina, age sob o pálio da teoria do erro manifesto, segundo a qual, somente considera-se passível de controle aquele erro facilmente perceptível, reservando à esfera discricionária da Administração Pública todos aqueles atos que assim não possam ser caracterizados. Não havendo, no direito francês, doutrina especificamente voltada para os conceitos jurídicos indeterminados, nota-se que a jurisprudência tende a exercer o controle sobre os conceitos jurídicos indeterminados, porém, o fazendo sob a teoria do erro manifesto e analisando os motivos do ato e a proporcionalidade dos meios aos fins. De forma, portanto, acanhada, se comparada à jurisprudência alemã. No Brasil, embora o tema não seja muito explorado, Di Pietro (2012, p. 115) confere destaque ao trabalho realizado por Regina Helena Costa, que afasta, de plano, tanto a teoria de García de Enterría, acima sumariada, quanto a doutrina dominante alemã. A autora chama atenção para a distinção entre conceitos de experiência e conceitos de valor, sendo os primeiros delimitáveis a partir do processo de interpretação, não restando margem de escolha, e os segundos, mesmo após submetidos ao crivo da interpretação, não redutíveis a uma noção unívoca. Já Eros Grau (2003, p. 201) vislumbra a indeterminação não no conceito, mas na noção que representa uma ideia situada na história, sendo esta sempre passível de interpretação. Para o autor, portanto, tais conceitos não conferem discricionariedade, posto que não resta, segundo o seu escólio, após a interpretação, juízo de oportunidade. Ante o exposto, percebe-se a discrepância entre os diversos ordenamentos jurídicos no tratamento do tema e, no interior destes, entre doutrinas da maior monta. Tem-se nos ordenamentos jurídicos alemão e espanhol os maiores exemplos de afastamento de qualquer discricionariedade administrativa quando da aplicação de conceitos jurídicos indeterminados. Enquanto isso, no direito francês, como visto, por força da doutrina do erro manifesto, busca-se manter incólumes as decisões administrativas tomadas em decorrência da utilização de conceitos jurídicos indeterminados, sendo permitido o controle jurisdicional apenas em casos de visível necessidade de controle. Da análise feita, percebe-se que tanto a utilização de conceitos jurídicos indeterminados quanto a concessão de discricionariedade são necessidades essenciais à concretização do Estado Democrático de Direito pós-moderno. Porém, deve-se ter em mente que há situações em que os conceitos jurídicos indeterminados implicarão na concessão de discricionariedade administrativa, e há situações em que, apenas através da interpretação, aqueles são perfeitamente subsumidos ao caso concreto, não deixando margens a dúvidas. Os institutos são, portanto, necessários, independentes e podem ser complementares – a depender do caso concreto –, de maneira que não há como afirmar categoricamente se a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, por parte do legislador, implica ou não, na concessão de discricionariedade ao Administrador Público. O que se pode dizer é que, diante dos fatos, havendo o legislador utilizado conceitos indeterminados, deve-se buscar a melhor solução possível através da interpretação e submissão das hipóteses ao crivo dos princípios da constitucionais – especialmente os da razoabilidade e da proporcionalidade – implícitos ou explícitos. Se, ultrapassado este ínterim, restarem duas ou mais soluções perfeitamente aplicáveis ao caso, restará ao Administrador competente, e unicamente a ele, a escolha da melhor alternativa, com base em critérios de conveniência e oportunidade. Ademais, ao Poder Judiciário cabe apenas anular o ato administrativo viciado, determinando, se for o caso, que a Administração Pública reedite-o em conformidade com o ordenamento jurídico ou abstenha-se de editá-lo novamente. Importa, por fim, chamar atenção para a supracitada distinção entre conceitos de experiência e conceitos de valor. Quando houver a utilização de conceitos de experiência, não assiste discricionariedade ao Administrador, pois apenas através da interpretação é possível alcançar a única solução possível. Por outro lado, em se tratando de conceitos de valor, aplica-se inteiramente a conclusão apresentada no parágrafo anterior. 4 O CONTROLE JURISDICIONAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS O Estado Democrático de Direito, em sua concepção atual e corredia, firma-se sobre a ideia de separação de poderes, harmônicos e equilibrados. Constitui esta teoria primordial defesa do regime democrático em face de distorções autoritárias, do poderio absoluto, ilimitado, em favor da liberdade e limitação do poder. Como observam Streck e Oliveira (2013, p. 145) a separação dos poderes “tem por mote o controle do poder pelo próprio poder, um sistema de fiscalização e limitação recíprocas, o denominado sistema de freios e contrapesos”. A teoria da separação dos poderes, partindo do pressuposto insofismável de que o poder desperta uma ganância por vezes viciosa por parte daqueles que o detêm, impõe que o poder seja distribuído – não há separação, de fato, pois o poder é uno e indissolúvel – entre distintas funções, com vistas à prevenção de sua concentração nas mãos de um ou de poucos. Não há rigidez quanto à divisão em três órgãos, embora seja este o formato predominante, havendo ordenamentos jurídicos que adotam separação orgânica quadripartida ou pentâmera, posto que o princípio da separação dos poderes não é padronizado de maneira rígida, podendo – e devendo – adaptar-se à sociedade e à cultura locais. Contudo, voltando-se a presente pesquisa para o ordenamento jurídico brasileiro, será adotado como molde a forma tripartite, com a divisão do poder entre as funções executiva, legislativa e judiciária. Neste quadro, para que a separação alcance seu desiderato – conter a sede pelo poder – é imprescindível que os poderes guardem harmonia e equilíbrio entre si. Ou seja, é imprescindível que nenhum poder tenha a possibilidade de sobrepujar os demais ou de ser sobrepujado pelos mesmos. Não obstante exista um dever dos poderes de focalizar as ações em seu objetivo maior – o legislativo, legislar; o executivo, executar; e o judiciário, julgar –, a teoria não pode ser compreendida de maneira estática, de forma que estes fiquem presos unicamente à sua função primacial. Para que o equilíbrio e a harmonia se façam minimamente presentes, cada poder deve, nos limites constitucionais e legais, exercer controle sobre os demais. A Constituição Federal de 1988 traz diversos exemplos neste sentido, podendo citar-se: a sanção ou veto do chefe do poder executivo a projeto de lei[18], a possibilidade de declaração, pelo Supremo Tribunal Federal, da inconstitucionalidade, em tese, de lei ou ato normativo[19], e a possibilidade do poder legislativo sustar atos normativos do executivo que exorbitam do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa[20]. Com este intuito, e tomando por base os princípios da legalidade e da inafastabilidade da jurisdição[21] – art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988 –, doutrina e jurisprudência brasileiras reconhecem a uma só voz a possibilidade de haver controle jurisdicional dos atos administrativos. A interpretação conjunta dos princípios impõe que a Administração Pública aja sempre nos limites da lei – em sentido lato – e que este agir seja sindicável em toda a sua extensão pelo Poder Judiciário. O tema torna-se delicado e surgem argumentos conflitantes quando se passa a tratar dos limites da discricionariedade administrativa e, via reflexa, deste controle. Em se tratando de controle jurisdicional dos conceitos indeterminados nos atos administrativos, o primeiro critério ao crivo do qual deve ser submetido o ato concerne à sua legalidade. Como apurado no capítulo anterior, a discricionariedade não é liberdade total, mas liberdade concedida pela lei, portanto, qualquer ato administrativo, seja vinculado ou discricionário, somente pode ser exercido nos limites estabelecidos por aquela. Neste sentido, todo ato que deixe de observar o que é previamente determinado por lei, deverá ser fustigado e invalidado pelo Poder Judiciário. O exame da legalidade do ato impõe que ele seja analisado na esfera jurisdicional pelo menos quanto à competência e forma, critérios estes que não levantam maiores discussões. Todavia, o Estado Democrático de Direito e a noção de interesse público com força vinculante em relação ao agir estatal tornam claro que o controle jurisdicional não pode subsumir-se a estes aspectos, pois, sendo assim, permitir-se-ia o surgimento e permanência de atos administrativos que se revelam, após uma análise mais detida, conflitantes com o interesse público. Esta mudança deve-se, em grande parte, à nova interpretação dada ao princípio da legalidade, já exposta anteriormente: a legalidade deixou de ser concebida em sentido estrito, reportando-se apenas à lei, passando a reportar-se ao Direito, havendo de ser encarada como um controle de juridicidade[22]. Tal controle deve, na verdade, avançar para abranger tantos aspectos quantos sejam possíveis ao Poder Judiciário analisar, com vistas à salvaguarda do ordenamento jurídico vigente e, especialmente, dos direitos fundamentais e princípios constitucionais, sejam estes aspectos voltados à legalidade, sejam voltados ao demérito[23] do ato. Neste sentido apontam diversos doutrinadores, a exemplo de Bandeira de Mello, para quem o controle jurisdicional deve estender-se “necessária e insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato” (2012, p. 993). O exame dos motivos consiste na análise dos pressupostos fáticos e jurídicos do ato administrativo, ou seja, na verificação da ocorrência de fatos que ensejem um ato administrativo e da adequação do ato àqueles fatos. Quanto ao tema, dois pontos devem ser ressaltados: o modelo de controle em três graus exercido pelo Conselho de Estado francês, já tratado neste trabalho, e o dever de motivação dos atos administrativos. Por razões óbvias, a exigência de motivação, ou seja, de explicitação dos motivos do ato administrativo, pelo agente público, é conditio sine qua non para que o controle jurisdicional se estenda a esta seara. Admitir que o controle jurisdicional deva compreender os aspectos concernentes aos motivos do ato, impõe filiar-se à ideia de que o ato deve ter explicitadas suas razões fáticas e jurídicas[24], sob pena de anulação[25]. É o que diz Freitas (2009, p. 49), segundo o qual, no atual estágio do direito administrativo, o Administrador Público tem o dever de expor, na prática dos atos vinculados e discricionários, “os fundamentos de fato e de direito, em face da inafastável margem de apreciação, presente no mais vinculado dos atos”, o que torna imperativo que “todos os atos administrativos sobremodo se afetarem direitos, ostentem uma explícita justificação, em analogia com o que sucede com os atos jurisdicionais, excetuados os de mero expediente, os ordinatórios de feição interna e, ainda, aqueles que a Carta Constitucional admitir como de motivação dispensável.” Krell (2013, p. 58) soma-se a este entendimento, ao pontuar que “a qualidade ‘ótima’ da decisão, no sentido de ser a escolha mais correta e satisfatória, deve ser demonstrada mediante a exposição formal dos respectivos motivos, insto é, dos fundamentos jurídicos e fáticos e dos diferentes aspectos do interesse público em jogo. A estrutura dessa motivação deve revelar nitidamente que houve uma consideração objetiva dos diferentes aspectos do interesse público em jogo”. A necessidade desta motivação, que deve adequar-se não apenas à lei, mas a todo o sistema normativo, advém de diversos motivos. Primeiramente, consiste ela no único veículo responsável por trazer a lume a intenção do agente público, tornando possível a análise de adequação desta ao interesse público. Outra justificativa reside no princípio da impessoalidade, pois somente vinculando-se o ato aos motivos – o que é feito pela motivação – é possível desfazer o vínculo entre a intenção do Administrador e aquele ato, tornando-o público. Além disto, a motivação representa poderosa defesa preventiva do Estado – e, consequentemente, da coletividade – contra eventuais danos advindos do respectivo ato administrativo, na medida em que, ao proceder à motivação, a autoridade permite que sejam opostos direitos de terceiros ao ato, antes que ocorram violações. Por último, há de se ressaltar a contribuição do dever de motivação para o fomento da segurança jurídica a longo prazo, pois é certo que a transparência aproxima o ente estatal do administrado. No exame da finalidade do ato, o controle jurisdicional deve ser levado a cabo sob o pálio da teoria do desvio de poder, desenvolvida especialmente pelo Conselho de Estado francês e largamente utilizada por Tribunais dos mais diversos países, inclusive brasileiros. O desvio de poder ocorre quando o agente, ao exercitar o poder que lhe é inerente em função do cargo público ocupado, age com objetivo distinto daquele determinado pela lei ou pelo sistema normativo. Neste ponto, sobreleva mencionar que é irrelevante, para fins de aferição a legitimidade do ato administrativo, a intenção do agente, de modo que o que se analisa é, objetivamente, a adequação dos fins perseguidos pelo ato aos fins perseguidos pela norma que o fundamenta e pelo ordenamento jurídico. Outra ressalva inafastável é a de que não é mister que haja antinomia entre os fins mirados pelo ato e aqueles estatuídos na lei para que seja anulado, bastando o simples desacordo. Em suma, seja porque o agente não perseguiu um interesse público, seja porque perseguiu interesse público diverso daqueles integrantes de sua alçada, seja porque perseguiu um interesse público por via jurídica inadequada, o Poder Judiciário não deve permitir que subsista qualquer ato administrativo maculado pelo desvio de poder. Quanto à causa do ato, a análise é feita em conjunto com a dos motivos, posto que a causa consiste no fato ou conjunto fático que desencadeia o ato administrativo e, ao analisar os motivos, o Poder Judiciário já realiza a análise dos pressupostos fáticos e jurídicos do ato. Outro critério que deve ser adotado pelo Poder Judiciário no exercício do encargo de controlador dos atos administrativos consiste na comparação, com a devida cautela, da situação concreta ao material de amostra formado pelo conjunto de decisões anteriores referentes àquele conceito jurídico indeterminado. Ao longo do tempo, os conceitos jurídicos ganham maior nitidez conceitual através da interpretação a eles dada pelo Administrador, de maneira que a interpretação é alimentada pelo arcabouço interpretativo preexistente. Em decorrência do princípio da legalidade – que impede que casos que apresentam circunstâncias fáticas iguais ou muito semelhantes sejam tratados de maneira diferente pelo Estado –, a interpretação dada ao conceito indeterminado deve – com a devida cautela, repita-se –, ao menos, guardar relação com o material de amostra. Por outro lado, na discussão sobre os limites do controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, tem ganhado espaço o “enfoque jurídico-funcional”, de origem germânica. Segundo Krell (2013), ele parte da premissa de que o princípio da separação dos poderes, atualmente, deve ser encarado mais como um princípio de divisão de funções e, nesta esteira, deve-se buscar uma divisão de tarefas e responsabilidades “funcionalmente adequada” entre Executivo e Judiciário, levando em conta a idoneidade de cada um para decidir sobre a propriedade e a intensidade da revisão jurisdicional de decisões administrativas, sobretudo das mais complexas e técnicas. Ideia semelhante é defendida por Barroso (2008) ao falar da “capacidade institucional”, que aponta para a determinação de que Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Para o autor, embora formalmente os membros do Poder Judiciário sempre conservem sua competência para um pronunciamento definitivo, em determinadas situações, eles devem ceder espaço à manifestação do Legislativo ou do Executivo, desde que seja razoável esta medida. Em outras palavras, o controle da Administração pelos tribunais deve ir somente até onde se possa esperar que a decisão judicial tenha qualidade material pelo menos igual à da decisão administrativa posta em análise. A observância de tal limitação ao controle jurisdicional é deveras importante no Brasil em decorrência da inexistência de ramo do Poder Judiciário especializado em dirimir conflitos entre o cidadão e a Administração Pública, o que implica na pouca especialização dos Magistrados em geral para decidir sobre diversas causas desta seara. Ora, decerto não é salutar que se substitua juízo presumidamente mais adequado de determinado órgão da Administração Pública por decisão judicial pouco especializada, sendo esta presunção extraída de fatores como a estrutura orgânica daquele órgão, sua legitimação democrática, a observância dos meios e procedimentos legalmente previstos para aquela decisão, a preparação técnica, dentre outros. Contudo, há de se mencionar que, em tais situações, embora a decisão teoricamente mais adequada provenha da Administração Pública, não lhe resta discricionariedade, eis que tal decisão deve ser, comprovadamente através da motivação, a mais adequada ao caso concreto. Além do controle quanto à competência, à forma, aos motivos e à finalidade do ato, assim como a observância do material de amostra e do enfoque jurídico-funcional – ou enfoque da capacidade institucional –, o controle jurisdicional, por exigência do Estado Democrático de Direito, deve voltar-se à juridicidade do ato, ou seja, ser levado a cabo à luz de todo o arcabouço normativo legal e constitucional, especialmente daqueles princípios expressos no art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Este o entendimento de Di Pietro (2007, p. 3), quando aduz que “(…) poderão ser corrigidos os atos administrativos praticados com inobservância de certos valores adotados como dogmas em cada ordenamento jurídico. (…) Isto significa que a discricionariedade administrativa sofre maiores limitações, ficando muito mais complexa a atividade de controle. Na medida em que a lei foi reconquistando o seu sentido axiológico (…), novos princípios foram sendo elaborados como formas de limitar a discricionariedade administrativa e, paralelamente, ampliar a esfera de controle pelo Poder Judiciário.” Conforme anota Ohlweiler (2000), é mister que se analise os atos administrativos tomados com base em conceitos jurídicos indeterminados sob uma perspectiva mais crítica e interdisciplinar, sob pena de funcionar o controle jurisdicional como instância meramente formalista, um conjunto de ritos e procedimentos burocratizados que acabam determinando uma postura excessivamente abstrata, distante da realidade fática e, portanto, inadequada aos anseios do Estado Democrático de Direito. Por esta ótica, a ampliação no controle jurisdicional não deve cingir-se ao modo como deve ser exercido, mas deve estender-se à sua abrangência. O Poder Judiciário brasileiro deve afastar-se de seu tradicional posicionamento de distanciamento do controle[26], passando a admitir um controle mais amplo sobre os atos administrativos, com vistas a salvaguardar a ordem constitucional e cumprir com seu dever na construção do Estado preconizado na Carta Magna de 1988[27]. Jamais com o objetivo de engessar a Administração Pública, cerceando sua margem de atuação, mas com o objetivo de coibir erros gravosos à coletividade e motivações deficientes ou desconexas. Freitas (2009, p. 45), somando-se a esta vertente doutrinária, deixa consignado que o referido aprofundamento do controle significa “(…) sem pedir demais, que o controlador do ato discricionário se encontra finalisticamente orientado pelos princípios constitucionais, não aceitando mera alegação de conveniência ou oportunidade (…)”. Dentre estes princípios, especificamente quanto ao controle jurisdicional dos atos administrativos à luz de conceitos jurídicos indeterminados, assumem crucial posição os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Nesta senda, passa-se ao seu exame. 4.1 A objetividade dos conceitos jurídicos indeterminados motivada pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade Como apurado na presente pesquisa, um controle jurisdicional coerente com as balizas do Estado Democrático de Direito há de submeter os conceitos jurídicos indeterminados à interpretação e, após isto, submeter o ato administrativo ao crivo dos princípios constitucionais, explícitos e implícitos. Ainda que este expediente deva remeter a um leque de princípios, o presente trabalho cingir-se-á ao estudo de dois deles, que embora nem sempre sejam concebidos como princípios distintos – sendo certo que apresentam fortes ligações –, não se confundem, quais sejam: o da razoabilidade e da proporcionalidade. O princípio da razoabilidade tem origem na common law inglesa[28] e refere-se ao que seja razoável (reasonableness) em determinada decisão de autoridade pública, como tal compreendido aquilo que se enquadra em certos conceitos, variáveis com o tempo, jurisdição e sociedade, dos quais são exemplos a má-fé, o desvio de poder, e tantos outros. Hodiernamente, no Brasil, embora não seja encontrado explicitamente[29] na Constituição Federal, é amplamente reconhecido por doutrina e jurisprudência como um princípio implícito basilar do ordenamento jurídico, estando expresso em diversos dispositivos legais, tais como o art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo e o art. 2º da Lei Federal nº 9.784/99. Este princípio se alicerça no princípio do devido processo legal – este expresso na Carta Magna de 1988, art. 5º, LIV (BRASIL, 1988) – e pode, inclusive, ser concebido como o princípio do devido processo legal substantivo. Significa isto que, enquanto o devido processo legal formal impõe a obediência a regras procedimentais, o devido processo legal substantivo impõe que o ato administrativo – e a própria lei – obedeça ao conteúdo axiológico da lei e do ordenamento jurídico. Neste sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 1.063/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello, ponderando o Relator que “A cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário.” (BRASIL, 1994). Di Pietro (2012, p. 210) indica que o princípio da razoabilidade exige que haja “compatibilidade, relação, proporção entre as medidas impostas pelo Legislativo ou Executivo e os fins objetivados, de forma implícita ou explícita, pela Constituição ou pela lei”. Bandeira de Mello (2012, p. 111), ressaltando que os atos administrativos que não observarem este princípio serão não apenas inconvenientes, mas ilegítimos, indica que com este princípio, a Administração “ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida”. O trecho final reporta-se ao aspecto teleológico do princípio da razoabilidade, qual seja, a necessidade de respeito ao sentido final da lei que outorgou discricionariedade à Administração. Ora, como esclarecido, a discricionariedade é, antes de tudo, um encargo concedido pelo legislador, com vistas a alcançar determinado fim inatingível através do trabalho legislativo. Fácil perceber, portanto, que o ato administrativo que não almeja atingir os objetivos norteadores da lei que o alicerça carrega a pecha da antijuridicidade. O desrespeito a este princípio pode ser causado pela desproporção entre os meios e fins, pela ausência de correlação entre a medida e a finalidade almejada, pela arbitrariedade da medida – ou seja, aquela motivada por razões estranhas ao interesse público – ou até mesmo pela dissonância manifesta entre a medida e o senso comum do que é justo. Por seu turno, o princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso, exige que a escolha dentre diversas opções aptas a atingir determinado fim deve recair sobre aquela que implique em consequências menos gravosas, sob pena de anulação. Constitui direito fundamental do cidadão de que, sempre que o Estado precisar atingir seus direitos para a concretização de determinado interesse público, deverá o fazer pela via menos desvantajosa possível. Segundo Cademartori (2008), a ideia de proporcionalidade surgiu na Alemanha, especificamente em relação ao poder de polícia e seus limites, no século XIX, e, com a promulgação da atual Constituição daquele país, datada de 1949, a proporcionalidade passou a ser reconhecida na esfera jurídico-constitucional. Na doutrina jurídica brasileira, predomina o entendimento de que o princípio da proporcionalidade constitui faceta derivada do princípio da razoabilidade[30], o que em nada subtrai a importância do princípio, mas, em verdade, indica a íntima relação existente entre estes, de maneira que o ato administrativo juridicamente válido pressupõe o respeito a ambos, interpretados conjuntamente. Representam estes, incontestável defesa contra atos administrativos discricionários eivados de antijuridicidade. A sua interpretação conjunta exige que qualquer ato deste jaez seja o mais adequado ao objetivo estabelecido pelo legislador, seja necessário à consecução deste e represente o menor gravame possível aos direitos fundamentais envolvidos na situação concreta. Assim sendo, embora não se encontrem expressamente previstos no texto constitucional, dada a sua importância, ambos os princípios devem ser encarados como máximas do Poder Judiciário no exercício da sua atividade controladora. A ampliação do controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários, proporcionada, em grande parte, pela submissão destes aos princípios constitucionais – em especial ao juízo de razoabilidade/proporcionalidade – torna mais objetiva a interpretação dos conceitos jurídicos indeterminados, ao passo em que restringe a subjetividade da escolha por parte do agente público, que agora deve fazer esta escolha sob o pálio de todos os critérios apresentados, sob pena de antijuridicidade e, consequentemente, possibilidade de anulação pelo Poder Judiciário. CONCLUSÃO O paradigma pós-modernista e o Estado Democrático de Direito exigem que o Direito Administrativo seja reanalisado sob uma nova concepção: a de que a Administração Pública é instrumento da concretização dos direitos fundamentais e princípios do ordenamento jurídico, estando vinculada a estes em todo o seu agir. Neste quadro, a discricionariedade administrativa é imprescindível ao desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, afinal o Poder Legislativo, com sua necessária generalidade e distanciamento do caso concreto é, decerto, insuficiente para este desiderato. Pretender que o Administrador Público não possua liberdade de agir – dentro dos limites legais – com vistas a subsumir o interesse público ao caso concreto é eliminar quaisquer chances de aproximação de um ideal de Estado nos moldes almejados pela pós-modernidade e condenar o Poder Executivo à atrofia, e isto é inconcebível. Todavia, esta não pode velejar livremente pelos mares da arbitrariedade, sendo necessário confiná-la em seus limites legais e, especialmente, constitucionais. Ganham importância os conceitos jurídicos indeterminados, que permitem ao Administrador aproximar a Administração da realidade. Esta aproximação, contudo, não ocorre a bel prazer do Administrador. Pelo que se concluiu, há situações em que os conceitos jurídicos indeterminados implicarão na concessão de discricionariedade administrativa, e há situações em que, apenas através da interpretação, aqueles são perfeitamente subsumidos ao caso concreto, não deixando margens a dúvidas. Os institutos são, portanto, necessários, independentes e podem ser complementares – a depender do caso concreto –, de maneira que não há como afirmar categoricamente se a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, por parte do legislador, implica ou não, discricionariedade ao Administrador Público. Diante dos fatos, havendo o legislador tratado a matéria utilizando-se de conceitos indeterminados, deve-se buscar a melhor solução possível através da interpretação e submissão das hipóteses ao crivo dos princípios da constitucionais – especialmente os da razoabilidade e da proporcionalidade – implícitos ou explícitos. Se, ultrapassado este ínterim, restarem duas ou mais soluções perfeitamente aplicáveis ao caso, restará ao Administrador competente, e unicamente a ele, a escolha da melhor alternativa, com base em critérios de conveniência e oportunidade. Neste contexto, o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários ganha elevada importância e dele depende o sucesso da separação dos poderes em sua missão de conter os desequilíbrios gerados na luta pelo poder. Embora a possibilidade deste controle seja, a uma só voz, reconhecida pela doutrina e jurisprudência brasileiras, o atual paradigma não permite que se conceba o seu exercício de forma acanhada, abstencionista, distante de maiores reflexões acerca da adequação do ato administrativo ao Direito, permitindo que atos contrários ao interesse público e aos direitos fundamentais subsistam no ordenamento jurídico em nome de uma equivocada concepção do princípio da separação dos Poderes. Hoje, este princípio é encarado como uma separação de funções, nem sempre estanque, com vistas à concretização do Estado Democrático de Direito. Da mesma forma que não se admite mais a rígida distinção entre atos vinculados ou discricionários por natureza, não deve o Poder Judiciário deixar de controlar atos administrativos sob a alegação de que aquele ato possui natureza discricionária e, portanto, está fora do alcance desde controle. Como visto, discricionariedade não é liberdade total, mas liberdade concedida pela lei e a esta vinculada, além de o ser em relação ao Direito como um todo. O controle jurisdicional do ato administrativo deve, na verdade, avançar para abranger tantos aspectos quantos sejam possíveis ao Poder Judiciário analisar, com vistas à salvaguarda do ordenamento jurídico vigente e, especialmente, dos direitos fundamentais e princípios constitucionais, sejam estes aspectos voltados à legalidade, sejam voltados ao mérito do ato. O Poder Judiciário deve controlar o ato administrativo quanto à competência, à forma, à juridicidade, os motivos, a finalidade, comparando-o ao material de amostra existente e sob o enfoque jurídico-funcional, ou enfoque da capacidade institucional. Ademais, não devem atuar os órgãos jurisdicionais de maneira formalista, burocrática, mas sim de forma crítica e interdisciplinar, de modo que se busque sempre o ato administrativo voltado para os objetivos traçados na Constituição e concretizado com observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Há de se pontuar, por fim, que todo o esforço empreendido no sentido de ampliar o controle jurisdicional dos atos administrativos discricionários não pode acarretar a substituição do Poder Executivo pelo Poder Judiciário, o que representaria a ruína do Estado como hodiernamente concebido. A ampliação deve ocorrer com vistas a alcançar a melhor solução para o caso concreto. Ao Poder Judiciário cabe apenas anular o ato administrativo viciado, determinando, se for o caso, que a Administração Pública reedite-o em conformidade com o ordenamento jurídico ou abstenha-se de editá-lo novamente.
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O pregão como instrumento de celeridade e eficiência nas contratações públicas
Este artigo tem por objetivo analisar a modalidade de licitação denominada pregão, disciplinada atualmente pela Lei nº 10.520/2002, e sua prevalência em relação as demais espécies licitatórias. Parte-se, para isto, de conceitos sobre licitação pública e breves comentários sobre as demais modalidades licitatórias. Ao final, o estudo demonstrará pormenorizadamente o processo licitatório do pregão, em suas modalidades presencial e eletrônica, além de evidenciar sua supremacia em relação as demais modalidades previstas na Lei 8.666/1993.
Direito Administrativo
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS A Constituição Brasileira, promulgada em 1988, no capítulo referente aos princípios pátrios que regulam as expensas da Administração Pública dispõe, dentre outros, que os recursos públicos devem ser empregados com racionalidade, optando pelo cumprimento de metas preestabelecidas, com vistas a uma possível economia de receita.   A Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993 estabelece sobre as normas gerais de contratos administrativos e licitações relativas a obras, publicidade, serviços, alienações, locações e compras em âmbito nacional. É oportuno salientar que o procedimento licitatório, enquanto atividade-meio, faz-se necessário para a realização de uma gestão eficiente e transparente.   A referida Lei de Licitações alcança não só os a órgãos da administração pública direta e indireta, mas também os fundos especiais, as Organizações Sociais, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e todas as demais entidades controladas direta e indiretamente pelos Municípios, Estados, Distrito Federal e pela União. Este trabalho tem por objetivo demonstrar de que forma os “pregões” podem acarretar desvantagens ou vantagens nas finanças públicas, além de ostentar as principais deficiências constatadas em comparação com as demais modalidades licitatórias. Instituído através da Medida Provisória n° 2.026/2000, ulteriormente convertida na Lei Federal n° 10.520/2002, o Pregão é uma espécie licitatória destinada exclusivamente a aquisição de serviços e bens comuns, não estando adstrito ao valor ponderado na contratação, em que a concorrência pelo fornecimento é realizada por meio de lances verbais e propostas escritas em sessão pública. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. O que é licitação? Licitação, em termos genéricos, é de acordo com a conceituação inserida por Washington dos Santos (2001), o oferecimento de um lance ou uma quantia, para obterem almoeda ou partilha judicial a adjudicação do que se vende em hasta pública ou do que se vende a quem mais der, conhecido como uma espécie de “leilão reverso”. No direito público, licitação é em verdade uma competição, e em conformidade com Celso Antônio Bandeira de Mello (2009), uma disputa realizada pelas entidades governamentais, abrindo um certame entre os licitantes em com elas travar relações de conteúdo patrimonial, escolhendo a propostas mais conveniente, ou seja, uma verdadeira competição entre interessados em contratar com a Administração Pública. O instituto da licitação é conceituado por Marçal Justen Filho como: “um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos de seleção da proposta de contratação mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência específica”. (Justen Filho, 2011) Licitação é, como explicação detalhada, consoante a ilustre administrativista Maria Sylvia Zanella di Pietro: “o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato”. (DI PIETRO, 2014) 2.2. Histórico do Processo Licitatório na Administração Pública O Decreto nº 2.926/1862 introduziu no direito público a licitação, que regulamentava as Obras e o Comércio Público, além das arrematações dos serviços competentes ao Ministério da Agricultura. Contudo, o procedimento licitatório só veio a ser sistematizado em âmbito federal após o Decreto nº 4.536/1922, constituindo o Código de Contabilidade da União. O sistema licitatório veio desenvolvendo-se desde a promulgação, em 1922, do antigo Código de Contabilidade da União, conferindo uma maior eficiência aos contratos concretizados pela Administração Pública, consolidando por meio do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, uma reestruturação administrativa federal, estendendo-se às Administrações Estaduais e Municipais com a publicação da Lei nº 6.456 de 20 de junho de 1968. O Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos foi instituído pelo Decreto-Lei nº 2.300 de 1986, sendo atualizado pelos Decretos-Lei nº 2.348 e 2.360, regulando sobre normas especiais e gerais sobre licitações. Embora os textos constitucionais precedentes mencionarem sobre os dispositivos vinculados ao regime funcional do Estado e à função pública, os efeitos constitucionais da Administração Pública só vieram a produzir efeitos quando a Constituição Cidadã de 1988 foi promulgada, representando um considerável progresso na democratização e institucionalização desta. A licitação, a partir da atual constituição em vigor, ganhou renome de norma constitucional, devendo ser respeitados pela Administração Pública indireta e direta em todos os âmbitos governamentais. Neste diapasão, ao ponderar dispositivo inserido no artigo 37 da constituição regente, em seu inciso XXI, observa-se que a indispensabilidade de licitar decorre de princípio constitucional, sendo inexigida ou dispensada somente nos casos previstos ou autorizados em lei. A necessidade de se realizar a licitação está ligada diretamente aos princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público, sendo estes norteadores das atividades realizadas pela Administração Pública. Este status adquirido é de exímia importância para a observância do processo licitatório dentro da esfera jurídica. A Lei nº 8.666 de 1993 regulamentou o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal (sendo modificada pelas Leis nos 8.883/1994, 9.648/1998 e 9.854/1999), atualmente em vigor, disciplinando os contratos e as licitações da Administração Pública. O artigo 22 da Lei Federal número 8.666/1993 definiu cinco espécies licitatórias: tomada de preços, concurso, convite, concorrência e leilão. Todavia, foi implementado, com o advento da Lei nº 10.520/2002, mais uma modalidade licitatória, denominada Pregão, nas suas formas presenciais e eletrônicas. 2.3. Do procedimento licitatório A licitação possui um procedimento de extrema importância, tanto para a sociedade à qual se aplica, quanto para a Administração Pública, que vão desde uma simples compra de material expediente, até o mais intrincado complexo de exigências e documentos burocráticos para a aquisição de serviços e bens e execução de obras. As Leis 8.666/93, 10.520/00 e 9.986/00 relacionam as modalidades de licitação, sendo as mesmas: a Tomada de Preços, Leilão, Convite, Concorrência Pública, Pregão e Consulta, apresentando suas diferenças em relação a publicidade, os valores, a complexidade na formulação do Edital, e a necessidade de documentos de proposta e habilitação. A consecução de bens, serviços ou obras, pelo administrador público, possui uma conceituação própria, observada na lei de licitações, sendo perceptível em seus artigos 6° e 23 deste diploma legal, que dispõe: “Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se: I – Obra – toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta; II – Serviço – toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais; III – Compra – toda aquisição remunerada de bens para fornecimento de uma só vez ou parceladamente;” Como já é sabido, é indispensável, salvo as exceções legais, à precedência de um processo de licitação pública para qualquer contrato de serviços, alienações, compras e obras, que necessariamente deverá ser conduzido pelos princípios que orientam a Administração Pública. Entretanto, existem vários pontos dentro destes princípios que deverão ser respeitados para que o processo licitatório represente, de forma igualitária e lícita, a oportunidade de auxílio ao anseio público por particulares. Portanto, percebemos que os particulares que atuam em processos licitatórios possuem instrumentos jurídicos que asseguram os seus direitos, proporcionando a eficácia e a lisura para a realização das licitações. A Administração Pública deve acatar rigorosamente os termos determinados no edital, que é a matriz do contrato administrativo e do processo licitatório. Nestes termos, se o edital deixa de ser observado ou se é acrescentado a este processo licitatório uma exigência não prevista no edital, as empresas participantes poderão buscar, judicial ou administrativamente, a retratação e/ou correlação do erro cometido na licitação, pois se maculou a integridade do processo administrativo. Destarte, para se alcançar o cumprimento do que foi estabelecido em edital, o principal artifício do particular são as medidas cautelares e os recursos administrativos, através dos quais, a empresa concorrente que se sentir prejudicada, poderá requerer a reforma do posicionamento acolhido pela Administração Pública. As empresas que fornecem bens e prestam serviços, empenham-se mais em obter formas de reduzir ao máximo os custos a ser apresentado na proposta comercial, deixando de prestar atenção na qualidade do que se propõem a fazer, fornecendo, desta forma, serviços e produtos de qualidade as vezes duvidosa, além de gerar insatisfação e desagrado por parte da sociedade. Diante disso, para se acabar com alguns dos vícios da administração pública, o empresário deve zelar por seus interesses próprios e pelos coletivos, sempre questionando as posições aderidas pelo Poder Público, criando padrões de eficiência e qualidade para a consecução dos serviços, atingindo a almejada credibilidade junto à sociedade civil. 2.4. Das modalidades de licitação São cinco as espécies de licitações previstas na Lei nº 8.666/1993: a tomada de preços, a concorrência, o concurso, o convite e o leilão. No entanto, com o advento da Medida Provisória nº 2026/2000 foi instituída uma nova medida licitatória, denominada Pregão. Ademais, a Lei 9.986 de 2000 trouxe mais um tipo licitatório para nosso diploma legal, a consulta. Estas modalidades possuem peculiaridades próprias, destinando-se a determinadas espécies de contratação. 2.4.1. Concorrência Conforme conceituação de Hely Lopes Meirelles: “Concorrência é a modalidade de licitação própria para contratos de grande valor, em que se admite a participação de quaisquer interessados, cadastrados ou não, que satisfaçam as condições do edital, convocados com a antecedência mínima prevista na lei, com ampla publicidade pelo órgão oficial e pela imprensa particular. A concorrência é obrigatória nas contratações de obras, serviços e compras, dentro dos limites de valor fixados pelo ato competente, que são diversos para obras e serviços de Engenharia e para outros serviços e compras”. (MEIRELLES, 2009) Esta espécie de licitação assegura a participação dos interessados que preencham as formalidades previstas no edital, sendo obrigatória em virtude de determinados limites que se sujeitam a revisões periódicas. Porém, a lei determina que a concorrência deverá ser adotada nas seguintes hipóteses: a) licitações internacionais; b) cessão de bens imóveis para aquelas não tenham sido adotadas a modalidade leilão; c) compra de bens imóveis; d) outorga de direito real de obra pública serviço ou uso. A concorrência caracteriza-se para os contratos de grande valor, não se requisitando cadastro dos interessados ou registro prévio, tendo como prazo mínimo de publicação 30 (trinta) dias de intervalo entre o recebimento da proposta e publicação. 2.4.2. Tomada de preços A modalidade licitatória em análise se realiza entre aqueles que possuem interesses previamente cadastrados ou que consigam preencher os pressupostos para se cadastrarem até o terceiro dia antecedente ao dia do recebimento dos alvitres, devendo ser observada a necessária qualificação, consoante o Estatuto das Licitações e Contratações Públicas. Nas palavras do notável administrativista Hely Lopes Meirelles: “Tomada de preços é a licitação realizada entre interessados previamente registrados, observada a necessária habilitação, convocados com antecedência mínima prevista na lei, por aviso publicado na imprensa oficial e em jornal, contendo as informações essenciais a licitação e o local onde pode ser obtido o edital. A lei aproximou a tomada de preços da concorrência, exigindo a publicação do aviso e permitindo o cadastramento até o terceiro dia anterior á data do recebimento das propostas (arts. 21 e 22, § 2º). A tomada de preços é admissível nas contratações de obras, serviços e compras dentro dos limites de valor estabelecidos na lei e corrigidos por ato administrativo competente”. (MEIRELLES, 2009) Esta é plausível nas contratações de compras, serviços e obras, obedecendo aos valores estabelecidos em lei e corrigidos por procedimento administrativo competente. Sendo que a grande característica desta modalidade é a existência prévia de habilitação dos licitantes, que se dá por meio de registros cadastrais, que são informações dos fornecedores de bens, executores de serviços e obras que ali se inscreveram, mantidos por entidades e órgãos administrativos que alcancem frequentemente procedimentos licitatórios. Um prazo mínimo de 15 (quinze) dias será fixado entre a publicação e a data para o recebimento das propostas. Todavia, caso o certame seja decidido pelos critérios de técnica e preço ou de melhor técnica, este prazo não poderá ser inferior a 30 (trinta) dias. A finalidade da tomada de preços é tornar a licitação mais rápida, contudo seu procedimento acaba tornando-se quase tão complexo como ao da concorrência. Ao contrário da legislação anterior, que se limitava em examinar os certificados de registros cadastrais, nesta modalidade enquanto houver licitantes não cadastrados, a comissão do processo licitatório examinará toda a documentação para que ocorra a denominação. 2.4.3. Convite Nas palavras do ilustre doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello: “O convite (art. 22, § 3º) é a modalidade licitatória cabível perante relações que envolverão os valores mais baixos, na qual a Administração convoca para a disputa pelo menos três pessoas que operam no ramo pertinente ao objeto, cadastradas ou não, e afixa em local próprio cópia do instrumento convocatório, estendendo o mesmo convite aos cadastrados do ramo pertinente ao objeto que hajam manifestado seu interesse até 24 horas antes da apresentação das propostas. No convite é de cinco dias úteis, no mínimo, o prazo deflagrado pelo envio da carta-convite ou da efetiva disponibilidade dela seus anexos até a data fixada para o recebimento das propostas” (art. 21, § 2º, IV). (MELLO, 2009) O convite exige pelo menos 3 (três) interessados, alistados ou não, convidados e escolhidos pela unidade administrativa. Contudo, até mesmo os nãos convidados que possuírem cadastro na devida especialidade e manifestarem interesse no prazo de 24 horas da exposição das sugestões, poderão participar, visando desta forma, um maior número de licitantes, para isso, deve-se ser fixada, em lugar adequado, cópia da chamada pelo órgão administrativo. A modalidade em análise dispensa a publicação de edital, uma vez que a convocação se dá por carta-convite dentro de um prazo legal de 5 (cinco) dias, sendo utilizada em contratações de pequeno valor. Importante salientar que o TCU (Tribunal de Contas da União), em casos de não se obtendo a quantidade mínima de propostas (três propostas), orienta a repetição do ato, a fim de se convocar prováveis interessados, para se garantir a legitimidade da competição. A abertura dos envelopes é realizada em ato público, no local, dia e hora preestabelecidos, por um servidor ou uma comissão. 2.4.4. Concurso Concurso, consoante o exímio autor Hely Lopes Meirelles: “É uma modalidade de licitação de natureza especial, porque, apesar de se reger pelos princípios da publicidade e da igualdade entre os participantes, objetivando a escolha do melhor trabalho, dispensa as formalidades específicas da concorrência”. (MEIRELLES, 2009) O concurso geralmente é empregado na escolha de projetos, postergando a busca do melhor preço, mas sim da melhor técnica. Devendo ser publicado pela imprensa particular e oficial, por meio de edital, no prazo mínimo de 45 dias antecedentes à realização do evento. Através de um regulamento próprio, o concurso estabelecerá aos licitantes a qualificação exigida, além das formas e diretrizes de apresentação do trabalho, assim como os requisitos de realização e as gratificações serem outorgadas. Ao final, será realizada a classificação dos trabalhos apresentados e posteriormente ocorrerá o pagamento da remuneração ou prêmio, contudo a Administração Pública não ofertará nenhum contrato com o vencedor. O projeto escolhido, por sua vez, será matéria de outra modalidade licitação. 2.4.5. Leilão Conforme a brilhante definição de Hely Lopes Meirelles: “Leilão é espécie de licitação utilizável na venda de bens móveis e semoventes (arts. 22, § 5º, e 53) e, em casos especiais, também de imóveis (art. 19, III). A administração poderá valer-se de dois tipos de leilão: o comum privativo de leiloeiro oficial, onde houver; e o administrativo propriamente dito. O leilão comum é regido pela legislação federal pertinente, mas as condições de sua realização poderão ser estabelecidas pela Administração interessada; o leilão administrativo é o instituído para a venda de mercadorias apreendidas como contrabando, ou abandonadas nas alfândegas, nos armazéns ferroviários ou nas repartições públicas em geral, observadas as normas regulamentares da Administração interessada.” (MEIRELLES, 2009) Leilão é a modalidade licitatória utilizada pela Administração para a alienação bens móveis dispensáveis ou de objetos penhorados ou apreendidos, servindo ainda para a transferência de bens imóveis adquiridos por dação em pagamento ou procedimento judicial. Sendo importante destacar, a indispensabilidade de um edital, que descreva com clareza os bens a serem penhorados, bem como dia, local e hora do pregão. No Leilão, é prescindível qualquer prévia habilitação dos licitantes, visto que a venda será realizada em curto prazo ou à vista, arrematando o bem o aquele que ofertar o maior valor. Todavia, será necessário um sinal, quando o pagamento for parcialmente à vista. 2.4.6. Pregão O pregão foi instituído pela Medida Provisória nº 2.026/2000, sendo disciplinado atualmente pela Lei nº 10.520/2002, tendo por objeto a aquisição de serviços e bens considerados comuns, independentemente da dotação para a aquisição, sendo que as ofertas são realizadas através de lances em sessão pública. Bens e serviços comuns, geralmente, são aqueles encontrados no mercado, sendo fornecidos ou produzidos por um grande de empresas. Estes possuem padrões de qualidade e desempenho que podem ser facilmente individualizados no edital, por meio de especificações usuais no mercado. Este modelo licitatório se divide em duas etapas, uma englobando os lances ofertados, sendo analisada somente a documentação daquele que vencer o pregão, invertendo-se, deste modo, o procedimento estipulado na Lei nº 8.666/1993. O pregão pode se dar da forma presencial ou eletrônica, na primeira o certame pelo fornecimento de serviços e bens comuns sendo realizado em sessão pública através lances verbais e propostas escritas. Já o eletrônico ocorrerá em sessão pública a distância, sendo utilizada somente no âmbito da União, usando-se uma rede mundial de computadores, ou seja, Internet. Esta modalidade licitatória possui uma prevalência em relação aos demais meios de licitação, tendo em vista sua celeridade, procedimento simplificado e desburocratizado, favorecer a competição e possibilitar a participação de um maior número de participantes. 2.4.7. Consulta Nos ensinamentos de Marcelo Alexandrino, consulta: “É a modalidade de licitação exclusiva de agências reguladoras, para a aquisição de bens e serviços não comuns, excetuados obras e serviços de engenharia civil, na qual as propostas são julgadas por um júri, segundo critério que leve em consideração, ponderadamente, custo e benefício”. (ALEXANDRINO, 2011) A modalidade consulta foi inserida pela Lei 9.472 de 1997, prevista apenas para as agências reguladoras, sendo utilizada para a contratação de bens e serviços não classificados como comuns, porém temos como ressalva as obras e serviços de engenharia civil, que serão analisados por um júri pelos critérios que levem em consideração o custo e benefício. 2.5. O Pregão Esta modalidade licitatória foi instituída pela Lei nº 10.520 de 17 de julho de 2002, servido de base para a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472 de 1997), que preparou a organização dos serviços de telecomunicações. Com a necessidade de compras de serviços ou bens, a Administração Pública irá abrir um certame a fim de selecionar um eventual prestador ou fornecedor de serviços, para que seja realizado a execução do objeto comum no mercado. Sendo oportuno salientar, que durante o julgamento das propostas é permitido aos licitantes diminuir o valor de seu lance através de propostas contínuas. São duas as espécies de Pregão, a presencial e a eletrônica, sendo ambas lideradas pelo pregoeiro (profissional habilitado responsável por conduzir o processo licitatório até seu trâmite final) e sua equipe de apoio. O Pregão possibilita uma maior celeridade aos processos licitatórios, na sua modalidade eletrônica é perceptível, ainda, uma notável redução de custos operacionais, além de um notório aumento da competitividade, gerando ocasionando a obtenção de melhores preços nos serviços ou bens em questão. 2.5.1. Bens e Serviços comuns Para que esta modalidade seja adotada, faz-se necessário analisar o que são bens e serviços comuns. No entendimento de Hely Lopes Meirelles (2009), serviços comuns são aqueles executados por qualquer empresa ou pessoa, não sendo privativos a nenhuma categoria profissional, sendo livremente executados por leigos, dispensando-se habilitação específica para sua prática. Tendo em vista os numerosos objetos passíveis de licitação via pregão, torna-se inviável a estipulação de um rol taxativo fechado para se estabelecer quais serviços e bens poderão ser contratados por esta modalidade licitatória. Todavia, não poderá ser objeto de licitação desta espécie, se o contrato exigir algum requisito técnico e a execução do objeto depender da observância de um estudo técnico. Deste modo, será preciso organizar a disputa de acordo com os preceitos da lei de licitação.  2.5.2. Fase Preparatória ou Interna do Pregão A fase interna ou preparatória do pregão desenvolve-se dentro de entidades ou órgãos administrativos responsáveis pelos processos licitatórios, juntamente com a participação da autoridade competente, que é responsável pela celebração do contrato almejado pelos licitantes e pelo processo de licitação pública. Dentre as atribuições da autoridade competente, podemos citar a justificativa para a realização do certame, a designação do Pregoeiro e da equipe de apoio, a abertura da competição, estabelecer o objeto a ser licitado e os critérios de escolha das propostas, a habilitação dos competidores, as sanções pelo inadimplemento, decidir recursos, impugnar o edital, homologar os resultados e pela celebração do contrato. Conforme Tolosa Filho (2009), o administrador público no exercício de suas funções define, a conveniência e a oportunidade, a justificativa da contratação e o objeto a ser contratado. O objeto deve estar definido no artigo 1º, parágrafo único da Lei nº 10.520/2002. Após se elucidar o objeto a ser licitado, serão fixadas as exigências para a habilitação, determinando as condições de pagamento, bem como a forma de execução do contrato e os parâmetros de qualidade e desempenho. Além das cláusulas contratuais, na fase interna se fixará o preço médio, colhido através de planilhas, ministradas por outros fornecedores, no qual consta detalhadamente o orçamento composto dos custos dos insumos, valores individuais de cada serviço e encargos incidentes. Nos termos do artigo 38 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração”. O processo licitatório, consoante a legislação, deverá ser acompanhado pela área de apoio jurídico da entidade ou órgão ou pela Procuradoria, para que se verifique a legalidade do edital. É essencial que o corpo jurídico pondere as minutas do contrato e do edital, a fim de sanar falhas eventuais cometidas, evitando-se que a licitação seja frustrada posteriormente. Ao fim desta fase, ocorrerá a designação do pregoeiro e da equipe de apoio, que jugará, no processo licitatório, as propostas e documentos de habilitação dos licitantes. A indicação do pregoeiro deverá ser realizada por ato administrativo interno ou por portaria da entidade ou órgão, documento este que será juntado ao processo licitatório. 2.5.3. Fase Operacional ou Externa do Pregão A fase operacional do pregão inicia-se com a convocação dos potenciais licitantes, através do aviso do edital, onde a sociedade toma conhecimento do processo licitatório a ser realizado pela Administração Pública. O aviso do edital, nas palavras de Tolosa Filho (2009), deverá conter: identificação do órgão ou entidade, o objeto, a data prevista para encerramento e abertura dos envelopes, local no qual o edital poderá ser adquirido e demais informações julgadas necessárias. Este aviso deverá ser publicado no Diário Oficial e em jornal de grande circulação. O prazo para a publicação do edital não poderá ser inferior a oito dias úteis, contados da data de publicação, excluindo-se o dia da publicação e incluindo-se o dia do vencimento. Publicado o edital, os licitantes terão o direito de apontar eventuais vícios e discordar do mesmo, podendo impugná-lo ou requerer esclarecimentos. Ademais, qualquer cidadão poderá impugnar o edital, todavia o prazo destes para promover tal ato serão de cinco dias úteis, enquanto o dos licitantes serão de dois dias úteis anteriores a abertura da licitação. A etapa competitiva transcorre durante a sessão pública do pregão, que consiste no recebimento da documentação de habilitação e das propostas escritas obedecendo as sequências dos procedimentos descritas pelo MPOG (Mistério do Planejamento, Orçamento e Gestão): 1) Credenciamento: no dia, hora e local os potenciais licitantes deverão se identificar e comprovar que possuem poderes para a formulação de lances para a participação no pregão. 2) Recebimento dos envelopes: verificadas as credenciais de todos os presentes, o pregoeiro iniciará a sessão, sendo recebido, neste momento, os envelopes de documentação e propostas dos participantes. 3) Abertura das propostas: após a entrega dos envelopes, serão assinados pelo pregoeiro, equipe de apoio e participantes. Depois de abertos serão verificadas se as propostas estão de acordo com os requisitos estabelecidos no edital. 4) Classificação dos Licitantes de Melhor Oferta: o pregoeiro realizará a leitura de todas as propostas, classificando no máximo as 3 (três) melhores ofertas para a disputa de lances verbais. 5) Lances Verbais: a formulação das propostas verbais necessariamente deve observar preços de valor decrescente às propostas por escrito de menor valor. Na ausência de lances verbais, não impedem a continuação da sessão para a etapa de classificação e julgamento, neste caso vale as ofertas escritas. 6) Julgamento e Classificação Final: finalizada a apresentação dos lances verbais, o pregoeiro passa ao julgamento da proposta de menor preço. A proposta será então examinada em relação a sua aceitabilidade, se o valor está dentro do estimado pela administração, podendo o pregoeiro negociar se caso não for. 7) Abertura dos documentos: depois de finalizada a etapa de proposta de preço, irá ocorrer a abertura do envelope que contém a documentação de habilitação do vencedor do certame. Pregoeiro e equipe de apoio verificarão se todos os documentos apresentados estão dentro do prazo de validade e se estão de acordo com que foi solicitado no edital. 8) Habilitação: caso os documentos do vencedor estiverem todos dentro do que foi pedido no edital ele será declarado habilitado, caso contrário ocorrerá sua inabilitação, sendo examinado os documentos do segundo colocado, e assim sucessivamente até o licitante que atender as exigências de habilitação. 9) Indicação do vencedor: será declarado vencedor aquele que apresentar a proposta classificada de menor preço e que tenha sido habilitado. 10) Recursos: existindo a intenção de interpor recurso, o licitante deverá manifestá-la imediatamente após declarado o vencedor, só nesse momento poderá fazer. O pregoeiro avaliará o motivo e pode aceitar o não, admitindo o recurso o licitante tem o prazo de 3 (três) dias para apresentar o recurso por escrito, que será disponibilizado aos demais participantes, que poderão apresentar as contra-razões em até 3(dias) contados do término do prazo recorrente. 11) Adjudicação e Homologação: a adjudicação do licitante, será realizado pelo pregoeiro, ao final da sessão, se não houver recursos. No caso de recursos pela autoridade competente, depois de transcorridos os prazos. A homologação é responsabilidade da autoridade competente. 2.5.4. O Pregão na modalidade Presencial O pregão presencial se inicia com a abertura da sessão, lugar onde serão apresentados ao Pregoeiro os envelopes de capacitação e de propostas, conforme prescrito no edital, comprovando-se assim a capacitação dos interessados, permitindo-os a faculdade de formular lances orais e participar de outras ações do certame. Ao fim desta fase, irá ocorrer a abertura dos envelopes pelo Pregoeiro, verificando-se a conformidade destes com as normas estabelecidas no edital. Com o perpassar da sessão, o ofertante da menor proposta juntamente com os autores das propostas de até 10% (dez por cento) superiores àquela irão poder realizar novos lances orais e sucessivos, até que seja divulgado o vencedor. Todavia, inexistindo no mínimo 3 (três) propostas nesta categoria, os autores das melhores propostas, poderão até o limite de 3 (três), realizar novas ofertas verbais e sucessivas, independentemente de quais os valores apresentados. O pregoeiro, ao final da etapa anterior e realizada as ofertas, irá abrir o envelope do licitante da maior proposta, observando as suas informações de capacitação e irá averiguar o atendimento dos preceitos estabelecidos no edital. Atendidas as exigências, o licitante será anunciado como o vencedor do pregão. Podendo, neste momento, qualquer licitante de forma motivada interpor recurso administrativo. No entanto, com a inexistência de recurso pelos licitantes não vencedores, irá decair o seu direito de manifestar e ocorrerá a concessão do objeto licitado pelo pregoeiro a aquele que venceu o certame. 2.5.5. O Pregão na modalidade Eletrônica O pregão na modalidade eletrônica foi disciplinado pelo Decreto Federal nº 3.697, de 21 de dezembro de 2000, sendo aceito pelos Estados e Municípios com o advento da Lei nº 10.520/2002, onde dispôs sua utilização através de recursos de tecnologia de informação. Esta modalidade licitatória ocorrerá via internet, dispensando a presença de sessões solenes e envelopes de propostas e habilitação, inexistindo desta forma lances orais. Além disso, este sistema utilizará um recurso de autenticação e criptografia, como forma de segurança ao certame. O aviso e o edital de licitação apresentarão a data e hora do pregão, bem como informar sua realização via sistema eletrônico, estando descrito neste um endereço eletrônico, que será onde irá ocorrer a sessão pública. Os participantes por sua vez, possuirão uma senha particular e encaminharão suas propostas no endereço informado, respeitando as informações do edital. A sessão do pregão eletrônico será iniciada no horário preestabelecido no edital, onde os licitantes somente enviarão propostas por meio eletrônico, tendo oportunidades de realizar novos lances, sucessivos e inferiores, observando as regras do edital, não podendo ser aceito duas ou mais ofertas no mesmo valor, prevalecendo aquela auferida primeira pelo sistema. Ademais, os licitantes devem ser avisados, em tempo real, sobre a proposta registrada no sistema de menor lance, sendo vedada a identificação do autor da oferta. O pregoeiro anunciará o licitante vencedor após o termino da sessão pública, que se dá por meio de um aviso de fechamento, enviado pelo sistema aos licitantes, após o prazo regulamentado no edital. Ocasionalmente, o anúncio do vencedor poderá se dar após a decisão do pregoeiro a respeito da validação da proposta mais baixa, todavia, se o lance de menor valor não for aceito, será verificada a oferta subsequente, onde se examinará sua aceitabilidade e será realizada sua habilitação. Os recursos, entretanto, no intuito de acelerar o procedimento, serão realizados por meio eletrônico, em formulários próprios concedidos pelo sistema. O licitante será proferido como vencedor após o acolhimento das exigências estabelecidas no edital, onde lhe será conferido o objeto do certame. 3.     CONCLUSÃO O pregão modificou as licitações públicas brasileiras, posto que trouxe várias inovações que desencadearam celeridade ao processo administrativo com a inversão das fases, habilitando apenas o licitante vencedor, além de agilizar a etapa de recursos contra o certame. Ademais, a modalidade eletrônica do pregão, propiciou que licitantes de todo o território nacional participassem dos processos licitatórios, amplificando a competitividades dos competidores e ampliando as oportunidades para que um maior número de empresas participe destes processos. Outrossim, além do aumento da competividade, o pregão viabiliza uma melhor transparência, visto que qualquer pessoa poderá averiguar o certame com um simples acesso à internet. Outro aspecto relevante da modalidade em estudo é a economia proporcionada aos cofres públicos, uma vez que através das ofertas, torna-se possível obter serviços e produtos de boa qualidade por custos atraentes à Administração Pública. Nesse sentido, vale ressaltar a título ilustrativo, conforme dados retirados do sítio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no período de janeiro a dezembro de 2014, a modalidade Pregão Eletrônico foi utilizada em cerca de 33.800 processos de compras, totalizando um dispêndio de R$ 37,8 bilhões nas contratações de bens e serviços comuns. Ademais, com base nessas informações, foi constatada uma economia de aproximadamente 18% (R$ 7,9 bilhões) aos erários públicos quando empregada esta modalidade licitatória. Para que um processo licitatório se suceda de forma satisfatória é indispensável que este seja conduzido, em todas as etapas do certame, por um servidor que se adeque aos princípios da Administração Pública do Brasil. Além disto, é necessário que os envolvidos neste processo sejam capacitados, a fim de realizarem corretamente as atividades do processo, sempre pautados nas na legislação que regula as licitações. Destarte, infere-se que o pregão é muito interessante aos órgãos administrativos que pretendem realizar um processo licitatório, já que é possível escolher a proposta mais benéfica à Administração Pública, além de proporcionar fugacidade ao processo, economia aos erários públicos e uma maior eficiência nas contratações.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-pregao-como-instrumento-de-celeridade-e-eficiencia-nas-contratacoes-publicas/
Dispensa médica, atestado médico de 01 (um) dia na PMGO
O tema é bastante polêmico, em que de um lado existe a dispensa ao serviço amparada por prescrição médica e onde existem policiais militares que utilizam atestados médicos para se esquivar de suas obrigações, principalmente os discriminados atestados médicos de 01 (um) dia.
Direito Administrativo
Introdução O artigo trata de tema a é bastante polêmico na Polícia Militar do Estado de Goiás, onde de um lado existe a dispensa ao serviço amparada por prescrição médica e outro onde servidores utilizam atestados médicos para se esquivar de suas obrigações, principalmente os atestados médicos de 01 (um) dia. Ocorre que o atestado médico é um direito do servidor militar conforme estabelece o Estatuto, no entanto, se o servidor utiliza esse direito em dolo e má-fé para ser esquivar de suas obrigações, cabe a administração pública através dos mecanismos legais provar esse uso irregular do direito e tomar as medidas legais contra o servidor e o médico. 1. Do direito a dispensa do serviço Nos termos da Lei nº 08.033/75, que trata do Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás, no Capítulo V, das Recompensas e das Dispensas do Serviço, o art. 132, estabelece que: “Art. 132 – As dispensas de serviço podem ser concedidas aos Policiais-Militares: I – como recompensa; II – para desconto em férias; e III – em decorrência de prescrição médica. Parágrafo Único – As dispensas de serviço serão concedidas com a remuneração integral e computadas como tempo de efetivo serviço”. Conforme ratifica a Lei, a dispensa de serviço pode ser concedida ao Policial Militar, em três situações, no inciso III, em decorrência de prescrição médica, com ressalva do parágrafo único, que essa dispensa será concedida com a remuneração integral e computada como tempo de efetivo serviço, ou seja, sem prejuízo ao militar convalescente de reposição da ausência ao trabalho, amparado por atestado médico. 2. Do afastamento do serviço O art. 131, do Estatuto, estabelece que: “As dispensas do serviço são autorizações concedidas aos Policiais-Militares para afastamento total do serviço, em caráter temporário. ”, desta forma fica evidente que quando afastado em uma das situações do art. 132 o militar está autorizado a se afastar do serviço, sem qualquer prejuízo em sua folga, carreira ou qualquer outro direito. Temos, ainda, a Portaria nº 764/10, em seu art. 34, I, que: “o comandante imediato do policial militar não poderá desconsiderar atestado médico; ”, pode, ainda, homologa-lo nos 03 (três) primeiros dias, na falta de médico na OPM (art. 34, II). Com a previsão do art. 34, III da Portaria nº 764/10, em caso de dúvida no atestado o comandante encaminhará (ordem) o atestado e o PM para serem analisado e homologado. Assim, mesmo não podendo desconsiderar o atestado médico, nada impede que o comandante diligencie para verificar a veracidade e legitimidade deste, principalmente quando relativo a 01 (um) dia, causador de muita polêmica na Corporação, vez que pode o militar agraciado com o citado atestado médico ter utilizado de algum subterfugio para consegui-lo através de simulação, falsidade, falsificação ou qualquer outro artificio, há ainda, previsão do art. 34, III da Portaria nº 764/10, em caso de dúvida no atestado o comandante encaminhará (ordem) o atestado e o PM para serem analisado e homologado pelo médico mais próximo, onde o profissional poderá autenticar ou invalidar o atestado. Confirmada a irregularidade deve ser a conduta apurada e os envolvidos, tanto o servidor quanto o médico, serem responsabilizados, conforme o caso concreto. Conforme a disposição legal, não pode o atestado ser desconsiderado, mas pode ser questionado, tanto no aspecto formal (requisitos legais de validade) quanto material (a moléstia propriamente dita). Desta forma não há que se falar que o policial militar que deixa de cumprir sua escala de serviço amparado por atestado médico, que seja de 01 (um) dia, não fará jus a sua folga, ou, deve comparecer a unidade para cumprir outra escala em compensação aquela que faltou, vez que se encontrava dispensado do serviço, conforme estabelece a Lei, com a remuneração integral e computadas como tempo de efetivo serviço, ou seja, foi dispensado, teve sua falta abonada. Como demonstrado, cabe a Administração Pública, provar que o atestado foi emitido com má-fé, simulação de doença, falso, falsificado ou qualquer outra situação que enseje pratica de crime ou transgressão disciplinar, resguardados seus direitos e garantias legais quando não demonstrada qualquer pratica irregular ou ilícita. 3. Da ausência ao trabalho Como exposto, o presente regramento é estabelecido em Lei, desta forma não pode nenhum outro ato ser contrário à sua disposição legal, ou seja, o policial militar amparado por atestado médico (que seja de 01 dia) está autorizado a afastar-se do serviço, com remuneração integral e computado como tempo de efetivo serviço. Assim, por ser lei, nenhum outro ato administrativo lhe pode ser contrário, sob pena de abuso, por legislar por portaria ou qualquer outro ato inócuo, vez que a lei é a vontade do povo manifestada através de seus representantes eleitos e somente por estes ou por ato do chefe do poderá ser regulamentada, sob pena de nulidade. Desta forma qualquer ato de Autoridade Administrativa é inócuo, conforme a Portaria nº 2550/12 que define a Jornada de Trabalho e a carga horária dos Policiais Militares, onde em seu art. 2º, onde demonstra que existem períodos de descanso e a folga regulamentar, determinando que o PM que deixar de cumprir a sua escala não fara jus a sua folga, o que não se aplica no caso de atestado médico, respeitado ainda o período de 72 horas para homologação (Portaria nº 764/10 art. 34, V). Determina a Portaria nº 2550/12, litteris: “Art. 2º – A Jornada de Trabalho corresponde a toda e qualquer carga horária de trabalho diário, formalizada para fins de execução dos serviços operacionais ou administrativos da PMGO, dos quais decorrem o período de descanso e a correspondente folga regulamentar. §1º – Para o emprego operacional e administrativo do policial militar, em situações normais fica definida a jornada de 42 (quarenta e duas) horas semanais. §2º – O policial militar empregado no serviço de teleatendimento, cumprirá jornada de, no máximo, 6 (seis) horas, podendo ser empregado em outra atividade, a fim de se cumprir sua carga-horária. §3º – O policial militar que deixar de cumprir sua escala de serviço integralmente não fará jus à folga relativa à mesma. §4º- Em caso de falta ao serviço, o policial militar deverá se apresentar ao seu Comandante imediato posteriormente ao dia em que faltou ao serviço, ou para a próxima escala, dependendo do que ocorrer primeiro. §5º – O faltoso deverá apresentar as razões pelas quais deixou de comparecer ao serviço, ficando a cargo de seu comandante imediato, analisar o caso e, se necessário, determinar a apuração dos fatos.” Negritei. Desta forma, a previsão da presente Portaria não se aplica aos atestados médicos, sob pena de abuso de poder e autoridade, improbidade administrativa, sem prejuízo de transgressão disciplinar pelo Superior Hierárquico do Militar, que determinar qualquer ordem contrária ao dispositivo legal. 4. Da homologação do atestado Como já comentado anteriormente, a Portaria nº 764/10, aprova as normas para inspeções de saúde na Polícia Militar de Goiás, trata nos art. 34 e 35 das licenças e atestados médicos, verbis: “Art. 34. A licença para tratamento da saúde própria do PM obedecerá aos seguintes critérios: I. o comandante imediato do policial militar não poderá desconsiderar atestado médico; II. os 3 (três) primeiros dias de licença médica poderão ser homologados pelo comandante da unidade, na falta de médico na OPM; III. em caso de dúvida, o comandante encaminhará o atestado e o PM para a unidade mais próxima provida de médico, para ser analisado e homologado; IV. internado ou com incapacidade de locomoção, casos estes em que deverá ser oficiado pelo comandante da OPM; V. o prazo máximo para a apresentação do policial militar ao oficial médico encarregado da homologação será de 72 (setenta e duas) horas, ou o primeiro dia útil após o vencimento deste período, quando a conclusão do prazo recair em dia não útil; VI. os documentos médicos e hospitalares, só serão considerados quando em papel timbrado, sem rasuras, constando a cid-10 (classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde) da enfermidade em questão, com carimbo, CRM e assinatura do médico; VII. após homologação dos três primeiros dias, se houver necessidade de prorrogação ou novo atestado no mês em curso, o PM deverá ser encaminhado ao médico da OPM mais próxima ou a JCS; VIII. após o 30º (trigésimo) dia de licença médica, o PM deverá ser encaminhado mediante oficio à JCS para homologação de novo atestado, constando também as informações do formulário reservado (anexo V). IX. a enfermidade deverá ser comprovada através de exames complementares (rx, exames de laboratório e etc), a critério do médico encarregado da homologação; X. nos casos de internação para tratamento clínico ou cirúrgico, o policial militar deverá anexar ao atestado a declaração fornecida pelo hospital ou clínica informando a data da internação e da alta hospitalar devidamente assinada. Art. 35. a licença para tratamento de pessoa da família será concedida pela JCS quando a pessoa enferma necessitar de ajuda de terceiros para sua higiene e alimentação e não existir outro membro da família em condições de prestar tal assistência. § 1º para fins de concessão da licença de que trata o caput deste artigo, entende-se por pessoa da família, o pai, a mãe, os filhos, a esposa (o) ou companheira (o). § 2º a licença de que trata este artigo será concedida por período não superior a 08 (oito) dias, podendo ser prorrogada em casos excepcionais, devidamente comprovados através de: I. exames complementares; II. relatório do médico assistente; III. relatório de visita de assistência social ou de um oficial médico ao doente.” Quanto a legislação que trata das licenças e atestados médicos, temos que no art. 34, I: “o comandante imediato do policial militar não poderá desconsiderar atestado médico; ” e ainda, pode na falta de médico na OPM homologar os 03 (três) primeiros dias de atestado (art. 34, II) e em caso de dúvida no atestado o comandante encaminhará (ordem) o atestado e o PM para serem analisado e homologado (art. 34, III). Há ressalva no inciso VII, que com a necessidade de prorrogação ou novo atestado após a homologação dos 03 primeiros dias, o PM deverá ser encaminhado ao médico da OPM ou a JCS. Quando o PM após o trigésimo dia de licença medica (art. 34, VIII), deverá ser encaminhado mediante oficio a JCS, para homologação de novo atestado. Desta forma o período anterior aos 30 dias é homologado pelo médico do trabalho, ultrapassado o prazo de 30 dias este deve ser encaminhado a JCS, contando informações do formulário reservado do anexo V.  Onde a enfermidade deverá ser comprovada através de exames complementares (art. 34, IX) por raios x, exames de laboratório, etc. ficando estes a critério do encarregado da homologação e ainda nos casos de internação para tratamento clinico ou cirúrgico deverá ser anexado ao atestado declaração do hospital ou clinica informando a data da internação e da alta hospitalar (art. 34, X). Estando o militar internado ou incapacitado de locomoção, tal condição deverá ser oficiada pelo seu comandante (art. 34, IV). O regramento estabelece ainda no art. 34, V, que o PM enfermo terá o prazo máximo de 72 horas para apresentação ao Oficial Médico (ou Comandante) para homologação de seu atestado, ou primeiro dia útil após o vencimento deste período, quando a conclusão do prazo recair em dia não útil. Desta forma o inciso V, não deixa qualquer dúvida que o militar tem 72 horas para apresentar o seu atestado médico, entendo que prazo este após o vencimento do atestado (primeiro dia útil após o vencimento deste período), mesmo que seja de um dia, ele tem o lapso de 72 horas para homologar a dispensa do serviço, sem qualquer tipo de retaliação. Já o art. VI, define requisitos que serão considerados os documentos médicos e hospitalares apresentados devendo: 1) em papel timbrado; 2) sem rasuras; 3) constar CID-10; 4) carimbo, CRM e assinatura do médico; tais exigências remete a Resolução do CFM, sendo: RESOLUÇÃO CFM n.º 1.658/2002 “Art. 3º Na elaboração do atestado médico, o médico assistente observará os seguintes procedimentos: I – especificar o tempo concedido de dispensa à atividade, necessário para a recuperação do paciente; II – estabelecer o diagnóstico, quando expressamente autorizado pelo paciente; III – registrar os dados de maneira legível; IV – identificar-se como emissor, mediante assinatura e carimbo ou número de registro no Conselho Regional de Medicina.” 4.1. Licença para tratamento de pessoa da família No intuito de esgotar o tema, o Policial Militar pode ainda ter licença para afastar-se totalmente do serviço em caráter temporário para tratamento de saúde de pessoa da família ou saúde própria, nos termos do art. 64, § 1º, do Estatuto:  “Art. 64 – Licença é a autorização para o afastamento total do serviço, em caráter temporário concedida ao Policial-Militar, obedecidas as disposições legais e regulamentares. § 1º – A licença pode ser: I – especial; II – para tratar de interesse particular; III – para tratamento de saúde de pessoa da família; e IV – para tratamento de saúde própria. V – à gestante, por 180 (cento e oitenta) dias, mediante inspeção médica; VI – maternidade de 180 (cento e oitenta) dias à adotante ou à que obtenha a guarda judicial de criança de até 1 (um) ano de idade, mediante apresentação de documento oficial comprobatório da adoção ou da guarda.” A Portaria nº 764/10, no art. 35 da licença para tratamento de saúde de pessoa da família: “Art. 35 a licença para tratamento de pessoa da família será concedida pela JCS quando a pessoa enferma necessitar de ajuda de terceiros para sua higiene e alimentação e não existir outro membro da família em condições de prestar tal assistência. § 1º para fins de concessão da licença de que trata o caput deste artigo, entende-se por pessoa da família, o pai, a mãe, os filhos, a esposa (o) ou companheira (o). § 2º a licença de que trata este artigo será concedida por período não superior a 08 (oito) dias, podendo ser prorrogada em casos excepcionais, devidamente comprovados através de: I. exames complementares; II. relatório do médico assistente; III. relatório de visita de assistência social ou de um oficial médico ao doente.” Devido à falta de informação é comum o militar imaginar que o acompanhamento de familiares é automático, ou seja, basta apresentar o atestado médico para lhe ser garantido o abono de faltas ao trabalho sem prejuízo de sua remuneração, o que somente acontece quando é concedida pela JCS após a solicitação do interessado (Portaria nº 764/10, art. 35), isso quando a pessoa enferma necessitar de ajuda de terceiros para sua higiene e alimentação, sendo estendida ao pai, mãe, filhos, esposa ou companheira (Portaria nº 764/10, art. 35, § 1º). No entanto, há ressalva a esse direito, vez que ultrapassado o prazo de 01 (um) ano para tratamento de saúde própria ou de 06 (seis) meses contínuos para tratamento de pessoa da família o militar é agregado, nos termos do Estatuto no art. 75, § 1º, III, “c” e “e”, ipsis litteris: “Art. 75 – A agregação é a situação na qual o Policial-Militar da ativa deixa de ocupar vaga na escala hierárquica do seu Quadro, nela permanecendo sem número. § 1º – O Policial-Militar deve ser agregado quando: III – for afastado temporariamente do serviço ativo por motivo de: c) haver ultrapassado um (1) ano contínuo de licença para tratamento de saúde própria; e) haver ultrapassado seis (6) meses contínuos em licença para tratamento de saúde de pessoa da família;” 5. Da irregularidade na apresentação do atestado Diante do exposto o Policial Militar que apresenta atestado médico por meio de algum subterfugio de simulação de doença, falsidade, falsificação ou qualquer outro artificio, incorre tanto em crime quanto em transgressão disciplinar, responsabilidade estendida ao médico, quando da participação deste, quanto ao crime e violação do Código de Ética Médica, podendo incorrer nos crimes militares. 5.1. Quanto aos crimes militares: “Falsificação de documento Art. 311. Falsificar, no todo ou em parte, documento público ou particular, ou alterar documento verdadeiro, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar: Falsidade ideológica Art. 312. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, desde que o fato atente contra a administração ou o serviço militar: Certidão ou atestado ideologicamente falso Art. 314. Atestar ou certificar falsamente, em razão de função, ou profissão, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo, pôsto ou função, ou isenção de ônus ou de serviço, ou qualquer outra vantagem, desde que o fato atente contra a administração ou serviço militar: Uso de documento falso Art. 315. Fazer uso de qualquer dos documentos falsificados ou alterados por outrem, a que se referem os artigos anteriores:” 5.2. Quanto as transgressões disciplinares: “42. prestar informação a superior induzindo-o a erro, deliberada ou intencionalmente; 37. deixar de comunicar, em tempo, à autoridade imediatamente superior, a impossibilidade de comparecer à OPM , ou a qualquer ato de serviço; 62. faltar com a verdade; 77. simular doença para esquivar-se ao cumprimento de qualquer dever militar;” 5.3. Quanto ao Código de Ética Médica: “Capítulo III RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL É vedado ao médico: Art. 11. Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegível, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos. DOCUMENTOS MÉDICOS É vedado ao médico: Art. 80. Expedir documento médico sem ter praticado ato profissional que o justifique, que seja tendencioso ou que não corresponda à verdade. Art. 81. Atestar como forma de obter vantagens.” Conclusão: O tema atestado médico gera sempre grande polêmica na Corporação, devido a utilização indevida desse direito por alguns servidores, mas a grande discussão paira em torno do atestado de 01 (um) dia, o que não deve gerar qualquer polêmica, vez que é um direito do servidor. O próprio texto legal não deixa dúvida, o art. 131, do Estatuto, estabelece que: “As dispensas do serviço são autorizações concedidas aos Policiais-Militares para afastamento total do serviço, em caráter temporário.”, desta forma fica evidente que quando afastado em uma das situações do art. 132 o militar está autorizado a se afastar do serviço, sem qualquer prejuízo em sua folga, carreira ou qualquer outro direito. É claro que nenhum direito é absoluto, pois em caso de qualquer suspeita de validade do atestado médico, cabe ao Comandante ou o médico responsável pela homologação verificar sua veracidade e legitimidade, promovendo diligencias junto ao médico que o expediu a confirmação de sua validade,  onde pode o militar agraciado com o atestado médico ter utilizado de algum subterfugio para consegui-lo através de simulação, falsidade, falsificação ou qualquer outro artificio, devendo tanto o servidor quanto o médico serem responsabilizados, quando incorrerem em alguma irregularidade. Assim, mesmo não podendo desconsiderar o atestado médico, nada impede que o comandante diligencie para verificar a veracidade e legitimidade do atestado médico, principalmente os relativos a 01 (um) dia. No entanto, a falta do servidor, atestada por médico, é dispensa do serviço, não é passível de reposição ou qualquer outra retaliação, vez que o militar se encontra dispensado do Serviço Policial Militar (SPM), cabendo somente prova em contrário de sua veracidade e legitimidade que deve ser apurada e provada quando na dúvida de sua autenticidade.
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Uma abordagem dos métodos aplicáveis de gestão na administração pública
A Administração Pública realiza a gestão de diversas áreas da sociedade e presta serviços que visam às necessidades coletivas. O processo contínuo de mudanças no ambiente competitivo e a era do conhecimento exigem o aperfeiçoamento nos métodos de gestão. Este estudo de caráter exploratório, realizado por meio de pesquisa bibliográfica, visa apontar algumas das limitações e viabilidades nos modelos apresentados de Gestão Pública. Assim, objetiva alternativas estratégicas adaptadas a Administração Pública que propicie excelências em seus resultados no contexto dos interesses dos cidadãos.
Direito Administrativo
Introdução Este artigo inicia abordando sobre a importância das leis e decretos que foram instituídos e adaptados às diretrizes da Administração Pública Brasileira visando melhorias no setor público, bem como identificar alguns desafios associados à gestão e métodos utilizados para melhor atender as necessidades da sociedade. Na era da informação onde o conhecimento e a dinâmica de relacionamentos nas organizações são valorizados, busca-se identificar: O Porquê a Administração Pública continua tendo dificuldades em gerenciar? A nova era do conhecimento com grande volume de informações exige novas posturas gerenciais, e em razão disto, é necessário aprofundamento no assunto para entendermos sobre os modelos de gestão existentes. Através de um estudo de caráter exploratório realizado por intermédio de pesquisa bibliográfica, utilizamos de artigos, livros, estudos de casos e vídeos que abordam sobre a gestão no setor público. Para se equiparar as inovações do ambiente corporativo e encontrar a excelência, a Administração Pública vem readaptando e aprimorando seus modelos estratégicos de gestão e este artigo abordará diversas aplicações práticas ocorridas no setor público que vem trazendo benefícios e mudanças positivas. 1. Uma Abordagem dos Métodos Aplicáveis de gestão na Administração Pública A Administração Pública é um conjunto de órgãos públicos que realizam serviços a fim de satisfazer as necessidades da sociedade e, para garantir os direitos fundamentais, previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, há descrito legislações e normas específicas que devem ser observadas e respeitadas. Considerando que o Estado é pessoa jurídica e que, como tal, não dispõe de vontade própria, ele atua por meio de pessoas físicas, a saber, os agentes públicos, que são investidos nos cargos para exercerem as suas respectivas funções visando à satisfação coletiva (Di Pietro, 2004, p. 425). Assim, quando está agindo em nome do Poder Público, exerce suas atribuições que englobam gerenciar, controlar, executar tarefas e processos dentro da Administração Pública. Logo, para o controle de suas atividades administrativas, bem como devido às exigências para que o atendimento da população alcance melhores resultados, tanto na Administração Pública Direta e Indireta foram criados os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência conforme preceitua  no Art. 37º da Constituição de 1988. A trajetória de reformas no Estado mostram os esforços para adaptar os complexos processos organizacionais às novas eras: Nos anos 80, temos a globalização com novas tecnologias; no final do século XX, a Reforma Gerencial do Estado Brasileiro buscava tornar os processos mais eficientes e transformar-se em um Estado Social; no ano 2000, o Programa Avança Brasil e a Gestão Pública Empreendedora são mudanças para nova cultura gerencial que valorizam o ser humano como ativo principal da organização. Essas transformações e conjuntos de ideias ficaram mais tarde conhecidos como A Nova Administração Pública (NAP) e promoveram transformações que exigiram novos modelos de gestão estratégica. Nesta linha, temos criações de decretos e emendas que descentralizam e aumentam a qualificação dos serviços prestados aos cidadãos, um exemplo é o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização- GesPública (Decreto 5.378, de 23/02/2005) que tem como propósito a melhoria da qualidade dos serviços públicos prestados e o aumento da competitividade do País. O tema Gestão Pública ganha relevância com o advento desta política pública que permite avaliar o grau de maturidade das organizações públicas e, auxiliar na formulação e implementação de medidas para a gestão. Muitas organizações possuem pouco conhecimento, domínio e experiência de todas as variáveis  que as cercam, como o meio ambiente é extremamente complexo e abrangente com seus recursos (humanos, materiais, financeiros, tecnológicos, sociais e mercadológicos), muitas vezes há dificuldades para entender, conhecer e exaurir sua complexidade (Rezende, 2015, p. 77). Para tanto, é importante a Administração Pública ter como primordial uma gestão direcionada a um processo sistemático e planejado que envolve e compromete as pessoas, isso assegura o crescimento, a continuidade e a sobrevivência da mesma. Em 2005, o Modelo de Excelência de Gestão Pública, que avalia o nível de desenvolvimento e desempenho bem como planeja melhorias, foi aplicado ao Núcleo Setorial Saneamento junto às organizações do Setor Saneamento Ambiental e, para Correa (2009, p.7) a experiência tem mostrado relevante contribuição e consolidação como serviço público de qualidade aos cidadãos, a satisfação de seus servidores e usuários agrega valor positivo junto à sociedade. Diversos métodos são estudados a fim de direcionar a elaboração de um planejamento estratégico mais eficiente, o autor Denis (2015) indica utilizar o Balanced Scorecard (BSC) que pode auxiliar no sistema de gestão permitindo elaborar, divulgar e gerir as estratégias e os objetivos da organização. Este método atrelado a técnica SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) faz possível destacar os pontos fortes e fracos através do mapeamento das forças e fraquezas, ameaças e oportunidades. As pessoas são importantes no sucesso das organizações, com isso, o setor de Recursos Humanos busca executar ações que as valorizem. A fim de analisar essas práticas adotadas, como exemplo, na Secretaria Municipal de Saúde de Bramado/BA, Vieira (2015) realizou um estudo de caso utilizando-se do método Gestão Estratégica de Pessoas (GEP), este busca ligar a Gestão de Pessoas com as estratégias da organização, ou seja, tornar o recurso humano produtivo, estratégico e relacionado com o sistema organizacional. Mesmo assim, seus resultados através da pesquisa de campo e da coleta de dados mostram dificuldades do servidor público na realização de suas atividades pois, o sistema organizacional não estrutura programas ou adota ferramentas, métodos ou práticas de GEP, o “setor de RH padroniza-se com as mesmas técnicas e práticas de gestão, não incorporando novas políticas de recrutamento, seleção, desenvolvimento de pessoas, avaliação de desempenho, entre outros” (Vieira, 2015, p. 94). Quando a alta administração propicia condições e motiva a todos, os interesses se tornam comuns, porém, diversas iniciativas que foram regulamentadas pela Administração Pública a fim de garantir uma gestão nos mesmos moldes de excelência de organizações privadas sofreram limitadores e, a influência dos interesses políticos por grupos/partidos com o objetivo de não prestigiar gestões anteriores do governo, faz com que se abandonem projetos considerados importantes que atendem a demanda da população (professora Simone Guisi, em entrevista ao Programa Conexão Pública). O desperdício de recursos públicos e esmorecimento tanto dos agentes como da população é causada pela descontinuidade política e administrativa na esfera governamental, ou seja, a alta rotatividade de gestores. Os novos modelos de gestão inseridos na Administração Pública beneficiam na qualidade dos serviços prestados. Reformular e modernizar procedimentos com gestores, que compactuam e compartilham uma mesma visão estratégica, sensibiliza os agentes públicos para uma perspectiva de crescimento, mas esse processo deve ser implementado a partir da contratação, o autor Chiavenato (2008) critica que a Legislação que regula as relações de trabalho no setor público é inadequada, com critérios de seleção e contratação rígidos. As organizações públicas ainda desconhecem ou abandonam importantes mecanismos gerenciais que diferenciam cada categoria funcional e cada servidor de acordo com sua competência, desempenho individual e ganhos de produtividade (Torres, 2004, p. 167). Para muitas carreiras não há critérios de ascensão definidos ou com reconhecimentos das competências individuais. É preciso rever o tradicionalismo, a Gestão Pública continua a ser vista como burocrática e ineficiente, logo, para alinhar e integrar os profissionais aos objetivos organizacionais é importante saber realizar a gestão. O autor Cesar (2012) define a gestão ao ato de gerir, administrar, gerenciar processos e pessoas. Para melhores resultados é crucial coordenar recursos, introduzir técnicas gerenciais contínuas e inovar. Segundo Denis (2015, p. 71) a inovação é como fazer “diferente com valor agregado, sem ser necessariamente novo”. As práticas inovadoras de Gestão Pública bem como novos modelos, contemplam fases que podem reconhecer problemas ou necessidades e oferecer oportunidades. A administração estratégica com planejamento coerente de preparação de planos, programas e projetos básicos e específicos que perceba as mudanças do ambiente está menos suscetível a falhas. Somente com o desenvolvimento de técnicas e a formulação de programas administrativos não é suficiente, é preciso estratégia, cooperação, participação e a elaboração de novos modelos administrativos que atendam as especificidades do setor público, com técnicas de gestão adequadas. A Administração Pública está em processo constante de reinvenção, e imitar modelos padronizados privados não atendem as demandas das peculiaridades públicas. À vista disso, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2012, publicou o livro: Modelo de Gestão do Conhecimento para a Administração Pública Brasileira (MGCAPB) do autor e pesquisador Fábio Ferreira Batista; foi constatado através de pesquisas do próprio autor, em 2005, que as organizações públicas do Brasil não contavam com um modelo de gestão de conhecimento (GC) genérico, holístico, com foco nos resultados e específicos para a Administração Pública (2012, p. 8 e 10). A obra propõe mudanças no padrão das políticas públicas e a construção de novas formas de gestão pública através de seu modelo e manual de implementação do plano de GC fragmentado em 4 etapas: diagnosticar, planejar, desenvolver e implementar. Porém estas etapas devem estar alinhadas ou integradas aos processos de apoio e finalísticos da organização, planejar e executar as atividades de acordo com as especificidades de cada processo e da organização poderá gerar melhorias (Batista, 2015, p. 64). As práticas ligadas à estruturação dos processos organizacionais devem ser sistemáticos e modelados de maneira efetiva, isso contribui “para aumentar a eficiência, melhorar a qualidade e a efetividade social e contribuir para a legalidade, impessoalidade, publicidade e moralidade na administração pública e para o desenvolvimento nacional” (Batista, 2015, p. 60). A mensagem central do trabalho desenvolvido pelo autor foi direcionada a organizações públicas brasileiras para explicar as mesmas que existe um modelo que poderá tornar possível à utilização do método GC com foco na melhoria dos resultados institucionais que beneficiem o cidadão – usuário e sociedade.  Desta forma, sua contribuição surtiu efeitos, em 2015, o Ipea divulgou “Texto para Discussão” com estudo relatando a experiência de três unidades técnico cientificas e gerenciais da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que adotaram o Método de Gestão do Conhecimento para a Administração Pública (MGCAPB). Apenas algumas etapas do modelo foram implementadas e já há previsão para a continuidade da segunda fase do projeto, o método ainda precisa ser revisto e adaptado, mas, representou uma oportunidade para que a aprendizagem organizacional tivesse suas informações e conhecimentos compartilhados e explicitados. O ambiente positivo gerado conseguindo envolver diferentes profissionais de todas as áreas como atores importantes no processo criou a base institucional da política de gestão do conhecimento eficiente e com princípios e valores acordados. As conclusões observadas até o momento são que resultados positivos geram outros aspectos positivos e, ainda há desafios que exigem esforço contínuo, maturidade e capacidade dos envolvidos, mas, os avanços na implementação da GC já contribuem para o fortalecimento da Fiocruz como papel de instituição pública e estratégica do Estado. O autor Batista (2015, p. 42) defende que é “imprescindível investir no capital humano e em práticas para que o conhecimento individual seja agregado como conhecimento coletivo, da organização, criando seus ativos intangíveis”. É preciso utilizar todo o potencial do agente público, bem como identificar suas habilidades e competências interpessoais, estratégicas e gerenciais. Só se alcançará a eficiência, eficácia e a efetividade nos serviços prestados se aprimorado as estratégias do modelo de gestão de pessoas com coerência e flexibilidade. Muitas vezes a Administração Pública não dispensa a adequada importância no setor de Recursos Humanos assim, mantendo-a estagnada no estágio atual de apenas contratação e demissão de pessoal. A seleção inadequada gera profissionais capazes intelectualmente, mas sem o perfil qualificado para o cargo e, como não há capacitação permanente dos agentes públicos geram-se mais custos. Na gestão de pessoas, a adequação do cargo para a função, bem como a qualificação do corpo funcional devem ser algumas das ações realizadas na reconfiguração das diretrizes administrativas públicas, afinal se o objetivo de todo órgão público é a satisfação das necessidades coletivas, o comprometimento e comportamento das pessoas estão diretamente ligados na influência desses resultados finais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os métodos de gestão na Administração Pública com fórmulas prontas não são capazes de lidar com a complexidade do processo administrativo, é preciso um modelo com abordagem inovadora, formato dinâmico, gerenciamento participativo e integrado para contribuir de forma positiva na organização. As diversas formas de conduzir a Gestão Pública implica desenvolver e aperfeiçoar pesquisas para a implementação de modelos na gestão, estas são divulgadas por autores e especialistas que reconhecem as potencialidades e qualificações das pessoas como primordial para o sucesso, apesar das iniciativas ainda há dificuldades no processo e, o agente público, como intermediador do Estado, ainda necessita de amplo investimento em seu treinamento. A Administração Pública influencia em diversos aspectos da sociedade e sua maneira de atuar e gerir seus recursos precisa de ferramentas que permitam uma experiência adequada ao interesse público. O desenvolvimento do conjunto de ideias e a sua efetividade na implementação dos modelos de gestão poderá definir os resultados finais de forma positiva, competitiva e com alta qualidade no serviço público prestado à população. Logo, com esta pesquisa temos a resposta que buscamos: A nova administração pública esta em processo de reinvenção e apesar da evolução nas novas formas de gerenciamento público, ainda falta amadurecimento no tema que é recente em sua prática. Desta forma, para continuar o avanço na discussão ainda há dimensões a serem analisadas devido a prematuridade em sua aplicação de métodos específicos e adaptados para a Administração Pública.
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Direito à pavimentação urbana: o reconhecimento da temática à luz do painel jurisprudencial
O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados.
Direito Administrativo
3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que: “Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa  tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011). “Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012) O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19]. Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que: “Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). “Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005). Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas. 4 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano: Inicialmente, cuida anotar que o meio ambiente artificial não está disciplinado tão somente na redação do artigo 225 da Constituição Federal[22], mas sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a política urbana, desempenha papel proeminente no tema em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata. “Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182 do mesmo diploma”[23]. Salta aos olhos, deste modo, que o conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988[24]. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente. Com efeito, não se pode olvidar que o pleno desenvolvimento reclama uma participação municipal intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal[25], “que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”[26], tal como estabelecendo competência suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder Público, por conseguinte, proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar que a Constituição Federal, em seus artigos 183[27] e 191[28], consagrou modalidades especiais de usucapião urbano e rural. “Outra função importante da cidade é permitir a livre e tranquila circulação, através de um adequado sistema da rede viária e de transportes, contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”[29]. O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se apresenta como um óbice á livre e adequada circulação. Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação, edificando praças e implementando áreas verdes. Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de atividades laborativas, produzindo reais possibilidades de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de assegurar a existência de condições econômicas destinadas à realização do consumo de produtos e serviços fundamentais para a existência da pessoa humana, bem como da ordem econômica estabelecida no país. 5 As Cidades Sustentáveis como Paradigma perseguido pelo Estatuto das Cidades: A Ambiência Urbana Contemporânea e seus matizes como o Meio Ambiente Artificial Agasalhado nas ponderações articuladas alhures, é verificável que o Estatuto das Cidades, na condição de lei que ambiciona o equilíbrio ambiental na órbita das cidades, estabeleceu a garantia do direito a cidades sustentáveis, colocando-a como diretriz geral entalhada na redação do artigo 2º, inciso I, da Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[30], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, “os direitos enumerados no art. 2º, I, do Estatuto da Cidade, garantidos também pela Lei n. 10.257/2001, têm caráter metaindividual, sendo tutelados não só pelo próprio Estatuto da Cidade como particularmente pelas Leis n. 7.347/85 e 8.078/90”[31]. Nesta seara, a garantia do direito a cidades sustentáveis significa, por extensão, importante diretriz destinada a nortear a política do desenvolvimento urbano em proveito da dignidade da pessoa humana e seus destinatários, compreendendo-se os brasileiros e os estrangeiros residentes no território nacional, a ser executada pelo Poder Público municipal, dentro da denominada tutela dos direitos materiais metaindividuais. Decorre de tal ideário a necessidade de estabelecer-se o conteúdo de cada um dos direitos que edificam a garantia do direito a cidades sustentáveis, no viés de adotar posição clara diante da defesa em decorrência de episódica lesão ou ameaça a esse rol de importantes componentes constituintes do meio ambiente artificial. Há que se destacar que se trata, com efeito, de diretriz geral vinculada aos objetivos da política urbana estabelecida como patamar de direitos metaindividuais destinados a brasileiros e estrangeiros residentes no território nacional, a partir de uma perspectiva de tutela do meio ambiente artificial, objetivando realizar os objetivos contidos na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[32], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Com clareza solar, é perceptível que apenas por meio dos instrumentos da política urbana, estabelecida no Estatuto das Cidades, que será possível a concreção da gama de direitos agasalhados em seu âmago, afigurando, neste aspecto, proeminente a gestão orçamentária participativa alçada ao status de importante instituto econômico orientado a viabilizar recursos financeiros para que cada cidade possa estruturar seu desenvolvimento pautado na sustentabilidade em face não apenas de suas necessidades, mas também de suas possibilidades. Estabelecido em decorrência da estruturação do direito ambiental constitucional, como bem afiança Fiorillo, “a garantia do direitos a cidades sustentáveis em nada se vincula com superados conceitos de direito administrativo que teimam em compreender as cidades como ‘abstrações’ única e exclusivamente formais adaptadas ao ‘princípio da legalidade’”[33]. Desta feita, harmonizando-se com os alicerces estruturantes do Estado Democrático do Direito, é possível colocar em destaque que a diretriz geral que consagra a garantia do direito a cidades sustentáveis propiciará a todos os brasileiros e estrangeiros residentes em território nacional uma tutela mais adequada do equilíbrio ambiental. Com efeito, trata-se de paradigma jurídica impregnado de aspectos de solidariedade, bem como de valores provenientes do meio ambiente ecologicamente equilibrado, içado à condição de princípio fundamental que viabiliza a materialização da dignidade da pessoa humana. Ao lado disso, denota-se que o Estatuto das Cidades, na condição de diploma inspirado pelos valores consagrados pela nova ordem inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, objetiva a materialização de uma nova realidade na qual seja possível conjugar a urbanização com o meio ambiente, de modo a obter núcleos urbanos sustentáveis e sensíveis aos elementos primordiais para se alcançar a materialização do superprincípio da dignidade da pessoa humana. 6 Direito à Pavimentação Urbana: O Reconhecimento da Temática à luz do painel jurisprudencial Em um primeiro comentário, cuida destacar que pavimentação é apresentada como o revestimento do chão de uma estrada ou rua, encontrando reconhecimento na Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[34], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, estando compreendido nos direitos relacionados à infraestrutura urbanaf. Assim sendo, é possível afirmar que o direito à pavimentação é expressão substancial do preceito de cidades sustentáveis trazido, para o ordenamento jurídico, por meio do Estatuto das Cidades e sua inexorável vinculação à ordem urbanística de claros e ofuscantes contornos constitucionais. “O direito à infraestrutura urbana e o direito aos serviços públicos, os quais abarcam o direito à pavimentação e drenagem de vias públicas, compõem o rol de direitos que dão significado à garantia do direito a cidades sustentáveis, conforme previsão do art. 2º da Lei 10.257/2001 – Estatuto das Cidades”[35], conforme apresentado pelo Ministro Herman Benjamin, ao relatoriar o Recurso Especial nº 1.527.308/CE. Ora, cuida anotar, diante das primeiras ponderações aventadas, que o direito à pavimentação, na densa sistemática jurídica inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil e regulada, em âmbito infraconstitucional, pelo Estatuto da Cidade trazem à lume a indissociabilidade daquele com a premissa de um meio ambiente artificial equilibrado, considerado como lugar primevo de promoção e realização do ser humano, plasmando, de maneira robusta, o primado da cidade sustentável como assegurador de direitos estritamente vinculados à concepção de dignidade. “Ementa: Processual Civil e Administrativo. Falta de reparo em rede pública de esgoto e sanitário. Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada. Direito transindividual. Ampliação dos remédios jurídicos. Legitimidade concorrente. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. A demanda expõe a necessidade de tutelar um direito individual, a saber os problemas dos recorridos decorrentes do esgoto a céu aberto na região, do mau cheiro, da presença de insetos e animais nocivos, situação agravada pela falta de pavimentação de ruas que, em época de chuvas, ficam alagadas. 3. Por sua natureza, o direito alegado é considerado também individual homogêneo, em razão da divisibilidade dos benefícios e da determinabilidade dos beneficiados. 4. Considere-se ainda que a) as tutelas de direitos transindividuais fazem parte de sistema que contempla técnica de ampliação dos remédios à disposição do jurisdicionado (e não de restrição) e que pressupõe a legitimação ordinária do lesado, geradora da legitimidade extraordinária dos sujeitos elencados no art. 5º da Lei 7.347/1985. Logo, não se trata de legitimidade exclusiva, mas concorrente. 5. Agravo Regimental não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no AREsp 401.510/RJ/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 19.11.2013/ Publicado no DJe em 05.12.2013). Em que pese o claro entendimento jurisprudencial que o direito à pavimentação, apesar de integrar o rol de direitos urbanísticos, não usufrui de status de direito fundamental, logo, a realização está inserida no âmbito da discricionariedade do administrador público, há que se sublinhar que, em decorrência da densidade jurídica e axiológica assumida pelo superprincípio da dignidade da pessoa humana, tal visão reclama claras críticas. Diante do painel pintado, quadra sublinhar que, em um cenário em que as cidades, sobretudo os médios e grandes centros urbanos, sofrem o crescimento de maneira desordenada e desprovida de qualquer planejamento, com bairros periféricos despidos de condições mínimas, no que toca à questão urbanística, para a população, tem-se que o direito à pavimentação encontra clara associação com uma plêiade de outros direitos inobservados. A pavimentação, como claro desdobramento do ideário das cidades sustentáveis, traduz-se em instrumento proeminente de salvaguarda e realização de direitos basilares do indivíduo, em especial a população, comumente, renegada a uma condição de indignidade, em decorrência de aspectos econômicos e políticos.
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Competência para julgar as contas dos prefeitos e presidentes de câmaras
É competência das Câmaras Municipais julgar as contas dos Prefeitos e é competência dos Tribunais de Contas emitir parecer sobre as contas dos Prefeitos e julgar as contas dos Presidentes das Câmaras Municipais.
Direito Administrativo
1. Sistemas Existem três sistemas ou modelos clássicos de tribunais de contas: o italiano, o francês e o belga. Pelo sistema francês de fiscalização orçamentária, as contas são examinadas depois, é o sistema denominado a posteriori, onde os funcionários pagadores são os responsáveis, não respondendo os funcionários ordenadores pelas consequências dos pagamentos indevidos. Outro sistema, o italiano, examina previamente os projetos orçamentários, impugnando-os quando assim o julgue. Já o sistema belga é caracterizado pelo exame prévio, podendo exercer a fiscalização posterior. Os tribunais de contas no Brasil reúnem os pontos altos e característicos da trilogia clássica, ou seja, exame prévio, exame a posteriori, veto absoluto, veto relativo[1]. 2. Conceito Segundo José Cretella Junior, Tribunal de Contas é órgão colegiado, preposto do Poder Legislativo, encarregado da fiscalização e orçamento. Orçamento é a previsão da receita e a fixação da despesa para determinado exercício financeiro, ou melhor, o plano de conjunto das necessidades monetárias do Estado para um período determinado, discutido e aprovado publicamente pelos órgãos de representação popular. E o ato pelo qual o Legislativo prevê e autoriza ao Executivo, por determinado período, as despesas destinadas ao funcionamento e a organização dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica do país, assim como a arrecadação da receita já fixada em lei. O tribunal de contas julga as contas, não o responsável. O papel da Corte de Contas não é o de exercer julgamento sobre a culpabilidade subjetiva do responsável, mas, unicamente, o de examinar a regularidade objetiva da conta: segundo um adágio clássico, a Corte de Contas julga as contas, não os responsáveis. A decisão que o Tribunal de Contas profere é sobre a regularidade intrínseca da conta e não sobre a responsabilidade do exator ou pagador ou sobre a imputação dessa responsabilidade[2]. 3. “Contas de governo” e “contas de gestão” Órgão auxiliar do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas aprecia e julga administrativamente as contas dos órgãos e entidades que devem ser fiscalizadas pelo Poder Legislativo[3]. Como é órgão auxiliar do Poder Legislativo, seu julgamento consiste em: a) emissão de parecer sobre as contas do Chefe do Poder Executivo, no caso da Constituição Federal, artigo 71, I e 75 (I – Presidente da República, pelo Tribunal de Contas da União; II – Governador e Prefeitos, pelo Tribunal de Contas do Estado; III – Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro, pelo Tribunal de Contas de seus respectivos Municípios); b) julgamento administrativo, nas hipóteses da Constituição Federal, artigo 71, II a VI. Na precisa lição do Procurador da República Dr. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, a diferença entre contas de governo e contas de gestão é que as primeiras se referem às implementações financeiras ou omissões ocorridas ao longo de todo ano fiscal. Cuidam de saber, por exemplo, se um Prefeito aplicou os recursos previstos na lei orçamentária e que estavam disponíveis, se atendeu aos gastos vinculados ou aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Já as contas de gestão se referem a contratos ou gastos públicos específicos. Tema do mais relevante dentro da doutrina e da jurisprudência é estabelecer a diferenciação entre as “contas de governo” e as “contas de gestão”. Isto porque, parte da doutrina considera que o Tribunal de Contas teria competência para julgar o Chefe do Poder Executivo nas “contas de gestão”, especialmente em função da nova redação atribuída a alínea “g”, inciso I, artigo 1º, da Lei Complementar Federal nº 64/90. O Procurador da República Dr. Luiz Carlos dos Santos Gonçalves considera que o texto legislativo atribui ao Tribunal de Contas o exame das contas dos mandatários (Presidentes, Governadores e Prefeitos) que agirem como administradores de dinheiros, bens e valores públicos, mesmo que os recursos sejam da própria unidade federativa. Ainda segundo o Procurador, “retira, portanto, das Casas Legislativas (Congresso Nacional Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores) espaço de apreciação das contas de gestão dos chefes do Poder Executivo”. E “nesses casos, a decisão dos Tribunais de Contas será definitiva – salvo invalidação ou suspensão judicial”[4]. Entretanto, a posição unânime nos julgados do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral é pela preservação do texto constitucional atribuindo somente ao Legislativo a competência para julgar as contas do Chefe do Poder Executivo, sejam elas de governo ou de gestão, como veremos nos próximos capítulos, sem desprezar que o Supremo Tribunal Federal apreciará em repercussão geral a constitucionalidade da mencionada alínea “g”, em processo de relatoria do Ministro Roberto Barroso. 4. Obrigação de prestar contas Deve prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos. É o que estabelece o artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal. 5. Competência para julgamento das contas anuais dos Prefeitos A prestação de contas de governo ou contas anuais, também chamadas contas institucionais, é o documento apresentado pelo Chefe do Poder Executivo ao Tribunal de Contas, composto de Balanço Orçamentário, Balanço Financeiro, Balanço Patrimonial e Demonstração das Variações Patrimoniais, com os resultados gerais do exercício financeiro-orçamentário, onde serão analisados todos os atos de governo, nele compreendidos os contratos administrativos, os certames licitatórios, as contratações e aposentadorias, a remuneração dos servidores, a cobrança da dívida ativa, o investimento em saúde e educação, entre outros. O exercício financeiro-orçamentário inicia-se em 1º de janeiro e termina em 31 de dezembro, do mesmo ano, conforme o artigo 34, da Lei Federal nº 4.320/64. Estabelece o artigo 71, da Constituição Federal: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio, que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;” E no mesmo sentido o artigo 82, da Lei Federal nº 4.320/64: “Art. 82. O Poder Executivo, anualmente, prestará contas ao Poder Legislativo, no prazo estabelecido nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios. § 1º As contas do Poder Executivo serão submetidas ao Poder Legislativo, com Parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.” Assim, somente o Poder Legislativo pode julgar a prestação de contas de governo, apresentada, anualmente, seja pelo Presidente, seja pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal ou pelos Prefeitos, depois de apreciadas, mediante parecer prévio dos respectivos Tribunais de Contas. O órgão competente para aprovar ou rejeitar as contas do Chefe do Poder Executivo, sejam elas anuais ou de gestão, mesmo quando agir como ordenador de despesas, é o Poder Legislativo Municipal, ou seja, a Câmara de Vereadores. Essa é a orientação já firmada há alguns anos no Tribunal Superior Eleitoral, em razão do que ficou decidido no Recurso Extraordinário nº 132.747-2, do Supremo Tribunal Federal. Passamos a transcrever alguns julgados sobre o tema: “A competência para o julgamento das contas do prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, o que se aplica tanto as contas relativas ao exercício financeiro, prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, quanto às contas de gestão ou atinentes à função de ordenador de despesas. (TSE – Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 2810-06.2009.6.15.0066, Relator Ministro Arnaldo Versiani. 04/05/2010) Para efeito da incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/90, compete exclusivamente ao Poder Legislativo o julgamento das contas de gestão prestadas pelo chefe do Poder Executivo. (TSE – Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 34430, Acórdão de 18/12/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Data 20/02/2009, Página 41) A Câmara Municipal é o órgão competente para apreciar as contas de governo e de gestão do prefeito municipal. (TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 32958, Acórdão de 03/12/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 03/12/2008 ) A jurisprudência do TSE é firme no sentido de que a autoridade competente para julgar contas de gestão ou anuais de prefeito é a Câmara Municipal.  (TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 32934, Acórdão de 02/12/2008, Relator(a) Min. EROS ROBERTO GRAU, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 02/12/2008) Registro. Prefeito. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Competência. 1. A competência para o julgamento das contas de prefeito é da Câmara Municipal, não importando se se trata de contas anuais, de gestão, de atos isolados, ou, ainda, de caso em que este tenha atuado como ordenador de despesas, cabendo ao Tribunal de Contas apenas a emissão de parecer prévio. 2. Tal entendimento não implica violação aos arts. 71, I e II, e 75, da Constituição Federal. Embargos rejeitados. (TSE – Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 32652, Acórdão de 26/11/2008, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 26/11/2008) A recente jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que compete, exclusivamente, ao Poder Legislativo o julgamento das contas anuais prestadas pelo chefe do Poder Executivo, mesmo quando este exerça funções de ordenador de despesas. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 30516, Acórdão de 25/11/2008, Relator(a) Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 25/11/2008) Registro de candidatura. Prefeito. Inelegibilidade. Art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Competência. 1. A competência para o julgamento das contas de prefeito é da Câmara Municipal, cabendo ao Tribunal de Contas a emissão de parecer prévio, o que se aplica tanto às contas relativas ao exercício financeiro, prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, quanto às contas de gestão ou atinentes à função de ordenador de despesas. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 33747, Acórdão de 27/10/2008, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 27/10/2008 ) ELEIÇÕES 2006. PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATO. 2. A autoridade competente para julgar contas de gestão ou anuais de prefeito é a Câmara Municipal. Precedentes. (TSE – Agravo Regimental no Recurso Ordinário nº 1.164. Relator Ministro Cezar Peluso. 23/11/2006)” Recentemente, na Reclamação nº 10.456, o Supremo Tribunal Federal em julgamento da 2ª Turma, realizado em março de 2015, decidiu que “o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, que firmou entendimento de que, quanto às contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo, cabe ao Tribunal de Contas apenas a apreciação mediante parecer prévio. A competência para julgá-las fica a cargo do Poder Legislativo. Para os demais agentes públicos compete ao próprio Tribunal de Contas o julgamento dos administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público. A nova redação introduzida no final da alínea g, I, artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/90, apenas reforça a regra do inciso II, artigo 71, da Constituição Federal, pois mesmo quando o Chefe do Poder Executivo age como ordenador de despesa o órgão competente para julgá-lo é o Poder Legislativo Municipal, especialmente por força dos artigos 31 e 49, inciso IX, da Constituição Federal, bem como jurisprudência já assentada sobre a questão. A partir da data da decisão irrecorrível, o agente fica durante 08 (oito) anos inelegível. Anteriormente, esse prazo de inelegibilidade era de 05 (cinco) anos. 6. Competência para julgamento das contas de gestão dos Prefeitos A prestação das contas de gestão ou contas especiais, também denominadas contas administrativas, é o documento onde são reunidas informações sobre os resultados específicos de determinado ato de governo e encaminhadas ao Tribunal de Contas. Essa prestação de contas pode ser decorrente de exigência legal no repasse de recursos federais ou estaduais aos Municípios por força de convênio ou quando houver suspeita ou denúncia da pratica de atos ilegais ou lesivos ao patrimônio público. Ao contrário das contas de governo, cuja prestação é anual, a prestação das contas de gestão poderá ocorrer a qualquer tempo, por determinação legal ou requisição do Tribunal de Contas. Preveem a prestação de contas de gestão os artigos 77 e 78, da Lei Federal nº 4.320/64: “Art. 77. A verificação da legalidade dos atos de execução orçamentária será prévia, concomitante e subseqüente. Art. 78. Além da prestação ou tomada de contas anual, quando instituída em lei, ou por fim de gestão, poderá haver, a qualquer tempo, levantamento, prestação ou tomada de contas de todos os responsáveis por bens ou valores públicos.” E o inciso II, do artigo 71, da Constituição Federal: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: II- julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;” O Chefe do Poder Executivo, entretanto, mesmo quando age como ordenador de despesas, assinando empenhos, contratos, ordens de pagamento ou cheques, não pode ser julgado pela Corte de Contas, pois tal como preconiza o artigo 31 da Carta Magna, a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado. Este é o entendimento firmado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal: “INELEGIBILIDADE – PREFEITO – REJEIÇÃO DE CONTAS – COMPETÊNCIA. Ao Poder Legislativo compete o julgamento das contas do Chefe do Executivo, considerados os três níveis – federal, estadual e municipal. O Tribunal de Contas exsurge como simples órgão auxiliar, atuando na esfera opinativa – inteligência dos artigos 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 25, 31, 49, inciso IX, 71 e 75, todos do corpo permanente da Carta de 1988. Autos conclusos para confecção de acórdão em 9 de novembro de 1995. Relator Ministro Marco Aurélio (fls. 15/17): (…) Nota-se, mediante leitura dos incisos I e II do artigo 71 em comento, a existência de tratamento diferenciado, consideradas as contas do Chefe do Poder Executivo da União e dos administradores em geral. Dá-se, sob tal ângulo, nítida dualidade de competência, ante a atuação do Tribunal de Contas. Este aprecia as contas prestadas pelo Presidente da República e, em relação a elas, limita-se a exarar parecer, não chegando, portanto, a emitir julgamento. Já em relação às contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal, e às contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo para o erário, a atuação do Tribunal de Contas não se faz apenas no campo opinativo. Extravassa-o, para alcançar o de julgamento. Isto está evidenciado não só pelo emprego, nos dois incisos, de verbos distintos – apreciar e julgar – como também pelo desdobramento da matéria, explicitando-se, quanto às contas do Presidente da República, que o exame se faz “mediante parecer prévio’ a ser emitido, como exsurge com clareza solar, pelo Tribunal de Contas. A afastar, a mais não poder, a idéia de julgamento das contas do Presidente da República pelo Tribunal de Contas da União, tem-se a regra do inciso IX do artigo 49 da Constituição Federal, de acordo com o qual compete, privativamente, ao Congresso Nacional, e não ao Tribunal de Contas da União, julgar, as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo. (…) Preceitua o caput do artigo 31 que “a fiscalização do município será exercida pelo Poder Legislativo, mediante controle externo e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei”. A limitar a atuação dos Tribunais de Contas dos Estados ou dos Municípios ou dos Conselhos, constata-se a existência, no próprio texto constitucional, de norma que os aponta como Órgãos auxiliares da Câmara Municipal – §1º – o que exclui, como é obvio, a possibilidade de lhes ser reconhecida a autonomia suficiente a rejeição das contas dos prefeitos, ainda que apreciadas sob a forma parcial, ou seja, mediante a submissão  individualizada de processos relativos a licitações e contratos. Aliás, frente à regra constitucional, difícil é conceber a glosa parcial, a alcançar contrato por contrato firmado pela administração, isto quanto a atuação não de simples administradores, ma do próprio Prefeito, em relação ao qual se impõe a Lei Básica Federal a prestação de contas anuais – § 2º, do artigo 31, o que obstaculiza a rejeição, porque precoce e implementada por órgão incompetente, de efeitos nefastos – aponto de ensejar a inelegibilidade. No particular, o Acordao atacado é ate mesmo conflitante, no que a um só tempo reconhece ao Tribunal de Contas a competência de rejeitar contas parciais e revela que, anualmente, essas mesmas contas, em conjunto, são submetidas a julgamento da Câmara Municipal que decide, de forma irrecorrível, com eficácia ex tunc”. (STF – Recurso Extraordinário nº 132.747-2. Relator Ministro Marco Aurélio. 07/12/95) O pronunciamento técnico-administrativo do Tribunal de Contas, quanto a contratos e a outros atos de caráter negocial celebrados pelo Poder Executivo, tal como se pronunciou o Ministro Celso de Mello no mesmo julgamento, tem o claro sentido de instruir o exame oportuno, pelo próprio Poder Legislativo – e exclusivamente por este – das contas anuais submetidas à sua exclusiva apreciação. 7. Competência para julgamento das contas dos Presidentes de Câmaras Municipais Os Tribunais de Contas detêm competência constitucional para julgar as contas dos presidentes das Casas Legislativas[5][6]. O Tribunal de Contas é o órgão competente para o julgamento de contas de presidente de Câmara Municipal, nos termos do artigo 71, II, combinado com o artigo 75 da Constituição Federal, não havendo que se falar em necessidade de julgamento em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa para a incidência da causa de inelegibilidade da alínea g, inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar Federal nº 64/90[7][8]. A jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de que os Tribunais de Contas possuem competência para julgar as contas das Casas Legislativas. Eventual disposição em Lei Orgânica Municipal não desloca essa competência para a Câmara Municipal, conforme já decidiu este Tribunal, em caso similar, no Acórdão nº 12.645, relator Ministro Sepúlveda Pertence[9]. 8. Contraditório e ampla defesa no julgamento das contas O julgamento das contas deve observar o princípio do contraditório e da ampla defesa, sejam elas anuais ou de gestão, sejam do Chefe do Poder Executivo ou dos demais administradores. Por força da norma prevista no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, tanto o Poder Legislativo como o Tribunal de Contas devem garantir ao responsável pelas contas o direito ao contraditório e a ampla defesa, devendo ser intimado de todos os atos para, querendo, apresentar sua defesa. Quando isso não ocorre, o processo administrativo e seu parecer prévio ou decisão devem ser objeto de anulação pelo Poder Judiciário. Essa é a interpretação consolidada em nossos Tribunais: “EMENTA: PREFEITO MUNICIPAL. CONTAS REJEITADAS PELA CÂMARA DE VEREADORES. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO DIREITO DE DEFESA (INC. LV DO ART. 5º DA CF). Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-Chefe do Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista a sua almejada reversão. Recurso conhecido e provido. (RE 261885, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 05/12/2000, DJ 16-03-2001 PP-00102 EMENT VOL-02023-05 PP-00996) Súmula Vinculante nº 03, do Supremo Tribunal Federal: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão que puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação do ato de concessão especial de aposentadoria, reforma e pensão”. Contrato administrativo – Administração, operação e exploração de terminal rodoviário – Irregularidade julgada pelo Tribunal de Contas – Falta de notificação da empresa vencedora para participar do processo administrativo – Inobservância do disposto pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal – Não é válida a intimação genérica pelo Diário Oficial a fim de atingir parte interessada no julgamento Súmula vinculante nº 3 – Sentença mantida – Recursos improvidos. (Apelação Cível nº 710.488-5/6, 6ª Câmara de Direito Público. Relator Des. Leme de Campos, 16/02/2009) Nos termos do artigo 90, da Lei Complementar Estadual n 709, de 14 de janeiro de 1993, a intimação dos atos e decisões do Tribunal de Contas presume-se perfeita com a publicação no Diário Oficial, salvo as exceções previstas em lei. As exceções, nos termos da citada lei, estão previstas no artigo 91, que prevê, a notificação pessoal, nos processos de tomada de contas.” (Processo nº 053.07.111199-5, 9ª Vara da Fazenda Pública 21/01/2008. Em 26/04/10 negaram provimento ao Recurso do TCESP) 9. Suspensão liminar da decisão de rejeição de contas A decisão irrecorrível do órgão competente somente deixa de produzir efeitos quando houver sido suspensa ou anulada por decisão do Poder Judiciário. Pela redação antiga, bastaria a propositura de ação judicial para os efeitos da inelegibilidade serem suspensos. Inclusive essa era a orientação descrita na Súmula 1, do Tribunal Superior Eleitoral, posteriormente alterada, passando a vigorar a nova orientação segundo a qual a mera propositura da ação anulatória, sem a obtenção de provimento liminar ou tutela antecipada, não suspende a inelegibilidade. 10. Revogação posterior pela própria Câmara do decreto de rejeição das contas É ineficaz no campo eleitoral o decreto legislativo de revogação de decreto legislativo anterior de desaprovação de contas de Prefeito, quando desacompanhado de qualquer motivação[10]. Não mais subsiste o entendimento de que as Câmaras Legislativas dispõem de discricionariedade para revogação de decretos legislativos que rejeitam as contas de Chefe do Poder Executivo, uma vez que os referidos atos, apesar de imbuídos de natureza política, não são livremente revogáveis. Com efeito, só se justifica a revisão de tais decretos quando eivados de vícios formais que o maculam, ou seja, pela falta de observância de suas formalidades essenciais, cuja declaração de nulidade produzirá efeitos retroativos, alcançando o ato em sua origem, dele não decorrendo direitos ou obrigações[11]. Somente o Poder Judiciário pode revogar os atos administrativos expedidos pelas Câmaras Municipais para aprovar ou rejeitar o parecer de contas, pois uma vez julgado o Chefe do Poder Executivo pelos Vereadores, opera-se a coisa julgada administrativa. Já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral[12]: “Rejeitadas as contas de Chefe do Poder executivo, por meio de decretos legislativos, antecedidos de pareceres da Corte de Contas, a Câmara Municipal não pode editar novo decreto, revogando os anteriores, se m ofensa ao art. 31, §2°, in fine, da CF”. 11. Hipótese legal de inelegibilidade pela rejeição de contas e Repercussão geral sobre o tema no Supremo Tribunal Federal A rejeição das “contas anuais” ou das “contas de gestão” dos agentes públicos é hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, “g”, da Lei Complementar Federal nº 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar nº 135/10: “Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;” A redação anterior constava nos seguintes termos: “Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão;” Tal como falamos acima, e há diversos julgados do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema, as contas anuais ou de gestão, do Chefe do Poder Executivo, somente podem ser julgadas pelo Poder Legislativo. A nova redação da lei federal, contrariando o texto constitucional, inclui a hipótese de julgamento dos mandatários que agirem como ordenadores de despesas. Em função de toda essa polêmica criada pela nova redação da alínea “g”, em processo de relatoria do Ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, nº 848.826, foi atribuída “repercussão geral a definição do órgão competente – Poder Legislativo ou Tribunal de Contas – para julgar as contas de Chefe do Poder Executivo que age na qualidade de ordenador de despesas, à luz dos arts. 31, §2º; 71, I; e 75, todos da Constituição”. Alguns autores alegam que a lei que alterou a alínea “g” foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou constitucional a Lei Complementar nº   135/10. Acontece que o julgamento não apreciou a constitucionalidade do conteúdo, do mérito, da mencionada alínea “g”. Isso foi dito na decisão do Ministro Roberto Barroso e é fundamento para a decretação da repercussão geral da matéria, que agora terá sua análise pelo Supremo Tribunal Federal. Não que houvesse dúvida antes sobre a aplicação da regra do artigo 71, incisos I e II, da Constituição Federal. O problema é que a alínea “g” traz uma regra que, em tese, contrária o texto constitucional e, consequentemente, a jurisprudência. 12. Ato de improbidade administrativa Pela redação anterior, tornavam-se inelegíveis todos os que tinham suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável. De acordo com a atual redação, além da irregularidade ser insanável, deve configurar ato doloso de improbidade administrativa, em uma ou mais hipóteses previstas nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei Federal nº 8.429/92. Essa nova redação abrirá margem a inúmeras impugnações judiciais, em razão da maioria das decisões dos órgãos competentes de julgamento das contas não virem motivadas referindo-se expressamente a prática de atos de improbidade administrativa. Se a decisão não faz qualquer referência a esses atos, mesmo julgadas irregulares, mesmo sendo insanáveis, repito, pelo novo texto legal, não podem ser causa de inelegibilidade do pretenso candidato. Mas, mesmo que essas decisões mencionem o cometimento de atos dolosos de improbidade administrativa, poderá ser contestada a legitimidade dos órgãos competentes de julgamento das contas exercerem função para decidir sobre o dolo do agente público no suposto ato de improbidade, pois nos parece ser essa função reservada ao Poder Judiciário, após o devido processo penal. Ocorre que, embora essa seja a tese de muitos advogados, o Tribunal de Contas vem decidindo que para a apuração da inelegibilidade prevista na alínea “g”, do inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar Federal nº 64/90, não se exige o dolo específico; basta, para a sua configuração, a existência de dolo genérico ou eventual, o que se caracteriza quando o administrador deixa de observar os comandos constitucionais, legais ou contratuais que vinculam a sua atuação. Está consolidado na Corte o entendimento de que as irregularidades decorrentes da extrapolação do limite máximo previsto no art. 29-A da Constituição Federal, a ausência de repasse de contribuições previdenciárias e a ausência de licitação, são insanáveis e constituem ato doloso de improbidade administrativa, aptos a atrair a inelegibilidade do artigo 1º, I, g, da Lei Complementar Federal nº 64/90[13]. Vejamos a jurisprudência sobre a matéria: “A ausência de disponibilização pública das contas da Câmara para que qualquer contribuinte possa examiná-las, sem a comprovação de dolo, má-fé ou prejuízo à Administração Pública, não caracteriza irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa para incidência da inelegibilidade prevista no art. 1°, I, g, da LC n° 64/90. A nova redação da alínea g trazida pela LC nº 135 passou a exigir a configuração do dolo na conduta do agente, sendo inadmissível a sua mera presunção.  (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 10807, Acórdão de 12/12/2012, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 12/12/2012). Constitui ato doloso de improbidade administrativa, para fins de incidência da cláusula de inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, o pagamento a maior de verbas a vereadores, sem respaldo legal. Precedentes. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 36509, Acórdão de 25/10/2012, Relator(a) Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 25/10/2012) Está consolidado nesta Corte, o entendimento de que a irregularidade decorrente do superfaturamento de preços e dispensa indevida de licitação são insanáveis e caracterizam ato doloso de improbidade administrativa.  Nos termos da jurisprudência do STJ, o dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa "é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica" (ED-AI nº 1.092.100/RS, ReI. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 31.5.2010). (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 20281, Acórdão de 06/12/2012, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 06/12/2012) Uma vez rejeitadas as contas, a Justiça Eleitoral não só pode como deve proceder ao enquadramento jurídico das irregularidades como sanáveis ou insanáveis, isto para fins de incidência da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Não lhe compete, entretanto, aferir o acerto ou desacerto da decisão emanada pela Corte de Contas.  A nova redação da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 exige ainda, para verificar se o ato gera inelegibilidade, que se indague acerca do dolo, devendo ser considerado como tal a intenção de sua prática pelo agente, ainda que sabedor da ilicitude. O excesso de gastos com folha de pagamento, em desacordo com a norma insculpida no art. 29-A da Constituição Federal, é considerado irregularidade insanável. Precedente. O pagamento de multa e a devolução de valores ao erário não são suficientes para sanar irregularidades. Precedentes. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 26579, Acórdão de 12/12/2012, Relator(a) Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 12/12/2012) O TSE tem entendido ser cabível a análise da decisão de rejeição de contas, para fins de aferição da inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90, em sede de recurso especial.  Não há como afastar o caráter doloso da conduta consistente no pagamento indevido de diárias, em que o próprio ordenador de despesas tenha sido beneficiado.” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 5754, Acórdão de 30/10/2012, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 30/10/2012) 13. Órgão irrecorrível Além disso, a decisão precisa ser julgada de forma irrecorrível pelo órgão competente. O órgão competente é determinado de acordo com a qualidade da pessoa que presta contas: “De fato, o art. 71 da Constituição Federal distingue as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, definindo que, na primeira hipótese, caberá ao Tribunal de Contas da União apenas a apreciação, ou seja, o juízo consultivo, e na segunda circunstância, lhe competirá o julgamento. Pela leitura do dispositivo constitucional invocado, observa-se que a mencionada distinção levou em conta a qualidade da pessoa que presta contas. Em outras palavras, as contas prestadas pelo Presidente da República serão sempre julgadas pelo Congresso Nacional, com parecer prévio do TCU, e aquelas prestadas por pessoa diversa, que exerça a função de administrador, ou que seja responsável por dinheiro, bens e valores públicos, serão julgadas pelo TCU”. (TSE – Recurso Especial Eleitoral 28.944. Relator Ministro Marcelo Ribeiro. 06/10/2008)  14. Competência para aplicar sanções Como corolário do poder de julgar ou fiscalizar, há o poder de aplicar sanções. O inciso VIII do artigo 71 da Carta da República conferiu ao Tribunal de Contas o poder punitivo, mas o fez para ser exercido nos termos da lei, que no caso, é a sua lei orgânica. Segundo o dispositivo constitucional, compete à Corte de Contas aplicar aos responsáveis, em casos de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário. Sem previsão em lei formal, não poderia a Corte de Contas impor sanções. Eventuais sanções previstas no Regimento Interno não têm respaldo jurídico. O inciso VIII, do artigo 71 fez distinção entre irregularidade de contas e ilegalidade de despesa. Quando acontece apenas ilegalidade de despesa, temos um vício meramente formal, que não desfalca o patrimônio público. Ocorre apenas a ausência de um procedimento legalmente previsto para a realização da despesa. É o caso, por exemplo, da compra de um equipamento médico para um posto de saúde sem a realização da necessária licitação. Aí, o interesse público foi atingido com o suprimento da necessidade do órgão ou da entidade pública. Entretanto, o procedimento administrativo adotado se mostrou indevido. Nesses casos, pode ser aplicada ao responsável pela despesa, dependendo da gravidade da lesão ocasionada ao Poder Público, uma multa de cunho pedagógico. No caso de irregularidade, as contas se mostram atingidas na sua integridade. Há um dano material. Seria o caso, por exemplo, do pagamento de uma obra que não foi concluída, não obstante todos os procedimentos legais tenham sido adotados. A conta financeira foi diminuída sem a contrapartida na conta patrimonial. O responsável ficará, então, sujeito à multa de natureza reparadora, proporcional ao dano causado[14]. 15. Competência para aplicar sanções aos Chefes do Poder Executivo Segundo já foi objeto de comentários nos capítulos anteriores, somente o Poder Legislativo é o órgão que tem competência para julgar e, portanto, aplicar sanções aos Chefes do Poder Executivo, mesmo quando estes agem como ordenadores de despesas. As multas, portanto, somente podem ser aplicadas aos administradores e responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade que resulte prejuízo ao erário, conforme previsto no artigo 71, II, da Constituição Federal. Eis o voto de muita lucidez do então Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Sydney Sanches: “Entendo que ao prefeito se aplica o inciso I, e não o inciso II do art. 71, porque não me parece possível entender-se que o Tribunal de Contas possa julgar contas do Presidente da República. O que ele pode é apreciar as contas, mediante parecer. E não é possível, a meu ver, também, que os dois incisos tratem das mesmas pessoas. No inciso I, deu-se destaque aos chefes políticos, Presidente da República, Governador de Estado, Prefeito de municípios. O inciso II tratou dos demais administradores, dos demais gestores. E é a esses que o Tribunal de Contas pode julgar, as contas desses administradores e não dos chefes políticos. Imagine-se a hipótese de o Tribunal de contas, julgando as contas do Presidente da República, aplicar multa. Não me parece seja isso possível.” (STF – Recurso Extraordinário nº 132.747-2. Relator Ministro Marco Aurélio. 07/12/95) 16. Execução das decisões do Tribunal de Contas O § 3º, do artigo 71, da Constituição Federal, estabeleceu que as decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. Concluído o processo de prestação ou tomada de contas, com o respectivo julgamento, o Tribunal de Contas profere sua decisão. Se esta imputar débito ou impuser multa ao responsável pelas contas, poderá ser executada diretamente, junto ao Poder Judiciário, sem a necessidade de um anterior processo judicial de conhecimento. É nisto que se constitui a eficácia de título executivo, que, na espécie, é de natureza extrajudicial. Em face disso, caberá ao executado (o responsável pelas contas) defender-se junto ao Judiciário mediante Embargos. A competência para executar as decisões do Tribunal de Contas é da Procuradoria do Estado, mas somente se estiver tratando de recursos estaduais. Se os recursos forem municipais, as decisões das Cortes de Contas serão executadas pelas Procuradorias Municipais. O débito apurado pela Corte de Contas, quando do julgamento das contas de gestores responsáveis por recursos municipais, pertence ao Município, que deverá inscrever as multas em Dívida Ativa para posterior execução, caso não sejam pagas amigavelmente. Segundo o parágrafo único, do artigo 1º, da Lei nº 9.492/97, as multas após inscritas em Dívida Ativa, poderão ser levadas a protesto. A decisão da Corte de Contas de que resulte imputação de débito ou multa, não tem o atributo da auto-executoriedade, que está presente na maioria dos atos administrativos. O interesse em pauta é da Fazenda Pública, ou seja, um interesse público secundário. Em vista do que dispõe o § 3º, do artigo 71, da Carta Magna, temos por inconstitucionais dispositivos legais que permitem a cobrança de débito e de multas impostos pelo Tribunal de Contas aos agentes públicos mediante retenção de parcelas salariais destes. Se a decisão do Tribunal de Contas tem apenas eficácia de título executivo, não podemos lhe emprestar efeitos mandamentais.
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Considerações sobre a dívida dos entes subnacionais brasileiros desde a década de 1980 até a edição da Lei Complementar n. 148/14
Neste trabalho se discute o comportamento das finanças públicas dos entes subnacionais brasileiros desde a década de 1980, com especial enfoque para o endividamento público e para o processo de refinanciamento de dívidas sob a égide da Lei n. 9.496/97. Verificou-se, por levantamento bibliográfico, que o neofederalismo adotado a partir da Constituição da República vigente foi determinante para explicar o comportamento do endividamento público de estados e municípios brasileiros no período estudado. A implantação do Plano Real e o crescimento cada vez mais desenfreado do endividamento público fizeram com que a União buscasse medidas no sentido de tornar as contas públicas subnacionais mais racionais e responsáveis. Uma dessas medidas foi lançar um plano de refinanciamento de dívidas, com a edição da Lei n. 9.496/97, a partir do oferecimento de juros subvencionados, em contrapartida à submissão de estados e municípios a um maior rigor fiscal. Entretanto, as condições estabelecidas nos contratos se tornaram insustentáveis com o passar do tempo, especialmente em relação ao indexador e aos juros reais definidos. Com a promulgação da Lei Complementar n. 148/14, no final de 2014, verificou-se uma proposta interessante no sentido de aliviar as finanças públicas das entidades pactuantes e ajustar os termos do contrato aos novos parâmetros macroeconômicos.[1]
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO No presente trabalho, se discute o comportamento da dívida dos estados desde a década de 1980 até os dias atuais, com especial enfoque ao processo de refinanciamento das dívidas com a União em 1997. Além disso, serão abordadas, também, as principais inovações trazidas pela Lei Complementar n. 148/14, de 25 de novembro de 2014, que modifica o arcabouço normativo disciplinador dos contratos firmados, oferecendo, em tese, condições mais favoráveis de quitação do saldo inicial. Na primeira seção, serão apresentados aspectos teóricos na tentativa de explicar o comportamento da dívida dos governos subnacionais brasileiros na época. A ideia que mais prevalece, fugindo à tradicional teoria da dívida pública, é a do federalismo fiscal associada a uma questão moral, visto que os entes subnacionais tinham incentivos constantes a gerar novos endividamentos, como se verá. Na segunda seção, é apresentado um histórico sobre a evolução temerária do endividamento dos entes subnacionais e sobre as reações do governo central, que culminou na promulgação da Lei n. 9.496/97, a qual autorizava o refinanciamento da dívida de estados e municípios, mediante a submissão a um maior rigor fiscal. Na terceira seção, serão analisados os fatores que fizeram com que o refinanciamento da dívida de estados e municípios se desvirtuasse ao longo do tempo, de modo que a solução se tornaria um problema, especialmente para um grupo de estados, cuja dívida é bastante representativa. Na quarta seção, serão apresentadas e discutidas as principais alterações trazidas pela Lei Complementar n. 148/14, que se dispõe a aliviar a pressão sobre os entes subnacionais que celebraram os contratos de dívida com a União, a partir da adoção de parâmetros mais condizentes com a atual conjuntura macroeconômica brasileira. Finalmente, em “Conclusões”, serão recuperadas as principais considerações deste estudo, que permitirá um posicionamento sobre a pertinência das inovações trazidas pela mencionada Lei Complementar. 1 DESENVOLVIMENTO 1.1 Aspectos teóricos da dívida de estados e municípios A teoria tradicional da dívida pública tem como um dos pilares a questão da estabilidade do nível de impostos. Isto é, em função da restrição orçamentária intertemporal do governo, os deficits surgem nos períodos de dispêndio temporariamente elevado, enquanto os superavits surgem quando dos dispêndios temporariamente baixos (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Assim, a dívida pública se presta a minimizar as distorções tributárias ao longo do tempo, em função de determinado padrão de gastos do governo (BARRO, 1979). Contudo, os estudos de Alesina e Perotti (1999) consideraram insuficiente a explicação supra para justificar a expansão recente da dívida pública de diversos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No mesmo sentido, Rigolon e Giambiagi (1999) consideraram que o comportamento explosivo da dívida pública dos governos supranacionais brasileiros, na década de 1990, não são facilmente explicados pelo postulado tradicional e sugerem modelos alternativos da chamada “nova economia política” para tanto. Sobre a teoria da “Transferência entre Gerações” de Cukierman e Meltzer (1989), em que a dívida pública se presta a realocar a renda entre gerações, Rigolon e Giambiagi (1999) entendem que as conclusões são sugestivas para explicar o comportamento dos governos subnacionais brasileiros, pois estes acumulariam dívida pública para aumentar o bem-estar da geração corrente. Entretanto, o ideal seria que o estoque de dívida pública alcance patamares suficientes a igualar custos e benefícios marginais e maximizar bem-estar social, o que não se enquadra no comportamento explosivo das dívidas dos estados brasileiros. Alesina e Tabellini (1987) entendem que a dívida pública é usada estrategicamente pelos governos para influenciar as escolhas de seus sucessores. Sendo assim, a dívida de equilíbrio dependerá do grau de polarização de preferências entre governos alternativos, da probabilidade de o partido no poder não ser reeleito e do grau de rigidez em relação ao consumo do governo. Nos estudos de Persson e Svensson (1989), se defende que um governo conservador, tradicionalmente pouco consumista, tem a expectativa de ser substituído por um governo liberal, mais consumista e, por isso, tenderá a reduzir impostos e acumular dívida a fim de aumentar os encargos da dívida e restringir o consumo do governo subsequente. Alesina e Perotti (1999) concluíram que o rápido crescimento da dívida de países da OCDE nas décadas de 80 e 90 se associa a um aumento da polarização e da instabilidade política. Além disso, o nível de endividamento dos países seria diretamente proporcional ao nível de polarização dos partidos políticos e das preferências do eleitorado. Para Rigolon e Giambiagi (1999), de fato no Brasil, houve um aumento da polarização política e da incerteza eleitoral em seguida ao processo de redemocratização na década de 80, verificável especialmente nos estados mais ricos, cuja polaridade era mais perceptível, o que explicaria parcialmente o comportamento da dívida desses entes no período. Entretanto, a assertiva é, em certa medida, prejudicada pela possibilidade de os governos estaduais não honrarem os encargos da dívida, tal como na experiência dos anos 90. Finalmente, Rigolon e Giambiagi (1999) propõem uma explicação para o comportamento da dívida dos governos subnacionais a partir da questão do federalismo fiscal. A ideia do federalismo fiscal ganhou força nas décadas de 80 e 90 em prol de uma maior eficiência alocativa, uma vez que a repartição dos recursos disponíveis permite que os diversos entes federativos ofereçam uma cesta de bens e serviços públicos maior e melhor aos seus cidadãos, o que não ocorreria de maneira tão eficiente se o provimento desses bens ocorresse a partir do governo central, que está distante dos beneficiários (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Além disso, a possibilidade de fluxo livre dos cidadãos entre os entes federativos induz a uma competição entre esses, que, por sua vez, os conduzirá a uma relação cada vez melhor entre impostos arrecadados e prestação de serviços públicos (próxima de um ótimo de Pareto) em função da comparação/concorrência (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Ainda, a descentralização fiscal permite ganhos de eficiência a partir do aprendizado, uma vez que alguns entes federativos, em prol de uma máquina pública melhor, desenvolverão novos métodos de gestão que serão difundidos e compartilhados com os demais. Caso houvesse um monopólio governamental, este estímulo ao aperfeiçoamento gerencial inexistiria (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Quanto ao controle da gestão pública, inevitável que a aproximação entre os atos da administração pública e os cidadãos incutirá nesses uma maior possibilidade de supervisão sobre o tratamento da coisa pública, acarretando novamente em ganhos de eficiência (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Contudo, a experiência de países em desenvolvimento revelou que os governos subnacionais, ao contrário dos postulados teóricos, se enveredaram pelo agravamento dos problemas macroeconômicos ou pelo entrave na sua solução. Primeiro, em face de os governos subnacionais serem estimulados a produzir deficits e transferir seu financiamento para o governo central. O poder político de algumas unidades subnacionais e as implicações sistêmicas e políticas de eventual deterioração de suas contas diminuem a capacidade de o governo central se opor às pressões por mais recursos. Segundo, porque a confiança de que o governo central sempre haverá de, em última instância, honrar os compromissos dos demais entes federativos cria um problema de perigo moral que induz a um endividamento excessivo (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). “Do ponto de vista da economia política da dívida, a questão que se coloca e que os economistas neoclássicos e sua teoria positiva consideram, é o fato das escolhas que geram endividamento público não serem feitas por um governo benevolente, maximizador do bem-estar social, governo este que quando “erra” (por exemplo, no caso de um endividamento explosivo) é “irracional” ou “incompetente”. A bem da verdade, a escolha pública somente se coloca enquanto tal nome; todas as escolhas dentro do Estado são, em última instância, privadas, tomadas por agente self-seeking, que agem de acordo com interesses rent-seeking privados ou de terceiros. Por outro lado, o problema do endividamento permanente ou do financiamento dos gastos governamentais por meio de déficits crônicos, pode ser encarado como uma questão moral; ele reflete alguma falha moral. A moralidade das ações individuais e públicas exige autocontrole. Déficits públicos crônicos indicam falta de disciplina e são, portanto, indicadores de ausência de controle. O acúmulo de déficits (ou a dívida pública) é, portanto, imoral” (SILVA, 1998, p. 31-32). Uma forma eficaz de se contornar um problema de natureza moral é criar, modificar ou aperfeiçoar o marco institucional correspondente, isto em perspectiva sociológica, com atenção especial ao arcabouço normativo cogente, tal como obtido com a promulgação da Lei Complementar n. 101/00, que impôs aos gestores públicos brasileiros rígidos parâmetros de controle da receita, da despesa e do endividamento. 1.2 O refinanciamento da dívida de estados e municípios Com a promulgação da atual Constituição da República, em 1988, houve um rearranjo do federalismo fiscal no Brasil. O governo central perdeu parcela considerável de suas receitas para estados e municípios, sem que tal movimento fosse acompanhado da transferência da responsabilidade pelos dispêndios financeiros na mesma proporção (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Segundo Palos (2011), a Constituição da República vigente não foi precisa na distribuição dos encargos executivos, tendo apenas estabelecido competências comuns aos entes federativos. Assim, conclui no mesmo sentido de Rigolon e Giambiagi (1999), ao afirmar que a descentralização das obrigações não se deu na mesma proporção das receitas. De acordo com Giambiagi e Além (2001), o governo central, antes da atual Constituição da República, ficava com 67% da receita proveniente do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), enquanto estados e municípios ficavam com os 33% restantes. Após 1988, o governo central passou a ficar com 53% do IR e 43% do IPI, enquanto aos estados e municípios couberam, respectivamente, 47% e 57%. Tal fato não significou que estados e municípios envidaram esforços na melhoria de sua condição fiscal. Antes pelo contrário, o que se verificou foi um crescimento abrupto das despesas, chegando, até mesmo a superar as receitas, ocasionando sucessivos deficits (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Por isso, houve um enorme entrave à política de estabilização brasileira, uma vez que os esforços fiscais do governo central eram parcialmente anulados pela displicência de estados e municípios com suas contas públicas. Rigolon e Giambiagi (1999) atribuem culpa parcial ao financiamento excessivo dos governos estaduais pelos respectivos bancos públicos sobre o fracasso do Plano Cruzado, em 1988, e do Plano Collor I em 1990 (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). A dívida líquida desses entes federativos evoluiu constantemente de um patamar de 5,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1989 para 14,4% em 1998. Isso representa um aumento considerável na participação da dívida líquida de estados e municípios em relação à dívida líquida total do setor público, que era de 15% em 1989, e passou a ser 39%, em média, entre 1995 e 1998 (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Comparando o quinquênio (1990-1994) com o quadriênio (1995-1998), se verifica a substituição de um superavit primário de 0,6% do PIB por um deficit primário de 0,4% em relação a estados e municípios. Ainda sobre esses, se verificou a ampliação do deficit operacional, que, no primeiro período, correspondia a 0,3% do PIB e, no segundo período, já equivalia a 2,1% do PIB. As despesas com juros reais passaram de 0,9% do PIB para 1,7%. A situação, portanto, se evidenciava insustentável no longo prazo (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Para Rigolon e Giambiagi (1999), uma das causas do endividamento dos estados está na atuação dos seus respectivos bancos estaduais, que financiavam excessivamente seus acionistas controladores ou emprestavam a terceiros em observância a critérios políticos. Em última instância, recorriam a reservas financeiras negativas ou aos mecanismos de assistência de liquidez do Banco Central. Com o lançamento do Plano Real, em julho de 1994, a questão se agravou ainda mais em função do fim súbito da megainflação, que, associado às altas taxas de juros reais, reduziram as receitas inflacionárias e anteciparam as esperadas crises de iliquidez dos bancos estaduais (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Embora o Plano Real tenha sido bem concebido, tal fato não significou que a inflação estava definitivamente controlada e que a economia brasileira estava imune às crises internacionais. A implantação do Plano Real deveria estar acompanhada de supervisão constante e da adoção tempestiva de medidas necessárias a preservar a estabilidade monetária (PEREIRA, Luiz, 1994). O fato de as finanças públicas dos estados se deteriorarem rapidamente nos idos das décadas de 1980 e 1990 não significou que o governo central tenha se quedado inerte. Desde 1987[2], o Banco Central já intervinha nos bancos públicos estaduais, mas em poucos casos prosseguiu com a liquidação dessas instituições. Em relação às grandes unidades da federação, o seu peso político se constituía como obstáculo a uma postura mais rígida por parte do Banco Central. Tal fato conduzia a um problema de ordem moral, uma vez que o refinanciamento sucessivo das dívidas dos estados os estimulava a prosseguir de maneira displicente em relação às suas finanças, amparado sempre na expectativa de novo socorro financeiro (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Segundo Souza (2003), a primeira medida mais consistente em relação às finanças dos estados se deu com a promulgação da Lei n. 7.976/89, que permitiu ao governo central assumir o endividamento externo daqueles, com prazo de pagamento de 20 anos. O prazo de carência era de cinco anos e se permitia o bloqueio de repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE) na hipótese de inadimplemento (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Em 1991, o governo federal possibilitou o refinanciamento da dívida dos estados com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), através da Lei n. 8.212/91. Já em 1993, foi a vez de refinanciar a dívida dos estados com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), autorizado pela Lei n. 8.620/93 (PEREIRA, João, 2008). Com a Lei n. 8.727/93, se refinanciou a dívida dos estados com instituições financeiras federais, a juros abaixo dos níveis de mercado, prazo de 20 anos e limite máximo de comprometimento de 9% da receita líquida real em 1994 e 11% para os anos seguintes. A inovação desta norma reside na possibilidade de bloqueio de receitas tributárias próprias dos estados (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), por exemplo) (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). “Relevante em relação a esse processo é que não consta que tenha havido uma pressão eficaz por parte da autoridade central no sentido de tomar medidas para evitar que os passivos novamente aumentassem. O governo federal trouxe para si compromissos estaduais e, de certa forma encorajou mais dívidas” (PEREIRA, João, 2008, p. 15). O Conselho Monetário Nacional (CMN), por meio da Resolução n. 2.008/93, proibiu o aumento da participação dos bancos privados na dívida estadual. Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 3/93, de 17 de março de 1993, restringe-se bruscamente a emissão de títulos de dívida por estados, municípios e Distrito Federal até 31 de dezembro de 1999. O Decreto n. 1.006/93 cria o Cadastro Informativo (CADIN) dos créditos de órgãos e entidades federais não quitados e veda a concessão de novos empréstimos a entidades em débito com a União (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Em 1994, o Senado Federal editou a Resolução n. 11/94, que “dispõe sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas autarquias, inclusive concessão de garantias, seus limites e condições de autorização”, exercendo sua competência privativa estabelecida no art. 52, VI, VII, VIII, e IX da Constituição da República vigente (BRASIL, 1995, p. 11). Em 1995, o Conselho Monetário Nacional aprovou o Programa de Saneamento Financeiro e de Ajuste Fiscal dos Estados, que previa refinanciamento de operações de Antecipação de Receita Orçamentária (ARO) e criava linhas de crédito para pagamento de pessoal e outras obrigações de curto prazo. Em contrapartida, os estados deveriam adotar medidas de austeridade fiscal e privatizar estatais (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Em 1996, foi editada a Medida Provisória n. 1.514/96, de 5 de setembro, que estabelecia “mecanismos objetivando incentivar a redução da presença do setor público estadual na atividade financeira bancária, dispõe sobre a privatização de instituições financeiras” (BRASIL, 1996). Finalmente, em 1997, foi editada a Medida Provisória n. 1.560/97, de 12 de agosto, posteriormente convertida na Lei n. 9.496/97, de 11 de setembro de 1997, que estabelecia “critérios para a consolidação, a assunção e o refinanciamento, pela União, da dívida pública mobiliária e outras que especifica, de responsabilidade dos Estados e do Distrito Federal” (BRASIL, 1997). “A iniciativa assegurou ao governo federal amplos poderes para renegociar as dívidas mobiliárias e contratuais dos estados” (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999, p. 20). O refinanciamento da dívida de estados e municípios contemplava um montante de R$ 101,9 bilhões, sendo R$ 77,5 bilhões sobe a égide de um financiamento de 30 anos, R$ 11,4 bilhões a serem amortizados com receitas de privatizações e R$ 13 bilhões correspondentes à diferença de encargos em relação à rolagem das dívidas entre a data de corte e a de assinatura dos respectivos contratos. Para se ter uma ideia da dimensão do programa de refinanciamento, o montante total correspondia a 11,3% do PIB e a 77,9% da dívida líquida de estados e municípios em dezembro de 1998 (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Os contratos contariam com o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) como indexador, além de juros de 6% a 7,5% ao ano. Mensalmente, os pactuantes poderiam comprometer, no máximo, 15% da sua Receita Líquida Real. Todos os estados, com exceção de Tocantins e Amapá, e o Distrito Federal firmaram ajustes com a União. O método de cálculo utilizado foi o da Tabela Price e, caso o valor a ser pago em determinado mês superasse o limite da receita líquida real estipulado em contrato, o valor excedente constituiria um novo montante a ser amortizado ao término dos 30 anos, em um prazo máximo de dez anos (PEREIRA, João, 2008). “Pela primeira vez, a União exigiu dos Estados que se comprometessem, por contrato, a respeitarem um conjunto de metas como contrapartida pela assunção de suas dívidas. As principais metas estabelecidas foram a obtenção de superávits primários e a diminuição da relação dívida/receita anual” (PIRES; BUGARIN, 2001, p. 5). Os novos contratos estavam garantidos pelas receitas próprias e pelo FPE, que poderia ser retido na hipótese de inadimplemento. Ficou vedada a emissão de dívida nova até que a dívida financeira do ente superasse a sua respectiva receita líquida real anual. Além disso, o descumprimento das metas do programa ou de alguma das cláusulas contratuais ensejaria o aumento da taxa de juros dos contratos para um ponto percentual superior àquela admitida pela União em sua dívida mobiliária própria e aumento do grau de comprometimento máximo da receita líquida real em quatro pontos percentuais (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Segundo Santos (2003), antes do refinanciamento da dívida, os estados basicamente apenas rolavam os compromissos existentes. O serviço da dívida aumentava cada vez mais porque os estoques de dívida se avolumavam, bem como se ampliavam o risco inerente e as correspondentes taxas de juros, de modo que a situação se tornava insustentável. Após o refinanciamento, o serviço da dívida se reduziu sensivelmente, os desembolsos aumentaram e novos compromissos não podiam ser assumidos, o que contribuía para uma melhor situação fiscal. “O estoque de dívida refinanciada assumida pela União representa um custo para toda a Federação, pois, enquanto os Estados irão pagar sua dívida com taxas de juros variando entre 6,0 e 7,5 % a.a, a União necessitará se financiar pela emissão de títulos pagando juros de mercado. O diferencial de taxas implica um subsídio aos Estados” (PIRES; BUGARIN, 2001, p. 5). O que se observa, pois, é que o refinanciamento da dívida dos entes subnacionais brasileiros, sob a égide da Lei n. 9.496/97, no contexto da época, embora incutisse naqueles um maior rigor fiscal, aparentava ser uma solução atraente, principalmente em perspectiva puramente financeira. 1.3 A solução se torna um problema Pelo levantamento bibliográfico apresentado, se denota um certo consenso em torno da insustentabilidade da dívida pública de estados e municípios, antes do refinanciamento das mesmas em 1997. Além disso, o estudo de Rigolon e Giambiagi (1999) foi otimista em relação à capacidade de o refinanciamento da dívida dos estados ser bem sucedido, ao concluir que o montante seria zerado em 2027 (Dívida Renegociada = 0,00). No citado estudo, foi apresentado um modelo constituído por dezessete equações, cujos resultados, segundo os autores, “não devem ser interpretados como previsões, mas sim como sinalizadores dos impactos esperados da renegociação das dívidas estaduais nos resultados fiscais dos estados e municípios” (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999, p. 24). Tal modelo funcionaria admitidas três hipóteses, quais sejam: 1 – taxa de juros real da dívida refinanciada igual a 6,6% ao ano (a. a.), 2 – taxa de juros real Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC) bruta diminui, gradativamente, de 27% a. a., em 1998, para 7,5% a. a. a partir de 2004, e 3 – crescimento real do PIB convergente em 5% a. a. (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). A taxa de juros real, igual a 6,6% a. a., equivale à média ponderada das taxas de juros estipuladas nos diversos contratos firmados, em observância à representatividade da dívida refinanciada em cada um deles. Além de concluir que o estoque de dívida seria zerado em 2027, o modelo apontou que as dívidas financeiras dos estados se igualariam às suas respectivas receitas líquidas reais a partir de 2013, o que lhes permitiria contrair novos endividamentos pela emissão de títulos (RIGOLON; GIAMBIAGI, 1999). Ocorre que as segunda e terceira hipóteses não têm se confirmado até então. Pelos Gráficos 1 e 2 abaixo, se verifica que o crescimento acumulado do PIB brasileiro até 2013 ficou consideravelmente abaixo do admitido no modelo, bem como que a taxa SELIC[3] ficou consideravelmente acima do admitido. Tais fatores convergem para uma situação fiscal dos estados pior do que a esperada e uma consequente maior dificuldade em honrar os compromissos assumidos. Sendo assim, a expectativa de que o estoque da dívida refinanciada seja zerado em 2027 é cada vez mais improvável a partir do modelo citado. Além disso, o modelo de Rigolon e Giambiagi (1999) considera apenas a taxa de juros real dos contratos, desprezando o indexador utilizado, no caso o IGP-DI. Entretanto, o indexador adotado nos contratos, como se verá adiante, é justamente uma das questões mais problemáticas que embasam as críticas ao processo de refinanciamento das dívidas dos estados. O Gráfico 3 abaixo demonstra a evolução dos índices IGP-DI e Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE), este tido como o índice oficial de inflação, acumulados, entre julho de 1994 e dezembro de 2014. De julho de 1994 até agosto de 1999, o valor acumulado para o IPCA, de maneira geral, foi superior ao valor acumulado para o IGP-DI. Contudo, a partir de setembro de 1999, o valor acumulado para o IGP-DI ultrapassa o valor acumulado para o IPCA e este fenômeno permanece até dezembro de 2014. Comparando os valores anuais dos citados índices entre 1995[4] e 2014, se pode verificar um comportamento bastante diversificado entre ambos, por se revezarem continuamente nas primeira e segunda colocações ao longo do tempo. O Gráfico 4 abaixo demonstra este comportamento. Embora o comportamento dos índices anuais seja bastante variado no período considerado, uma análise das respectivas curvas sugere que o IPCA é mais estável em comparação ao IGP-DI. Tal hipótese é confirmada pelo cálculo dos respectivos coeficientes de variação[5]: IPCA = 57,91% e IGP-DI = 71,98%, embora sejam ambos relativamente altos. O IGP-DI é uma das três variações do Índice Geral de Preços (IGP), calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV, e compreende o período entre o primeiro e o último dia do mês de referência. O IGP é composto por média ponderada entre outros três índices, quais sejam: Índice de Preços por Atacado (IPA), na proporção de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), na proporção de 30%, e o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), na proporção de 10% (PRESSER, 2003). Guimarães (2003) teceu duras críticas sobre a condição do IGP-DI de indexador de ativos financeiros, conforme o seguinte: “[…] a existência do IGP tem sido justificada como uma estimativa, de periodicidade mensal, do Deflator Implícito do PIB. Contudo, o IGP tem fornecido, nos últimos anos, uma má antecipação do Deflator […]. Apesar da discrepância sistemática entre o IGP e os demais índices de preços, a importância de sua substituição como indexador tem sido minimizada sob o argumento de que, ao longo do tempo, as variações dos diversos índices se compensam. O argumento é evidentemente descabido quando se trata da utilização do índice como indexador de ativos financeiros com vencimentos diferenciados no tempo. Além disso, o argumento é falso. Embora algumas discrepâncias possam ser compensadas no curto prazo, o que se tem constatado, ao longo dos últimos anos, é uma divergência crescente entre as variações acumuladas do IGP e dos demais índices. Assim, quando se considera a taxa de variação entre dois meses quaisquer com intervalo igual ou superior a doze meses, compreendidos entre janeiro/1996 e dezembro/2002, constata-se que a variação do IGP é inferior à sic do IPCA em apenas sete casos de um total de 2.628 combinações possíveis – esses sete casos foram observados em 1996/97 e, em nenhum deles, a diferença acumulada supera 0,4 pontos de percentagem. A crescente defasagem entre o IGP e os demais índices de preços reflete o efeito da flutuação do real sobre aquele índice a partir da introdução do regime de câmbio flutuante. O impacto da desvalorização real do câmbio sobre o IGP tem sido acentuadamente mais forte do que em relação ao IPCA. […] São significativas as conseqüências da adoção de um indexador de ativos financeiros e de contratos que não estima de forma adequada a inflação, em particular se o desvio tem sistematicamente a mesma direção. No caso dos ativos financeiros, a principal conseqüência é obliterar a própria essência do mecanismo de indexação: assegurar uma determinada taxa de juros real às partes envolvidas na operação. O viés do indexador implica que a taxa de juros real será diferente daquela esperada na contratação da operação financeira. Como o indexador supera sistematicamente a inflação observada, o ônus da adoção de um indexador inadequado recai sobre o tomador dos recursos; para o aplicador, a divergência dá origem a um bônus, que se acrescenta à taxa de juros contratada. […] No caso da dívida dos Estados e municípios refinanciada pela União, a adoção do IGP, em vez do IPCA, acarretou um aumento do saldo devedor superior a R$ 24 bilhões no ano passado[6].[…] Diante desse quadro, não é admissível ignorar que a utilização do IGP como indexador de ativos financeiros e contratos não contribui para o funcionamento eficiente da economia e cria dificuldades à execução da política econômica. Cabe, portanto, proceder à sua substituição” (GUIMARÃES, 2003). Outro aspecto nevrálgico sobre o refinanciamento da dívida dos estados se refere aos juros reais dos contratos. É notório que o governo central brasileiro empreendeu esforços, nos últimos anos, a fim de permitir uma redução da taxa SELIC. Segundo Rigolon e Giambiagi (1999), havia um subsídio implícito no refinanciamento da dívida dos estados decorrente da diferença entre a taxa de juros contratual e a taxa de juros de mercado. Considerando a imutabilidade dos juros reais dos contratos, o que ora se propõe é uma análise acerca da permanência do suposto subsídio, passados mais de dezessete anos desde a celebração dos contratos. Para tanto, efetuou-se uma comparação entre a taxa de juros real dos contratos, admitida em Rigolon e Giambiagi (1999) como 6,6% a. a. a partir de média ponderada entre as taxas estabelecidas nos diversos contratos, e a taxa SELIC no mesmo período, descontada a inflação oficial (IPCA da FIBGE). A taxa SELIC média anual se refere à mesma taxa utilizada na elaboração do Gráfico 2 deste artigo, cujos critérios de cálculo já foram anteriormente apresentados[7]. O resultado está sintetizado no Gráfico 5 seguinte:   Em conformidade com a metodologia descrita, verifica-se, pelo Gráfico 5, a existência, de fato, de uma menor taxa de juros real nos contratos refinanciados, porém até 2008 apenas. A partir de então, a taxa de juros real dos contratos supera a taxa SELIC média anual líquida, indicando que, neste período, o suposto subsídio inexistiu. Portanto, a estratégia de estabelecer uma taxa de juros real fixa para os contratos durante todo o período de sua vigência (30 anos) se revelou inadequada, em face de uma alteração significativa nas variáveis macroeconômicas, obtida a partir de um maior rigor fiscal em relação às contas públicas brasileiras com o passar do tempo. Mais apropriado seria adotar uma taxa de juros real que se reduziria progressivamente ao longo dos anos até um patamar mais condizente com as circunstâncias ou adotar uma cláusula contratual que permitisse uma revisão das taxas reais de juros periodicamente, de acordo com critérios previamente definidos. Certamente que o refinanciamento da dívida dos estados não pode ser interpretado como a celebração de um negócio financeiro puramente considerado, uma vez que eles, em contrapartida a juros supostamente subsidiados, se comprometeram a adotar um maior rigor fiscal em relação às suas contas públicas. Há de se considerar também a questão do limite máximo de comprometimento da receita líquida real (RLR), que poderia chegar a até 15%. Isto é, pelo método da Tabela Price, caso o valor a ser pago em determinado mês superasse o limite máximo da RLR, o excedente constituiria um novo saldo a ser quitado no prazo de 10 anos, após o decurso dos 30 anos de contrato. O limite efetivamente estabelecido dependeria de uma série de circunstâncias, tais como o montante pago à vista com recursos de privatizações e o próprio saldo negociado. Sem dúvida que o estabelecimento de um limite máximo de comprometimento é importante para que o gestor tenha uma segurança em face de eventuais superveniências financeiras, especialmente considerando as diversas vinculações que são impostas sobre a execução orçamentária, como os gastos mínimos com educação e saúde, por exemplo. Entretanto, o limite máximo de comprometimento não pode ser interpretado como regra, mas como exceção, sob pena de o processo de refinanciamento das dívidas fracassar por completo, uma vez que restará um saldo remanescente a ser pago posteriormente. Estar-se-ia, portanto, apenas postergando um problema para o futuro, em proporções possivelmente ainda maiores. “O valor pago pelos Estados para custear a dívida não tem sido suficiente para amortizar o saldo devedor, uma vez que existe o limite de comprometimento da Receita Líquida Real, que varia de 11,5% a 15%. Esse fato gera uma trajetória ascendente de endividamento ao longo do prazo de liquidação dos contratos” (MINAS GERAIS, 2012, p. 2). É difícil, senão impossível, analisar essa variável separadamente, uma vez que o sucesso do programa de refinanciamento de dívidas dos estados depende de outras variáveis. O estudo de Mora e Giambiagi (2005) apresenta uma série de simulações considerando os limites de comprometimento, bem como o crescimento da receita e do PIB. Verificou-se forte elasticidade entre o crescimento da receita e do Produto Interno Bruto. Ressalte-se que a receita de alguns estados, como Minas Gerais, por exemplo, também apresenta considerável elasticidade em relação ao nível de exportação, uma vez que sua produção é destinada, em grande medida, ao exterior. Em Mora e Giambiagi (2005), constatou-se, ainda, que o crescimento do PIB tem ficado aquém das expectativas que embasaram a formatação dos planos de amortização das dívidas. Além disso, demonstrou-se preocupação em relação à evolução da dívida de alguns estados, quais sejam: Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Alagoas e Rio Grande do Sul, que poderia ser amenizada com um maior limite de comprometimento. Nos casos de Goiás e Mato Grosso, embora a relação dívida/receita seja bastante alta e preocupante, a conjugação de ganhos na captação de receita e a definição de altos limites de comprometimento da RLR conduzem a uma expectativa de quitação da dívida, desde que se confirme um padrão razoável de crescimento da receita futuramente (MORA; GIAMBIAGI, 2005). Sobre Minas Gerais, pesa a combinação de uma taxa de juros real alta (7,5%), potencializada pelos efeitos do IGP-DI, com um estoque alto de dívida negociada, que não indicam um equacionamento da mesma no prazo estabelecido. Em relação a São Paulo, não se observou um crescimento extraordinário da receita, supostamente pelo fato de o estado já contar com uma relativa eficiência tributária, e esta ainda foi comprometida pela transferência de unidades produtivas para outros estados, em decorrência da guerra fiscal. Por isso, a evolução da dívida de São Paulo também causa preocupação (MORA; GIAMBIAGI, 2005). Alagoas não conta com o dinamismo econômico de outras unidades da federação e sua despesa com pessoal alcançou patamares altos, que comprometem sua capacidade de pagamento da dívida no prazo acordado. Finalmente, o problema apontado para Rio Grande do Sul está nos gastos com pessoal, gerado por uma relativamente baixa arrecadação previdenciária associada a altas taxas de expectativa de vida, afetando o seu equilíbrio atuarial e onerando demasiadamente suas despesas (MORA; GIAMBIAGI, 2005). Os estudos mais recentes sobre o assunto concluem, basicamente, no mesmo sentido, qual seja: há um relativamente pequeno grupo de estados, cuja situação fiscal é mais grave, que terão maior dificuldade em quitar seus débitos negociados com a União, se é que isto ocorrerá. Embora pequeno numericamente, o montante da dívida desses estados é bastante relevante, quando comparado ao montante total. Segundo Flores (2013), vinte estados brasileiros possuem relação entre a dívida e a receita corrente líquida inferior a um, em 2010, o que é um bom resultado. Contudo, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul possuem essa relação superior a 1,5 no mesmo ano e suas dívidas correspondem a mais de três quartos da dívida total dos estados. Acrescenta, ainda, que, embora a dívida dos estados em relação ao PIB tenha reduzido de 15,6% para 9,9%, no período entre 2001 e 2011, a dívida refinanciada com a União reduziu num ritmo menos intenso que as demais. Para Campo (2014), desconsiderando as alterações trazidas pela Lei Complementar n. 148/14, os estados de São Paulo, Minas Gerais, Alagoas e Rio Grande do Sul, possivelmente, não conseguirão zerar o saldo ao término dos 360 meses de prazo, sendo que este último talvez não consiga fazê-lo mesmo no prazo adicional de 120 meses. Campo também assevera que os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul continuarão desembolsando com o serviço da dívida algo próximo do limite máximo de comprometimento (13% da RLR), pelo menos, até 2025, o que compromete severamente suas capacidades de investimento. “[…] todos os Estados pagam em dia as parcelas da dívida. Juntos, eles deviam à União R$137 bilhões em 2000, pagaram aproximadamente R$131 bilhões até 2010 e ainda devem R$350 bilhões.” (MINAS GERAIS, 2012, p. 2). “Algumas avaliações da literatura recente sobre o tema, como Piancastelli e Miranda (2008), apontaram para melhorias no quadro geral das finanças estaduais no período 1995-2006, com melhoria do indicador despesas/receita corrente líquida. Entretanto, segundo estes autores, o investimento público dos estados estaria em rota descendente nos anos analisados, tornando-se um motivo de forte preocupação. A análise tende a apontar que o processo de ajustamento às novas condições impostas pela renegociação não tem sido fácil. Seus resultados, quanto à criação de um terreno sólido para a retomada do crescimento econômico em bases mais robustas, têm se mostrado muito lentos. Para os governos estaduais no Brasil contemporâneo, cada vez mais se configura um quadro de passividade quanto ao desenho e à implementação de políticas públicas. Os estados têm se caracterizado como meros administradores de recursos transferidos da União para políticas centralmente definidas – principalmente, saúde, educação e assistência social – e como negociadores apáticos de propostas de investimento junto à União e suas estatais e ao capital privado. A centralização de receitas tributárias na esfera da União e, por conseguinte, a baixa participação dos estados na base tributária nacional têm sido elemento favorável à lentidão observada na recuperação das finanças estaduais” (SILVA; MONTEIRO NETO; GERARDO, 2014, p. 121). A consequência da situação apresentada é o papel coadjuvante de estados e municípios na implementação de políticas públicas que busquem a superação do subdesenvolvimento e do enorme fosso que separam ricos e pobres no Brasil. Sobre o assunto, leciona Monteiro Neto: “Comprimidos, de um lado, pela expansão dos gastos em políticas sociais (educação, saúde, previdência e assistência social), pelas regras de renegociação do endividamento (e seus encargos) junto ao governo federal e, de outro lado, pela estabilidade da trajetória das fontes de recursos próprios (ICMS) e redução dos montantes de transferências constitucionais (FPE), os governos estaduais se veem sic limitados em suas capacidades para desenhar e implementar trajetórias de desenvolvimento em seus territórios” (MONTEIRO NETO, 2014, p. 318). Tal situação corrói a legitimidade dos entes subnacionais brasileiros, porquanto inviabiliza suas capacidades de atender às demandas das sociedades locais no tempo e na medida adequados, atentando, inclusive, contra o pacto federativo, uma vez que o único ente federado que possui uma margem orçamentária alocativa substancial é o governo central. 1.4 O que muda com a Lei Complementar n. 148/14 No dia 26 de novembro de 2014, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Complementar n. 148/14, de 25 de novembro de 2014, que traz importantes alterações na Lei n. 9.496/97, por dispor sobre os critérios de indexação dos contratos de refinanciamento da dívida celebrados entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios (BRASIL, 2014). A primeira alteração se refere à autorização para a União substituir os juros reais dos contratos, que variam entre 6 e 7,5% ao ano, para 4% a. a. (BRASIL, 2014). Certamente que esta alteração é significativa por que importa na redução de 33,33% a até 46,67% da remuneração do montante refinanciado. Ressalte-se que a nova taxa é indistinta em relação à situação dos entes pactuantes, diferentemente do que estabelecido na legislação original. Um aspecto negativo é que novamente se optou por estabelecer uma taxa fixa, em tese, para todo o período de vigência dos contratos. Ou seja, caso haja uma nova alteração nas variáveis macroeconômicas, que permitam juros reais menores, o programa de refinanciamento das dívidas dos entes subnacionais necessitará de um novo ajuste via alteração normativa, o que será, provavelmente, precedido de um longo debate político e mensuração de forças intrafederativas. Retomando o Gráfico 5 deste trabalho, tem-se que apenas nos anos de 2012 e 2013, conforme metodologia de cálculo então descrita, a SELIC líquida foi inferior a 4% a. a., o que indica que a nova taxa de juros foi redefinida em parâmetros razoáveis. Em tempo, há de se esclarecer que a nova remuneração aplicar-se-ia apenas a partir de 1º de janeiro de 2013. Outra alteração fundamental está na substituição do indexador que era o IGP-DI e passa a ser o IPCA da FIBGE, também apenas a partir de 1º de janeiro de 2013 (BRASIL, 2014). Certo que o IPCA tem um comportamento mais estável e previsível que o IGP-DI, como já amplamente abordado neste estudo. O Gráfico 6 seguinte apresenta a variação dos cinco principais índices de preços brasileiros (Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), IGP-DI, IPC geral, Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e IPCA) entre 1995 e 2013, bem como da média entre esses índices no mesmo período.   Em seguida, efetuou-se o cálculo dos índices de correlação entre cada um dos cinco índices e a média, tendo chegado aos seguintes resultados: IPC geral (87,19%), IGP-DI (89,07%), IPCA (89,85%), IGP-M (89,87%) e o INPC (91,55%). Tais resultados sugerem que o INPC é mais estável em relação à média do que os outros quatro índices considerados. Portanto, seria sua admissão como indexador dos contratos a escolha mais equilibrada dentre as analisadas. Mesmo assim, a substituição do IGP-DI pelo IPCA já é um passo importante na tarefa de se admitir um indexador mais sóbrio aos contratos de refinanciamento estudados. Além de substituir a remuneração e o indexador dos contratos, a Lei Complementar n. 148/14 também prevê uma remuneração alternativa que é a taxa SELIC, aplicável quando as novas taxas estabelecidas a superarem (BRASIL, 2014). Novamente, há uma evolução importante no sentido de que, não sendo possível preservar o subsídio implícito no refinanciamento das dívidas, seja pelo menos adotada uma equivalência entre os custos de captação por parte da União e os custos de refinanciamento dos entes subnacionais. Adicionalmente, permite-se uma revisão do montante inicialmente refinanciado até 1º de janeiro de 2013, tendo como parâmetro de remuneração a taxa SELIC (BRASIL, 2014). Foge aos objetivos deste estudo calcular, caso a caso, a pertinência desta alteração. Contudo, há de se concluir que a revisão do cálculo somente será efetivada, caso a caso, se o novo montante, em 1º de janeiro de 2013, for inferior ao saldo calculado com as condicionantes originais. Portanto, este dispositivo, se não ajudar, também não piorará o status quo ante. De acordo com o artigo 4º da Lei Complementar n. 148/14, as novas condicionantes serão aplicadas apenas mediante a celebração de aditivos aos contratos vigentes. Conforme art. 8º, a entidade subnacional somente poderá contrair novas dívidas desde que incluídas no respectivo Programa de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, caso ainda exequível (BRASIL, 2014). Finalmente, a Lei Complementar n. 148/14, em seu artigo 11, veda a emissão de títulos de dívida pública mobiliária por Estados, municípios e Distrito Federal indistintamente (BRASIL, 2014). Como se observa, o pleito de governadores e prefeitos de que se alterassem os limites máximos de comprometimento não foi acolhido. Naturalmente que uma alteração nesse sentido, embora desejável para a ampliação da capacidade de investimento de estados, municípios e Distrito Federal, seria temerária em função da situação de alguns deles em relação ao refinanciamento das dívidas. Portanto, o mais prudente seria, de fato, manter inalterados os limites originalmente estabelecidos. Segundo Cabral, “em qualquer cenário pode-se esperar que a revisão da dívida irá indiscutivelmente aliviar tensões federativas e ajudar a equacionar financeiramente os investimentos a serem realizados pelos entes (Saúde, Educação, mobilidade, etc.)” (CABRAL, 2014). Para o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, “O estudo desenvolvido pelo Tribunal de Minas, parte integrante do parecer prévio/2010, é exemplo de interferência promissora do Controle Externo nas políticas públicas, pois, levado à discussão às Assembleias Legislativas Estaduais, incrementou a mobilização política no âmbito federal, culminando na aprovação da Lei que significará, somente para Minas Gerais, uma redução em valores de 2013, de R$ 59,370 bilhões ao final do contrato em 2028, ocasião em que a dívida será quitada sem nenhum valor residual ou prorrogação contratual. A nova lei modifica expressivamente a trajetória do endividamento de nosso Estado que, além de quitar a dívida com a União em 2028 ‒ no cenário anterior seria possível somente em 2038 ‒, ficará livre do comprometimento de 13% da receita base, hoje em torno de R$400,00 milhões/mês, que poderão ser aplicados em políticas essenciais para o Estado” (MINAS GERAIS, 2014). A revisão dos termos do refinanciamento das dívidas de estados, municípios e Distrito Federal, sob a égide da Lei n. 9.496/97, foi, portanto, muito bem recebida e é promissora em relação à situação fiscal desses entes. O mais importante disso tudo é que a lição seja aprendida e que a irracionalidade do endividamento público experimentado nas últimas décadas do século XX, no Brasil, não volte a vigorar, porquanto absolutamente destoante dos primados da Constituição da República vigente e da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/00). Que a superação deste dilema simbolize o nascimento de uma nova administração pública brasileira, mais responsável e mais responsiva ao atendimento das demandas da sociedade. CONCLUSÕES Desde a década de 1980, os entes subnacionais brasileiros se enveredaram por uma trajetória perniciosa de endividamento, caracterizada pelo socorro dos bancos públicos aos recorrentes deficits anuais acumulados. Com a promulgação da atual Constituição da República, em 1988, o federalismo fiscal brasileiro apresentou uma nova configuração, de modo que estados e municípios passaram a auferir receita que antes pertencia à União, mas este movimento não foi acompanhado da redistribuição de despesas. Rapidamente, o excedente de receitas foi capturado por gastos correntes de estados e municípios. Com a implantação do Plano Real, em 1994, verificou-se que o mecanismo da âncora cambial seria insuficiente a zelar pela estabilidade monetária, sem que algo fosse feito em relação às contas públicas brasileiras. Acompanhando a trajetória de endividamento de estados e municípios o governo central brasileiro reagiu periodicamente, sem que houvesse uma solução definitiva, até a promulgação da Lei n. 9.496/97. O refinanciamento das dívidas de estados e municípios, com a promulgação da mencionada Lei, permitiu que o crescente endividamento fosse racionalizado. Em troca de condições supostamente subsidiadas, os entes subnacionais assumiram uma série de compromissos fiscais, incluindo a interrupção da emissão de títulos de dívida e a realização de privatizações de estatais, principalmente de seus bancos públicos. Ocorre que os termos em que os contratos foram celebrados se revelaram inadequados ao longo do tempo, seja por causa da flexibilização do câmbio no princípio de 1999, seja pela mudança no comportamento das variáveis macroeconômicas, que permitiram juros reais mais baixos. O resultado foi que a dívida refinanciada, pelo menos em relação aos estados mais endividados, assumiu um comportamento preocupante, por um lado constrangendo as capacidades de investimentos dos pactuantes, e por outro sem apresentar uma perspectiva de amortização plena no prazo estabelecido. Com a promulgação da Lei Complementar n. 148, em 2014, deu-se um passo importante na tentativa de reduzir a pressão sobre as finanças dos entes subnacionais e de se retomar a sobriedade das condições assumidas nos contratos firmados.
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Condutas vedadas aos agentes públicos no ano de eleições: comparecimento em inauguração de obras públicas
É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas.
Direito Administrativo
1. Introdução Após a Emenda Constitucional que permitiu a reeleição do Chefe do Poder Executivo, sem o afastamento do cargo para concorrer às eleições, surgiu a necessidade de serem estabelecidos critérios para que não fosse beneficiado com a inauguração de obras públicas em detrimento dos demais candidatos. Por essa razão, estabelece o artigo 77, da Lei nº 9.504/97, que “é proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas”. 2. Finalidade da norma O artigo 77, da Lei n° 9.504/97 visa impedir o uso da máquina em favor de candidatura e reprimir o abuso do poder político em detrimento da moralidade do pleito[1]. O que a lei pretende vedar é a utilização indevida, ou o desvirtuamento da inauguração em prol de candidato, fato, aliás, que pode ser apurado na forma dos artigos 19 e 22 da Lei Complementar n° 64/90[2]. Por isso, nos três meses anteriores a realização das eleições, nenhum candidato poderá comparecer em inaugurações de obras públicas. 3. Sujeito ativo da norma A nova redação dada ao artigo 77, da Lei nº 9.507/97, pela Lei nº 12.034/09, estendeu a proibição não apenas aos agentes públicos que pleiteiam cargo a Prefeito, mas também aqueles que tenham pretensão de concorrer a um cargo no Poder Legislativo. A redação anterior vedava apenas a presença em inaugurações dos candidatos a cargo no Poder Executivo. Esta conduta vedada aplicava-se somente aos agentes públicos. Agora, é proibido “a qualquer candidato”, seja ele agente público ou não. Ensina o Professor Dr. Alexandre Luis Mendonça Rollo que com a novidade introduzida pela Lei nº 12.034/09 “todo e qualquer candidato, indistintamente, fica proibido de participar de inaugurações de obras públicas nos três meses anteriores ao pleito”. E ainda segundo o autor, “a norma em questão tem conteúdo de regra moralizadora das eleições, tendo sido editada com a finalidade precípua de tolher o uso indevido da máquina pública. E para que atinja tal escopo, são tidos por incluídos no âmbito da proibição legal, não somente aqueles que buscam a reeleição ou somente os candidatos vinculados de alguma forma aos que estão no exercício da Administração Pública, realizadora da obra inaugurada, mas todos aqueles que participem da inauguração, busquem haurir algum benefício político no período vedado pela norma”[3]. Agente público afastado ou licenciado legalmente do cargo, tal como de férias, licença-prêmio ou licença para disputar mandato eletivo pode comparecer em inauguração de obra pública entendemos que também não podem comparecer a inauguração de obras públicas, pois o legislador eleitoral não inseriu a proibição de comparecimento em inauguração de obras públicas nas condutas vedadas aos agentes públicos previstas no artigo 73, mas em uma norma autônoma, embora prevista no mesmo capítulo, mas que literalmente menciona que a proibição é aplicável a todos os candidatos. Por isso, mesmo aqueles que não são agentes públicos, e que estão afastados do exercício do cargo, estão proibidos de comparecer em inaugurações de obras públicas. Se a norma fosse aplicável apenas aos agentes públicos candidatos, o responsável pela obra, candidato, querendo promover suas realizações, destacaria outros candidatos, que não exerçam cargos públicos, para comparecerem a inauguração e lá promoverem a imagem do governo. Essa foi a razão maior da alteração ocorrida no texto do artigo 77, que antes proibia apenas o Chefe do Poder Executivo e com o advento da Lei nº 12.034/99, estendeu tal proibição a todos os candidatos. Outro motivo ensejador desta alteração na lei é que muitas inaugurações, nas vésperas das eleições, estavam se tornando reuniões de campanha, onde muito embora não haja distribuição de panfletos, há o assédio ao cidadão que não é candidato, em um bem público, onde a campanha eleitoral já é proibida, e também esses candidatos não agentes públicos acabam desfigurando a finalidade da inauguração da obra pública, que é exclusivamente a entrega do equipamento ou prédio público em benefício do interesse geral. 4. Conduta vedada Já disse o Tribunal Superior Eleitoral ser irrelevante para a caracterização da conduta se o candidato compareceu como mero espectador ou se teve posição de destaque na solenidade[4]. Mas também em outra oportunidade analisando a mera presença do candidato na inauguração de obra pública, como qualquer pessoa do povo, sem destaque e sem fazer uso da palavra ou dela ser destinatário, entendeu não configurar o ilícito previsto no artigo 77 da Lei nº 9.504/97[5][6]. É lógico que é uma interpretação extremamente perigosa, pois em outra oportunidade o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro da candidatura do Prefeito a reeleição porque ele estava na esquina da rua que dava acesso ao local onde estava ocorrendo a inauguração e, mesmo ele não tendo comparecido no local, permaneceu a poucos metros dali, interceptando os eleitores pelo único caminho que os carros poderiam passar. Portanto, a melhor orientação é: não compareça em inauguração de obras públicas nos três meses anteriores ao pleito. É justamente esta a posição do Tribunal Superior Eleitoral. O legislador, no artigo 77, da Lei nº 9.504/97, proíbe o comparecimento em inaugurações de obras públicas. Ocorre que, muitos eventos municipais, mesmo não se tratando de inauguração de obra pública, podem estar voltados para a promoção de candidaturas. Assinaturas de convênios, sorteios de casas populares, desfiles cívico-militares, festas, tudo vai depender da análise do contexto, ou seja, da postura que o candidato e a Administração Pública assumem no evento, mesmo não sendo uma inauguração. Se há identificação do candidato, enaltecendo os seus valores e realizações, discursando ou sendo citado e elogiado pelo orador do evento, certamente a matéria será objeto de discussão na Justiça Eleitoral. No âmbito das chamadas condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas, cuja disciplina encontra-se inserta na Lei nº 9.504/97, artigos 73 a 78, imperam os princípios da tipicidade e da estrita legalidade, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previamente definido pela lei[7]. Somente o comparecimento em inauguração de obra pública é vedada pelo legislador. Se o candidato for a uma inauguração, que não seja de obra pública, vedação alguma existe. Se, por outro lado, comparece a um evento realizado em uma obra pública, que não seja sua inauguração, também conduta vedada alguma estará praticando. Essa conduta vedada exige os seguintes elementos para que seja devidamente caracteriza a sua tipicidade: a) praticada por candidato; b) em inauguração; c) de obra pública na circunscrição do pleito. Com a alteração introduzida pela Lei nº 13.165/15 no artigo 8º, da Lei nº 9.504/97, o prazo para realização das convenções partidárias passou a ser de 20 de julho a 5 de agosto no ano em que se realizarem as eleições. Como a vedação do artigo 77 é imposta nos três meses anteriores as eleições, dependendo do dia em que as eleições se realizam, haverá alguns dias do mês de julho, que certamente estarão inseridos dentro do período de proibição, mas acontece que candidato algum haverá, pois as convenções são agora somente a partir de 20 de julho. Pela redação anterior do artigo 8º, as convenções seriam de 12 a 30 de junho, foram do período vedado pelo artigo 77. As leis brasileiras são mesmo muito ruins. Deveria o legislador ter previsto esta hipótese, legislado sobre a matéria e não ter deixado a mercê do interprete. Nossa opinião, e certamente isso ainda será objeto de apreciação pelo Tribunal Superior Eleitoral, é que o cidadão, na expectativa de ser candidato as eleições, faça esse pequeno sacrifício em prol do equilíbrio nas eleições e deixe de comparecer a qualquer inauguração de obra pública nos três meses antes do pleito, mesmo que sejam antes do registro de sua candidatura, pois se vir a se tornar candidato haverá a confirmação de que não poderia ter  estado no local, em função da norma do artigo 77. Além disso, independentemente do prazo de três meses antes das eleições, temos o abuso do poder político e o abuso do poder econômico, que poderão ser invocados caso a inauguração seja utilizada com fins manifestamente eleitoreiros. Essa não é uma situação única na legislação eleitoral que revela uma incompatibilidade entre o prazo para registro das candidaturas e condutas vedadas. A Lei Complementar nº 64/90 impõe o afastamento dos agentes públicos com competência para lançamento ou arrecadação de tributos com seis meses de antecedência do pleito e, caso sejam servidores efetivos, ficam um período enorme entre seu afastamento e o registro da candidatura sem receber remuneração, a menos que o órgão da Administração Pública ao qual é vinculado tenha previsto em lei a possibilidade de remuneração por todo o período de afastamento. Caso não seja confirmado o registro da candidatura, que compense com desconto parcelado na remuneração ou desconto dos dias de férias e licença-prêmio, se houver. A previsão disso tudo em lei é fundamental, atendendo ao Princípio da Legalidade na Administração Pública, previsto no artigo 37, da Constituição Federal e de acordo com os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles sobre o tema, que nos filiamos. 5. Assinatura de convênios Não caracteriza a conduta vedada do artigo 77, da Lei das Eleições, a participação do candidato em solenidade que teve por fim assinatura de convênio, principalmente quando as circunstâncias do caso, embora demonstrem tratar-se de obra pública, evidenciam a inexistência de hipótese de inauguração[8]. 6. Sorteio de casas populares Da mesma forma, não há violação a norma do artigo 77 no sorteio de casas populares, por ser ato de governo diverso da inauguração, essa sim proibida pelo legislador[9]. 7. Inauguração de obra pública com recursos estaduais O comparecimento do candidato a cargo no Poder Executivo ou Legislativo em evento com a presença do Governador do Estado, destinado a inauguração de obra pública com recursos estaduais, sem participação do Município, não configura conduta vedada no período eleitoral, contanto que não tenha beneficiado diretamente o candidato[10]. A disciplina das condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral visa coibir a utilização da máquina administrativa em benefício de determinada candidatura. Por isso, o candidato que comparece à inauguração de obra promovida pelo seu adversário político, sem auferir vantagem político-eleitoral com o evento, não incide, por isso, a sanção prevista no artigo 77, parágrafo único, da Lei 9.504/97[11]. 8. Obras particulares Somente a participação do candidato em inauguração de obras ou instalações públicas é proibida pelo artigo 77, da Lei nº 9.504/97. O comparecimento do candidato, no período de três meses anteriores ao pleito em inaugurações de obras ou instalações particulares não é vedado[12]. 9. Obras públicas fora da circunscrição territorial Não constituiu conduta a ser alcançada pelo artigo 77, da Lei nº 9.504/97, a participação de candidato em inauguração de obra pública, fora da circunscrição territorial pela qual disputa cargo eletivo, considerado o conceito de circunscrição previsto no artigo 86, do Código Eleitoral[13]. 10. Comparecimento em obras públicas após a inauguração O candidato a cargo do Poder Executivo que visita obra já inaugurada não ofende a proibição contida no artigo 77, da Lei nº 9.504/97. Já foi matéria de apreciação pelo Tribunal Superior Eleitoral que decidiu que “não configura situação jurídica enquadrável no artigo 77, da Lei nº 9.504/97 o comparecimento de candidato ao local após a inauguração da obra pública, quando já não mais estão presentes os cidadãos em geral[14]“. 11. Descerramento de placas de obras públicas O descerramento de placa de novo nome de praça já existente não configura inauguração de obra pública a que se refere o artigo 77 da Lei no 9.504/97, sendo tal conduta inerente às atribuições do cargo do administrador público[15]. 12. Vistoria de obras públicas Tornou-se pratica comum, após a vedação imposta pelo artigo 77, da Lei de Eleições, o comparecimento de candidatos, especialmente Prefeito, Governador ou Presidente, para vistoriar a execução das obras públicas, antes de sua inauguração. A lei eleitoral estabelece normas restritivas, e como tal devem ser interpretadas restritivamente. A lei proíbe apenas o comparecimento em inauguração de obra pública. As vistorias não estão proibidas pelo legislador e estão inseridas dentro da competência do Poder Executivo para acompanhar e fiscalizar as obras e serviços de engenharia, fazendo sua gestão contratual, além do Legislativo Municipal também possuir dentre suas competências a fiscalização dos atos do Executivo. 13. Festa da cidade Antes de mais nada, é importante a seguinte ideia em nossas interpretações: a lei eleitoral mencionou inaugurações. Ou seja, apenas o comparecimento em inaugurações de obras públicas é vedado nos três meses que antecedem a realização da eleição. Tudo aquilo que não for inauguração de obra pública não impede o comparecimento do candidato. Logo, as festas tradicionais realizadas nas cidades, tal como a Festa do Morango, a Festa de Bordados de Ibitinga, a Festa da Tainha, não estão inseridas dentro do conceito de inauguração de obra pública. Aqui cabe ainda uma advertência, pois as festas tradicionais da cidade ocorrendo em bem público de uso comum do povo, não poderão ser utilizados como instrumentos para captação de votos, com clara atuação de assessores, servidores comissionados ou cabos eleitorais fazendo panfletagem, dando discurso no palco locado pela Prefeitura para a Festa, repetidos agradecimentos ao Prefeito ou demais candidatos. A utilização da festividade com fins eleitoreiros, se em local público, estaria violando a vedação de utilização de bens públicos em campanha, ou até mesmo, dependendo do caso, dos equipamentos locados para o evento. Como foi dito, a festa pode realizada, mas deve ser feita como é em todos anos, ou seja, é só não fazer campanha eleitoral no local de sua realização, para não dar a conotação de que a festa foi patrocinada para promover a candidatura a reeleição do Prefeito, se for o caso, ou a eleição do candidato que apoia. Pode comparecer na festa o Prefeito candidato a reeleição? Pode, mas não fazer campanha na festa paga com recursos públicos, tal como nela discursar elogiando sua Administração ou fazendo críticas as propostas do adversário. Esclarecemos também que a festa não entra no conceito de distribuição gratuita de bens, serviços ou vantagens, também não é equiparada a um programa social. Mas aqui também fica a nossa advertência: façam a festa tradicional da mesma forma que foi realizada nos anos anteriores, sem acréscimos nas quantidades de refeições, medalhas ou troféus, a menos que esse acréscimo seja justificável e dentro da razoabilidade. 14. Cassação do registro da candidatura O Tribunal Superior Eleitoral já firmou entendimento no sentido de que, quanto às condutas vedadas do artigo 73, da Lei nº 9.504/97, a sanção de cassação somente deve ser imposta em casos mais graves, cabendo ser aplicado o princípio da proporcionalidade da sanção em relação à conduta. Com base nos princípios da simetria e da razoabilidade, também deve ser levado em consideração o princípio da proporcionalidade na imposição da sanção pela prática da infração ao artigo 77, da Lei das Eleições. Foi por tal razão que o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que "afigura-se desproporcional a imposição de sanção de cassação a candidato à reeleição ao cargo de deputado estadual que comparece em uma única inauguração, em determinado município, na qual não houve a presença de quantidade significativa de eleitores e onde a participação do candidato também não foi expressiva[16]". Entretanto, o parágrafo único, do mesmo artigo 77, prevê que "a inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma." Daí porque a melhor orientação é que o candidato não compareça a inaugurações públicas nos três meses que antecedem o pleito, mesmo que apenas como mero espectador, pois a matéria é divergente no Tribunal Superior Eleitoral, e a não aplicação da pena literalmente prevista no parágrafo único, que é a cassação do registro ou diploma, por uma pena menor, ou seja, apenas multa, vai depender da interpretação dos julgadores ao caso concreto. 15. Conclusão Nos três meses que antecedem a realização das eleições é proibido o comparecimento de candidatos na inauguração de obras públicas, mesmo que não seja agente público, sob pena de cassação do registro ou diploma da candidatura, devendo a lei ser interpretada literalmente, ficando afastadas da proibição a assinatura de convênios, sorteio de casas populares, vistorias de obras, festas tradicionais.
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Singelos comentários ao solo criado como bem da administração pública
O conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Imerso nas modificações produzidas pelo Estatuto das Cidades, o presente analisa o instituto do solo criado, na condição de bem pertencente ao Município, e suas implicações em relação a particulares.
Direito Administrativo
1 Argumentos Inaugurais: Breve Histórico das Terras Públicas Em uma primeira plana, cuida destacar que o regime de terras públicas sofreu maciças mutações com o transcorrer da história, desde a descoberta do Brasil. Inicialmente, todas as terras pertencerem à Coroa Portuguesa, eis que se tratava de aquisição originária, consistente no direito de conquista, que vigorava à época. Como bem anota Hely Lopes Meirelles, “no Brasil todas as terras foram, originariamente, por pertencentes à Nação Portuguesa, por direito de conquista”[1]. Sucessivamente, o domínio, de natureza estatal, passou ao Brasil-Império e ao Brasil-República. Com o advento da evolução do regime, diversas áreas públicas foram sendo, de maneira paulatina, transferidas a particulares, apesar de ocorrer de maneira desordenada e não serem os critérios adotados para a privatização de o domínio imobiliário ser muito bem conhecidos. Anote-se, por oportuno, que os instrumentos mais conhecidos foram as concessões de sesmaria e as concessões de data. A primeira era espécie de concessões era “assemelhadas à atual doação com encargos, outorgadas no sistema de capitanias hereditárias e, logo depois, pelos governadores gerais”[2]. Frise-se que os sesmeiros deveriam cumprir determinadas obrigações, dentre as quais o cultivo da terra[3]. As concessões de data, por sua vez, “era a doação que as Municipalidades faziam de terrenos das cidades e vilas para a edificação particular”[4]. Com efeito, tais concessões eram outorgadas a título gratuito. Saliente-se, ainda, que a transferência de terras públicas aos particulares poderia se efetivar por meio de compra e venda, doação, permuta e legitimação de posses. Nesta esteira, a Lei Imperial Nº 601, de 18.09.1850[5], que dispõe sobre as terras devolutas do Império, foi responsável por traçar os aspectos conceituais de terras devolutas, exigindo que sua alienação se desse por venda, e não mais gratuitamente, salvo específicas áreas localizadas em zonas limítrofes com outros países, numa faixa de dez léguas, as quais poderiam ser concedidas gratuitamente. O aludido diploma foi responsável, ainda, por tratar da revalidação das concessões de sesmarias e outras do Governo geral e provincial; sobre a legitimação das posses, estabeleceu o comisso; e, instituiu o processo de discriminação das terras públicas das particulares[6]. “Não é, portanto, desarrazoada a regra segundo a qual toda terra, sem título de propriedade particular, se insere no domínio público”[7]. Quadra ponderar que a denominada Lei de Terras foi regulamentada pelo Decreto Imperial Nº. 1.318, de 30.11.1854[8], que foi responsável pela criação da Repartição Geral de Terras Públicas, bem como regulou a medição de terras públicas, a legitimação das particulares e a venda das terras públicas. Igualmente, o decreto ora aludido instituiu as terras reservadas e a faixa de fronteiras, bem como estabeleceu o regime de fiscalização das terras devolutas e regulou o registro paroquial. 2 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: As Mutações do Espaço Urbano propiciadas pela Ambiência Contemporânea O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[9]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que: “Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado”. (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011). “Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012) O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[10]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[11], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [12]. Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[13], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[14], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que: “Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). “Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005). Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas. 3 Objetivo da Política de Desenvolvimento Urbano: Inicialmente, cuida anotar que o meio ambiente artificial não está disciplinado tão somente na redação do artigo 225 da Constituição Federal[15], mas sim é regido por múltiplos dispositivos dentre os quais o artigo 182 do Texto Constitucional, que disciplina a política urbana, desempenha papel proeminente no tema em comento. Nesta toada, é possível evidenciar que o meio ambiente recebe uma tutela mediata e imediata. “Tutelando de forma mediata, revela-se o art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente. Imediatamente, todavia, o meio ambiente artificial recebe tratamento jurídico no art. 182 do mesmo diploma”[16]. Salta aos olhos, deste modo, que o conteúdo atinente ao meio ambiente artificial está umbilicalmente atrelado à dinâmica das cidades, não sendo possível, por consequência, desvincula-lo da sadia qualidade de vida, tal como a satisfação dos valores estruturantes da dignidade humana e da própria existência do indivíduo. A política urbana afixa como preceito o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, sendo esta observada na satisfação dos axiomas alocados nos artigos 5º e 6º da Carta da República Federativa do Brasil de 1988[17]. Ora, sobreleva ponderar que a função social da cidade é devidamente materializada quando esta proporciona a seus habitantes o direito à vida, à segurança, à igualdade, à propriedade e à liberdade, tal como assegura a todos um piso vital mínimo, abrangendo os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, ao trabalho, à previdência social, à maternidade, à infância, à assistência aos desamparados, dentre outros insertos na redação do artigo 6° do Texto Constitucional vigente. Com efeito, não se pode olvidar que o pleno desenvolvimento reclama uma participação municipal intensa, consoante estabelece a redação do inciso VIII do artigo 30 da Constituição Federal[18], “que atribui ao Município a competência de promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”[19], tal como estabelecendo competência suplementar residual. Em um aspecto mais amplo, é possível destacar que a função social da cidade é devidamente atendida quando propicia a seus habitantes uma vida com qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, manutenindo harmonia com os feixes axiomáticos irradiados pelo artigo 225 da Carta de 1988. Nesta perspectiva, é possível destacar que uma cidade só cumpre a sua função social quando possibilita aos seus habitantes uma moradia digna, incumbindo o Poder Público, por conseguinte, proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação. Tais ponderações são, ainda mais, robustecidas ao se verificar que a Constituição Federal, em seus artigos 183[20] e 191[21], consagrou modalidades especiais de usucapião urbano e rural. “Outra função importante da cidade é permitir a livre e tranquila circulação, através de um adequado sistema da rede viária e de transportes, contribuindo com a melhoria dos transportes coletivos”[22]. O tema em debate recebe ainda mais realce nos grandes centros urbanos, porquanto o trânsito caótico se apresenta como um óbice á livre e adequada circulação. Além disso, para uma cidade cumprir a sua função social é imprescindível que destine áreas ao lazer e à recreação, edificando praças e implementando áreas verdes. Incumbe, ainda, à cidade viabilizar o desenvolvimento de atividades laborativas, produzindo reais possibilidades de trabalho aos seus habitantes, com o escopo de assegurar a existência de condições econômicas destinadas à realização do consumo de produtos e serviços fundamentais para a existência da pessoa humana, bem como da ordem econômica estabelecida no país. 4 Singelos Comentários ao Solo Criado como Bem da Administração Pública Há que se reconhecer que a nova ordem urbanística introduzida pela Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[23], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, foi responsável por desencadear uma série de inovações no sistema jurídico vigente. No que pertine à Administração Pública, é possível assinalar que o plano diretor poderá estabelecer áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. “Atendidas essas e outras exigências dessa lei e da legislação municipal, investe-se o Município na condição de titular de certa quantidade de unidades de solo criado, a ser negociada com quem, dentro das condições legais permitidas”[24], possibilitando, dessa maneira, a construção acima do coeficiente de aproveitamento. Com destaque, as unidades de solo criado são bens públicos, pertencentes ao Município, negociáveis em decorrência de sua própria destinação. Além disso, é possível assinalar que são bens públicos que mais se familiarizam com os dominicais, porquanto não são destinados ao uso comum do povo, nem a um uso especial. Ao reverso, sua alienação observa as regras e ditames municipais, no que tange ao local de sua utilização, à quantidade passível de aquisição pelos interessados, às condições de preço e pagamento e, quando for o caso, à autorização de revenda. A alienação de aludidas unidades de solo criado independe de licitação, ressalvada a hipótese de o Município colocar à venda certa quantidade desses bens. Diante de situação concreta, observada a legislação pertinente, o particular proprietário de um dado imóvel na zona urbana pode alienar o direito de construir a quem o desejar ou empregá-lo em outro de seus imóveis. Em tais situações, é descabido falar em bem público, por razões óbvias.
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A destinação aos estados e municípios do imposto de renda retido na fonte pelas suas sociedades de economia mista e empresas públicas
Resumo:Pelo que se pode constatar dos art. 157 I e art. 158 I a Constituição Federal destinou aos estados e municípios o produto da arrecadação do imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos pagos a qualquer título por eles suas autarquias e fundações que instituírem e mantiverem.
Direito Administrativo
1 – Introdução Pelo que se pode constatar dos art. 157, I e art. 158, I, a Constituição Federal destinou aos estados e municípios o produto da arrecadação do imposto de renda retido na fonte sobre os rendimentos pagos a qualquer título por eles, suas autarquias e fundações que instituírem e mantiverem. Ocorre que, tanto estados quanto municípios possuem empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos, próprios de autarquias e fundações públicas, diferenciando destas apenas na forma que se revestem. O presente artigo analisará, sob a luz da jurisprudência dos nossos tribunais e legislação federal, a possibilidade de o referido repasse do produto do imposto de renda retido na fonte para os entes federados também ser realizado pelas suas empresas públicas e sociedades de economia mista cujo objeto seja a prestação de serviços públicos. Como será demonstrado, os tribunais pátrios e a Lei de Responsabilidade Fiscal, em diversos aspectos, reconhecem a diferençaentre as empresas estatais que prestam serviços de caráter público e aquelas que exploram atividade econômica. 2 – O cabimento da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a da Constituição Federal às empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos sem finalidade lucrativa Ao instituir a imunidade tributária recíproca, repelindo a instituição de impostos entre os entes da federação, dispõem o art. 150, VI, a, e os §§ 2º e 3º da Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; § 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. § 3º – As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”. Em uma interpretação literal do dispositivo constitucional retromencionado, não há dúvidas que é vedado a UNIÃO, ESTADOS, MUNICÍPIOS e DISTRITO FEDERAL instituírem impostos um dos outros e de suas autarquias e fundações públicas. A princípio referida imunidade não se estenderia a empresas públicas e sociedades de economia mista, uma vez que, para se evitar tratamento fiscal que prejudique a livre concorrência em razão da atividade econômica desenvolvida, é vedado pelo art. 173, §2º da Constituição Federal. Ocorre que, há empresas públicas e sociedades de economia mista que exclusivamente prestam serviços públicos, típicas atividades de estado, não concorrendo com a iniciativa privada, na maioria das vezes sequer possuem receitas próprias. Assim, por tratarem de atividades tipicamente desenvolvidas pelo Estado, com alto grau de interesse público, o Supremo Tribunal Federal, mesmo não havendo menção expressa na Constituição Federal, pacificou entendimento no sentido de que é aplicável a imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, “a” da CF, ao patrimônio, renda e serviços de Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista prestadoras de serviços público, vejamos: “Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Imunidade recíproca. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. 3. Distinção, para fins de tratamento normativo, entre empresas públicas prestadoras de serviço público e empresas públicas exploradoras de atividade. Precedentes. 4. Exercício simultâneo de atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Irrelevância. Existência de peculiaridades no serviço postal. Incidência da imunidade prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 601392, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 28/02/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-105 DIVULG 04-06-2013 PUBLIC 05-06-2013) “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IPTU. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. PRETENSÃO CUJO ACOLHIMENTO DEMANDARIA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279/STF. PRECEDENTES. 1. O Supremo reconheceu a possibilidade de extensão da imunidade recíproca sobre a renda, os bens e o patrimônio de sociedade de economia mista que desempenha serviço de interesse público em caráter exclusivo. 2. A instância ordinária apontou preenchimento dos requisitos necessários para a incidência da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal . O acolhimento da pretensão demandaria um novo exame do acervo fático-probatório. Incide, no caso, a Súmula 279/STF. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 861545 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/04/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 23-04-2015 PUBLIC 24-04-2015) “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ESTADO QUE NOTIFICOU A ECT PARA RECOLHIMENTO DE ICMS. INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE RECÍPROCA ÀS EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A ECT, atuando como empresa pública prestadora de serviço público, está albergada pela imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, ‘a’ do texto constitucional. Precedentes. 2. No julgamento da ADPF 46, o Supremo Tribunal Federal afirmou o entendimento de que o serviço postal, prestado pela ECT em regime de exclusividade, não consubstancia atividade econômica estrita, constituindo modalidade de serviço público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ACO 1331 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 18/11/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2014 PUBLIC 12-12-2014) “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISENÇÃO CONFERIDA EM FAVOR DE IMÓVEL DE UMA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA PRESTADORA DE SERVIÇOS PÚBLICOS EXCLUSIVOS – CBTU. INAPLICABILIDADE DA VEDAÇÃO CONSTANTE DO ART. 173, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. O Tribunal de origem consignou que o serviço prestado pela agravada é público, indisponível e prestado em regime de exclusividade. Dessa forma, mostra-se inaplicável a vedação de que trata o art. 173, § 2º, da Constituição Federal. Ademais, nos termos da legislação local, a isenção alcança o imóvel que for declarado de necessidade ou utilidade pública ou de interesse social. Nesse particular, ficou reconhecido que o imóvel foi declarado de utilidade pública pela União, de modo que o acolhimento da pretensão demandaria o reexame do acervo fático e probatório (Súmula 279/STF). Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 816538 AgR, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 18-11-2014 PUBLIC 19-11-2014) “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, A, DA CF. PATRIMÔNIO, RENDA OU SERVIÇOS. ATIVIDADES IMANENTES AO ESTADO. EXECUÇÃO POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA OU EMPRESAS PÚBLICAS. COBRANÇA DE TARIFAS COMO CONTRAPRESTAÇÃO. ABRANGÊNCIA. ATENDIMENTO DAS CONDIÇÕES INDICADAS NO RE 253.472/SP. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL E DE PROVAS. EVENTUAL OFENSA SERIA INDIRETA. SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Esta Corte já fixou entendimento no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição se aplica ao patrimônio, renda ou serviços inerentes ao desempenho de atividades imanentes ao Estado, ainda que sejam executadas por sociedades de economia mista ou empresas públicas e independentemente da cobrança por elas de tarifas como contraprestação. II – Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, quanto ao preenchimento das condições indicadas no julgamento do RE 253.472/SP e quanto à titularidade do bem abarcado pela imunidade, faz-se necessário o exame do conjunto fático-probatório dos autos, bem como a análise de normas infraconstitucionais, o que inviabiliza o extraordinário com base na Súmula 279 do STF ou porque a afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. III – Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 816120 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 12/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-162 DIVULG 21-08-2014 PUBLIC 22-08-2014) Com isso, não resta dúvida que, amparada pela pacífica e remansosa jurisprudência do STF, as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista prestadoras de serviços públicos possuem imunidade tributária em relação a impostos estaduais ou federais. 2 – Da retenção do produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza, retidos na fonte, sobre os rendimentos pagos, a qualquer título pelas empresas públicas e sociedades de economia mista estaduais e municipais prestadoras de serviços Ao estender a empresas públicas e sociedades de economia mista a imunidade recíproca, o STF, incluiu referidas pessoas jurídicas no §2º, art. 150, CF, que assim dispõe: “§ 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”. Como o referido dispositivo não faz menção às empresas públicas e sociedades de economia mista o Supremo Tribunal Federal equiparou as que prestam serviços públicos a autarquias. Ao apreciar a Ação Cível Originária n. 765 a respeito da imunidade recíproca dos correios, o ministro Menezes Direito, STF, assim fundamentou o seu voto vencedor: "A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que as empresas públicas prestadoras de serviço público em geral e a autora em particular são beneficiárias da imunidade de que trata o artigo 150. VI, 'a', § 2º, da Constituição Federal. (…)a autora é empresa pública que presta serviço público e não atividade econômica em sentido estrito. Dessa peculiaridade decorre sua natureza autárquica e o seu ingresso no âmbito da incidência do § 2º do artigo 150 da Constituição da República(…)" Mais adiante em seu voto, o Ministro Menezes Direito prossegue: "É preciso distinguir as empresas públicas que exploram atividade econômica, que se sujeito ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (C.F., art. 173, § 1º), daquelas empresas públicas prestadoras de serviços públicos, cuja natureza jurídica é de autarquia, às quais não tem aplicação o disposto no § 1º do artigo 173 da Constituição, sujeitando-se tais empresas prestadoras de serviço público, inclusive, à responsabilidade objetiva (C.F., art. 37, § 6º)”. Esta equiparação decorre do caráter público e essencial dos serviços prestados por certas empresas públicas e sociedades de economia mista, sendo isso que diferencia uma entidade de natureza autárquica daquela que explora atividade econômica. O art. 5º do Decreto 200/67, faz essa diferenciação ao conceituar e distinguir as entidades que compõem a administração indireta, vejamos: “Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se: I – Autarquia – o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. II – Emprêsa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969) III – Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta”. Pelo que se pode constatar, basicamente o que difere uma entidade de outra é a atividade exercida. Por sua vez a Lei Complementar nº 101/2000, também adotou a natureza autárquica da empresa estatal (empresas públicas e sociedades de economia mista) para delimitar suas obrigações. A Lei de Responsabilidade Fiscal dispõe sobre a empresa estatal dependente, como aquela que recebe do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, estando compreendida nas referências aosEstados e Municípios e, portanto, nas obrigações determinadas pela referida Lei, vejamos: “Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. § 2o As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. § 3o Nas referências: I – à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreendidos: a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público; b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes; Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como: III – empresa estatal dependente: empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária;” Em diversos outros dispositivos, a LRF, em razão de possuírem a mesma natureza jurídica, equipara as fundações públicas e autarquias às empresas estatais dependentes, vejamos: “Art. 35. É vedada a realização de operação de crédito entre um ente da Federação, diretamente ou por intermédio de fundo, autarquia, fundação ou empresa estatal dependente, e outro, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que sob a forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente. Art. 50. Além de obedecer às demais normas de contabilidade pública, a escrituração das contas públicas observará as seguintes: III – as demonstrações contábeis compreenderão, isolada e conjuntamente, as transações e operações de cada órgão, fundo ou entidade da administração direta, autárquica e fundacional, inclusive empresa estatal dependente; Assim, sendo as empresas públicas e sociedades de economia mista enquadradas como empresa estatal dependente, nos termos do art. 2º da LRF, submetem-se às mesmas disposições aplicáveis às autarquias e fundações públicas. Em vários outros aspectos, sejam de direito material ou processual, a equiparação entre as entidades que compõem a administração indireta, com base na natureza autárquica, fundamentada pela prestação de serviços públicos, vem sendo adotada pelos tribunais superiores em sentido amplo. Sobre o tema da prescrição já decidiu o STJ que, "tratando-se de empresa pública integrante da administração indireta, responsável pela prestação de serviços públicos próprios do Estado, com o fim de atender as necessidades essenciais da coletividade, sem que apresente situação de exploração de atividade econômica, deve ser aplicada a prescrição quinquenal, conforme o Decreto 20.910/32" (REsp nº 1.196.158/SE, Rel. Min. Eliana Calmon). Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo pela aplicabilidade do regime de precatórios às empresas públicas e sociedades de economia mista: “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. FINANCEIRO. EXECUÇÃO DE SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO. ENTIDADE CONTROLADA PELO PODER PÚBLICO QUE EXECUTA SERVIÇOS PÚBLICOS PRIMÁRIOS E ESSENCIAIS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO ACÚMULO OU DA DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS. REGIME DE PRECATÓRIO. APLICABILIDADE. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. O Pleno assentou que as entidades jurídicas que atuam em mercado sujeito à concorrência, permitem a acumulação ou a distribuição de lucros submetem-se ao regime de execução comum às empresas controladas pelo setor privado (RE 599.628, rel. min. Carlos Britto, red. P/ acórdão min. Joaquim Barbosa, j. 25.05.2011). Porém, trata-se de entidade que presta serviços públicos essenciais de saneamento básico, sem que tenha ficado demonstrado nos autos se tratar de sociedade de economia mista ou empresa pública que competiria com pessoas jurídicas privadas ou que teria por objetivo primordial acumular patrimônio e distribuir lucros. Nessa hipótese, aplica-se o regime de precatórios. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (RE 592004 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 05/06/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 21-06-2012 PUBLIC 22-06-2012) Portanto, para a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais pátrios, não importa a forma pela qual está revestida a entidade e sim a sua natureza jurídica, se pública, quando presta serviços públicos, ou privada, quando explora atividade econômica. A diferença basilar entre prestação de serviços públicos e exploração de atividade econômica está na obrigatoriedade, essencialidade, indispensabilidade e no interesse público do primeiro em detrimento do interesse privado, disponível e com fins lucrativos do segundo, sem falar que naquele não há o caráter concorrencial que há neste. No julgamento da Ação Cível Originária n. 959 o Ministro Menezes Direito, ao concluir que as empresas públicas que prestam serviços públicos e não atividade econômica em sentido estrito são beneficiadas pela imunidade recíproca, prevista no art. 150, inc. VI, al. a, da Constituição da República, fez a seguinte distinção: “Tributário. Imunidade recíproca. Art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal. Extensão. Empresa pública prestadora de serviço público. Precedentes da Suprema Corte. 1. Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Federal alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confunde com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso, impõe-se o reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal. 2. Ação cível originária julgada procedente” (ACO 959) Assim, se para os fins do §2º, art. 150, CF (imunidade recíproca), art. 100, CF (regime dos precatórios) e Decreto 20.910/32 (prescrição aplicável a administração pública) a jurisprudência pátria equiparou as empresas públicas e sociedades de economia mista a autarquias, levando-se em conta a natureza jurídica com base nos serviços públicos prestados, com a mesma propriedade deve-se equiparar as referidas entidades para os fins do disposto no art. 157, I e art. 158, I da Constituição Federal, que assim dispõem: “Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal: I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem; Art. 158. Pertencem aos Municípios: I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem”; Não há como interpretar os dispositivos constitucionais de formas diferentes, de acordo com o fim almejado, ou seja, para os fins dos art. 100 e 150, VI, “a”, §2º da CF as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadora de serviços públicos são incluídas por sua natureza autárquica e para os fins do art. 157, I e art. 158, I da Constituição Federal serem excluídas. Assim, dúvida não há que as empresas públicas e sociedades de economia mista,desde que prestadoras de serviços públicos, estão insertas no inciso I do art. 157 e do art. 158 CF. Com isso, os Estados e Município fazem jus ao produto da arrecadação do imposto de renda sobre rendimentos pagos a qualquer título, seja oriundos de salários de seus empregados, seja de pagamentos realizados a terceiros e prestadores de serviços. Tanto a repartição de receitas quanto a imunidade tributária possuem relação com o pacto federativo, não havendo como distingui-los. E,conforme entendeu o STF: “A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em consequência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto.” RE 253472, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA Assim, seria descabido qualquer argumento de que o disposto no art. 150, §2º da CF tem finalidade diversa do disposto no art. 158, I da CF, em razão do primeiro tratar-se de imunidade tributária e o segundo de repartição de receitas, pois os dois dizem respeito ao pacto federativo e a inexistência de hierarquia entre os entes da federação. Em conclusão, resta latente que as empresas públicas e sociedades de economia mis que prestam serviços públicos, desprovidos de qualquer atividade de cunho econômico e que são realizados sem: a) Intuito de lucro; b) Concorrência com a iniciativa privada; c) Distribuição de eventuais resultados aos acionistas, possuem natureza anômala autárquica, razão pela qual há a atração da aplicação direta do art. 157, I ou art. 158, I da Constituição Federal, conforme o caso, devendo ser destinado aos cofres dos entes que integram o produto da arrecadação dos imposto de renda retido na fonte e pago a qualquer título.
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O exercício do poder de polícia: ponderações sobre a polícia administrativa
O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca do poder de polícia, bem como seus aspectos caracterizadores e premissas de atuação.  cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social. Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia. A partir de tais ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente, com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.
Direito Administrativo
1 Poder de Polícia: Ponderações Introdutórias Em sede de comentários introdutórios, cuida anotar que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. No que tange à atuação do princípio da supremacia do interesse público, como vetor de inspiração na confecção das normas, mister faz-se destacar, com cores fortes e acentuados tracejos, que uma das distinções que bem delineia o direito privado do público, cinge-se ao interesse que busca proteger; “o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público”[1]. Ora, quadra sublinhar, ainda, que a sobreposição da supremacia do interesse público sobre o interesse privado se apresenta como bastião sustentador do Direito em qualquer sociedade. Com efeito, a valoração do interesse público, neste aspecto, se apresenta como conditio sine qua non para a manutenção e preservação da ordem social. Neste sedimento, tal como dito acima, em que pese a inexistência de expressa menção do postulado em comento pelo texto constitucional, é impende destacar, com o realce que o tema carece, que “as atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público”[2].  Destarte, o corolário da supremacia do interesse público ostenta, como núcleo sensível, a busca pela promoção e alcance dos interesses da coletividade, sobrepujando, por via de extensão, o interesse particular. Assim, quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia. Ao lado do exposto, a locução poder de polícia abarca dois sentidos, um amplo e um estrito. Em uma acepção ampla, poder de polícia assume significação de toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Especial relevância assume a função do Poder Legislativo incumbido do ius novum uma vez que apenas as leis, organicamente consideradas, têm o condão de delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo. Trata-se, pois, de reafirmação do corolário da legalidade, expressamente consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[3]. Em uma fisionomia mais estrita, o poder de polícia se configura como atividade administrativa, que materializa verdadeira prerrogativa conferida aos agentes da Administração, consistente no poder de restringir e condicionar a liberdade e a propriedade. Substancializa, dessa maneira, atividade tipicamente administrativa e, como tal, subjacente à lei, de forma que esta já preexiste quando os administradores cominam a disciplina e as restrições aos direitos. Neste sentido, Celso de Mello explicita que: “A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais restrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do Poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa”[4]. À luz das ponderações aventadas, com espeque na concepção de José dos Santos Carvalho Filho[5], o poder de polícia materializa a prerrogativa de direito público que, assentada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade. Segundo Celso de Mello[6], o poder de policia, em uma conotação mais restrita e assentada em função precípua administrativa, materializa atividade da Administração Pública, sendo expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com arrimo em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, por meio de ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, cominando coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere), com o escopo de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo em vigor.  Trata-se, em linhas conceituais, do modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por escopo evitar que sejam produzidos, ampliados ou generalizados os danos sociais que os diplomas legais procuram prevenir. No que tange ao benefício resultante do poder de polícia, materializa fundamento dessa prerrogativa do Poder Público o interesse público. Logo, a intervenção do Estado no conteúdo dos direitos individuais somente encontra amparo ante a finalidade que deve sempre orientar a ação dos administradores públicos, qual seja: o interesse da coletividade. Noutro ângulo, a prerrogativa em si está alicerçada na supremacia geral da Administração Pública, ou seja, aquela mantida em relação aos administrados, de modo indistinto, flagrante superioridade, pelo fato de satisfazer, como expressão de um dos poderes do Estado, interesses públicos. No que pertine à finalidade, salta aos olhos que o poder de polícia objetiva promover a proteção dos interesses coletivos, o que explicita umbilical conotação como próprio fundamento do poder, ou seja, se o interesse público é o axioma inspirador da atuação restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção do mesmo interesse. Cuida anotar que este deve ser compreendido em sentido amplo, abarcando todo e qualquer aspecto. Em sede de âmbito de incidência, cuida reconhecer que é bastante amplo o círculo em que se pode fazer presente o poder de polícia. Em tal alamiré, qualquer ramo de atividade que possa contemplar a presença do indivíduo possibilita a intervenção restritiva do Estado. Em outros termos, não há direitos individuais absolutos a esta ou àquela atividade, mas, ao reverso, deverão estar subordinados aos interesses coletivos. Daí é possível dizer que a liberdade e a propriedade são sempre direitos condicionados, eis que se sujeitam às restrições necessárias a sua adequação ao interesse público. “É esse o motivo pelo qual se faz menção à polícia de construções, à polícia sanitária, à polícia de trânsito e de tráfego, à polícia de profissões, à polícia do meio ambiente”[7]. Em todos esses segmentos aparece o Estado, em sua atuação restritiva de polícia, com o escopo de assegurar a preservação do interesse público. 2 Competência do Poder de Polícia A competência para exercer o poder de polícia é, em um primeiro momento, da pessoa federativa à qual a Constituição Federal conferiu o poder de regular a matéria. Com destaque, os assuntos concernentes ao interesse nacional ficam sujeitas à regulamentação e policiamento da União; as matérias de interesse regional estão condicionadas às normas e à polícia estadual; e os assuntos de interesse local estão subordinados aos regulamentos edilícios e ao policiamento administrativo municipal. Com destaque, o sistema de competências constitucionais é responsável por afixar as linhas básicas do poder de regulamentação das pessoas federativas, não sendo, entretanto, possível esquecer que as hipóteses de poder concorrente ensejarão o exercício conjunto do poder de polícia por pessoas de nível federativo diverso, consoante se extrai dos artigos 22, parágrafo único, 23 e 24 da Constituição Federal[8]. Carvalho Filho[9] explicita que será inválido o ato de polícia praticado por agente de pessoa federativa que não tenha competência constitucional para regular a matéria e, portanto, para impor a restrição. Igualmente, só pode ter-se por legítimo o exercício de atividade administrativa materializadora do poder de polícia se a lei em que estiver calcada a conduta da Administração encontrar guarida no Texto Maior. Caso a lei seja inconstitucional, os atos administrativos, que com fundamento nela sejam praticados, serão considerados ilegítimos, caso sejam voltadas a uma pretensa tutela do interesse público, substancializada no exercício do poder de polícia. Destarte, conclui-se que só há poder de polícia legítimo se legítima for a lei que o sustenta. Ao lado disso, imprescindível faz-se anotar que, como o sistema de partilha de competências constitucionais envolve três patamares federativos – o federal, o estadual e o municipal -, e tendo em vista o contraste de competências privativas e concorrentes, salta aos olhos que, dada a complexidade da matéria, comumente surgem hesitações na doutrina e nos Tribunais quanto à entidade competente para a execução de certo serviço ou para o exercício do poder de polícia. Com o escopo de fortalecer o acimado, cuida transcrever o paradigmático entendimento: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Distrital N. 3.460. Instituição do programa de inspeção e manutenção de veículos em uso no âmbito do Distrito Federal. Alegação de violação do disposto no artigo 22, inciso XI, da Constituição do Brasil. Inocorrência. 1. O ato normativo impugnado não dispõe sobre trânsito ao criar serviços públicos necessários à proteção do meio ambiente por meio do controle de gases poluentes emitidos pela frota de veículos do Distrito Federal. A alegação do requerente de afronta ao disposto no artigo 22, XI, da Constituição do Brasil não procede. 2. A lei distrital apenas regula como o Distrito Federal cumprirá o dever-poder que lhe incumbe — proteção ao meio ambiente. 3. O DF possui competência para implementar medidas de proteção ao meio ambiente, fazendo-o nos termos do disposto no artigo 23, VI, da CB/88. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 3.338/ Relator:  Ministro Joaquim Barbosa/ Relator p/ Acórdão:  Ministro Eros Grau/ Julgado em 31.08.2005/ Publicado no DJe em 05.09.2007). À luz do exposto, incumbe ao intérprete promover detida análise da hipótese concreta, buscando estabelecer uma adequação pertinente ao sistema estabelecido no Texto Constitucional. Oportunamente, convém explicitar que o poder de polícia, sendo atividade que, em algumas hipóteses, acarreta competência concorrente entre pessoas federativas, enseja sua execução em sistema de cooperação calcado no regime de gestão associada, encontrando respaldo no artigo 241 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[10]. Ao lado disso, em tais hipóteses, os entes federativos interessados firmarão convênios administrativos e consórcios públicos destinados ao atendimento dos objetivos do interesse comum. 3 Poder de Polícia Originário e Delegado Ao se empregar o princípio de que quem pode o mais pode o menos, é viável atribuir às pessoas políticas da federação o exercício do poder de polícia, porquanto se lhes compete editar as próprias leis limitadoras, conferindo a coerência propicia e permitindo, em decorrência, o poder de esmiuçar as restrições. Trata-se, aqui, do poder de polícia originário, que alcança, em sentido amplo, as leis e os atos administrativos provenientes de tais pessoas. Entrementes, o Estado não age somente por seus agentes e órgãos, eis que varias atividades e serviços públicos são executados por pessoas vinculadas àquele. Neste aspecto, repousa o questionamento quando tais pessoas terão idoneidade para o exercício do poder de polícia. Ora, ao se perfilhar ao entendimento apresentado por Carvalho Filho[11], salta aos olhos que tais entidades são o prolongamento do Estado e recebem deste o suporte jurídico para o desempenho, por delegação, de funções públicas a ele cometidas. É indispensável, entretanto, para a validade dessa atuação é que a delegação seja feita por meio de lei formal, originaria da função regular do legislativo. Ao lado disso, é denotável, ainda, que a existência da lei é o pressuposto de validade da polícia administrativa exercida pela própria Administração Direta e, dessa forma, nada impediria que servisse também como respaldo da atuação de entidades paraestatais, ainda que elas sejam dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Neste quadrante, o importante é que haja expressa delegação a lei pertinente e que o delegatário seja entidade integrante da Administração Pública. Ao lado disso, é possível, ainda, colacionar o entendimento jurisprudencial no sentido que: “Ementa: Administrativo e Processual Civil. Conselho Regional de Enfermagem. Ação civil pública. Pretensão de obrigar hospital a contratar e manter profissional de enfermagem. Exercício das funções de polícia administrativa. Princípio da inafastabilidade da jurisdição. Artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Interesse processual. Utilidade e necessidade. Caracterização. 1. O fato de os estabelecimentos hospitalares cuja atividade básica seja a prática da medicina não estarem sujeitos a registro perante o Conselho de Enfermagem não constitui impeditivo a que sejam submetidos à fiscalização pelo referido órgão quanto à regularidade da situação dos profissionais de enfermagem que ali atuam. Porém, mesmo reconhecendo o poder de polícia administrativa ao Conselho de Enfermagem, este não afasta a utilidade-adequação da presente ação civil pública. 2. Revestido ou não de prerrogativa executória aos atos administrativos das autarquias de fiscalização, estas e qualquer das partes é dado recorrer à tutela jurisdicional, porque assim dispõe o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que  pode ser extraído do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". 3. Na espécie, nota-se que as condições da ação estão presentes. O interesse processual, única condição em destaque, é composto pelo binômio utilidade-necessidade do provimento. A utilidade pode ser facilmente demonstrada pela necessidade de ordem judicial para a obrigar o hospital recorrido a contratar e manter durante todo o período de seu funcionamento profissionais de enfermagem. Por outro lado, a caracterização da necessidade pode ser extraída dos princípios da jurisdição, especialmente, a imparcialidade e a definitividade. 4. Na esfera administrativa dos conselhos profissionais a relação processual não possui a característica da imparcialidade bem definida, até porque o Conselho de fiscalização ocupa, também, a função de "julgador". Ademais, as decisões proferidas nesta seara não ostentam caráter definitivo, imutabilidade, presente apenas nos provimentos jurisdicionais. Dessa forma, pode a administração buscar no Poder Judiciário que o Estado-Juiz, dentro da relação processual, promova a solução definitiva da controvérsia, atento às alegações de cada parte. […]”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.398.334/SE/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 17.10.2013/ Publicado no DJe em 24.10.2013) “Ementa: Processual Civil. Execução Fiscal. Conselho de fiscalização profissional. Autarquia. Fazenda Pública. Representante Judicial. Intimação Pessoal. Prerrogativa prevista no art. 25 da Lei 6.830/1980. […] 5. O STF já decidiu que os conselhos de fiscalização profissionais possuem natureza jurídica autárquica, a qual é compatível com o poder de polícia e com a capacidade ativa tributária, funções atribuídas, por lei, a essas entidades (ADI 1.717 MC, Relator: Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 25.2.2000). 6. A Lei 6.530/1978, que regulamenta a profissão de corretor de imóveis e disciplina seus órgãos de fiscalização, dispõe, em seu art. 5°, que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais são autarquias, dotadas de personalidade jurídica de direito público, vinculadas ao Ministério do Trabalho, com autonomia administrativa, operacional e financeira. 7. Em razão de os conselhos de fiscalização profissional terem a natureza jurídica de autarquia, seus representantes judiciais possuem a prerrogativa de, em Execução Fiscal, serem intimados pessoalmente, conforme impõe o art. 25 da Lei 6.830/1980. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.330.190/SP/ Relator? Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 11.12.2012/ Publicado no DJe em 19.12.2012). Para tanto, concretamente, é necessário verificar o preenchimento de três condições: (i) a pessoa jurídica deve integrar a estrutura da Administração Indireta, isso porque sempre poderá ter a seu cargo a prestação de serviço; (ii) a competência delegada deve ter sido estabelecida por lei; e (iii) o poder de polícia há de restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatória, partindo-se do primado que as restrições preexistem e de que se cuida de função executória e não inovadora. No exercício da função delegada, os atos praticados são caracterizados como administrativos, não materializando nenhuma novidade em sede de direito administrativo. 4 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária Ao examinar o tema central do presente, o poder de polícia, doutrinariamente, costuma ser dividido em dois segmentos distintos, quais sejam: a polícia administrativa e a polícia judiciária. Antes de traçar a linha diferencial entre cada um desses setores, impende anotar que ambos se enquadram na órbita da função administrativa, materializando atividades de gestão de interesses públicos. Em tal aspecto, a polícia administrativa consiste em atividade da Administração que se exaure em si mesma, isto é, inicia e se completa no âmbito da função administrativa. Contudo, o mesmo não é verificado com a polícia judiciária, que, conquanto seja atividade administrativa, prepara a atuação da função jurisdicional, o que a faz norteada pela Legislação Processual Penal e executada por órgãos de segurança, compreendendo a polícia civil e a polícia militar, ao passo que a polícia administrativa é exercida por órgãos administrativos de caráter mais fiscalizador. Em mesmo sentido, oportunamente, Celso de Mello, em seu escólio, explicita ainda que: “Costuma-se, mesmo, afirmar que se distingue a polícia administrativa da polícia judiciária com base no caráter preventivo do primeiro e repressivo da segunda. Esta última seria a atividade desenvolvida por organismo – o da polícia de segurança – que cumularia funções próprias da polícia administrativa com a função de reprimir a atividade dos delinquentes através da instrução policial criminal e captura dos infratores da lei penal, atividades que qualificariam a polícia judiciária. Seu traço característico seria o cunho repressivo, em oposição ao preventivo, tipificador da polícia administrativa”[12]. Outra diferença repousa na circunstância de que a polícia administrativa incide essencialmente sobre atividades dos indivíduos, ao passo que a polícia judiciária preordena-se ao indivíduo em si, ou seja, aquele a quem se atribui o cometimento de ilícito penal. Dessa maneira, pretendo evitar a ocorrência de comportamentos nocivos à coletividade, reveste-se a polícia administrativa de caráter eminentemente preventivo: pretende a Administração que o dano social sequer logre êxito em ser consumado. Já a polícia judiciária tem natureza predominantemente repressiva, porquanto é destinada à responsabilidade penal do indivíduo[13]. Celso de Mello[14], em magistério, explicita que o que efetivamente diferencia a polícia administrativa de polícia judiciária é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades antissociais, ao passo que a segunda preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica. Tal distinção, porém, não pode ser considerada como absoluta, eis que os agentes da polícia administrativa também agem repressivamente, quando, a título de exemplificação, interditam um estabelecimento comercial ou apreendem bens obtidos por meios ilícitos. Doutro vértice, os agentes de segurança têm a incumbência, comumente, de atuar de forma preventiva, para o fim de ser evitado o cometimento de delitos. 5 Atuação da Administração Pública 5.1 Atos Normativos e Concretos No exercício da atividade de polícia, a Administração pode atuar de duas formas. Primeiramente, pode editar atos normativos, os quais têm como característica o seu conteúdo genérico, abstrato e impessoal, qualificando-se, por consequência, como atos dotados de amplo círculo de abrangência. Em tais situações, as restrições são materializadas por meio de decretos, regulamentos, portarias, resoluções, instruções e outros de conteúdo igual. Além desse, pode criar, ainda, atos concretos, estes preordenados a determinados indivíduos plenamente identificados, como são, exemplificativamente, os estabelecidos por atos sancionatorios, como a multa, e por atos de consentimentos, como as licenças ou autorizações. Caso o Poder Público pretende regular determinada matéria, tal como o desempenho de profissão ou edificações, deverá editar atos normativos. Contudo, quando interdita um estabelecimento ou concede autorização para porte de arma, pratica atos concretos. 5.2 Determinações e Consentimentos Estatais Os nomeados atos de polícia possuem, no que toca ao objeto que visam, dupla qualificação, a saber: ou materializam determinações de ordem pública ou substancializam consentimentos dispensados aos indivíduos. “O Poder Público estabelece determinações quando a vontade administrativa se apresenta impositiva, de modo a gerar deveres e obrigações aos indivíduos, não podendo estes se eximir de cumpri-los”[15]. Neste jaez, os consentimentos personificam a resposta positiva da Administração Pública aos pedidos formulados por indivíduos interessados em exercer determinada atividade, que careça do mencionado consentimento para ser considerada legítima. Em tal quadrante, a polícia administrativa resulta de verificação que fazem os órgãos competentes sobre a existência ou inexistência de normas restritivas e condicionadas, relativas à atividade pretendida pelo administrado. Aludidos atos de consentimento são as licenças e as autorizações. A primeira espécie são atos vinculados e, como regra, definitivos, ao passo que a segunda espécie reflete atos discricionários e precários. Instrumentos formais de tais atos são os alvarás, porém documentos distintos podem formalizá-los, a exemplo de carteiras, declarações, certificados e outros congêneres que tenham idêntica finalidade. Concretamente, cuida explicitar que o importante é o consentimento exprimido pela Administração. Sem embargos, insta pontuar que a Administração, de maneira equivocada, tenta, ocasionalmente, cobrar taxas de renovação de licença por suposto exercício de poder de polícia em atividade de fiscalização. Ademais, cuida anotar que tal conduta é revestida de ilegalidade, porquanto somente em que a Administração atua efetivamente do poder de polícia é que encontra respaldo a cobrança de taxa. Nesta esteira, ainda, órgãos e entidades que prestam serviços públicos por delegação sujeitam-se ao poder de ordenamento municipal quanto à localização de seus estabelecimentos. É carecido, portanto, que se sujeitem ao poder de polícia municipal e que obtenham a necessária licença para instalação. Isso ocorre com os cartórios notariais ou de registro, que, conquanto estejam sujeitos à fiscalização do Poder Judiciário, só podem instalar-se legitimamente mediante a expedição de alvará de licença. 5.3 Atos de Fiscalização Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos instrumentos necessários à fiscalização da conduta destes. Assim, o poder de polícia vindica do Poder Público uma atuação de agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos. A fiscalização apresenta duplo aspecto, qual seja: um preventivo, por meio do qual os agentes da Administração procuram obstar um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda no emprego de uma sanção. Neste último caso, é inevitável que a Administração, deparando a conduta ilegal do administrado, comina-lhe alguma obrigação de fazer ou não fazer. 6 Características do Poder de Polícia 6.1 Discricionariedade e Vinculação No que concerne à caracterização do poder de polícia, cuida reconhecer que subsiste alguma discussão se é discricionário ou vinculado. Quando tem a legislação em vigência, a Administração pode estabelecer a área de atividade em que vai aplicar a restrição em favor do interesse público e, depois de escolhê-la, o conteúdo e a dimensão das limitações. Em tal situação, é forçoso o reconhecimento de que a Administração age no exercício do seu poder discricionário. Ademais, cuida salientar que é nessa valoração do órgão administrativo sobre a conveniência e a oportunidade da transferência que está a discricionariedade do poder de polícia. Assim, evidentemente, o que é vedado à Administração é o abuso do poder de polícia, algumas vezes processado por excesso de poder ou por desvio de finalidade. Celso Mello, em seus ensinamentos, preleciona ainda que: “Em rigor, no Estado de Direito inexiste um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela Administração Pública. Há, isto sim, atos em que a Administração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação administrativa é totalmente vinculada. Poder discricionário abrangendo toda uma classe ou ramo de atuação administrativa é coisa que não existe”[16]. O reverso ocorre quando já está fixada a dimensão da limitação, sendo que a Administração terá de cingir-se a essa dimensão, não podendo, contudo, sem alteração da norma restritiva, ampliá-la em detrimento dos indivíduos. Em tal cenário, a atuação, por via de consequência, estará caracterizada como vinculada. Carvalho Filho[17] esclarece que a doutrina tem dado ênfase, com cores quentes e sublinhados fortes, à necessidade do controle dos atos de polícia, mesmo que se trate de determinados aspectos, pelo Poder Judiciário. Há que se anotar que aludido controle inclui os atos decorrentes do poder discricionário para evitar-se o cometimento de excessos ou violências da Administração em face de direitos individuais. Ao lado disso, o que é vedado ao Judiciário é sua atuação como substituto do administrador, porquanto, em tal cenário, estaria invadindo funções que constitucionalmente não lhes foram atribuída. 6.2 Autoexecutoriedade A Administração pode tomar as providências que modifiquem imediatamente a ordem jurídica, cominando, desde logo, obrigações aos particulares, com o escopo de atender ao interesse coletivo. Assim, diante de tal primado, não pode a Administração ficar à mercê do consentimento dos particulares. Em situação distinta, cumpre-lhe agir de imediato. “A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem dependência à manifestação judicial, é que representa a autoexecutoriedade”[18]. Ao lado disso, tanto é autoexecutório a restrição cominada em caráter geral, como a que se dirige diretamente ao individuo, quando, à guisa de citação, comete transgressões administrativas. O sentido da autoexecutoriedade repousa na premissa de que, uma vez verificada a presença dos pressupostos legais, a Administração pratica-o imediatamente e o executa de forma integral. Ao exemplificar, Celso de Mello esclarece, oportunamente que: “Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranquilidade pública, será coativamente assegurada pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou da passeata, seja para determinar sua dissolução. A interrupção de um espetáculo teatral, por obsceno, será procedida do mesmo modo, pela Administração Pública, sem que esta obtenha prévia declaração judicial reconhecendo e autorizando a paralisação da exibição teatral. A apreensão de gêneros alimentícios impróprios para o consumo, por deteriorados ou insalubres, também é medida coativa passível de ser posta em prática pelo Executivo, sem recurso às vias judiciárias, tão logo constate a irregularidade”[19]. Outro ponto que merece ser considerado faz alusão à autoexecutoriedade não depende de autorização de qualquer outro Poder, desde que a legislação autorize o administrador a praticar o ato de forma imediata. Assim, acertada é a decisão segundo a qual, no exercício do poder de polícia administrativa, não depende a Administração da intervenção de outro poder para torná-lo efetivo. Quando a lei estabelece o exercício do poder de polícia com autoexecutoriedade, é porque se faz necessária a proteção de determinado interesse coletivo. Impõem-se, ainda, duas observações. A primeira está assentada no fato de que existem atos que não autorizam a imediata execução pela Administração, a exemplo do que ocorre com as multas, cuja cobrança só é efetivamente materializada pela ação própria na via judicial. A outra repousa no ideário de que a autoexecutoriedade não deve integralizar objeto do abuso de poder, de maneira que deverá a prerrogativa guardar compatibilidade com o princípio do devido processo legal para o fito de ser a Administração Pública obrigada a respeitar as normas legais. 6.3 Coercibilidade A característica em comento explicita o grau de imperatividade de que se revestem os atos de polícia, porquanto, como é natural, a polícia administrativa não pode curvar-se ao interesse dos administrados de prestar ou não obediência às imposições. Destarte, se a atividade corresponder a um poder, decorrente do ius imperi estatal, há de ser desempenhada de maneira a obrigar todos a observarem os seus comandos. Oportunamente, urge explicitar que é intrínseco a essa característica o poder que tem a Administração de empregar a força, quando necessária para vencer eventual recalcitrância. Celso de Mello[20], em seu escólio, oportunamente, frisa que é natural que seja na seara do poder de polícia que se manifesta de modo frequente o exercício da coação administrativa, pois os interesses coletivos defendidos frequentemente não poderiam, para assegurar a eficaz proteção, depender das demoras advindas do procedimento judicial. Ora, tal situação renderia ensejo ao perecimento dos valores sociais resguardados por meio de polícia, observadas, evidentemente, porém, as garantias individuais do cidadão constitucionalmente estabelecidas. 7 Sanções de Polícia Sobre o tema ainda, cuida elucidar que a sanção administrativa materializa ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, passível de ser aplicado por órgãos da Administração.  Por seu turno, a infração administrativa resta configurada como comportamento típico, antijurídico e reprovável idôneo a ensejar a aplicação da sanção administrativa, no desempenho de função administrativa. Mais que isso, se a sanção é o resultado do exercício do poder de polícia, será qualificada tal reprimenda como sanção de polícia. “O primeiro a ser considerado no tocante às sanções de polícia consiste na necessidade observância do princípio da legalidade”[21]. Assim, é possível explicitar que apenas a lei pode instituir tais sanções com a alusão do rol de condutas que possam materializar infrações administrativas. Logo, atos administrativos subsidiam apenas meio de possibilitar a execução da norma legal sancionatória, mas não podem, por si mesmos, dar origens a apenações, ainda que seja em âmbito administrativo. Acerca das ponderações aventadas, o Supremo Tribunal Federal, em paradigmático julgado, explicitou robusto entendimento que: “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigos 5º, 8º, 9º, 10, 13, § lº, e 14 da Portaria nº 113, de 25.09.97, do IBAMA. Normas por meio das quais a autarquia, sem lei que o autorizasse, instituiu taxa para registro de pessoas físicas e jurídicas no Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, e estabeleceu sanções para a hipótese de inobservância de requisitos impostos aos contribuintes, com ofensa ao princípio da legalidade estrita que disciplina, não apenas o direito de exigir tributo, mas também o direito de punir. Plausibilidade dos fundamentos do pedido, aliada à conveniência de pronta suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados. Cautelar deferida.” (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 1.823 MC/ Relator:  Ministro Ilmar Galvão/ Julgad em 30.04.2008/ Publicado no DJ em 16.10.1998). Há que se anotar, oportunamente, que as sanções refletem a atividade repressiva advinda do poder de polícia. Com efeito, estão elas substancializadas nas diversas leis que norteiam atividades sujeitas a esse poder, sendo inclusive possível citar a multa, a inutilização de bens privados, a interdição de atividade, o embargo da obra, a cassação de patentes, a proibição de fabricar produtos. Na verdade, são sanções todos os atos que representam a punição aplicada pela Administração pela transgressão de normas de poder de polícia. Sobre o tema, inclusive, é possível colacionar o entendimento jurisprudencial, apresentado pelo Tribunal de Justiça Gaúcho, que acena: “Ementa: Execução. Termo de ajustamento de conduta. Obrigação de fazer. Interdição de estabelecimento. Oficina mecânica e chapeamento. Licença. […] Aliás, a interdição de estabelecimento clandestino é sanção administrativa que deve ser aplicada pela Administração Pública. […]”. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Vigésima Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº 70060813789/ Relatora: Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza/ Julgado em 28.07.2014). Contemporaneamente, tem sido feita a distinção entre sanções de polícia e medidas de polícia. As sanções são aquelas que refletem uma punição efetivamente aplicada à pessoa que houver infringido à norma administrativa, ao passo que as medidas de polícia são as providências de cunho administrativo que, conquanto não representem punição direta, decorrem do cometimento de infração ou do risco em que esta seja praticada. Em algumas situações, a mesma conduta administrativa pode materializar como uma ou outra modalidade, sempre considerando o que a legislação tenha previsto para enfrentar a referida situação. A título de fortalecimento do expendido, é possível citar a interdição do estabelecimento, eis que tanto pode materializar ato punitivo direto pela prática de infração grave, como pode ser medida administrativa, adotada em razão de cometimento de infração para a qual a lei previu sanção direta. Não se deve olvidar, ainda, que as sanções devem ser aplicadas em observância ao devido processo legal, a fim de assegurar a observância do princípio da garantia de defesa aos acusados, supedaneado no artigo 5º, incisos LIV e LV, do Texto Constitucional[22]. Dessa maneira, caso o ato sancionatório de polícia não tiver propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legalidade, devendo, portanto, ser sanado na via administrativa ou judicial. Ao lado disso, insta pontuar que, como se trata de processo acusatório, imprescindível faz-se o reconhecimento da incidência, por analogia, de alguns princípios norteadores do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Além disso, o Superior Tribunal de Justiça já assentou entendimento que: “Ementa: Agravos regimentais. Recurso especial. Administrativo e Processo Civil. Súmula 284/STF. Não incidência no caso. Devido processo legal. Lei nº 9.784/99. Matéria infraconstitucional. Servidor público. Supressão de adicional. Ausência de ampla defesa e contraditório. Ilegalidade. Precedentes. […] 2. Conforme reiterados precedentes do Supremo Tribunal Federal, a análise de suposta violação do devido processo legal, quando dependente do prévio exame de normas infraconstitucionais, envolve ofensa apenas reflexa ao texto constitucional. 3. É pacífico o entendimento desta Corte Superior de Justiça de que todo ato administrativo que repercuta na esfera individual do administrado, no caso, servidor público, tem de ser precedido de processo administrativo que assegure a este o contraditório e a ampla defesa. Trata-se de mitigação do enunciado da Súmula 473/STF, com intuito de conferir segurança jurídica ao administrado, bem como resguardar direitos conquistados por este. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Sexta Turma/ AgRg no REsp 1.131.928/RS/ Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura/ Julgado em 10.04.2012/ Publicado no DJe em 23.04.2012). “Ementa: Processual Civil e Administrativo. Agravo regimental. Pensão de servidor público. Ilegalidade. Autotutela. Supressão dos proventos. Devido processo legal. Ampla defesa e contraditório. Obrigatoriedade. Precedentes do STJ. 1. Esta Corte Superior, de fato, perfilha entendimento no sentido de que a Administração, à luz do princípio da autotutela, tem o poder de rever e anular seus próprios atos, quando detectada a sua ilegalidade. 2. Todavia, quando os referidos atos implicarem invasão da esfera jurídica dos interesses individuais de seus administrados, é obrigatória a instauração de prévio processo administrativo, no qual seja observado o devido processo legal e os corolários da ampla defesa e do contraditório. 3. Agravo regimental não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ AgRg no REsp 1.253.044/RS/ Relator: Ministro Mauro Campbell Marques/ Julgado em 20.03.2012/ Publicado no DJe em 26.03.2012). Em órbita da esfera da Administração Pública federal, direta ou indireta, a ação punitiva, quando se tratar do exercício do poder de polícia, prescreve em cinco anos, contados da data da prática do ato ou, em se tratando de infração permanente ou continuada, do dia em que estiver cessado. Contudo, caso o fato subsuma crime, o prazo prescricional será o mesmo atribuído pela legislação penal pertinente. Com efeito, a Lei nº 9.873, de 23 de Novembro de 1999[23], que estabelece o prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta e dá outras providências, comina prazo contra o Poder Público e a favor do infrator, de maneira que, consumada, fica este garantido contra qualquer sanção de polícia a cargo da Administração. “A prescrição incide também sobre procedimentos administrativos paralisados por mais de três anos na hipótese em que se aguarda despacho ou julgamento da autoridade administrativa”[24]. Oportunamente, o processo deverá ser arquivado de ofício ou a requerimento do interessado, porém caberá à Administração apurar a responsabilidade funcional do agente pela omissão no sobredito prazo[25]. No caso de sanções de polícia, obtemperar faz-se oportuno que a prescrição da ação punitiva da Administrativa se interrompe: a) pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; b) por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; c) pela decisão condenatória recorrível; d) por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. Ademais consoante o artigo 5º da legislação em comento[26], a prescrição regulada pelo diploma em comento tem incidência específica para as infrações relacionadas ao poder de polícia, sendo, por conseguinte, inaplicável em processos administrativos funcionais e de natureza tributária.
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Os limites do poder de polícia no direito administraivo
O artigo elaborado analisa os poderes instituídos em favor da Administração Pública e tem como finalidade precípua estudar como se desenvolve o Poder de Polícia. Tal estudo foi realizado com base em pesquisa científica, jurisprudencial e doutrinária, considerando as obras de CARVALHO FILHO (2005), MEIRELES (2009), DI PIETRO (2002) e outros, observando o princípio que orienta e legitima a atuação do poder de polícia administrativa, o princípio da predominância do interesse público sobre o privado. Conclui-se pela importância do Poder de Polícia como elemento limitador das liberdades e direitos destinados ao indivíduo em prol da coletividade, restringindo as atividades privadas sempre e apenas quando elas possam pôr em risco o interesse maior da coletividade.
Direito Administrativo
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. 4. Referências Introdução A Administração Pública com a finalidade de buscar o bem geral usa prerrogativas que lhe são dadas como o Poder de Polícia. Ocorre que ao utilizar-se de tal poder deve adotar como norte os limites impostos pelo ordenamento jurídico, preservando-se os direitos do administrados, impedindo-se abusos e arbitrariedades. O presente trabalho objetiva mostrar a importância que o Poder de Polícia possui para a Administração Pública cumprir com a sua obrigação de satisfazer o interesse público, contanto que cumpra nos limites impostos pela conveniência e oportunidade do administrador, protegendo o interesse particular. A democracia instituída no país possui como característica a transparência. No entanto deve haver limitação para questões como o exercício da liberdade individual ante os interesses coletivos e também no exercício da atividade estatal. Essa limitação encontra-se no poder de polícia. O direito brasileiro estabelece aos administrados alguns direitos que se relacionam com o uso, gozo e disposição da propriedade e com o exercício da liberdade. Ocorre que o exercício desses direitos não é ilimitado. Deve haver uma ponderação entre o interesse do Poder Público e o bem estar da sociedade. Conforme preceitua José dos Santos Carvalho Filho: “É preciso ressaltar, contudo que tais benefícios não são despropositados, mas imprescindíveis, “a fim de assegurar conveniente proteção aos interesses públicos, instrumentando os órgãos que os representam para um bom, fácil, expedito e resguardado desempenho de sua missão. Quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia.(FILHO, 2005, p.33).” Os poderes administrativos são um conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica oferece aos agentes administrativos para que o Estado atinga seus fins. Meirelles (2009) reputa que a finalidade do poder da administração tem sua diversidade da exigência a punição: “Os poderes administrativos nascem com a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem. Dentro dessa diversidade, são classificados consoante a liberdade da Administração para a prática de seus atos, em poder vinculado e poder discricionário; segundo visem ao ordenamento da Administração ou à punição dos que a ela se vinculam, em poder hierárquico e poder disciplinar; diante de sua finalidade normativa, em poder regulamentar; e, tendo em vista seus objetivos de contenção dos direitos individuais, em poder de polícia. (MEIRELLES, 2009, p. 100). “ As modalidades dos poderes são: Vinculado, Discricionário, Hierárquico, Disciplinar, Regulamentar e de Polícia. O poder vinculado está totalmente definido em lei, a sua atuação só será válida se praticada segundo o comando legal. Ainda, segundo, Carvalho Filho (2005, p.33), ao praticar atos vinculados, o agente limita-se a reproduzir os elementos da lei que os compõem, sem qualquer avaliação sobre a conveniência e a oportunidade da conduta. O poder Discricionário oferece liberdade ao administrador para escolher o momento, a oportunidade ou a conveniência para a prática do ato. Para Di Pietro (2002), o poder discricionário é um direito que está na lei e vinculada à competência: “A discricionariedade, sim, tem inserido em seu bojo a idéia de prerrogativa, uma vez que a lei ao atribuir determinada competência, deixa alguns aspectos do ato para serem apreciados pela administração diante do caso concreto, ela implica liberdade a ser exercida no limites fixados pela lei. No entanto, não se pode dizer que exista como poder autônomo.(DI PIETRO, 2002, p. 250).” Já por meio do poder normativo, o Poder Executivo pode, por ato exclusivo e privativo, editar regulamentos, normas ou decretos complementares à lei a fim de prover o seu desempenho. Para Diógenes Gasparini (2007), poder regulamentar consiste na "atribuição privativa do chefe do Poder Executivo para, mediante decreto, expedir atos normativos, chamados regulamentos, compatíveis com a lei e visando desenvolvê-la”. (GASPARINI, 2007, p. 117). O poder Disciplinar é o poder dever de punição administrativa em face do cometimento de faltas funcionais ou da violação de deveres por agente públicos. Conforme Meirelles (2009): “ (…) é uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente. (MEIRELLES, 2009, p. 124).” O poder Hierárquico é que detém a Administração Pública para se organizar estruturalmente, distribuir funções aos seus órgãos, segundo a lei e nos limites de competência de cada um. É um dos pressupostos fundamentais para a organização administrativa e constitui-se na “relação de subordinação existente entre os vários órgãos e agentes do Executivo, com a distribuição de funções e a gradação da autoridade de cada um”.(MEIRELLES, 2009, p.121). Por fim, o Poder de Polícia, em sentido amplo, é o complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos. (Mello, 2006, p. 225). Poder de polícia, em sentido estrito, são as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas como as autorizações, licenças e injunções do Poder Executivo destinadas a obter o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais (Mello, 2006, p. 225).        Constitucionalmente poder de polícia é citado no art. 145, II da Constituição Federal e é no Código Tributário Nacional, artigo 78 que encontramos seu conceito: “Art. 78 – Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” E no parágrafo único apresenta sua forma regular de exercício, sem que haja arbitrariedade que possa violar a legalidade: “Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.” Para que a Administração Pública consiga defender os interesses coletivos foram especificados atributos ao Poder de Polícia. Tais atributos são a discricionariedade, a auto-executoriedade e a imperatividade. Sobre a discricionariedade, Di Pietro (2002, p.90), afirma que a lei às vezes deixa margem de liberdade quanto aos motivos e os objetos do Poder de Polícia, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia. No que tange a auto-executoriedade, Meirelles (2009) reputa que: “A auto-executoriedade, ou seja, a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão, por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário, é outro atributo do poder de polícia. Com efeito, no uso desse poder a Administração impõe diretamente as medidas ou sanções de polícias administrativas necessárias à contenção de atividade anti-social que ela visa a obstar. Nem seria possível condicionar os atos de polícia à aprovação prévia de qualquer outro órgão ou poder estranho à Administração. (…) O que o princípio da auto-executoriedade autoriza é a prática do ato de polícia administrativa pela própria Administração, independentemente de mandado judicial. (MEIRELLES, 2009, p. 121).” Por fim, a imperatividade é atributo que confere ao ato coercibilidade, ou seja: “(…) a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para o seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-lo efetivo, e essa coerção também independe da autorização judicial. É a própria Administração que determina, e faz executar as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade administrativa resultante do exercício do poder de polícia. (MEIRELLES, 2009, p. 122).” Com o intuito de acabar com os abusos já ocorridos, e por inexistir norma limitadora, Di Pietro (2002)  acerca das limitações ao poder de polícia assevera: “Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela li, quanto à competência e à forma, aos fins e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto; quanto aos dois últimos, ainda eu a Administração disponha de certa dose de discricionariedade, esta deve ser exercida nos limites traçados pela lei. Quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, o exercício desse poder perderá sua justificativa quando utilizado para beneficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as conseqüências nas esferas civil, penal e administrativa. A competência e o procedimento devem observar também as normas legais pertinentes. Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem-estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais. Na aplicação das sanções de polícia, a Lei nº 9.873, de 23-11-99, estabelece o prazo de prescrição de cinco anos, passível de interrupção e suspensão nos casos expressamente previstos. Essa lei somente se aplica à esfera federal. Alguns autores indicam regras a serem observadas pela polícia administrativa, com o fim de não liminar os direitos individuais: 1.     a da necessidade, em consonância com a qual a medida de polícia só deve ser adotada para evitar ameaças reais ou prováveis de perturbações ao interesse público; 2.     a da proporcionalidade, já referida, que significa a exigência de uma relação necessária entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado; 3.     a da eficácia, no sentido de que a medida deve ser adequada para impedir o dano ao interesse público. Por isso mesmo, os meios diretos de coação só devem ser utilizados quando não haja outro meio eficaz para alcançar-se o mesmo objetivo, não sendo válidos quando desproporcionais ou excessivos em relação ao interesse tutelado pela lei. (DI PIETRO, 2002, P.125)” Conclusão Face ao exposto, observa-se que os poderes oferecidos aos agentes públicos de agirem repressivamente em prol da coletividade não são ilimitados, estão sujeitas a limites jurídicos positivados, em especial na Constituição Federal, que asseguram, dentre outros, direitos aos cidadãos, prerrogativas individuais e liberdades públicas instituindo um Estado Democrático de Direito, com proteção, sobretudo, da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também acontece com o poder de polícia, que, longe de ser onipotente, não pode colocar em risco, mesmo que potencial, os direitos fundamentais, sob pena de configurar o abuso de poder.
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Judicialização da saúde: o difícil equilíbrio entre a balança e a espada
Este projeto de tese tem por objetivo pesquisar o fenômeno contemporâneo da judicialização da saúde, buscando compreender a dinâmica social do fato e seus desdobramentos. Nessa peleja entre o Poder Executivo, que é quem tem a prerrogativa de planejar e executar as politicas públicas de saúde, e o Poder Judiciário, que determina àquele a prestação compulsória de medicamentos ou tratamentos, existe um vácuo. A gestão eficiente dos recursos destinados ao atendimento desse Direito Fundamental é um vetor que é deixado em segundo plano, por muitas vezes. Uma linha permanente de comunicação entre gestores da saúde e membros do judiciário, defensoria e ministério público pode dejusdicializar muitas demandas, fornecimento de medicamentos por exemplo, com a criação de um grupo de trabalho que analise estaticamente os tipos de demanda mensal por medicamentos e tratamentos e que essas informações possam subsidiar tomadas de decisões que garantam a prestação dos serviços de saúde antes mesmo de uma possível demanda judicial.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO. A judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Esse fato social começa a suscitar, tanto nas ciências jurídicas, quanto nas ciências médicas e de gestão pública, uma tentativa de encontrar um mecanismo de equalização do sistema. Destarte, a judicialização da saúde deve ser realizada da melhor forma possível, ou seja, de forma pontual e sempre respeitando o planejamento dos gestores da área, apenas corrigindo as omissões e falhas da Administração Pública.    Portanto, o presente projeto de pesquisa visa contribuir com o debate acerca dos problemas que envolvem o ativismo judicial no sistema de saúde. O aprimoramento de mecanismos de trocas de informações entre os Gestores Públicos, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Poder Judiciário pode contribuir para melhoria do sistema de saúde. Uma vez que, as demandas reiteradas exercidas no judiciário, requerendo medicamentos e tratamentos, podem passar a fazer parte do planejamento do gestor público quando informadas por aqueles a este. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA. O art. 6º da Constituição da República (CRFB) afirma ser a saúde um direito social, deixando transparecer a possibilidade de o cidadão exigir alguma prestação estatal capaz de lhe garantir uma existência saudável. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a saúde não é a mera ausência de doenças ou enfermidades, mas o estado de completo de bem-estar físico, mental e social[1]. Desse modo, quando se fala em direito à saúde, se está tratando dos meios necessários à promoção da saúde, que, segundo a Carta de Ottawa, elaborada durante a Primeira Conferência Internacional de Promoção da Saúde, em 1986, significa o processo de capacitação da pessoa para a melhoria e o aumento de controle da saúde[2]. Sendo a saúde o estado de completo bem-estar, sua promoção não se esgota nas prestações de saúde, dependendo de políticas públicas relacionadas a outros campos da atuação estatal, como aquelas necessárias à conquista de paz, moradia, educação, alimentação, renda, ecossistema saudável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade. Porém, essa visão ampliada da promoção da saúde ultrapassa os limites do próprio direito à saúde, considerado isoladamente, pois depende de iniciativas intersetoriais. A moradia, educação e renda contribuem para a promoção da saúde, porém não integram o conceito de direito à saúde, uma vez que constituem direitos autônomos. Caso contrário, concluir-se-ia que o direito à saúde teria menos a ver com o campo regional da saúde e mais a ver com o campo global da sociedade, apesar da clara disposição constitucional de tutelá-la autonomamente. Demonstrada a existência de um direito subjetivo público consubstanciado no acesso às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, é necessário verificar a existência de seu fundamento teórico sócio-politico-jurídico[3]. Não é objetivo deste trabalho aprofundar o debate sobre o conceito e a estrutura dos direitos fundamentais[4]. Busca-se aferir se o direito à saúde pode ser caracterizado como um direito fundamental. Todavia, algumas considerações iniciais são necessárias.  Destaca-se que os direitos fundamentais são direitos subjetivos públicos. Como leciona ALEXY[5], e, assim sendo, englobam tanto os direitos a ações negativas, quanto positivas. Este autor ensina que as normas de direito fundamental conferem aos indivíduos a posição jurídico-subjetiva de exigir seu direito a algo. Direito de exigir prestações (ações positivas) e abstenções (ações negativas) do Estado. As ações negativas são subdivididas por Alexy em três grupos: o primeiro, de que o Estado não impeça ou obstaculize o exercício de um direito fundamental; o segundo, o direito de que o Estado não afete situações jurídicas ou propriedades dos indivíduos e o terceiro, o direito de que o Estado não elimine sua posição jurídica: uma vez conferido o direito fundamental ao cidadão, o Estado não pode derrogá-lo. E os direitos fundamentais podem assumir a forma de direitos à prestação diante da omissão do Poder Público no exercício de controle do cumprimento dos direitos fundamentais. Desse modo, podemos identificar o direito à saúde como um direito subjetivo a ações estatais positivas em nossa Constituição, sua estrutura se adéqua perfeitamente à de um direito fundamental.  No entanto a controvérsia quanto à caracterização dos direitos sociais como direitos fundamentais é antiga e está longe de encontrar solução única. Enquanto alguns autores sustentam a fundamentalidade de todas as prestações sociais positivadas na Constituição, independentemente de sua vinculação à dignidade da pessoa humana, outros negam a legitimidade de imposição de cumprimento destes pelo Judiciário[6]. Alguns autores, com base no direito germânico, elaboraram uma teoria denominada de mínimo existencial[7], que seria um mínimo necessário a que todo cidadão teria o direito de obter do Estado para uma existência digna.  Mas definir o que é o conteúdo do mínimo existencial é sempre tarefa difícil – mesmo diante de um caso concreto. No plano abstrato a missão torna-se ainda mais difícil, sendo divergentes as produções científicas que identificam quais seriam suas parcelas integrantes. Barcellos chega ao mínimo existencial por meio de uma ponderação abstrata de normas, realizada antes do surgimento de um caso concreto, contribuindo de forma indelével para o debate. A ideia é antecipar os conflitos constitucionais com auxílio de situações hipotéticas, criando-se parâmetros para ajudar a orientar o aplicador da norma, ou seja, o gestor público[8]. Essa estrutura de pensamento permitiu à autora ponderar a dignidade humana e outros princípios constitucionais, tais como o princípio democrático e o da separação de poderes e direitos sociais chegando-se, como resultado, ao mínimo existencial. A autora busca racionalmente um método capaz de equacionar essa questão, através da ponderação e conclui que o mínimo existencial é composto por quatro elementos, sendo três materiais e um instrumental. Sendo os três materiais o direito à educação fundamental, à saúde básica, à assistência aos desamparados e o acesso à justiça seria o direito instrumental capaz de concretizá-los em caso de mora do Estado. Perlingeiro nos ensina que a reserva do possível pode ser compreendida como restrições ou limitações a um mínimo existencial (até um mínimo) de direitos fundamentais originários. Portanto, é apenas fora do âmbito de proteção desse mínimo – inegociável no debate politico – que os limites ou restrições se justificam constitucionalmente quando e enquanto não houver orçamento, ou politicas públicas que o compreenda, indicando democraticamente quais prestações sociais devem ser suportadas pela sociedade.[9] E acrescenta o citado autor que nem sempre é fácil a compreensão do mínimo existencial, que pode ser associado a uma ponderação de fatores subjetivos e objetivos. Citando um precedente do Tribunal Constitucional alemão, Perlingeiro traz ao debato uma jurisprudência daquele país cujo entendimento é o de que os cidadãos têm direito as condições mínimas indispensáveis as suas existências físicas, mas essas condições mínimas devem corresponder ao nível de desenvolvimento da comunidade e das condições de vida existentes……[10] No entanto, o debate sobre a judicialização da saúde se insere em um contexto maior no qual se discute a legitimidade do controle judicial dos atos da Administração Pública. Por esse motivo, para bem compreender o tema do presente trabalho, é fundamental analisar o controle judicial da atividade administrativa. Hodiernamente cabe ao Estado/Juiz a primazia na tutela dos direitos fundamentais, uma vez constatando-se que a garantia desses depende de um efetivo acesso à justiça. É necessário permitir ao cidadão ter acesso aos tribunais para pleitear prestações inadimplidas pela Administração Pública. Isso conduz o próprio acesso à justiça ao status de direito fundamental. Sem ele, não há como se reconhecer a existência efetiva de qualquer outro direito. No Brasil, o acesso à justiça, em seu conteúdo formal, é garantido no sistema constitucional pela inafastabilidade do controle jurisdicional, positivada no art. 5º, XXXV da Constituição da República (CRFB), segundo o qual a lei não pode excluir da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça de lesão a direito. Não escapam à apreciação do Poder Judiciário, nem mesmo, os conflitos travados entre o Estado (Administração Pública) e o indivíduo (administrado). Aliás, em um Estado de Direito, essas relações entre a Administração Pública e o cidadão assumem grande importância, pois ambas as partes estão submetidas a uma disciplina normativa restritiva de sua atuação. Não apenas o cidadão tem a sua liberdade limitada pelo ordenamento jurídico, como a Administração encontra limites para o seu atuar, devendo obediência à lei (princípio da legalidade), além de normas não positivadas, e, sobretudo, à Constituição e aos direitos fundamentais. A ultrapassagem de tais limites causa, em regra, lesão a direito subjetivo público do cidadão, ou a direitos transindividuais, cabendo ao Judiciário, quando provocado, solucionar esse conflito[11]. A construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I da Constituição Brasileira), a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais (art. 3º, II da Constituição Brasileira) e a promoção do bem de todos (art. 3º, IV da Constituição Brasileira) passam a ser os objetivos fundamentais do Estado que, para cumpri-los, torna-se devedor de direitos subjetivos públicos, os quais não se restringem a instrumentos de limitação da atuação estatal (liberdades públicas), mas também exigem prestações estatais positivas. Surgem, assim, direitos econômicos e sociais, dos quais os indivíduos se tornam credores do Poder Público.  O direito fundamental à saúde integra o mínimo existencial e este pode ser exigido judicialmente, não podendo ser restringido pelos outros poderes constituídos. Isso significa que em caso de ofensa a direito fundamental, a discricionariedade legislativa e administrativa é reduzida e passa a se submeter ao controle judicial[12]. O sistema judicial brasileiro costuma deferir as tutelas que versam sobre prestações de fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, não considerando, ou considerando pouco, o planejamento e orçamento realizado pelos gestores públicos. Isto, por si só, é um entrave ao pleno funcionamento do sistema. Como bem observa Perlingeiro, no sistema judicial monista como o nosso em que a especialização do judiciário em direito administrativo é ocasional e atualmente nula em direito da saúde, os juízes necessitam estar atentos à intensidade da sua jurisdição sobre a margem de apreciação administrativa técnico-cientifica[……] É bom lembrar que a ausência de uma decisão de qualidade pela administração pode fragilizar o Estado de Direito porque os juízes nem sempre detêm especialização suficiente e capacidade cognitiva para exercer um controle efetivo sobre a prova técnica acerca da eficiência, da segurança, efetividade e custo-efetividade da atenção à saúde requerida.[13] Uma breve análise da jurisprudência, no período de janeiro a julho de 2012, é reveladora. No Superior Tribunal de Justiça, de 56 acórdãos pesquisados, 49eram favoráveis à pretensão de fornecimento de remédios ou outros tratamentos. A mesma pesquisa no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (que engloba os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo), foram encontrados 87 acórdãos favoráveis aos pedidos dos pacientes e apenas nove, negaram[14]. No sitio eletrônico Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foram encontradas mais de trezentos processos somente no ano 2012 versando sobre o tema fornecimento de medicamentos e tratamentos de saúde pelo SUS[15]. O excesso de demandas judiciais no país esta inegavelmente associado as causas de interesse público: do total de 92 milhões em tramitação em 2012, ao menos 40 % são referentes a execuções fiscais. Deste panorama, destaco o não menos expressivo quadro das demandas judiciais sobre assistência à saúde pública: perante a Justiça Federal e a Justiça Estadual, entre 2010 e 2014, o numero de ações judiciais em curso quadriplicou, de 100.000 para 400.000 demandas aproximadamente. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Rio de Janeiro, até junho de 2014, a Justiça Estadual como encarregada de processar aproximadamente 46.000 ações sobre assistência terapêutica.[16] Em pesquisa no sitio do Supremo Tribunal Federal (STF), identificaram-se quatorze decisões monocráticas – todas favoráveis aos cidadãos – contra apenas duas que denegaram os pedidos. É recorrente, quase sempre, a mesma fundamentação jurídica para se deferir ou não a tutela[17]. Entre as decisões do STF foram localizados dois precedentes favoráveis à Administração Pública, ao suspenderem decisões judiciais que haviam determinado o fornecimento de medicamentos. Entretanto, essa tendência jurisprudencial não se confirmou em decisões posteriores. No entanto, é inquestionável o aumento do peso de um dos argumentos das defesas fazendárias: o impacto das decisões judiciais nos orçamentos públicos. Embora o STF – exceto nas duas situações já citadas – confira maior peso ao direito à saúde dos postulantes do que ao equilíbrio orçamentário, a corte passou a enfrentar o assunto com maior preocupação de fundamentação. A preocupação com as repercussões das decisões judiciais na esfera orçamentária da Administração Pública, no que tange a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos e tratamentos não previstos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), passou a ganhar atenção do STF após a audiência pública realizada entre abril e maio de 2009, quando, durante seis dias, ouviram-se especialistas de diversas áreas a respeito da judicialização da saúde no próprio STF por iniciativa do seu presidente há época, o Ministro Gilmar Mendes. Entretanto, apesar desse marco, as demandas versando a respeito de prestações de saúde (medicamentos e tratamentos) continuam em sua grande maioria favoráveis aos cidadãos. E isto é aceitável. Pois, não se pode olvidar que atrás da toga existe um ser humano com seus valores, visão de mundo e tudo mais, em que pese o seu dever de imparcialidade, é muito difícil exigir que um magistrado, em um caso concreto, não defira o pedido por um medicamento ou tratamento em que o parecer médico ateste caso de vida ou morte. Entretanto, o que se questiona é, são os juízes os melhores técnicos para determinar a Administração Pública o fornecimento de medicamentos, ou tratamentos constante ou não na tabela do SUS? O poder executivo conta com especialistas que detêm a expertise na área, conhecimento este que falta ao judiciário, em regra, e, portanto, tem que ser sopesado, a bem do funcionamento da Administração Pública, toda decisão que impor ao Estado a prestação de serviços de saúde não previstos pelo SUS.  Todavia, estando o poder público em omissão, abre-se espaço para a intervenção do judiciário quando demandado. Pois, na verdade, não se trata de intromissão do Judiciário na competência da Administração, e sim, uma correção desta omissão a um direito fundamental, perpetrada pela própria Administração Pública. A melhor maneira de resolver esse problema é a junção de esforços entre os poderes na busca de equalizar todo o sistema de saúde, ou seja, as demandas que chegam reiteradamente ao Poder Judiciário requerendo remédios e tratamentos da Administração Pública não constante na tabela do SUS, deveriam ser informadas aos gestores desta área para que estes analisassem a viabilidade de inclusão destes insumos e procedimentos, em um período breve, na tabela RENAME e RENASES. Poupar-se-ia tempo e dinheiro público e ainda haveria contribuição para o aperfeiçoamento da gestão pública. Perlingeiro bem observa que é tempo de iniciarmos uma reflexão a respeito de modo que Administração Pública aumente a sua credibilidade e deixe de prosseguir aguardando comodamente uma manifestação judicial para o reconhecimento de direitos.[18] E acrescenta o referido autor que devemos considerar a viabilidade, perante ao SUS, de duas diretrizes básicas que vão ao encontro do direito administrativo contemporâneo, tanto do ponto de vista dos procedimentos administrativos ( das funções primarias da Administração, também denominadas “funções meramente executivas”), quanto do ponto de vista dos processos administrativos ( ou seja, das funções jurisdicionais da própria Administração, destinadas à solução extrajudicial de conflitos).    A primeira delas diz respeito à qualificação técnica das decisões administrativas. O procedimento administrativo e o processo administrativo precisam ser conduzidos por autoridades integradas por uma equipe com formação interdisciplinar (saúde pública, especialidade clinica e direito). A segunda, diretriz a ser considera junto ao SUS a de que as decisões proferidas em um processo administrativo devem estar próximas – o quanto possível – das garantias do due processo of law, aí incluídas a previsão da conciliação e da mediação, bem como a existência de autoridades decisórias dotadas de imparcialidade e de certa dose de independência.[19]   Vale citar, como experiência incipiente nessa direção, a CONITEC, Comissão Nacional de Incorporação de tecnologia no SUS, instituída pela Lei.12.401/11, como órgão de assessoramento do Ministério da Saúde para incorporação de novas tecnologias diante do SUS; e a câmara técnica destinada à solução de conflitos em matéria de saúde, no Rio de Janeiro, da qual participam representantes da secretarias de saúde, advogados do Estado e defensores públicos.[20] Com a finalidade de contribuir para a tomada de decisão dos magistrados, a CONITEC elabora fichas técnicas com informações simples e claras sobre medicamentos e produtos para a saúde, que são caracterizados, entre outros atributos, quanto à disponibilidade no SUS; à avaliação pela CONITEC; ao custo de tratamento; à existência de alternativas no sistema público de saúde e à disponibilidade de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas para a situação clínica relacionada. A ideia é disponibilizar periodicamente em seu portal fichas com as informações sobre tecnologias em saúde mais demandadas à CONITEC pelos operadores do Direito e atualizá-las de forma sistemática, de acordo com as alterações que possam ocorrer em cada um dos seus itens.[21] Outros mecanismos importantes de incorporação e atualização de serviços, ações e insumos na saúde pública são a Relação Nacional de Ações e Serviços em Saúde (RENASES) e a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME). O RENAME contempla os medicamentos e insumos disponibilizados no SUS por meio do Componente Básico da Assistência Farmacêutica, Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica, Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, além de determinados medicamentos de uso hospitalar. O Brasil elabora listas oficiais de medicamentos desde 1964, antes mesmo da recomendação e da publicação da lista modelo de medicamentos feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1978. Inicialmente, as atualizações foram realizadas pela Central de Medicamentos (CEME), que a partir da versão elaborada em 1975 passou a receber a denominação de Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME).[22] É importante mencionar os avanços trazidos pela Lei nº 12.401, de 28 de abril de 2011 que altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, estabelecendo a assistência terapêutica integral, que consiste na dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, no caso destes não estarem disponíveis, com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS. Acerca da incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, a referida Lei estabelece que o Ministério da Saúde seja assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). O Ministério da Saúde publicou a Portaria MS/GM nº 841, de 2 de maio de 2012, que estabelece a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES) no âmbito do SUS. As ações e serviços descritos na RENASES contemplam, de forma agregada, toda a Tabela de Procedimentos, Órteses, Próteses e Medicamentos do (SUS). A RENASES 2012 foi elaborada a partir das definições do Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011 e estruturada de acordo com a Resolução nº 2/CIT, de 17 de janeiro de 2012.[23] As inclusões, exclusões e alterações de ações e serviços da RENASES serão realizadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). Os Estados e Municípios deverão submeter à CONITEC os pedidos de incorporação e alteração de tecnologias em saúde, para complementar a RENASES no âmbito estadual ou municipal. De acordo com a portaria 841, de 02 de maio de 2012, a RENASES está estruturada de forma que sejam expressos a organização dos serviços e o atendimento da integralidade do cuidado. Estabelece a referida portaria que: “Art. 4º As atualizações da (RENASES) ocorrerão por inclusão, exclusão e alteração de ações e serviços, de forma contínua e oportuna. § 1º As inclusões, exclusões e alterações de ações e serviços da RENASES serão realizadas de acordo com regulamento específico da subcomissão da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), que deverá prever as rotinas de solicitação, análise, decisão e publicização, conforme o Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de 2011, que dispõe sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS). § 2º Caberá ao Ministério da Saúde conduzir o processo de atualizações de ações e serviços da RENASES, conforme estabelecido pelos art. 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. § 3º A cada 2 (dois) anos, o Ministério da Saúde consolidará e publicará as atualizações da (RENASES). Art. 5º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão adotar relações complementares de ações e serviços de saúde, sempre em consonância com o previsto na (RENASES), respeitadas as responsabilidades de cada ente federado pelo seu financiamento e de acordo com o pactuado nas Comissões Intergestores. § 1º Compreende-se por complementar a inclusão de ações e serviços que não constam da RENASES. § 2º O padrão a ser observado para a elaboração de relações de ações e serviços complementares será sempre a (RENASES), devendo observar os mesmos princípios, critérios e requisitos na sua elaboração. § 3º Os Estados e Municípios deverão submeter à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (CONITEC) os pedidos de incorporação e alteração de tecnologias em saúde, para complementar a (RENASES) no âmbito estadual ou municipal.” Neste cenário, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), composto por União, Estados e Municípios é marcada pela descentralização e hierarquia. Este novo formato da rede de atenção à saúde gera desafios para a Federação, pois estabelece uma inédita dinâmica de trabalho entre as três esferas. O atual federalismo brasileiro oferece uma divisão de poder que se caracteriza pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal (Constituição da República – CRFB, art. 1º), dando origem a uma administração político-administrativa composta de três esferas autônomas: federal, estadual e municipal, além da distrital, consubstanciada em uma mescla das demais (CRFB, art. 18)[24]. A constituição de 1988 parece apontar para uma nova espécie de Federação, a cooperativa[25]. Encontram-se sinais da intenção do constituinte de introduzir o federalismo cooperativo no Brasil nos do art. 23,§Ù e no art. 241 da CFRB[26]. A centralização das políticas de saúde sempre foi a maneira de gestão implementada pelo poder público desde o Império, até a República. Isto foi rompido com a Constituição da República de 1988, que incluiu entre as atribuições dos Municípios a prestação de serviços de atendimento à saúde da população, com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados (CRFB, art. 30, VII). Trata-se de regra inspirada no princípio da descentralização, valorizando o papel dos entes federados, especialmente daqueles mais próximos da população, os Municípios. A acertada previsão permite uma aproximação da comunidade com as instâncias decisórias, estimulando a sua participação nos debates, em perfeita harmonia com o art. 198, III, da CRFB. Isso porque a gestão descentralizada é capaz de focar as especificidades de cada região e de desconstruir, ao menos parcialmente, a distância existente entre o cidadão e o gestor público[27].  Os Municípios foram erigidos ao posto de principais executores das ações e serviços públicos de saúde, concretizando um ideário do movimento sanitarista, que na IX Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1992, elegeu o seguinte tema central: “Saúde: municipalização é o caminho[28]”. O município atende às exigências da descentralização insculpidas na Constituição Federal, funcionando como instância tangencial entre a sociedade e o Poder Público. Esse equilíbrio entre descentralização e municipalização é o que deve ser perseguido pelos gestores públicos[29]. Entretanto, apesar da descentralização e especialmente a municipalização, ser apontada como o caminho a ser seguido, não se pode ter a ilusão de enxergá-la como a panaceia para todos os problemas da saúde pública brasileira. As especificidades de cada município do país são um grande desafio aos gestores públicos. Estas enormes desigualdades em diversos campos, tais como: econômico, políticos, infraestrutura, orçamentária, cultural e de conhecimentos técnicos dificultam, ainda mais, o aprimoramento do sistema de saúde como um todo. Sobrecarregando, por muitas vezes, os municípios que estão mais bem estruturados pela absorção de clientela oriunda de municípios vizinhos menos estruturados[30]. Destarte, a busca pela eficiência, efetividade e eficácia nas políticas púbicas de saúde devem ser norteadas de forma objetiva e concentrar os esforços de todos os atores envolvidos na gestão e planejamento dos serviços de saúde. BUCCI entende política pública como um “programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados”[31]. Em nosso país, o grande número de competências comuns entre União, Estados e Municípios indica que o constituinte perquiriu a comunhão de esforços para obtenção de resultados como o cuidado com a saúde (art. 23, II), a preservação do meio-ambiente (art.23, VI) e o combate à pobreza (art. 23, X). Sendo assim, ao invés de competirem pelo aumento ou diminuição de suas atribuições, cada um deve oferecer o melhor ao seu alcance para a conquista desses ideais[32]. O federalismo cooperativo busca substituir a competição entre as unidades federadas pela cooperação em prol de um objetivo comum. Sendo assim, todos os entes devem interagir, contribuindo um com o outro para o alcance dos objetivos estatais. Diante das enormes diferenças entre as capacidades de unidades federadas implantarem políticas públicas, a busca pela cooperação entre os entes federados e os poderes da república torna-se ainda mais fundamental. Não é por outro motivo que a sua ausência é apontada como uma das causas da não consolidação prática do federalismo cooperativo brasileiro[33]. A saúde é uma das poucas áreas de atuação do Estado em que se observa a implantação efetiva de uma atuação federativa cooperativa, com a criação de instrumentos que permitem, a todas as unidades federadas, a participação na elaboração e no acompanhamento das políticas públicas, sob a coordenação da União. As leis federais estabelecem normas gerais sobre o Sistema Único de Saúde e distribuem as atribuições entre as direções nacional, estaduais e municipais (Lei 8.080/90, arts. 16 a 18). A legislação federal prevê, ainda, a existência de um conselho de saúde e uma conferência de saúde em cada esfera de governo. As conferências, compostas por representantes de vários segmentos sociais, reúnem-se a cada quatro anos para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde (Lei 8.142/90, art. 1º, § 1º).  Já os conselhos, que possuem caráter permanente e deliberativo e são compostos por representantes do governo, dos prestadores de serviços, dos profissionais de saúde e dos usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde (Lei 8.142/90, art. 1º, § 2º). No âmbito nacional, o Conselho de Saúde (CNS) é integrado também pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) (Lei 8.142/90, art. 1º, § 3º). A dinâmica construída pelo legislador permite que Estados e Municípios participem do processo de elaboração de políticas nacionais de saúde e do controle de sua execução. Assim, Estados e Municípios contribuem na formulação das políticas de âmbito nacional, em uma relação de colaboração. Nota-se, portanto, que a intenção do constituinte é que União, Estados e Municípios – cabendo a esse último por estar mais próximo ao cidadão a prestação de serviços de saúde a população, prioritariamente, com auxilio daqueles – cooperem entre si buscando o constante aperfeiçoamento do sistema público de saúde. Essa cooperação deve ocorrer por cima – entre os entes federativos – e também por baixo, entre os vários órgãos, entidades e instituições que compõem o poder púbico, ou seja, Ministério da Saúde, Secretarias (municipais e estaduais) de saúde, Ministérios Públicos, Defensorias e o Judiciário. As informações sobre ações requerendo remédios, procedimentos e internações pela via judicial devem ser compartilhadas por todos, e a busca pelo equilíbrio do sistema deve ser a meta. A concentração de esforços, trocas de informações qualitativas e quantitativas entre as instituições envolvidas pode nos ajudar a dejusdicializar, ou pelo menos mitigar, as politicas públicas de saúde. CONCLUSÃO. A Constituição Federal de 1988, elevou o direito à saúde a condição de um Direito Fundamental. Sendo assim, com o amadurecimento de nossa democracia esse direito subjetivo passou a ser demandado, em uma escala geométrica, pela via judicial, tanto por falhas nas prestações desses serviços, quanto por omissões da Administração Pública. Buscar métodos eficazes que tornem o sistema de saúde eficiente com uma real cooperação entre os entes federativos, seus órgãos e entidades, o judiciário, o ministério publico e a defensoria, nos parece ser um caminho viável que pode nos levar a uma desjudicialização da saúde. Para tanto, essa comunicação entre as instituições envolvidas têm que ser continua e perene. Os dados quantitativos, qualitativos e estatísticos sobre as demandas judiciais devem servir de subsídios para os gestores públicos na elaboração, planejamento e aplicação nas politicas públicas de saúde. A troca dessas informações podem auxiliar os gestores em saúde a se antecipar a uma possível demanda judicial por um medicamento, por exemplo. Ou mesmo, subsidiar o Poder Judiciário em certas demandas por medicamentos ou tratamentos.
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O sigilo do orçamento no regime diferenciado de contratações públicas
O presenteartigocientífico busca analisar o sigilo do orçamento estimado no Regime Diferenciado de Contratações – RDC. Na oportunidade, restaram observados os preceitos constitucionais, a Lei Geral de Licitações bem como a Lei 12.462/11. Em sequência, foi analisado a suposta inconstitucionalidade do mecanismo de sigilo dos orçamentos previstos no Regime Diferenciado de Contratação frente ao princípio da publicidade.
Direito Administrativo
1. Introdução O presente estudo trata do aspectos e da polêmica do sigilo do orçamento adotado no Regime Diferenciado de Contratações (RDC) – utilizado nas licitações e respectivas contratações relativas aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, com a Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol (FIFA) 2013 e com a Copa do Mundo FIFA 2014. A legislação brasileira, por muito tempo, buscou promover reformas nas contratações públicas buscando maior efetividade e menos entraves burocráticos, assim, veio a Medida Provisória n. 527 de 2011, sugerindo um trâmite licitatório mais célere. Posteriormente a mencionada norma se converteu na Lei 12.462 de 2011, estabelecendo o Regime Diferenciado de Contratação, apresentando mudanças relevantes no processo licitatório até então adotado. Os preceitos estabelecidos na citada lei determinam a não divulgação prévia do orçamento estimado pela Administração Pública para o objetivo licitado, permanecendo em sigilo até o encerramento da licitação ocorrendo a divulgação concomitante àadjudicação do objeto licitado.Portanto, o sigilo em tela vai de encontro ao princípio da publicidade, contido no art. 37 caput da Constituição Federal, que prevê a necessidade de transparência dos atos administrativos, determinando que estes devem ser públicos, de forma que a sociedade possa ter acesso à atuação do Estado. Por meio deste artigo, portanto, pretende-se analisar a possívelinconstitucionalidade do orçamento sigiloso, frente a sua incompatibilidade com o ordenamento jurídico pátrio e, principalmente, com o princípio constitucional da publicidade adotado pelaAdministração Pública. O cerne da questão repousa no artigo 6º da Lei n.º 12.462/11 dispondo que “o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação”. Logo, resta evidenciado que a normabusca a celeridade e eficiência em detrimento da publicidade, contrariando todo o ordenamento jurídico pátrio. 2.Os procedimentos licitatórios e o princípio da publicidade A Administração Pública, em seu interesse primário,busca atender às necesidades dos seus administrados por meio do princípios da supremacia do interesse público[1]. Segundo Hely Lopes Meirelles (2010, p. 87): “Os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada. Toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo. Se dele o administrador se afasta ou desvia, trai o mandato de que está investido, porque a comunidade não institui a Administração senão como meio de atingir o bem-estar social. Ilícito e imoral será todo ato administrativo que não for praticado no interesse da coletividade”.[2] (grifo nosso) Portanto, a Administração deve sempre prezar sempre pela lisura, em homenagem aointeresse público, mediante a realização de processo de escolha prévio denominadode licitação. Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p. 483), licitação é: “[…] um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com ela travar determinada relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preenchem os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõe assumir”.[3] (grifo nosso) No Brasil, a previsão contitucional para a realização de licitação repousa no art. 37, XXI, da Constituição Federal, definindo que: “Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Nesse contexto, para garantir a probidade do processo de escolha e contratação, aLei Geral de Licitações apresenta um rol de princípios que devem ser observados em toda modalidade licitatória. Assim, a Lei 8.666 de 1993, apresenta, de forma clara, a necessidade de publicidade de todos os atos licitatórios e a proibição do sigilo das propostas. Nesse diapasão, encontramos diversos dispositivos na Lei n.º 8.666/93 que traduzem a efetivação deste princípio. O §3º do seu art. 3º, estatui que: “A licitação não será sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas até a respectiva abertura”. Já o artigo 6º, IX, f, determina que o projeto básico deverá conter “orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados”. O artigo 7º, §2º, II, reza que “as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando […] existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários”, bem como o §8º do mesmo dispositivo estabelece que “qualquer cidadão poderá requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada”. O disposto no artigo 44º da Lei n.º 8.666/93 exige a divulgação do orçamento estimativo, juntamente com o edital da licitação. O dispositivo estabelece que “no julgamento das propostas, a comissão levará em consideração os critérios objetivos definidos no edital ou convite, os quais não devem contrariar as normas e princípios estabelecidos por esta Lei.” O §1º do citado dispositivo veda expressamente “a utilização de quaisquer elementos, critério ou fator sigiloso, secreto, subjetivo ou reservado quepossa ainda que indiretamente elidir o princípio da igualdade entre os licitantes”. Este último dispositivo veda a utilização de critérios de julgamento secretos, sendo esse o entendimento adotado pelo Tribunal de Contas da União ao proferir o Acórdão n.º 1.178/2008[4]. Portanto, aLei Geral de Licitações está em consonância com a Constituição Federal, na medida em que preza pela ampla divulgação do orçamento estimado para os contratos a serem efetivados pelo Estado. 3. O regime diferenciado de contratações públicas O Brasil, enquanto sediador da Copa do Mundo FIFA 2014, restou obrigado a realizar benfeitorias em sua infraestrutura e em um prazo determinado. Assim, devido ao escoamento do tempo ofertado e aos possíveis entraves burocráticos da lei 8.666 de 1993, durante a tramitação da Medida Provisória n.º 527/2011, que fomentava mudanças na organização administrativa do Poder Executivo, foi proposto Projeto de Lei de Conversão n.º 17/2011 que acrescentava no texto da referida MP um capítulo dedicado à criação do Regime Diferenciado de Contratações, com vistas a proporcionar infraestrutura legal que permitiria um processo de contratação mais ágil e adequado às tecnologias que surgiram após a edição da referida Lei Geral de Licitações. Por fim, o projeto foi transformado na Lei n.º 12.462/11, regulamentada pelo Decreto 7.581. Na sequência, em 24 de dezembro de 2013, foi apresentada a Medida Provisória n.º 630, que promoveu alterações nos artigos 1º, 4º e 9º da Lei nº 12.462, de 2011. No que se refere ao art. 1º em comento, a Medida Provisória estendeu a aplicação do RDC a obras e serviços de engenharia destinados à construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. Já em09 de abril de 2014, a referida MP buscou estender o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para todos os tipos de licitações e contratos – tanto de obras quanto de serviços – de União, estados, Distrito Federal e municípios, e foi aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados, contudo o senado não acatou a ampliação, aprovando a MP em seu texto original, ou seja, ampliando a aplicação do RDC apenas para obras em estabelecimentos peneias Assim, resta possível observar que Lei n.º 12.462 de 2011, trouxe aplicação do princípio da eficiência enquanto elemento norteador do R.D.C., viabilizando projetos de alta complexidade com exíguo prazo de concretização. Para Hely Lopes Meirelles: “[…] a eficiênciaé o dever que impõe a todo agente público realizar suas obrigações com presteza, perfeição e rendimento funcional. Exige resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”[5] (grifo nosso) Neste sentindo, a eficiência se reproduz na busca pela prestação do serviço público de forma mais benéfica ao interesse público, pois se instaura um processo mais célere, razoável e de menor custo. 3.1 O sigilo do orçamento no Regime Diferenciado de Contratação Conforme demonstrado, O RDC trouxe novas práticas objetivando possibilitar a construção de obras necessárias a realização dos eventos esportivos, entre estas chama a atenção o sigilo no orçamento estimado pela Administração Pública. Na redação final da Lei n.º 12.462, o art. 6º estabelece: “Observado o disposto no §3º, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, semprejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.” Insta destacar que o Decreto n.º 7.581 refere-se à “adjudicação do objeto” o momento a partir do qual o orçamento será tornado público[6]. Em outras palavras, as citadas normas estabelecem que a divulgação do orçamento estimado somente ocorrerá após o encerramento da licitação. Vale salientar que os parágrafos 1º e 2º da Lei estabelecem duas únicas exceções à esta regra, relacionadas aos critérios de julgamento a serem utilizados nas licitações. O §1º define que “nas hipóteses em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, a informação de que trata o caput deste artigo constará do instrumento convocatório” e §2º, por sua vez, determina que “no caso de julgamento por melhor técnica, o valor do prêmio ou da remuneração será incluído no instrumento convocatório”. Além dessas duas exceções, o Decreto n.º 7.581 inclui a hipótese de adoção do critério de julgamento por maior oferta, quando o preço mínimo de arrematação deverá ser igualmente divulgado pelo edital. Em que pese a regra geral, o §3º do art. 6º designou que “se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizadaestrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno”. Logo, o orçamento previsto no referido Regime Diferenciado de Contratações Públicas apresenta caráter sigiloso e não será previamente divulgado, apenas será disponibilizado permanentemente aos órgãos de controle externo e interno. 3.2Justificativas para a existência do sigilo do orçamento O principal objetivo do RDCé contribuir para o cumprimento dos prazos pactuados junto às entidades internacionais responsáveis pela organização dos eventos, de forma célere e simplificada.A justificativa do “caráter sigiloso” do orçamento estimado seria de que, a partir do momento em que há restrição de informações o procedimento licitatório “anda” mais rápido, bem como que a não divulgação dos orçamentos fomenta a competitividade, tornando a licitação mais produtiva para o ente que a promove. Os defensores do sigilo do orçamento aduzem que há incentivo à redução de preços, uma vez que são desclassificadas as propostas com valores superiores ao limite estabelecido pela Administração. Enfim, a não divulgação se justifica pelo fato de gerar efeitos que contribui para a agilidade do procedimento, bem como para o incentivo a comportamentos competitivos pelos licitantes por meio da supressão de determinadas informações ao início da fase de disputa, conduzindo potencialmente à obtenção de propostas mais vantajosas. 3.3 A extensão do sigilo O momento em que o orçamento estimado poderá ser divulgado pela Administração Pública é outro questionamento plausível. O art. 6º da Lei n.º 12.462 institui que ele “será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação”. Importa destacar que, com base no que define o artigo 28 do mesmo dispositivo, o término da licitação se dásomente após o exaurimento dos recursos administrativos, ou seja, uma vez julgados os recursos interpostos, considera-se findada a licitação (momento antes da adjudicação do objeto e da homologação do resultado). Por outro lado, diferentemente do que diz a Lei, o art. 9º do Decreto n.º 7.581 definiu que o orçamento estimado “será tornado público apenas e imediatamente após a adjudicação do objeto”. No que pese as divergências descritas, entende André Guskow Cardoso (2013, p. 107): “[…] não háqualquer prejuízo em que a divulgação do orçamento estimado ocorra logo após o encerramento da disputa. Afinal, a finalidade da postergação da publicidade do orçamento é precisamente influir no comportamento dos licitantes no momento da formulação de suas propostas e lances (quando for o caso) e também no momento da negociação com o licitante melhor classificado, fomentando a competitividade”.[7] (grifo nosso) Assim, encerrada a disputa, não hámotivo para se manter o sigilo do orçamento, visto que a finalidade para a qual a regra foi instituídajáterá sido alcançada. 4. A inconstitucionalidade do sigilo do orçamento previsto na lei nº 12.462/11 A análise da compatibilidade da regra do sigilo do orçamento estimado estabelecido pelo art. 6º da Lei n.º 12.462 com a Constituição passa necessariamente por uma leitura do regime constitucional das licitações públicas e da própria atuação da Administração. O centro da questão versa sobre a característica sigilosa que é dada ao orçamento estimado pela Administração no referido regime, orçamento este que será disponibilizado apenas aos órgãos de controle externo e interno e será divulgado somente após o encerramento do procedimento licitatório, e o princípio constitucional da publicidade que de acordo com Adilson Dallari (apud Marçal Justen Filho, 2010, p. 76) é princípio que “visa a garantir a qualquer interessado as faculdades de participação e de fiscalização dos atos de licitação”. De início, cumpre ressaltar que a publicidade desempenha funções extremamente importantes, a de permitir o amplo acesso dos interessados ao certame, isto é, à universidade da participação no processo licitatório e a de orientar a faculdade a verificação da regularidade dos atos praticados. A corrente que acredita na constitucionalidade do orçamento sigiloso alega não ferir o princípio da publicidade por não ser de natureza absoluta, por ser necessária a ponderação[8] dos princípios consagrados pela Constituição Federal, bem como por existir limites à exigência de transparência. Dessa forma, entende Marçal Justen Filho (apud André Guskow Cardoso, 2013, p. 90): “[…] a disciplina constitucional da publicidade dos atos administrativos não exclui o cabimento de que certas informações pertinentes a processos administrativos em curso sejam mantidas em sigilo, quando tal for determinado como necessário para o atingimento de certos fins, nos termos da lei”.[9] (grifo nosso) Entretanto, a proporcionalidade pode também ser interpretada de uma forma restrita, aplicável especialmente em razão do exercício do poder do Estado, como ensina Michael Kohl (apud Marçal Justen Filho, 2010, p. 63): “[…] a proporcionalidade de uma medida é estabelecida pela satisfação de um teste de três estágios: 1) a medida deve ser apropriada para o atingimento do objetivo (elemento de idoneidade ou adequação); 2) a medida deve ser necessária, no sentido de que nenhuma outra medida disponível será menos restritiva (elemento de necessidade); 3) as restrições produzidas pela medida não devem ser desproporcionadas ao objetivo buscado (elemento de proporcionalidade stricto sensu)”. (grifo do autor) Não faz sentido que o princípio da publicidade, no caso em tela, seja amplamente ponderado, e sim restritamente, posto que ele é apropriado e necessário para que se atinja o objetivo buscado, bem como as suas restrições não são desproporcionais ao objeto buscado. Quanto a isso, o art. 5º, XXXIII, instituiu a publicidade como verdadeira garantia fundamental, definindo que: “Todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindívelà segurança da sociedade e do Estado”. Dessa forma, a atuação do Estado deve se dar do modo mais transparente possível, deve haver ampla possibilidade de conhecimento de cada ação a ser adotada pelo Estado. A publicidade do processo licitatório abarca tanto a divulgação do aviso de sua abertura, como o conhecimento do edital e os seus anexos, bem como o exame da documentação e das propostas pelos interessados, o fornecimento de certidões, pareceres e decisões correlacionados com a licitação, desde que solicitados em forma legal e por quem tenha legitimidade para pedi-los. Apenas emhipótesesrestritas será admitida a ausência de publicidade quando outros interesses públicos possam ser concretamente ofendidos, o inciso LX do art. 5º da Constituição Federal determina que a lei sópoderá restringir a publicidade dos atos quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Nos termos da Lei 8.159/91 e pelo Decreto n.º 2.134/97, sóse admite o sigilo nos casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração a ser preservado em processo previamente declarado sigiloso. Assim, conclui a referida ADI 4645: “[…] de acordo com a Constituição, o sigilo não se presume, justifica-se. E sóse admite em casos excepcionais já fixados na própria constituição. Portanto, não parece válida, nem republicana qualquer disposição que venha em sentido oposto.” (grifo nosso) A necessidade de transparência na atuação estatal também repousa do princípio republicano[10]consagrado pela Constituição Federal. A forma republicana do Estado pressupõe que o seu funcionamento seja acompanhado e fiscalizado por qualquer cidadão no exercício do múnuspúblico. Ademais,cabe destacar os riscos associados ao sigilo do orçamento estimado nas licitações submetidas ao regime da Lei n.º 12.462, afinal, o acesso prévio aos valores apenas porórgãos de controle interno e externo, representa um risco em razão da possível quebra do sigilo e do vazamento de informações a respeito do orçamento estimado pelo agente público a apenas um licitante que seria beneficiado com a informação não disponibilizada aos demais. Dessa forma, afirma André Guscow Cardoso (2013, p. 109): “Deve-se, contudo, adotar a máxima cautela com relação ao risco de desnaturação do sigilo, envolvendo o fornecimento de informações a respeito do orçamento estimado por agente público a apenas um determinado licitante que, com isso, seria beneficiado, com informação não disponibilizada aos demais. A despeito de tal risco não conduzir à invalidade da disciplina dada à publicidade do orçamento estimado pela Lei n.º 12.462, é necessário rigor absoluto na prevenção de sua ocorrência, bem como na apuração de situações que possam conduzir a esse resultado e na punição dos responsáveis.”[11] (grifo nosso) Outro possível prejuízo corresponde à elaboração pela Administração Pública de estimativas que não refletem a realidade do mercado. O valor d orçamento estimado feita pode ser bastante reduzida, o que resultará no afastamento de todos os licitantes que tenham formulado propostas de preços compatíveis com o mercado. A estimativa pode ser também mais elevada do que os valores do mercado, prejudicando o interesse na busca da proposta mais vantajosa. Cabe mencionar, ainda, a possibilidade de manipulação da estimativa de custo, para justificar eventual acolhida de proposta. Nesse sentido, afirma Marçal Justen Filho (2012, p. 640-641): “[…] a manutenção do segredo acerca do orçamento ou preço máximo produz o enorme risco de reintrodução de práticas extremamente nocivas, adotadas antes da Lei n.º 8.666. É que, se algum dos licitantes obtiver (ainda que indevidamente) informações acerca do referido valor, poderá manipular o certame, formulando proposta próxima ao mínimo admissível. O sigilo à cerca de informação relevante, tal como o orçamento ou preço máximo, é um incentivo a condutas reprováveis. Esse simples risco bastaria para afastar qualquer justificativa para adotar essa praxe”. (grifo nosso) Ademais, a publicidade do orçamento apenas após o encerramento da licitação perde sentido como parâmetro de avaliação da adequação das propostas, já que é através da publicidade dos atos que a sociedade exerce o seu poder de fiscalização perante o Estado, além da direito subjetivo dos licitantes de acompanhar a seleção do procedimento licitatório. Não pode haver licitação secreta, é da naturaza desse procedimento a divulgação de todos os seus atos. Em nossos dias atuais, não soa razoável que o Estado aja sob o manto da obscuridade, não havendo qualquer justificativa para a concessão ado pleno conhecimento, por terceiros, das decisões administrativas, mormente quando atingem as esferas jurídicas destes. Assim, a publicidade no certame licitatório deve sempre ser observada. 5. Considerações finais A licitação possuinatureza jurídica de procedimento administrativo, devendo, portanto, obedecer a normas previamente determinadas e publicamente divulgadas. Ademais,é um instrumento que busca revestir de probidade as contratações dos entes pertencentes à Administração Pública direta e indireta e objetiva, por fim, fomentar a competitividade entre os licitantes, de modo a obter proposta mais vantajosa para a Administração Pública. Para a consecução dos seus objetivos o citado procedimentodeve obedecer a princípios, que irão proporcionar a sua fiel execução, de forma a definir a proposta do sistema normativo que o estabelece. Logo, de forma a efetivar tais princípios, a referida Lei n.º 8.666/93, estabeleceu um procedimento próprio e geral, que terá formas diversas de acordo com objeto a ser contratado. A escolha do Brasil para sediar grandes eventos esportivos mundiais, aliado à deficiência estrutural para a realização dos jogos e à possível demora das contratações pública com base na Lei Geral de Licitações, tornou essencial a promoção de mudanças no modo como acontecem as contratações, com o fim de torna-las mais céleres e atuais. Nesse diapasão, o Poder Executivo Federal inseriu o novo regime de contratações. O RDC trouxe mudanças qualitativas, entre elas o orçamento estimado sigiloso. As licitações realizadas de acordo com o citado regime deverão obedecer aos mesmos princípios do art. 3º da Lei n.º 8.666/93, havendo, ainda, o acréscimo da eficiência e da economicidade. Contudo, a opção por esse caminho menos extenso e supostamente mais eficiente de instituir normas sobre licitações é conflituosa, pois gera muitas discussões acerca de sua constitucionalidade, relevância, urgência ou mesmo sobre a discricionariedade. A constitucionalidade do instituto do sigilo do orçamento estimado, conforme previsto no art. 6º da Lei n.º 12.462 possui ampla discussão por entrar, diretamente, em conflito com o princípio da publicidade previsto da CF de 88. Embora não haja princípio constitucional absoluto e utilizando-se da regra de ponderação, pode-se concluir sobre essa discussão, que não háqualquer necessidade do sigilo orçamentário, pois não há justificativa hábil a retirar da sociedade o direito de ter acesso à dados e informações de seu interesse. Portanto, o que seria uma ferramenta para efetivação da eficiência e da economicidade, acaba sendo uma , que abre margem para a improbidade.
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O reconhecimento do direito subjetivo à contratação e a proteção via mandado de segurança em casos de omissão ou desfazimento ilegítimo do certame
O presente artigo visa analisar se existe direito subjetivo ˆ contrata‹o, pertencendo, ao particular, ao final da realiza‹o da licita‹o pela Administra‹o Pœblica. A tem‡tica ganha fora com a j‡ consolidada jurisprudncia acerca do direito subjetivo em casos de concurso pœblico. Buscamos, dessa forma, analisar se Ž poss’vel chegar ˆ semelhante conclus‹o neste trabalho, neste procedimento administrativo que muito se assemelha ˆ competi‹o de cargos na Administra‹o Pœblica.
Direito Administrativo
1. ÒMera expectativa de direitoÓ ou direito subjetivo ao fim da licita‹o? ƒ comum na doutrina e jurisprudncia a afirma‹o de que o licitante vencedor e adjudicat‡rio n‹o tem direito de exigir a celebra‹o do contrato em face da Administra‹o Pœblica. Costuma-se referir que a sua situa‹o Ž de Òmera expectativa de direitoÓ, raz‹o pela qual caberia ao ente contratante, ainda, ap—s todo o procedimento administrativo elaborado para a contrata‹o, decidir, a seu livre e incondicionado querer, sobre a sua realiza‹o ou n‹o. Mantendo-nos sempre em alerta em face destes supostos consensos doutrin‡rios e jurisprudenciais, almejamos questionar sob que bases se aliceram esta teoria, a qual representa obst‡culo ao reconhecimento de um direito subjetivo em favor do particular. Em suma, Ž de perguntar-nos: o que consiste esta t‹o chamada expectativa de direito? Como se posicionam as correntes que a defendem? Sob que bases se estabelecem este precitado consenso? Antes de avanar a estas respostas, no entanto, uma advertncia sobre o termo Òmera expectativa de direitoÓ se faz necess‡ria. ƒ que a sua utiliza‹o no ‰mbito do direito administrativo n‹o se restringiu historicamente ao caso das licita›es e contratos administrativos. TambŽm se fez frequente, por longo tempo, atribuir esta express‹o para a situa‹o do concursado aprovado dentro do nœmero de vagas do edital e que ainda n‹o teria sido nomeado para o cargo que disputou[1]. Nesse contexto, o Pret—rio Excelso chegou a consagrar este entendimento por meio da interpreta‹o de sua Sœmula de n¡ 15, que declara que ÒDentro do prazo de validade do concurso, o candidato tem direito a nomea‹o, quando o cargo for preenchido sem observ‰ncia de classifica‹oÓ. A conclus‹o, que se extra’a como l—gica deste enunciado, era de que o candidato n‹o teria, findo o concurso pœblico, direito subjetivo ˆ nomea‹o para posse, ainda que aprovado dentro no nœmero de vagas previsto no edital. Se a Administra‹o n‹o se manifestasse em prol da contrata‹o, nada poderia fazer aquele que logrou cumprir as condi›es para admiss‹o pœblica de pessoal. No entanto, verificado o caso em que a Administra‹o demonstrasse a sua real necessidade em efetivar trabalhadores para o cargo ora alvitrado ao pœblico, n‹o poderia o candidato ser preterido em raz‹o de terceiro em pior coloca‹o final, ou sequer estranho ao prŽlio. Nestes casos, se entendia que a mera expectativa de direito se transmutava em direito subjetivo justamente por causa desta manifesta‹o de necessidade de pessoal por parte da Administra‹o. E se a Administra‹o quisesse contratar, teria de necessariamente o fazer na ordem de classifica‹o exposta no fim do prŽlio. Aludia-se, assim, ˆ express‹o Òmera expectativa de direitoÓ para aquela situa‹o de n‹o sujei‹o da Administra‹o Pœblica ˆ necessidade de nomea‹o do candidato aprovado no concurso pœblico. Ao particular, por sua vez, n‹o havia outra solu‹o, teria de esperar pela convoca‹o do Poder Pœblico, ou n‹o. Alguns julgados dos Tribunais Superiores brasileiros colhidos ˆ Žpoca ajudam a ilustrar o panorama: ÒConcurso pœblico: direito ˆ nomea‹o: Sœmula 15-STF. Firmou-se o entendimento do STF no sentido de que o candidato aprovado em concurso pœblico, ainda que dentro do nœmero de vagas, torna-se detentor de mera expectativa de direito, n‹o de direito ˆ nomea‹o: precedentesÓ. (BRASIL, 2006) ÒADMINISTRATIVO. CONCURSO PòBLICO. CANDIDATOS APROVADOS. CONTRATA‚ÌO TEMPORçRIA. ILEGALIDADE. I – ƒ entendimento doutrin‡rio e jurisprudencial de que a aprova‹o em concurso pœblico gera mera expectativa de direito ˆ nomea‹o, competindo ˆ Administra‹o, dentro de seu poder discricion‡rio, nomear os candidatos aprovados de acordo com a sua convenincia e oportunidade. II – Entretanto, a mera expectativa se convola em direito l’quido e certo a partir do momento em que, dentro do prazo de validade do concurso, h‡ contrata‹o de pessoal, de forma prec‡ria, para o preenchimento de vagas existentes, em flagrante preteri‹o ˆqueles que, aprovados em concurso ainda v‡lido, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo ou fun‹o. III – Comprovada pela recorrente a classifica‹o no concurso para professor de l’ngua portuguesa, em primeiro lugar, em ambos os cargos que disputou, bem como incontroverso que houve a contrata‹o, em car‡ter prec‡rio, de profissionais para suprir a carncia de pessoal nasce, assim, o direito l’quido e certo de exigir da autoridade competente ˆ nomea‹o, pois demonstrada, inequivocamente, a necessidade de servidores para essa ‡rea. Recurso provido, para determinar a nomea‹o e posse da recorrenteÓ. (BRASIL, 2007) Ocorre que, por fora da similitude do concurso pœblico e da licita‹o, verso e anverso da mesma moeda (PEREIRA JòNIOR, 2007, p. 596), terminou este entendimento sendo sedimentado tambŽm no procedimento administrativo de contrata‹o de bens, obras e servios ˆ Administra‹o Pœblica. O esc—lio de Villela Souto (2004, p. 209) Ž preciso em evidenciar este interc‰mbio: ÒNote-se que, assim como o aprovado em concurso pœblico n‹o tem direito ˆ investidura, o adjudicat‡rio n‹o tem direito ao contrato, cuja celebra‹o fica sujeita aos critŽrios de convenincia e oportunidade da Administra‹oÓ. A Òmera expectativa de direitoÓ, assim, passa a se fazer presente no campo das licita›es e contratos administrativos. Mas, retornando ˆ pergunta inicial deste subt’tulo, no que consiste esta express‹o agora aplicada neste campo do direito administrativo? Citemos, inicialmente, um exemplo doutrin‡rio: ÒV-se, dessa forma, que a adjudica‹o n‹o traz para o adjudicat‡rio a certeza da pactua‹o do contrato. AtŽ porque, no interregno entre a adjudica‹o e a efetiva‹o da contrata‹o, poder‹o advir situa›es que afastem o interesse pœblico dessa pactua‹oÓ. (ZæNITE, 2001, p. 884, grifo nosso) E dois outros da jurisprudncia por tratarem do tema de forma detida: ÒA exegese do art. 49, da Lei 8.666/93, denota que a adjudica‹o do objeto da licita‹o ao vencedor confere mera expectativa de direito de contratar, sendo certo, ainda, que eventual celebra‹o do neg—cio jur’dico subsume-se ao ju’zo de convenincia e oportunidade da Administra‹o PœblicaÓ. Precedentes: RMS 23.402/PR, SEGUNDA TURMA, DJ 02.04.2008; MS 12.047/DF, PRIMEIRA SE‚ÌO, DJ 16.04.2007 e MC 11.055/RS, PRIMEIRA TURMA, DJ 08.06.2006. […] 6. Recurso ordin‡rio desprovido. (BRASIL, 2009, grifo nosso)ÒInduvidoso o preju’zo ao estado, evidenciada a existncia de ilegalidade ou dos v’cios graves que levaram a essa constata‹o, a anula‹o se impunha, mesmo depois de homologada a concorrncia a favor de um dos licitantes, pois o vencedor Ž titular de simples expectativa de direito a contrata‹o.Exige-se, porem, que o ato de invalida‹o esteja plenamente justificado e que n‹o resulte no beneficio de outro concorrente, em detrimento do vencedorÓ. (BRASIL, 1992, grifo nosso) As partes em grifo em cada uma das cita›es acima s‹o important’ssimas para a compreens‹o do que seja a Òmera expectativa de direitoÓ e vamos analis‡-las com mais detena para bem compreender essa teoria. Com efeito, na primeira cita‹o doutrin‡ria, n‹o se reconhece o direito subjetivo ao adjudicat‡rio porque no interregno anterior ˆ consuma‹o do contrato poderia haver uma altera‹o no panorama f‡tico, e, consequentemente, no interesse pœblico afer’vel no caso concreto. Leia-se: n‹o existiria direito subjetivo ˆ contrata‹o por causa da revoga‹o. Esta, tambŽm, a linha de entendimento do primeiro excerto jurisprudencial colacionado. J‡ no caso da segunda decis‹o transcrita, como cedio, tambŽm n‹o se acolhe a teoria da Òmera expectativa de direitoÓ. Neste caso, a justificativa para tanto Ž diversa. N‹o haveria direito subjetivo porque restaria ao ente contratante o direito de anular os seus pr—prios atos eivados de nulidade e que poderiam causar preju’zo ao interesse pœblico. Assim, n‹o existe direito subjetivo por causa da anula‹o. A suma dos dois posicionamentos Ž simples, e, em nosso entender, se resume nos seguintes termos: pelo t‹o simples fato de a Administra‹o Pœblica poder revogar ou anular o certame n‹o existiria o direito subjetivo ao licitante adjudicat‡rio. Em termos pr‡ticos, este racioc’nio busca legitima‹o em situa›es como: imagine-se uma cat‡strofe natural que assolou um Munic’pio e o mesmo ter‡ de alocar os recursos faltantes para corrigir os danos sofridos pelos cidad‹os. Os recursos antes destinados para a ultima‹o de uma eventual licita‹o ter‹o de ser aplicados na repara‹o reportada. Neste caso, a licita‹o poderia ser revogada pela Administra‹o Pœblica. N‹o existiria, por exclus‹o, um direito subjetivo ˆ contrata‹o. Outra situa‹o bastante relembrada para atestar a inexistncia de direito subjetivo ˆ contrata‹o Ž tambŽm relatada por Justen Filho (2010, p. 607): ÒSuponha-se, por exemplo, uma nova inven‹o que barateia o custo de produto cuja aquisi‹o fora objeto de licita‹o, com adjudica‹o e homologa‹o j‡ aperfeioada. Parece inquestion‡vel a possibilidade de o fato novo produzir a emiss‹o de novo ju’zo de convenincia. Ou seja, n‹o se pode admitir que a Administra‹o ficaria vinculada eternamente aos efeitos da adjudica‹o […] Logo […], a Administra‹o poder‡ promover a revoga‹o da homologa‹o e adjudica‹o anteriores, emitindo novo ju’zo de convenincia da contrata‹o. Revoga-se, conjuntamente, a licita‹o anteriorÓ. Acontece que este pensamento, ao nosso sentir, encerra sutil equ’voco que merece reparo. Veja-se que o racioc’nio Ž realizado sempre de maneira excludente, ou seja, das duas uma: ou existe o direito ˆ revoga‹o e ˆ anula‹o, e neste caso, o particular detŽm Òmera expectativa de direitoÓ ou se concede o direito subjetivo ao particular e, neste caso, inexistiria a possibilidade da Administra‹o lanar m‹o daquelas faculdades jur’dicas. Por ser —bvio que a Administra‹o poder‡ revogar ou anular o certame para atender ao interesse pœblico, ent‹o se mantŽm o racioc’nio de que Ž o particular est‡ em situa‹o de Òmera expectativa de direitoÓ. De fato, n‹o negamos a existncia de um poder-dever (ou dever-poder) da Administra‹o em anular os seus pr—prios atos, sequer esta mesma faculdade para revog‡-los. O que contestamos, de forma veemente, Ž a forma excludente pela qual se forma o racioc’nio. No nosso entender, a existncia de poderes-deveres da Administra‹o Pœblica n‹o exclui a existncia do direito subjetivo. A rela‹o, a nosso ver, n‹o Ž de exclus‹o, e sim de complementaridade. Ou seja – e com o perd‹o da repeti‹o de palavras -: existe o poder-dever de anular, existe o poder-dever de revogar e existe o direito subjetivo ao contrato do particular. A diferena, no entanto, ser‡ como conceber e conciliar cada um no caso concreto. Para esclarecer bem essa sistem‡tica, nos deteremos, inicialmente, no porqu de entendermos a existncia do direito subjetivo ˆ contrata‹o. O que nos faz entender pela sua existncia? A resposta Ž aparentemente simples: porque a realiza‹o da contrata‹o nada mais Ž do que a execu‹o da decis‹o tomada na fase interna prŽ-contratual que julgou conveniente a realiza‹o do prŽlio para contrata‹o de terceiros. E n‹o cabe ˆ Administra‹o Pœblica, seja neste momento, seja em momento anterior, rever essa decis‹o ao seu alvedrio[2]. Repise-se, no particular, que no momento em que aquela exerceu a discricionariedade que lhe foi concedida pelo ordenamento jur’dico, que consistia na realiza‹o ou n‹o da contrata‹o perante terceiros, houve o esvaziamento da discricionariedade casu’stica da Administra‹o Pœblica referente a esta espec’fica avalia‹o, e, por fora de seu pronunciamento, encontra-se a mesma vinculada a tanto. Nesse ponto, vale lembrar que toda contrata‹o tem in’cio em uma requisi‹o realizada no ‰mbito da Administra‹o Pœblica, com a conseqŸente defini‹o do objeto e a previs‹o orament‡ria, que formam os subs’dios para a tomada do seguinte ato administrativo: contratarei, mediante licita‹o, se o particular se amoldar a estes requisitos. Inexistia nesse momento, Ž claro, o direito subjetivo ‡ contrata‹o. Acontece que o particular se amoldou aos requisitos da Administra‹o Pœblica, tendo a mesma, inclusive, declarado tal fato ao final do certame. Resta apenas, assim, a œltima providncia para complementa‹o da decis‹o, qual seja: a contrata‹o. E se se trata, t‹o somente, de perfectibilizar o interesse pœblico previsto na decis‹o que entendeu pela contrata‹o, ent‹o o que resta n‹o Ž uma Òmera expectativa de direitoÓ, mas direito subjetivo de parte do particular, transparecido em um ato vinculado de competncia da Administra‹o Pœblica. Sobre o tema, Barroso (2003, p. 365/366) bem explica sobre a ausncia de discricionariedade nesses casos: ÒPara que haja discri‹o, Ž necess‡rio que seja confirmada pelos fatos a suposi‹o legal de que haveria, no caso concreto, possibilidades variadas de solu‹o capazes de realizar seu prop—sito Ð e que justificou, afinal, a outorga ao administrador do poder discricion‡rio. Desse modo, s— h‡ poder discricion‡rio leg’timo diante de mais de uma solu‹o plaus’vel para o problema, ou seja, quando houver mais de uma possibilidade de ato a ser praticado, todos igualmente aptos a realizar o fim pœblico. Se houver apenas uma possibilidade de solu‹o —tima, n‹o haver‡ mais discricionariedade e o ato ser‡, na realidade, vinculado. Ora bem: se em determinada situa‹o concreta n‹o h‡ discricionariedade, mas na verdade vincula‹o, uma vez que apenas se atingir‡ excelentemente o fim pœblico mediante uma determinada a‹o, o particular tem direito subjetivo ˆ pr‡tica desse ato administrativo, como se passa com os atos vinculados em geralÓ. (grifos nossos) V-se, pois, que um efeito da licita‹o Ž a contrata‹o do particular. Mas n‹o porque a Administra‹o assim o quer ou desejar‡ um dia, mas porque lhe falece competncia discricion‡ria para praticar outra conduta que n‹o a execu‹o da decis‹o tomada na fase interna. H‡, aqui, vincula‹o a uma determinada atividade, sendo a œnica admitida pelo direito. A convoca‹o para o contrato, nestas circunst‰ncias, Ž ato vinculado, verdadeiro direito subjetivo do particular. Note-se que quando afirmamos isso, realamos, a nosso ver, o efeito de limita‹o da conduta proveniente do direito subjetivo. Ou seja, corrobora com a pr—pria conclus‹o pela existncia de um direito subjetivo a favor do particular a existncia de um de seus traos caracter’sticos. A Administra‹o Pœblica, neste caso, tal como qualquer outro sujeito passivo em uma rela‹o jur’dica[3], se v adstrita ˆ realiza‹o de t‹o somente uma conduta pass’vel de respeito ao conteœdo de outra situa‹o ativa que lhe Ž correlata. Por esta e pelas raz›es acima delineadas n‹o hesitamos em afirmar: existe um direito subjetivo de titularidade do particular ao fim da licita‹o promovida pela Administra‹o Pœblica. Mas, como j‡ preceitua o ditado, em toda regra h‡ exce‹o. Dizer que existe o direito subjetivo ao contrato para o particular n‹o significa que o mesmo vai prevalecer em todos os casos ap—s o fim da licita‹o. Surge, assim, concomitantemente, a possibilidade de utiliza‹o pela Administra‹o Pœblica do poder-dever de anula‹o e do poder-dever de revoga‹o. No entanto, como no pr—prio par‡grafo anterior se assenta, o que existe n‹o Ž a imediata frui‹o no caso concreto de tais poderes, mas t‹o s— a possibilidade de sua utiliza‹o. Da’ porque, frise-se: n‹o existe competncia concreta para o ente contratante se valer de tais poderes-deveres pelo simples fato de haver finalizado o certame. A concep‹o de tais poderes-deveres se d‡, portanto, em um plano abstrato, tal como sugerido por Sundfeld. Estes apenas passar‹o, por sua vez, ao plano do concreto no momento em que verificadas circunst‰ncias relevantes, tais como eventual irregularidade insan‡vel ao longo do processo administrativo, assim como desconformidade da contrata‹o com o interesse pœblico, por fora de irrup‹o de fato superveniente comprovado, pertinente e justific‡vel da ado‹o de tal conduta. Da’ porque afirmamos da convivncia entre o direito subjetivo ao contrato de titularidade do particular e os deveres-poderes de revoga‹o e anula‹o. O primeiro Ž a consequncia jur’dica da licita‹o e existe desde j‡ em favor do particular, e os demais se encontram em estado latente e t‹o somente podem ser evocados em condi›es especial’ssimas, no momento em que se alvitra a possibilidade de mudana da decis‹o tomada antes mesmo de deflagrado o certame competitivo. Retornamos ˆ valiosa doutrina do ilustr’ssimo Sundfeld (1994, p. 174): ÒTanto no caso do contrato como no da nomea‹o, o direito subjetivo decorre da circunst‰ncia do ju’zo discricion‡rio (de contratar ou nomear) j‡ haver sido exercido, restando apenas a execu‹o material da decis‹o tomada, atravŽs da formaliza‹o do contrato ou da posse, conforme a hip—tese. Mas essa decis‹o [a decis‹o pelo contrato] n‹o Ž imut‡vel, sendo em tese poss’vel uma nova aprecia‹o a respeito, ante a ocorrncia de fatos supervenientes a ela. Da’ a homologa‹o n‹o gerar presun‹o absoluta, que n‹o teria sentido pois, mesmo ap—s a celebra‹o do contrato, Ž poss’vel ao Estado rescindi-lo unilateralmente, por raz›es de interesse pœblico […]. Mas existe deveras o direito subjetivo de ser contratado, salvo revoga‹o operada em decorrncia de fato posterior ˆ homologa‹o e processada nos mesmos termos do art. 49. Destarte, a simples omiss‹o (isto Ž, a ausncia das providncias de execu‹o da homologa‹o, sem que um ato contraposto tenha sido praticado) fere direito subjetivoÓ. (grifos nossos) Ora se apenas pode-se utilizar o poder-dever de anular e/ou revogar o procedimento administrativo em situa›es especial’ssimas, em que deve ser sopesada a utiliza‹o de tais poderes jur’dicos com a situa‹o do particular, ent‹o podemos afirmar que estes s‹o exce‹o. E se assim o s‹o, ent‹o a outra parcela do ditado complementa o nosso racioc’nio: a exce‹o confirma a regra, ou seja, o poder-dever de anular e de revogar confirma que o direito subjetivo ao contrato deve ser o que prevalece normalmente na licita‹o. Mas Ž preciso avanar um pouco mais. Quando dizemos que o direito subjetivo convive junto com os poderes-deveres de anular e revogar, estamos afirmando, tambŽm, que a anula‹o ou revoga‹o do certame n‹o aconteceu porque n‹o existia direito subjetivo ˆ contrata‹o, como quer fazer crer o pensamento de exclus‹o elaborado no ‰mbito da teoria da Òmera expectativa de direitoÓ. N‹o Ž esta a raz‹o, no nosso entender, pela qual se realiza o desfazimento da licita‹o. Apenas persiste a anula‹o e a revoga‹o porque a necessidade de restaurar a ordem jur’dica, no primeiro caso, e a adequa‹o ao interesse pœblico, no segundo, se fez de tal monta importante que, no embate com o direito subjetivo do particular, julgou-se pela prevalncia destes. Um exemplo ajuda na compreens‹o deste nosso racioc’nio. Suponha-se, novamente, o caso relatado neste estudo do Munic’pio que, por fora de uma cat‡strofe natural teve de alocar recursos para minimizar os efeitos danosos ao seu patrim™nio. Naquele caso, como realado, entendemos existir a possibilidade de revoga‹o do certame. Agora imagine-se uma situa‹o diversa. Ocorreu, de fato, a cat‡strofe natural e os alegados preju’zos aos mun’cipes e ao patrim™nio pœblico. Acontece que, avaliando as contas do Munic’pio, percebe-se que Ž poss’vel atender aos reclames da situa‹o calamitosa e ainda assim resta aporte financeiro para pagar e realizar a contrata‹o. Inclusive, pela natureza do bem que se est‡ adquirindo, percebe-se que o mesmo ajudar‡ na reconstru‹o da cidade. E neste caso, pergunta-se: subsistiria o direito subjetivo ˆ contrata‹o? Ou em melhor dizer, haveria raz‹o para ser sustentar novo ju’zo de avalia‹o pela convenincia da contrata‹o? Certamente que n‹o. Este exemplo final Ž bastante ilustrativo porque mostra que a avalia‹o de um fato superveniente pode, ainda assim, levar ˆ conclus‹o pela situa‹o de direito subjetivo do particular ao contrato, pela necessidade da contrata‹o. E se isso Ž poss’vel juridicamente, ent‹o o que existia anteriormente ˆ irrup‹o da nova situa‹o era, sim, um direito subjetivo ao particular e n‹o mera expectativa deste. Com isso, demonstramos que quando se conclui pela revoga‹o em uma dada circunst‰ncia, n‹o Ž porque inexistia direito subjetivo ˆ contrata‹o, e sim porque a relev‰ncia dos outros direitos presentes no caso, como, por exemplo, a moradia, alimenta‹o e habita‹o dos demais mun’cipes, se sobrep›em ao direito subjetivo do particular na licita‹o. Ou seja, o racioc’nio aqui se assenta sob as seguintes bases: a conclus‹o pela necessidade de revoga‹o ou anula‹o n‹o Ž uma declara‹o de inexistncia ou invalidade do direito subjetivo anterior, mas apenas a confirma‹o de que aquela outra solu‹o se aperfeioa melhor ao caso concreto, sendo, portanto, leg’tima e necess‡ria. A sistem‡tica final que propomos neste estudo para a situa‹o do particular e da Administra‹o Pœblica ap—s finalizado o certame, ent‹o, Ž a seguinte: t‹o logo adjudicado o objeto ao vencedor do certame, surge o direito subjetivo ao contrato, por fora de restar t‹o somente a vincula‹o daquela ˆ decis‹o tomada na fase interna prŽ-contratual pelo contrato administrativo que seria realizado mediante a licita‹o. Existe, assim, uma situa‹o ativa em favor do particular que deve ser respeitada pelo Poder Pœblico, parte passiva da rela‹o jur’dica. No entanto, excepcionalmente, podem surgir situa›es que demandem nova aprecia‹o do caso concreto ou, ainda, novo ju’zo sobre a regularidade do procedimento administrativo. Nestes casos, surge competncia da Administra‹o Pœblica para utilizar poderes-deveres que se encontravam em plano abstrato, na situa‹o concreta. Mas com isso n‹o se chega ˆ necessidade de desfazimento da licita‹o em todos estes casos e tampouco pode autorizar ˆ intelec‹o de que a decis‹o pela revoga‹o ou anula‹o representaria a ausncia do direito subjetivo. O que deve acontecer aqui Ž uma avalia‹o da nulidade e do fato superveniente, seus efeitos no procedimento administrativo, a gravidade e les‹o a outros princ’pios jur’dicos, para assim concluir se o que surge de novo no mundo do fato e do direito Ž suficiente para se sobrepor ˆ situa‹o ativa em que se encontrava o particular em face da Administra‹o Pœblica. Ou seja, apenas se conclui pela n‹o prevalncia do direito subjetivo ap—s a verifica‹o da ilegalidade ou do fato superveniente. Antes de sua verifica‹o, o que existe Ž um direito subjetivo do particular ao contrato. Resulta deste racioc’nio, portanto, n‹o apenas a existncia do direito subjetivo ao contrato mas tambŽm da sua convivncia com os poderes-deveres de revoga‹o e anula‹o. Afasta-se, bem por isso, o racioc’nio da existncia de Òmera expectativa de direitoÓ ao final da licita‹o, e, por sua vez, seu renitente pensamento excludente entre as hip—teses legais de conduta do Poder Pœblico. Por fim, poder-se-ia objetar todo este estudo com argumentos de que o reconhecimento de uma situa‹o de direito subjetivo ao particular ao fim da licita‹o poderia engessar a competncia da Administra‹o Pœblica para prover o interesse pœblico, fazendo-a assinar contratos desvantajosos, resultando, ao fim, em les‹o ao er‡rio pœblico, ou quaisquer outros princ’pios e normas jur’dicas correlatas. Apenas por incorre‹o este argumento poderia ser suscitado. Veja-se que, primeiramente, n‹o defendemos a impossibilidade da aprecia‹o de nova situa‹o f‡tica, ou a detec‹o de irregularidade ao longo do certame. A possibilidade de revoga‹o ou anula‹o continuam existindo. Assim, se houver uma mudana emergencial no oramento, uma calamidade pœblica, ou quaisquer outras situa›es s’miles e excepcionais a licita‹o poder‡ ser desfeita. Agora, Ž preciso atentar que estas s‹o apenas possibilidades e n‹o realidades. Se concebem em um plano abstrato e para descambar em seu exerc’cio necessitam passar por um determinado crivo jur’dico. O que n‹o se pode aceitar, em todo caso, Ž simplesmente a inŽrcia desmotivada da Administra‹o Pœblica e/ou a evoca‹o de motivos irrelevantes para frustrar o certame, j‡ que, neste caso, estar‡ violando direito subjetivo ˆ contrata‹o do particular. Afinal, se ela j‡ declarou que o certame Ž liso e tambŽm que inexiste qualquer altera‹o relevante no panorama no mundo f‡tico no momento de realizada a homologa‹o da licita‹o, o que resta mais a fazer? Esperar que a realidade tome forma de urgncia? Afinal, porque ent‹o se licitou em primeiro plano se n‹o era para contratar? Relembre-se, ademais, que se for o caso de desvantagem excessiva ao dito interesse pœblico ao longo do contrato, a Administra‹o Pœblica possui todos os seus poderes para extingui-lo. Veja-se que legisla‹o do tema Ž farta, e apenas como exemplo, citemos o caso de rescis‹o do contrato administrativo com base no permissivo do art. 78, inciso XII do Estatuto Geral de Licita›es e Contratos Administrativos. A nosso ver, n‹o conceber a existncia do direito subjetivo ao fim da licita‹o reflete uma outra realidade: a dificuldade de se reconhecer uma posi‹o ativa dos sujeitos em face da Administra‹o Pœblica. ƒ a velha hist—ria de que todos est‹o obrigados em algo ao Rei, ou seja, o particular cumpre rigorosamente o que ele dita no edital sob pena de desclassifica‹o, e o Rei n‹o est‡ obrigado nunca com nenhum, ou seja, ele n‹o necessita contratar ap—s ter dito que contrataria. Uma balana sempre desequilibrada. Mas atualmente o problema ganha facetas ainda mais complexas Ð e menos sinceras – na medida em que se justifica a possibilidade de tal conduta sob o manto da busca pelo interesse pœblico[4]. Mas, em sendo aceita essa hip—tese, pergunta-se como modo de contra-argumenta‹o: como pode se decidir inicialmente por um interesse dito pœblico e depois simplesmente buscar proteg-lo com a conduta contr‡ria? N‹o seria o pr—prio interesse pœblico que restaria ferido se n‹o realizada a contrata‹o? Que se realce, ao fim, que a solu‹o aqui encontrada n‹o visa alcanar questionamentos sobre a eficincia nas licita›es ou, ainda, da efetiva vantagem em se optar por tal modelo de contrata‹o[5]. ƒ t‹o somente a nossa vis‹o para como fica a situa‹o de um particular em uma Administra‹o Pœblica que adota a licita‹o como forma de contratar. N‹o Ž quest‹o de ser boa ou ruim a solu‹o encontrada. ƒ quest‹o de analisar o reflexo da ado‹o de um certo modelo para as contrata›es levadas a cabo pela Administra‹o Pœblica. Entendemos, bem por isso, que se se entende que n‹o se deve engessar tanto a conduta da Administra‹o Pœblica no momento da realiza‹o de um contrato que se cambie a forma pela qual se dar‡ a contrata‹o. No entanto, enquanto perdurar esta solu‹o pol’tico-constitucional para o problema das contrata›es pœblicas, inexoravelmente, em nosso modesto entender, o direito subjetivo ao particular continuar‡ sendo o efeito principal do processo. Esclarecido em pormenores o nosso posicionamento acerca da existncia de direito subjetivo ao contrato ao fim da licita‹o pœblica, assim como o porqu em adotarmos este entendimento, julgamos pertinente apresentar, em breves linhas, aquela que julgamos uma das mais importantes consequncias pr‡ticas com a ado‹o desta nossa tese, qual seja, a prote‹o do particular via mandado de segurana por ato omissivo e/ou infundado da autoridade administrativa competente. Com efeito, tal como frisamos ao estudar a figura do direito subjetivo, uma de suas principais caracter’sticas Ž o surgimento de uma situa‹o ativa em face do particular que, neste caso, ao fim da licita‹o tem ao seu lado em situa‹o passiva a Administra‹o Pœblica. E se assim se perfaz o panorama, Ž poss’vel desta œltima n‹o cumprir o conteœdo de tal direito, resultando, portanto, em sua viola‹o e conseqŸente prote‹o judicial pela interposi‹o do citado remŽdio constitucional. ƒ preciso, assim, destrinchar neste momento os requisitos do mandado de segurana para aferir da possibilidade ou n‹o do ajuizamento de tal procedimento jurisdicional perante o Poder Judici‡rio no caso estudado. Em primeiro lugar, temos a pr‡tica do ato tido como ileg’timo e pass’vel de corre‹o pelo Poder Judici‡rio na esteira do art. 1¡ da Lei 12.016/09, ou seja, o ato administrativo que pugnou pelo desfazimento do certame, e, por sua vez, desprivilegiou o particular que almejava contratar com a Administra‹o Pœblica. Consubstancia-se, com a decis‹o administrativa, o requisito do ato proferido por uma autoridade pœblica, tida como coatora. Mas tambŽm pode ocorrer a hip—tese da omiss‹o e inŽrcia da Administra‹o, que n‹o cumpre aquilo que est‡ adstringida para tanto. Neste caso, n‹o temos dœvida que o mandado de segurana tambŽm Ž remŽdio pass’vel de corre‹o da ilegalidade, afinal, como asseverou Barbi (1980, p. 170): Ò[…] n‹o Ž necess‡rio, porŽm, que o ato violador do direito seja comissivo, pois tambŽm os atos omissivos podem causar les‹o, desde que haja dever legal da Administra‹o de pratic‡-los, o que se d‡, por exemplo, quando ela deva fornecer certid‹o, despachar requerimentos etc.Ó  Repise-se que as licita›es n‹o s‹o realizadas por desfastio, e sim em prol de suprir uma necessidade atual do fazer administrativo. A omiss‹o, assim, n‹o apenas causa les‹o ao particular que pretendia e possu’a direito ˆ contrata‹o, mas tambŽm se estar‡ desprestigiando alguma necessidade pœblica. Por oportuno, cumpre colacionar relevante jurisprudncia cultuada no ‰mbito do Superior Tribunal de Justia no sentido de prover mandamus intentado perante a Administra‹o Pœblica por omiss‹o na nomea‹o dos candidatos aprovados em concurso pœblico e que n‹o haviam sido empossados nos respectivos cargos. Os argumentos utilizados em sede jurisprudencial, de fato, mostram-se inteiramente aplic‡veis ao nosso intento. Vejamos os interessantes excertos: ÒRECURSO ORDINçRIO EM MANDADO DE SEGURAN‚A. CONCURSO PòBLICO. APROVA‚ÌO DENTRO DO NòMERO DE VAGAS. DIREITO LêQUIDO E CERTO.RECURSO PROVIDO. […]2. A partir da veicula‹o expressa da necessidade de prover determinado nœmero de cargos, atravŽs da publica‹o de edital de concurso, a nomea‹o e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa ˆ direito subjetivo. 3. Tem-se por ilegal o ato omissivo da Administra‹o que n‹o assegura a nomea‹o de candidato aprovado e classificado atŽ o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculadoÓ. (BRASIL, 2008) ÒADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURAN‚A. APROVA‚ÌO EM CONCURSO PòBLICO. NOMEA‚ÌO. DIREITO SUBJETIVO.  1.  A classifica‹o de candidato dentro do nœmero de vagas ofertadas pela Administra‹o gera, n‹o a mera expectativa, mas o direito subjetivo ˆ nomea‹o. […]  3. A manuten‹o da postura de deixar transcorrer o prazo sem proceder ao provimento dos cargos efetivos existentes por aqueles legalmente habilitados em concurso pœblico importaria em les‹o aos princ’pios da boa-fŽ administrativa, da razoabilidade, da lealdade, da isonomia e da segurana jur’dica, os quais cumpre ao Poder Pœblico observar. 4. Afasta-se a alegada convenincia da Administra‹o como fator limitador da nomea‹o dos candidatos aprovados, tendo em vista a exigncia constitucional de previs‹o orament‡ria antes da divulga‹o do edital (art. 169, ¤ 1¼, I e II, CF). 5. Recurso ordin‡rio provido para conceder a seguranaÓ. (BRASIL, 2009) Em segundo lugar, com base na an‡lise do art. 1¡ da Lei 12.016/09, temos o requisito da configura‹o do direito l’quido e certo, que nos dizeres de Miranda (1955, p. 260), Ž aquele que Òn‹o desperta dœvidas, que est‡ isento de obscuridades, que n‹o precisa ser declarado com o exame de provas e dila›es, que Ž, de si mesmo, concludente e inconcussoÓ. Ora, face tudo que expomos atŽ agora, em tudo o direito subjetivo do particular ao fim da licita‹o se afeioa a estas caracter’sticas. Afinal, resta apenas um ato administrativo para se consumar a contrata‹o, qual seja, a convoca‹o do particular para a assinatura da avena, que, como cedio, representa uma vincula‹o ˆ Administra‹o Pœblica e n‹o uma nova possibilidade de aprecia‹o jur’dica ou f‡tica. Indubit‡vel, bem por isso, que a situa‹o do particular Ž ativa em face do Poder Pœblico e n‹o necessita comprovar outra coisa que n‹o a realiza‹o da licita‹o. Deve-se, bem por isso, no intuito de comprovar a existncia do direito l’quido e certo, demonstrar a realiza‹o e a finaliza‹o do certame com a adjudica‹o, colacionando-se o processo administrativo nos autos do writ, e, no caso espec’fico de desfazimento ileg’timo do certame, a decis‹o que veiculou tal extraordin‡ria medida. 3. Conclus›es Conclui-se, com o presente estudo, que o que existe antes da revoga‹o ou da anula‹o Ž direito subjetivo ao contrato, e n‹o Òmera expectativa de direitoÓ. E, em sendo assim, o que existe, tambŽm, Ž a convivncia entre o poder-dever de anula‹o e revoga‹o e o direito subjetivo ao contrato. A diferena, no entanto, ser‡ como conceber cada um no caso concreto. Em regra, apenas o primeiro Ž realidade, e enquanto n‹o verificado fato superveniente ou ilegalidade ao fim do certame, apenas se concebem a revoga‹o ou anula‹o como mera possibilidade jur’dica e n‹o realidade pass’vel de exerc’cio no caso concreto. Por fim, pontuamos uma das principais conseqŸncias jur’dicas deste nosso posicionamento, qual seja, a possibilidade de impetra‹o de mandado de segurana para proteger o direito subjetivo ao contrato, que se apresenta com fei‹o de l’quido e certo ao final da licita‹o tanto no caso de desfazimento injur’dico do certame, quanto na hip—tese de omiss‹o injustificada da Administra‹o Pœblica em contratar. No primeiro caso, poder‡ ser impetrado o remŽdio constitucional em 120 (cento e vinte) dias contados do conhecimento do ato administrativo que desfez o prŽlio sob raz›es – se Ž que as mesmas existiram – infundadas, e, na segunda hip—tese, poder-se-‡ impetrar mandamus de car‡ter preventivo, face a proximidade da expira‹o do prazo de validade das propostas dos licitantes, a teor do art. 64, ¤ 3¼, da Lei 8.666/93, ou em car‡ter repressivo, em atŽ 120 (cento e vinte) dias contados da consubstancia‹o da omiss‹o em contratar da Administra‹o Pœblica.
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O instituto da denunciação da lide em ação indenizatória movida em desfavor do estado sob a ótica do NCPC
Objetiva-se, por intermédio do presente artigo, apresentar os aspectos relevantes dos institutos da Ação de Regresso e da Denunciação da Lide, analisando os dispositivos pertinentes a cada instituto, bem como uma análise acerca da temática “denunciação da lide nas ações indenizatórias estatais”, analisando os dispositivos do Novo Código de Processo Civil.
Direito Administrativo
1 Introdução É de relevante importância destacar que é dever do Estado promover o bem estar social, mas que no exercício de suas funções, pratica atos lesivos a terceiros, ensejando sua responsabilidade civil extracontratual. Aduz o artigo 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 que a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas autarquias e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (BRASIL, 1988). Tem-se, portanto, a aplicação da Teoria do Risco Administrativo. Nesse aspecto, o presente estudo tem por escopo tratar das principais características dos institutos da Ação de Regresso e da Denunciação da Lide, apontando os reflexos do Novo Código de Processo Civil frente ao pedido de denunciação do servidor pleiteado pelo Estado em ação indenizatória movida em seu desfavor. 2 Denunciação da lide no NCPC Tecidas as considerações pertinentes acerca da Ação de Regresso, passa-se a analisar algumas peculiaridades do instituto da Denunciação da Lide, previsto nos artigos 125 a 129 da Lei 13.105, de 16 de março de 2015, denominado Novo Código de Processo Civil – NCPC. 2.1 Conceito e características Regulada nos artigos 125 a 129 do Novo Código de Processo Civil (2015), tem-se que: “A denunciação da lide constitui modalidade de “intervenção de terceiro” em que se pretende incluir no processo uma nova ação, subsidiária àquela originariamente instaurada, a ser analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal. Em regra, funda-se a figura no direito de regresso, pelo qual aquele que vier a sofrer algum prejuízo, pode, posteriormente, recuperá-lo de terceiro, que por alguma razão é seu garante”. (ARENHART, MARINONI, 2010, p.186). Nas precisas lições de Fredie “a denunciação da lide é uma intervenção de terceiro provocada: o terceiro é chamado a integrar o processo, porque uma demanda lhe é dirigida” (DIDIER JR. 2015, p. 491). Segundo Alexandre Freitas Câmara, a denunciação à lide revela-se como uma “verdadeira demanda incidental de garantia, através da qual se formula pretensão em face do terceiro convocado a integrar o processo.” (CÂMARA, 2006, p. 203). Denunciante é aquele que traz um terceiro à relação jurídica já existente. O denunciado, por sua vez, é o terceiro à relação jurídica que é chamado pelo denunciante. Cumpre ressaltar que a denunciação a lide apresenta nova demanda e não novo processo, pois tal intervenção se desenvolve na mesma base procedimental, contribuindo tanto para a economia processual quanto para a celeridade da presteza jurisdicional. Didier Jr. (2015) afirma que a denunciação da lide é uma demanda incidental, regressiva, eventual, e considerada, ainda, como antecipada. Incidental, porque não haverá a formação de um novo processo. A denunciação é uma demanda nova em um processo já existente, tratando-se de ampliação objetiva dessa relação processual inaugurada. Fredie Didier pondera que “a sentença disporá sobre a relação jurídica entre a parte e o denunciante, e entre este e o denunciado. Se o juiz não se manifestar sobre alguma dessas demandas, a sentença será omissa”. (DIDIER JR., 2015, p. 492). Didier Jr. (2015) afirma ser regressiva, visto que o denunciante visa ao ressarcimento pelo denunciado de eventuais prejuízos resultantes da demanda pendente. Não há, pois, relação jurídica material entre o adversário do denunciante e o denunciado. Diz-se eventual: “porque feita sob condição: a demanda regressiva somente será examinada se o denunciante, afinal, for derrotado na demanda principal. A primeira demanda é preliminar28 em relação à denunciação, pois se o denunciante for vitorioso na ação principal, a ação regressiva sequer será examinada; se o denunciante sucumbir, a ação de denunciação tanto poderá ser procedente como improcedente. […] Há, porém, uma ponderação a ser feita: "Vencido o denunciante na ação principal e não tendo havido resistência à denunciação da lide, não cabe a condenação do denunciado nas verbas de sucumbência" (enunciado n. 1 22 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).  (DIDIER JR., 2015, p. 492- 493) Por fim, é demanda antecipada, pois o denunciante antecipa-se demandando o terceiro, visando imputar-lhe responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer ou dos que efetivamente tenha experimentado. Barbosa Moreira salienta que “a denunciação da lide consiste em verdadeira propositura de uma ação de regresso antecipada, para a eventualidade da sucumbência do denunciante” (MOREIRA apud DIDIER JR., 2015, p. 493). Pode-se afirmar que a denunciação da lide trata-se de uma medida que visa fazer com que a sentença revele a responsabilidade do terceiro em relação ao denunciante, nos moldes do litígio normal, inicialmente entre autor e réu. A denunciação é, portanto, uma demanda, na qual o denunciado passa a ser réu, fazendo com que haja ampliação subjetiva tanto do processo quanto do objeto em litígio. Pode-se considerar como demanda secundária na medida em que proposta pelo autor na petição inicial ou pelo réu no prazo para apresentar a contestação, tem por objetivo condenar o denunciado na hipótese de o ser o denunciante na ação principal. 2.2 Facultatividade da denunciação à lide O artigo 125 do CPC, em seu caput, preconiza que a denunciação da lide será facultativa “II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo”. (BRASIL, 2015) (grifo nosso) Embora o NCPC disponha sobre a facultatividade da denunciação da lide, no que tange ao inciso II do art. 125, NCPC (BRASIL, 2015), não há na doutrina tão pouco na jurisprudência um consenso quanto à interpretação do aludido inciso, dividindo-se em duas correntes: uma chamada de restritiva e outra denominada extensiva. Pela concepção restritiva, a denunciação da lide somente seria possível na hipótese de exercício de pretensão regressiva. Nas precisas lições do processualista Fredie Didier Jr. : “pela concepção restritiva, somente é possível a denunciação da lide, para o exercício de pretensão regressiva, nas hipóteses em que houve a transferência de direito pessoal: denuncia-se a lide ao cedente, para que responda por eventual derrota do cessionário”. (DIDIER JR., 2015, p.499) Vicente Greco Filho afirma que: “Parece-se nos que a solução se encontra em admitir apenas, a denunciação da lide nos casos de simples ação de regresso, isto é, a figura só será admissível quando, por força da lei ou do contrato, o denunciado for obrigado a garantir o resultado da demanda, ou seja, a perda da primeira ação, automaticamente, gera a responsabilidade do garante.” (GRECO FILHO apud DIDIER JR., 2015, p .499-500) Nelson Nery Jr., observa que “somente seria possível a denunciação nos casos de garantia própria – decorrente de transmissão de direito – e, não nas hipóteses de simples direito de regresso – chamado de garantia imprópria”. (NERY JR. apud DIDIER JR., 2015, p.500). Por sua vez, a concepção extensiva afirma que o direito brasileiro não faz distinção entre garantia própria e imprópria. Cândido Dinamarco aduz que a “A introdução do inciso 11 do art. 125 do CPC se deu por força da pressão da doutrina e da jurisprudência, que sentiam a necessidade de um mecan ismo processual que abreviasse a pretensão regressiva nas hipóteses de garantia imprópria – principalmente a dos segurados contra as seguradoras. Daí a redação aberta do inciso 11 do art. 125.” (DINAMARCO apud DIDIER JR., 2015, p. 502). Didier (2015) observa que essa interpretação pode ocasionar uma situação absurda, posto que um dos principais exemplos de restrição à denunciação da lide às situações de garantia própria seria excluído, que é a ação de regresso. Para essa corrente ampliativa, a garantia imprópria seria plenamente possível, de modo que será possível denunciar a lide nas hipóteses em que o direito regressivo estiver baseado na transferência do direito pessoal e também na hipótese de não estar. Ainda na visão de Alexandre Câmara, a adoção da corrente ampliativa revela-se mais acertada, uma vez que os termos normativos de cunho genérico impedem que o intérprete realize qualquer distinção, observando que “onde a lei não distingue não é lícito ao intérprete distinguir”. (CÂMARA, 2006, p. 208) Por conseguinte, não é possível vetar, em abstrato, a admissibilidade da denunciação da lide em hipóteses de garantia imprópria (simples direito de regresso). Nada há no texto legal que aponte nesse sentido, tampouco os antecedentes legislativos lhe servem de apoio. De fato, o propósito realmente foi o de permitir o exercício eventual e incidental da pretensão regressiva, qualquer que seja ela, em um mesmo processo. 3 Divergências acerca da denunciação à lide envolvendo ações indenizatórias estatais 3.1 Divergências Doutrinárias Um tema tormentoso na doutrina diz respeito à denunciação da lide em face da aplicação do artigo 37,§ 6º da CRFB/88 (BRASIL, 1988). Necessário se faz entender se diante de ação indenizatória movida em face da Administração Pública é seu dever ou faculdade denunciar à lide o agente causador do dano ao terceiro prejudicado, ou ainda, se é caso de impossibilidade de denunciação. Não obstante, com base no NCPC, a denunciação da lide deixou de ser obrigatória, embora ainda exista divergência quanto à aplicação de tal instituto com base no inciso II do artigo 125. 3.1.1 Argumentos favoráveis à denunciação da lide Preleciona o artigo 125, II do NCPC que a denunciação da lide é admissível por “àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda” (BRASIL, 1973). Portanto, sendo a Administração Pública titular do direito de regresso e encontrando-se na condição de reaver o montante pago à vítima frente ao dano causado por seus agentes, seria possível a denunciação da lide. Nessa linha de pensamento, Fernanda Marinela (2012) afirma que através da denunciação da lide, entendendo ser cabível e recomendável numa visão jurisprudencial, o Estado acabaria por resolver duas questões de uma só vez: o pagamento da vítima e o fato de receber do agente, dentro do mesmo processo, os prejuízos despendidos, sendo certo que os princípios da celeridade e economia processual estariam presentes nesta demanda. De fato, caberia tão somente ao magistrado deferir ou não o pedido de denunciação, na hipótese de não serem respeitados os referidos princípios ou se esta se afigura de caráter meramente protelatório.      Ademais, no mesmo artigo 125, em seu parágrafo 1º (BRASIL, 2015), destaca que “o direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida”. Portanto, em havendo denunciação à lide do agente dentro de um mesmo processo a Administração se responsabilizaria perante a vítima e o agente perante a Administração Pública, concretizando, de maneira célere e econômica, o direito de regresso. Isto não importaria, na hipótese de a Administração não proceder à denunciação, em perda do direito de regresso, pois como já foi mencionado, este direito poderá ser exercido via ação autônoma (Ação de Regresso). Concernente a esse pensamento, temos que há a possibilidade de denunciação na situação específica de se tratar “de ação fundada na responsabilidade objetiva do Estado, mas com arguição de culpa do agente público” (DI PIETRO, 2011, p. 721). A aludida autora afirma inda que a denunciação é cabível: “[…] 2. quando se trata de ação fundada na responsabilidade objetiva do Estado, mas com argüição de culpa do agente, a denunciação da lide é cabível como também é possível o litisconsórcio facultativo ( com citação da pessoa jurídica e de seu agente) ou a propositura da ação diretamente contra o agente público.” (DI PIETRO, 2011, p. 721) Para essa parte da doutrina, é necessário compreender que o fundamento da responsabilidade objetiva da Administração Pública é diverso do fundamento do direito regressivo estatal, o que não obsta a denunciação da lide, ainda que haja introdução de fato novo, ausente na demanda inicial. Observa-se o seguinte apontamento: “Cassio Scarpinella Bueno, embora adepto da concepção restritiva, após examinar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conclui que “toda vez que a ação indenizatória também se basear na existência de culpa, a denunciação ao agente público não destoará da mesma fundamentação da ação principal. Deve, pois, ser admitida nestes casos.” Afirma, ainda, ser possível a denunciação da lide, nestas hipóteses, quando o Estado, em sua defesa, alegar a tese de culpa do particular ou culpa concorrente, pois não haverá acréscimo na fase instrutória.” (DIDIER JR., 2012, p. 392) É importante destacar que o Supremo Tribunal Federal – STF: “no RE n. 327.904, rel. Min. Carlos Britto, considerou que o §6º do art. 37 da CF/88 consagra dupla garantia: uma em favor do particular, possibilitando-lhe a ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado que preste serviço público; outra, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional pertencer, não podendo ser demandado per saltum e diretamente pela vítima. A min. Cármen Lúcia acompanhou com reservas a fundamentação (j. em 15.8.2006, publicado no Informativo n. 436 do STF)”  (DIDIER JR., 2012, p. 392) Em suma, destacam-se como argumentos favoráveis à denunciação da lide o fato de o direito de regresso da Administração estar previsto constitucionalmente, encontrando a denunciação respaldo no artigo 37, §6º da CRFB/88 e no artigo 125, inciso II, e no § 1º do NCPC; ausência de vedação legal no que pertine à introdução de fato novo na demanda quando da denunciação; o ônus probatório é encargo estatal, posto que o direito de regresso pressupõe a comprovação da culpa do agente público causador do dano, o que não acarretará prejuízos processuais ao administrado; e, o fato de que o direito à indenização correspondente não será prejudicado quando da denunciação, permanecendo resguardado perante o Estado. 3.1.2 Argumentos contrários à denunciação da lide De maneira diversa, há quem sustente a tese de não cabimento de denunciação da lide. Note-se que: “Revendo posição anteriormente assumida, estamos em que tem razão Weida Zancaner ao sustentar o descabimento de tal denunciação. Ela implicaria, como diz a citada autora, mesclar-se o tema de uma responsabilidade objetiva – a do Estado – com elementos peculiares à responsabilidade subjetiva – a do funcionário.[…] ademais, haveria prejuízos para o autor”. (ZANCANER apud MELLO, 2006, p. 979). Corrobora com esse pensamento:           “É fundamental destacar que a denunciação da lide é visivelmente prejudicial aos interesses da vítima à medida que traz para a ação indenizatória a discussão sobre culpa ou dolo do agente público, ampliando o âmbito temático da lide em desfavor da celeridade na solução do conflito.” (MAZZA, 2012, p. 305)  Não obstante, haveria discussão de duas responsabilidades distintas, quais sejam a do Estado, de natureza objetiva, e a do agente público, de natureza subjetiva. Por conseguinte: “não teria cabimento desfazer indiretamente o benefício que a Constituição outorgou ao lesado: se ele foi dispensado de provar a culpa do agente, não teria cabimento que, no mesmo processo, fosse obrigado a aguardar o conflito entre o Estado e seu agente, fundado exatamente na culpa”. (CARVALHO FILHO, 2011, p. 532) Nas lições de Marinela, apresentando os argumentos que a parte da doutrina utiliza, aduz que quando o Estado introduz o agente no processo, ele deve provar a culpa ou dolo do agente, o que não se afigura quando da teoria objetiva. Além disso, estar-se-ia ampliando o conjunto probatório “procrastinando o feito e prejudicando a vítima, sem contar que a discussão da culpa é um fato novo que não estava presente na ação, o que também é vedado em caso de denunciação da lide.” (MARINELA, 2012, p. 988). Ainda nesse sentido, a aludida autora observa que ao denunciar à lide o Estado estaria assumindo a sua responsabilidade e, portanto, assumindo a indenização. Medauar (2006) ensina que dentre os argumentos contrários à denunciação da lide estão o de que a CRFB/88 responsabiliza o Estado pelo ressarcimento à vítima, tratando-se de responsabilidade entre poder público e vítima, descabendo interferência de quaisquer outras relações obrigacionais. Além disso, há uma necessidade de priorização do direito da vítima, objetivando evitar a demora no andamento processual. Por fim, com a denunciação haverá a ingerência de um novo fundamento na demanda principal, cuja incidência encontra-se inadmissível, como já foi mencionado entre os argumentos contrários. Em suma, entre os argumentos contrários à denunciação da lide, destacam-se o fato de que a ação regressiva somente deve ser ajuizada após o ressarcimento do administrado lesado; a introdução de fundamento diverso do apresentado na demanda originária resulta em prejuízo para o administrado, com a consequente procrastinação do feito, haja vista ocorrer uma ampliação do âmbito temático da lide, de modo que o fundamento da ação originária é diverso da denunciação; a denunciação da lide acaba por mesclar as responsabilidades, uma vez que a ação regressiva é subjetiva e a ação movida em desfavor do Estado é objetiva, o que acarreta prejuízos aos princípios da economia e celeridade processuais. Ademais, o artigo 125, II, do NCPC, não alcançaria as ações envolvendo o Poder Público, sob pena de afronta à disposição constitucional. 4 Conclusão         Averiguadas as divergências doutrinárias e jurisprudenciais envolvendo a temática em análise, percebe-se que ainda não há um consenso no sentido de deferir ou indeferir a denunciação da lide nas ações de responsabilidade civil estatal. Ademais, tem-se que em determinados casos a denunciação será permitida e até mesmo viável, já em outras, torna-se morosa e prejudicial à vítima e à presteza jurisdicional. A partir da análise dos diversos julgados e das posições doutrinárias apresentadas, observa-se que o indeferimento da denunciação ocorre, principalmente, sob os argumentos de que com o ingresso do terceiro na relação processual haveria de se discutir duas responsabilidades distintas, quais sejam a objetiva, do Estado, e a subjetiva, do agente público. Os argumentos favoráveis apresentados se fundam na previsão do direito de regresso do Estado e que, em não havendo prejuízo aos princípios da celeridade e economia processual, em nada obsta a denunciação em tais demandas indenizatórias. Diante de demanda indenizatória movida em face do Estado, em que o magistrado ao analisar os fatos apresentados perceber que haverá prejuízo à parte autora, restar-se-á viabilizado o indeferimento da denunciação da lide ao agente. Ademais, se houver prejuízo aos princípios da economia e celeridade processuais, não será hipótese de denunciação. Isso porque a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5°, inciso LXXVIII assegurou a todos “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. (BRASIL, 1988). Para tanto, deve a demanda atentar para a proteção de tais princípios, uma vez que estes compõem o rol de direitos fundamentais. Uma vez configurada a morosidade do processo, acarretando por consequência o benefício do Administrado em detrimento da vítima, há de ser imediatamente indeferida a denunciação. Lado outro, se não houver prejuízo aos aludidos princípios, tão pouco prejuízo a parte autora, há de se deferir a denunciação da lide. Nesse caso, o processo deverá se formar sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, princípios constitucionais que visam garantir as partes uma construção participada no curso do processo. Com vistas tão somente a fomentar reflexões e apresentar uma visão sobre o tema proposto, não o esgotando haja vista sua enorme importância e divergência, propõe-se que seria cabível a denunciação em se tratando da Administração Pública, de modo que a denunciação é facultativa, nos termos do art. 125, do NCPC. Desse modo, restar-se-á viabilizada a denunciação da lide de modo que haja garantia de ampla defesa e contraditório às partes e não haver prejuízo aos princípios da celeridade e economia processuais. Cumpre salientar que a não denunciação não acarreta perda do direito regressivo, com fulcro no § 1º do art. 125, do NCPC. Portando, em havendo a denunciação da lide, dentro de um mesmo processo, de maneira célere e adequada a solução do caso submetido à apreciação jurisdicional, a Administração Pública se responsabilizaria frente à vítima e o agente causador do dano perante a Administração, concretizando o direito de regresso e efetivando os princípios da celeridade e economia processuais, sem causar prejuízos a vítima. Nesse sentido, Cândido Dinamarco aduz que há “eficiência processual, pois um só processo serve à resolução de mais de um problema, e da harmonia dos julgados, pois o  mesmo juiz resolverá o conflito principal e o de regresso, evitando decisões conflitantes”. (DINAMARCO apud DIDIER JR. 2015, p. 503). Não obstante, a intenção do presente trabalho não foi esgotar o tema em discussão, mas tão somente elucidar uma questão tormentosa e de tamanha amplitude, que merece dos operadores do Direito uma atenção especial, envidando esforços na busca de um posicionamento mais consistente e eficaz para os jurisdicionados.
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Licitação verde: Um breve esboço sobre a licitação pública e a ideia de licitação sustentável
Analisando o termo "Promoção do Desenvolvimento Nacional Sustentável", que foi inserido no artigo 3º da Lei 8.666/1993, conhecida como lei de licitações, que traz além deste outros requisitos para que seja feita uma licitação pela Administração Publica, qualquer que seja a esfera, respeitando também seus princípios basilares que são: A isonomia ea seleção da proposta vantajosa. Tais requisitos foram classificados como Princípios, trazendo assim uma conotação de maior observância do dever de serem seguidos. A reflexão aqui feita está voltada para a necessidade de tornar princípio tal elemento, qual é a real demanda social e o que legislador quis alcançar com tal texto. Dispensa-se, de não muito agradável forma, a observância pela a execução de tal norma, uma vez que é sabido por todos que nem tudo é cumprido a rigor.
Direito Administrativo
Introdução: O presente estudo analisa o artigo 3º da Lei 8.666/1993 traz entre os requisitos elencados como basilares para que haja um contrato de prestação de serviço ou compras por entidade pública que preze pela sustentabilidade na ação empreendida, ou seja, para que o contrato seja válido ele também deve ser sustentável. Mas antes de adentrar ao assunto, eis um breve histórico. Mundialmente, um dos mais relevantes eventos internacionais sobre meio ambiente foi a Conferência de Estocolmo em 1972, que ocorreu na cidade de Estocolmo na Suécia, país então considerado neutro no pós-guerra. Naquela época, pouco se falava sobre a natureza, sobre os recursos naturais ou sobre degradação ambiental, acreditando-se até então que havia recursos infinitos e que o meio ambiente por si só sempre se restauraria. Naquela ocasião, foi discutido sobre o equivoco que essa ideia trazia e sobre a necessidade de preocupação com as gerações vindouras, dos meios sustentáveis a serem deixados para o futuro do planeta. Participaram então cerca de 400 instituições internacionais e 113 países, que discutiram meios de reduzir os poluentes e a degradação (Site: Infoescola). O principal tema então abordado era relativo às mudanças climáticas. Depois disso, em 1983, a ONU – Organização das Nações Unidas, criou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, que deu origem posteriormente, em 1987 no documento “Nosso Futuro Comum”, ao Relatório de Brundtland, sobrenome da primeira-ministra da Noruega que presidiu tal comissão. Desse relatório foi que se gerou a ideia do desenvolvimento pelo uso atual de insumos de forma a preservar as gerações vindouras, como na frase assim concebida: “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. (Blog Recriar com você). A ideia de sustentabilidade ganhou força no Brasil na década de 1990, após o Rio92, Conferência das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável realizada na Cidade do Rio de Janeiro, capital do Estado de nome homônimo. Segundo a página da internet do RIO+20, conferência do mesmo cunho que ocorreu em 13 de junho de 2012, desde à Rio 92 o Brasil tratou o tema de desenvolvimento sustentável como objeto central das políticas externas. Assim, com o passar dos anos, houve mais iniciativas voltadas ao assunto, uma vez que a degradação ao meio ambiente começou a dar sinais que a não observância de tais fatores que estão acima da capacidade do homem resolver. Tsunamis, enchentes, efeitos “El niño”, “La ninã”, secas onde antes havia vasta vegetação, desmatamento desenfreado causando extinção de espécies da fauna e da flora. O homem começou a entender, aos poucos, que a natureza é finita, o Planeta terra é finito, e que esse é o único lugar que a raça humana tem para viver e que se não for cuidado incorrerá em risco a toda raça humana. Assim, quando em 1993 veio o advento da Lei 8.666, o legislador trouxe em sua redação a preocupação com a sustentabilidade, certamente ainda no calor das discussões ocorridas no ano anterior com a Rio92 e a onda de preocupação com meio ambiente. Afinal, um país onde em épocas remotas, como na Ditadura Militar quando o então Ministro Delfim Neto, disse a polemica frase: “Venham Nos Poluir!”, pautado na crença da infinidade de recursos que a Amazônia poderia oferecer ao Brasil. Destarte, hoje não restam mais dúvidas sobre a necessidade em se tratar sobre o tema sustentabilidade, não só para a manutenção de futuras gerações, mas pelo equilíbrio com os demais princípios, como a Eficiência, uma vez que para se alcançar o objetivo da licitação deve-se ter um planejamento das consequências futuras daquela obra, compra ou serviço. II – Da licitação e da lei 8.666/93. A lei 8.666/93 foi criada exclusivamente para tratar da matéria de licitações. Dela advêm outras leis a tratar de assuntos pontuais sobre o tema, mas sendo ela a protagonista no assunto. Mas afinal, o que é Licitação? Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, (DI PIETRO, 2013, PÁG: 254) licitação é: “A licitação é um procedimento integrado por atos e fatos da Administração e atos e fatos do licitante, todos contribuindo para formar a vontade contratual. Por parte da Administração, o edital ou convite, o recebimento das propostas, a habilitação, a classificação, a adjudicação, além de outros atos intermediários ou posteriores, como o julgamento derecursos interpostos pelos interessados, a revogação, a anulação, os projetos, as publicações, anúncios, atas etc. Por parte do particular, a retirada do edital, a proposta, a desistência, a prestação de garantia, a apresentação de recursos, as impugnações”. Já para Hely Lopes Meirelles (MEIRELLES, 1998, pág. 236), licitação é: “Assim, a licitação é o antecedente necessário do contrato administrativo; o contrato é o consequente lógico da licitação. Mas esta, observa-se, é apenas um procedimento administrativo preparatório do futuro ajuste, de modo que não confere ao vencedor nenhum direito ao contrato, apenas uma expectativa de direito. Realmente, concluída a licitação, não fica a Administração obrigada a celebrar o contrato, mas, se o fizer, há de ser com o proponente vencedor.” Assim, pode-se dizer que Licitação é a forma em que a Administração Pública celebra negócios jurídicos com particulares, de forma a respeitar os princípios vigentes no ordenamento, que são eles: Igualdade (dar a todos os licitantes iguais oportunidades de concorrerem, observando também a equidade), Legalidade (observar sempre a lei vigente), Impessoalidade (não favorecimento de nenhum dos licitantes por questões pessoais), Moralidade e da Probidade (utilizar-se de métodos éticos e de acordo com o princípio da legalidade), Publicidade (ou não confidencialidade dos atos públicos), Vinculação ao instrumento convocatório (observância total ao edital), Do julgamento objetivo (evitando a obscuridade), Da adjudicação compulsória (o primeiro a ter todos os requisitos impostos é quem deve ser contratado) e Da ampla defesa (direito ao contraditório). Em conceitos básicos, pode-se dizer que a licitação é o procedimento pelo qual se faz necessário para a contratação de entes privados para a manutenção, prestação de serviços, compras e obras em favor da Administração pública. III – Da licitação verde. Depois de assinada a Convenção RIO92, o Brasil assumiu um compromisso de ser um país mais preocupado em diminuir as emissõesde poluentes e proteger o meio ambiente. Nessa época, já existia um código florestal, já se tinha uma Carta Magna com artigos relacionados exclusivamente ao tema (Constituição Federal de 1988), já se falavam em crimes ambientais, mas o novo fator era um compromisso que fora firmado internacionalmente. Devido às mudanças constantes nos climas e as grandes catástrofes naturais, que até hoje vêm ocorrendo, não havia como denegar mais o quanto é importante se tratar sobre o tema. Para o professor Me. Sandro Luiz da Costa (2011, pág.8): “A constante degradação antrópica da natureza tem causado reflexos que começam a fazer o ser humano repensar sua relação com o meio ambiente e os parâmetros de produção e consumo ilimitados atinentes ao sistema econômico corrente, buscando-se um ponto de equilíbrio que estabeleça o chamado desenvolvimento sustentável, antes que seja tarde demais.” Tal verdadeira afirmativa traz em sua interpretação a reflexão de ser produzir de modo a resolucionar o problema atual pensando no futuro e na degradação que possa ocorrer de uma produção realizada agora. Então, dessa maneira, pode ser feita a pergunta: Mas o que a administração pública tem a ver com isso? E de logo acha-se a resposta: TUDO. A Administração Pública é uma máquina econômica, como qualquer empresa privada também o é. Necessita de insumos para funcionar, é responsável por atingir os objetivos e deveres elencados na atual Constituição Federal para a proteção, manutenção e segurança aos serviços prestados a população brasileira. É dela que provém o dever supremo de garantir o mínimo existencial do cidadão comum, com isonomia, com equidade, com o respeito aos princípios adotados nesse Estado Democrático de Direito nos três poderes que regem este país. E isso não é fácil. Para Manuel Nascimento de Souza, em artigo publicado na revista eletrônica Âmbito Jurídico, a sustentabilidade está diretamente ligada a ideia de consumo público e a responsabilidade do Estado para o bem comum. Assim, em seu artigo ele diz: “Para tanto, o consumo público tem que ser sustentável, ou seja, precisa respeitar não somente os critérios econômicos referentes a preço e oferta, deve levar em consideração critérios ambientais relativos à ecoeficiência de como os produtos e serviços contratados são produzidos e comercializados, e suas consequências ao serem consumidos. Desta forma, o procedimento de aquisições públicas tem que se pautar num instrumento ecologicamente correto que efetive este consumo sustentável; apresentando-se, assim como meio para esta efetivação as denominadas licitações sustentáveis, ou seja, a Administração Pública em suas licitações em respeito aos critérios ecológicos e sociais deve, na mesma proporcionalidade, promover os benefícios à sociedade mitigando os impactos ambientais através da estipulação de critérios de sustentabilidade que devem ser observados pelos fornecedores que desejam participar do procedimento das licitações”. Para isso, muitas vezes se faz necessário delegar a outrem serviços que não podem ser supridos exclusivamente pela Administração Pública, e a atual legislação assim o permite, além de adquirir matérias para consumo, efetuar obras, promover ações financeiras e que mexem com o ambiente onde serão instaurados tais obras ou serviço. Daí pode-se se tratar de sustentabilidade. Segundo o Ministério do Meio Ambiente: “O governo brasileiro despende anualmente mais de 600 bilhões de reais com a aquisição de bens e contratações de serviços (15% do PIB). Nesse sentido, direcionar-se o poder de compra do setor publico para a aquisição de produtos e serviços com critérios de sustentabilidade implica na geração de benefícios socioambientais e na redução de impactos ambientais, ao mesmo tempo que induz e promove o mercado de bens e serviços sustentáveis. A decisão de se realizar uma licitação sustentável não implica, necessariamente, em maiores gastos de recursos financeiros. Isso porque nem sempre a proposta vantajosa é a de menor preço e também porque deve-se considerar no processo de aquisição de bens e contratações de serviços dentre outros aspectos os seguintes: a) Custos ao longo de todo o ciclo de vida: É essencial ter em conta os custos de um produto ou serviço ao longo de toda a sua vida útil – preço de compra, custos de utilização e manutenção, custos de eliminação. b) Eficiência: as compras e licitações sustentáveis permitem satisfazer as necessidades da administração pública mediante a utilização mais eficiente dos recursos e com menor impacto socioambiental. c) Compras compartilhadas: por meio da criação de centrais de compras é possível utilizar-se produtos inovadores e ambientalmente adequados sem aumentar-se os gastos públicos. d) Redução de impactos ambientais e problemas de saúde: grande parte dos problemas ambientais e de saúde a nível local é influenciada pela qualidade dos produtos consumidos e dos serviços que são prestados. e) Desenvolvimento e Inovação: o consumo de produtos mais sustentáveis pelo poder público pode estimular os mercados e fornecedores a desenvolverem abordagens inovadoras e a aumentarem a competitividade da indústria nacional e local.” Sustentabilidade pode estar em tudo, de uma obra pensada em atingir o mínimo possível de impactos ambientais, de compras de matérias mais duráveis, biodegradáveis, ou com maior data de vencimento para reduzir custos com novas compras e mais fabricações, em serviços prestados de forma limpa, eficiente e responsável, para que não haja retrabalho utilizando assim mais insumos. É claro que aqui se fala no campo prático da ideia, mas a realidade ainda há muito que se melhorar. 3.1 – Da legislação vigente. O termo “promoção do desenvolvimento nacional sustentável” encontrado no artigo 3º da Lei 8.666/93 não causou por si só efeito na execução de licitações mais preocupadas com o meio ambiente, necessitando o legislador de prover um melhor entendimento do que se tratava tal novo princípio introduzido na legislação especial. O Decreto-Lei 7.746/2012 foi publicado apenas nove anos depois da lei 8.666/93, mas regulamente exatamente o paragrafo 3º de tal lei, objeto da analisa aqui impetrada. Assim ele criou a CISAP -Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública, conforme o seu Art. 9º que diz: “Art. 9o Fica instituída a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP, de natureza consultiva e caráter permanente, vinculada à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, com a finalidade de propor a implementação de critérios, práticas e ações de logística sustentável no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas estatais dependentes.” Com essa comissão, a ideia de desenvolvimento nacional sustentável poderia ser melhor discutida, com ações que positivassem o tema trazendo um real sentido ao assunto, sendo hoje parceira do Ministério do Meio Ambiente. Sobre a competência da CISAP, o Art. 11 do decreto-lei trás: “Art. 11. Compete à CISAP: I – propor à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação: a) normas para elaboração de ações de logística sustentável; b) regras para a elaboração dos Planos de Gestão de Logística Sustentável, de que trata o art. 16, no prazo de noventa dias a partir da instituição da CISAP; c) planos de incentivos para órgãos e entidades que se destacarem na execução de seus Planos de Gestão de Logística Sustentável; d) critérios e práticas de sustentabilidade nas aquisições, contratações, utilização dos recursos públicos, desfazimento e descarte; e) estratégias de sensibilização e capacitação de servidores para a correta utilização dos recursos públicos e para a execução da gestão logística de forma sustentável; f) cronograma para a implantação de sistema integrado de informações para acompanhar a execução das ações de sustentabilidade; e g) ações para a divulgação das práticas de sustentabilidade; e II – elaborar seu regimento interno.” No tocante a delinear o que é considerada diretriz de uma prática de políticas públicas sustentáveis, o que traz a resposta é o Art. 4º do mesmo decreto-lei, que diz: “Art. 4o São diretrizes de sustentabilidade, entre outras: I – menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo e água; II – preferência para materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local; III – maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia; IV – maior geração de empregos, preferencialmente com mão de obra local; V – maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra; VI – uso de inovações que reduzam a pressão sobre recursos naturais; e VII – origem ambientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras.” Agora que já se tem a noção do que legalmente no Brasil pode ser considerado sustentável para a Administração Pública, tomando como base o assunto já visto, pode-se agora fazer uma relação entre quais elementos devem ser observados a mais na licitação para que seja considerada sustentável. 3.2 – Licitação comum x licitação verde. Tendo-se agora uma noção do que é a licitação, pode-se falar em sustentabilidade como parte dela. A licitação como um todo admite as seguintes modalidades: Concorrência,Tomada de preços, Convite, Concurso, Leilão (elencadas no artigo 22 da lei 8.666/93) e Pregão Eletrônico (Lei n o 10.520, de 17 de julho de 2002). Para o Ministério do Meio Ambiente, licitação sustentável é: “Segundo o art. 3o da Lei No 8.666/1993 Licitação Sustentável é aquela que destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável…(Redação dada pela Lei no 12.349, de 2010). Nesse sentido, pode-se dizer que a licitação sustentável é o procedimento administrativo formal que contribui para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, mediante a inserção de critérios sociais, ambientais e econômicos nas aquisições de bens, contratações de serviços e execução de obras”. Quando se fala em licitação verde, quer se dizer em uma visão do contrato celebrado com a Administração Pública com planejamento em longo prazo. Assim, o compromisso com o Desenvolvimento Nacional Sustentável está ligado não somente a políticas ambientais, mas a políticas de economia, onde haja eficácia e eficiência nos serviços prestados ou no uso dos objetos comprados. O uso consciente e a redução do desperdício provocam o acumulo de lixo no meio ambiente, além de harmonizar com uma melhor gerência do dinheiro público, evitando também a improbidade. Pelo menos na prática. Tomando por base o procedimento comum da Licitação, o Professor Luã Silva Santos (2014, pág. 130), trouxe uma reflexão sobre onde se encaixaria o objetivo da sustentabilidade dentro na análise dos parâmetros da licitação e juricidade da compra pública. O autor traz a seguinte conclusão: “Destarte, trata-se da adoção, quando possível, em todas as fases do procedimento licitatório de aspectos ambientais, selecionando a obra, compra ou serviço sustentável, de acordo com as especificações exigida no instrumento convocatório. Nessa toada, não se busca apenas a seleção do licitante que apresente o objeto mais sustentável de acordo com os tradicionais requisitos adotados na licitação, a exemplo na fase de classificação a seleção continuará seguindo os tipos de licitação, menor preço, técnica, técnica e preço.” [grifo nosso] Como se pode perceber, o autor demonstra que nem sempre é possível manter os aspectos preocupação ambiental ou sustentável quando se faz uma licitação. Assim, o que se deve procurar é um equilíbrio entre as propostas que se encaixem nos demais requisitos para o procedimento licitatório e a sustentabilidade. Em outra parte de sua obra, o autor também elenca duas leis recente que estão sendo basilares na observância atuais dos contratos públicos, que são a Lei nº 12.187/2009 que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e a Leinº 12.305/2010 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em complemento, o professor versa sobre a habilitação jurídica dos licitantes, trazendo (SANTOS, 2014, pág.134): “A habilitação jurídica como requisito da ser inserido na licitação sustentável não encontra vedação no ordenamento jurídico pátrio, à medida que não ofende as normas gerais de licitação a exigência de certos documentos expedidos pelo próprio poder público que atestem ou autorizem determinada atuação do setor privado, título de exemplo uma licença emitida pelo órgão ambiental.” Os concorrentes licitantes sempre devem demonstrar o quanto a sua proposta pode ser mais vantajosa a ser utilizada pela Administração Pública. E por último (SANTOS, 2014, pág. 136): “Nesse diapasão, a etapa de classificação e julgamento das propostas é de essencial importância para dar efetividade que tanto necessita a licitação sustentável, ressalta-se que nessas fases não pode a Administração Pública deixar de considerar o parâmetro basilar e comparação entre preços dos objetos, que igualmente se mostrem comprometidos com o desenvolvimento nacional sustentável.” Desta forma, o equilíbrio e a harmonia entre o requisitos devem estar sempre presentes, para que sejam tomadas as decisões mais coesas possíveis. Conclusão: Quando insuflado por uma onda mundial de preocupação com o meio ambiente o, legislador brasileiro trouxe à lei de licitações o artigo 3º, incluindo uma nova concepção principiológica de Desenvolvimento Nacional Sustentável, não quis ele só corroborar com os fatos ocorridos no ano anterior a promulgação de tal lei, mas também ratificar o que o Art. 37, XXI c/c Art. 225 da Constituição Federal de 1988. Data vênia, não foi novidade apenas a introdução de tal princípio e sim uma necessidade social latente, porque não dizer mundial, que algo fosse feito para que as gerações futuras não venham a sofrer com a escassez de recursos, ou até o desaparecimento deles. Nesse sentido, a interpretação de desenvolvimento sustentável não cabe somente a ações positivas de prevenção, mas a ações que também diminuam o consumo, planeje impactos, previna acidentes ambientais, punam incidentes criminosos ambientais, controlem as ações dos fornecedores para que cuidem disso. Nesse ponto, a lei 8.666/93 dá todo suporte para que a Administração Pública aja dessa maneira, uma vez que, ao contrário do contrato bilateral que ocorre no Direito Civil, quem tem sob o comando o contrato celebrado é o poder público. Por fim, sendo respeitado esse e todos os outros requisitos elencados pela lei na prática, poderia se ver um país com obras, serviços e estruturas públicas melhores, tratando com mais respeito e dignidade os cidadãos, provendo um futuro menos desastroso às futuras gerações e cumprindo o papel social do Poder Público. Isso se ocorresse na prática. Isso é o que nem sempre é visto, infelizmente.
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Desapropriação para fins de reforma agrária
O Direito a Propriedade se apresenta no texto Constitucional com possibilidades de restrições, a desapropriação. Conquanto, vê-se um Direito limitado e condicionado, para todos os casos em que apresentar ausência da função social do patrimônio privado. Esta pesquisa aborda várias Constituições que contribuíram para concretização da legislação Constitucional Federal de 1.988, a respeito da proposição temática. O tema encontra-se inserido no campo da Reforma Agrária, com ênfase para a Desapropriação, abordando o Direito Constitucional e Administrativo. Para a realização deste artigo, foi utilizado o método dedutivo, analisando-se todos os fundamentos para a desapropriação que se baseia na falta da função social de algumas propriedade privadas.  Bem como de dados estatísticos do IBGE que trata a respeito do inchaço nas camadas urbanas, demandando por esse fator a carência de moradia. Ademais, são apresentadas fatores acerca do manejo desordenado do meio ambiente e dos recursos naturais. A técnica de pesquisa foi bibliográfica, com base na doutrina, na Constituição Federal, e em artigos que versam sobre o prisma abordado, a saber: NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira; MARTINS, José de Souza; LEITE, Sergio; HEREDIA, Beatriz. O trabalho foi estruturado em sete capítulos, subsequente à introdução. O primeiro abarca o assunto sobre área urbana e a função social, o segundo trata a respeito da desapropriação por carência de função social, em um terceiro momento, acerca dos imóveis rurais, o quarto por sua vez a respeito da justificativa para a desapropriação, o quinto a assertiva se refere a destinação da propriedade urbana, já o sexto abarca o tema da disposições da propriedade rural e o sétimo é sobre os parâmetros da lei nº 10.257 de 2001. Após a abordagem dos temas, pode-se concluir que tendo em vista os aspectos observados, têm-se como a pedra angular para fundamentar a desapropriação a função social, e que a propriedade privada deve exercer na sociedade função de caráter social, caso contrário é passível de perda do direito de posse.
Direito Administrativo
1. Introdução É indiscutível queo direito à propriedade é tutelado pela Constituição Federal. No entanto, vê-se um arcabouço histórico de provimentos constitucionais, desde a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão de 1.789. Além do mais, sabe-se que se tem como resguarda a lei infraconstitucional, o Código Civil de 1.804. Em uníssono apresentam textosque versam sobre a primazia do Direito Social sobre o Direito Privado e que todo patrimônio privado deve ater-se a função social (JÚNIOR, 2002, p. 73). Verifica-se quesão muitos os textos constitucionais que corroboraram para a consolidação das assertivas que contém a Constituição Federal que tratam sobre o Direito de Propriedade e a possibilidade de desapropriar um imóvel privado, prevendo uma correta aplicabilidade em vista da função social. Dentre as Constituições que foram paradigmas, sobressai a Italiana, Espanhola, Alemã e a Francesa. A posteriori ao contexto histórico, deparam-se com as justificativas apropriadas para fundamentar as desapropriações no Brasil. A saber, todas elas constitucionalmente fundamentadas, baseadas primeiramente pela Constituição de 1.946, Contumazmente, sendo regulamentada pela Emenda Constitucional nº10 de 1.964. De forma que, posteriormente consolidou a construção da Constituição Federal de 1.988 (JÚNIOR, 2002, p. 74). Atualmente, observa-se queo fundamento principal para a desapropriação é a falta da função social de determinadas propriedades privadas. Além do mais, apresenta-se uma ramificação contextual de desapropriação que a desapropriação-sansão, sendo esta disciplinada pela Carta Magna de 1.988. Um dado alarmante que se nos apresenta é o inchaço populacional nas camadas urbanas, sobressaindo a necessidades de moradia; diante desse cenário, nota-se ações operacionais dos entes federados, vê-se contudo, realizações de vistorias em imóveis sem função social, e nem adequações urbanísticas (JÚNIOR, 2002, p. 75). O artigo 182, § 2º da Carta Magna ressalta a possibilidade de um reordenamento nas zonas urbanas, acenando para a desapropriação de áreas com ausências de ações que beneficiem a sociedade, bem como a priorização da preservação ambiental. Conquanto, o meio ambiente sem o devido zelo dos proprietários de imóveis rurais e urbanos, certamente afligirá toda a conjuntura social, visa-se a sustentabilidade ambiental, atenta-se para o monitoramento de explorações dos recursos naturais pelas indústrias, e de forma operacional os setores governamentais se voltam para um laboral empenho contra a poluição (JÚNIOR, 2002, p. 76). 2. Área urbana e a função social O conceito de propriedade é um objeto de reflexão do estudo jurídico. Tendo a raiz no direito francês, consolidado especificamente no artigo17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789. Conquanto esse mesmo texto teve a inserção no artigo 544 do Código Civil de 1.804. Determinadas atitudes de proprietários de imóveis poderão resultar em obstruções e cerceamento da posse da propriedade, ressalta-se algumas situações que maculam a imagem de quem posse o imóvel, o abandono e a destruição da propriedade, vindo a prejudicar a funcionalidade social da propriedade. Em entendimento rasteiro e despercebido, pode-se compreender que o titular tem o direito de dispor do bem bem a seu bel-prazer, no entanto essa compreensão deve ser pensada tendo com escopo a conjuntura social, prioriza-se o bem estar coletivo. Entretanto, entende-se que a atitude de abandono e destruição de um imóvel será enquadrado em um âmbito de ilicitude (JÚNIOR, 2002, p. 73). Quanto a justificativa para o aspecto de tutelade patrimônio privado e a preocupação da Lei quanto ao uso de imóvel no país brasileiro, dá-se por causa da moradia, do consumo, visando atender a necessidade básica de todo cidadão brasileiro. O zelo jurídico surgiu dos textosparadigmáticos da Constituição de Weimer no artigo153, elenca que "a propriedade obriga e seu uso e exercício devem[…] representar uma função social" (JÚNIOR, 2002, p. 73). Não somente a Constituição de Weimer contribuiu para o aspecto organizacional da conceituação de propriedade, mas também as ConstituiçõesItaliana, Espanhola, Alemã e Francesa. Ademais, o que se espera do titular de uma propriedade é o zelo e o uso correto, entende-se como uso correto, o aspecto da produção e do zelo, visto que, quem confiou o cuidado, foi a coletividade, compreendendo que a iniciativa privada recebe da nação permissão para que tenha liberdade de ação e de posse, porém que seja produtiva e que toda a não seja beneficiada. De modo contrário, será usurpado o poder de posse da propriedade, como medida preventiva, a fim de que a coletividade seja não maculada por algum malefício provindo daquele imóvel (JÚNIOR, 2002, p. 74). Todos têm pela Carta Magna o direito tutelado do uso livre da propriedade privada, no entanto, esse direito é visto sob a ótica de um bem comum, passando a ser um direito limitado e condicionado, visto que, objetiva-se o bem da coletividade.  De forma que se compreende que do poder de posse de uma propriedade está adjunto ao dever diante da sociedade em que se está imbuído. O direito da posse de um imóvel aumenta à medida em que não se abstém dos deveres que se tem para o bem coletivo (JÚNIOR, 2002, p. 74). Ainda respalda o contexto sublinhado acima o artigo 113, § 17 do Constituição de 1.934, na qual acena para o cerne do texto no qual reforça que o interesse da sociedade está sobre o interesse privado, ou seja, o uso dos imóveis devem obedecer padronizações estabelecidas pela nação, das quais não poderá apresentar dissociações de benefícios para ambas as partes (JÚNIOR, 2002, p. 74). 3. Desapropriar por carência de função social Tem-se como respaldo para justifica a atitude de retirar o direito da posse de um imóvel de um cidadão, o artigo 147 da Constituição de 1.946, o qual apresenta como fundamento para essa atitude o interesse coletivo, disponibilizando uma promoção da funcionalidade do imóvel com proporções ainda maiores daquelas pretendidas pelo proprietário do imóvel, conquanto a Lei nº 4.132 de 10 de setembro de 1.962 é quem tutela essa elementar possibilidade para o âmbito social (JÚNIOR, 2002, p. 74). 4. Imóveis rurais Ademais, quando surge um imóvel rural que o proprietário não está obedecendo, seguindo os critérios estabelecidos pela Nação Brasileira, para o uso correto dos imóveis rurais, apresentada da Emenda Constitucional nº 10 de 09 de novembro de 1.964 que disciplina especificamente essa atitude, aplica-se a penalidade da desapropriação, a fim de se processe a retificação do manejo errôneo da propriedade rurais em questão,  buscando nivelar corretamente a utilização, visando direcionar o uso para uma função social; Conquanto, o a Nação não se esquiva da indenização pecuniária prevista em Lei, sob a forma de títulos especiais da dívida pública(JÚNIOR, 2002, p. 74). 5. Justificativa para a desapropriação Entretanto, notoriamente a desapropriação é fundamentada na dimensão do uso social do imóvel, ou seja, o que se espera é uma correta destinação da função social de determinadas propriedades privadas. O utilização do imóvel é legitimado quando não estiver imerso em um opróbrio da sociedade, porquanto, encontrando-se em variações a posse poderá ser usurpada. Corrobora com a assertiva o seguinte escritor quando elenca que: “Na ditadura militar, o próprioEstatuto da Terra, ao definir a categoria de latifúndio e estabelecer-lhe restrições que o tornam passível de desapropriaçãopor interesse social, estendeu ao solo uma parcela de domínio regulamentar por parte da União, num certo sentido próximo do regime sesmarial. Mais recentemente, na própria Constituição de 1988, o reconhecimento do direito de posse às terras dos antigos quilombos por parte das comunidades negras” (MARTINS, 2000, p.122). Todo base de regimentoestá voltada nas discrições de leis supracitadas, porém, faz-se necessário um aceno especial a desapropriação-sanção que se direciona para os imóveis rurais. Tem-se como fundamento legal a Constituição de 1.988 que consolidou para si todos os regimentos que versam sobre esse assunto, a nível de assentimento e corroborações(JÚNIOR, 2002, p. 75). Remete-se a lembrança para o saudosismo que acena para o período em que as grandes produções agrícola tomavam conta da crescimento financeiro e econômico do País, e posteriormente a explosão da era industrial. No entanto, recorda-se desses dados históricos por razões do direito à propriedade, tanto das mega-construções arquitetônicas, quanto as memoráveis fazendas produtoras de café, ou seja, todas com funções sociais bem específicas, definidas e de imensurável valias para a sociedade, de modo que quando não são alcançadas essas destinações propositadas pelo direito constitucional brasileiro, afeta o interesse social que passa a questionar o direito de posse do privado(JÚNIOR, 2002, p. 75). No entanto, as destinações dos imóveis infrutíferos e sem função social são direcionados para questionamentos a níveis das demandas do direito à moradia, disciplinados pela Constituição Federal de 1.988, no artigo 6º, Caput, e pela Emenda Constitucional nº 26 de 2.000, que sublinham a necessidade de transmutar o direito de posse para os cidadãos do país de urge moradia. Sublinha a respeito da função social o autor a seguir: “A ação agrária deve ser integrada, regionalizada, descentralizada e participativa. Deve considerar a função social da terra, relações de trabalho justas e as condições de sustentabilidade da atividade agropecuária. A descentralização da reforma agrária deve ocorrer no contexto de uma política agrária nacional, apoiada num sistema nacional de reforma agrária e executada a partir de um plano nacional de reforma agrária que seja o somatório com a compatibilização dos planos estaduais de reforma agrária” (LEITE, 2000, p. 147). Visto que em nosso imenso Brasil, com base nas pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, o grupo social urbanístico está elevando de forma imensurável, chegando a uma estimativa de em média 81% , sendo que permanecendo na zona rural apenas 19%, desorganizando dessa forma a estrutura social e exigindo do país reordenamento das posses de imóveis, de forma exclusiva daquelas que estão tendo uma função societária, destinando as posses das propriedades rurais e as urbanas(JÚNIOR, 2002, p. 75). 6. Destinação da propriedade urbana Outrossim, a Constituição Federal de 1.988, no artigo 182, § 2º, disciplina o assunto da propriedade urbana, ressaltando alguns tópicos que se deve resguardar, entretanto, deve-se ater as diretrizes da política geral do país que versa sobre a dilatação populacional, buscando um ordenamento das cidades, visto estarem sob os dispositivos do plano de direcionamento urbanístico, descrito no Estatuto da Cidade, Lei nº 1.257, de 10 de julho de 2001. Todas as demandas apontadas são voltadas para suprir e melhorar a qualidade de vida, bem como, lograr êxito a respeito da justiça social(JÚNIOR, 2002, p. 76). Todas os entreames referentes a direito de posse as viabilidades de desapropriação, são lançados para o sustentabilidade de todo arcabouço econômico do país (JÚNIOR, 2002, p. 76). 7. Disposições da propriedade rural Em se tratando da posse da propriedade rural, tem-se regulamentos provindos do artigo 186, do inciso II, da Constituição Federal, que prescrevem linhas para que sejam trilhadas pelo proprietários de imóveis rurais, sendo que, observa-se que a posse do imóvel rural deve, ainda atender aos apelos dos dispositivos referentes a preservação ambiental auferidos no artigo 225(JÚNIOR, 2002, p. 76). 8. Parâmetros da lei nº 10.257 de 2001 Acerca das auferidas regras que versam sobre o meio ambiente, vê-se disciplinadas pela Legislação de 2001, que traz pontos de imensurável valia para o conjunto social do país brasileiro. A posse de propriedade tanto na zona rural, quanto na área urbana, nota-se que os organismos que zelam pelo equilíbrio do meio ambiente sublinham o direito de se ter as metrópoles, de forma sustentáveis, haja vista os disparates das explorações industriaisque se apresentam, aponta considerações acerca do zona rural o escritor que subscreve, quando diz que: “Em algumas das manchas analisadas, os assentamentos têm provocado um redesenho da zona rural, modificando a paisagem, o padrão distributivo da população e o traçado das estradas, levando à formação de novos aglomerados populacionais, mudando o padrão produtivo, às vezes estimulando a autonomização de distritos e mesmo a criação de novos municípios”(HEREDIA, et al, 2013, p. 108). Porquanto, ressalta a necessidade dimensional do direito ao saneamento ambiental, além do que subjaz a cautela no uso do solo, de maneira que se contenham extravios e exacerbos exploratórios das zonas urbanas; conquanto um dos fatores que causa grandes malefícios são relacionados a poluição, visto que degrada o meio ambiente(JÚNIOR, 2002, p. 76). Dentre outros fatores que urge cuidados são as expansões da área urbana que tendem a desproporcionalidade dos setores urbano, afetando drasticamente áreas ambientalizadas. Ademais, todos os setores da vida social brasileira devem se preocupar a atender solicitações para a preservação do meio ambiente natural, além do que a sociedade deve arcar com meios de implantações operacionais que reduzam o desgaste ambiental (JÚNIOR, 2002, p. 77). A desapropriação tem como escopo a Constituição Federal, conquanto não se pode enveredar pelo equivoco da reforma urbana, como as execuções proporcionadas pelos entes federados para reurbanização, elencadas no artigo 5º, alínea i, DL 3.365 de 1.941, que se apresenta como uma das prioridades dessa listagem para os aspectos de utilidades públicas, de forma que ainda pode-se vê-las sublinhadas no artigo 5º, no inciso XXIV, da Constituição Federal(JÚNIOR, 2002, p. 77). 9. Conclusão Por conseguinte, entendendo que conceito de propriedade é conduzido pelas acepções jurídicas, e que sendo resguardadas pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1.789, bem como pelo Código Civil de 1.804, que versa sobre o Direito de posse em detrimento do bem comum, ressalta que o direito da coletividade está sobre o direito privado, sendo que, sem atende a função social, passa ser passível de perda de Direito de posse do patrimônio. A justificação dos entes federados e da Constituição quanto a posse de imóveis privados, dá-se por causa da demanda de moradia no país. Tem-se como estereótipos de Constituições referente a esse assunto o texto Constitucional de Weimer, que sublinha a necessidade do uso e do exercício de imóveis, visto que devem ser respaldados em meandros da função social. Várias Constituições do mundo contribuíram para que se pode concretizar a feitura conceitual a respeito do uso da propriedade e a possibilidade de uma desapropriação, destacam-se as Constituições Italiana, Espanhola, Alemã e Francesa. Tratam sobre o uso correto de propriedade privada, e a necessidade em algum casos de cercear o direito de posse, por motivos de falta de ter um proveito societário. A Constituição Federal tutela e resguarda o direito de todo cidadão de possuir um imóvel, quer seja na zona rural ou na área urbana, no entanto, pesa o fato de que se deve ater aos cuidados e as responsabilidade que advém da posse, de forma que se compreenda que o direito é limitado e condicionado. Visto que se protege o bem-estar da sociedade e não somente a do cidadão em particular, quando se trata do direito a posse. Vê-se que existe um transcurso histórico para se apresentar uma justificativa para a desapropriação, outrora acorria-se ao texto disciplinar do artigo 147 da Constituição de 1.946, o qual contribuiu para solidificação de Constituição de 1.988. Mostrando nesse texto que a função social de uma propriedade é mais ampla e proveitosa para a sociedade do que para o privado. A Emenda Constitucional nº 10/64 prevê a pena de desapropriação para a propriedade privada que não estiver no exercício da função social com seu patrimônio. Busca-se a retificação da função social do imóvel, tendo em vista indenização ao proprietário. Tendo em vista os aspectos observados, têm-se como a pedra angular para fundamentar a desapropriação a função social, e que a propriedade privada deve exercer na sociedade função de caráter social, caso contrário é passível de perda do direito de posse. Conquanto, elenca-se a desapropriação-sanção que é erigida pela Constituição de 1.988. É imprescindível que todos se conscientizem de que urge o imperativo de atende a população urbana, visto que está inchada, dados provindos das estatísticas do IBGE. Por esse motivo a desapropriação se volta para aderir o argumentoda necessidade de suprir a necessidade crescente com desapropriação de propriedade sem nenhuma função social. Quanto a propriedade urbana a Constituição Federal reservou a si o direito de disciplinar, descrito no artigo 182, §2º; mostrando a importância do reordenamento nas áreas urbanas. Dentre as dimensões argumentativas que fundamentam a desapropriação, convém destacar que a propriedade rural deve atender as regulamentações que tratam de assertivas a respeito da preservação ambiental. O meio ambiente é disciplinado pela legislação de 2001, aponta para patamares que apelam para que o proprietário de imóveis tenha redobrado zelo, visando contribuição de sustentabilidade para todo o bojo social. Requisita-se ponderações nas explorações das industrias e que se evite o descaso com o meio ambiente. Necessita-se de saneamento ambiental, e zelo pelo solo, e que se resguardem os lençóis freáticos, bem como cuidados especiais com os causadores de poluições; todos essas questões ambientais são ponderações que o proprietário de imóveis privados deve se antenar, de modo que se evite danos conjunturais societários.A área urbana é limitada e por esse motivo quando começou a desproporcionalidade, por causa do êxodo rural, desencadeou inchaço urbano, tendo que se prover resoluções a nível de desapropriações de imóveis.
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Jurisprudência sobre a responsabilidade civil do estado
Apresenta-se como mazela para o Estado, fazendo que responda civil e administrativamente, o número insuficiente de magistrados em determinadas comarcas, bem como os equívocos processuais que se acometem, sendo concomitantemente levados a instâncias superiorese, por conseguinte, a demora no andamento de processos judiciais, dos quais florescem ervas daninhas que prejudicam o avanço das ações jurisdicionais. Aponta-se críticas ao estado e ao poder judiciário, incumbindo-lhes de reponsabilidade civil. Ademais, o código de processo civil irroga ao juiz responsabilidade por erros pessoais. Também são outorgados aos magistrados posicionamentos para um nivelado andejar da engrenagem judiciária. Esta pesquisa aborda o posicionamento da jurisprudência sobre a Responsabilidade Civil do Estado. O tema encontra-se inserido no campo de direito administrativo, nos acórdãos, bem como, no Código de Processo Civil. Para a realização deste artigo, foi utilizado o método dedutivo, analisando-se os entendimentos dos Tribunais, dando prioridade ao Superior Tribunal de Federal, os Textos de Lei e as Doutrinas referentes a este assunto.  A técnica de pesquisa foi bibliográfica, com base na doutrina e na legislação e na jurisprudência.  O trabalho foi estruturado em três capítulos: o primeiro trata sobre os indicadores da jurisprudência que revelam a obnubilação do Estado e dos Magistrados: apontando-lhes a responsabilidade civil; o segundo aborda sobre as atribuições dos magistrados: negligências e as excludentes de culpabilidade; por fim, as consequências das prevaricações funcionais e da acanhada responsabilidade do Estado. Após a abordagem dos temas necessários, pode-se concluir que não se buscar responsáveis pela satisfação em apontar o causador da problemática, mas sim, buscar a natureza da falha por vias da pesquisa científica, direcionando o leme para que o barco seja velejado de maneira correta a contento de todos, busca-se mostrar que mesmo que os Juízes não tenham culpa e por conseguinte o Estado, a culpabilidade não se respalda somente na negligência, mas o que se protege são os direitos dos cidadãos lesionados devido à assistência precária do Estado.
Direito Administrativo
1. Introdução Destaca-se três peças que alardeiam os encalços que infringem o Estado, quando se trata da ceara judiciária; a saber, o número insuficiente de magistrados que atuam nas comarcas, os equívocos que solavancam os fóruns e as morosidades em finalizar os processos judiciais, entretanto não encerra nesta discrição o rol de entraves (JÚNIOR,1969, p. 94). As críticas que evocam a responsabilidade civil do Estado são por causa dos erros, pela demora nos desfechos judiciais, as negligências que maculam o aparelho judiciário dos magistrados. O acórdão do JTSP em RDA 53/183, menciona as auditorias realizadas pelas instâncias superiores a fim de averiguar possíveis falhas na engrenagem judiciária, dando atenção especial aqueles casos em que os juízes estão sobrecarregados, eximindo-os de culpas quando encontrados nessas situações (JÚNIOR,1969, p. 95). O Código de Processo Civil, no artigo 121, lança a responsabilidade por erros aos juízes, bem como no acórdão de 9 de dezembro de 1958 sobre irresponsabilidade do Estado por atos judiciais, do STF, RDA 59/335, no qual profere o Ministro Relator Vilas-Boas, não auferindo ao Estado culpa por se tratar de responsabilidade pessoal do magistrado, no entanto as falhas deverão ser comprovadas. Ainda se percebe no acórdão do tribunal do Estado do Rio, na Revista Trimestral de Jurisprudência 10/64, discrição acerca dos encargos dos juízes, dos quais destacam-se a imparcialidade, o dever de nortear as provas, zelar pela economia temporal, coibir os abusos, por fim o dever de se conduzir pela reta intenção buscando a veracidade dos fatos (JÚNIOR,1969, p. 96). Alicerçando-se no ao acórdão de 21 de junho de 1966 do STF em RF 220/105, vê-se alguns infortúnios que lançam para o Estado e seus agentes a responsabilidades civil e administrativa, dentre eles, apresentam-se os mais visados, falta de juízes substitutos, sobrecarga de alguns magistrados, morosidades jurisprudenciais, além do mais, desleixos dos serventuários judiciais (JÚNIOR,1969, p. 97). Ampara-se na discrição do Ministro Aliomar Baleeiro, quando na ocasião tratou da responsabilidade civil do Estado, aponta para falhas na engrenagem judiciária, a despeito dos magistrados maus assistidos, por conseguinte, prejudicando as partes nos processos judiciais; destarte, diante nessas conjuntura, atua a Comissão Disciplinar, por vezes em regime de exceção para aplacar o cenário obtuso; espera-se resguardar os direitos dos cidadãos contribuintes que necessitam do amparo e assistência judicial (JÚNIOR,1969, p. 98). 2. Indicadores da jurisprudência que revelam a obnubilação do estado e dos magistrados: apontando-lhes a responsabilidade civil A jurisprudência atribui ao Estado responsabilidade quando surgem situações com dimensões de liberalidade, ademais àquelas que são concernentes aos atos do judiciário em âmbito administrativo, diga-se de passagem, quando depara-se com casos, assuntos relativos a curatela e tutela, bem como propriedades que pertencem por herança a muitos donos, ou seja, diante dos espólios o Estado na pessoa do juiz toma posições decisórias, a fim de sanar os litígios. No entanto, não exaure as verrugas das incompreensões e das críticas, as quais obriga o juiz a tomar atitudes como se estivesse agindo sobre pressão.  (JÚNIOR,1969, p. 94). Haja vista muitas vezes alvejadas por críticas ferrenhas sobre dois prismas que se arrastam com o tempo nas sombras dos trabalhos no judiciário, que são os erros, os quais pode-se classificá-los como equívocos, além do mais, apresenta-se a morosidade para se tomar as decisões sentenciais, primordialmente àquelas que versam sobre dolo e culpa, atingindo as dimensões áureas da negligência, da imperícia e da imprudência, bem como nos emaranhados que deles se exalam(JÚNIOR,1969, p. 95). Pensa-se que alumas vezes sobre os atos dos juízes, porquanto os nobres meritíssimos lançam sobre os cidadãos suas decisões respaldados nos textos de lei, bem como na doutrina e nas jurisprudências, via de regra sempre fundamentados nos fatos, nos inumeráveis documentos probatórios e  nas periciais, resguardando-se de que lhes assaltem injustiças, além do mais, são impulsionados por livres decisões, partindo do sóbrio convencimento; contudo, surgem aquelas disposições que são os atos jurisdicionais dos meritíssimos, ou seja, jurisdição voluntária, dos quais os atos materiais do judiciário são atribuições administrativas do magistrado (JÚNIOR,1969, p. 95). Em se tratando de feitos jurisdicionais, apoia-se no acórdão do JTSP em RDA 53/183 de 26. 8. 1957, o qual mostra que por comprovada perdas por causa de morosidade judicial, ou ainda se verificada a intencionalidade do magistrado em se posicionar em um determinado caso erroneamente,o Tribunal de Justiça de São Paulo se posicionou direcionando a responsabilidade do erro ou da demora ao juiz, e não ao Estado, atribuindo ao meritíssimo a respectiva culpa, aplicando a medida correcional, eximindo o Estado de responsabilidade, quanto a demora do judiciário em agilizar os processos, Delgado se posiciona dizendo que: “Há, não resta dúvida, discrepância doutrinária sobre o assunto. Não parece, porém, segundo penso, que o tema esteja a exigir excesso de prudência. Existem, no atual sistema positivo brasileiro, condições de imperar, sem nenhum ataque ao direito, o princípio de que deve o Estado responder civilmente pela demora na prestação jurisdicional, desde que fique demonstrada a ocorrência de lesão ao particular” (DELGADO, 2007, p.264). 3. As atribuições dos magistrados: negligências e as excludentes de culpa Os magistrados são acometidos por ativismo, as demandas processuais dos meritíssimos são estafantes, nesses casos os juízes não são sancionados por desleixo, os Tribunais são benevolentes e compreensivos, entendendo que em determinados casos os infortúnios se dão por conta de falhas do aparelho judiciário (JÚNIOR,1969, p. 95). Em alguns litígios de compra e venda, especificamente nos inventários, a jurisprudência em RDA 90/140, mostra que se atribuir aos juízes determinados erros de vendas de imóveis de cujo patrimônio estejam atrelados a herdeiros, vindo posteriormente apresenta erro documental, nessas situações, entende-se que os compradores é que devem ter cautelas nas compras de imóveis atrelados a demandas de herança para se evitar futuras evocações, bem como, as ações de nulidade e devoluções imobiliárias. Conquanto, é notório que em alguns desses casos supracitados, há fórum que incorre em morosidade, destarte, nessas situações, arcar-se-á com responsabilidade por falta de serviço, de maneira particularizada, nos feitos em que se atribua a demora de decisão judicial (JÚNIOR,1969, p. 95).  O código processual civil, disciplina no artigo 121, atribuindo ao magistrado nos casos que couber a responsabilidade pessoal, visto que, se não estivesse disciplinado no código processual civil, nas situações de erro no judiciário, o código de processo penal no artigo 630 difere regimentos, baseando-se no acórdão de 9 de dezembro de 1958 sobre irresponsabilidade do Estado por atos judiciais (JÚNIOR,1969, p. 96).   Em se tratando de responsabilidade pessoal do juiz em responder sobre determinados feitos, tomando como respaldo jurisprudenciais o acórdão do STF de 9.12.1958, RDA 59/335, proferido pelo Ministro Relator Vilas-Boas-sobre, acerca do princípio da irresponsabilidade, vê-se em pauta a liberdade do magistrado, porquanto não poderá desempenhar suas função temendo responder sobre erro ou ter que atribuir ao Estado responsabilidade, visto que recaí sobre si a responsabilidade estatual (JÚNIOR,1969, p. 96). Destarte, o Estado se responsabilizará por erros que venham acometer os magistrados em desempenhos de suas funções jurisdicionais, acena a posição do acórdão do STF em RDA 59/336, em vista de que são seus representantes diretos, no entanto terão que apresentar dados comprobatórios, quanto ao dolo, visto que sefaz necessário pertinentemente, que se mostrem sobre quais aspectos que os levaram a agir intencionalmente. Haverá indenização se porventura já se tenha sentença transitado em julgado, em detrimento as repetidas intervenções das partes contrárias para esclarecer o equívoco do prelado (JÚNIOR,1969, p. 96). Tomando como visão o horizonte dado pela discrição do acórdão do tribunal do Estado do Rio, em Revista Trimestral de Jurisprudência 10/64, vê-se o papel do magistrado, bem como seus atributos, bem discriminados, destarte, tem com encargo todos as labutas de sua Comarca; sobre o meritíssimo recai a responsabilidade do Estado, que sendo seu representante direto o exerce com a força e com o poder estatal, orientado e norteando as provas, velando sobre a economia temporal, coibindo os abusos que venham surgir, com a reta intenção de descobrir a verdade, sendo imparcial, no entanto ativo e dinâmico, corrobora o doutrinador quando diz que: “Cabe substancialmente ao magistrado identificar a periculosidade daatividade, mediante análise tópica. Não se trata de simples “decisionismo” judicial, em que cada juiz possa desenvolver um critério próprio. Ao contrário, além da análise tópica, não se pode jamais olvidar que o Direito configura um sistema, embora aberto e móvel. Assim, o magistrado deve ser sensível às noções correntes na comunidade, sobre o que se entende por periculosidade, bem como deve estar atento a entendimentos jurisprudenciais consolidados ou tendenciais” (NETO, 2003, p.32-33). A morosidade dos atos jurisprudenciais são analisados pelo acórdão de 21 de junho de 1966, STF, quando trata sobre a responsabilidade do Estado em decorrência de ato judicial moroso.Todos os questionamentos com relação a responsabilidade civil do Estado tomando como base a jurisprudência, vê-se que os parâmetros das interrogações sobre as responsabilidades permeiam em torno de três focos, ou seja, olha-se para as partes envolvidas no processo, para a máquina judiciária, além do mais para a morosidade, bem como para as atitudes dos magistrados. O Supremo no acórdão de 21 de junho de 1966 do STF em RF 220/105, bate o martelo para corroborar sobre o consenso de que existem casos em que há culpabilidade para o Estado, mesmo dispondo de Soberania, não se eximindo do fato de que poderá acometer-se em equívocos que o leve a responsabilizar-se civilmente quando incorrer em culpa(JÚNIOR,1969, p. 97). 4. Consequências das prevaricações funcionais e da acanhada responsabilidade do estado Ademais, ocorrem os casos em que os magistrados são assolados de acusações quanto a falta de atenção nos prazos de queixa-crime e deixam prescrever, de forma que a parte querelante se sente lesionada, nessa situação aciona-se uma instância superior para averiguar o ocorrido (JÚNIOR,1969, p. 97). As atribuições advocatícias do querelante terãoque apresenta resistência, além do mais ser perspicaz e persistente, diante de esferas em que os funcionários da justiça se mostrarem lentos e o juiz não se ater em marcar as audiências para que ajam em tempo hábil, e não se esvaiam os prazos e demandem em prescrições os processos. Nesses casos se vê claramente negligência por não cumprir as responsabilidades e prover resoluções jurisdicionais aos casos pautados para a justiça, tendo em vista perdas com despesas feitas, bem como honorários e as custas processuais, direciona-se para o Estado a culpabilidade por seus representantes não cumpriremcom suas responsabilidades e provenha a devida indenização, visto que o magistrado carrega sobre si a responsabilidade estatal jurisdicional. Ademais, para que o magistrado tenha culpa ou dolo por eventual prescrição que ocorra em sua comarca, os Tribunais averígua a quantidade de trabalhos que o cerca, bem como se está assistindo mais de uma comarca, de modo que se positivado esta hipótese, lança-se dados argumentativos em sua defesa, equiparando drástico fato à força maior, visto está assolado por labutas estafantes (JÚNIOR,1969, p. 97). Tendo em vista a gama argumentativa supracitada, vê-se que desembocará as atribuições de responsabilidades civis diretamente para Estado, por negligenciar o serviço judiciário não equipando adequadamente as comarcas com os respectivos magistrados, exacerbando-osde trabalho, além do mais tornando o serviço jurisdicional lento. Quando se comprova a inocência do magistrado, por não ter marcado a tempo hábil as audiências, prejudicando determinado procedimentos, tendo com prejuízo prescricional para o querelante, visto que estava imbuído de imensuráveis atribuições,o exacerbo de trabalhos é tido como justa causa, eximindo o juiz de culpabilidade, conquanto esses dados são previstos no Código de Processo Civil, no artigo 121, inciso II (JÚNIOR,1969, p. 97). O questionamento do Ministro Aliomar Baleeiro, sublinhado o Estado pelo não provimentos de quantitativos magistrais para as comarcas, causando transtorno para os meritíssimos quando se deparam com inúmeras situações que não dando conta da labuta, deixa a desejar, prejudicando as partes envolvidas nos processos, ademais, não se tem outros que provenham a funcionalidade jurisdicional dos processos. Para os casos prescricionais em que os prazos forem decorrentes de falhas do sistema judicial e não do juiz, por conta de demanda, atua a Comissão Disciplinar para averiguar e apaziguar osanimus, tomando como resolução a extensão dos prazos para não deixar as partes envolvidas prejudicadas. No entanto, todos os atos nessa situação são tomados em regime de exceção. Tomando como escopo as retrogradas jurisprudência que se responsabiliza o Estado por falhas no sistema jurisdicional, vê-se a responsabilidade pelas omissões e pelas negligências, baseando-se no texto do RF 220/105, por justa consciência de dever diante das necessidades dos cidadãos que mantem o sistema por via dos impostos e das taxas judiciárias específicas (JÚNIOR,1969, p. 98). O Estado se torna o réu por ser o único com poderes de gerir, por ser gerador único da lastimável situação, se torna, portanto o único responsável, mesmo o juiz sendo isento de culpa; contudo tem-se a certeza de omissão estatal. Mesmo que os juízes tenham culpa ou não o Estado responde, saindo da dimensão civil para os parâmetros administrativos, porquanto não se respalda na negligência do magistrado, ou na pouca propensão estatal, entretanto o que se vela são as prerrogativas apontadas pelas partes lesionadas em processos (JÚNIOR,1969, p. 98). Quando se comprova que o magistrado usou todos os meios para atender todas as solicitações e arcar com os encargos processuais, mas estava imbuído de afazeres, dos quais não conseguiu se libertar, resultando em falhas, aponta-se, nesses casos para a equiparaçãoaos atributos de excludente de culpabilidade que é a de força maior.Se a ação do prejuízo tivesse sido uma postura negativa do juiz em hipótese, a ação seria a causadora, mas não sendo culpa do agente, mas da falta de magistrado que prestem serviços a contento, classificar-se-á o prejuízo por meio da omissão estatal pela falta de gerenciamento pessoal de um quantitativo adequado que atenda toda a demanda. Responsabiliza-se não só o juiz, mas também os órgãos dos três poderes por deixar o cidadão contribuinte a mercê da sorte, além mais mesmo depois de já ter expedido os proventos para custear as taxas judiciárias, bem como as custas dos selos dos autos, e não obter serviço satisfatório(JÚNIOR,1969, p. 99). De fato, o Estado outrora já sofreu sanções por atos cometidos por terceiros, conclama as disposições do acórdão RF 220/105-106. De outra deixa, o Ministro Adalício Nogueira, acunhou a culpa ao Estado por morosidade, ou sejademora processual, calçando-se na teoria da culpa administrativa, sentenciando-o por danos, haja vista o poder judiciário existe para servir os cidadãos residentes nessa Pátria, o que se menciona entre as jurisprudência são as disposições das ações do corpo judiciário que deve estar apostos para todas situações, bem como as eventualidades(JÚNIOR,1969, p. 99). Se o Estado não providencia o sistema judiciário funcione a contento, e ocorra que seja sobrecarregado algum magistrado, eximindo-se de culpa por estar exacerbado de tarefas, por esse motivo, penaliza-se o Estado por não prover quantitativamente seus agentes em suas devidas comarcas. O que se sublinha é a falha no serviço público, e não somente do agente público (JÚNIOR,1969, p. 99). Existe uma diferenciação entre a culpa administrativa e a culpa civil; a referência do RF 220/107-108, acena que a culpa administrativa se apresenta em destaque por causa do mau funcionamento do serviço judiciário. Como parâmetro para assertiva supracitado argumenta Júnior, ao descrever que: “O mau funcionamento da justiça pode resultar da culpa de seu agente, determinado e individualizado, ou da culpa anônima, simples falta do serviço. O acúmulo do trabalho, cujo ingresso não pode ser controlado, a insuperável falta de Juízes e servidores, em virtude da morosidade própria da burocracia, que é lenta desde o processo de seleção do pessoal, com a falta de recursos suficientes são fatores determinantes do funcionamento anormal, sem que se possa precisar aquele a quem se deve imputar a falta. Para o lesado, basta demonstrar a falha do serviço, o dano e o nexo causa” (JÚNIOR, 1993, p.70). A responsabilidade civil do Estado está esboçada na omissão de determinadas situações judiciais em que o magistrado não agiu prontamente, como no caso do agravo da Quinta Câmara do TJSP, quando por ocasião de procedimento de agravo nº 158.907, na ocasião o magistrado de 1ª instância protelou a execução de um Habeas Corpus em detrimento a ordem contrária do Tribuna de Justiça (JÚNIOR,1969, p. 99). 5. Considerações finais A jurisprudência lança para o Estado responsabilidade civil, quando se depara com casos em que ocorrem erros, equívocos, bem como morosidades dos magistrados. As críticas são direcionadas as posições dos erros e da demora para finalizar os processos, enquadrando-se nas negligências e maculando o sistema judiciário. Conquanto, os atos dos magistrados fazem parte prioritariamente de toda conseqüência que ocorra no sistema judiciário, entretanto todas as decisões dos juízes são pautadas por um conjunto que se apresenta como amparo, suporte que lhes dão segurança para tomar as decisões acertadas. O acórdão do JTSP em RDA 53/183 de 26 de agosto de 1957, aufere correções e auditorias para fóruns que venham a ser apontados por danos negligenciais comprovados, o Tribunal de Justiça de São Paulo lança-lhes responsabilizações aos juízes por erro e morosidade, eximindo o Estado.O excesso de trabalho acarreta os juízes de forma que em alguns casos, poderão não atender a contendo, vindo a prejudicar uma das partes de processos. Nesses casos os Tribunais nos os culpa. Segundo a jurisprudência RDA 90/140, tomando como exemplo determinados litígios a respeito de compra e venda de imóveis atrelados a inventários, vê-se que os compradores precisam acautelar-se para não incorrem em futuras ações de nulidade contratuais por herdeiros, não foi encontrado culpabilidade e responsabilidade direcionadas aos magistrados e nem ao Estado. Como se observa no Código de Processo Civil, mas especificamente no artigo 121, no qual responsabiliza pessoalmente os magistrados quanto aos erros pessoais provenientes de suas decisões judiciais, sendo ainda respaldado no  acórdão de 9 de dezembro de 1958 sobre irresponsabilidade do Estado por atos judiciais, do STF, RDA 59/335, proferido pelo Ministro Relator Vilas-Boas, sobre o princípio da irresponsabilidade, no entanto atenta para que se entenda que os magistrados não vão desempenhar com êxito suas funções sobre pressão, temendo lançar sobre si e sobre o Estado responsabilidade civil por causa de erro. Respaldando-se na posição do acórdão do STF em RDA 59/336, de certo sabe-se que o Estado em determinadas situações não se responsabilizará por erros dos juízes, a partir dos atos sentenciais, quando comprovadas as intencionalidades deturpadas dos magistrados. Fundamentando-se no acórdão do tribunal do Estado do Rio, na Revista Trimestral de Jurisprudência 10/64, fica bem descrito o encargo do magistrado, quando de posse de sua comarca, sendo representante do Estado, arca com a responsabilidade de nortear perfeitamente as provas, velar pelo lapso temporal, para que não excede, coibir os abusos, por fim agir com reta intenção para descobrir a verdade, sendo imparcial. Em sintonia ao acórdão de 21 de junho de 1966 do STF em RF 220/105, descreve-se três dimensões que dissertam sobre a responsabilidade Civil do Estado, as partes envolvidas por provocar erros, carências na máquina judiciária e a demora para encerrar os processos. Ocorrem acusações a determinados magistrados acerca de morosidades processuais e percas de prazos, prescrevendo-os, levando o querelante a prejuízos. O querelante terá que unir-se ao seu defensor para se precaver contra atitude de desleixo de funcionários do judiciário, bem como de magistrados relapsos, visto que, corre-se o risco de perder prescrições por causa de morosidade, se bem que poderá acionar Instâncias Superiores para indenizações e revisões de prazos, nesses casos o Estado assumirá as responsabilidades, averiguando posteriormente ações daquela determinada comarca. A responsabilidade civil é atribuída ao Estado quando em algumas comarcas o magistrado é sobrecarregado por tarefas, devido à falta de juízes substitutos, eximindo-se de culpabilidade, por ser considerado justa causa. No relato do Ministro Aliomar Baleeiro encontra-se responsabilidade civil para o Estado, de modo singular nas situações em que aparecem juízes sobrecarregados de trabalhos, tomando conta de duas ou mais comarcas, nas quais não se apresentam magistrados substitutos, nesses casos em que as partes são prejudicadas por prescreverem prazos devido à demora dos juízes em marcarem as audiências, nessas situações são tomadas resoluções pela Comissão Disciplinar em regime de exceção estendendo o prazo. Mesmo que os juízes não tenham culpa e, por conseguinte o Estado, a culpabilidade não se respalda somente na negligência do magistrado e do Estado, mas o que se protege são os direitos dos cidadãos lesionados devido à pouca ou nenhuma assistência. Mesmo os magistrados usando todos os recursos ao alcance para atender as demandas dos cidadãos que procuram o poder judiciários para resolver litígios, não conseguiram atingirem o 100%, cometendo falhas; destarte não só os juízes serão responsabilizados civil e administrativamente, mas também por extensão os órgãos dos três poderes que deixam o cidadão a mercê da sorte. É sabido que o Estado já sofreu ações por negligências em âmbito judiciário, recorda o acórdão RF 220/106. Ainda reforça a discrição as assertivas do Ministro Adalício Nogueira, no qual acunha a culpa de morosidade do Estado e dos seus agentes, calcando-lhes a teoria da culpa administrativa, sentenciando-os por danos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/jurisprudencia-sobre-a-responsabilidade-civil-do-estado/
Jurisprudência sobre a responsabilidade civil do estado
Apresenta-se como mazela para o Estado, fazendo que responda civil e administrativamente, o número insuficiente de magistrados em determinadas comarcas, bem como os equívocos processuais que se acometem, sendo concomitantemente levados a instâncias superiorese, por conseguinte, a demora no andamento de processos judiciais, dos quais florescem ervas daninhas que prejudicam o avanço das ações jurisdicionais. Aponta-se críticas ao estado e ao poder judiciário, incumbindo-lhes de reponsabilidade civil. Ademais, o código de processo civil irroga ao juiz responsabilidade por erros pessoais. Também são outorgados aos magistrados posicionamentos para um nivelado andejar da engrenagem judiciária. Esta pesquisa aborda o posicionamento da jurisprudência sobre a Responsabilidade Civil do Estado. O tema encontra-se inserido no campo de direito administrativo, nos acórdãos, bem como, no Código de Processo Civil. Para a realização deste artigo, foi utilizado o método dedutivo, analisando-se os entendimentos dos Tribunais, dando prioridade ao Superior Tribunal de Federal, os Textos de Lei e as Doutrinas referentes a este assunto.  A técnica de pesquisa foi bibliográfica, com base na doutrina e na legislação e na jurisprudência.  O trabalho foi estruturado em três capítulos: o primeiro trata sobre os indicadores da jurisprudência que revelam a obnubilação do Estado e dos Magistrados: apontando-lhes a responsabilidade civil; o segundo aborda sobre as atribuições dos magistrados: negligências e as excludentes de culpabilidade; por fim, as consequências das prevaricações funcionais e da acanhada responsabilidade do Estado. Após a abordagem dos temas necessários, pode-se concluir que não se buscar responsáveis pela satisfação em apontar o causador da problemática, mas sim, buscar a natureza da falha por vias da pesquisa científica, direcionando o leme para que o barco seja velejado de maneira correta a contento de todos, busca-se mostrar que mesmo que os Juízes não tenham culpa e por conseguinte o Estado, a culpabilidade não se respalda somente na negligência, mas o que se protege são os direitos dos cidadãos lesionados devido à assistência precária do Estado.
Direito Administrativo
1. Introdução Destaca-se três peças que alardeiam os encalços que infringem o Estado, quando se trata da ceara judiciária; a saber, o número insuficiente de magistrados que atuam nas comarcas, os equívocos que solavancam os fóruns e as morosidades em finalizar os processos judiciais, entretanto não encerra nesta discrição o rol de entraves (JÚNIOR,1969, p. 94). As críticas que evocam a responsabilidade civil do Estado são por causa dos erros, pela demora nos desfechos judiciais, as negligências que maculam o aparelho judiciário dos magistrados. O acórdão do JTSP em RDA 53/183, menciona as auditorias realizadas pelas instâncias superiores a fim de averiguar possíveis falhas na engrenagem judiciária, dando atenção especial aqueles casos em que os juízes estão sobrecarregados, eximindo-os de culpas quando encontrados nessas situações (JÚNIOR,1969, p. 95). O Código de Processo Civil, no artigo 121, lança a responsabilidade por erros aos juízes, bem como no acórdão de 9 de dezembro de 1958 sobre irresponsabilidade do Estado por atos judiciais, do STF, RDA 59/335, no qual profere o Ministro Relator Vilas-Boas, não auferindo ao Estado culpa por se tratar de responsabilidade pessoal do magistrado, no entanto as falhas deverão ser comprovadas. Ainda se percebe no acórdão do tribunal do Estado do Rio, na Revista Trimestral de Jurisprudência 10/64, discrição acerca dos encargos dos juízes, dos quais destacam-se a imparcialidade, o dever de nortear as provas, zelar pela economia temporal, coibir os abusos, por fim o dever de se conduzir pela reta intenção buscando a veracidade dos fatos (JÚNIOR,1969, p. 96). Alicerçando-se no ao acórdão de 21 de junho de 1966 do STF em RF 220/105, vê-se alguns infortúnios que lançam para o Estado e seus agentes a responsabilidades civil e administrativa, dentre eles, apresentam-se os mais visados, falta de juízes substitutos, sobrecarga de alguns magistrados, morosidades jurisprudenciais, além do mais, desleixos dos serventuários judiciais (JÚNIOR,1969, p. 97). Ampara-se na discrição do Ministro Aliomar Baleeiro, quando na ocasião tratou da responsabilidade civil do Estado, aponta para falhas na engrenagem judiciária, a despeito dos magistrados maus assistidos, por conseguinte, prejudicando as partes nos processos judiciais; destarte, diante nessas conjuntura, atua a Comissão Disciplinar, por vezes em regime de exceção para aplacar o cenário obtuso; espera-se resguardar os direitos dos cidadãos contribuintes que necessitam do amparo e assistência judicial (JÚNIOR,1969, p. 98). 2. Indicadores da jurisprudência que revelam a obnubilação do estado e dos magistrados: apontando-lhes a responsabilidade civil A jurisprudência atribui ao Estado responsabilidade quando surgem situações com dimensões de liberalidade, ademais àquelas que são concernentes aos atos do judiciário em âmbito administrativo, diga-se de passagem, quando depara-se com casos, assuntos relativos a curatela e tutela, bem como propriedades que pertencem por herança a muitos donos, ou seja, diante dos espólios o Estado na pessoa do juiz toma posições decisórias, a fim de sanar os litígios. No entanto, não exaure as verrugas das incompreensões e das críticas, as quais obriga o juiz a tomar atitudes como se estivesse agindo sobre pressão.  (JÚNIOR,1969, p. 94). Haja vista muitas vezes alvejadas por críticas ferrenhas sobre dois prismas que se arrastam com o tempo nas sombras dos trabalhos no judiciário, que são os erros, os quais pode-se classificá-los como equívocos, além do mais, apresenta-se a morosidade para se tomar as decisões sentenciais, primordialmente àquelas que versam sobre dolo e culpa, atingindo as dimensões áureas da negligência, da imperícia e da imprudência, bem como nos emaranhados que deles se exalam(JÚNIOR,1969, p. 95). Pensa-se que alumas vezes sobre os atos dos juízes, porquanto os nobres meritíssimos lançam sobre os cidadãos suas decisões respaldados nos textos de lei, bem como na doutrina e nas jurisprudências, via de regra sempre fundamentados nos fatos, nos inumeráveis documentos probatórios e  nas periciais, resguardando-se de que lhes assaltem injustiças, além do mais, são impulsionados por livres decisões, partindo do sóbrio convencimento; contudo, surgem aquelas disposições que são os atos jurisdicionais dos meritíssimos, ou seja, jurisdição voluntária, dos quais os atos materiais do judiciário são atribuições administrativas do magistrado (JÚNIOR,1969, p. 95). Em se tratando de feitos jurisdicionais, apoia-se no acórdão do JTSP em RDA 53/183 de 26. 8. 1957, o qual mostra que por comprovada perdas por causa de morosidade judicial, ou ainda se verificada a intencionalidade do magistrado em se posicionar em um determinado caso erroneamente,o Tribunal de Justiça de São Paulo se posicionou direcionando a responsabilidade do erro ou da demora ao juiz, e não ao Estado, atribuindo ao meritíssimo a respectiva culpa, aplicando a medida correcional, eximindo o Estado de responsabilidade, quanto a demora do judiciário em agilizar os processos, Delgado se posiciona dizendo que: “Há, não resta dúvida, discrepância doutrinária sobre o assunto. Não parece, porém, segundo penso, que o tema esteja a exigir excesso de prudência. Existem, no atual sistema positivo brasileiro, condições de imperar, sem nenhum ataque ao direito, o princípio de que deve o Estado responder civilmente pela demora na prestação jurisdicional, desde que fique demonstrada a ocorrência de lesão ao particular” (DELGADO, 2007, p.264). 3. As atribuições dos magistrados: negligências e as excludentes de culpa Os magistrados são acometidos por ativismo, as demandas processuais dos meritíssimos são estafantes, nesses casos os juízes não são sancionados por desleixo, os Tribunais são benevolentes e compreensivos, entendendo que em determinados casos os infortúnios se dão por conta de falhas do aparelho judiciário (JÚNIOR,1969, p. 95). Em alguns litígios de compra e venda, especificamente nos inventários, a jurisprudência em RDA 90/140, mostra que se atribuir aos juízes determinados erros de vendas de imóveis de cujo patrimônio estejam atrelados a herdeiros, vindo posteriormente apresenta erro documental, nessas situações, entende-se que os compradores é que devem ter cautelas nas compras de imóveis atrelados a demandas de herança para se evitar futuras evocações, bem como, as ações de nulidade e devoluções imobiliárias. Conquanto, é notório que em alguns desses casos supracitados, há fórum que incorre em morosidade, destarte, nessas situações, arcar-se-á com responsabilidade por falta de serviço, de maneira particularizada, nos feitos em que se atribua a demora de decisão judicial (JÚNIOR,1969, p. 95).  O código processual civil, disciplina no artigo 121, atribuindo ao magistrado nos casos que couber a responsabilidade pessoal, visto que, se não estivesse disciplinado no código processual civil, nas situações de erro no judiciário, o código de processo penal no artigo 630 difere regimentos, baseando-se no acórdão de 9 de dezembro de 1958 sobre irresponsabilidade do Estado por atos judiciais (JÚNIOR,1969, p. 96).   Em se tratando de responsabilidade pessoal do juiz em responder sobre determinados feitos, tomando como respaldo jurisprudenciais o acórdão do STF de 9.12.1958, RDA 59/335, proferido pelo Ministro Relator Vilas-Boas-sobre, acerca do princípio da irresponsabilidade, vê-se em pauta a liberdade do magistrado, porquanto não poderá desempenhar suas função temendo responder sobre erro ou ter que atribuir ao Estado responsabilidade, visto que recaí sobre si a responsabilidade estatual (JÚNIOR,1969, p. 96). Destarte, o Estado se responsabilizará por erros que venham acometer os magistrados em desempenhos de suas funções jurisdicionais, acena a posição do acórdão do STF em RDA 59/336, em vista de que são seus representantes diretos, no entanto terão que apresentar dados comprobatórios, quanto ao dolo, visto que sefaz necessário pertinentemente, que se mostrem sobre quais aspectos que os levaram a agir intencionalmente. Haverá indenização se porventura já se tenha sentença transitado em julgado, em detrimento as repetidas intervenções das partes contrárias para esclarecer o equívoco do prelado (JÚNIOR,1969, p. 96). Tomando como visão o horizonte dado pela discrição do acórdão do tribunal do Estado do Rio, em Revista Trimestral de Jurisprudência 10/64, vê-se o papel do magistrado, bem como seus atributos, bem discriminados, destarte, tem com encargo todos as labutas de sua Comarca; sobre o meritíssimo recai a responsabilidade do Estado, que sendo seu representante direto o exerce com a força e com o poder estatal, orientado e norteando as provas, velando sobre a economia temporal, coibindo os abusos que venham surgir, com a reta intenção de descobrir a verdade, sendo imparcial, no entanto ativo e dinâmico, corrobora o doutrinador quando diz que: “Cabe substancialmente ao magistrado identificar a periculosidade daatividade, mediante análise tópica. Não se trata de simples “decisionismo” judicial, em que cada juiz possa desenvolver um critério próprio. Ao contrário, além da análise tópica, não se pode jamais olvidar que o Direito configura um sistema, embora aberto e móvel. Assim, o magistrado deve ser sensível às noções correntes na comunidade, sobre o que se entende por periculosidade, bem como deve estar atento a entendimentos jurisprudenciais consolidados ou tendenciais” (NETO, 2003, p.32-33). A morosidade dos atos jurisprudenciais são analisados pelo acórdão de 21 de junho de 1966, STF, quando trata sobre a responsabilidade do Estado em decorrência de ato judicial moroso.Todos os questionamentos com relação a responsabilidade civil do Estado tomando como base a jurisprudência, vê-se que os parâmetros das interrogações sobre as responsabilidades permeiam em torno de três focos, ou seja, olha-se para as partes envolvidas no processo, para a máquina judiciária, além do mais para a morosidade, bem como para as atitudes dos magistrados. O Supremo no acórdão de 21 de junho de 1966 do STF em RF 220/105, bate o martelo para corroborar sobre o consenso de que existem casos em que há culpabilidade para o Estado, mesmo dispondo de Soberania, não se eximindo do fato de que poderá acometer-se em equívocos que o leve a responsabilizar-se civilmente quando incorrer em culpa(JÚNIOR,1969, p. 97). 4. Consequências das prevaricações funcionais e da acanhada responsabilidade do estado Ademais, ocorrem os casos em que os magistrados são assolados de acusações quanto a falta de atenção nos prazos de queixa-crime e deixam prescrever, de forma que a parte querelante se sente lesionada, nessa situação aciona-se uma instância superior para averiguar o ocorrido (JÚNIOR,1969, p. 97). As atribuições advocatícias do querelante terãoque apresenta resistência, além do mais ser perspicaz e persistente, diante de esferas em que os funcionários da justiça se mostrarem lentos e o juiz não se ater em marcar as audiências para que ajam em tempo hábil, e não se esvaiam os prazos e demandem em prescrições os processos. Nesses casos se vê claramente negligência por não cumprir as responsabilidades e prover resoluções jurisdicionais aos casos pautados para a justiça, tendo em vista perdas com despesas feitas, bem como honorários e as custas processuais, direciona-se para o Estado a culpabilidade por seus representantes não cumpriremcom suas responsabilidades e provenha a devida indenização, visto que o magistrado carrega sobre si a responsabilidade estatal jurisdicional. Ademais, para que o magistrado tenha culpa ou dolo por eventual prescrição que ocorra em sua comarca, os Tribunais averígua a quantidade de trabalhos que o cerca, bem como se está assistindo mais de uma comarca, de modo que se positivado esta hipótese, lança-se dados argumentativos em sua defesa, equiparando drástico fato à força maior, visto está assolado por labutas estafantes (JÚNIOR,1969, p. 97). Tendo em vista a gama argumentativa supracitada, vê-se que desembocará as atribuições de responsabilidades civis diretamente para Estado, por negligenciar o serviço judiciário não equipando adequadamente as comarcas com os respectivos magistrados, exacerbando-osde trabalho, além do mais tornando o serviço jurisdicional lento. Quando se comprova a inocência do magistrado, por não ter marcado a tempo hábil as audiências, prejudicando determinado procedimentos, tendo com prejuízo prescricional para o querelante, visto que estava imbuído de imensuráveis atribuições,o exacerbo de trabalhos é tido como justa causa, eximindo o juiz de culpabilidade, conquanto esses dados são previstos no Código de Processo Civil, no artigo 121, inciso II (JÚNIOR,1969, p. 97). O questionamento do Ministro Aliomar Baleeiro, sublinhado o Estado pelo não provimentos de quantitativos magistrais para as comarcas, causando transtorno para os meritíssimos quando se deparam com inúmeras situações que não dando conta da labuta, deixa a desejar, prejudicando as partes envolvidas nos processos, ademais, não se tem outros que provenham a funcionalidade jurisdicional dos processos. Para os casos prescricionais em que os prazos forem decorrentes de falhas do sistema judicial e não do juiz, por conta de demanda, atua a Comissão Disciplinar para averiguar e apaziguar osanimus, tomando como resolução a extensão dos prazos para não deixar as partes envolvidas prejudicadas. No entanto, todos os atos nessa situação são tomados em regime de exceção. Tomando como escopo as retrogradas jurisprudência que se responsabiliza o Estado por falhas no sistema jurisdicional, vê-se a responsabilidade pelas omissões e pelas negligências, baseando-se no texto do RF 220/105, por justa consciência de dever diante das necessidades dos cidadãos que mantem o sistema por via dos impostos e das taxas judiciárias específicas (JÚNIOR,1969, p. 98). O Estado se torna o réu por ser o único com poderes de gerir, por ser gerador único da lastimável situação, se torna, portanto o único responsável, mesmo o juiz sendo isento de culpa; contudo tem-se a certeza de omissão estatal. Mesmo que os juízes tenham culpa ou não o Estado responde, saindo da dimensão civil para os parâmetros administrativos, porquanto não se respalda na negligência do magistrado, ou na pouca propensão estatal, entretanto o que se vela são as prerrogativas apontadas pelas partes lesionadas em processos (JÚNIOR,1969, p. 98). Quando se comprova que o magistrado usou todos os meios para atender todas as solicitações e arcar com os encargos processuais, mas estava imbuído de afazeres, dos quais não conseguiu se libertar, resultando em falhas, aponta-se, nesses casos para a equiparaçãoaos atributos de excludente de culpabilidade que é a de força maior.Se a ação do prejuízo tivesse sido uma postura negativa do juiz em hipótese, a ação seria a causadora, mas não sendo culpa do agente, mas da falta de magistrado que prestem serviços a contento, classificar-se-á o prejuízo por meio da omissão estatal pela falta de gerenciamento pessoal de um quantitativo adequado que atenda toda a demanda. Responsabiliza-se não só o juiz, mas também os órgãos dos três poderes por deixar o cidadão contribuinte a mercê da sorte, além mais mesmo depois de já ter expedido os proventos para custear as taxas judiciárias, bem como as custas dos selos dos autos, e não obter serviço satisfatório(JÚNIOR,1969, p. 99). De fato, o Estado outrora já sofreu sanções por atos cometidos por terceiros, conclama as disposições do acórdão RF 220/105-106. De outra deixa, o Ministro Adalício Nogueira, acunhou a culpa ao Estado por morosidade, ou sejademora processual, calçando-se na teoria da culpa administrativa, sentenciando-o por danos, haja vista o poder judiciário existe para servir os cidadãos residentes nessa Pátria, o que se menciona entre as jurisprudência são as disposições das ações do corpo judiciário que deve estar apostos para todas situações, bem como as eventualidades(JÚNIOR,1969, p. 99). Se o Estado não providencia o sistema judiciário funcione a contento, e ocorra que seja sobrecarregado algum magistrado, eximindo-se de culpa por estar exacerbado de tarefas, por esse motivo, penaliza-se o Estado por não prover quantitativamente seus agentes em suas devidas comarcas. O que se sublinha é a falha no serviço público, e não somente do agente público (JÚNIOR,1969, p. 99). Existe uma diferenciação entre a culpa administrativa e a culpa civil; a referência do RF 220/107-108, acena que a culpa administrativa se apresenta em destaque por causa do mau funcionamento do serviço judiciário. Como parâmetro para assertiva supracitado argumenta Júnior, ao descrever que: “O mau funcionamento da justiça pode resultar da culpa de seu agente, determinado e individualizado, ou da culpa anônima, simples falta do serviço. O acúmulo do trabalho, cujo ingresso não pode ser controlado, a insuperável falta de Juízes e servidores, em virtude da morosidade própria da burocracia, que é lenta desde o processo de seleção do pessoal, com a falta de recursos suficientes são fatores determinantes do funcionamento anormal, sem que se possa precisar aquele a quem se deve imputar a falta. Para o lesado, basta demonstrar a falha do serviço, o dano e o nexo causa” (JÚNIOR, 1993, p.70). A responsabilidade civil do Estado está esboçada na omissão de determinadas situações judiciais em que o magistrado não agiu prontamente, como no caso do agravo da Quinta Câmara do TJSP, quando por ocasião de procedimento de agravo nº 158.907, na ocasião o magistrado de 1ª instância protelou a execução de um Habeas Corpus em detrimento a ordem contrária do Tribuna de Justiça (JÚNIOR,1969, p. 99). 5. Considerações finais A jurisprudência lança para o Estado responsabilidade civil, quando se depara com casos em que ocorrem erros, equívocos, bem como morosidades dos magistrados. As críticas são direcionadas as posições dos erros e da demora para finalizar os processos, enquadrando-se nas negligências e maculando o sistema judiciário. Conquanto, os atos dos magistrados fazem parte prioritariamente de toda conseqüência que ocorra no sistema judiciário, entretanto todas as decisões dos juízes são pautadas por um conjunto que se apresenta como amparo, suporte que lhes dão segurança para tomar as decisões acertadas. O acórdão do JTSP em RDA 53/183 de 26 de agosto de 1957, aufere correções e auditorias para fóruns que venham a ser apontados por danos negligenciais comprovados, o Tribunal de Justiça de São Paulo lança-lhes responsabilizações aos juízes por erro e morosidade, eximindo o Estado.O excesso de trabalho acarreta os juízes de forma que em alguns casos, poderão não atender a contendo, vindo a prejudicar uma das partes de processos. Nesses casos os Tribunais nos os culpa. Segundo a jurisprudência RDA 90/140, tomando como exemplo determinados litígios a respeito de compra e venda de imóveis atrelados a inventários, vê-se que os compradores precisam acautelar-se para não incorrem em futuras ações de nulidade contratuais por herdeiros, não foi encontrado culpabilidade e responsabilidade direcionadas aos magistrados e nem ao Estado. Como se observa no Código de Processo Civil, mas especificamente no artigo 121, no qual responsabiliza pessoalmente os magistrados quanto aos erros pessoais provenientes de suas decisões judiciais, sendo ainda respaldado no  acórdão de 9 de dezembro de 1958 sobre irresponsabilidade do Estado por atos judiciais, do STF, RDA 59/335, proferido pelo Ministro Relator Vilas-Boas, sobre o princípio da irresponsabilidade, no entanto atenta para que se entenda que os magistrados não vão desempenhar com êxito suas funções sobre pressão, temendo lançar sobre si e sobre o Estado responsabilidade civil por causa de erro. Respaldando-se na posição do acórdão do STF em RDA 59/336, de certo sabe-se que o Estado em determinadas situações não se responsabilizará por erros dos juízes, a partir dos atos sentenciais, quando comprovadas as intencionalidades deturpadas dos magistrados. Fundamentando-se no acórdão do tribunal do Estado do Rio, na Revista Trimestral de Jurisprudência 10/64, fica bem descrito o encargo do magistrado, quando de posse de sua comarca, sendo representante do Estado, arca com a responsabilidade de nortear perfeitamente as provas, velar pelo lapso temporal, para que não excede, coibir os abusos, por fim agir com reta intenção para descobrir a verdade, sendo imparcial. Em sintonia ao acórdão de 21 de junho de 1966 do STF em RF 220/105, descreve-se três dimensões que dissertam sobre a responsabilidade Civil do Estado, as partes envolvidas por provocar erros, carências na máquina judiciária e a demora para encerrar os processos. Ocorrem acusações a determinados magistrados acerca de morosidades processuais e percas de prazos, prescrevendo-os, levando o querelante a prejuízos. O querelante terá que unir-se ao seu defensor para se precaver contra atitude de desleixo de funcionários do judiciário, bem como de magistrados relapsos, visto que, corre-se o risco de perder prescrições por causa de morosidade, se bem que poderá acionar Instâncias Superiores para indenizações e revisões de prazos, nesses casos o Estado assumirá as responsabilidades, averiguando posteriormente ações daquela determinada comarca. A responsabilidade civil é atribuída ao Estado quando em algumas comarcas o magistrado é sobrecarregado por tarefas, devido à falta de juízes substitutos, eximindo-se de culpabilidade, por ser considerado justa causa. No relato do Ministro Aliomar Baleeiro encontra-se responsabilidade civil para o Estado, de modo singular nas situações em que aparecem juízes sobrecarregados de trabalhos, tomando conta de duas ou mais comarcas, nas quais não se apresentam magistrados substitutos, nesses casos em que as partes são prejudicadas por prescreverem prazos devido à demora dos juízes em marcarem as audiências, nessas situações são tomadas resoluções pela Comissão Disciplinar em regime de exceção estendendo o prazo. Mesmo que os juízes não tenham culpa e, por conseguinte o Estado, a culpabilidade não se respalda somente na negligência do magistrado e do Estado, mas o que se protege são os direitos dos cidadãos lesionados devido à pouca ou nenhuma assistência. Mesmo os magistrados usando todos os recursos ao alcance para atender as demandas dos cidadãos que procuram o poder judiciários para resolver litígios, não conseguiram atingirem o 100%, cometendo falhas; destarte não só os juízes serão responsabilizados civil e administrativamente, mas também por extensão os órgãos dos três poderes que deixam o cidadão a mercê da sorte. É sabido que o Estado já sofreu ações por negligências em âmbito judiciário, recorda o acórdão RF 220/106. Ainda reforça a discrição as assertivas do Ministro Adalício Nogueira, no qual acunha a culpa de morosidade do Estado e dos seus agentes, calcando-lhes a teoria da culpa administrativa, sentenciando-os por danos.
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Organizações Sociais: Inconstitucionalidades na Lei 9.637/1998
O presente trabalho tem por objetivo analisar dispositivos da Lei 9.637/1998 que estão em conflito com a Constituição Federal de 1998. Tal lei versa sobre organização social, a qual é uma entidade do terceiro setor que atua ao lado e em colaboração com o Estado na prestação de serviços de interesse público. O trabalho inicia-se com uma breve explanação sobre as entidades paraestatais, focando nas organizações sociais. Posteriormente, são analisados certos princípios constitucionais que estão em colisão com a Lei 9.637/1998. Por fim, os artigos inconstitucionais presentes na lei da organização social são estudados. O trabalho foi realizado, principalmente, sob a ótica de doutrinas renomadas, da atual Constituição Federal e da Lei 9.637/1998.
Direito Administrativo
Introdução A organização social foi criada com a ideia de auxiliar o Poder Público na prestação de serviços de interesses sociais, entretanto, o que se verifica na prática são inúmeras inconstitucionalidades na lei que rege tal entidade. Importante é o tema apresentado, pois a lei da organização social deve ser revista, a fim de assegurar tanto a supremacia do interesse público, quanto o respeito à Constituição Federal. Para atingir o objetivo do trabalho, este artigo foi dividido em dois capítulos, os quais contêm subcapítulos. No primeiro capítulo tem-se uma breve explanação sobre as entidades paraestatais, e, no subcapítulo seguinte, as organizações sociais, espécie de entidade paraestatal, são estudadas especificamente. Em seguida, o capítulo dois versa sobre as inconstitucionalidades na Lei 9.637/1998, para tanto, o subcapítulo subsequente trata sobre princípios constitucionais e reconhecidos pela doutrina nacional. Por fim, o último subcapítulo especifica os dispositivos na lei das organizações sociais que estão em confronto com a atual Constituição Federal. 1. Entidades paraestatais A Administração Pública se divide em administração direta e indireta; esta exerce atividades descentralizadas e é possuidora de entidades com personalidade jurídica própria, aquela exerce atividades centralizadas e é composta por órgãos desprovidos de personalidade jurídica. Ocorre que, órgãos e entidades da Administração Pública formal, por vezes, não conseguem atender de forma satisfatória a todas as demandas da sociedade. Neste viés encontram-se as entidades paraestatais, as quais são pessoas privadas, sem fins lucrativos e, ainda que não integrantes da Administração Pública direta ou indireta, auxiliam o governo na prestação de serviços de utilidade pública não exclusivos do Estado. À exemplo de atividades paraestatais, têm-se as organizações sociais (OS), organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP), serviços sociais autônomos. Di Pietro traz a seguinte conceituação (2009, p. 83): “Entidades paraestatais são pessoas privadas que colaboram com o Estado, desempenhando atividade não lucrativa e, às quais o Poder Público dispensa especial proteção, colocando a serviço delas, manifestações do seu poder de império, como o tributário, por exemplo.” As entidades paraestatais estão inclusas no chamado “terceiro setor”, que é caracterizado por entidades particulares que prestam serviços de interesse público, sem fins lucrativos. Leciona a professora Zockun (2009, p.186): “Terceiro Setor” é a nomenclatura dada às entidades que não fazem parte do setor estatal, isto é, não se vinculam direta ou indiretamente à Administração Pública, nem se dedicam às atividades empresariais, cuja finalidade não é lucrativa e cuja atuação é voltada para a consecução de objetivos sociais. Por vezes, algumas entidades do terceiro setor recebem incentivos do governo, e, quando isto acontece, recebem a denominação de entidades paraestatais. A atual Constituição Federal (CF/88) prevê a possibilidade de o Poder Público incentivar a atuação do particular na consecução do interesse público através de atividades de fomento. Por serem beneficiadas com recursos públicos, as entidades paraestatais terão regime de direito privado, contudo, estarão sujeitas a certas normas de direito público, submetendo-se ao controle estatal e do Tribunal de Contas. Através da concessão de títulos, o Poder Público permite que certa entidade privada goze de determinados atributos. Estes títulos conferem que a entidade beneficiada desfrute de benefícios econômicos e reconhecem o propósito social do particular. Quanto à concessão de títulos, alerta Modesto (2006, p.06): “A legislação básica na matéria, em especial no plano federal, é deficiente, lacônica, deixando uma enorme quantidade de temas sem cobertura legal e sob o comando da discrição de autoridades administrativas. Essa lacuna de cobertura facilitou a ocorrência de dois fenômenos conhecidos: (a) a proliferação de entidades inautênticas, quando não de fachada, vinculadas a interesses políticos menores, econômicos ou de grupos restritos, (b) o estímulo a processos de corrupção no setor público.” Ocorre que, artigos como o 113, §2°, 195, parágrafo único e 196, parágrafo único, todos do Código Tributário Nacional, fornecem diversas maneiras de fiscalização do particular, a fim de conferir sua conformidade com a legislação tributária, o que é um pressuposto para ser beneficiado com incentivos e qualificação de entidades paraestatais. Conclui-se que não é a falta de legislação que acarreta fraudes por parte das entidades paraestatais, mas sim a falta de fiscalização contínua e eficiente da Administração, concernente a manutenção do título que concede benefícios. Vale ressaltar que, pode o governo fomentar as atividades de entidades particulares, contudo, isto não significa que o governo poderá se desvincular de seus deveres constitucionais, ou seja, não pode o aparelho administrativo ser substituído pela atuação tão somente de particulares. 1.1 Organização social (os) A organização social não se origina com esta denominação. É uma entidade criada sob a forma de fundação privada ou associação que, posteriormente, habilita-se perante o Poder Público e recebe esta qualificação. Ou seja, organização social não é uma espécie de pessoa jurídica, mas tão somente qualificação dada discricionariamente pelo Poder Público a certas entidades privadas. Nos dizeres de Di Pietro (2009, p. 166): “Organização social é a qualificação jurídica dada a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, e que recebe a delegação do Poder Público, mediante contrato de gestão, para desempenhar serviço público de natureza social.” Como dito, a qualificação de organização social é de competência discricionária, e tal qualificação depende da aprovação do Ministério competente para supervisionar ou regular a área de atividade correspondente ao objeto social da entidade. Porém, o correto seria que o Poder Público agisse de forma vinculada quando solicitado. A respeito da competência discricionária, Rogério Leal da Costa alega que “aceita a facultatividade da qualificação por parte do Estado, criarmos uma séria possibilidade de arbitrariedade e favoritismos aos amigos do Poder” (DA COSTA, 2006, p. 176), Na esfera federal, a Lei 9.637/1998 rege a organização social, e em seu artigo 1° prevê a área de atuação das OS: “Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.” O artigo 2° da referida lei traz os requisitos para que o Poder Público possa qualificar os particulares como organização social; entre estes requisitos estão inclusas as imposições de que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado, e não tenha fins lucrativos. O conselho de administração, previsto no artigo 3º da Lei 9.637/1998, dispõe no inciso I, alínea “a”, que a entidade deverá ter de 20% a 40% de membros representantes do Poder Público. Conclui-se de tal redação que, praticamente só as entidades criadas após a edição da lei com o fim de receber esse título, ou entidades que se adaptaram alterando o seu estatuto incluindo membros do Poder Público, é que puderam alcançar o titulo de organização social. A habilitação da entidade privada como organização social se faz por meio de assinatura do contrato de gestão, previsto no artigo 5° da Lei 9.637/1998. Este instrumento é feito de comum acordo entre o governo e a entidade qualificada e nele estarão previstas as responsabilidades, atribuições e obrigações, tanto do Poder Público, quanto da entidade. A “Seção V” da Lei 9.637/1998 discorre sobre o fomento das atividades sociais, que ocorrerá principalmente através da destinação de recursos orçamentários, de bens públicos (os quais serão dispensados de licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão), e cessão especial de servidor público, cabendo ao órgão de origem arcar com a sua remuneração. A organização social, ao pactuar contratos que envolvam a aplicação de recursos ou bens repassados a ela pela União, deve realizar licitação nos moldes da Lei 8.666/1993, e, se tratando de bens e serviços comuns, deve realizar a modalidade pregão. Porém, quanto ao emprego de recursos públicos provenientes de outras esferas de governo, não é obrigatório que a OS siga a Lei 8.666, podendo, em regulamento próprio, estabelecer procedimentos. É o que diz o artigo 17 da Lei 9.637/1998: “Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público”. À luz do artigo 24, XXIV da Lei. 8666: “Art. 24. É dispensável a licitação: XXIV – para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.” Ou seja, a licitação será dispensável quando a Administração Pública contrata serviços que serão prestados por organização social, desde que estes serviços estejam previstos no contrato de gestão. Uma vez descumprida disposição do contrato de gestão, o artigo 16 da Lei 9.637/1998 diz que “O Poder Executivo poderá proceder à desqualificação da entidade como organização social, quando constatado o descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão”. A respeito da desqualificação, observa Carvalho Filho (2014, p. 334): “A despeito de a lei haver empregado a expressão “poderá proceder à desqualificação”, dando a impressão de que se trata de conduta facultativa, o certo é que, descumpridas as normas e cláusulas a que está submetida, a Administração exercerá atividade vinculada, devendo (e não podendo) desqualificar a entidade responsável pelo descumprimento.” A desqualificação se dá por meio de processo administrativo, observado o direito de ampla defesa. Quando confirmada a desqualificação, ocorrerá a reversão ao Poder Público dos bens e valores entregues à OS, não prejudicando demais sanções cabíveis. 2. Inconstitucionalidades na lei 9.637/1998 Com o objetivo de auxiliar o Poder Público na prestação de serviços de interesses sociais e utilidade pública, as organizações sociais foram idealizadas. Uma ideia que a principio seria nobre, na prática possibilita inúmeras situações condenáveis. Regidas pela Lei 9.637/1998, a lei das organizações sociais traz diversas inconstitucionalidades ao longo de seu texto. 2.1 Dos princìpios da administração pública Os princípios servem de parâmetro para a correta compreensão das regras, determinando o sentido e alcance destas. Eles correspondem a normas gerais, abstratas, consagram valores a serem atingidos, não fornecendo apenas uma solução, mas apresentando alternativas, exigindo, quando aplicado, que se escolha a melhor solução que se adequar ao caso concreto. Sobre os princípios no ordenamento jurídico, ensina Bandeira de Mello que eles são “o vetor direcional de todo um sistema de direito positivo, sustentáculo estrutural do ordenamento jurídico, pilar edificante que da harmonia e coerência à ordem jurídica de uma sociedade.” (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p.948) A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, caput, traz os seguintes princípios expressos norteadores da administração pública: “Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)” Sobre os princípios expressos na CF/88, no artigo 37, caput, um merece especial destaque: o princípio da moralidade, por se tratar de um norteador da conduta ideal do administrador público.  À respeito deste principio, discorre Carvalho Filho (2014, p.21/22): “O principio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.” Além dos princípios constitucionais expressos há outros princípios implícitos na CF/88 e reconhecidos pela doutrina. Dentre estes temos o princípio da supremacia do interesse público. O princípio da supremacia do interesse público reza que, há de prevalecer o interesse público quando este está em conflito com algum interesse privado. As atividades administrativas devem ser realizadas para o benefício da coletividade, e não para o interesse do administrador, ou de seus “apadrinhados”. Sobre o princípio da supremacia do interesse público, leciona Di Pietro (2009, p.33): “O princípio da supremacia do interesse público, além de vincular as atividades da Administração, também inspira o legislador no momento da elaboração das normas de direito público, as quais, embora protejam reflexamente o interesse individual (como as normas de segurança e saúde pública), têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo.” Por fim, o princípio da isonomia é o pilar de qualquer Estado Democrático de Direito, garantindo a todos igualdade de tratamento, na medida de suas desigualdades. O artigo 5º, caput, da CF/88 repassa essa ideia ao afirmar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”        Quanto a aplicação do princípio da isonomia no âmbito administrativo, leciona Bandeira de Mello (2009, p.483): “O princípio da isonomia da Administração não necessita para seu fundamento, da invocação de cânones de ordem moral. Juridicamente se estriba na convincente razão de que os bens manipulados pelos órgãos administrativos e os benefícios que os serviços públicos podem propiciar são bens de toda comunidade, embora por ela geridos, e benefícios a que todos igualmente fazem jus, uma vez que os Poderes Públicos, no Estado de Direito, são simples órgãos representantes de todos os cidadãos.” Dentre os reflexos de tal princípio, ele garante a todos os interessados o direito de competir nas licitações públicas, procurando igualar todos os interessados no processo licitatório. É o que diz a CF/88 em seu artigo 37, inciso XXI “(…) as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes”. Dada a importância dos princípios no ordenamento jurídico, conclui-se que, ao violá-los, se tem uma afronta mais grave ao sistema do que quando uma norma infraconstitucional é violada. E o que se vê na Lei 9.637/1998 é inúmeras afrontas aos princípios constitucionais. 2.2 Dispositivos inconstitucionais na lei 9.637/1998 O já citado artigo 24, XXIV da Lei 8.666/1993 previu no rol de dispensa de licitação, que esta será dispensável para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão. Ou seja, poderá o governo firmar contrato com uma OS, prescindindo de processo seletivo. Sobre esta dispensa de licitação com uma OS, ensina Bandeira de Mello (2009, p.238): “(…) não necessita demonstrar habilitação técnica ou econômico-financeira de qualquer espécie, bastando a concordância de dois ministros de Estado ou, conforme o caso, de um ministro e de um supervisor da área correspondente à atividade exercida pela entidade privada postulante do título qualificativo”. A lei 8.666/1993 em seu artigo 27 dispõe sobre uma série de requisitos que os interessados na licitação devam atender, entre estes requisitos têm-se, por exemplo, habilitação técnica, habilitação econômico-financeira. Mas quando o Poder Público firma contrato com uma OS baseado no contrato de gestão, não será exigido requisitos como comprovação de qualificação técnica, capital mínimo, para que a entidade receba bens públicos, capital, ou até servidores. Pelo fato de a lei ser genérica, abstrata e isonômica, a discricionariedade prevista no artigo 24, inciso XXIV é totalmente descabida e inconstitucional, ferindo o artigo 37, inciso XXI da CF/88 e violando os princípios da isonomia e moralidade, vez que os interessados não desfrutarão de iguais oportunidades. Esta desigualdade propicia favoritismo a certas entidades, em que apenas os interesses do administrador e da entidade privada serão atendidos, e não o da coletividade. É uma afronta aos preceitos éticos. E uma vez isto ocorrendo, o princípio da supremacia do interesse público também será afetado. Sob estes argumentos, de afronta aos princípios da isonomia, moralidade e supremacia do interesse público, eivado de inconstitucionalidade é o artigo 12, §3° da Lei 9.637/1998, que preconiza “§ 3o Os bens de que trata este artigo serão destinados às organizações sociais, dispensada licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.”. Ou seja, apenas por receberem a qualificação de organizações sociais, a elas poderão ser destinadas recursos orçamentários e bens públicos, sem o menor critério, favorecendo que a Administração Pública use de sua competência discricionária de maneira questionável. Outro problema da Lei 9.637/1998 é seu artigo 14, o qual dispõe que “É facultado ao Poder Executivo a cessão especial de servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem.” Ocorre que, os servidores ostentam essa qualificação por terem sido previamente aprovados em concurso público, conforme dispõe o artigo 37, inciso II da Constituição Federal. É descabida a imposição a um servidor para que trabalhe em uma entidade particular, e uma afronta aos vínculos de trabalho que possui. Neste caso, até o poder hierárquico será afetado, pois é totalmente incoerente que um servidor receba ordens ou eventuais sanções de um particular. Sobre os servidores, inconstitucional é também o artigo 22, inciso I da Lei 9.673/1998: “Art. 22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que trata esta Lei observarão os seguintes preceitos: I – os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor, irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14” Quando uma pessoa é extinta, extintos também serão os cargos desta pessoa. Extinto o cargo, o servidor será aproveitado em outro cargo, e não aproveitado em um emprego. É o que dispõe o artigo 43, §3° da Constituição Federal de 1998 “extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo”. Cargo e emprego possuem regimes jurídicos muito diferentes e não se confundem. Emprego é uma relação jurídica de natureza contratual entre empregador e empregado, regido por normas da CLT, enquanto que o ocupante de cargo possui vinculo com o Estado, através de estatuto próprio. Portanto, não faz sentido que um servidor, ocupante de cargo, seja obrigado a trabalhar para uma entidade privada, configurando uma afronta direta ao artigo 43, §3° da Constituição Federal. Ainda quanto à absorção, consta no artigo 21 da Lei 9.637/1998: “Art. 21. São extintos o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, integrante da estrutura do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e a Fundação Roquette Pinto, entidade vinculada à Presidência da República. § 1o Competirá ao Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado supervisionar o processo de inventário do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, a cargo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, cabendo-lhe realizá-lo para a Fundação Roquette Pinto. § 2o No curso do processo de inventário da Fundação Roquette Pinto e até a assinatura do contrato de gestão, a continuidade das atividades sociais ficará sob a supervisão da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. § 3o É o Poder Executivo autorizado a qualificar como organizações sociais, nos termos desta Lei, as pessoas jurídicas de direito privado indicadas no Anexo I, bem assim a permitir a absorção de atividades desempenhadas pelas entidades extintas por este artigo. § 4o Os processos judiciais em que a Fundação Roquette Pinto seja parte, ativa ou passivamente, serão transferidos para a União, na qualidade de sucessora, sendo representada pela Advocacia-Geral da União.” É estranho que a lei que instituiu a qualificação de organização social tenha tratado sobre a extinção de órgãos e pessoas governamentais. Mais “estranha” é a ideia de um particular absorver toda a estrutura de uma pessoa jurídica de direito público, usufruindo e gerenciando dinheiro público, bens públicos e servidores, sem ter passado previamente por um processo de seleção e sem haver a verificação de habilitação técnica para o satisfatório desempenho das atividades. Mais uma vez, uma afronta direta aos princípios da isonomia, moralidade e supremacia do interesse público. Outras inconstitucionalidades ainda podem ser encontradas na Lei 9.637/1998, como o artigo 17, o qual diz: “Art. 17. A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público”. Tal dispositivo autoriza que as compras feitas pelas organizações sociais não observem as normas de Lei 8.666/1993 (Lei de licitações), mas tão somente o regulamento próprio, o qual é criado pela própria entidade particular. Este regulamento conterá disposições acerca de contratação de obras e serviços e compras financiadas pelo governo. Por serem as organizações sociais beneficiadas por recursos públicos, bens públicos e servidores, razoável seria que atendessem aos mesmos princípios que a Administração Pública está submetida. Contudo, uma vez contempladas com um regime diferenciado, configurada está a violação dos princípios da isonomia e da moralidade. Por fim, outra inconstitucionalidade é verificada no artigo 22, inciso VI da Lei 9.637/1998, o qual afirma que “a organização social que tiver absorvido as atribuições das unidades extintas poderá adotar os símbolos designativos destes, seguidos da identificação "OS"”. A lei induz a uma possível confusão com os usuários de servidor das organizações sociais, por autorizar que símbolos públicos sejam usados por pessoas não integrantes da Administração Pública formal. Ou seja, pode o indivíduo, ao recorrer a estas entidades e ver um símbolo público, acreditar que o serviço esteja sendo prestado por uma entidade integrante do Poder Público, que seja uma prestação estatal, o que não é verdade. Portanto, mais uma vez, a Lei 9.637 viola o principio expresso da moralidade administrativa, porque permite que um cidadão seja ludibriado, que se desloque a uma entidade particular (OS) acreditando estar recebendo um serviço fornecido pelo Estado. Desta forma, verifica-se que vários dispositivos da Lei 9.637/1998 deveriam ser alvos de declaração de inconstitucionalidade perante o STF. Grande parte das disposições encontra-se em conflito com a Carta Magna, logo, não gozam de constitucionalidade. A lei das organizações sociais está permeada de “aberrações jurídicas”, e grande parte de seus artigos não deveriam ter aplicabilidade. Considerações finais Por todo o exposto, conclui-se que muitas são as inconstitucionalidades presentes na Lei 9.637/1998. Porém, mais que meras inconstitucionalidades, essas afrontas contidas na lei das organizações sociais propiciam a má utilização de dinheiro, bens públicos, má gestão de servidores, e favorecem a ocorrência de favoritismo por parte do Poder Público para com particulares. A idealização das organizações sociais pode ter sido nobre: particulares auxiliando o Estado na prestação de serviços de interesses sociais. Entretanto, a redação da lei 9.637/1998 permitiu que inúmeras situações condenáveis pudessem ocorrer na prática. A lei das organizações sociais merece ser revista, há diversos dispositivos passíveis de serem declarados inconstitucionais. A Constituição Federal é a norma suprema, merecedora de total resguardo, e uma afronta a ela é a mais grave violação jurídica.
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Rescisão unilateral do contrato administrativo e o princípio do devido processo legal
O presente trabalho tem por escopo analisar a cláusula exorbitante conferida a Administração Pública consistente na possibilidade de rescindir o contrato administrativo de forma unilateral. Para tanto, será observado à aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal e a consagração dos direitos e garantias individuais como forma de releitura da verticalidade da Administração Pública em face do administrado.
Direito Administrativo
Segundo a Lei Geral de Licitações e Contratos, a Administração Pública detém a prerrogativa de rescindir, unilateralmente, o contrato de prestação de serviço firmado com o particular. A possibilidade de extinguir o contrato prematuramente advém da posição de verticalidade da Poder Público e a superioridade sobre o particular, através da incidência das cláusulas exorbitantes. Contudo, para haver a rescisão unilateral do contrato pela Administração, mesmo com amparo no interesse público, deve-se obedecer ao postulado do contraditório e da ampla defesa, princípios corolários do devido processo legal. O contrato administrativo se distingue do contrato privado pela posição privilegiada que a Administração Pública assume na relação bilateral, do que resulta a possibilidade de previsão das chamadas cláusulas exorbitantes, entre as quais a faculdade de modificá-lo ou rescindi-lo unilateralmente, seja em atenção ao interesse público, seja em virtude do descumprimento das cláusulas contratuais pelo particular contratado, nos termos da Lei n. 8.666/93. Os artigos 78 e 79 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos autorizam a rescisão unilateral do contrato pelo não cumprimento de suas cláusulas, desde que precedida de processo administrativo, com a finalidade de assegurar o contraditório e a ampla defesa, conforme leitura do parágrafo único. “Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: […] Parágrafo único. Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa. Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser I – determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;” Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello: “A rescisão unilateral do contrato – pela Administração, como é evidente -, tal como a modificação unilateral, também, só pode ocorrer nos casos previstos em lei (cf. art. 58, II, c/c arts. 78 e 79 I) e deverá ser motivada e precedida de ampla defesa (art. 78, paragrafo único).” (MELLO, 2010, p. 629), Ao conceituar a garantia do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal, Nelson Nery Junior afirma que: “A garantia do contraditório compreende para o autor a possibilidade de poder deduzir ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência do conteúdo do processo e poder reagir, isto é, fazer-se ouvir. Para tanto é preciso dar as mesmas oportunidades para as partes e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer em juízo os seus direitos. A ampla defesa constitui fundamento lógico do contraditório.” (NERY JÚNIOR; NERY, 2012, p. 229). Já José Afonso da Silva define o devido processo legal como: “[…] o princípio do devido processo legal entra agora no direito constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta Inglesa: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso a justiça (art. 5º, XXXV), o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo – e “quando se fala em ‘processo’, e não em simples procedimento, alude-se, sem duvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais”. (SILVA, 2011, p. 156-157) É imperioso considerar que o devido processo significa que a rescisão devera ser precedida de um procedimento administrativo, garantindo que o administrado tenha amplo acesso e no qual possa deduzir sua defesa e produzir provas. Conforme dito alhures, os artigos 78 c/c 79 da Lei nº 8.666/93, garantem à Administração Pública a prerrogativa de rescisão unilateral dos contratos em casos de inexecução, desde que devidamente motivada pela autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contrato e desde que sejam observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. Este é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, senão vejamos: “EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – DIREITO ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRATO ADMINISTRATIVO – RESCISÃO UNILATERAL – NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO – INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – CONCESSÃO DA SEGURANÇA – SENTENÇA CONFIRMADA. 1. A rescisão unilateral de contrato pela administração, por interesse do serviço público, afigura-se possível e legítima, desde que precedida de procedimento regular, com oportunidade de defesa. 2. É de se reconhecer a ilegalidade do ato administrativo que rescinde unilateralmente contrato administrativo de prestação de serviços – válido e vigente – por meio de simples comunicação, sem lastro em prévio procedimento administrativo. 3. Sentença confirmada, em reexame necessário.” (TJMG – Reexame Necessário-Cv 1.0132.13.001785-9/001, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/08/2014, publicação da súmula em 13/08/2014). Nesse mesmo sentido, julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “RECURSOS ESPECIAIS. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FINANCEIROS E OUTRAS AVENÇAS. RESCISÃO DO CONTRATO POR INTERESSE PÚBLICO (ART. 78, INCISO XII, DA LEI N. 8.666/1993). DESNECESSIDADE DE PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. CELEBRAÇÃO DE NOVO CONTRATO COM OUTRA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. – Independente de prévio procedimento administrativo a rescisão unilateral do contrato pela administração pública, vinculada, especificamente, a “razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato” (art. 78, inciso XII, da Lei n. 8.666/1993). Recursos especiais providos para denegar a segurança.” (REsp 1223306/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, rel. P/ acórdão ministro Cesar Asfor Rocha, segunda turma, julgado em 08/11/2011, DJe 02/12/2011) Destarte, é notório que para operar a rescisão do contrato administrativo a Administração Pública deve observar os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois seu poder de autotutela não é absoluto e ilimitado, devendo respeitar direitos do administrado contratante, conforme leitura dos artigos. 5º, LV, da CF/88, e 78, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93. A rescisão do contrato administrativo, por envolver hipótese de exercício de competências estatais de cunho sancionatório, exige, obrigatoriamente, a estrita observância do devido processo administrativo. É imperioso assegurar ao particular o direito de defesa prévia, com ampla defesa e garantia do contraditório (JUSTEN FILHO, 2012, p. 987). Veja o julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO C/C INDENIZAÇÃO – CONTRATO ADMINISTRATIVO – RESCISÃO UNILATERAL PELA ADMINISTRAÇÃO – POSSIBILIDADE – ART. 78 DA LEI 8.666/93 – PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVA – AUSÊNCIA – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – INOBSERVÂNCIA – RESSARCIMENTO – DEVIDO – SENTENÇA CONFIRMADA. – É possível a rescisão unilateral de contrato administrativo pela Administração, desde que observados os princípios constitucionais da motivação, do contraditório e da ampla defesa, além das exigências dispostas no art. 78 da Lei 8.666/93, dentre as quais se inclui a prévia instauração de processo administrativo. – Deve ser mantida a sentença que condena a Administração a pagar ao autor a indenização decorrente dos prejuízos suportados em razão da rescisão unilateral do contrato, para a qual não concorreu”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS – Reexame Necessário-Cv 1.0024.11.004977-2/001, Relator(a): Des.(a) Luís Carlos Gambogi, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/08/2014, publicação da súmula em 04/09/2014). Importante enfatizar que a instauração do procedimento administrativo deverá ocorrer formalmente, inclusive com a definição dos fatos que se pretendem apreciar. Deve-dar oportunidade ao particular para produzir uma defesa prévia e especificar as provas de que disponha. Sobre o tema, comenta o jurista Marçal Justen Filho: “A instauração do procedimento administrativo deverá ocorrer formalmente, inclusive com a definição dos fatos que se pretendem apreciar. Deve-se dar oportunidade ao particular para produzir uma defesa prévia e especificar as provas de que disponha. Em seguimento, deverão produzir-se as provas, sempre com a participação do particular. Não se admite a realização de uma perícia sem que o particular possa indicar um representante e o vício não será suprido através de posterior comunicação ao interessado do conteúdo da perícia. Mas, muito pior do que isso, é a pura e simples rejeição da produção das provas. Após encerrada a instrução, deverá ser proferida decisão, da qual caberá recurso para a autoridade superior. Após exaurido o procedimento, será proferido o ato administrativo unilateral da rescisão” (JUSTEN FILHO, 2002, p. 551-553) Ademais, impende esclarecer que o princípio da motivação deve estar presente no ato administrativo, uma vez que tal formalidade é condição sine qua non para viabilizar o controle de legalidade e da juridicidade de todo e qualquer ato exarado no exercício da função administrativa. O ato de rescisão unilateral, previsto nos incisos do art. 78 da Lei n. 8.666/93, é estritamente vinculado a comprovação da presença de seus pressupostos. A Administração deverá motivá-lo e indicar o vinculo de nocividade entre a situação fática e a execução do contrato (JUSTEN FILHO, 2012, p. 990). No âmbito do Estado de Minas Gerais, de acordo com os artigos 1º e 2º da Lei n. 14.184/2002 (lei que estabelece normas gerais sobre o processo administrativo do Estado), nos procedimentos administrativos o Poder Público Estadual observará, entre outros requisitos de validade, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, finalidade, motivação, razoabilidade, eficiência, ampla defesa, do contraditório e da transparência. “Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Direta, das autarquias e das fundações do Estado, visando à proteção de direito das pessoas e ao atendimento do interesse público pela Administração. Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, finalidade, motivação, razoabilidade, eficiência, ampla defesa, do contraditório e da transparência.” Logo, para atendimento dos princípios previstos na legislação, deverá ser assegurado ao administrado o direito de emitir manifestação, de oferecer provas e acompanhar sua produção, de obter vista e de recorrer. Conforme dito alhures, a rescisão unilateral de contrato pela Administração afigura-se possível e legítima, desde que precedida de procedimento regular, com oportunidade de defesa, e sua ausência viola a disposição do art. 5º, LV, da Constituição Federal e o art. 78, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, que asseguram no âmbito do processo administrativo, o direito ao contraditório e a ampla defesa. Os contratos administrativos, ao contrário dos contratos particulares, são caracterizados pela verticalidade e pelo desequilíbrio entre os contratantes, ante a presença das chamadas cláusulas exorbitantes, previstas no artigo 58 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos. Estas cláusulas conferem inúmeras prerrogativas a Administração Pública e sujeições aos particulares que com ela contratam, em respeito ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. A rescisão unilateral por conveniência da Administração Pública, sem a necessidade de propositura de ação judicial, é decorrente da existência de cláusula exorbitante referente ao próprio regime jurídico administrativo. Contudo, em que pese a discricionariedade do Poder Público, a rescisão unilateral deve ser motivada, e precedida de ampla defesa e contraditório, princípios corolários do devido processo legal, mormente quando afetam interesses de particulares.
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Servidores temporários – nulidade do contrato administrativo e o direito ao percebimento do FGTS
O presente trabalho tem por escopo analisar a figura dos servidores públicos temporários e os direitos trabalhistas aplicáveis a espécie. Nesse sentido, a discussão cinge sobre a possibilidade do recebimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço no contrato de trabalho firmado com a Administração Pública. O estudo irá abordar o atual posicionamento da jurisprudência acerca do tema.
Direito Administrativo
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi criado com a finalidade de proteger o trabalhador contra a dispensa sem justa causa. A extensão deste direito aos servidores temporários, cuja contratação não observa a regra do concurso público, e os requisitos do artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, é um aspecto bastante controvertido na doutrina e na jurisprudência. Há entendimento segundo o qual a declaração de nulidade do contrato de trabalho, em razão da ocupação de cargo público sem a necessária aprovação em prévio concurso público, equipara-se à ocorrência de culpa recíproca, gerando para o trabalhador o direito ao levantamento das quantias depositadas na sua conta vinculada ao FGTS. Todavia, parcela da doutrina entende que a nulidade do contrato temporário não altera o vínculo jurídico da contratação, pois, a relação jurídica decorrente de contrato de trabalho temporário não gera vínculo empregatício, de modo que deve ser tratada como relação de direito administrativo, e assim sendo, o FGTS não seria devido para os contratos regidos pelo regime de direito administrativo. Primeiramente, necessário esclarecer que servidores públicos, em sentido amplo, são as pessoas físicas que prestam serviços aos Entes Federados e às entidades da Administração Indireta, com vinculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos. Dentro do gênero servidores públicos existem três espécies, a saber: servidores estatutários, empregados públicos e servidores temporários. José dos Santos Carvalho Filho define assim define os servidores públicos temporários: “Se configuram como um agrupamento excepcional dentro da categoria geral dos servidores públicos. A previsão dessa categoria especial de servidores está contemplada no art. 37, IX, da CF, que admite a sua contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público. A própria leitura do texto constitucional demonstra o caráter de excepcionalidade de tais agentes. Entretanto, admitindo o seu recrutamento na forma da lei, serão eles considerados como integrantes da categoria geral dos servidores públicos.” (CARVALHO FILHO, 2015, p. 620). A Constituição Federal, no seu art. 37, inciso IX, prevê expressamente a possibilidade de contratação de servidores temporários: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (BRASIL, 1988). Aludido dispositivo constitucional prevê a possibilidade de contratação de servidor temporário, submetido ao regime jurídico único, prescrevendo que a lei estabelecerá os casos em que a contratação poderá ocorrer, desde que por excepcional interesse público. Portanto, cabe a cada ente público, no exercício de sua competência legiferante, a elaboração da respectiva lei. Ao tratar dos servidores com regime jurídico especial, o jurista Marçal Justen Filho afirma que “A Constituição permitiu a contratação em regime jurídico especial, no art. 37, IX, da CF/1988. Ali se previu a possibilidade de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.” (JUSTEN FILHO, 2015, p. 1072). Importante observar que o recrutamento para contratação excepcional prescinde de concurso público, mas por processo seletivo simplificado. De acordo com o que foi dito, podemos constatar que o regime especial destes servidores deve atender a três pressupostos. O primeiro requisito é a determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos se restringir a determinado lapso temporal, devem, pois, ter prazo fixado na legislação correlata. O segundo requisito é a temporariedade da função, na medida em que a contratação destes servidores se perfaz para atender a necessidade temporária da Administração Pública, sendo vedada a admissão de profissionais para exercer atividades de cunho permanente. Por fim, o terceiro requisito é a excepcionalidade do interesse público, portanto, situações normais, comuns, não podem dar azo à contratação de servidores submetidos a este regime especial. Acerca dos pressupostos para a contratação temporária, decisão do Supremo Tribunal Federal: “Ementa: 1) A contratação temporária prevista no inciso IX do art. 37 da Constituição da República não pode servir à burla da regra constitucional que obriga a realização de concurso público para o provimento de cargo efetivo e de emprego público. 2) O concurso público, posto revelar critério democrático para a escolha dos melhores a desempenharem atribuições para o Estado, na visão anglo-saxônica do merit system, já integrava a Constituição Imperial de 1824 e deve ser persistentemente prestigiado. 3) Deveras, há circunstâncias que compelem a Administração Pública a adotar medidas de caráter emergencial para atender a necessidades urgentes e temporárias e que desobrigam, por permissivo constitucional, o administrador público de realizar um concurso público para a contratação temporária. 4) A contratação temporária, consoante entendimento desta Corte, unicamente poderá ter lugar quando: 1) existir previsão legal dos casos; 2) a contratação for feita por tempo determinado; 3) tiver como função atender a necessidade temporária, e 4) quando a necessidade temporária for de excepcional interesse público.” (STF – ADI: 3649 RJ, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 28/05/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014). Pois bem. Questão controvertida na doutrina e jurisprudência consiste na verificação dos efeitos jurídicos da declaração de nulidade do contrato temporário, cuja permanência do vinculo se prolongou no tempo, em virtude de sucessivas prorrogações, e a possibilidade de pagamento do FGTS ao servidor. 3)  Nulidade contrato temporário – regime jurídico administrativo – pagamento fgts Conforme dito alhures, as contratações temporárias realizadas pela Administração Pública destinam-se a atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, com fundamento no art. 37, IX, da Constituição Federal. Acerca do tema, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello: “A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço, obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, 'necessidade temporária'), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (MELLO, 2003, p. 261). Cumpre esclarecer que a admissão, por meio de contrato administrativo, é vínculo de natureza diferenciada que liga o servidor temporário à Administração Pública, portanto, não há vinculo celetista, aplicando seu caráter administrativo-estatutário. O trabalhador temporário é equiparado a servidor público, e, por isso, é detentor de praticamente todos os direitos e deveres inerentes a este, dentre eles, os destinados ao trabalhador urbano e rural, conforme dispõe o § 3º, do art. 39 da Constituição da República de 1988. “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. […] § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.” No tocante ao depósito do FGTS, verifica-se que dentre os direitos dos trabalhadores aplicáveis aos servidores ocupantes de cargo público não está inserido o “fundo de garantia do tempo de serviço”, previsto no inciso III do art. 7º da CRFB/88. “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] III – fundo de garantia do tempo de serviço.” Certo é que, o conceito de trabalhador extraído do regime celetista não seria o mesmo daqueles que mantêm com a Administração Pública uma relação de caráter jurídico-administrativo, razão pela qual a regra do art. 19-A da Lei n. 8.036/90 (BRASIL, 1990), quanto ao pagamento do FGTS, não se aplicaria a estes últimos. “Art. 19-A. É devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)” (BRASIL, 1990) Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO TEMPORÁRIO. RELAÇÃO DE TRABALHO. NATUREZA JURÍDICO-ESTATUTÁRIA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CELETISTA. FGTS. PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 19-A DA LEI N.º 8.036/90. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DA SUPREMA CORTE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. “A Emenda Constitucional 19/98, que permitia a pluralidade de regimes jurídicos pela administração, foi suspensa, neste ponto, pelo Supremo Tribunal Federal, impossibilitando a contratação de servidor público pelo regime trabalhista (ADI 2.135-MC/DF)” (CC100.271/PE, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Terceira Seção, DJe6/4/09). 2. “O Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395 que 'o disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária'“ (AgRg na Rcl nº 8.107,Rel. p/ Ac. Min. CÁRMEN LÚCIA, STF, Tribunal Pleno, DJe 26/11/09). 3. Nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/90, é “devido o depósito do FGTS na conta vinculada do trabalhador cujo contrato de trabalho seja declarado nulo nas hipóteses previstas no art. 37, § 2º, da Constituição Federal, quando mantido o direito ao salário. 4. Caso concreto que diverge da hipótese do art. 19-A da Lei8.036/90, pois o vínculo de trabalho que existiu entre os litigantes não era oriundo de investidura em cargo ou emprego público posteriormente anulada por descumprimento do princípio do concurso público insculpido no art. 37, § 2º, da CRFB/88, mas de contratação de servidor temporário sob o regime de “contratação excepcional”. 5. A tese segundo a qual o art. 19-A da Lei 8.036/90 deveria ser interpretado à luz do art. 7º, III, da CF/88 não é passível de ser apreciada na presente via recursal, por se tratar de matéria reservada à competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição da República. 6. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg nos EDcl no AREsp: 45467 MG 2011/0122311-9, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 05/03/2013, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2013). Assim sendo, o fato de o vínculo ter se prolongado por período determinado não leva à alteração da forma de contratação, não se aplicando, por esses motivos, o art. 19-A, da Lei Federal nº. 8.036/90, ou o Enunciado nº. 363, do TST[1], bem como o entendimento manifestado pelo Pretório Excelso no RE 596.478[2], porquanto o aludido julgamento abrangeu a contratação de servidor feita exclusivamente pelo regime celetista. Imperioso ratificar que o dispositivo previsto no art. 19-A da Lei n. 8.036/90 assegura o depósito do FGTS na conta vinculada apenas ao trabalhador que teve o contrato de trabalho declarado nulo por não haver ingressado no emprego por aprovação em concurso público. Assim, a obtenção do benefício pressupõe a existência de relação celetista entre o ente público e o trabalhador, o que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não é o caso do contratado temporário do inc. IX do art. 37 da Constituição da República, motivo pelo qual ele não se enquadra no preceito do dispositivo daquela Lei Federal, ainda que a contratação venha a ser considerada nula. Ademais, de acordo com o caput do art. 15 da Lei n. 8.036/90, percebe-se que o FGTS deve ser depositado na conta vinculada do trabalhador pelo seu empregador. Os §§1º e 2º, por sua vez, especificam a abrangência dos conceitos de trabalhador e empregador, para fins de percepção do FGTS. “Art. 15. Para os fins previstos nesta lei, todos os empregadores ficam obrigados a depositar, até o dia 7 (sete) de cada mês, em conta bancária vinculada, a importância correspondente a 8 (oito) por cento da remuneração paga ou devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas na remuneração as parcelas de que tratam os arts. 457 e 458 da CLT e a gratificação de Natal a que se refere a Lei nº 4.090, de 13 de julho de 1962, com as modificações da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965. § 1º Entende-se por empregador a pessoa física ou a pessoa jurídica de direito privado ou de direito público, da administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que admitir trabalhadores a seu serviço, bem assim aquele que, regido por legislação especial, encontrar-se nessa condição ou figurar como fornecedor ou tomador de mão-de-obra, independente da responsabilidade solidária e/ou subsidiária a que eventualmente venha obrigar-se. § 2º Considera-se trabalhador toda pessoa física que prestar serviços a empregador, a locador ou tomador de mão-de-obra, excluídos os eventuais, os autônomos e os servidores públicos civis e militares sujeitos a regime jurídico próprio.” Como pode ser constatado, o §1º consigna que podem ser considerados trabalhadores todas as pessoas físicas e jurídicas, inclusive as de Direito Público, da Administração Direta e Indireta de qualquer das esferas federativas. Um conceito deveras amplo. A primeira vista, pareceria que a Administração Pública sempre seria considerada empregadora para os fins da Lei n. 8.036/90. Todavia, percebe-se que o §1º em comento excepciona a regra, quando afirma que somente será considerada empregadora quando admitir trabalhadores a seu serviço. Logo, para a exata compreensão do §1º do art. 15, mister proceder à análise do §2º do mesmo artigo, que define precisamente o conceito “trabalhador”, previsto na Lei n. 8.036/90. De acordo com o §2º, os servidores civis estão excluídos do conceito de trabalhador. Logo, a eles não se aplica o dispositivo previsto na Lei n. 8.036/90. Portanto, sendo o vínculo estabelecido entre poder público e servidor temporário de natureza administrativa, e não celetista, exclui o direito deste ao recebimento de verbas típicas da relação trabalhista regida pela CLT, entre elas o FGTS. Nesse sentido, jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – VERBAS REMUNERATÓRIAS – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – NULIDADE DO CONTRATO PRORROGADO SUCESSIVAMENTE – FÉRIAS PROPORCIONAIS, TERÇO CONSTITUCIONAL – DÉCIMO TERCEIRO PROPORCIONAL- DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADOS – COBRANÇA DE FGTS – NATUREZA TRABALHISTA – IMPOSSIBILIDADE — INAPLICABILIDADE DO ART. 19-A, DA LEI FEDERAL Nº. 8.036/90 E ENUNCIADO Nº. 363, DO TST- HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS- VALOR -MANUTENÇÃO- SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE. Equipara-se a servidor público o contratado temporariamente para atender excepcional interesse público, cujos períodos contratuais foram sucessivamente prorrogados. A nulidade do contrato de trabalho estabelecido em caráter temporário entre a Administração Pública e o particular, não obsta o recebimento de férias e terço constitucional, eis que aludidas verbas são asseguradas aos servidores públicos em geral. Aos servidores públicos são devidos os direitos previstos no art. 7º, da CR/88, que estejam elencados no §3º, do art. 39, dentre os quais não está inserido o “Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”, não se aplicando ao contrato celebrado sob a égide do direito administrativo o precedente oriundo do RE 596.478 do Colendo Supremo Tribunal Federal, porque o aludido julgamento abrangeu a contratação de servidor feita exclusivamente pelo regime celetista.” (Ap Cível/Reex Necessário 1.0685.13.000324-5/001, Relator(a): Des.(a) Afrânio Vilela, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/08/2014, publicação da súmula em 09/09/2014). Portanto, o servidor contratado submetido a regime jurídico administrativo não faz jus ao recebimento de FGTS, tendo em vista que tal parcela é concedida apenas aos trabalhadores celetistas. A regra, quanto à admissão no serviço público, é a seleção em concurso. Contudo, em caráter excepcional, o funcionário pode ser contratado desde que haja extraordinário interesse público e o serviço seja temporário. Neste caso, o contrato é regido pelo Direito Administrativo. O contrato administrativo temporário é regido pelo Direito Público e, portanto, não se aplicam as regras da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, sendo indevido o percebimento de FGTS. O fator tempo, aliada as sucessivas prorrogações do contrato temporário, não tem o condão de converter o regime administrativo especial do servidor em regime trabalhista. Por fim, importante esclarecer que são devidos aos servidores públicos os direitos previstos no art. 7º, da CRFB/88, que estejam elencados no §3º, do art. 39, dentre os quais não está inserido o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, não se aplicando ao contrato celebrado sob a égide do direito administrativo.
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Aplicação dos princípios do artigo 37 da Constituição Federal no âmbito da Administração Pública
Resumo:O artigo possui o objetivo de analisar, brevemente, a atuação de cada princípio constitucional na Administração Pública. Nesta análise, será abordada a relação do Direito Administrativo com a Administração; a importância de cada princípio e a possibilidade de conflito entre as normas. A pesquisa utilizou a teoria e a metodologia científica para solucionar os possíveis problemas. Mencionou o conhecimento racional, sistemático, exato e real de renomados doutrinadores e juristas. O resultado alcançado foi a impossibilidade de excluir a norma do ordenamento jurídico, caso aconteça o conflito do interesse público com o interesse particular. Além disso, descobrir a evolução do Direito Administrativo e a importância de cada princípio constitucional na Administração Pública.
Direito Administrativo
Introdução O Estado exerce a função administrativa e esta função é submetida ao regime jurídico de direito público ou regime jurídico-administrativo. Desta forma, será explanada a relação entre o Direito Administrativo e a Administração Pública. O constituinte trouxe no artigo 37, caput, da Carta Magna quais são os princípios que devem ser aplicados no âmbito da Administração Pública. Será analisado, brevemente, o princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por fim, será abordado como os princípios constitucionais são aplicados na Administração Pública, como um todo. Neste tópico, aponta-se a importância dos princípios constitucionais basilares em prol da Administração e da própria sociedade e a possibilidade de conflito entre as normas. 1. Direito Administrativo e a Administração Pública O desenvolvimento dos princípios e das normas voltados à atuação do Estado, fez com que o Direito Administrativo se tornasse um ramo autônomo. [1] Com a evolução, algumas matérias jurídicas passaram a não confrontar com o direito privado. Entretanto, surgiram litígios oriundos da relação entre o Estado e o administrado, formando ramo diverso para defender o direito privado. [2] O doutrinador José dos Santos Carvalho Filho expõe de forma clara e objetiva o conceito de Direito Administrativo. [3] Em sua obra é dito que o Direito Administrativo é “o conjunto de normas e princípios que, visando sempre ao interesse público, regem as relações jurídicas entre as pessoas e órgãos do Estado e entre este e as coletividades a que devem servir.” (CARVALHO FILHO, 2014, pág. 58). Diante do conceito, entende-se que o Direito Administrativo é o ramo jurídico competente para regular as normas da Administração Pública Direta e Indireta e disciplinar a relação entre o Estado e os particulares. Esse vínculo pode ocorrer, por exemplo, no procedimento da licitação, ou no exercício do poder de polícia ou em qualquer relação do Estado, como um todo, que envolva o particular. [4] 2. Princípios expressos da Constituição Federal de 1988 2.1. Princípio da legalidade Após séculos de evolução política houve a criação do Estado de Direito. Significa dizer que o Estado deve respeitar as próprias leis que editou. Seriacontraditório o Estado não agir com legalidade, mas impor que os agentes cumpram as normas editadas. [5] Ademais, este princípio consagra uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Ou seja, é estabelecido determinado limite e parâmetro da atuação administrativa com a restrição ao exercício do direito em prol da coletividade. [6] O princípio da legalidade está exposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99. [7][8] O princípio da legalidade é considerado o pilar e a diretriz básica da conduta dos agentes em face da Administração Pública. Isto é, toda e qualquer atividade administrativa deve ter respaldo em lei, sob pena de ser considerada atividade ilícita. [9] Em decorrência do respaldo em lei, a Administração Pública não pode conceder direitos de qualquer espécie, ou criar obrigações ou impor vedações aos administrados por meio de ato administrativo. [10] Com respaldo na Constituição Federal de 1988, o princípio da legalidade vem exposto no artigo 5º, inciso II, estabelecendo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. A mesma regra vale para o controle do Poder Legislativo, feito diretamente ou com auxílio pelo Tribunal de Contas, e pela própria Administração Pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. [11] O princípio da legalidade possui respaldo em outro direito fundamental. Por exemplo, o inciso XXXV estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. [12][13] Ressalta-se que não pode descartar a aplicaçãodeste princípio em remédios constitucionais específicos, como ação popular, habeas corpus, habeas data, mandado de segurança e mandado de injunção. [14] Este princípio estabelece que o administrador deva ter a fiel e completa subordinação à lei. [15] A Administração Pública somente pode fazer o que a lei permite [16] e os s agentes públicos devem cumprir de forma fiel as finalidades normativas. [17] Em compensação, para os particulares, prevalece a autonomia da vontade e pode fazer tudo o que a lei não proíbe. [18] No campo privado, os indivíduos podem fazer tudo o que a lei não veda. Entretanto, o administrador público somente pode atuar onde a lei permite. [19] Quanto aos direitos dos indivíduos, o princípio da legalidade possui suma importância. A própria garantia desses direitos depende da existência do princípio, o que permite a análise da atividade administrativa em conformidade com a lei. Havendo confronto entre a atividade administrativa e a lei, a prática do ato deve ser corrigida para eliminar a possível ilicitude. [20] O princípio da legalidade abrange a teoria do Estado Moderno. Essa teoria é dividida em 2 (duas) fases, quais sejam: criar a lei e executar a lei. A criação da lei trata-se da legislação em vigor e seu pleno exercício. Já a execução da lei refere-se à administração e execução. A execução da lei é o exercício da sua criação, sendo que a atividade administrativa é concebida diante dos parâmetros da atividade legislativa. [21] Ressalta-se que a atividade do administrador público somente será considerada legítima se estiver condizente com a lei. [22] 2.2. Princípio da impessoalidade O princípio da impessoalidade está exposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e implícito no artigo 2º, parágrafo único, inciso III, da Lei nº 9.784/99. [23][24] Por este princípio entende-se que não é permitido a Administração Pública fazer diferenciações que não sejam justificáveis juridicamente. O administrador não tem a permissão de utilizar interesses e opiniões pessoais na prática do exercício administrativo. [25] Este princípio proporciona diversas interpretações. A impessoalidade pode ser tanto dos administrados como da própria Administração Pública. [26] Quanto aos administrados, a impessoalidade está relacionada com a finalidade pública em face da atividade administrativa. Em outras palavras, a Administração Pública deve agir de forma neutra e imparcial para que se evite o prejuízo ou benefício à determinada pessoa. [27] Quanto à Administração Pública, os atos são imputados ao órgão ou entidade administrativa e não ao funcionário que o praticou. [28] O princípio da impessoalidade também está ligado à matéria do exercício de fato daquele que é responsável pela prática do ato administrativo. [29] Outro fundamento deste princípio é encontrados nos artigos 18 a 21 da Lei nº 9.784/99 ao tratar da suspeição e impedimento. [30][31] Estas hipóteses são aplicadas no processo administrativo em que a autoridade deve agir com a presunção de parcialidade, declarando, se houver, seu impedimento ou suspeição para o caso. [32] 2.3. Princípio da moralidade O princípio da moralidade está exposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99. [33][34] O princípio da moralidade utiliza como parâmetro a conduta do administrador. É imposto que deve estar presente na conduta do administrador público a moral e os preceitos éticos. [35] O administrador não deve obediência a qualquer moralidade, mas àquela compartilhada com a comunidade política específica. O jurista Gilmar Ferreira Mendes explica em sua obra que a Administração Pública deve sempre obedecer aos princípios constitucionais e princípios fundamentais, sabendo distinguir o que vem a ser justo, conveniente, oportuno e legal. Vejamos: [36] “Apesar da dificuldade de se dizer em que consiste o princípio da moralidade, deve-se procurar resgatar um conteúdo jurídico do princípio, reconhecendo que o Estado não deve obediência a qualquer moralidade, mas somente àquela compartilhada na comunidade política específica. Dessa forma, tendo em vista que a Administração Pública deve pautar-se pela obediência aos princípios constitucionais a ela dirigidos expressamente mas também aos demais princípios fundamentais, tem-se que, em sua atuação, deve ser capaz de distinguir o justo do injusto, o conveniente do inconveniente, o oportuno do inoportuno, além do legal do ilegal”. (MEMDES, 2014, pág. 776) O administrador deve agir com conveniência, oportunidade, justiça nas ações e distinguir o que é honesto e desonesto. Esta relação deve acontecer entre a Administração Pública e os administrados e entre a Administração Pública e os agentes públicos que o integram. [37] Este princípio tem a finalidade de proibir a imoralidade dentro da Administração Pública. Não é permitido que o administrador busque seus próprios interesses e que não aplique os preceitos morais. A imoralidade, caso aconteça, é capaz de trazer consequências enormes. A violação da lei e o prejuízo ao erário pelos atos de improbidade são apenas alguns exemplos dos possíveis prejuízos. [38] Existem instrumentos capazes de combater as condutas e atos ofensivos ao princípio da moralidade. Temos, por exemplo, a ação popular e ação civil pública. [39] 2.4. Princípio da publicidade O princípio da publicidade vem exposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal. [40][41] Este princípio estipula que, como regra geral, os atos praticados pela Administração Pública devem ser amplamente divulgados. [42] Essa transparência da publicidade serve para controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. A publicidade será feita por mecanismos da internet, órgãos da imprensa ou afixados em repartições administrativas. [43][44] A exceção deste princípio, conforme artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, surge para proteger a segurança da sociedade e do Estado. Isto é, todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.[45][46] Outra exceção do princípio da publicidade, conforme o artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal, surge quando a lei só pode restringir a publicidade dos atos processuais se a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. [47][48] A publicidade se encaixa tanto no requisito lógico como na condição para possível execução de ofício pelo Estado. Uma vez que surge a transparência e a abertura do conhecimento, a todos se permitirá a ciência da informação e a possibilidade de submetê-los ao controle de juridicidade. [49] O princípio da publicidade acaba sendo instrumental e indispensável na ação do Poder Público, justamente por envolver a legalidade, legitimidade e moralidade dos atos praticados. Em segunda análise, este princípio é capaz de trazer o direito fundamental para o administrado. Isto é, a partir do acesso aos atos praticados pelo Poder Público, torna-se difícil controlar a ação estatal ou inviabilizar a sustentação dos direitos fundamentais por parte do próprio Estado. [50] Existem alguns institutos jurídicos que amparam o princípio da publicidade. São exemplos o direito de petição para postular qualquer informação no órgão administrativo; as certidões expedidas pelos órgãos públicos e a ação administrativa exofficio para a divulgação das informações de interesse público. [51] 2.5. Princípio da eficiência O princípio da eficiência está exposto no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99. [52][53] A eficiência equivale à qualidade do serviço público prestado. A inclusão deste princípio, expresso na Constituição Federal de 1988, fez com que a Administração Pública ou seus delegados prestassem os serviços de forma eficiente e estabelecesse obrigações aos prestadores daquele serviço aos usuários. [54] O termo “eficiência” gera críticas entre alguns estudiosos. Primeiro, é discutido quando que uma atividade administrativa pode ser considerada eficiente ou não. Em seguida, vem à indagação de que nada adianta o princípio ser explícito na Constituição e a própria Administração Pública não ter a intenção de melhorar a efetividade do serviço para beneficiar a sociedade. [55] O principal objetivo deste princípio é aumentar a produtividade e a economicidade. Significa em prestar o serviço público de forma rápida e eficiente sem onerar os cofres públicos ao ponto de causar desperdícios. [56] 3. Aplicação dos princípios constitucionais no âmbito da Administração Pública A Administração Pública é regida por vários princípios jurídicos, sendo encontrados em normas constitucionais ou em leis diversas. [57] No que tange as normas constitucionais, esses princípios abrangem todas as esferas federativas, incluindo, em consequência, a Administração Direta e Indireta. Desta forma, os princípios constitucionais básicos devem ser aplicados sem qualquer restrição. [58] Os princípios constitucionais são fundamentais e compõem o modo de agir da Administração Pública, porque representam a conduta do Estado no modo e exercício da atividade administrativa. [59] Os princípios não podem ser excluídos do ordenamento jurídico, se houver hipóteses de conflitos entre eles. Neste caso, deve-se utilizar o critério de ponderação de valores ou ponderação de interesses. O intérprete deve analisar qual princípio constitucional se adequa melhor ao caso concreto e aplicar o grau de preponderância. [60] A Constituição Federal também inclui outros tipos de princípios específicos. O Estado utiliza esses princípios para agir em situações específicas dos particulares para o cumprimento da função administrativa. Por diversas situações, o particular invoca os princípios específicos para resolver questões ligadas ao concurso público, ou prestação de contas ou responsabilidade civil. [61] Além dos princípios básicos, a União utiliza 5 (cinco) princípios específicos para a Administração Pública Federal. São eles: planejamento, coordenação, descentralização, delegação de competência e controle. Esses princípios possuem a função de melhorar a operacionalização dos serviços e fazer com que algumas autoridades transfiram funções de sua competência para outros agentes. [62] Conclusão Os princípios constitucionais fazem parte da Administração Pública. Desta forma, o objetivo do Estado somente consegue ser alcançado se a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência forem aplicadas de forma correta. Estes princípios estão expressão no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Entretanto, existem princípios que estão implícitos na Carta Magna e outros que são reconhecidos no Direito Administrativo. Estes princípios específicos possuem tanta importância quanto àqueles explícitos na própria Constituição. Prova desta importância, surge na aplicação subsidiária da Lei nº 9.784/99 ao completar os princípios basilares constitucionais. No que tange aos princípios expressos da Constituição, ressalta-se que os agentes públicos devem se submeter à atuação deles, sob pena de cometer atos ilícitos. A fiscalização por parte da Administração Pública deve ser rígida e eficiente nos atos praticados por aqueles que o representam. Conclui-se que a Administração Pública e a sociedade devem agir em conjunto. Isto é, cabe aos administrados realizarem sua função em conformidade com a lei e ao mesmo tempo a própria sociedade fiscalizar se a prestação do serviço ou a função desempenhada está sendo cumprida conforme os ditames legais. Por fim, vale ressaltar que o princípio constitucional não deve ser retirado do ordenamento jurídico por causa de possível confronto. Caso a Administração Pública utilize a norma para defender seu interesse e o particular argumente com outro princípio, cabe ao intérprete usar o juízo de valor e o critério de ponderação.
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Direito subjetivo e sua histórica relação com a administração pública
A abordagem do direito subjetivo perpassa ˆs li›es b‡sicas do pr—prio estudo do Direito. Contudo, em que pese a contumaz utiliza‹o do termo pela jurisprudncia, doutrina e legisla‹o, Ž not—ria a inexistncia de um consenso quanto ao seu sentido, o que revela pouca precis‹o conceitual no trato da matŽria. Assim, no presente artigo buscou-se traar as caracter’sticas do direito subjetivo com o escopo de investigar a rela‹o existente entre este e a Administra‹o Pœblica, e se Ž poss’vel, nas bases cient’ficas atuais, inclusive ante a promulga‹o da Constitui‹o Federal, pleitear o reconhecimento desta espŽcie jur’dica em face do Poder Pœblico.
Direito Administrativo
1. Considera›es sobre o direito subjetivo Falar de direito subjetivo Ž tocar fundo nas li›es b‡sicas do pr—prio estudo do Direito. O termo, contudo, em que pese a contumaz utiliza‹o pela jurisprudncia, doutrina e legisla‹o n‹o parece possuir o mesmo sentido em todas as vezes que referido, o que revela, talvez, pouca precis‹o conceitual no trato dos juristas com a matŽria. Iniciemos, bem por isso, com uma r‡pida digress‹o hist—rica acerca desta figura jur’dica. Com apoio em Orestano (apud ENTERRêA, 2001, p. 50), vemos que as prim‡rias utiliza›es da express‹o, t‹o cara ao estudo desta cincia social, se fizeram em meio de uma ampla e longa batalha do pensamento humano, que almejava a libera‹o do indiv’duo e, por conseqŸente, a afirma‹o daqueles direitos tidos por inatos ˆ sua pr—pria condi‹o[1]. Em meio a este debate hist—rico, surge a figura de Guilherme de Ockham, que, se valendo de um estudo sobre a estrutura da propriedade, ainda no sŽculo XIV, se vale da express‹o direito subjetivo tal qual hoje podemos entender. Conta-nos Enterr’a (2001, p. 52): ÒA primeira formula‹o tŽcnica do conceito de direito subjetivo, no sentido de hoje em dia ter‡ uma origem surpreendente: a polmica sobre a pobreza dos franciscanos, que se desenvolve entre a Santa Sede (ent‹o em Avignon) e os te—logos franciscanos durante a primeira metade do sŽculo XIV. A figura tŽcnica tem um padre perfeitamente identificado, Guilherme de Ockham, que, a fim de justificar o postulado b‡sico franciscano, segundo o qual nem Cristo nem os ap—stolos tiveram propriedade alguma, […] formula em seu Opus nonaginta dierum, 1332, sob a prote‹o do imperador em sua disputa com a cœria, uma disseca‹o da estrutura da propriedade como direito subjetivo, o que leva a elaborar um conceito tŽcnico desta figura assombrosamente modernoÓ. (ENTERRêA, 2001, p. 51, tradu‹o nossa) A express‹o do jurista espanhol ao final do par‡grafo para expressar a sua surpresa com a modernidade do instituto desenhado por Guilherme de Ockham advŽm da considera‹o de que este œltimo, j‡ ˆ Žpoca, concebia a liga‹o entre a figura do direito subjetivo e os imperativos da Lei (ENTERRêA, 2001, p. 53), ou seja, o surgimento do direito subjetivo estaria atado ˆ figura de um texto regulador das rela›es entre os seres humanos. Avanando neste panorama hist—rico, recorda-nos o brilhante Enterr’a (2001, p. 53) que o termo direito subjetivo tambŽm foi utilizado e precisado na Segunda Escol‡stica, oportunidade na qual alguns te—logos-juristas espanh—is do sŽculo XVI se debruaram sobre uma corrente jusnaturalista interessante, a dos iura innata, que concede a todo o homem, pelo simples fato de o s-lo, direitos que devem ser respeitados pelas autoridades civis e eclesi‡sticas; em suma, direitos que deveriam ser reconhecidos independentemente de qualquer positiva‹o a respeito. Uma quizila que serviu de pano de fundo hist—rico para esta corrente de pensamento foi a que girava em torno dos direitos dos ind’genas frente ˆs conquistas espanholas ocorridas no referido per’odo e que originou a ÒCarta Universal dos direitos do ’ndio proclamados pela CoroaÓ. A idŽia essencial que resultou ao fim no documento n‹o apenas reconhecia a impossibilidade de se escravizar qualquer ’ndio, como restringia a realiza‹o de confisco em todas as suas terras, devendo este ser tratado, naquele momento, como um sœdito qualquer da Coroa Espanhola (ENTERRêA, 2001, p. 54). Este legado hist—rico, por sua vez, vai desembocar nos estudos levados a cabo pela Escola do Direito Natural e das Gentes, a qual se ramificou por grande parte da Europa Ocidental, dos quais se podem citar expoentes famosos como Grocio, Puffendorf, Hobbes e Locke. Aqui, como bem observou Orestano, uma primeira e imprescind’vel mudana: a express‹o sujeito n‹o mais se emprega no sentido tradicional de pessoa sujeita ou submetida a algo ou alguŽm, ou seja, afasta-se a no‹o de pessoa subordinada para fazer prevalecer o sujeito como sujeito de direitos. (ENTERRêA, 2001, p. 57). J‡ Wieacker (1967, p. 279) observa que este Direito da raz‹o foi, depois do Corpus iuris, a fora espiritual mais poderosa da hist—ria da Europa Ocidental, resultando no fortalecimento da concep‹o do fundamento œltimo da sociedade e do Estado em um contrato social, idŽia esta que vem a ser desenvolvida posteriormente por fil—sofos como Locke, Hobbes, e tem sua express‹o m‡xima em Rousseau. Quanto ao reflexo desta concep‹o no sistema jur’dico como um todo, voltamos ˆs palavras Enterr’a (2001, p. 57): ÒA constru‹o de instrumentos racionais para explicar o sistema jur’dico (nova idŽia, esta de sistema, por eles introduzido), p™s em primeiro plano a idŽia dos direitos, naturais primeiro […], e dos direitos subjetivos adquiridos a t’tulo particular (ocupa‹o, contrato, prescri‹o, herana, concess‹o). O homem Ž visto inicialmente como tal, e n‹o como membro de um grupo ou corpora‹o ou como objeto de v’nculos feudais ou religiosos, se impondo, assim, o postulado da igualdade jur’dica. Este individualismo deu uma importante base a instrumentos centrais como a propriedade civil e o contratoÓ. (tradu‹o nossa) N‹o bastassem as referncias expressas a importantes figuras do direito privado, Ž preciso realar a inelut‡vel guinada que esta escola jur’dica d‡ no conceito de direito subjetivo. Com o reconhecimento, mesmo que sob as bases de um forte jusnaturalismo, da existncia de um direito para alŽm de sua express‹o positiva, foram sendo concedidas ao particular facultas, potestas moralis, as quais poderiam e deveriam ser exercidas perante outros sujeitos, e qui‡ perante o soberano da vez, ainda que no gozo de toda a sua pujana de poder. Ainda que discordemos, no particular, com as bases pelas quais se erige o jusnaturalismo, Ž preciso lhe conceder o mŽrito de erigir, ao menos, o debate acerca de posi›es ativas dos sujeitos em face do Estado ou de qualquer outro particular. N‹o por outra raz‹o que estas inova›es s‹o essenciais na elabora‹o de documentos paradigma do mundo moderno, a exemplo da Declara‹o de Direitos do Homem e do Cidad‹o, na Frana em 1789[2]. Em que pese todo este reconhecimento, e todo o avano reportado neste breve relato, verifica-se que a no‹o de direito nesta Žpoca Ð e, por sua vez, de direito subjetivo – se encontrava ligada intrinsecamente n‹o a um determinado indiv’duo, mas a estratos sociais, organiza›es e comunidades familiares, que se perpetuavam no tempo por mais e mais gera›es (ENTERRêA, 2001, p. 74). N‹o h‡, portanto, um modelo individual de situa›es ativas no direito praticado na Žpoca, cuja express‹o m‡xima se v no conceito de propriedade, a qual se reconhece Ð com matizes, Ž verdade Ð no ordenamento jur’dico de hoje em dia. E Ž neste momento que Enterr’a defende o papel de destaque da Declara‹o francesa de 1789, que, j‡ em seu pre‰mbulo e artigo 2¡, positiva a existncia deste arsenal de direitos em favor do ser humano. ÒApenas a ignor‰ncia, esquecimento ou desprezo dos direitos dos homens, disse o curto pre‰mbulo da Declara‹o, s‹o as causas das desgraas pœblicas e da corrup‹o dos governosÓ (ENTERRêA, 2001, p. 77). Aqui, entende o ilustre doutrinador espanhol, ocorre a jun‹o entre o direito subjetivo e o direito objetivo, t‹o caracter’stico de toda e qualquer concep‹o daquela express‹o. Atrela-se, neste momento, a idŽia de que o direito subjetivo a uma anterior norma objetiva que lhe d suped‰neo (ENTERRêA, 2001, p. 80). Ë guisa de conclus‹o, n‹o poder’amos finalizar esta breve an‡lise sem antes nos reportar ˆs contribui›es da Pandect’stica alem‹ do sŽculo XIX, notadamente dos ensinamentos de seu jurista expoente, Federico Carlos de Savigny[3]. De fato, o modelo de concep‹o de direito por parte de seus cultores[4] estimula a precis‹o tŽcnica e a rela‹o sistem‡tica entre os conceitos, possuindo o debate do direito subjetivo papel fundamental nesta vis‹o estritamente dogm‡tica do mundo jur’dico. A despeito da famosa discuss‹o travada ˆ Žpoca sobre a prevalncia da Teoria da Vontade, capitaneada por Savigny e Otto von Gierke, ou da Teoria do Interesse, da qual o expoente maior era Rudolf Von Jhering (MIRANDA, 2000, p. 272/273), na consubstancia‹o do que seria o sujeito de direito e o direito subjetivo, fato Ž que com o advento dos ensinamentos desta escola jur’dica, consolidou-se de forma extrema o conceito de rela‹o jur’dica. Nesta, por sua vez, existiria ao menos uma situa‹o ativa que, por resultado l—gico, gerava uma situa‹o passiva. Como resultado nasceriam direito e dever, respectivamente. Precisando ainda mais esta no‹o, e j‡ colocando o estudo da express‹o em tempos atuais, temos Pontes de Miranda, cuja extensa e vasta obra remonta ao estilo proposto e cultuado no ‰mbito da Pandect’stica. Da leitura do expoente e not‡vel civilista, percebe-se que o direito subjetivo, em verdade, Ž algo que surge do estudo da efic‡cia jur’dica, entendida esta como a irradia‹o de efeitos jur’dicos advindos depois da incidncia da regra jur’dica no suporte f‡tico que lhe Ž correspondente (MIRANDA, 2000, p. 47). Analisado sob este ‰ngulo, o direito subjetivo Ž resultado que se inicia com a verifica‹o de determinado suporte f‡tico, que vem, posteriormente, a incidir em determinada regra jur’dica, para t‹o s— irradiar as conseqŸncias tidas como relevantes pelo ordenamento jur’dico. Nas palavras do jurisconsulto: ÒRigorosamente, o direito subjetivo foi abstra‹o, a que sutilmente se chegou, ap—s o exame da efic‡cia dos fatos jur’dicos criadores de direitos. A regra jur’dica Ž objetiva e incide nos fatos; o suporte f‡tico torna-se fato jur’dico. O que, para alguŽm, determinadamente, dessa ocorrncia emana, de vantajoso, Ž direito, j‡ aqui subjetivo, porque se observa do lado desse alguŽm, que Ž o titular dele.Ó (grifos nossos)  Colocando-se a quest‹o do direito subjetivo sob estes termos, compreende-se o porqu de Miranda insistentemente em sua obra observar que, nada obstante a proximidade das no›es de direito objetivo e subjetivo, n‹o podem ser os mesmos reduzidos a verso e anverso do mesmo conceito. A regra jur’dica, ou norma objetiva, necessariamente, no entender do jurista, se faz presente em momento anterior, e, por fora de sua incidncia, um Ð e n‹o o – efeito Ž a cria‹o de situa‹o de vantagem a determinado sujeito em face de outro. Mais uma vez, pela clareza, retornamos ao pensamento do tratadista: ÒQuando, porŽm, se pensa em direito subjetivo, j‡ se est‡ longe da regra jur’dica; porque, em rela‹o ˆ regra jur’dica, o direito subjetivo Ž efeito. Sup›e ter havido o suporte f‡tico, a regra jur’dica e o fato de incidncia. Sup›e mais: sup›e ap—s isso, o que ali‡s Ž imediato ˆ incidncia, o fato jur’dico. Sem esse encadeamento, seria obscuro chegar-se ˆ no‹o de direito subjetivo.Ó Com base nesta œltima li‹o, vemos que o direito subjetivo surge como o resultado de um longo processo desencadeado pela aplica‹o de determinada norma jur’dica. Bem por isso, n‹o Ž algo que se concebe no plano abstrato e de forma independente da regra jur’dica que lhe serviu de suped‰neo. O legado desta œltima corrente de pensamento, assim, Ž a liga‹o final e at‡vica do direito subjetivo e objetivo – ainda que n‹o representem causa e conseqŸncia um do outro – e a explica‹o do que de fato ocorre no ‰mbito jur’dico para que se possam atribuir certas faculdades e/ou poderes a determinados sujeitos. Com base em todos os aspectos hist—ricos agora delineados, a comear pelas li›es basilares de Gulherme de Ockham, entende-se que Ž poss’vel compreender que, a despeito da discuss‹o do que Ž o direito subjetivo, o trao caracter’stico deste instituto jur’dico Ž a situa‹o ativa dele decorrente em um sujeito de direito, face de outro determinado, e que nesta posi‹o assumida se encerra um poder, uma faculdade, ou ambos (MIRANDA, 2000, p. 274). Ao lado dessa situa‹o ativa, existiria tambŽm, necessariamente e de forma correlata, um dever por parte do sujeito passivo da rela‹o jur’dica, o qual tem de prestar obsŽquio ao exerc’cio daquele que se encontra no seu p—lo ativo. E decorre deste œltimo aspecto o efeito de limita‹o do direito subjetivo, ˆ medida que este restringe o sujeito passivo ao respeito de determinada conduta por aquele que Ž o titular de um direito subjetivo. Como bem relembra Miranda (2000, p. 270) ÒTodo direito subjetivo, como produto da incidncia da regra jur’dica, Ž limita‹o ˆ esfera de atividade de outro, ou de outros poss’veis sujeitos de direitoÓ. O reconhecimento da posi‹o jur’dica ativa a um sujeito de direito, assim, conduz a uma inevit‡vel redu‹o de condutas pass’veis de outro que est‡ em situa‹o de desfavor na rela‹o jur’dica. E o exerc’cio em desacordo com os efeitos da rela‹o jur’dica, ou a simples omiss‹o Ð quando necess‡rio agir para cumprir a presta‹o – na conduta daquele que se v em posi‹o passiva Ž o que faz nascer o efeito da pretens‹o, entendida como a possibilidade de exigir judicialmente ou extrajudicialmente o cumprimento de determinado direito subjetivo (SILVA, 1991, P. 135). Mas, traados estes contornos essenciais do direito subjetivo, faz-se necess‡rio indagar: como se d‡ – e se deu – essa rela‹o entre direito subjetivo e a Administra‹o Pœblica? ƒ poss’vel sustentar a existncia de situa›es ativas do administrado em face do Poder Pœblico? Para respondermos a esta pergunta de forma satisfat—ria, entendemos imprescind’vel analisar, ainda que de forma sucinta, o desenvolvimento do direito administrativo desde o seu nascedouro atŽ os dias atuais, realando as caracter’sticas principais que se consolidaram neste ramo do direito com o passar do tempo. 2. Breve an‡lise sobre o surgimento e desenvolvimento do direito administrativo: uma hist—ria contada de forma equivocada. Para a realiza‹o da an‡lise proposta ao fim do t—pico anterior, comecemos com a investiga‹o da situa‹o deste ramo da cincia do direito no Antigo Regime, em Žpoca prŽ-revolucion‡ria na Frana, bem refletida no discurso do Rei Lu’s XV perante o Parlamento de Paris, em 03 de maro de 1766: ÒOs direitos e os interesses da na‹o dos que se ousam fazer um corpo separado do monarca est‹o necessariamente unidos com os meus e n‹o repousam mais que em minhas m‹os. […] Em minha pessoa unicamente reside o poder soberano, cujo car‡ter pr—prio Ž o esp’rito de conselho, de justia e de raz‹o… A plenitude desta autoridade, que os Tribunais n‹o exercem mais que em meu nome, permanece sempre em mim e seu uso n‹o pode ser jamais usado contra mim.Ó (ENTERRêA, 2001, p. 101, tradu‹o nossa) Acreditamos, com Enterr’a, que neste discurso repousa a idŽia b‡sica e central do direito administrativo anterior ˆ Revolu‹o Francesa e que pode ser resumido no seguinte brocardo: Òtodos est‹o obrigados em algo ao Rei, o Rei n‹o est‡ obrigado nunca com nenhumÓ[5] (ENTERRêA, 2001, p. 101, tradu‹o nossa). N‹o nos parece demasiado afirmar que em um cen‡rio como esses a defesa de uma rela‹o jur’dica travada com o Estado era invi‡vel. Essa m‡xima transcrita rechaa, de forma perempt—ria, toda e qualquer possibilidade de vincula‹o jur’dica passiva a ser refletida no Rei ou em eventual pr’ncipe. O que se passava no direito de cunho pœblico, ent‹o, a essa Žpoca, era o seguinte: com a consolida‹o das monarquias absolutistas o mandat‡rio do poder era visto como uma figura que estava acima das leis, bem por isso, defendia-se a sua liga‹o direta com o divino, com o direito natural, n‹o necessitando, em momento algum, se submeter ˆs vicissitudes das leis positivas de seu tempo. O discurso proliferado por aqueles estudiosos do Direito Pœblico[6], portanto, buscava legitimar a quebra do direito comum, que regulava as rela›es de cunho privat’stico, em favor do Rei, e postulava a justifica‹o das exorbit‰ncias do Poder Pœblico e das derroga›es das leis atŽ ent‹o estabelecidas. Tudo se fazia para evidenciar que n‹o seria poss’vel a ocorrncia de rela›es jur’dicas diretas com o Poder estabelecido; ao sœdito, em face da autoridade e de seu poder inesgot‡vel restaria apenas a venera‹o, a obedincia e a fidelidade: Òn‹o h‡ outros direitos que os que encerram o uso do poder em paz e em guerra, pr—prio do ReiÓ (ENTERRêA, 2001, p. 100). PorŽm, como cedio, adveio a Revolu‹o Francesa em 1789 e com ela substancial mudana no regime pol’tico, ascendendo ao poder uma camada da sociedade amplamente influenciada por novas idŽias, tidas por liberais, e que se pautaram decisivamente pelas li›es da Escola do Direito Natural e das Gentes, a qual, como relembrado, concedia ao sujeito a condi‹o de detentor de direitos inescus‡veis atŽ mesmo em face do monarca prŽ-estabelecido. Para consuma‹o destas garantias, consolidou-se o que chamamos nos estudos hodiernos de Estado do Direito, submetendo todas as nuances do poder aos ditames da legalidade, na qual deveriam estar reguladas todas as matŽrias imprescind’veis para a convivncia do ser humano. Seria a Lei, portanto, o objeto de regula‹o e liberdade do cidad‹o contra os desmandos, seja de um particular, seja do Poder Pœblico. Ao lado desta inova‹o jur’dica, estaria tambŽm uma nova forma de organiza‹o do Estado, onde restaria aplicada a teoria da separa‹o de poderes, encontrando em seu expoente maior o francs Montesquieu. Nesta nova forma de reparti‹o do poder, restaria ao Parlamento, —rg‹o m‡ximo de representa‹o popular, elaborar as imprescind’veis leis gerais e abstratas que seriam executadas pelo Poder Executivo, e aplicadas pelo Poder Judici‡rio, de forma indistinta a todos os cidad‹os. Em apertada s’ntese, e para caber na exigŸidade deste estudo, a leitura que se faz desse novo regime Ž a prevalncia da vontade geral expressa na Lei em face dos demais poderes, que deveriam estar sujeitos ˆs sempre prŽvias manifesta›es do Parlamento. E o direito aplicado ˆ Administra‹o Pœblica, supostamente, n‹o restaria isento de transforma›es perante esse amplo espectro de mudanas pol’ticas. Narra a hist—ria oficial do direito administrativo que com a Loi de 28 do pluviose do ano VII – editada em 1800, organizando e limitando, de forma externa, a atividade realizada pela Administra‹o Pœblica – se passou, pela primeira vez na hist—ria, a limitar objetivamente a atua‹o administrativa (BINENBOJM, 2008, p. 10). Ou seja, ap—s a promulga‹o deste programa legal se consubstanciaria o ideal da Administra‹o mera executora da Lei – faceta da aplica‹o do princ’pio da separa‹o dos poderes, vale dizer -, que deveria estar subordinada e atada aos ditames do Direito. N‹o por outra raz‹o que autorizados doutrinadores defendem que a simples existncia da reportada Lei representa n‹o apenas o fen™meno da submiss‹o do poder do mandat‡rio e da Administra‹o Pœblica ˆ Lei, mas tambŽm a cria‹o pr—pria do direito administrativo. Vejamos o representativo esc—lio de ninguŽm menos que Caio T‡cito: ÒO epis—dio central da hist—ria administrativa no sŽculo XIX Ž a subordina‹o do Estado ao regime de legalidade. A lei, como express‹o da vontade coletiva, incide tanto sobre os indiv’duos como sobre as autoridades pœblicas. A liberdade administrativa cessa onde inicia a veda‹o legal. O Executivo opera dentro dos limites traados pelo Legislativo sob a vigil‰ncia Poder Judici‡rioÓ. (apud BINENBOJM, 2008, p. 10) A leitura tradicional da doutrina administrativista, portanto, encontra neste epis—dio o manancial para defender uma mudana vertiginosa no tratamento deste ramo do direito. Operou-se, aqui, verdadeiro milagre[7]: subjugou-se a vontade do soberano ˆ vontade geral do Parlamento. Com esta simples manobra pol’tica, como que quase todos os problemas do abuso de autoridade, da exacerba‹o do poder estariam eliminados: a Administra‹o Pœblica, agora, estaria sujeita nada mais, nada menos, que ao imperativo da Lei. A revolu‹o liberal, assim, sobrelevaria uma mudana de paradigma: da representa‹o do divino pelos reis ˆ representa‹o popular pelo Parlamento (COSTA, 2011, p.29). E o resultado disso seria a sa’da de um regime autorit‡rio para um sistema baseado na liberdade do administrado, que estabeleceria rela›es jur’dicas com o soberano pautadas diretamente em diplomas normativos. Da autoridade ˆ garantia dos administrados. Uma hist—ria, portanto, essencialmente de liberdade, do direito dos administrados contra a Administra‹o Pœblica, muito bem resumida nas palavras de Enterr’a (2001, p. 110): ÒA substitui‹o do monarca pelo povo implica tambŽm, portanto, uma mudana do instrumento de governo; o Rei era uma vontade singular, que se legitimava como representante do divino, e que, portanto, […] podia excepcionar ou dispensar em qualquer momento a norma geral de uma Lei prŽvia […].Ó Desde a situa‹o geral de liberdade na qual a sociedade civil se constitui […] a rela‹o pol’tica do cidad‹o com o poder deixar‡ de ser uma rela‹o de sujei‹o ou subordina‹o pessoal […]; ser‡, de agora em diante, uma rela‹o jur’dica de simples obedincia ˆ Lei.Ó Em um panorama como esse, poder’amos sustentar facilmente que a consolida‹o de direitos subjetivos n‹o poderia ser mais do que o normal no dia-a-dia da rela‹o entre a Administra‹o e o particular. Afinal, se a atividade administrativa est‡ pautada na Lei, e esta œltima, como acima rememorado, por fora de sua aplica‹o, gera situa›es ativas ao particular, n‹o haveria como escapar ao reconhecimento de poderes e/ou faculdades a serem exercidas em detrimento do Poder Pœblico. Mas, Òtal hist—ria seria esclarecedora, e atŽ mesmo louv‡vel, n‹o fosse falsaÓ (BINENBOJM, 2008, p. 11). Se nos aprofundarmos nos detalhes, veremos antes que o direito administrativo hodierno mais teve sua gnese em uma perpetua‹o da autoridade e do poder do Antigo Regime, que da garantia de situa›es jur’dicas ativas aos administrados. Vejamos. Primeiramente, observe-se que ap—s a eclos‹o da Revolu‹o Francesa e a conseqŸente tomada de poder pelos liberais, instaurou-se nos revolucion‡rios o medo de que os Tribunais Judici‡rios recebessem com hostilidade a nova ordem de governo, suprimindo, assim, ampla margem de a‹o de suas autoridades administrativas ditas revolucion‡rias. N‹o se poderia permitir, por sua vez, que o julgamento das causas em que estivesse envolvido o aparato administrativo chegasse ao conhecimento do Tribunal Judici‡rio da Žpoca. Procedeu-se, bem por isso, a uma espec’fica releitura do princ’pio da separa‹o dos poderes apregoada por Montesquieu. Ao invŽs de se enveredar por um caminho de aprecia‹o dos atos administrativos por um —rg‹o imparcial e neutro, qual seja, o Poder Judici‡rio, se proliferou uma m‡xima consistente em que Òjulgar a Administra‹o ainda Ž administrarÓ (OTERO, 2008, p. 275). Esta ideia, que por muito tempo entenderam os administrativistas revelar uma garantia aos administrados, em verdade, Ž uma das condicionantes da permanncia de seu gŽrmen de autoridade. E isto porque, no momento em que a Administra‹o Pœblica assim declara, suprime a competncia do Poder Judici‡rio de julgar os conflitos em que esteja envolvida e os entrega para um —rg‹o distinto, que ˆ Žpoca se apresentou como o Conselho de Estado Francs. Cria-se, com isso, um Tribunal Administrativo apartado do Poder Judici‡rio comum. Acontece que este —rg‹o, nomeadamente o respons‡vel pelo desenvolvimento dos institutos do Direito Administrativo de hoje em dia, se encontrava vinculado diretamente ao Poder Executivo, sendo que suas decis›es se afiguravam como meras propostas pass’veis de aprecia‹o e acatamento de parte do Chefe daquele poder[8]. Ou seja, em que pese a mudana advinda com o paradigma liberal, a Administra‹o Pœblica continuava julgando a si pr—pria. E isto n‹o representa mudana alguma ao estilo anterior ˆ Revolu‹o, tanto que Tocqueville assinalou com precis‹o que Ònesta matŽria apenas encontramos a f—rmula; ao Antigo Regime pertence a idŽiaÓ (apud OTERO, 2008, p. 275). Mas essa manobra pol’tica representou ainda mais. A legitimidade concedida ao Conseil D«Etat para julgar este tipo de contenda propiciou que o mesmo constru’sse ao longo do tempo o manancial de conceitos a serem trabalhados no Direito Administrativo, resultado da consolida‹o de seus precedentes jurisprudenciais. Em um primeiro momento, a institucionaliza‹o deste sistema jur’dico, em que a Administra‹o Pœblica literalmente foge ao controle exercido pelo Poder Judici‡rio, comeou a legitimar a cria‹o de solu›es de cunho processual bastante distintas e evidentemente derrogadoras do Direito Comum. Por meio da jurisprudncia do Conselho de Estado francs consolidaram-se princ’pios que limitavam ou reduziam a matŽria a ser questionada no ato emanado pela Administra‹o Pœblica; entendiam pela isen‹o de determinados atos do controle do Tribunal, a exemplo dos atos de governo e dos atos pol’ticos; e, ainda, preceituavam a apertada legitimidade processual ativa para figurar em uma demanda perante a Administra‹o Pœblica (OTERO, 2008, p. 276). Ou seja, resta aqui um racioc’nio embrion‡rio para a existncia de um Direito Processual diferenciado pelo t‹o s— fato de estar em litig‰ncia com a Administra‹o Pœblica. Momento posterior e l—gico ˆ cria‹o Ð jurisprudencial e n‹o legal, vale dizer Ð deste t’pico direito processual, foi o avano das decis›es do Conselho de Estado sobre as atividades realizadas pela Administra‹o Pœblica, ou seja, sobre o direito material que iria reger as rela›es travadas pelo particular em face daquela. Baseado sempre na ideia da disparidade supostamente verificada entre as rela›es travadas entre os privados – solucionadas pelo Direito Comum e no ‰mbito do Tribunal Judici‡rio – e as rela›es jur’dicas estabelecidas perante o Estado – que ensejariam a interven‹o de um Tribunal Administrativo – a Administra‹o Pœblica, por meio de uma decis‹o tomada no ‰mbito do Poder Executivo, passou a avaliar e qualificar as suas pr—prias condutas, como sendo consoantes ou n‹o com o ordenamento jur’dico[9]. E isto se fazia em meio a um suposto v‡cuo legislativo, que legitimava a cria‹o de solu›es pautadas sempre na ideia de desigualdade, como demonstra Otero (2008, p. 280): ÒNo quadro de um sistema em que a explica‹o da origem do Direito Administrativo se encontra na necessidade de criar um grupo de normas especificamente reguladoras da actividade do poder executivo, afastando-se a aplica‹o do Direito Comum de natureza substantiva Ð tal como j‡ antes, num momento imediatamente anterior, se haviam afastado os meios processuais comuns de reac‹o contra as decis›es administrativas Ð comeam a desenhar-se os contornes materiais de um novo ramo de Direito derrogat—rio de muitas das solu›es normativas decorrentes do Direito Comum e genericamente animado por uma desigualdade do estatuto jur’dico das partes envolvidas, isto por efeito da atribui‹o de prerrogativas especiais de autoridade ao poder executivo.Ó (grifos nossos) Ap—s esta œltima ideia, residente em suposta constata‹o de diferencia‹o entre as atividades administrativas e aquelas laboradas pelos particulares, comeou-se a solidificar espec’ficos entendimentos no direito administrativo que se reflete atŽ a atualidade. Reconhecia-se naquele momento, de forma concomitante, n‹o a validade do Direito Comum para a solu‹o de seus casos, mas a existncia de um direito especial, criado no ‰mbito da Administra‹o Pœblica, e que era notoriamente desvantajoso ao particular na medida em que, dentre alguns exemplos: concede poderes exorbitantes de defini‹o do direito aplic‡vel ao caso concreto ‡ Administra‹o Pœblica; prev a possibilidade de execu‹o forosa de suas decis›es em determinados casos; reconhece a titularidade da defini‹o unilateral da norma ˆ regular o caso concreto; sem contar com as j‡ mencionadas garantias processuais distintas daquelas veiculadas no Tribunal Judici‡rio em sentido comum. E isto tudo representa uma contradi‹o flagrante com a ideia basilar de submiss‹o direta e irrestrita de toda e qualquer atividade dos sujeitos de direito a uma atividade legislativa prŽvia proveniente dos representantes do povo, ou seja, ao princ’pio da legalidade que colocaria em pŽ de igualdade todos os participantes da sociedade. Como acima relembrado, foi li‹o recorrente dentre os liberais que, evocando Montesquieu e a Rousseau e os artigos 5¼ a 8¼ da Declara‹o dos Direitos do Homem, a Lei deveria ser a medida de todas as coisas e o suped‰neo œnico dos poderes advindos de qualquer sujeito de direito, sem distin‹o (ENTERRêA, 2001, p. 82).  O que se passou com o direito administrativo, no entanto, foi literalmente o contr‡rio. N‹o se vinculou a vontade administrativa em nenhum momento aos ideais do Parlamento, mas ˆ jurisprudncia laboriosa de um —rg‹o integrante do Poder Executivo, que se queria, declaradamente, distante dos Tribunais Judici‡rios. V-se, pois, que a evolu‹o deste ramo do direito n‹o Ž produto da lei, Òantes se configura como uma interven‹o decis—ria autovinculativa do Executivo sob proposta do Conseil D«EtatÓ (OTERO, 2008, p. 271). E, como bem pontuou Binenbojm (2008, p. 15), se h‡ algum sentido de garantia que norteia e inspira o surgimento e o desenvolvimento da dogm‡tica administrativa, Òeste foi a favor da Administra‹o, e n‹o dos cidad‹osÓ (BINENBOJM 2008, p. 15). 3. Reflex›es acerca da rela‹o entre o direito subjetivo e a administra‹o pœblica Esclarecidos em pormenores os detalhes ocorridos no nascedouro do direito administrativo atual, apenas por equ’voco hist—rico Ž que se poder‡ afirmar que a sua gnese estaria ligada ˆ ideia de liberdade e de submiss‹o da Administra‹o Pœblica aos ditames da vontade geral. Antes, se vincula este ramo do direito ˆs at‡vicas ideias de autoridade e de poder, reproduzindo, bem por isso, a f—rmula anteriormente vislumbrada ˆ Žpoca do Antigo Regime. Baseado numa interpreta‹o tortuosa do princ’pio da separa‹o dos poderes, assim como assentado em uma duvidosa legalidade, curiosamente moldada aos dissabores da jurisprudncia de um Tribunal Administrativo vinculado ao Poder Executivo, Ž que o Direito Administrativo nasce. E nasce, repita-se, cheio de prerrogativas especiais. Prerrogativas estas que, como bem relembrou Otero (2008, p. 271), com base na pr—pria an‡lise da jurisprudncia do Conselho de Estado francs ˆ Žpoca, chegaram a ser eleitas como a Òcausa e a medida da independncia do Direito Administrativo, ou seja, este ramo do direito comeou por ser um Direito de prerrogativas especiais da Administra‹oÓ. E foi em meio a todos esses resqu’cios de autoridade que a maioria dos conceitos que hoje trabalhamos surgiu, como bem relata Binenbojm (2008, p. 15): ÒNesse contexto, as categorias b‡sicas do direito administrativo, como a discricionariedade e sua insindicabilidade perante os —rg‹os contenciosos, a supremacia do interesse pœblico e as prerrogativas jur’dicas da Administra‹o, s‹o tribut‡rias deste pecado original consistente no estigma de suspeita de parcialidade de um sistema normativo criado pela Administra‹o Pœblica em proveito pr—prio, e que ainda se arroga o poder de dirimir em car‡ter definitivo, e em causa pr—pria, seus lit’gios com os administrados.Ó A luta ao longo do tempo, assim, n‹o ser‡ o fortalecimento das garantias advindas dos ideais revolucion‡rios, mas da limita‹o pr—pria dos poderes que foram concedidos ˆ Administra‹o Pœblica de quando elaborado o direito Administrativo na Europa Continental e que foi importado em quase sua totalidade no Brasil (BINENBOJM 2008, p. 17)[10]. Procura-se afastar, e n‹o consolidar, gradativamente, a vincula‹o da conduta do Poder Pœblico ao ordenamento jur’dico[11]. Ao nosso sentir, o atual cen‡rio do direito administrativo n‹o nos parece t‹o distante dos debates inicialmente travados na original concep‹o do direito administrativo elaborado pelo Conselho de Estado francs. AtŽ hoje os manuais de direito administrativo s‹o fartos em elencar as Òprerrogativas especiais da Administra‹o PœblicaÓ, as Òcl‡usulas exorbitantesÓ estipuladas em seu favor nos contratos administrativos, com o que se garantem espaos de livre atividade e decis‹o em prol da Administra‹o Pœblica e em desfavor de determinados particulares. Acontece que todas estas express›es se originaram em sua maioria no sŽculo XIX, e, por mais que recebam diversas ressalvas pelos juristas que o tratam[12], inelutavelmente ainda guardam o autoritarismo que lhe Ž inerente, dificultando a correta compreens‹o de diversas situa›es jur’dicas ocorridas no trato com a Administra‹o Pœblica. ƒ preciso notar, tambŽm como resultado deste processo hist—rico de consolida‹o do direito administrativo, a pr—pria impregna‹o da linguagem utilizada na matŽria, que difere substancialmente de todas as outras ‡reas do estudo do direito. Direito Administrativo Ž contrabalancear prerrogativas da Administra‹o e garantias do administrado. N‹o se utiliza em seu linguajar, normalmente, duas express›es simples e que muitas vezes refletem com fidelidade fen™menos ocorridos ao redor da Administra‹o Pœblica, quais sejam: direito e dever. Ë Administra‹o, repita-se, n‹o s‹o concedidos direitos, e sim prerrogativas, faculdades, poderes. E o particular Ž mero detentor de garantias, e n‹o propriamente de direitos prontos para o seu exerc’cio. Remanesce claro, portanto, que em um contexto como esse, ao contr‡rio da facilidade inicialmente apontada por aqueles que veem no in’cio do direito administrativo a hist—ria da concess‹o de poder e/ou faculdade ao cidad‹o, o direito subjetivo n‹o s— Ž matŽria cara, como certas vezes estranha a este ramo da cincia jur’dica. Esta œltima express‹o tem de conviver ao lado de pomposas outras como: Òcl‡usulas exorbitantesÓ, Òprerrogativas especiais do poder pœblicoÓ, Òdiscricionariedade administrativaÓ, que, em uma percep‹o aligeirada e err™nea do fen™meno Ð como adiante se evidenciar‡ -, poderiam ser utilizadas a qualquer tempo em detrimento de um direito do particular, e com base no raso fundamento de que o interesse pœblico deve prevalecer a priori em face do particular[13]. O resultado disso tudo, certamente, Ž um enfraquecimento e sempre uma relut‰ncia no reconhecimento de qualquer situa‹o ativa em favor do particular em que, correlatamente, esteja o Poder Pœblico no lado passivo da rela‹o. ƒ dif’cil imaginar que este, detentor de tantas faculdades e poderes, possa sofrer os efeitos da limita‹o que o direito subjetivo, como acima rememorado, produz. Mas tudo isso n‹o nos ilude. Sobretudo ap—s a promulga‹o da Constitui‹o de 1988[14], n‹o hesitamos em afirmar que existem, sim, situa›es ativas em favor do cidad‹o e que a Administra‹o Pœblica deve respeitar o seu exerc’cio, sob pena de ser exigido este perante um —rg‹o judicial. E, ao revŽs do que se pode pensar, estas situa›es s‹o muitas e merecem o devido obsŽquio e estudo. 4. Conclus›es Em um primeiro momento, concebemos, com base em uma an‡lise hist—rica, os traos essenciais do direito subjetivo. Realamos o seu surgimento como efeito decorrente da incidncia de uma norma a um determinado suporte f‡tico, ou seja, o analisamos no plano da efic‡cia jur’dica; Complementamos o racioc’nio evidenciado a situa‹o ativa que o mesmo gera em favor de um determinado particular, e que faz surgir, tambŽm e como consequncia l—gica, uma sujei‹o passiva do outro polo da rela‹o jur’dica, terminando por limitar a conduta deste œltimo; Ainda, traamos um paralelo entre o direito subjetivo e a hist—ria do Direito Administrativo. Restou reconhecido, por sua vez, a ilus‹o garant’stica de gnese (OTERO, 2007, p. 129) deste ramo da cincia jur’dica, o que sobreleva a cria‹o da maioria dos conceitos que trabalhamos hoje em dia sob o signo da autoridade e do poder irrestrito; Por fim, reconhecemos que a gnese do Direito Administrativo est‡, dia a p—s dia, dificultando que se reconheam direitos subjetivos em seu desfavor. No entanto, com o advento da Constitui‹o Federal, e a irradia‹o de seus efeitos Ž a base necess‡ria para que este panorama, t‹o tranquilamente, reverberado pela doutrina, comece a mudar.
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Desafios e perspectivas para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BRe os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAU/UF
Resumo:A criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR e dos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAU/UF, por meio da Lei Federal 12.378/2010, representou a conclusão de um longo processo de lutas e de fortalecimento da arquitetura e urbanismo no Brasil. Este trabalho busca analisar o histórico do surgimento dos conselhos de fiscalização, em especial para o sistema CAU/BR-CAU/UF, seus desafios e perspectivas na sociedade brasileira do século XXI.
Direito Administrativo
1 Introdução A criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR e dos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAU/UF, por meio da Lei 12.378/2010, representou a conclusão de um longo processo histórico de lutas e de fortalecimento da arquitetura e urbanismo no Brasil. Na verdade, o surgimento do sistema CAU/BR-CAU/UF sempre foi uma antiga reivindicação dos profissionais arquitetos e urbanistas que outrora eram registrados no sistema CONFEA-CREA.A nova lei promoveu a criação de uma autarquia única e exclusiva para congregar os arquitetos e urbanistas brasileiros num novo conselho de fiscalização profissional. Assim, este trabalho busca apresentar o novo sistema surgido em 31 de dezembro de 2010, suas peculiaridades e seus desafios para o futuro, tendo em vista que há um longo caminho na efetivação das mudanças e na consagração de um novo modo de se normatizar e de fiscalizar o exercício da arquitetura e do urbanismo no Brasil. 2O surgimento dos conselhos de fiscalização do exercício profissional e a criação do cau/bre dos cau/uf Os conselhos de fiscalização do exercício profissional passaram a ter destaque de forma efetiva, no Brasil, a partir da primeira metade do século XX. No entanto, a regulamentação de uma determinada profissão não é algo novo, pois trata-se de uma ação que encontra suas origens desde os tempos da Idade Média. “Por volta do século XI, em decorrência do surgimento de comunas, os vassalos, até então submetidos exclusivamente aos desígnios dos suseranos, começaram a organizar, com alguma autonomia (de início por concessão destes) de acordo com as profissões exercidas. Evidentemente à época predominavam as atividades artesanais ligadas à produção de alimentos e de objetos destinados à proteção e ao trabalho. Fundados na identidade de atividades, os trabalhadores da Alemanha, da Itália, da França, da Espanha, de Portugal, da Inglaterra e de outras nações europeias organizaram-se para, na medida do possível, livremente desempenhar seus misteres, garantir a qualidade dos produtos ofertados, dos serviços prestados e, igualmente, limitar o ingresso de concorrentes desqualificados ou em número excessivo no incipiente mercado que começava a se formar. Surgiram assim as corporações (também conhecidas em alguns Estados como fraternidades, grêmios e sociedades de ofício). No sistema das corporações medievais, a exemplo do que ocorre hodiernamente no Brasil em relação a muitas profissões, os artesãos não podiam exercer seu ofício ou arte nas comunas sem que ligados a alguma entidade.”(PEREIRA, 2008, p.19) Entretanto, a forma de organização medieval vai entrar em colapso no período da Revolução Francesa de 1789, principalmente diante da afirmação das liberdades do ser humano e da “conquista a liberdade do exercício profissional. O mercado, incentivado pelo ‘descobrimento de novos mundos’, pôs fim às corporações, ao menos nas feições que até então detinham, dando origem à atividade empresarial propriamente dita.” (PEREIRA, 2008, p.21-22) As mudanças ocorridas na Europa também chegaram ao Brasil e muitas destas com a vinda da família real portuguesa em 1808. A partir da Abertura dos Portos às Nações Amigas (leia-se aqui Inglaterra) há uma mudança substancial nas relações jurídicas estabelecidas no território brasileiro, principalmente com a consolidação do domínio inglês sobre o Estado português transplantado para o Brasil. Como destaca Pereira (2008, p.22) “vindo o príncipe regente Dom João VI a se refugiar no Brasil por força dos conflitos entre Portugal e França, editou ele, ainda no ano de 1808, pouco após a Abertura dos Portos, o Alvará de 1.o de abril, intentando “promover e adiantar a riqueza nacional”. Assim, determinou: “Sou servido a abolir, e revogar toda e qualquer proibição que haja a esta respeito no Estado do Brasil, e nos meus domínios ultramarinos, e ordenar que, daqui em diante, seja lícito a qualquer dos meus vassalos, qualquer que seja o país em que habitem, estabelecer todo o gênero de manufaturas sem excetuar alguma, fazendo seus trabalhos em pequeno, ou em grande, como entenderem, que mais lhe convêm, para o que, hei por bem derrogar o Alvará de 5 de janeiro de 1785, e quaisquer leis, ou ordens, que o contrário decidam, como se delas fizesse expressa, e individual menção, sem embargo da lei em contrário”. Veja-se, com isso, que o liberalismo triunfou após as revoluções dos séculos XVII e XVIII, em especial, Gloriosa (1688), Americana (1776) e Francesa (1789), chegando, inclusive,seus reflexos no Brasil. Mas,ao longo dos séculos, o domínio liberal não foisendo aceito de forma absoluta, pois a consolidação de um Estado de ideologia liberal recebeu inúmeras críticas da classe de trabalhadores, à qual sofreu com a exploração, a miséria, a fome e as profundas desigualdadesestabelecidas, perante uma atitude de total omissão estatal para com os inúmeros problemas sociais gerados por um capitalismo desumano e escravizador. Diante destes fatos e injustiças, várias teorias buscaram a construção de uma sociedade mais justa e igual. Destacam-se Karl Marx e Friedrich Engels como os grandes teóricos do Socialismo Científico.Marx foi um crítico do modelo social instalado no período pós Revolução Francesa de 1789. Ele via a revolução como um elemento possibilitador “[d]a instauração do regime do individualismo egoísta, em lugar do egoísmo corporativo do Ancien Régime.” (COMPARATO, 2003, p.142).Marx e Engelsfizeram um contraponto no sistema capitalista entre a burguesia e o proletariado, mostrando as reais desigualdades existentes entre as duas classes sociais.Assim, o conflito entre o capital e o trabalho estava na ordem do dia e tal situação só mudou no começo do século XX com a Revolução Russa de 1917 e com as Constituições sociais do México de 1917 e de Weimar na Alemanha em 1919. “A Constituição mexicana, em reação ao sistema capitalista de feição liberal clássico, foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura no mercado. Ela firmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho […] e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito.” (COMPARATO, 2003, p.177) A Constituição de Weimar de 1919, além de ser marcada por ter inaugurado o Estado Social, instituiu o sistema republicano na Alemanha que se encontrava totalmente destruída após os terríveis anos da Primeira Guerra Mundial. A igualdade foi afirmada, inclusive a igualdade de direitos entre homem e mulher e a igualdade entre os filhos legítimos e aqueles tidos como ilegítimos.A igualdade também se fez presente na possibilidade dos empregados e empresários regularem as condições de salário e trabalho na evolução econômica das forças produtivas. A dignidade humana foi observada na promoção de políticas econômicas, da mesma forma que os direitos trabalhistas e previdenciários foram constitucionalizados.  “Superadas as concepções liberais no que imbuídas de ingenuidade, começaram a ser concebidas, quanto ao assunto que nos interessa mais de perto, formas de intervenção estatal a fim de controlar o exercício de profissões.” (PEREIRA, 2008, p.24) Assim, no Brasil, foi criada em 18 de novembro de 1930, por meio do Decreto no 19.408, editado pelo então Presidente Getúlio Vargas (1930-1945), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que seria responsável pela disciplina e seleção da classe dos advogados, nos termos do art. 17 do mencionado decreto. “Criada a Ordem dos Advogados do Brasil, outras categorias profissionais começaram a se mobilizar, impulsionadas pelo crescimento do mercado de trabalho e pela efervescência dos cursos superiores que se espalhavam pelo Brasil. Com o tempo, assim, foram surgindo outros conselhos, como os de Contabilidade, Economia, Medicina e Odontologia, entidades que proliferaram e assumiram aos poucos papel de destaque no cenário nacional.” (PEREIRA, 2008, p.25) Em 11 de dezembro de 1933 houve a regulamentação do exercício das profissões de engenheiro, de arquiteto e de agrimensor, por meio do Decreto nº 23.569, o qual também criou o CONFEA (naquela época Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura), bem como abriu a possibilidade para que fossem instituídos os Conselhos Regionais (CREAs) nos diferentes Estados e no Distrito Federal, nos termos do art. 25 do mesmo diploma normativo. Mas, tal Conselho multiprofissional nunca foi passível de consenso entre os arquitetos e urbanistas, os quais sempre sonharam com um conselho de classe único e exclusivo que pudesse melhor regulamentar e fiscalizar o exercício da profissão. Em 1958 a discussão em torno da criação de um conselho único para os profissionais arquitetos e urbanistas apareceu num fórum realizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), o qual encaminhou ao Presidente da República Juscelino Kubistchek de Oliveira (1956-1961), um Projeto de Lei quedesmembrava o então Conselho de Engenharia e Arquitetura e criava um Conselho para os arquitetos e urbanistas. No entanto, o mencionado projeto foi retirado pelo de discussão pelo IAB que atendeu a uma solicitação do CONFEA para que aquestão fosse melhor debatidainternamente entre os engenheiros e arquitetos, mas tal debate nunca aconteceu. Em 1966, o Presidente Castello Branco (1964-1967) sancionou a Lei 5.194 que veio regular o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro-agrônomo. A Lei 5.194/1966 revogou,tacitamente, o Decreto 23.569/33, haja vista dispor sobre a mesma matéria contida no decreto e também por dispor em seu art. 92 que todas as disposições em contrário estariam revogadas. É de se destacar ainda que a referida lei criou também o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura eAgronomia (CONFEA) e os ConselhosRegionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia(CREAs)dos Estados e do Distrito Federal. Mais uma vez, os profissionais arquitetos e urbanistas continuavam sob a fiscalização de um conselho multiprofissional. Em 1994 surgiu um outro projeto de lei para a criação de um conselho para os arquitetos e urbanistas. No entanto, divergências entre os próprios profissionais fizeram com o projeto não fosse adiante e o mesmo fosse arquivado no Congresso Nacional. Em 1998 as mais importantes entidades que congregam os arquitetos e urbanistas no Brasil, quais sejam Associação Brasileira de Ensinode Arquitetura e Urbanismo (ABEA), a AssociaçãoBrasileira dos Escritórios de Arquitetura (AsBEA), Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP), FederaçãoNacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) e Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), constituíram-se em Colégio Brasileiro de Arquitetos(CBA) e redigiram um Anteprojeto de Lei para a criação do Conselho de Arquiteturae Urbanismo (CAU), ação esta que foi muito difundida na época entre os profissionais da arquitetura e urbanismo. Em 2003, o Senador José Sarney (PMDB/AP) apresentou o Projeto de Lei 347 que regulamentava o exercício da arquitetura e do urbanismo e criava o Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo e os Conselhos Regionais de Arquitetura e Urbanismo como órgãos de fiscalização profissional.Tal projeto foi discutido e aprovado no Senado e na Câmara dos Deputados, mas foi vetado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sob o argumento de inconstitucionalidade, in verbis: “MENSAGEM Nº 1.047, DE 31 DE DEZEMBRO DE 2007. Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar integralmente, por inconstitucionalidade, o Projeto de Lei no 347, de 2003 (no 4.747/05 na Câmara dos Deputados), que “Regulamenta o exercício da Arquitetura e do Urbanismo, autoriza a criação dos órgãos de fiscalização profissional e fixa as respectivas atribuições”. Ouvidos, o Ministério da Justiça e a Casa Civil manifestaram-se pelo veto ao projeto de lei pelas seguintes razões: “Não está clara no projeto de lei a natureza jurídica do ente que se pretende criar. Caso se entenda que há criação de pessoa jurídica de direito privado, como é típico quando se usa fórmula autorizativa (art. 37, inciso XIX, da Constituição), estar-se-á divergindo do entendimento do Supremo Tribunal Federal manifestado, entre outras ocasiões, na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 1.717-6/DF, na qual foi firmado entendimento no sentido da inconstitucionalidade da delegação de atividades de conselho profissional para pessoas jurídicas de direito privado. Por outro lado, caso se interprete que o Conselho que se pretende criar seria pessoa jurídica de direito público, haverá inconstitucionalidade formal (art. 61, § 1o, II, ‘e’, da Constituição da República), porque ter-se-á autarquia criada por projeto de lei de iniciativa parlamentar. E o uso de formulação ‘autorizativa’, neste caso, em nada afasta o vício de iniciativa, conforme reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal (v. g. ADI-MC 2367/SP, Rp 993/RJ, RE-AgR 327621/SP, ADI 1955/RO). Também não se pode concordar com a tese da existência de autarquia fora da administração pública. Ora, se a criação dos conselhos de classe é feita por lei, se sofrem controle estatal (STF, MS 22.643-9/SC. DJ 04.12.1998, ementário no 1.934-01), se exercem atividade típica do Estado (poder de fiscalização das profissões), envolvendo, ainda, competência tributária (STJ, Resp no 225301/RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 16.11.1999) e poder de punir, se têm imunidade constitucional, são autarquias e se inserem na administração pública federal. Assim, se faz necessário o veto integral. Entende-se inadequado restringir o veto apenas às disposições referentes à criação do Conselho porque o grau de conexão das normas é tão intenso que se terminaria por deixar em vigor apenas dispositivos sem sentido normativo.” Considerando, contudo, que a intenção de desmembrar os profissionais de arquitetura e urbanismo do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia afigura-se razoável, informo que determinei aos Ministérios pertinentes a elaboração de projeto de lei sobre essa matéria. Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar integralmente o projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. Brasília, 31 de dezembro de 2007”. (BRASIL, 2007) Diante da importância da matéria e do compromisso assumido por parte da Presidência da República na criação de um conselho de fiscalização do exercício profissional único para os arquitetos e urbanistas, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou, em 2008, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.413, com o objetivo de regulamentar o exercício da Arquitetura e Urbanismo; criar o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil – CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal – CAUs; e dar outras providências. Tal projeto foi aprovado na Câmara e, posteriormente, encaminhado ao Senado Federal, onde o Projeto de Lei da Câmara 190/2010 também foi aprovado. Em 31 de dezembro de 2010 foi sancionadaa Lei 12.378/2010 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu último dia de governo, e publicada no mesmo dia em edição extra do Diário Oficial da União. Nasceu assim um novo sistema de fiscalização do exercício profissional, o CAU/BR e os CAU/UF, com a responsabilidade de estabelecer as novas bases e diretrizes para a arquitetura e urbanismo no Brasil, a partir de uma nova disposição legal que pôs fim a uma luta de mais de 50 anos em torno da necessidade de reconhecimento e valorização profissional. Após a sanção presidencial, o CAU/BR e os CAU/UF passaram a funcionar de forma efetiva em 15 de dezembro de 2011. O dispositivo da Lei que tratou da criação dos Conselhos de Arquitetura e Urbanismo estabeleceu o seguinte: “Art. 24. Ficam criados o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil ¬ CAU/BR e os Conselhos de Arquitetura e Urbanismo dos Estados e do Distrito Federal ¬ CAUs, como autarquias dotadas de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira e estrutura federativa, cujas atividades serão custeadas exclusivamente pelas próprias rendas. § 1° O CAU/BR e os CAUs têm como função orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de arquitetura e urbanismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo aperfeiçoamento do exercício da arquitetura e urbanismo. § 2° O CAU/BR e o CAU do Distrito Federal terão sede e foro em Brasília. § 3° Cada CAU terá sede e foro na capital do Estado, ou de um dos Estados de sua área de atuação, a critério do CAU/BR”. (BRASIL, 2010a) Com a criação e desde a instalação do CAU/BR e dos CAU/UF nos 26 Estados da Federação e no Distrito Federal, esses novos Conselhos vêm desempenhando um trabalho contínuo e progressivopara  prestar aos arquitetos e urbanistas, às sociedades de arquitetura e urbanismo e à sociedade brasileira a melhor orientação para a contratação e melhor prática do exercício profissional na área de arquitetura e urbanismo, nos termos da Lei 12.378/2010. 3 Desafios e perspectivas do sistema cau/br-cau/uf A criação do sistema CAU/BR-CAU/UF trouxe uma nova perspectiva à arquitetura e urbanismo no Brasil, da mesma forma que inúmeros desafios, diante da existência de um novo conselhouniprofissional. Trata-se de um renascer e de um recomeço para profissionais que outrora eram vinculados ao sistema CONFEA-CREA. Dessa forma, todas as questões pertinentes aos arquitetos e urbanistas serão reguladas pela Lei 12.378/2010, tal como dispõe seu art. 66,e não mais pelas leis, resoluções e decisões plenárias outrora existentesda época em que eram parte do CONFEA, como por exemplo, as disposições constantes nas Leis 5.194/1966 e 6.496/1977, pois como estabelece o art. 2o, § 1o, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei no 4.657/1942): “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”Assim, não há conflito de normas entre a legislação pretérita e a Lei 12.378/2010, pois está última é o dispositivo normativo que vai reger tudo aquilo que diz respeito aos arquitetos e urbanistas, de forma a fortalecer a classe e possibilitar que uma maior atuação fiscalizatória seja realizada em prol da segurança da sociedade na construção de ambientes mais harmônicos e funcionais. Dentro dessa busca de fortalecimento profissional e de uma atuação em prol da fiscalização é que o CAU/BR, desde a sua instalação, vem editando uma série de normas gerais sobre orientação e ação dos arquitetos e urbanistas Com isso, podem-se indicar as seguintes:Resolução n° 91, de 9 de outubro de 2014, que dispõe sobre o Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) referente a projetos, obras e demais serviços técnicos no âmbito da Arquitetura e Urbanismo e dá outras providências;Resolução n° 75, de 10 de abril de 2014, que dispõe sobre a indicação da responsabilidade técnica referente a projetos, obras e serviços no âmbito da Arquitetura e Urbanismo, em documentos, placas, peças publicitárias e outros elementos de comunicação;Resolução n° 67, de 5 de dezembro de 2013, que dispõe sobre os Direitos Autorais na Arquitetura e Urbanismo, estabelece normas e condições para o registro de obras intelectuais no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), e dá outras providências;Resolução n° 58, de 5 de outubro de 2013, que dispõe sobre o procedimento para a aplicação das sanções ético-disciplinares relacionadas às infrações ético-disciplinares por descumprimento à Lei n° 12.378, de 31 de dezembro de 2010, e ao Código de Ética e Disciplina do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR);Resolução n° 52, de 6 de setembro de 2013, que aprova o Código de Ética e Disciplina do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR);Resolução n° 51, de 12 de julho de 2013, que dispõe sobre as áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas e as áreas de atuação compartilhadas com outras profissões regulamentadas, e dá outras providências;Resolução n° 22, de 4 de maio de 2012, que dispõe sobre a fiscalização do exercício profissional da Arquitetura e Urbanismo, os procedimentos para formalização, instrução e julgamento de processos por infração à legislação e a aplicação de penalidades, e dá outras providências;Resolução n° 21, de 5 de abril de 2012, que dispõe sobre as atividades e atribuições profissionais do arquiteto e urbanista e dá outras providências. Todas as resoluções aqui mencionadas são de extrema importância para a regulação do exercício profissional e todas decorrem, necessariamente, de uma previsão legal, ou seja, a capacidade normativa do CAU/BR advém da própria Lei 12.378/2010 que autoriza o Conselho Federal a normatizar dentro de determinados limites, pois todas as atribuições dos arquitetos e urbanistas estão previstas na lei, a qual dispõe sobre os limites e possibilidades de ação dos profissionais e do próprio CAU/BR e dos CAU/UF. Assim, o art. 2o da mencionada lei, em observância ao art. 5o, XIII, da Constituição da República, que dispõe que“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, nos apresenta quais são as atribuições dos arquitetos e urbanistas, in verbis: “Art. 2o  As atividades e atribuições do arquiteto e urbanista consistem em: I – supervisão, coordenação, gestão e orientação técnica; II – coleta de dados, estudo, planejamento, projeto e especificação; III – estudo de viabilidade técnica e ambiental; IV – assistência técnica, assessoria e consultoria; V – direção de obras e de serviço técnico; VI – vistoria, perícia, avaliação, monitoramento, laudo, parecer técnico, auditoria e arbitragem; VII – desempenho de cargo e função técnica; VIII – treinamento, ensino, pesquisa e extensão universitária; IX – desenvolvimento, análise, experimentação, ensaio, padronização, mensuração e controle de qualidade; X – elaboração de orçamento; XI – produção e divulgação técnica especializada; e XII – execução, fiscalização e condução de obra, instalação e serviço técnico. Parágrafo único.  As atividades de que trata este artigo aplicam-se aos seguintes campos de atuação no setor: I – da Arquitetura e Urbanismo, concepção e execução de projetos;  II – da Arquitetura de Interiores, concepção e execução de projetos de ambientes; III – da Arquitetura Paisagística, concepção e execução de projetos para espaços externos, livres e abertos, privados ou públicos, como parques e praças, considerados isoladamente ou em sistemas, dentro de várias escalas, inclusive a territorial; IV – do Patrimônio Histórico Cultural e Artístico, arquitetônico, urbanístico, paisagístico, monumentos, restauro, práticas de projeto e soluções tecnológicas para reutilização, reabilitação, reconstrução, preservação, conservação, restauro e valorização de edificações, conjuntos e cidades; V – do Planejamento Urbano e Regional, planejamento físico-territorial, planos de intervenção no espaço urbano, metropolitano e regional fundamentados nos sistemas de infraestrutura, saneamento básico e ambiental, sistema viário, sinalização, tráfego e trânsito urbano e rural, acessibilidade, gestão territorial e ambiental, parcelamento do solo, loteamento, desmembramento, remembramento, arruamento, planejamento urbano, plano diretor, traçado de cidades, desenho urbano, sistema viário, tráfego e trânsito urbano e rural, inventário urbano e regional, assentamentos humanos e requalificação em áreas urbanas e rurais; VI – da Topografia, elaboração e interpretação de levantamentos topográficos cadastrais para a realização de projetos de arquitetura, de urbanismo e de paisagismo, foto-interpretação, leitura, interpretação e análise de dados e informações topográficas e sensoriamento remoto; VII – da Tecnologia e resistência dos materiais, dos elementos e produtos de construção, patologias e recuperações; VIII – dos sistemas construtivos e estruturais, estruturas, desenvolvimento de estruturas e aplicação tecnológica de estruturas; IX – de instalações e equipamentos referentes à arquitetura e urbanismo; X – do Conforto Ambiental, técnicas referentes ao estabelecimento de condições climáticas, acústicas, lumínicas e ergonômicas, para a concepção, organização e construção dos espaços;  XI – do Meio Ambiente, Estudo e Avaliação dos Impactos Ambientais, Licenciamento Ambiental, Utilização Racional dos Recursos Disponíveis e Desenvolvimento Sustentável”. (BRASIL, 2010a) Ora, diante das atribuições especificadas na lei, é importante destacar que a formação e atuação diária de cada profissional passa pela necessária observância das diretrizes curriculares, pois os campos da atuação profissional para o exercício da arquitetura e urbanismo são definidos a partir das diretrizes curriculares nacionais que dispõem sobre a formação do profissional arquiteto e urbanista nas quais os núcleos de conhecimentos de fundamentação e de conhecimentos profissionais caracterizam a unidade de atuação profissional, nos termos do art. 3o da Lei 12.378/2010. Dentro dessa perspectiva em torno do exercício profissional e em observância às normas constitucionais e legais, é que o CAU/BR editou a Resolução 21/2012 que dispõe sobre as atividades e atribuições profissionais do arquiteto e urbanista. Tal resolução veio regulamentar o art. 2º e seu parágrafo único, da Lei 12.378/2010, visandodetalhar e esclarecer o conteúdo dos seus incisos; bem como a necessidade da tipificação dos serviços de arquitetura e urbanismo para efeito deregistro de responsabilidade, acervo técnico e celebração de contratos de exercício profissional. Segue-se à Resolução CAU/BR 21/2012 a Resolução CAU/BR 51/2013, a qual dispõe sobre as áreas de atuação privativas dosarquitetos e urbanistas e as áreas de atuaçãocompartilhadas com outras profissõesregulamentadas, in verbis: “Art. 2° No âmbito dos campos de atuação relacionados nos incisos deste artigo, em conformidade com o que dispõe o art. 3° da Lei n° 12.378, de 2010, ficam especificadas como privativas dos arquitetos e urbanistas as seguintes áreas de atuação: I – DA ARQUITETURA E URBANISMO: a) projeto arquitetônico de edificação ou de reforma de edificação; b) projeto arquitetônico de monumento; c) coordenação e compatibilização de projeto arquitetônico com projetos complementares; d) relatório técnico de arquitetura referente a memorial descritivo, caderno de especificações e de encargos e avaliação pós-ocupação; e) desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto arquitetônico; f) ensino de teoria, história e projeto de arquitetura em cursos de graduação; g) coordenação de curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo; h) projeto urbanístico; i) projeto urbanístico para fins de regularização fundiária; j) projeto de parcelamento do solo mediante loteamento; k) projeto de sistema viário urbano; l) coordenação e compatibilização de projeto de urbanismo com projetos complementares; m) relatório técnico urbanístico referente a memorial descritivo e caderno de especificações e de encargos; n) desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto urbanístico; e o) ensino de teoria, história e projeto de urbanismo em cursos de graduação; II – DA ARQUITETURA DE INTERIORES: a) projeto de arquitetura de interiores; b) coordenação e compatibilização de projeto de arquitetura de interiores com projetos complementares; c) relatório técnico de arquitetura de interiores referente a memorial descritivo, caderno de especificações e de encargos e avaliação pós-ocupação; d) desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto de arquitetura de interiores; e) ensino de projeto de arquitetura de interiores; III – DA ARQUITETURA PAISAGÍSTICA: a) projeto de arquitetura paisagística; b) projeto de recuperação paisagística; c) coordenação e compatibilização de projeto de arquitetura paisagística ou de recuperação paisagística com projetos complementares; d) cadastro do como construído (as built) de obra ou serviço técnico resultante de projeto de arquitetura paisagística; e) desempenho de cargo ou função técnica concernente a elaboração ou análise de projeto de arquitetura paisagística; f) ensino de teoria e de projeto de arquitetura paisagística; IV – DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL E ARTÍSTICO: a) projeto e execução de intervenção no patrimônio histórico cultural e artístico, arquitetônico, urbanístico, paisagístico, monumentos, práticas de projeto e soluções tecnológicas para reutilização, reabilitação, reconstrução, preservação, conservação, restauro e valorização de edificações, conjuntos e cidades; b) coordenação da compatibilização de projeto de preservação do patrimônio histórico cultural e artístico com projetos complementares; c) direção, condução, gerenciamento, supervisão e fiscalização de obra ou serviço técnico referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico; d) inventário, vistoria, perícia, avaliação, monitoramento, laudo e parecer técnico, auditoria e arbitragem em obra ou serviço técnico referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico; e) desempenho de cargo ou função técnica referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico; f) ensino de teoria, técnica e projeto de preservação do patrimônio histórico cultural e artístico; V – DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL: a) coordenação de equipe multidisciplinar de planejamento concernente a plano ou traçado de cidade, plano diretor, plano de requalificação urbana, plano setorial urbano, plano de intervenção local, plano de habitação de interesse social, plano de regularização fundiária e de elaboração de estudo de impacto de vizinhança; VI – DO CONFORTO AMBIENTAL: a) projeto de arquitetura da iluminação do edifício e do espaço urbano; b) projeto de acessibilidade e ergonomia da edificação; c) projeto de acessibilidade e ergonomia do espaço urbano.” (BRASIL, 2013) A definição de atribuições privativas de arquitetos e urbanistas contida na Resolução CAU/BR 51/2013 advém das disposições da Lei 12.378/ 2010, e, também,das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, aprovadas por meio da Resolução nº 2, de 17 de junho de 2010, do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Superior (CNE/CES). 4Os conflitos em torno da resolução cau/br 51/2013 O surgimento do sistema CAU/BR-CAU/UF proporcionou grandes mudanças na realidade brasileira em torno da fiscalização e da regulamentação da arquitetura e urbanismo. Um conselho exclusivo e, obviamente, uniprofissional para os arquitetos e urbanistas não se consolida de um momento para outro. Há desafios no caminho, os quais precisam ser enfrentados e superados não só pelo CAU/BR ou pelos CAU/UF, mas também pelos profissionais que desde 2011 estão vivendo numa realidade distinta daquela que outrora existia. Dentro dessas novas perspectivas é que o sistema CAU/BR-CAU/UF vem enfrentando desafios para consolidar o respeito e a validade de seus atos e resoluções. Um problema atual envolve o questionamento, em âmbito judicial, da Resolução CAU/BR 51/2013. A partir do surgimento desta resolução alguns CREAs começaram a questionar a constitucionalidade da Resolução CAU/BR 51/2013 e da própria Lei 12.378/2010, em especial de seu[1]art. 3°, § 1°. Assim, é que foram propostas algumas ações, dentre elas podem ser citadas a Ação Ordinária 5015134-10.2013.404.7200, de autoria do CREA-SC e que hoje está em trâmite no Tribunal Regional (TRF) da 4a Região, em sede de recurso de apelação; a Ação Ordinária 5030866-49.2013.404.7000, de autoria do CREA-PR que também está tramitando no TRF da 4a Região, em sede de recurso de apelação; a Ação Civil Pública 47996-57.2013.4.01.3400 em trâmite na 9ª Vara Federal do Distrito Federal, cujo autor éa Associação Brasileira de Engenheiros Civis (ABENC) e, por fim, a Ação Civil Pública 0056507-71.2014.4.01.3800,em trâmite na 20ª Vara Federal de Belo Horizonte, Minas Gerais, ação esta proposta pelo CREA-MG. Em Santa Catarina o juiz do caso julgou procedente a ação do CREA-SC e declarou, incidentalmente, inconstitucionalo art. 3°, § 1°, da Lei 12.378/2010, sob o argumento de que tal dispositivoseria ofende a Constituição ao estabelecer delegação de prerrogativas constitucionais reservadas exclusivamente à lei. De forma reflexa julgou também inconstitucional a Resolução CAU/BR 51/2013. No Paraná, a sentença também já foi proferida e estajulgou improcedente a ação do CREA-PR sob o fundamento de que os engenheiros e agrônomos não estão impedidos de exercer atribuições eventualmente previstas na Resolução CAU/BR 51/2013, pois que o exercício profissional destes últimos é regido pelas normas próprias dosistema CONFEA-CREA. Destaca-se que a sentença ainda esclareceu que eventuais conflitos existentes entre as normas dos dois Conselhos, em matéria de atribuições, deverão ser resolvidos por resolução conjunta, caso em que, até que tal norma venha a ser editada, prevalecerão as normas mais favoráveis a cada profissional. No Distrito Federal, o Juiz da 9ª Vara Federal do Distrito Federal concedeu medida liminar para suspender a vigência da Resolução CAU/BR 51/2013, em todo o Brasil, sob o argumento de que já estava consolidado, de forma costumeira, no país, que os engenheiros civis podiam exercem atribuições para a feitura de um projeto arquitetônico. No entanto, o CAU/BR recorreu da liminar, por meio de agravo de instrumento, processo 0076437-63.2013.4.01.0000 em trâmite na 8ª Turma do Tribunal Regional (TRF) da 1ª. Região. No Tribunal o recurso foi provido e a medida liminar foi cassada, o que reestabeleceu a vigência da Resolução. Na ação proposta em Minas Gerais, o CREA-MG busca a declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1° do art. 3° da Lei 12.378, e que o CAU/MG se abstenha de fiscalizar profissionais vinculados ao sistema CONFEA-CREA, haja vista que as atribuições previstas na Resolução CAU/BR 51/2013 não são exclusivas dos arquitetos e urbanistas. Neste caso o CREA-MG obteve medida liminar, in verbis: “Estão, pois, configurados os pressupostos necessários e suficientes à concessão do provimento de urgência pleiteado, razões por que DEFIRO, em parte, a liminar, para: a) suspender a aplicação da Resolução 51/2013, do CAU/BR, no âmbito do Estado de Minas Gerais, até a elaboração de resolução conjunta, como determina a Lei 12.378/2010, ou decisão judicial ulterior, relativamente à definição, como privativas de arquitetos e urbanistas, de atividades exercidas por profissionais e empresas registrados no CREA/MG, ao amparo dos Decretos 23.569/33, 23.196/33, da Lei 5.194/66 e de outras leis especiais e resoluções do CONFEA; b) determinar ao Conselho de Arquitetura e Urbanismo/MG que se abstenha de praticar qualquer ação de fiscalização sobre as atividades exercidas pelos profissionais e empresas registrados no CREA/MG, praticadas ao amparo dos Decretos 23.569/33, 23.196/33, da Lei 5.194/66 e de outras leis especiais e resoluções do CONFEA”. (BRASIL, 2014) O CAU/MG interpôs agravo de instrumento no TRF-1a. Região, processo 0053732-37.2014.4.01.0000 a partir da liminar da decisão interlocutória apresentada, tendo obtido êxito em sua ação, conforme decisão do Desembargador Federal Relator, com fundamento no art. 557, §1o-A, CPC, em 30/06/2015. No entanto, o caso ainda está sub judice no mesmo Tribunal. 5 Conclusão Os conselhos de fiscalização profissional têm desempenhado um importante papel no Brasil. Tais autarquias federais são responsáveis por promover a defesa da sociedade e a fiscalização do exercício profissional. A luta dos arquitetos e urbanistas em torno da criação de um conselho único foi fruto de um longo processo histórico, de forma a estabelecer novas bases e diretrizes para a profissão no Brasil, tendo em vista a construção de cidades e ambientes mais harmônicos e em respeito, por exemplo, à sustentabilidade ambiental. O sistema CAU/BR-CAU/UF substitui o sistema anterior, no qual estavam vinculados os arquitetos e urbanistas, pois promoveu o nascimento de um conselho dentro de uma realidade de mais avanços na informatização e, consequentemente, no processo de fiscalização da atividade profissional. Espera-se que o novo sistema consiga se afirmar e superar as disputas judiciais aqui apresentadas, garantindo com que os profissionais arquitetos e urbanistas possam exercer as suas atribuições, nos termos dos parâmetros estabelecidos na Lei 12.378/2010, das resoluções do CAU/BR e naquelas advindas a partir das diretrizes curriculares nacionais. Assim, o resultado será uma vitória para a própria sociedade que contará com profissionais cada vez mais conscientes de suas ações.
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Da inaplicabilidade da lei de improbidade administrativa aos agentes políticos, segundo a jurisprudência do supremo tribunal federal : uma controvérsia
Este trabalho acadêmico tem por escopo o estudo e análise, pelo método dedutivo, com base em livros e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mesmo que em linhas teóricas, a inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos Agentes Políticos, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a controvérsia criada sobre este tema, posto que o entendimeno do Superior Tribunal de Justiça é pela aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, de modo que ficara demonstrando que os agentes políticos regidos por Lei específica que trate dos crimes de responsabilidade podem ou não estão sujeitos as aplicações da Lei de Improbidade Administrativa. Ficando evidente que o ato de improbidade administrativa é um ato de crime de responsabilidade como assim está contido na Constituição Federal, de modo que o Supremo Tribunal Federal já vem entendo desta forma o que ficara comprovado no decorrer de todo o trabalho.[1]
Direito Administrativo
1 Introdução O atual trabalho se desencadeia no que perfaz o estudo sobre o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que argumenta que não se aplica a Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos que já forem submetidos a uma lei especifica e que tenha previsão das mesmas sanções, inlusive o tema é de repercursão geral conforme votou unanime todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Aduz ainda o presente trabalho sobre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que não ver inconstitucionalidade na aplicação da Lei de Improbidade Adminstrativa aos agentes politicos com a exceção do Presidente da República, com a sua jurisprudência já consolidada sobre o tema. Tendo como problemática desde trabalho o alto número de Ações de Improbidades Administrativas em face de agentes politicos usando os dispostivos legais da Lei de Improbidade Administrativa e não observando a legislação especifica de responsabilização de alguns agentes politicos. Deste modo, pode-se afimar, os tribunais superiores bem como a doutrina patria ainda não chegou em uma conclusão pacifica sobre o tema da aplicação da lei de improbidade administrativa aos agentes politicos. A Constituição Federal, prevê que os atos que atentem contra a probidade administrativa ou seja os atos de improbidade administrativa, são crimes de responsabilidade e serão definidos em lei especial. Quanto à questão do duplo regime de responsabilidade (art. 37, § 4.º, e 102, I, c, ambos da CF/1988), em que pese a decisão do Supremo na Reclamação 2138, entendendo que não haveria a possibilidade de responsabilização por ambos os regimes. Essa é uma tese rechaçada na doutrina e que, aparentemente, já está superada pelo próprio Tribunal Supremo, haja vista a votação apertada na reclamação e a composição do STF já ter sido substancialmente alterada. 2 Agentes politicos Inicialmente, deve-se levar em consideração a conceituaçao de agente politico , que são os titulares de cargos estruturais á organização politicos do País , seja na esfera nacional, estadual ou municipal. O que caracteriza os agentes politicos é justamente o cargo que eles ocupam, posto que são cargos de atribuições especiais e de hierarquia elevada, considera-se agentes politicos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, Senadores, Deputados Federais, Estaduais e Vereadores. A relação juridica dos agentes politicos com o Estado é diretamente com a Constituição e das leis, sendo uma vinculação institucional, estaturária, desta relação juridica é conferida aos agentes politicos beneficios tais como imunidade material e formal e ainda foro por prerrogativa de função. 3 Atos de improbidade administrativa O ato de improbidade adminsitrativa é o ato praticado por um agente público, que contraria ás normas legais, á lei e aos bons costumes, caracterizando uma ato administrativa praticado com falta de honradez. A Constituição Federal, inseriu disposições que prevenem os atos de improbidade administrativa, como prescreve o Art. 37. Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Na esfera infraconstitucional a lei nº 8.429/92 é a que dispõe sobre o ato de improbidade administrativa, tratando sobre o procedimento administrativo e o processo judicial para investigação e punição do agente infrator, tratando ainda sobre os sujeitos ativos e passivos e ainda sobre as penalidades cabíveis. Segundo dispõe a lei acima citada o ato de improbidade administrativa comporta três modalidades, os atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da administração pública, como assim prescreve respectivamente caputs dos Artigos, 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92: “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei. Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei. Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:” As penalidades estão previstas no Art. 12 da Lei nº 8.429/92, que entre as punições está a aplicação de multa, a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos fiscais, dentre outras aplicações. 4 Crimes de responsabilidade Os crimes de responsabilidade. São infrações político-administrativas previstas em lei com sujeito ativo próprio – agentes políticos. Tornar-se, como regra, uma forma de fiscalização do Executivo e Judiciário pelo Poder Legislativo. Duas são as leis que versam sobre essas infrações: i) Decreto-lei 201/1967 – esfera municipal; ii) Lei 1.079/1950 – esfera federal. A Lei Federal é aplicada para as condutas praticadas pelo Presidente da República, pelos Ministros de Estado e do Supremo Tribunal Federal, pelo Procurador Geral da República e pelos Governadores e Secretários dos Estados. Assim dispõe o Artigo 1º e 2º da Lei nº 1.079/50: “Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica. Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República.” O Decreto-lei 201/67, por sua vez, foi direcionado aos Prefeitos e Vereadores, sujeitando-os a julgamento perante a Câmara Municipal. Posteriormente, a CF também estabeleceu normas sobre os crimes de responsabilidade, que, por questões didáticas, podem ser divididas em dois grandes grupos: i) Normas Processuais: art. 52; art. 96, inciso III; art. 102, inciso I, alínea c, e art. 108, inciso I, alínea a, todos da CF/1988; e ii) Normas Materiais: art. 29-A, §§ 2.º e 3.º; art. 50, caput e § 2.º; art. 85, inciso V; art. 100, § 7.º, e art. 167, § 1.º, todos da CF/1988. A norma do art. 52 estipula duas sanções autônomas e cumulativas para as autoridades federais condenadas por crimes de responsabilidade: perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. Em suma, os crimes de responsabilidade são aqueles previstos na Lei 1.079/1950 (agentes políticos federais) e Decreto-lei 201/1967 (agentes políticos municipais), com julgamento perante a respectiva casa legislativa e sujeitando os condenados às sanções de perda do mandato e inabilitação para o exercício da função pública. 5 Inaplicabilidade da lei de improbidade administrativa aos agentes politicos segundo o supremo tribunal federal Em 28/06/2013, o Supremo Tribunal Federal publicou no DOU o Acórdão referente ao processo nº. 683.235/PA, o qual trouxe à tona uma discussão já ocorrida anteriormente naquela Corte, quando do julgamento da Reclamação n°. 2.138/DF, em 2008. Em resumo, os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio trouxeram de volta o argumento de que não se aplica a Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos que já forem submetidos a uma lei específica e que tenha a previsão das mesmas sanções. A repercussão geral foi aceita pela unanimidade dos Ministros da Corte, com a seguinte ementa: “REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – 683.235/PARÁ – PRONUNCIAMENTO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PREFEITO – INCIDÊNCIA DA LEI Nº. 8.429/92 ADMITIDA NA ORIGEM – PRECEDENTE DO SUPREMO QUANTO A AGENTE POLÍTICO – ELUCIDAÇÃO DA CONTROVÉRSIA SOB O ÂNGULO CONSTITUCIONAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA.” O fundamento da decisão do STF no julgamento da Reclamação n.º. 2.138/DF, em 2008, assentou que a Lei n.º 8.429/92 não se aplica em face dos Ministros de Estado, em razão de que os mesmos são submetidos às normas específicas de responsabilização, estabelecidas na Lei n.º. 1.079/50. Portanto, a lógica da fundamentação adotada no Supremo Tribunal Federal deixa bastante claro que toda e qualquer autoridade que seja regida por regime especial de responsabilidade, não se submete à Lei n.º. 8.429/92. Aquela Reclamação teve a seguinte decisão, ementa: “EMENTA: RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. I. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. (…) II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). SE A COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO DE IMPROBIDADE (CF, ART. 37, § 4º) PUDESSE ABRANGER TAMBÉM ATOS PRATICADOS PELOS AGENTES POLÍTICOS, SUBMETIDOS A REGIME DE RESPONSABILIDADE ESPECIAL, TER-SE-IA UMA INTERPRETAÇÃO AB-ROGANTE DO DISPOSTO NO ART. 102, I, "C", DA CONSTITUIÇÃO. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. OS MINISTROS DE ESTADO, POR ESTAREM REGIDOS POR NORMAS ESPECIAIS DE RESPONSABILIDADE (CF, ART. 102, I, "C"; LEI N° 1.079/1950), NÃO SE SUBMETEM AO MODELO DE COMPETÊNCIA PREVISTO NO REGIME COMUM DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI N° 8.429/1992). II.4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5.Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, "c", da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.” (STF, Rcl 2138/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM, Rel. p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, julg. em 13/06/2007)(grifou-se) Neste sentido, é fato que tanto a norma de responsabilização dos Ministros de Estado como o Decreto-lei n.º. 201/67 (destinado aos Prefeitos Municipais) se reportam a crimes de responsabilidade. Logo, são idênticas quanto aos seus objetos normativos. Veja-se as ementas e artigos definindo os objetos de ambos os diplomas: “LEI Nº 1.079, DE 10 DE ABRIL DE 1950. Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. Art. 1º São crimes de responsabilidade os que esta lei especifica. Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República. DECRETO-LEI Nº 201, DE 27 DE FEVEREIRO DE 1967. Dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providências. Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores.” Assim, em relação à Lei n.º. 1.079/50 e ao Decreto-lei n.º. 201/67, ambas dispõem sobre regimes de responsabilização político-administrativa específicos. Perceba-se, inclusive, que os diplomas em questão possuem redação exatamente igual, ao definirem os seus objetos, apenas modificando a destinação: a Lei nº 1.079/50 define os crimes de responsabilidade do Presidente da República ou Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal ou do Procurador Geral da República, enquanto que o Decreto-Lei nº 201/1967 define também crimes de responsabilidade, mas para os Prefeitos Municipais. Ambos os diplomas tratam de agentes políticos: os primeiros, de órbita federal; os segundos, municipal. Pode-se afirmar, portanto, que a Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) é de caráter geral, não podendo prevalecer sobre aquelas, específicas, que regulam situações outras já determinadas. O STF fundamenta a citada decisão da não incidência da Lei n.º. 8.429/92 aos Ministros de Estado, pelo fato de que, havendo regime especial de responsabilidade desses agentes, deve se privilegiar a norma da especialidade, considerando que as normas de caráter especial afastam a incidência das de caráter geral, segundo o princípio lex specialis derogat generali (lei especial derroga a lei geral). Ao proceder o exame analítico comparativo da Lei n.º. 8.429/92 e do Decreto-lei n.º. 201/67, pode-se chegar à fácil conclusão de que são vários os dispositivos que se identificam quanto à tipicidade das condutas previstas, bem como que o regime sancionatório é muito semelhante. Tanto numa como na outra há previsão de aplicação de sanção de perda da função pública, inabilitação ao exercício da função e reparação do dano causado, além do plus no Decreto-lei n.º. 201/67, da pena privativa de liberdade que pode ser de 03 (três) a 12 (doze) anos. O Ministro Nelson Jobim, relator da referida Reclamação, em seu voto, citou o Parecer da Procuradoria Geral da República, subscrito pelo Ilmo. Procurador Haroldo Ferras da Nóbrega, transcrevendo o seguinte, in verbis: “Denota-se, portanto, que a lei dos crimes de responsabilidade, tais como os ilícitos arrolados na Lei n.º 8.429/92, são delitos político-administrativos. Não se mostra plausível, portanto, a incidência de ambos os diplomas legais sobre o mesmo agente. Não se pode desprezar o especial sistema de responsabilização do agente previsto no ordenamento jurídico. Logo pode-se concluir que aos agentes políticos, como os Ministros de Estado, por estarem submetidos a um regime especial de responsabilização, não se aplica as regras comuns da lei de improbidade.” Assim, resta demasiadamente clara a impossibilidade de se aplicar dois regimes de responsabilização aos agentes políticos, pois a Constituição rechaça o bis in idem. O raciocínio jurídico se firma sobre o fato de que o artigo 85, inciso V da Constituição da República define como crime de responsabilidade do Presidente da República os atos de improbidade administrativa. Quer dizer, para o Presidente da República, os atos de improbidade administrativa tomam característica de crime de responsabilidade. Veja-se a seguir: “Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: […] V – a probidade na administração”. A Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República, estendeu-a também aos Ministros de Estado, aos Ministros de Estado, aos Ministros do Supremo Tribunal Federal e ao Procurador Geral da República, por se tratarem de agentes públicos. Mas também estendeu estes crimes de responsabilidade aos Governadores de Estado e aos Secretários de Governo, por aplicação do princípio da simetria, já que o regime de responsabilização político administrativa a valer para o Chefe do Executivo Federal também deve valer para o Chefe do Executivo Estadual. Veja-se o teor da Lei 1.079/50: “PARTE QUARTA – TÍTULO ÚNICO – CAPÍTULO I DOS GOVERNADORES E SECRETÁRIOS DOS ESTADOS Art. 74. Constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos Estados ou dos seus Secretários, quando por eles praticados, os atos definidos como crimes nesta lei.” Ora, a norma segundo a qual os atos de improbidade do Chefe do Executivo Federal constituem crimes de responsabilidade (sujeitos ao regime da Lei nº 1.079/50), norma do art. 85, inciso V, da CF, estende-se pelo mesmo diploma disciplinador aos Governadores de Estado, Chefes do Executivo Estadual, pelo art. 74 acima colacionado. Por homenagem ao princípio da simetria, também ao Chefe do Executivo Municipal – que é ente federativo ao lado da União e dos Estados (CRFB, art. 1º, caput) – deve-se aplicar a norma constitucional do art. 85, inciso V, isto é, são crimes de responsabilidade do Prefeito Municipal os atos praticados contra a probidade administrativa. No Parecer da Procuradoria Geral da República, citado no Voto do Ministro Nelson Jobim, Relator da Reclamação nº 2.138/DF, menciona-se excerto de artigo intitulado “Ato de improbidade administrativa: crime de responsabilidade” do ex-Procurador Geral da República, Aristides Junqueira Alvarenga, onde o eminente jurista e doutrinador afirma: “Não são, apenas, os artigos 15, V e 37, § 4º, no texto da Constituição da República, a prever atos de improbidade administrativa com a consequente sanção de perda da função pública, inerente a exercício de cargo público. Com efeito, o artigo 85, V, do texto constitucional, presente, repetindo textos anteriores, diz ser crime de responsabilidade do presidente da República os atos que atentem contra a probidade da administração, ou seja, os atos de improbidade administrativa, que serão definidos em lei especial. Essa é a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, recepcionada pela atual Constituição da República, cujo artigo 9º define os atos de improbidade, mediante definições perigosamente abertas, tal como as dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Ora, se os atos de improbidade administrativa do Presidente da República são crimes de responsabilidade, a fortiori, as condutas funcionais de improbidade administrativa, definidas na Lei nº 8.429/92, têm a mesma natureza jurídica, ou seja, são crimes de responsabilidade, pois, se assim é, quanto ao presidente da república, nada se justifica que sua natureza se transmude em razão, apenas, da diferença de função pública exercida pelo agente público. Se assim não for, cair-se-á no ilogismo de se admitir que uma circunstâncias meramente acidental é capaz de mudar a essência das coisas. Porque ato de improbidade administrativa é, na sua essência, crime de responsabilidade (também denominado, quiçá com maior propriedade, de infração político-administrativa), praticável não só pelo presidente da República, mas por todo e qualquer agente público, a Lei nº 1.079/50 estendeu sua aplicação aos MINISTROS DE ESTADO (art. 13), aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 39), ao Procurador-geral da República (art. 40), aos governadores e secretários dos estados-membros (art. 74), fazendo questão de repetir, relativamente a cada um deles, que o procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo atenta contra a probidade da Administração e é crime de responsabilidade. Por se tratar de crime de responsabilidade, o processo e julgamento dos agentes públicos, sejam ou não agentes políticos, aos quais se imputa a autoria de ato de improbidade administrativa, há de obedecer às regras de competência constitucionalmente fixadas.” Ora, o que a Lei 1.079/50 é para o Presidente da República, os Ministros de Estado, os Governadores de Estado e seus Secretários, o Dec.-Lei 201/67 é para os Prefeitos Municipais. Portanto, se a Lei 1.079/50 afasta a aplicação da Lei de Improbidade aos agentes políticos que enumera (Presidente, Ministros de Estado, Ministros do STF, Governadores, etc.), também o Decreto-Lei nº 201/67 afastará essa aplicabilidade para os Prefeitos. A questão é de lógica jurídica, pois, de fato, o que se discute é: podem os agentes políticos ser submetidos a um regime de responsabilização político-administrativa que não contemple a sua prerrogativa de foro? Não se trata sequer do caso específico dos Ministros de Estado, mas de todos os agentes políticos que se possam contemplar na prerrogativa. Foi isso que o Supremo Tribunal Federal discutiu na Reclamação 2.138/DF, que se comenta. Porque, em verdade, a Constituição Federal estabeleceu no seu art. 102, I, “c”, a competência privativa do STF para julgar os crimes de responsabilidade do Presidente da República, seus Ministros, etc., entre os quais os atos contra a probidade administrativa. E essa prerrogativa de foro é determinada na Constituição pelo fato de que os agentes políticos, responsáveis por muitas e diversificadas decisões no seu dia-a-dia, e sujeitos à persecução midiática ou daqueles que os Ministros chamam de “ousados inexperientes”, não podem estar sujeitos a um regime de responsabilização que os persiga a cada passo de sua vida. Neste sentido, as lições do Voto do Ministro Nelson Jobim são firmes: Não parece haver alternativas: a) Ou os Ministros de Estado submetidos ao regime de responsabilidade especial da Constituição, submetem-se igualmente ao regime da lei de Improbidade; b) Ou os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade, não se submetem ao modelo de competência previsto do regime comum da Lei de Improbidade. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. O próprio texto constitucional refere-se especialmente aos agentes políticos, conferindo-lhes tratamento distinto dos demais agentes públicos. […] Não tenho dúvida de que estes agentes políticos estão regidos por normas próprias. Tudo decorre da peculiaridade do seu afazer político. Todos aqueles que têm alguma experiência da vida política conhecem os riscos e as complexidades que envolvem decisões que rotineiramente são tomadas pelos agentes políticos. Submeter essas decisões aos paradigmas comuns e burocráticos que imperam na vida administrativa de rotina, é cometer uma grotesca subversão. O texto constitucional não autoriza […] Sobre a submissão dos agentes políticos a um regime de responsabilização político-administrativa especial, em virtude da natureza de sua função de agente político, o Ministro afirma que não se trata de garantir impunidade, mas que as ações contra agentes políticos perante as Cortes próprias garantem maior justiça, menos populismo e, inclusive, economia processual. Curioso notar que, neste ponto, cita o caso específico dos Prefeitos, submetidos ao Dec.-Lei 201/67: “[…] Ademais, praticamente todos esses delitos político-administrativos configuram igualmente crimes comuns, podendo ser devidamente perseguidos na esfera penal perante os tribunais competentes. Caso causem danos ao erário, hão de responder, também, às ações civis competentes nas instâncias ordinárias. Aceitar a tese de que os juízes de primeiro grau e os promotores que perante eles atuam são mais independentes, é cometer uma injúria grave contra o STF e as demais Cortes judiciais do Brasil. Os Tribunais não têm medido esforços para dar vazão à pletora de processos criminais originários a elas submetidos. […] Os PREFEITOS MUNICIPAIS estão, inclusive, sujeitos ao “afastamento do cargo durante a instrução criminal…” (DL 201/67, art. 2º, II). Não se espere, porém, de Corte de Justiça com responsabilidade institucional, uma atitude panfletária ou demagógica. Não! Não se recebe denúncia em cortes judiciais com o simples propósito de emulação. Nem o órgão do Ministério Público que atua perante essas Cortes poderá adotar uma postura populista. Se assim o fizer, pagará o mais alto dos preços, o desprestígio, o desrespeito institucional […]. O sistema brasileiro é rico de ações destinadas à defesa do patrimônio público. Para essa finalidade específica, existem as ações populares, as ações civis públicas, todos os procedimentos ordinários e cautelares. E elas poderão ser ajuizadas na sede própria, conforme a jurisprudência assente desta Corte. […] Poder-se-ia sustentar que a ação de improbidade teria caráter autônomo. Ela não se confundiria com aquela destinada a perseguir os crimes de responsabilidade. Nesse caso, diante das premissas assentadas, não tenho a menor dúvida em afirmar que ela haveria de ser processada perante esta Corte, como na hipótese dos autos. Tudo em decorrência da repercussão para o sistema político-institucional. Tudo diante do inequívoco significado político-jurídico da decisão. A equação é límpida. Somente o STF pode processar e julgar os Ministros nos casos de crimes comuns ou de responsabilidade, e eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos (CF, art. 102, I, c). Por isso não poderia o sistema, por desvios inexplicáveis, conviver com uma ação de improbidade, de nítidos efeitos penais e de responsabilidade política, ajuizada perante outra instância judicial. […] Seria inconsistente e, por isso, implosivo para o sistema, outorgar garantia de foro especial em matéria criminal e de responsabilidade e, ao mesmo tempo, submeter o mesmo titular a processo de improbidade administrativa perante a justiça de primeiro grau, com a ameaça da perda dos direitos políticos e até mesmo do cargo efetivo, como ocorreu na hipótese dos autos. Se se quisesse introduzir essa mudança, ela haveria de provir de emenda constitucional. […] Do contrário, ter-se-ia o completo esvaziamento da prerrogativa de foro estabelecida na Constituição Federal. Essas consequências demonstram que a ação de improbidade contra Ministros de Estado, em primeiro grau de jurisdição, é totalmente incompatível com a ordem constitucional vigente.” Veja-se que a questão trazida à tona não é a função específica de Ministro de Estado, de Presidente, de Prefeito. A questão é a prerrogativa de foro dos agentes políticos e a natureza sancionatória da ação de improbidade. Ora, Excelência, também os Prefeitos, como agentes políticos que são, detêm prerrogativa de foro constitucionalmente estabelecida no art. 29, inciso X da CF, que estabelece o preceito do “julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça”. A eles também se aplicam os mesmos óbices constitucionais que impedem o ajuizamento de ações sancionatórias em um regime geral de responsabilização. Sobre a independência entre as esferas penal e cível, argumento utilizado para afirmar que as ações de improbidade seriam aplicáveis aos agentes políticos porque de responsabilização civil, rebate o Ministro: “O que não se pode admitir é, valendo-se da possibilidade de pedidos cumulativos, transformar uma nítida ação da natureza penal ou punitiva em ação de caráter reparatório. O elemento central da ação de improbidade não é o reparatório. Para esta finalidade existem dezenas de ações adequadas. Até mesmo a indisponibilidade provisória de bens pode ser obtida independentemente de propositura da ação de improbidade, conforme demonstram inúmeros exemplos. A simples possibilidade de superposição ou concorrência de regimes de responsabilidade e, por conseguinte, de possíveis decisões colidentes exige uma clara definição na espécie. Os conflitos entre poderes e desinteligências institucionais decorrentes dessa indefinição de competência recomendam um preciso esclarecimento da matéria. Não tenho a menor dúvida de que o MINISTRO DE ESTADO não se submete ao regime geral da lei de improbidade. No Julgamento da Reclamação nº 591/SP, também citado pelo Ministro Nelson Jobim, o Ministro Humberto Gomes de Barros afirmou em seu voto, acompanhando o Relator (voto vencedor), que as sanções da Lei de Improbidade Administrativa assumem caráter eminentemente punitivo. Nesta linha, não se haveria de admitir a argumentação segundo a qual seriam regimes de responsabilização independentes, um de ordem cível e outro de ordem penal. Veja-se: Parece-me […] que a ação tem como origem atos de improbidade que geram responsabilidade de natureza civil, qual seja, aquela de ressarcir ao erário, relativo à indisponibilidade de bens. No entanto, a sanção traduzida na suspensão de direitos políticos tem natureza, evidentemente, punitiva. É uma sanção, como aquela da perda da função pública, que transcende a seara do Direito Civil. A circunstância de a lei denominá-la civil em nada impressiona. Em verdade, no nosso ordenamento jurídico, não existe qualquer separação estanque entre as leis civis e as leis penais.” Sobre a aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa especificamente aos Prefeitos, ante a especialidade do Decreto-Lei nº. 201/67, está em pendência de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, o agravo em Recurso Extraordinário de nº. 683235, que já possui Repercussão Geral reconhecida. De fato, à luz dos argumentos já assumidos pelo STF, aplicáveis a todos os agentes políticos com base nas premissas adotadas, e devido ao fato de alguns Tribunais afirmarem que a decisão apenas se referia aos Ministros de Estado – quando, na verdade, o STF assentou premissas para todos os agentes políticos – a Corte terá o momento oportuno para definir sobre as mesmas premissas a inaplicabilidade da Lei de Improbidade aos Prefeitos Municipais. Ressalte-se, contudo, que isto já foi definido para todos os agentes políticos, inclusive os Prefeitos. Desta forma, tomando como parâmetro, de maneira análoga, o julgamento do Supremo Tribunal Federal na Reclamação n.º. 2.138/DF, que afastou a aplicabilidade da Lei nº. 8.429/92 aos Ministros de Estado, ante a existência de norma especial de responsabilização a estes agentes públicos, sob pena de incorrer no bis in idem, no caso em deslinde, igualmente não merece prosperar a pretendida responsabilização por meio da Lei de Improbidade Administrativa, Lei 8.429/92. Assim, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal consignado na referida Reclamação nº 2.138/DF, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª região, tem consolidado sua linha jurisprudencial, assentada nas premissas do STF, definindo que a Lei de Improbidade Administrativa é inaplicável aos Prefeitos Municipais, sujeitos a regime específico de responsabilização político-administrativa (DL 201/1967): “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. AGENTE POLÍTICO. INAPLICABILIDADE. EXTINÇÃO DO FEITO. 1. O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a Constituição Federal não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos; 2. Os agentes políticos que respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados no Decreto-Lei 201/1967 não se submetem à Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), sob pena de ocorrência de proscrito bis in idem (STF, Rcl 2138 / DF, Relator Min. NELSON JOBIM; Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 13/06/2007; Órgão Julgador: Tribunal Pleno); 3. Apelação provida. (TRF-5, APELAÇÃO CÍVEL Nº 559.899/PB, Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, julg. 12/11/2013) Extrai-se do voto: Trata-se de ação civil pública cujo objeto são atos que, ao ver do autor, configurariam improbidade administrativa. No feito, figura como réu um ex-prefeito. Não se deve, entretanto, fazer qualquer exame sobre a res in iudicium deducta. Deu-se que o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que a Constituição Federal não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos(STF, Rcl 2138 / DF, Relator Min. NELSON JOBIM; Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES; Julgamento: 13/06/2007; Órgão Julgador: Tribunal Pleno). É dizer: tais agentes políticos, por responderem pelos crimes de responsabilidade tipificados no Decreto-Lei 201/1967, não se submetem à Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992), sob pena de ocorrência de proscrito bis in idem. Pelo exposto, rogando escusas aos entendimentos que apontem em sentido contrário àquele que adoto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, EXTINGUINDO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO (CPC, Arts. 267, IV, e §3º; e 515, §1º).” Não há dúvidas de que, pelo fato dos Prefeitos serem agentes políticos, detentores da prerrogativa de foro do art. 29, inciso X da Constituição e por já possuírem regime de responsabilidade político-administrativa específico, disposto no Decreto Lei nº. 201/67, conforme consignou o STF, não é possível a aplicação do regime geral de responsabilização político-administrativo da Lei 8.429/92 aos mesmos. 6 Da aplicabilidade da lei de improbidade administrativa aos agentes politicos segundo o superior tribunal de justiça. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), com posicionamento distinto da suprema corte, concluiu no AgRg no REsp 1.152.717 inexistir vedação constitucional de aplicabilidade da LIA aos agentes políticos, mas ressalvou a situação peculiar do Presidente da República, pois o art. 85, inciso V, da CF, prevê os atos que atentem contra a probidade de administração como uma forma do crime de responsabilidade desta autoridade. Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. A Corte Especial do STJ, após alteração do entendimento jurisprudencial até então prevalecente no âmbito do STJ, vem entendendo, de forma pacífica, que o foro privilegiado também deve ser aplicado às ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, quando houver a possibilidade de a autoridade investigada perder o cargo ou o mandato. Insurge-se, também, deste Tribunal Superior, constantes julgados do aplicando a Lei 8.429/1992 aos Prefeitos Municipais, mesmo existindo o regime especial de responsabilização por crime de responsabilidade previsto no Decreto-lei 201/1967, segue abaixo diversas jurisprudências neste sentido. “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICABILIDADE AOS AGENTES POLÍTICOS. 1. A Lei nº 8.429/92 é aplicável aos agentes políticos. Precedentes do STJ e do STF. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 05/11/2013, T1 – PRIMEIRA TURMA) “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICABILIDADE AOS PREFEITOS MUNICIPAIS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182⁄STJ. INCIDÊNCIA. 1. A Lei nº 8.429⁄92 é aplicável aos Prefeitos Municipais, não havendo incompatibilidade com o Decreto-Lei nº 201⁄67. Precedentes do STJ e do STF. 2. "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada". 3. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.” (AgRg no AREsp 108.084⁄RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 10⁄4⁄2013)  “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. OFENSA. AUSÊNCIA. LEI DE IMPROBIDADE. PREFEITO. APLICABILIDADE. MULTA CIVIL. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1. O acórdão impugnado, examinando as provas dos autos, bem ou mal, solucionou a controvérsia analisando todas as questões necessárias ao desate da lide, inexistindo ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil. 2. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429⁄92) aplica-se a prefeito, máxime porque a Lei de Crimes de Responsabilidade (1.070⁄50) somente abrange as autoridades elencadas no seu art. 2º, quais sejam: o Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador-Geral da República. Precedentes. 3. A multa civil não tem natureza indenizatória, mas punitiva, não estando, portanto, atrelada à comprovação de qualquer prejuízo ao erário. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Resp 1.152.717⁄MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 6⁄12⁄2012)  “ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CONTRA PREFEITO. INCIDÊNCIA DA LEI 8.429⁄92 ADMITIDA PELA JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (AgRg no AREsp 19.896⁄SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 2⁄8⁄2012) Do exposto e com a jurisprudência colacionada, são duas as conclusões extraídas dos julgamentos da corte federal: i) com exceção do Presidente da República, todos os demais agentes políticos respondem por atos de improbidade administrativa previsto na LIA, e ii) agentes políticos são julgados pelos juízes de 1ª instância A doutrina, no entanto, adota posições antagônicas fundadas em diferentes linhas de raciocínio, mas sempre em sintonia com o princípio republicano e objetivando a máxima responsabilização dos agentes detentores de poder. Uma primeira corrente doutrinária adota, em parte, a decisão do STF na Reclamação 2138. Afirmam que não houve exceção constitucional tendente a excluir o regime da Lei 8.429/1992 dos agentes políticos, devendo responsabilizá-los por ambas as vias, mas em relação ao Presidente da República entendem haver norma de ordem material que equiparam os regimes – art. 84 da CF/1988. Por outro lado, visualizam incompatibilidade processual, tendo em vista as normas de foro por prerrogativa para aplicação das sanções cíveis de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos. Com isso, para estes, a solução é o reconhecimento do foro por prerrogativa de função assegurado nas ações penais às ações de improbidade. Preceitua da seguinte forma Fábio Medina Osório (2010, p.127): “A superficialidade desta discussão decorre de um conceito tradicional e defasado de sanção administrativa, pois seria exigível que a Administração Pública estivesse no polo sancionador para caracterizar uma sanção como administrativa. Se olharmos o histórico do Direito Sancionador, observaremos que sua configuração não depende do elemento subjetivo relacionado à presença da Administração Pública no polo sancionatório. A Lei de improbidade define ilícitos relacionados à função pública e, assim, substancialmente, adentra o chamado Direito da Função Pública, que pertence ao Direito Administrativo no plano material. Por tais razões, vale reiterar este tópico, parece-nos que existe perfeita compatibilidade entre o regime especial de responsabilização política e o regime de improbidade administrativa previsto na Lei 8.429/1992, cabendo, apenas e tão-somente, restrições em relação ao órgão competente para impor as sanções quando houver previsão de foro privilegiado ratione personae nas Constituições Federal e, quando for o caso, também na Estadual, hipótese dos Prefeitos Municipais, por exemplo”. Por outro lado, pelos mesmos fundamentos, uma segunda corrente defende a aplicabilidade de ambos os regimes de responsabilidade, mas com o trâmite processual em primeira instância das ações de improbidade, com mitigação das sanções de perda do cargo e suspensão dos direitos políticos, excepcionando, também, a concomitância de regimes em relação ao Presidente da República. Seria um absurdo que o crime de responsabilidade (que constitui ilícito mais grave) tenha competência privilegiada para julgamento e aplicação da pena de perda de cargo, e o ato de improbidade (que pode ser ilícito menos grave, porque nem sempre constitui crime) pudesse resultar também em perda do cargo importa por outro órgão que não o Senado Federal. Todavia, a doutrina majoritária defende a aplicação integral da Lei 8.429/1992 aos agentes políticos em 1ª (primeira) instância, pois se trata de ilícito de natureza civil (não infração político-administrativa ou penal) e o foro por prerrogativa deve ser excepcional e exclusivo da esfera penal. 8 Considerações finais Conclui-se portanto que a uma controvérsia jurisprudencial entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. O STF entende que com a aplicação da lei espcifica como no caso da lei 1.079/50 para ministros os mesmos não se encontram enquadrados pela lei de improbidade administrativa, posto que a lei especifica prevalece sobre a lei geral. Já o Superior Tribunal de Justiça entende que é possivel a aplicação da lei de improbidade administrativa aos agentes politicos com a exceção do presidente da república, por inexistir vedação constitucional sobre a aplicação. O entendimento doutrinario também é divergente, não chegando em uma conclusão unificada, com doutrinadores divididos acerca da problematica em questão. Portanto ainda existe uma contróversia muito grande acerca do tema e ainda o julgamento pendente de muitas ações de improbidades administrativas contra agentes politicos principlamente contra prefeitos municipais. Salienta-se ainda que existe julgamento do STF com repercussão geral acerca deste tema, acredita-se que com esta decisão acabará a controvérsia criada pelos tribunais superiores.
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Consórcios públicos interfederativos: à busca da eficiência na administração pública
O artigo analisa aspectos importantes da figura dos consórcios públicos interfederativos e da busca por eficiência na Administração Pública. Nas últimas décadas os governos das esfera federal, estaduais e municipais têm enfrentado severos desafios na gestão dos recursos públicos. A sociedade faz jus a um rol extenso de serviços públicos de qualidade assegurados pela Constituição da República.  Para tanto, os entes federados tendem a se unir na busca de eficiência na gestão desses serviços. Dessa sorte, pretende-se o apontamento de diversos fatores promotores de eficiência para a Administração Pública através da implementação e operação de consórcios públicos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Constituição da República de 1988 – CR/88 – também denominada de “Constituição Cidadã”, assegurou a população um extenso rol de direitos como nunca antes neste país. A partir de então, os entes federativos, em especial os municípios, visto que tiveram suas atribuições amplamente alargadas pela descentralização trazida pela CR/88, passaram a ofertar um grande volume de serviços públicos. Tem-se assim um quadro de restrição orçamentária delicado, não prescindindo de mecanismos de controle dos gastos públicos. Nesse cenário, torna-se fundamental a execução da atividade pública de forma racional e eficiente, otimizando a aplicação dos recursos escassos e reduzindo sempre que possível custos de forma permanente. E é nesse sentido que o presente trabalho pretende demonstrar ser a associação interfederativa denominada consórcio público uma ferramenta importante para obtenção de eficiência. Seguindo esse raciocínio, os consórcios públicos podem ser um suporte aos quase seis mil municípios brasileiros na superação de obstáculos históricos para a gestão institucional na grande maioria deles, decorrente, sobretudo, da precariedade de recursos técnicos, humanos e financeiros em geral ali vivenciada. Inicia-se o estudo apresentando a visão histórica e doutrinária do consórcio público, contextualizando seu conceito, diferenciando-o de contratos administrativos similares, como consórcios administrativos, convênios e termos de parceria. Também são analisadas características como a peculiar personalidade jurídica oriunda do consorciamento, vantagens e desvantagens, além de outros aspectos mais gerais da figura consórcios públicos. A seguir, tem-se o processo de evolução do princípio da eficiência, demonstrando a construção histórica de um conceito específico que servirá de base para a maioria das considerações deste estudo. Dando continuidade, pretende-se verificar a visão jurídica do instituto da eficiência, já levantando aspectos relevantes para atuação pública, bem como a análise da importância da eficiência dos contratos administrativos em geral. Antecedendo às conclusões, tem-se a análise minuciosa dos aspectos catalisadores da eficiência na prestação de serviços públicos, presentes na Lei 11.107, de 06 de abril de 2005 – Lei dos Consórcios Púbicos. Por último, apresentam-se as conclusões sobre o consorciamento entre entes federativos, permitindo um parecer ratificador da relevância dessa espécie de pacto interfederativo, esclarecendo pontos importantes para sua utilização eficiente. 1 A VISÃO JURÍDICA DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS Medauar e Oliveira (2006) defendem que, apesar de a Lei de Consórcios Públicos, Lei n.º 11.107/2005, não mencionar expressamente nenhum preceito constitucional, ela se baseia no parágrafo único do art. 23 e no art. 241 da Constituição da República de 1988 (CR/88), introduzidos pela Emenda a Constituição (EC) n.º 19/1998. Ambos dispositivos estão transcritos abaixo: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) A leitura do parágrafo único do art. 23 de nossa Carta Magna revela que a regulação da cooperação entre os entes federativos deveria se dar por lei complementar, e não por lei ordinária, como a é a Lei 11.107/2005. Também é possível observar que a Lei de Consórcios Públicos não atende ao estabelecido no art. 241, pois é lei da União dirigida não só para a União, mas também para outros entes federados. Nesse sentido, os autores consideram ser difícil o enquadramento da Lei de Consórcios Públicos nos artigos supracitados. Segundo eles, a Lei 11.107/2005 afina-se mais ao estabelecido no inciso XXVII do art. 22, também de nossa CR/88, transcrito abaixo: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Desse modo, a União edita normas gerais, fixando diretrizes para si e para os outros entes da Federação, mas isso sem excluir a competência destes para suplementar tais preceitos. (Medauar; Oliveira, 2006) Segundo Ribeiro (2007), a Lei de Consórcios Públicos foi a primeira dedicada exclusivamente à cooperação federativa, regulamentando tanto os consórcios públicos, como a gestão associada de serviços públicos. O autor esclarece que a lei cria instrumentos para proteger juridicamente as relações de cooperação entre entes federativos. Destarte, a regulamentação dos consórcios e da gestão associada de serviços públicos amplia as possibilidades de cooperação entre os diferentes entes da Federação, e não apenas entre municípios. Com o advento da Lei n.º 11.107/2005, os consórcios públicos passaram a ter outra concepção. Isso porque, antes dessa lei, denominava-se convencionalmente consórcio público o pacto celebrado entre entes federativos da mesma esfera, ou seja, municípios com municípios e estados-membros com estados-membros, sendo outros pactos entre entes de esferas diferentes considerados convênios. Toda análise a seguir refere-se a essa nova concepção de consórcios públicos. Assim, Araújo e Magalhães (2009) revelam que os consórcios constituem espécies de convênios entre entidades políticas para as quais se exige um requisito específico, que é a autorização legislativa, e se estabelece um efeito específico, que é a constituição de uma pessoa jurídica. Dessa forma, conceituam-se atualmente os consórcios públicos como espécie de convênio entre entes federativos, de mesma esfera ou não, do qual resulta uma pessoa jurídica. Justen Filho (2008) lembra que os consórcios públicos integram a Administração indireta de todos os entes que se associarem para a sua formação. Segundo o autor, tais consórcios podem firmar convênios, inclusive com as pessoas públicas de seus associados, e serão investidos no desempenho de competências próprias deles. Medauar e Oliveira (2006) esclarecem que os consórcios públicos são resultado de livre associação de entes federados, para atender objetivos comuns dos entes consorciados. Ainda com os autores, tem-se que suas atividades são desenvolvidas em área de atuação que corresponde ao território desses entes. É o que os autores chamam de “espaço interfederativo”. Quanto à personalidade jurídica, Sachs (2005) afirma que o consórcio público pode ter personalidade jurídica de direito público, caso constitua associação pública e lei ratifique protocolo de intenções, ou de direito privado, sujeito, portanto, ao regime de direito privado, mas devendo observar as normas trabalhistas e de licitação. No mesmo sentido, Bacellar Filho (2007) afirma que, quando o consórcio adquire personalidade jurídica de direito privado, não obstante os objetivos sociais que persegue e a submissão ao regime jurídico administrativo, ainda que em menor intensidade, terá a sua atuação regulada eminentemente por regras de direito privado. Seguindo com o autor, é o que ocorre com as empresas públicas e sociedades de economia mista que exercem atividade econômica. Data venia, há de se esclarecer que o consórcio público não adquire personalidade jurídica. Ele é tão somente um pacto entre entes federativos, e desse pacto é que se origina uma pessoa jurídica de direito público ou privado, conforme o § 1º do art. 1º da Lei 11.107/2005: “O consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito privado.” O consórcio público é constituído por contrato de consórcio, cuja celebração depende de ratificação, mediante lei, de um protocolo de intenções entre as entidades federativas, de acordo com o art. 3º da lei 11.107/2005. Ribeiro (2007) expõe que um grande desafio no tocante aos consórcios públicos diz respeito à adesão de entes federativos. Assim, entre municípios, por exemplo, deve-se desenvolver uma identidade forte o bastante para identificá-los e mantê-los unidos, como o fato de pertencerem à mesma região[1], ou serem confrontantes dos mesmos problemas sociais. O autor ainda ressalta a necessidade da participação de técnicos qualificados e da sociedade civil, a fim de compreender o consórcio como um resultado a longo prazo. 2 O PROCESSO DA BUSCA DE EFICIÊNCIA Com as mudanças de estrutura sofridas pela maioria dos Estados durante o século XX, passando de Estados Liberais para Estados de Bem-Estar Social, fez-se necessário dilatar a atuação estatal, rompendo com a inércia característica do Liberalismo[2]. Destarte, os Estados assumiram relevante papel na criação e distribuição de riquezas, o que os sobrecarregou significativamente. Nesse sentido, Abrucio (2003) expõe que no pós-guerra, os Estados ficaram sobrecarregados, “com muito a fazer e com poucos recursos para cumprir todos os seus compromissos”. Seguindo com Oliveira (2007), houve grande inchaço do Estado na prestação de serviços nas áreas de saúde, educação, transporte, segurança, pesquisa e desenvolvimento, justiça, seguridade social e outras. Logo, com esse expressivo alargamento do papel do Estado, viu-se a necessidade de uma nova postura do Poder Público, que abarcasse mais que a capacidade de gerar receitas, mas principalmente de aplicá-las da forma mais eficiente. Oliveira (2007) relata que, com a separação verificada entre os estudos da Economia e da Administração de empresas privadas em relação ao setor público, ocorreu a evolução acadêmica daqueles, favorecendo a criação de organizações muito bem sucedidas. Mas com isso, o Estado viu-se obrigado a modernizar-se para fazer frente às novas exigências, o que implica que já nesse período o Estado começava a espelhar suas ações nas da iniciativa privada, que eram, a priori, mais eficientes. Assim, em busca dessa atuação pública mais eficiente, surgiram propostas de modelos para atividade estatal semelhantes às das grandes corporações privadas, unificando, em certa medida, os estudos acadêmicos da administração do setor privado com os do setor público, e conseqüentemente incorporando ao setor público novos princípios e ideologias adequados às novas tecnologias. (Oliveira: 2007) Dentre tais modelos, Oliveira (2007) destaca o inglês, não só pela relevância, mas principalmente pela influência que exerceu na Reforma Administrativa brasileira. Para ele, o modelo inglês partia da perspectiva do endividamento do Estado e da já incipiente era tecnológica, ambas vindas da corrida espacial e armamentista. Além disso, propunha os fundamentos de uma nova administração pública gerencial (new public management), voltada para a orientação de custos e regras de mercado. Ainda sobre tal modelo, o autor apresenta um programa de privatizações em larga escala na Inglaterra, onde o setor público praticamente deixou de existir na esfera da atividade econômica direta. Por conseguinte, as funções sociais que permaneceram no setor público passaram a orientar o trabalho com base em valores gerenciais e de mercado. O autor ainda revela o aparecimento das agências reguladoras nesse período. Via-se nessa época uma grande ênfase no “fazer mais com menos”, na preservação do valor dinheiro, no uso de indicadores comparativos de desempenho e no desenvolvimento de sistemas aperfeiçoados de custos, de informação e de auditoria. O desempenho relativo passou a ser avaliado mais abertamente e sujeito a um rígido monitoramento central. (Oliveira: 2007) Tem-se que o surgimento do amplo movimento da nova administração pública pode ser visto como exemplo de um processo mais geral no qual conjuntos de princípios administrativos surgem e desaparecem (Child, 1969; Barley e Kunda, 1992, apud Oliveira, 2007).  Para o autor, tais conjuntos de pensamentos contêm elementos tanto descritivos como normativos (talvez ideológicos). Eles podem estar associados a componentes sociais, a administradores profissionais ou a intelectuais da área organizacional. Portanto, Abrucio (2003) destaca que a terminologia administrativa renovada trouxe a lume a discussão sobre conceitos mercadológicos acerca da qualidade, customização, capacidade gerencial e, sobretudo, da eficiência, agregando-lhes inclusive imposições normativas pela responsabilização (penal, civil e disciplinar) dos agentes públicos. Oliveira (2007) aponta que no Brasil, a partir dos anos 60 intensificaram-se as tentativas de conciliar a estrutura deficitária de governo com a nova ordem mundial. Já nessa época houve grande expansão aqui da concepção burocrática reformadora do Estado, no contexto da indicação da legalidade estrita, segundo a qual o administrador público só podia fazer aquilo que a lei autorizava. O autor defende que o Governo Militar de 1967, valendo-se de ampla reforma infraconstitucional, lançou mão, primeiro, do Decreto-Lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, para regular a atividade da administração pública federal e, depois, por meio do Ato Institucional AI-8, estendeu a sua obrigatoriedade de seus princípios aos Estados e Municípios com mais de duzentos mil habitantes[3]. Assim, Oliveira (2007) acredita que no âmbito da primeira grande reforma administrativa no Brasil, projetou-se a introdução de princípios e normas administrativas segundo um pensamento de controle típico da administração de empresas, embora presos, ainda, à legalidade, ou seja, não obstante persistir claro distanciamento dos parâmetros da livre iniciativa. Eis o teor do art. 6º do referido Decreto-Lei, que bem demonstra as inovações do espírito reformador: “Art. 6º As atividades da administração federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais: I – planejamento; II – coordenação; III – descentralização; IV – delegação de competência; V – controle”. O autor destaca que a nova principiologia foi absorvida com grande atraso no Brasil, manteve-se afastada durante todo o período, segundo ele pela total falta de responsabilização do Estado e dos agentes, além do cunho evidentemente arbitrário e autoritário do regime. Sobre essa questão, mister revelar que apesar de não constar expressamente no ordenamento jurídico, o princípio da eficiência já se impunha, mesmo que indiretamente, por outros princípios constitucionais intrínsecos à Administração Pública, como moralidade, legalidade, impessoalidade, publicidade, vez que o simples atendimento a esses princípios pelo agente público teoricamente já promove o atingimento da eficiência. Oliveira (2007) ainda aponta que, após a fase do milagre econômico, com a chegada de uma grave crise das economias mundiais, ocasionada pela pressão da valorização do petróleo, devido à incapacidade de o governo atrair recursos e manter um crescimento econômico adequado, ou ao brutal endividamento externo, fruto do período do milagre econômico, o Brasil manteve-se distante da influência das novas propostas para a atividade estatal, que só seriam retomadas na década de 1990. A despeito disso, esclarece-se que o modelo inglês obteve destacada relevância acadêmica nesse período, visto que trazia o contexto da denominada administração pública gerencial ou new public management. Apesar da resistência inicial, tem-se que aos poucos o país viu-se obrigado a adaptar-se aos novos rumos, incorporando práticas mais eficientes para a máquina pública. E como o administrador público tem “liberdade positiva[4]”, só age em razão da lei, a eficiência passou a fazer expressamente parte da indicação normativa, galgando condição imperativa do ordenamento jurídico. Tem-se que, a eficiência, nos dizeres de Oliveira (2007), “no decorrer dos anos, deixou de ser uma opção e passou a ser uma obrigação para o administrador público”. Se antes o princípio da eficiência estava correlacionado à própria legalidade dos atos da Administração Pública, com a EC n.º 19/98 passou a ter tratamento próprio. Pode-se dizer que o princípio da eficiência já estava presente em outros princípios orientadores da atividade estatal supramencionados, e que foi incluído expressamente na CR/88 para ratificar o plano de fundo do Plano Diretor da Reforma Administrativa, que define objetivos e estabelece diretrizes para a reforma da administração pública brasileira iniciada no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso de Melo). 3 A VISÃO JURÍDICA DO INSTITUTO DA EFICIÊNCIA Como já demonstrado, em certo período, passou-se a estudar conceitos específicos da Ciência da Administração, pois a importação da eficiência dessa Ciência para a do Direito trouxe significado específico. Para aquela, eficiência refere-se à ação perfeita para a obtenção de resultado, enquanto que eficácia, termo correlato, corresponde ao cumprimento, pelo resultado, dos objetivos previamente estabelecidos. O primeiro relaciona-se à otimização dos meios utilizados, já o segundo preocupa-se com a operacionalização dos resultados pretendidos. Chiavenato (1994, p. 163) constrói um quadro comparativo dos termos eficiência e eficácia, exposto abaixo: E arremata o autor: “À medida que o administrador se preocupa em fazer corretamente as coisas, ele está se voltando para a eficiência (melhor utilização dos recursos disponíveis). Porém, quando ele utiliza estes instrumentos fornecidos por aqueles que executam para avaliar o alcance dos resultados, isto é, para verificar se as coisas bem feitas são as que realmente deveriam ser feitas, então ele está se voltando para a eficácia (alcance dos objetivos por meio dos recursos disponíveis).” (Chiavenato: 1994; p. 163) Pode-se aduzir do quadro comparativo acima, bem como do trecho acima transcrito, que a conceituação trazida pelo autor diferencia-se da defendida na Reforma Administrativa dos anos 90, da administração pública gerencial. Nesta, a eficiência focaria nos resultados e não nos meios, como fica evidente no trecho abaixo, extraído da Apresentação do Plano Diretor da Reforma Administrativa (1995, p.12): “A administração pública gerencial constitui um avanço, e até um certo ponto um rompimento com a administração pública burocrática. Isso não significa, entretanto, que negue todos os seus princípios. Pelo contrário, a administração pública gerencial está apoiada na anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princípios fundamentais, como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de desempenho, o treinamento sistemático. A diferença fundamental está na forma de controle, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, e não na rigorosa profissionalização da  administração pública, que continua um princípio fundamental.” (grifos nossos) Pode-se então observar no Plano Diretor da Reforma Administrativa (1995) que “os resultados da ação do Estado devem ser considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo atendidas.” (Plano Diretor da Reforma Administrativa:1995, p.13) Do ponto de vista jurídico, existem diversas formas de se interpretar um princípio, seja através da interpretação gramatical ou literal, da sistemática, da lógica, da histórica, ou da teleológica, cada qual com sua peculiaridade. Assim, segundo Oliveira (2007), ao se adotar a interpretação gramatical ou literal, restringir-se-ia o princípio da eficiência ao conceito dado pela Ciência da Administração. Se a escolha for pela interpretação literal, obter-se-á o sentido originário, ipsis litteris. Já na sistemática, interpreta-se com base em toda visão do ordenamento jurídico constitucional em que está inserido. Na histórica, interpreta-se o princípio da eficiência observando o contexto político e socioeconômico em que se deu sua inclusão na CR/88. No teleológico, buscam-se as finalidades e objetivos pelos quais se introduziu a eficiência como exigência nas atividades administrativas. Ressalte-se que os outros modelos de interpretação podem ser usados sem prejuízo de semântica axiológica pelos operadores do direito, pois não existe um modelo ideal. Optou-se aqui pela interpretação histórica e pela sistemática do princípio constitucional da eficiência, relevando a discussão legislativa ocorrida no contexto de sua inclusão em nossa Carta Magna, bem como sua análise em relação ao ordenamento jurídico nacional. Isso porque, a partir dessas duas formas de interpretação, pode-se constatar o princípio da eficiência como otimização de meios e concreção de resultados, ou seja, obriga que o Estado, mesmo diante de recursos escassos, cumpra sua finalidade de garantir o bem da comunidade, da coletividade. Nesse desiderato, fundamental destacar que, no período da introdução da mais recente Reforma Administrativa, existiam grandes discussões sobre o papel do Estado. Somada a isso, Oliveira (2007) revela também a existência de grande pressão dos países ricos sobre os países subdesenvolvidos como o Brasil. Em prol de mudanças substanciais nas áreas deficitárias do governo, tornando-as mais eficientes, com vistas à globalização. Como conseqüência dessas circunstâncias, a Administração Pública passou a agir com maior zelo, clareza e resultado, isto é, tentando ser mais eficiente e eficaz. Tal contexto, somado aos novos ditames constitucionais, trazidos particularmente pela EC n.º 19/98, permitem compreender a necessidade de os agentes públicos perseguirem a eficiência para o cumprimento efetivo das finalidades dos serviços públicos. Essa pode ser considerada a interpretação mais ajustada do fenômeno da eficiência, antes da seara da Administração, mas agora também da área jurídica. O princípio da eficiência resulta, pois, de um processo de reforma administrativa, em que se percebe uma mudança, do modelo burocrático para o modelo gerencial, em que se dá prioridade à busca de melhores resultados em detrimento de formalidades legais que só fazem obstruir a máquina administrativa. Logo, o princípio da eficiência possui também uma face voltada para a economicidade, isto é, a obtenção dos melhores resultados com a redução máxima dos custos.  (Welsch: 2003) Destarte, Brisola (2003) afirma que, a partir de sua constitucionalização como princípio, a eficiência passou a ser conceituada diversificadamente e analisada entre os doutrinadores. Para Gasparini (2000, p.20), o princípio da eficiência “impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, além, por certo, de observar outras regras, a exemplo do princípio da legalidade”. Logo, a atividade pública deve ser prestada do modo mais rápido possível, atendendo aos interesses da sociedade da melhor forma, sempre observando as técnicas e procedimentos compatíveis com a atividade a ser realizada. Nas palavras de Oliveira (2007, p. 50), “dentro do planejamento de qualquer política pública, o princípio da eficiência reclama do administrador o máximo de proveito, tanto em relação aos meios empregados quanto no tocante aos resultados obtidos.” Moraes(1999), apud Welsch (2003), define o princípio da eficiência na mesma direção: “[…] o princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se melhor rentabilidade social.” Ou seja, a eficiência esperada pelo sistema jurídico corresponde ao que Batista Júnior (2004, p. 222) bem expôs: “Indubitavelmente, para a promoção do bem comum, no que toca à atuação da AP (Administração Pública), tanto os meios como os resultados assumem cabal importância. O PE (Princípio da Eficiência), assim, é um princípio bipotencial, uma vez que volta sua ação jurídica tanto para a ação instrumental realizada, como para o resultado por ela obtido. Portanto, o princípio exige tanto o aproveitamento máximo das potencialidades existentes, isto é, dos recursos escassos que a coletividade possui, como o resultado quantitativa e qualitativamente otimizado, no que concerne ao atendimento das necessidades coletivas.” Para fins jurídicos, eficiência não é apenas o razoável ou correto aproveitamento dos recursos e meios disponíveis em função dos fins pretendidos, como ocorre com os administradores. Enquanto para os administradores a eficiência é um simples problema de otimização de meios, para o jurista, ela “diz respeito tanto à otimização dos meios quanto à qualidade do agir final” (Freitas, 1999, p. 85). De acordo com a obra atualizada de Meirelles (2003, p. 103), que consagrava a eficiência ainda nos anos 70, pode ser a mesma “considerada em sentido amplo, abrangendo não só a produtividade do exercente do cargo ou função, como a perfeição do trabalho e a sua adequação técnica aos fins visados pela Administração.” Segue elencando entre os poderes e deveres do administrador público o chamado “dever de eficiência”, o qual chegou a denominar “o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”. Afirma ainda o autor que o dever de eficiência corresponde ao “dever de boa administração” extraído da doutrina italiana. E como se verificará a seguir, os consórcios públicos podem permitir uma “boa administração”, ao ensejar caminho mais simples aos objetivos pretendidos. (Meirelles: 2003) 4 EFICIÊNCIA E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS Com todas as mudanças promovidas pela legislação pertinente ao consórcio público, fica evidente a busca de eficiência para os entes consorciados da Administração Pública. A eficiência é um princípio de todo ordenamento jurídico, justificando diversas alterações na legislação, como nas recentes reformas promovidas na lei processual civil. Não obstante, no âmbito da Administração Pública a eficiência tem papel de maior destaque, pois está expressamente posta no caput do art. 37 de nossa Carta Magna. Como já observado, o princípio da eficiência foi positivado a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, denominada comumente "Emenda da Reforma Administrativa". Para Welsch (2003), o conteúdo desse princípio está estritamente relacionado ao dever de "boa administração", à consecução dos resultados mais profícuos. Daí porque se afirmar que, muitas vezes, o campo da discricionariedade torna-se reduzido ante o caso concreto, quando se verifica que determinado ato é o mais adequado a gerar os melhores resultados. Nesse sentido, Welsch (2003)  assevera que não cabe escolha ao administrador. Ele deverá praticar o ato que atenda da melhor forma os interesses da coletividade, sob pena de infringir o princípio da eficiência. Visando fazer frente às necessidades do Estado Democrático de Direito, objetivando o bem-comum, a Administração Pública realiza as mesmas atividades que os entes particulares, isto é, realiza compras, obras, presta serviços, recebe serviços, vende imóveis e móveis; enfim, opera vários contratos administrativos. Contudo, há neste atuar, ao contrário das relações privadas, diferenças enormes, peculiares dos contratos administrativos. Assim, enquanto as contratações do mundo dos negócios particulares são regidas pela liberdade das partes na escolha do objeto, do seu preço, da sua qualidade e quantidade, além do momento de alienação, nas relações estatais, reguladas pelo regime administrativo, o que ocorre é uma vinculação a situações previamente estabelecidas em lei. No regime administrativo, vários procedimentos devem ser obedecidos, sob risco de nulos os negócios deles advindos, o que nos leva a concluir ser uma determinação para os contratos administrativos celebrados pelos consórcios públicos também. Importante aqui frisar que, na consecução desses procedimentos, faz-se imprescindível a utilização do princípio da eficiência, para alcance, principalmente, da concretização do interesse público. Implica dizer que a Administração Pública deve conceber objetos válidos, indispensáveis ao bem-coletivo, ao mesmo tempo que deve selecionar contratações que cumpram efetivamente uma necessidade pública, dentro de acurada análise de prioridades. (Oliveira: 2007) Sabe-se que a experiência brasileira é vergonhosa no que toca à execução dos contratos administrativos, havendo elevado índice de desperdício de recursos públicos e atendimento a interesses particulares em detrimento do interesse público. Oliveira (2007) aponta as licitações e as contratações públicas como o centro da principal causa da deficiência do Estado, que gasta fabulosas quantias de recurso sem retorno social satisfatório. Não se pode permitir que instrumentos como os contratos administrativos, e as licitações públicas, transformem-se em sinônimo de corrupção, de clientelismo, de ineficiência, ou de burocracia. Assim, a Administração Pública deve criar ferramentas para consecução eficiente de suas atividades, atingindo sua finalidade da forma mais proveitosa possível. E é nesse desiderato que se demonstra aqui ser o consórcio público uma ferramenta de eficiência para atividade estatal, no caso, para atividade estatal consorciada.  Analisando a relevância da eficiência frente ao processo licitatório, Oliveira (2007, p. 51) assevera que: “Mesmo que o objeto da licitação e, posteriormente, o objeto da contratação, tenha sido atingido na sua magnitude, com a entrega de bem ou serviço nos parâmetros do menor preço e melhor técnica, mesmo assim, se o procedimento se deu sob a eleição de necessidade duvidosamente prioritária, há de ser contestada pelo norte da eficiência.” Percebe-se então, que eficiência envolve considerar o certame licitatório tanto no aspecto de escolha como no de resultado. Isso equivale dizer que, mesmo havendo ótimo resultado licitatório, se o serviço ou obra solicitado estiver representando um custo muito grande para a comunidade, não pode ser considerado eficiente, pois sua escolha não o foi. Daí que, no plano das licitações e contratações do Poder Público, o princípio da eficiência é um importante auxílio da legalidade e da higidez da escolha prioritária do interesse público. 5 INSTRUMENTOS DE EFICIÊNCIA NOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS A lei 11.107/2005, marco legal dos consórcios públicos, prevê benefícios para os entes consorciados, tais como racionalização do uso dos recursos existentes destinados ao planejamento; programação e execução de objetivos de interesse comuns; criação de vínculos ou fortalecimento dos vínculos preexistentes com a formação ou consolidação de uma identidade regional; instrumentalização da promoção do desenvolvimento local, regional e nacional; conjugação de esforços para atender às necessidades da população, a qual não poderia ser atendida de outro modo diante de um quadro de escassez de recursos. Outras vantagens advindas com a figura do consórcio público são o estímulo que representa em relação às políticas públicas, que têm maior probabilidade de serem executadas de maneira mais técnica e eficiente, e a possibilidade de se coordenar a ação entre diversos entes federativos.  Nesse sentido Sachs (2005) afirma que o consórcio público representa um mecanismo para execução de funções públicas de interesse comum das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, permitindo aos municípios a oportunidade de se associarem na gestão de serviços e na execução de suas obras, contando inclusive com a participação do Estado e da União. Acerca dos objetivos dos consórcios públicos, os incisos do §1º do art.2º da Lei 11.107/2005 estabelecem: “I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo; II – nos termos do contrato de consórcio de direito público, promover desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público; e III – ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados, dispensada a licitação.” Para Sachs (2005), o novo instrumento vai simplificar a gestão administrativa por meio da ação cooperada entre municípios, beneficiando áreas como a saúde, educação, transporte público, abastecimento de água, tratamento de resíduos sólidos, concursos públicos, entre outros. A despeito disso, Alves (2006) aponta que a lei 11.107/2005 não aprofunda a questão das responsabilidades de gestão e se abstém de adentrar nos aspectos processuais, omitindo-se quanto à definição dos limites de atuação em juízo. Segundo tal autor: "A autonomia municipal está suscetível à sobreposição de competências concorrentes, pervertendo a noção de que o sistema constitucional não estabelece hierarquia entre entes federados" Assim, deve-se temer uma proliferação desordenada da pactuação de consórcios públicos, sem prévio estudo de viabilidade funcional, operacional ou financeiro para tanto. Alves (2006) aponta que a lei de consórcios provavelmente servirá mais aos municípios com maior concentração de renda, vez que naqueles menos abastados a autonomia municipal ainda não é efetivamente exercida. Nessa linha, o autor acredita que o consorciamento será utilizado principalmente em regiões metropolitanas, que geralmente se desenvolveram em torno dos grandes centros urbanos. Deveras ser uma ferramenta muito importante em regiões metropolitanas, mas seria de enorme impacto sua maior utilização de forma adequada em pequenos municípios, ineficientes individualmente. A despeito disso, tem-se que os consórcios públicos representam uma evolução como instrumento eficiente de cooperação interfederativa, sobretudo a intermunicipal e metropolitana. Isso porque a CR/88, com essa descentralização vertical promovida, onerou os municípios, sem oferecer suficiente respaldo financeiro e fiscal. Destarte, desconsiderou as necessidades de planejamento integrado e de coordenação das ações governamentais. Assim, a Lei de Consórcios pode trazer eficiência, ao buscar criar condições de superação das barreiras causadas pela insuficiência de recursos na implementação de políticas públicas. Corroborando tal entendimento, pode-se usar a citação de Espírito Santo (2004, p.171): “(…) considerando a otimização dos recursos públicos, com sua racionalização, em áreas específicas, tais como educação, saúde, transportes, saneamento básico, nas quais os problemas estão, de certa forma, entrelaçados e entranhados na órbita de dois ou mais Municípios, o consórcio apresenta-se como instrumento operacional de grande valia, pois possibilita um maior rendimento dos esforços empregados por seus partícipes, evitando-se a dispersão de recursos humanos e materiais, maximizando, por via de conseqüência, o aproveitamento dos recursos municipais.” Observa-se que vários aspectos atribuídos aos consórcios públicos contribuem para que esta gestão pactuada figure como ferramenta promotora de eficiência, de modo que a seguir serão apresentadas algumas dessas características, com respectiva justificativa para agregação de eficiência. Nesse desiderato, pode-se citar a própria natureza jurídica atribuída aos consórcios públicos como potencial catalisador de eficiência. Alves (2006) afirma que, quanto à natureza jurídica, melhor seria a alternativa da associação pública[5], como a personalidade jurídica das autarquias educacionais e das agências reguladoras e executivas, integrando a categoria de autarquias de regime especial, consideradas aquelas que possuem privilégios específicos, além daqueles já normalmente conferidos às autarquias comuns. Ele assevera que a autarquia materializa o esforço da administração pública no sentido de descentralizar o exercício de determinada função típica, como meio de alcançar o destinatário final dos serviços públicos de maneira mais eficiente. O autor considera a própria personalidade jurídica oriunda dos consórcios públicos como “plus” de eficiência, passo que permite ampliação da efetividade da cooperação interfederativa, substituindo um vínculo tido como precário dos antigos consórcios administrativos por um de caráter permanente, além de desenvolver uma gestão associada que não se esgota na consecução de objetivos pontuais e temporários. Nesse ponto, há de se ter cuidado com o excesso de otimismo, pois a ininterrupção pode representar o oposto, se mal sucedido o consórcio, caso em que manteria durante longo período uma administração consorciada desastrosa.  De acordo com o § 1º do art. 6º da Lei 11.107/2005, o consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos entes federados consorciados. Assim, como associação pública, o consórcio público tem capacidade processual para demandar em juízo como requerente ou como requerido, gozando de privilégios e prerrogativas peculiares da Fazenda Pública; também privilégios tributários; nas relações com terceiros, tem presunção de legitimidade, exigibilidade e executoriedade ao praticar atos administrativos, equivalendo, portanto, às administrações indiretas dos entes que integram o consórcio público. (Alves: 2006, pg. 43) De acordo com o disposto no inciso I do §1º do art. 2º da Lei 11.107/2005, os  consórcios públicos poderão celebrar acordos de qualquer natureza. Tal dispositivo, segundo Alves (2006), já demonstra a disposição dos legisladores em favor da mobilidade dos organismos de gestão associada, para a consecução eficaz de seus objetivos. Abaixo o referido dispositivo: “§ 1o Para o cumprimento de seus objetivos, o consórcio público poderá: I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo; (…)” Outro aspecto importante pode ser retirado do art. 2º da Lei 11.107/2005, em que o legislador conferiu liberdade para os consórcios definirem seus próprios objetivos. Alves (2006, pg. 54) acredita que tal liberdade representa uma evolução qualitativa na forma de o legislador federal regular matéria de aplicação local, eliminando o viés autoritário e vertical, que historicamente marcou o processo legiferante. A Lei também prevê a possibilidade de recebimento de auxílios[6], contribuições[7] e subvenções[8], mais uma iniciativa que visa propiciar a consumação dos objetivos da associação consorciada de entes federativos. Todavia, a capacidade atribuída aos consórcios públicos para receber auxílios, contribuições e subvenções, estatuída no art. 2º, §1º, refere-se a outras entidades da Administração Pública que não os entes consorciados. Assim, fica restrita ao contrato de rateio a possibilidade de transferência de recursos dos entes consorciados ao consórcio. Alves (2006) elucida que o rateio deve levar em conta a capacidade contributiva de cada ente associado, visto ser uma das finalidades da gestão associada a superação das deficiências em matéria de recursos humanos, materiais e técnicos, em um quadro de profundas desigualdades regionais. Outra determinação da Lei 11.107/2005, em seu art. 2º, §1º, I, que colabora para o alcance dos objetivos almejados pelos consórcios públicos, é a possibilidade de desapropriar. Pelo próprio conceito de desapropriação, pode-se extrair a importância que tal previsão acarreta para a consecução de objetivos de um consórcio público. Assim, segundo Celso Antônio apud Alves (2006), tem-se desapropriação por: “(…) procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia,  justa e pagável em dinheiro, salvo nos casos de imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservando seu valor real.” No entender de Mello (2006), a capacidade para desapropriar é privativa dos entes federativos, que podem declarar utilidade pública ou interesse social, enquanto para promover a desapropriação, praticando todos os atos para efetivá-la depois de declarada a utilidade pública ou interesse social, é possível sua realização por entidades públicas que exerçam funções delegadas do Poder Público. Destarte, abstrai-se daí que os consórcios públicos só deverão efetivar a desapropriação após declaração de utilidade pública ou interesse social pelos entes federativos consorciados. Em sentido análogo, a lei dos consórcios públicos também previu a possibilidade de eles instituírem servidões, definida por Di Pietro (2001, pg. 143) como: “(…) direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública.” Alves (2006) acredita que os consórcios públicos instituirão servidão baseados em leis que regulem a matéria no âmbito de cada ente federado, visto que não existe iniciativa para lei em nível regional. Conforme o estabelecido no art. 8º da Lei 11.107/2005 os consórcios não podem contratar operações de crédito, devendo receber recursos dos entes consorciados apenas para finalidades específicas. Compensando essa vedação, a Lei 11.107/2005 cuida de atribuir outras fontes de receitas aos consórcios públicos para suprir suas despesas e alcançar seus objetivos pretendidos, de forma eficiente. Assim, o § 2º do art. 2º prevê a emissão de documentos de cobrança, bem como a arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por ele administrados. Convém esclarecer que preço público representa um valor monetário que a Administração Pública exige do adquirente pela prestação de determinado serviço (Di Pietro: 2001). Destarte, os consórcios públicos poderão cobrar preço público visando à justa remuneração do capital, ao melhoramento e à expansão dos serviços e ao equilíbrio econômico e financeiro do contrato. Vale ainda lembrar que as receitas obtidas de cobrança de tarifas e preços públicos pelos consórcios públicos advêm do uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados. (Alves: 2006) A Lei dos Consórcios Públicos confere à associação oriunda do consorciamento a faculdade de outorgar concessão, permissão e autorização. Mas como bem expõe Bacellar Filho (2007), os consórcios públicos só poderão outorgar ou licitar concessão, permissão e autorização de obras e serviços públicos se o protocolo de intenções assim previr[9], ainda mais que o protocolo de intenções deverá ser legalmente ratificado. Também deverão ser previstos no protocolo de intenções, conforme Sachs (2005), as competências cujo exercício transferiu ao consórcio, os serviços públicos e a área que serão prestados. Alves (2006) aponta que concessão de uso é contrato administrativo que visa satisfazer necessidades ou conveniências do usuário interessado e não da comunidade em geral. Enquanto concessão de obra ou serviço público nos dizeres de Di Pietro (2001) é “contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço ou obra pública, ou lhe cede o uso de bem público, para que explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais”. Assim, observando o caput do art. 175 da CR/88, Alves (2006) defende que compete ao Poder Público, diretamente ou mediante concessão, a prestação de serviços públicos, facultado aos entes federativos consorciados delegar ao consórcio a atribuição de prestar serviços públicos. Seguindo com o autor, os consórcios só prestarão serviços ou executarão obras diretamente quando se tratar de objeto finalístico do consórcio, logicamente se os entes federativos consorciados lhes transferirem, por lei, recursos humanos e materiais necessários. Um grande plus de eficiência pode ocorrer na situação em que, mediante concessão, o consórcio público substitui os entes federativos consorciados em contrato de concessão com abrangência de obra ou serviço maior do que a competência territorial de cada ente federativo consorciado. Isso porque a execução[10] da obra ou serviço que compreenda abrangência maior que a do ente federado, torna-se inviável de ser realizada em separado, tornando salutar uma associação dos entes interessados, sendo que, dentre as formas possíveis, o consorciamento desponta como a melhor. Outro fator que pode ser compreendido como gerador de eficiência é o fato de que, na concessão os consórcios públicos não remuneram diretamente o concessionário pelos serviços realizados, visto que esses deverão ser remunerados diretamente pelos usuários através de tarifas cobradas pela execução do serviço. Como visto anteriormente, a eficiência implica muitas vezes em redução de gastos na consecução das atividades, como no exemplo em tela, em que se obterá uma economia pecuniária para os entes federativos. Também pode “desamarrar” os consórcios públicos, representando, portanto, potencial acréscimo de eficiência, a competência a eles conferida pela legislação para regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua execução. Infere-se que, ao regulamentar e fiscalizar um dado serviço, torna-se provável a obtenção de resultados finalísticos mais satisfatórios quanto à qualidade e custos envolvidos. Sobre a questão, Alves (2006) afirma que os consórcios públicos, por serem investidos do poder concedente, são também titulares da competência para regulamentar o serviço concedido e de fiscalizar permanentemente a sua execução. Pode significar mais eficiência nos consórcios públicos o direito de exigir o pleno cumprimento das obrigações previstas no contrato de rateio quando adimplente o signatário, visto que também se presume uma forma de cobrança quanto à qualidade e à própria realização do estabelecido. Visando a melhor consecução dos objetivos comuns, Alves (2006) revela que o consorciamento público preconiza prazo de duração indeterminado, vez que os próprios objetivos das Administrações Públicas consorciadas têm prazo indeterminado. Certamente representaria um empecilho à gestão compartilhada eficiente o estabelecimento de prazos, visto que seu término ou poderia provocar ruptura das atividades desenvolvidas, ou a sua renovação poderia ultrapassar o período necessário para sua consecução. Contudo, pelo mesmo raciocínio já exposto acima, a duração indeterminada também pode ser nociva caso o consórcio revele-se ineficiente. Eficiência também pode advir da possibilidade de celebrar contrato de programa[11], vez que este objetiva, entre outros fins, harmonizar a convivência entre concessionários e órgãos vinculados às Administrações que compartilharem a prestação de serviços objeto da gestão associada, tornando mais fácil, desse modo, a consecução eficiente dos objetivos ali pretendidos. De acordo com o art. 13, §4º, da Lei dos Consórcios Públicos, o contrato de programa subsiste mesmo após extinção do consorciamento, mesmo porque as obrigações são atribuídas aos titulares originais dos respectivos serviços. Como o contrato de programa destina-se a uma prestação de serviço público, conclui-se pela necessidade de sua continuidade. Destarte, o consórcio público é eficiente até após sua extinção.  Outro exemplo a ser considerado no consorciamento está no art. 14 da Lei 11.107/2005. Esse dispositivo reforça a cooperação interfederativa, prevendo a faculdade de a União firmar convênios com consórcios públicos. Os mais visíveis e impactantes instrumentos catalisadores de eficiência trazidos com os consórcios públicos dizem respeito às mudanças promovidas na Lei de Licitações, Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Nesse sentido, Sachs (2005) expõe que a Lei 11.107/2005, ao tratar das normas gerais de contratação de consórcios públicos, altera profundamente a Lei de Licitações, permitindo um ganho de eficiência na gestão e na execução das despesas públicas. Assim, o § 8º do art. 23 foi introduzido para facilitar contratações administrativas que serão efetuadas em nome próprio pelos consórcios públicos. Segundo Justen Filho (2008), o mesmo intento traduziu-se na edição de regras específicas para contratação direta por dispensa de licitação, tal como no art. 24 da Lei 8.666/1993, que foi alterado, passando seu parágrafo único a mencionar não apenas as empresas estatais e agências executivas, mas também os consórcios públicos. Para Justen Filho (2008, p. 278) tal solução explica-se somente pela intenção de incentivar a constituição de consórcios públicos. O autor não consegue visualizar outra justificativa: “os diversos entes políticos podem considerar que um fator adicional em favor da formalização do consórcio reside na simplificação do regime licitatório, eis que haverá a elevação dos limites para a adoção das diversas modalidades licitatórias.” O art. 112 da Lei 8666/1993 agora trata também da possibilidade de se realizar o certame do qual, nos termos do edital, decorram contratos administrativos celebrados por órgãos ou entidades vinculados aos entes consorciados. Para Alves (2006) tal possibilidade visa estimular a gestão associada de serviços públicos, flexibilizando os procedimentos licitatórios, mesmo quando a contratação der-se individualmente, pelos entes consorciados. Ainda referente às mudanças trazidas à Lei de Licitações, quando se tratar de consórcio público, os valores em que se pode utilizar a modalidade convite e a tomada de preços foram duplicados e até triplicados, além de ter sido ampliado o rol de dispensa de licitação. (Sachs: 2005) CONCLUSÕES Durante a realização do presente estudo, procurou-se trazer à tona aspectos positivos quanto ao atingimento de eficiência na atividade estatal promovidos pela pactuação de consórcios públicos. Dessa forma, pode-se concluir que o consorciamento representa um grande facilitador para a realização das atividades de interesse público. Nos casos de regiões metropolitanas, por exemplo, onde geralmente surgem inevitáveis limites entre competências municipais na gestão das funções públicas de interesse comum, o consórcio público, celebrado visando à gestão de tais funções, poderá representar eficiente medida. Outras vantagens foram demonstradas acima. Contudo, para otimização de tais resultados, a constituição de um consórcio público deve ser precedida de estudos técnicos aprofundados, para que haja uma delimitação clara do objeto da gestão associada. Nesse sentido, o próprio protocolo de intenções assume relevância inconteste, ao ditar as diretrizes do compartilhamento de gestão num primeiro momento. Isso porque, apesar de representar uma ferramenta agregadora de eficiência à atividade estatal, não seria razoável sua utilização sem critérios ou necessidade, podendo, inclusive, frustrar seu objetivo maior. Nesse sentido, observam-se, durante o desenvolvimento do trabalho, vários momentos em que ficam contrapostos agregadores potenciais de eficiência com o problema da durabilidade indeterminada do consórcio, que na verdade poderá prolongar efeitos maléficos de uma gestão mal sucedida. Ao fim, pretende-se esclarecer que o intuito do presente trabalho, mais que trazer à tona a discussão de figura relativamente nova no ordenamento, procurou-se contribuir com o aprofundamento dos estudos sobre o tema, demonstrando alguns caminhos a serem seguidos e alguns alertas a serem observados.
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A inaplicabilidade do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa
O presente trabalho visa discutir a improbidade administrativa que sempre foi presença constante nas esferas do governo brasileiro. Antes da Constituição de 1988 pode-se notar que os legisladores se preocupavam em coibir práticas de imoralidade na Administração Pública. Porém, durante muitos anos o país carecia de uma legislação severa de âmbito geral para que pudesse abolir, ou pelos menos diminuir a corrupção e a desonestidade na atividade estatal. Com o advento da Lei nº 8.429/92, demonstrou-se um avanço acerca do assunto em que são previstas várias sanções a serem aplicadas àqueles que infringem tal instituto. Contudo, há grande controvérsia doutrinária sobre a aplicação do princípio da insignificância que embora seja utilizado no Direito Penal para tornar condutas atípicas pela inexpressiva lesão ao bem jurídico tutelado, pode ser aplicado analogicamente em outros ramos do Direito. Portanto, o presente artigo propõe um estudo sobre a inaplicabilidade deste princípio na prática de atos de improbidade administrativa, pois o que busca o legislador é punir aquele que fere o comportamento ético e moral, que deve ser sempre observado pelas pessoas que compõem a Administração Pública, em obediência ao princípio da moralidade administrativa previsto na Carta Magna.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem como finalidade demonstrar a possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa praticados por agentes públicos, com o intuito exclusivo de esclarecer ao máximo a divergente discussão existente atualmente entre os estudiosos sobre o assunto. Inicia-se a análise de forma geral, enfocando a evolução que a legislação brasileira sofreu durante os anos para o combate à corrupção na esfera estatal, eis que o tema apresentado é de suma importância no campo do Direito Administrativo, uma vez que envolve de forma direta o princípio da moralidade administrativa, consagrado pela Constituição Federal de 1988, que visa extirpar as condutas ilegais e imorais praticadas por aqueles que tratam com a coisa pública. Além disso, a matéria em comento merece uma atenção toda especial, posto que se trata de objeto inerente a Lei nº 8.429/92 em que é demonstrado no presente estudo uma cognição superficial apresentando as três espécies de atos de improbidade administrativa previstas na legislação e seus aspectos mais relevantes. Com efeito, podemos dizer que um dos principais problemas que dificultam o enfrentamento da improbidade administrativa no Brasil são a impunidade e inaplicabilidade das leis vigentes. É de fácil percepção que quando estamos diante de situações menos danosas ou que não causam lesão ao erário, esses comportamentos são por vezes tratados como insignificantes, porém os efeitos destas condutas podem gerar efeitos devastadores na Administração Pública. Entretanto, a discussão é polêmica, de forma que nossos tribunais e doutrinadores têm posicionamentos conflitantes acerca da aplicação do princípio da bagatela nos atos previstos na Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que a incidência deste instituto gera a atipicidade da conduta ilícita, não sendo o infrator responsabilizado judicialmente. 1. Base constitucional da improbidade administrativa Os termos improbidade, corrupção e desonestidade, conforme bem destaca Simão (2011, p.41), caminham juntos. O ímprobo é aquele que desrespeita as normas morais, sociais e costumeiras, agindo sempre contra esses princípios. A previsão normativa com o objetivo de combater este tipo de ilegalidade do agente público com o trato da função estatal foi preocupação dos legisladores à época da elaboração das Constituições do Brasil em 1946 e 1967, em que determinavam o sequestro dos bens de pessoas indiciadas por crimes de que resultassem prejuízo para a Fazenda Pública. Tais dispositivos constitucionais foram regulamentados pelas Leis nº 3.164/1957 e nº 3.502/58 conhecida como Lei Bilac Pinto, além do Ato Institucional nº 14 que alterou a Carta de 1967. Em 1988 foi promulgada a atual Constituição Federal que impôs aos agentes públicos a punição dos atos ímprobos cometidos no exercício da função administrativa em seu art. 37, §4º ao dispor que: “Art. 37, §4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Por se tratar de norma de eficácia limitada a aplicabilidade ganhou alcance prático com a Lei nº 8.429/92. Cabe ressaltar que os atos de improbidade administrativa definidos nesta lei são de amplitude muito maior do que as hipóteses de enriquecimento ilícito previstas nas Constituições e legislações anteriores. Ademais, o constituinte de 1988 também fez outras referências ao dever de probidade administrativa em diversos dispositivos constitucionais, tais como: a) art. 14, §9º ao remeter à lei complementar a prerrogativa de fixar outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação a fim de proteger a probidade administrativa para o exercício de mandato; b) art. 15, V que admite a perda ou a suspensão dos direitos políticos no caso de improbidade administrativa; c) art. 37, caput que enumera os princípios expressos que devem ser obedecidos pela Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência); d) art. 85, V que definiu como crime os atos do Presidente da República que atentem contra a probidade da Administração.                            Contudo, em relação à violação da probidade administrativa pelos agentes políticos (Presidente da República, Ministros de Estado, magistrados, Procurador-Geral da República, Governadores e Secretários de Estado) sempre foi prevista como crime de responsabilidade que atualmente está disciplinada na Lei nº 1.079/50, recepcionada pela atual Carta Magna. Quanto aos Prefeitos Municipais, os crimes de responsabilidade estão estampados no Decreto-Lei nº 201/67. Segundo Di Pietro (2008, p.769), a expressão ato de improbidade administrativa, aplicável às infrações praticadas por servidores públicos, só foi introduzida pela Constituição de 1988. Neste ínterim, o constituinte deu especial atenção à probidade, já que, nos dizeres de Silva (2005, p.669), “a improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e a correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem”. No entanto, costuma-se dizer que probidade é sinônimo de moralidade, mas improbidade é mais grave do que imoralidade. Isso porque um ato pode ser imoral, mas não caracterizar o ato de improbidade da Lei 8.429/1992, pois este exige, em regra, a má-fé do agente público. 2. Considerações sobre as espécies de atos de improbidade prevista na lei nº 8.429/90 A Lei nº 8.429/92 define ato de improbidade administrativa como todo aquele que lesa o interesse da coletividade, importa em enriquecimento ilícito, que causa prejuízo ao erário e que atenta contra os princípios da Administração Pública (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 619). Quanto aos atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito, previsto no art. 9º da Lei, o agente público visa o recebimento de vantagem patrimonial indevida, quando da função pública, sendo caracterizado o ato independentemente da ocorrência de dano ao erário. Por serem condutas graves são puníveis com penalidades mais severas. Para a doutrina, a configuração do ato ímprobo depende da conduta dolosa do agente público ou terceiro, pois o próprio rigor das sanções busca punir condutas que tenham o mínimo de ofensividade ao patrimônio público. Assim, a mera configuração de culpa e a simples promessa de vantagem patrimonial não são suficientes para a aplicação das sanções que são imputadas no art. 12, I, da Lei nº 8.429/92. Por lado, os atos que causam prejuízo ao erário configuram condutas de gravidade mediana que não provocam enriquecimento ilícito ao agente, porém enseja desvio, apropriação, dilapidação, perda patrimonial ou malbaratamento dos bens ou haveres da Administração Pública, bem como de entidades que recebam recursos públicos, sendo possível, inclusive, a punição dos agentes públicos ou terceiros que cometerem tais condutas na modalidade culposa, conforme determina o art. 10 da Lei. No que se refere aos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, elencados no art. 11 da Lei, são definidos comportamentos de menor gravidade, por isso as sanções previstas são mais leves. Diferentemente dos outros atos de improbidade administrativa, tais condutas não se caracterizam pelo prejuízo ao erário, nem com o enriquecimento ilícito do agente, sendo necessário apenas o desrespeito aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições públicas. No entanto, deverá haver a comprovação de má-fé do administrador público, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, pois caso não haja, a simples punição na seara administrativa será suficiente, evitando a aplicação das severas penalidades da Lei n.º 8.429/90.  É importante ressaltar que os atos descritos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei são exemplificativos (numerus apertus), posto que o legislador utilizou a expressão “notadamente” corroborando a ideia de que outras condutas também podem ser enquadradas nos tipos de improbidade administrativa. Deve-se observar que as penalidades impostas pela Lei nº 8.429/92 têm natureza cível, uma vez que a Constituição dispôs que a sanção de improbidade não traz prejuízo à ação penal cabível. Assim como no âmbito administrativo que os atos podem ser apurados de forma independente por meio de processo administrativo regulamentado pelos Estatutos dos Servidores de cada ente federativo (no âmbito federal a Lei nº 8.112/90). 3. Princípio da insignificância nos atos de improbidade adminitrativa Primeiramente, ressaltar-se que o princípio da insignificância “é o que permite não processar condutas socialmente irrelevantes, assegurando, inclusive, que a justiça seja desafogada ou bem menos assoberbada” (GOMES, 2013, p.51). Carvalho Filho (2012, p.120) ensina que “o principio da bagatela é aplicável também quando o bem jurídico atingido é inexpressivo e a punição pode retratar ofensa ao principio da proporcionalidade”. Tal instituto não está previsto na legislação brasileira, mas os Tribunais têm aplicado esse princípio com a ideia de que não se pode acionar o Poder Judiciário para tratar de assuntos sem lesão significativa a bens jurídicos relevantes. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal estabeleceu quatro critérios de aplicação, quais sejam: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica. Entretanto, esses critérios apresentam grande subjetividade para serem aplicados no caso concreto e, por isso, os magistrados são provocados a medir conceitos que não têm escala métrica. Tal princípio tem mais atenção no Direito Penal, mas também tem ganhado força em outros ramos do Direito. Para Costa (2009): “A aplicação do princípio da insignificância no âmbito do Direito Administrativo ainda gera grandes controvérsias jurídicas, isto, pelo fato da seara de aplicação, a administrativa. Pela aceitação da aplicação existem correntes progressistas, que afirmam poder ser aplicado o princípio da bagatela em analogia. Contudo, o problema todo é que o objeto tutelado em primeiro plano pelas normas cogentes penais no direito administrativo é a moralidade pública.” Com efeito, surge outra grande discussão doutrinária e jurisprudencial, se existe a possibilidade ou não de aproveitamento do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa, tendo em vista que um agente público no exercício da função pode cometer uma infração civil tipificada na Lei nº 8.429/92 e alegar em juízo que a lesão ao bem jurídico foi tão ínfima que não merece reparação dos danos e até mesmo a isenção das sanções das penalidades impostas pela legislação. O tema chega aos Tribunais Superiores de forma tímida, mas o posicionamento ainda não foi consolidado por existirem duas correntes doutrinárias, a que entende ser impossível a aplicação do princípio da bagatela e de outro lado a que defende ser aplicável o referido princípio no âmbito da Lei nº 8.429/90. 3.1. Posicionamento da primeira corrente Uma primeira corrente defende o posicionamento de que não é possível a aplicação do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa, uma vez que a Lei nº 8.429/92 visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial do ato praticado pelo agente público, mas principalmente a moral administrativa. O professor Alexandre Mazza em sua obra “Manual de Direito Administrativo – 2ª edição” cita um importante julgado do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 892.818/RS em que a Corte afastou a aplicação do princípio da insignificância na prática de atos de improbidade administrativa. In casu, o Chefe de Gabinete do Município de Vacaria/RS, teria se aproveitado da força de trabalho de três servidores municipais, membros da Guarda Municipal, bem como utilizado veículo de propriedade do Município, para carregar utensílios de uso particular. O servidor, por sua vez, pediu exoneração e ressarciu aos cofres públicos a importância de R$ 8,47 (oito reais e quarenta e sete centavos) referentes ao combustível utilizado no percurso de 3 km que se apurou ter o veículo do Município percorrido. Porém, o Ministério Público daquele Estado ajuizou ação civil de improbidade administrativa imputando ao réu as condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/92 e requereu a suspensão de seus direitos políticos por dez anos, a proibição de contratar com o Poder Público por três anos, além de pagamento de multa civil de cem vezes o valor da remuneração por ele percebida. O pleito foi acatado pelo juiz de 1ª instância, afastando apenas as duas últimas penalidades. Na oportunidade, o réu apelou da decisão requerendo que o Tribunal de Justiça relevasse a multa civil aplicada em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), tendo em vista o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. E, por isso, acatando a defesa, aquele Tribunal extinguiu a ação civil pública, sem aplicação das penalidades, ante o princípio da insignificância aplicado por analogia ao caso. Assim, o Ministério Público recorreu da sentença e o tema chegou ao Superior Tribunal de Justiça no qual entendeu que o objeto do processo não seria apenas o valor ínfimo de R$ 8,47 (oito reais e quarenta e sete centavos), e sim a moralidade administrativa ofendida, levando em consideração de que o servidor havia utilizado o veículo do Município por motivos particulares, e por isso deveria ser incluindo também na quantificação do dano o valor do frete que o servidor teria de contratar, bem como a remuneração do dia de trabalho dos três servidores municipais que o ajudaram. Desse modo, a Corte restabeleceu a decisão da 1ª instância para condenar o réu à multa civil. Interessante se faz observar a ementa do julgado: “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MERA IRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DISTINÇÃO ENTRE JUÍZO DE IMPROBIDADE DA CONDUTA E JUÍZO DE DOSIMETRIA DA SANÇÃO. 1. Hipótese em que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Civil Pública contra o Chefe de Gabinete do Município de Vacaria/RS, por ter utilizado veículo de propriedade municipal e força de trabalho de três membros da Guarda Municipal para transportar utensílios e bens particulares. 2. Não se deve trivializar a Lei da Improbidade Administrativa, seja porque a severidade das punições nela previstas recomenda cautela e equilíbrio na sua aplicação, seja porque os remédios jurídicos para as desconformidades entre o ideal e o real da Administração brasileira não se resumem às sanções impostas ao administrador, tanto mais quando nosso ordenamento atribui ao juiz, pela ferramenta da Ação Civil Pública, amplos e genéricos poderes de editar provimentos mandamentais de regularização do funcionamento das atividades do Estado. 3. A implementação judicial da Lei da Improbidade Administrativa segue uma espécie de silogismo – concretizado em dois momentos, distintos e consecutivos, da sentença ou acórdão – que deságua no dispositivo final de condenação: o juízo de improbidade da conduta (= premissa maior) e o juízo de dosimetria da sanção (= premissa menor). 4. Para que o defeito de uma conduta seja considerado mera irregularidade administrativa, exige-se valoração nos planos quantitativo e qualitativo, com atenção especial para os bens jurídicos tutelados pela Constituição, pela Lei da Improbidade Administrativa, pela Lei das Licitações, pela Lei da Responsabilidade Fiscal e por outras normas aplicáveis à espécie. Trata-se de exame que deve ser minucioso, sob pena de transmudar-se a irregularidade administrativa banal ou trivial, noção que legitimamente suaviza a severidade da Lei da Improbidade Administrativa, em senha para a impunidade, business as usual. 5. Nem toda irregularidade administrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador inábil com o administrador ímprobo. Contudo, se o juiz, mesmo que implicitamente, declara ou insinua ser ímproba a conduta do agente, ou reconhece violação aos bens e valores protegidos pela Lei da Improbidade Administrativa (= juízo de improbidade da conduta), já não lhe é facultado – sob o influxo do princípio da insignificância , mormente se por "insignificância" se entender somente o impacto monetário direto da conduta nos cofres públicos – evitar o juízo de dosimetria da sanção, pois seria o mesmo que, por inteiro, excluir (e não apenas dosar) as penas legalmente previstas. 6. Iniqüidade é tanto punir como improbidade, quando desnecessário (por atipicidade, p. ex.) ou além do necessário (= iniqüidade individual), como absolver comportamento social e legalmente reprovado (= iniquidade coletiva), incompatível com o marco constitucional e a legislação que consagram e garantem os princípios estruturantes da boa administração. 7. O juiz, na medida da reprimenda (= juízo de dosimetria da sanção), deve levar em conta a gravidade, ou não, da conduta do agente, sob o manto dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade , que têm necessária e ampla incidência no campo da Lei da Improbidade Administrativa. 8. Como o seu próprio nomen iuris indica, a Lei 8.429/92 tem na moralidade administrativa o bem jurídico protegido por excelência, valor abstrato e intangível, nem sempre reduzido ou reduzível à moeda corrente. 9. A conduta ímproba não é apenas aquela que causa dano financeiro ao Erário. Se assim fosse, a Lei da Improbidade Administrativa se resumiria ao art. 10, emparedados e esvaziados de sentido, por essa ótica, os arts. 9 e 11. Logo, sobretudo no campo dos princípios administrativos, não há como aplicar a lei com calculadora na mão, tudo expressando, ou querendo expressar, na forma de reais e centavos. 10. A insatisfação dos eminentes julgadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com o resultado do juízo de dosimetria da sanção , efetuado pela sentença, levou-os, em momento inoportuno (isto é, após eles mesmos reconhecerem implicitamente a improbidade), a invalidar ou tornar sem efeito o próprio juízo de improbidade da conduta , um equívoco nos planos técnico, lógico e jurídico. 11. A Quinta Turma do STJ, em relação a crime de responsabilidade, já se pronunciou no sentido de que "deve ser afastada a aplicação do princípio da insignificância, não obstante a pequena quantia desviada , diante da própria condição de Prefeito do réu, de quem se exige um comportamento adequado, isto é, dentro do que a sociedade considera correto, do ponto de vista ético e moral." (REsp 769317/AL, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 27/3/2006). Ora, se é assim no campo penal, com maior razão no universo da Lei de Improbidade Administrativa, que tem caráter civil. 12. Recurso Especial provido, somente para restabelecer a multa civil de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), afastadas as sanções de suspensão de direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público, pretendidas originalmente pelo Ministério Público.” Em outra oportunidade o mesmo Tribunal Superior no julgamento do HC 148.765/SP entendeu que não é possível a aplicação do princípio da insignificância a prefeito que utiliza de maquinário público por ofensa à moralidade administrativa. Vejamos: “PENAL. PREFEITO. UTILIZAÇÃO DE MAQUINÁRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Não é possível a aplicação do princípio da insignificância a prefeito, em razão mesmo da própria condição que ostenta, devendo pautar sua conduta, à frente da municipalidade, pela ética e pela moral, não havendo espaço para quaisquer desvios de conduta. 2. O uso da coisa pública, ainda que por bons propósitos ou motivado pela "praxe" local não legitima a ação, tampouco lhe retira a tipicidade, por menor que seja o eventual prejuízo causado. Precedentes das duas Turmas que compõem a Terceira Seção. 3. Ordem denegada.”       Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça em reiteradas decisões tem assentado o entendimento que o princípio da insignificância e a teoria dos delitos de bagatela não se aplicam aos atos de improbidade administrativa (MAZZA, 2012, p.505). De acordo com Garcia (2011, p.121), “a razão de ser do entendimento encontra suporte na constatação de que ou a moralidade é violada e a improbidade está configurada, ou não, caso em que estaríamos perante mera irregularidade”. Ainda, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 88.941, julgado em 19/08/2008, restou acertado que a condição pessoal do agente público no caso concreto, qual seja, prefeito municipal, deve ser levado em consideração para que não seja aplicado o principio da insignificância, cuja ementa se deu nos seguintes termos: “CRIME – INSIGNIFICÂNCIA – QUALIFICAÇÃO DO AGENTE E BEM ENVOLVIDO – COISA PÚBLICA. Descabe agasalhar o princípio da insignificância – consoante o qual hão de ser levados em conta a qualificação do agente e os valores envolvidos – quando se trata de prefeito e de coisa pública. PENA – DOSIMETRIA. Mostra-se consentânea com a ordem jurídica decisão que, considerado o máximo de doze anos, fixa a pena-base, presente circunstâncias judiciais negativas, em quatro anos e seis meses de reclusão”. (grifo nosso) (HC 88941, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 19/08/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-02 PP-00213 RTJ VOL-00207-03 PP-01146) Verifica-se que os atos de pouco ou nenhum potencial lesivo no plano financeiro podem gerar efeitos devastadores à gestão da coisa pública estimulando a proliferação de comportamentos desonestos e nitidamente deploráveis (GARCIA, 2011, p. 121). A partir dessa reflexão, pode-se dizer que a jurisprudência seguida pelo Superior Tribunal de Justiça é a de que os atos de improbidade não se confundem com singelas e inofensivas irregularidades administrativas, pois apesar de semelhantes, o ato antijurídico só adquire a natureza de improbidade se, com culpa ou dolo, ferir os princípios constitucionais da Administração Pública e a ordem jurídica de atuação do agente público. Assim, para os favoráveis da impossibilidade de aplicação do princípio da bagatela aos atos de improbidade administrativa, o comportamento ético e moral deve sempre ser observado pelos agentes públicos e também por aqueles que de qualquer forma compõem a Administração Pública, independentemente de a conduta ser mínima ou não, pois o que deve ser analisado é a moralidade administrativa.    3.2. Posicionamento da segunda corrente De um lado diametralmente oposto, encontra-se a posição doutrinária e jurisprudencial de que é possível a aplicação do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa. Para os adeptos desta corrente, como bem destaca a Professora Carmona (2012):   “A punição administrativa esta inserida no conceito do poder punitivo do Estado e, como tal, não poder ser preterida dos avanços do mundo jurídico com relação ao princípio da insignificância. Quer dizer, uma pena administrativa não deve ensejar uma resposta mais rigorosa do que aquela que seria aceita no sistema criminal, motivo pelo qual não se poderia deixar de aplicar alguns institutos penais no direito administrativo”. (grifo nosso). Assim, apesar da teoria dos delitos de bagatela ser instituto do Direito Penal, para esta corrente progressista tal princípio pode ser aplicado em analogia para o Direito Administrativo, e consequentemente na prática de atos de improbidade administrativa. Por conseguinte, com a possibilidade da utilização do princípio da insignificância no campo da improbidade administrativa é admissível afastar a tipicidade material de determinadas condutas, ou seja, a conduta ínfima cometida pelo agente público seria atípica e, por isso, não seria necessário aplicar as severas sanções descritas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. Por essa razão, ressalta Osório (2006, p.127) ao se referir aos atos que causam prejuízo ao erário que “não basta em princípio, apenas a culpa leve por parte do agente ou do terceiro, exigindo-se também a culpa grave para a configuração da improbidade administrativa”. Importante anotar o posicionamento do Professor Luiz Manoel Gomes Junior (2012) o qual destaca que “somente condutas culposas admitiriam a incidência do princípio da insignificância, já que nem teria sentido afirmar que atos dolosos estariam fora dos limites da Lei de Improbidade, por menores que fossem”. Assim sendo, nem todo e qualquer deslize no dia a dia da Administração vem a configurar improbidade administrativa, pois mera irregularidade administrativa comporta sanção administrativa, e não sanção de improbidade (NEVES, 2012, p.86). Julgado emblemático que aborda o tema foi decidido nos autos da Apelação Civil nº 70011242963 proferido pela 4ª Turma do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 25/05/2005, no qual um servidor público serviu-se de material do serviço público que compreendia do uso de catorze folhas de papel timbrado para patrocinar defesa de interesse pessoal com o apoio e a determinação de outro servidor público que se negligenciou de suas funções e atribuições legais para ser remunerado com verba pública, cuja ementa foi lavrada nos seguintes termos: “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. USO DE PAPEL TIMBRADO. INSIGNIFICÂNCIA DO FATO MÍNIMO. 1. A ação civil pública para coibir atos de improbidade administrativa não pode ser amesquinhada e utilizada para reprimir o uso de quatorze folhas de papel timbrado da Câmara de Vereadores em defesa prévia, assinada por Assessor Jurídico do Legislativo em outra ação da mesma natureza. Princípio da insignificância dos fatos mínimos. (grifo nosso) 2. APELAÇÃO DESPROVIDA”. (Apelação Civil 70011242963, Rel. DES. ARAKEN DE ASSIS, 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 25/05/2005, DJe 16/06/2005). Ainda segundo esta corrente, o processo disciplinar em alguns casos, já tem o condão de provocar efeitos educativos para o agente público que pode revestir-se como um inevitável exemplo para o servidor (CARMONA, 2012). Nesse sentido, é o entendimento de Santos (2007, p.45) que destaca: “[…] entendemos que o aludido dispositivo dá margem para que o juiz, diante do fato concreto de um ato de improbidade que venha causar uma pequena lesão ao erário, aplicando o princípio da proporcionalidade, possa enquadrá-lo no art. 11 em vez do art. 10, a fim de reduzir a intensidade das sanções deste, condenando, por força do mencionado dispositivo, o agente ímprobo ao ressarcimento do dano de pequena monta, mesmo em se tratando de violação de princípio. Se a hipótese for a de potencial ofensivo insignificante, a chamada improbidade de bagatela, ou seja, punida pelo estatuto dos servidores públicos com a sanção de advertência – a mais branda – entendemos que, por não haver justa causa para o acionamento do agente como incurso nas penas do art. 12, III, da lei comentada, ele deverá ser responsabilizado apenas na seara administrativo-disciplinar.” (grifo nosso) De acordo com essa corrente doutrinária, as sanções aplicadas aos servidores públicos ímprobos devem estar em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, por isso endossa-se a aplicabilidade do princípio da insignificância na prática de atos de improbidade administrativa. Para Moraes Filho (2012, p.2) mais prudente esta corrente na qual defende que embora a ética e a moral sejam condutas inerentes a todo agente público, é indispensável uma adequada correlação entre meio e fim na imposição de qualquer sanção. Nessa mesma linha, podemos ressaltar outra importante decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no caso de uma demanda proposta por ex-prefeito do Município de Taquaral/SP que foi denunciado por suposta infração capitulado no art. 1º, II, do Decreto-Lei nº 201/1967, por utilizar máquinas e caminhões de propriedade da prefeitura para efetuar serviços de terraplanagem na sua residência, nos autos do HC 104.286/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 03/04/2011. Vejamos a ementa: “Habeas Corpus. 2. Ex-prefeito condenado pela prática do crime previsto no art. 1º, II, do Decreto-Lei 201/1967, por ter utilizado máquinas e caminhões de propriedade da Prefeitura para efetuar terraplanagem no terreno de sua residência. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. 4. Ordem concedida”. (grifo nosso) (HC 104286, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/05/2011, DJe-095 DIVULG 19-05-2011 PUBLIC 20-05-2011 EMENT VOL-02526-01 PP-00042 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 425-434) No caso concreto, a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, dado aos serviços prestados não ultrapassariam o valor de R$ 40,00 (quarenta reais) que foi ressarcido aos cofres públicos pelo paciente. Na oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça, em primeira análise, entendeu ser inaplicado o princípio da bagatela, tendo em vista a condição do condenado (prefeito) e que o valor não seria apto à aplicação do princípio por se tratar de coisa pública. Contudo, discordando do entendimento deste Tribunal Superior, o Ministro Relator Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal entendeu que deve ser levada em conta a avaliação dos aspectos de ordem objetiva na prática do ato, ou seja, o próprio fato, e não atributos do agente, aplicando ao caso concreto o princípio da insignificância.   Para Gomes (2013, p.165), “o fato de o agente ser prefeito municipal não pode já excluir de plano a incidência do principio da insignificância. O fato de o delito atingir o erário público não impede por si só, a aplicação deste princípio”. Além disso, a denegação do princípio da bagatela, só em razão da qualidade do agente ou do bem jurídico contraria a lógica do razoável (GOMES, 2013, p.166). Segundo essa corrente, mostra-se impossível não ignorar a desproporcionalidade no ajuizamento de uma ação de improbidade administrativa sem que esteja presente um dano relevante para a Administração Pública. Daí a necessidade de se observar o principio da proporcionalidade no caso concreto.       Portanto, de acordo com essa posição doutrinária o princípio da insignificância deve ser aplicado desde que realizada uma análise de cada caso em concreto. Considerações finais O princípio da bagatela vem sendo muito aplicado no Direito Penal e tem por objetivo tornar atípicas as condutas insignificantes. Sua aplicação impede que o Poder Judiciário fique sobrecarregado de processos que atinjam de modo ínfimo ao bem jurídico tutelado. Por isso, há grande discussão acerca da aplicação desse princípio em outros ramos do Direito.  Por outro lado, o país é devastado por atos de imoralidade, corrupção e improbidade na Administração Pública por conta de agentes públicos despreparados para assumir uma função pública e incumbidos de má-fé. Assim, foram criados instrumentos legais e severos para combater este mal que ainda assola o país. Nesse diapasão, a incidência do princípio da bagatela no âmbito da Lei nº 8.429/90 pode acabar criando uma sensação de impunidade e fomentar ainda mais a prática de atos de improbidade administrativa. É de se destacar que o princípio da moralidade, constitucionalmente consagrado, é requisito válido para todos os atos da Administração Pública, e não um pressuposto referente ao mérito, isto é, o ato que contraria a moral administrativa é nulo, e por isso não está sujeito à análise de oportunidade e conveniência. Sendo assim, apresentadas as duas posições acerca do tema, entende-se não ser possível a aplicação do princípio da insignificância para os atos de improbidade administrativa, conforme afirmado pela corrente majoritária, tendo em vista que não há ofensa que possa ser considerada insignificante na Administração Pública, uma vez que a conduta moral e ética deve ser sempre observada pelos agentes públicos. Ademais, o bem jurídico tutelado pelo legislador ao criar a Lei nº 8.429/92 é por excelência a moralidade administrativa e por isso não pode ser desprezada. Desse modo, é incabível dizer que uma conduta ímproba ofenda de modo ínfimo a moralidade.  Verifica-se, ainda, que de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça os atos de improbidade não se confundem com meras irregularidades administrativas, pois para que um ato seja ímprobo é imprescindível que sejam ofendidos os princípios constitucionais da Administração Pública e que haja também má-intenção do administrador. Portanto, por mais que o valor lesado seja insignificante ou de pequena monta e que haja a respectiva devolução do mesmo, a ilicitude da conduta é configurada pelo simples comportamento imoral e desonesto do administrador público, pois o bem jurídico protegido pela Lei foi violado (a probidade administrativa). Assim sendo, verifica-se que o combate à improbidade administrativa deve ser analisado com seriedade, devendo, portanto a Lei nº 8.429/92 ter efetividade máxima, uma vez que os agentes públicos estão obrigados a atuar, não segundo a sua vontade, e sim de acordo com o que a legislação determina em obediência ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Por fim, conclui-se que caso haja a incidência do princípio da insignificância nos atos de improbidade administrativa estaria se evitando a aplicação da Lei e uma sensação de impunidade para sociedade brasileira, comprometendo um comportamento socialmente esperado do administrador e o bom trato com a máquina administrativa.
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Saúde pública emergencial e o princípio da inviolabilidade à vida privada
A motivação do presente estudo surge a partir dos crescentes casos de microcefalia ocasionada, supostamente, pelo vírus Zica, exatamente no momento em que é publicado o Decreto nº 8.612, de 21 de dezembro de 2015, e sob os fundamentos do Decreto 7.616, de 17 de novembro de 2011, que declara estado de emergência em saúde pública de âmbito nacional. A meta do estudo ora elaborado, é trazer à luz do que prevê a legislação vigente, uma forma de agilizar os trabalhos, in loco, dos agentes públicos do Estado, engajados na guerra de combate à epidemia, de modo a identificar e eliminar as fontes primárias de criação e proliferação do possível transmissor Aedes Aegypti. O contexto que aqui se pretende alcançar está vinculado ao princípio da inviolabilidade da vida privada versos saúde pública em estado emergencial, declarado oficialmente. Visa com isso esclarecer a necessidade urgente de entrada dos agentes do Estado na propriedade privada, sem que haja intervenção judicial para tal fim, sob a égide do perigo iminência que não esperam discussões jurídicas, mas sim efetividade imediata para o combate da disseminação epidêmica que se alastra por todo o país e que também já é preocupação das organizações internacionais em saúde pública.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Vislumbra-se no atual contexto social em que vive o Brasil, uma situação marcante de grande preocupação nacional e internacional em saúde pública, ocasionada pela epidemia crescente dos casos de microcefalia, supostamente[1] relacionadas ao transmissor Aedes Aegypti. A descoberta tem gerado grande movimentação nos diversos setores da saúde pública dos Poderes Federal, Estadual, Municipal e Distrital, fazendo com que uma mobilização em massa fosse acionada em busca de respostas aos casos detectados, especialmente em localiza focos e criadouros do inseto transmissor. Apesar de todos os investimentos, os entes estatais, através de seus agentes públicos, encontraram barreiras que impossibilitaram as ações de eliminação dos focos de criação e proliferação do mosquito, quais sejam: a não permissão do morador e as propriedades desabitadas e totalmente fechadas. Em meio à expansão epidêmica, não podendo os entes estatais atuar contra o direito privado garantido pelo princípio da inviolabilidade do domicílio constante do artigo 5º, XI da CF/88, ante essa barreira jurídica, tornou-se necessário a intervenção judicial de modo a garantir o acesso à propriedade privada sem que haja violação ao direito tutelado constitucionalmente, sendo esse o único meio de viabilizar os trabalhos de identificação e eliminação dos focos e criadouros do mosquito transmissor da epidemia. PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (art. 5º, inciso XI da CF) Historicamente, cumpre destacar que os costumes na época do Antigo Testamento em um de seus livros, o povo era ensinado a não penetrar na moradia do próximo, cuja lição era que, se o morador estivesse em dívida com o credor, esse credor não poderia adentrar na moradia para buscar a sua dívida, deveria ele esperar à porta para que o devedor o pagasse. Assim consta na sagrada escritura: “Quando requereres do teu próximo alguma cousa, que ele te deve, não entrarás em sua casa para dela levares algum penhor: Mas ficará de fora, e ele te trará o que tiver:” (Deuteronômio 24: 10-11). Essa passagem retrata a essência da inviolabilidade que os antigos punham em prática quanto a moradia do próximo. No entanto, a inviolabilidade domiciliar destacou-se, para muitos doutrinadores, na Idade Média, após o Lord Chatham em seu discurso para o Parlamento Britânico ter esclarecido que “O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento pode soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar”. Com isso, demonstrava o Lord que o lar (casa) não poderia sofrer qualquer invasão por parte da coroa, uma vez que aquela propriedade havia de ser considerado solo sagrado do proprietário e os poderes a ele conferidos deviam ser profundamente respeitados. Após a Segunda Guerra Mundial, o princípio ganhou maior enfoque ao ser inserido na Declaração Universal dos Diretos Humanos, especificamente no Artigo XII ao declarar que: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na de sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.”. Essa previsão fez com que muitos países adotassem em suas constituições a garantia de não violação do princípio sobre o direito privado consagrado à pessoa humana. Nesse sentido o Brasil, signatário da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), também reafirmou o propósito de consolidar, dentro da instituição democrática o regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos essenciais do homem. Dentre eles, encontra-se previsto no Artigo 11 a proteção da honra e da dignidade assim estabelecido: “1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.” Alem disso, o sustentáculo alicerçado pelos institutos do direito internacional aceito pelo Brasil, a Constituição Federal após sua promulgação em 5 de outubro de 1988, consolidou em seu art. 5º, inciso XI, o princípio de que: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;” Em sentido lato, nos dizeres do constitucionalista Alexandre de Moraes, a casa abrange não somente a residência, o lar do indivíduo, mas todo espaço onde se ache em descanso ou trabalho, na seguinte afirmação: “Considera-se, pois, domicílio todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com exclusividade, a qualquer título, inclusive profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço, preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito.” (MORAES, 2003:81). Nas palavras de Gilmar Mendes, tem-se que: “O domicílio delimita um espaço físico em que o indivíduo desfruta da privacidade, em suas variadas expressões. Ali, não deve sofrer intromissão por terceiros, e deverá gozar da tranquilidade da vida íntima.” (MENDES, 2012:416). No contexto penal, cumpre destacar algumas abrangências doutrinárias sobre o termo domicílio. Assim temos: Fernando Capez, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “É todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com direito exclusivo e próprio, a qualquer título. O ponto essencial da caracterização está na exclusividade em relação ao público em geral. Assim, é inviolável como domicílio tanto a moradia quanto o estabelecimento de trabalho, desde que este não esteja aberto a qualquer um do povo, como um bar ou restaurante”. (CAPEZ, 2012:403). Para Aury Lopes Jr., tem-se que: “Tal conceito deve ser interpretado de forma ampla, muito mais abrangente que o conceito do Código Civil brasileiro. Assim, deve abranger: 124 a) habitação definitiva ou moradia transitória; b) casa própria, alugada ou cedida; c) dependências da casa, sendo cercadas, gradeadas ou muradas (pátio); d) qualquer compartimento habitado; e) aposento ocupado de habitação coletiva em pensões, hotéis, motéis 125 etc.; f) estabelecimentos comerciais e industriais, fechados ao público; g) local onde se exerce atividade profissional, não aberto ao público; h) barco, trailer, cabine de trem, navio e barraca de acampamento; i) áreas comuns de condomínio, vertical ou horizontal.” (LOPES Jr., 2013:551/552). Na esfera do Direito Civil, diversos são os doutrinadores que entram em consenso quanto ao conceito de domicílio. Entre eles destacamos os seguintes: Maria Helena Diniz ao citar que: “O domicilio e um conceito jurídico, por ser o local onde a pessoa responde, permanentemente, por seus negócios e atos juridicos147, sendo importantíssimo para a determinação do lugar onde se devem celebrar tais atos, exercer direitos, propor ação judicial, responder pelas obrigações (CC, arts. 327 e 1.785).” (DINIZ, 2012:247) Carlos Roberto Gonçalves conceitua como: “O domicílio, em última análise, é a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos. (GONÇALVES, 2012:119) Para Rodolfo Pamplona Filho Gagliano, domicílio é: “Domicílio civil da pessoa natural é o lugar onde estabelece residência com ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de seus negócios jurídicos ou de sua atividade profissional.” (GAGLIANO, 2012:262/263) Como mera citação, sem aprofundar-se na esfera contextual, há ainda conceitos de domicílio nos ramos do direito tributário, eleitoral, internacional e trabalhista que determinam a competência a ser relacionada à demanda judicial. EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE (CONTEXTO PENAL) Ressalta-se que as normas da Carta Magna não são absolutas, por isso existem exceções ao princípio destacados na segunda parte do inciso XI, do art. 5º a Constituição Federal assim estabelecido: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;” (grifamos). O mero estado de flagrante delito – fato restrito ao Direito Penal – autoriza a quebra da inviolabilidade contida na norma constitucional. Isso porque, para o direito penal, o bem jurídico tutelado é a vida. Nesse caso, não há que se falar em infringência da norma quando o fato estiver relacionado a flagrante delito, desastre ou para prestar socorro por se tratarem de ações legítimas à proteção da vida em perigo. Observa-se também não se poder valer do direto constituído no inciso XI do art. 5º da Constituição a qualquer momento, como preleciona Guilherme de Souza Nucci ao esclarecer que “se um fugitivo da justiça esconde-se na casa de um amigo, a polícia somente pode penetrar nesse local durante o dia, constituindo exercício regular de direito impedir a entrada dos policiais durante a noite, mesmo que possuam um mandado.” (Manual de Direito Penal, p. 224)(livro digital). Diante disso, a regra somente determina a penetração na “casa”[2] onde estiver ocorrendo o flagrante delito no período diurno, sendo que o seu ingresso em horário noturno irá de encontro com a norma e assim acarretará infração. Na mesma linha de raciocínio entende Fernando Capez que a inviolabilidade do domicílio só não estará configurada nas seguintes hipóteses: “temos duas situações distintas — a violação do domicílio à noite e durante o dia: a) durante a noite, somente se pode penetrar no domicílio alheio em quatro hipóteses: com o consentimento do morador, em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro; b) durante o dia, cinco são as hipóteses: consentimento do morador, flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou mediante mandado judicial de prisão ou de busca e apreensão.” (CAPEZ, 2012:306). Esclarece em seguida que: “Havendo mandado de prisão, a captura, no interior do domicílio, somente pode ser efetuada durante o dia (do romper da aurora ao pôr do sol), dispensando-se, nesse caso, o consentimento do morador. Ao anoitecer, o mandado já não poderá ser cumprido, salvo se o morador consentir, pois à noite não se realiza nenhuma diligência no interior do domicílio, nem mesmo com autorização judicial. Deve-se aguardar até o amanhecer e, então, arrombar a porta e cumprir o mandado.” (CAPZ, 2012:307). Demonstrada as causas de inviolabilidade do domicílio no contexto penal, passemos a uma breve análise da norma consagrada no inciso XI do art. 5º da Magna Carta na visão do direito civil, por ser esse o foco principal do estudo. EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE (CONTEXTO CÍVEL) Imperioso é o esclarecimento que se tem no mundo doutrinário atribuído ao princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio, pois se busca com isso relacionar, diante da visão contida no direito civil, meios que possibilitem a não configuração de fato arbitrário à intrusão quando o direto constituído for violado. Veja-se que a proteção do direito consiste na vida privada da pessoa humana, posto tratar-se do local estabelecido à sua intimidade, descanso ou de trabalho, cujo espaço é destinado tão somente ao seu residente (morador ou proprietário), de modo a relacionar-se com as pessoas em afinidade, a recuperar-se das fadigas diárias e de qualquer modalidade incomoda ou provocação alheia ou para o exercício de suas atividades profissionais, que possam abalar a saúde física, psíquica e trabalhista do ser humano em sua área de intimidade restrita. Destarte, para Pablo Stolze, inviolabilidade domiciliar corresponde a “segredo doméstico”, pois em sua definição “é aquele reservado aos recônditos do lar e da vida privada. O direito ao segredo doméstico está firmemente relacionado à inviolabilidade do domicílio”(STOLZE, 2012:193). Nessa lógica, transcrevemos o posicionamento de Silvio de Salvo Venosa ao entender que “fixada a idéia de residência, se a ela se agregar a conceituação psíquica do ânimo de permanecer, fica caracterizado o domicílio, segundo nosso dispositivo.”[3](VENOSA, 2004:173). Desse modo, restou consagrado no Diploma Civil Brasileiro de 2002, no Título III – Do Domicílio, artigo 70, o seguinte: “Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.” Tem-se ainda o art. 71 que prevê a possibilidade da pessoa ter diversas residências, podendo considerar seu domicílio qualquer uma delas; E ainda o art. 72, que estabelece o domicilio da pessoa natural àquele concernente ao exercício da profissão. A propósito, leciona Maria Helena Diniz que, no direito civil, havendo ingresso arbitrário à inviolabilidade domiciliar, deverá ser aplicada medida cível de reparação do dano moral ou patrimonial, ferido pela invasão do local restrito ao morador ou proprietário, ao comentar que: “A intimidade é a zona espiritual intima e reservada de uma pessoa, constituindo um direito da personalidade, logo o autor da intrusão arbitraria a intimidade alheia deverá pagar uma indenização pecuniária, fixada pelo órgão judicante de acordo com as circunstâncias, para reparar dano moral ou patrimonial que causou” (DINIZ, 2012:152) A respeito da inviolabilidade em matéria cível, o art. 21 do Código Civil de 2002 dispõe que: “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Vide ADIN 4815)” O dispositivo do código civil supra mencionado concordando com o direito protegido, instituído pelo art. 5º, X da Magna Carta, trazem as garantias para que o lesionado possa invocar a interrupção da prática abusiva ou ilegal do ato cometido, mediante indenização moral ou patrimonial. Com esse posicionamento, Carlos Roberto Gonçalves: “o art. 21 do novo diploma retrotranscrito e o art. 5º, X, da Constituição Federal protegem a zona espiritual íntima e reservada das pessoas, assegurando-lhes o direito ao recato e a prerrogativa de tomar as providências necessárias para impedir ou fazer cessar o ato lesivo ou exigir a reparação do dano já consumado.”[4] Assinale-se que o codex civil ao tratar da inviolabilidade apenas traz o dispositivo do artigo 21, vez que, como exceção a essa previsão, vislumbra-se tão somente o requerimento da parte, pois somente dessa forma é que a autoridade judicial poderá adotar as medidas para impedir ou fazer cessar o ato contrário à norma. Através disso, à luz do nosso entendimento, apontaríamos como uma possível previsão de exceção à inviolabilidade da vida privada prevista no direito civil, a declaração de estado de emergência, mediante a publicação de Decreto Nacional, como forma de medida preventiva em saúde pública, cujo direito tutelado é a proteção da vida da sociedade, de modo a viabilizar as ações de combate às epidemias que se alastram pelo país. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DECRETO Sobre Decreto, tecemos algumas considerações quanto à sua função como ato jurídico. Trata-se de ato amparado pelo art. 84, IV da Constituição Federal[5], que tem por finalidade o desenvolvimento da atividade administrativa e é normalmente proveniente do chefe do poder executivo. Sabe-se, no entanto, que o decreto é um ato de efeito regulamentar ou de execução de uma lei nunca podendo ser utilizado para ir de encontro ou além daquela. Nesse sentido é o posicionamento de Pablo Stolze[6]: “atos do Poder Executivo, com a finalidade de prover situações previstas na lei em sentido técnico, para explicitá-la e dar-lhe execução” (STOLZE, 2012:54). Na lição de Maria Helena Diniz[7], decretos regulamentares “são normas jurídicas gerais, abstratas e impessoais, estabelecidas pelo Poder Executivo, para desenvolver uma lei, facilitando sua execução.” (DINIZ, 2012:55) DECLARÇÃO DE EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA Em termo de saúde pública o Decreto 7.616, de 17 de novembro de 2011, especificamente ao que se trata da declaração emergencial de importância nacional, consiste para situações que demandem o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública, assim previsto no art. 2º. Destarte, o inciso II do art. 3º do Decreto 7.6161/2011, entra em perfeita sintonia com a regra do inciso XI, do art. 5º da Constituição Federal, visto que a declaração se dará em virtude da ocorrência das seguintes situações: I – epidemiológicas; II – de desastres; ou III – de desassistência à população. Veja-se, portanto, que o decreto trouxe a epidemiologia e o desastre para a via das emergências, e por isso, ao nosso observar, autoriza de modo legítimo que o princípio da inviolabilidade à vida privada não sofrerá ato antijurídico em virtude de está previsto em documento legal. Se a própria Carta Magna estabelece exceção à inviolabilidade do asilo do indivíduo que esteja sob a ocorrência de desastre ou na iminência do acontecimento, entendemos também tratar-se a epidemia de fato semelhante. Isso porque o alastramento epidemiológico acarretará em possível desastre social, pois que afetará diretamente o direito à vida das pessoas. Assim, uma vez estabelecido pelo legislador que o direito público se sobrepõe ao direito privado e restando patente a progressividade do aumento de casos infecciosos transmitidos pelo Aedes Aegypti, especialmente pelo crescente número de casos de microcefalia, cujo fato preocupa até as organizações internacionais, entendemos pela possibilidade do acesso do Estado – através dos seus agentes públicos – a área privada do indivíduo, quando ocorrer a negativa de entrada ou quando o asilo encontrar-se fechado ( temos que nesse caso o Estado estará adotando medidas de proteção do direito social à saúde pública, pois uma vez prevenida a sociedade de doenças graves, não acarretará inchaço, além dos já existentes, ao sistema único de saúde – SUS, prevenindo também o insurgirmento de elevados gastos em termos econômicos ) para que se possa investigar possíveis criadouros e/ou focos de reprodução do transmissor das doenças Dengue, Chikungunya e agora o mais temido Zica Vírus, causador da microcefalia que se alastra pelo país, sem que haja violação do direito, como forma do Estado garantir à sociedade a proteção do direito à saúde. Cumpre-nos esclarecer que o único meio de acesso ao asilo do indivíduo é possível desde os primórdios da Constituição, mas somente, através da via judicial, onde o interessado invocado o Poder Judiciário busca o direito de entrada mediante ordem judicial. Fato esse já consagrado no direito brasileiro como a via mais democrática de se proteger o direito fundamental estabelecidos na Constituição. Neste prisma, à luz da jurisprudência brasileira, destacamos os seguintes julgados: Superior Tribunal de Justiça – STJ: “SUSPENSÃO DE LIMINAR. SAÚDE PÚBLICA. LEISHMANIOSE VISCERAL. 1. A exigência de que o proprietário do animal portador da doença consinta em sacrificá-lo pode acarretar grave lesão à saúde pública; outro tanto, a possibilidade de que o animal seja tratado sob a supervisão e responsabilidade de médico veterinário, porque a transmissão da doença não é evitada por esse meio. 2. O agente público de saúde só tem acesso ao domicílio em que reside o proprietário do animal mediante consentimento ou autorização judicial. Agravo regimental desprovido.” (AgRg na SLS 1.289/MS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/10/2010, DJe 19/11/2010)” Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “Conforme consagrado no art. 5º, XI, CF, a violação de domicílio legal, sem consentimento do morador, somente é permitida durante o dia em caso de flagrante delito, desastre, para prestar socorro, ou, ainda, por determinação judicial, e, à noite, em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro.-Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça ""sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização"" (4ª T., REsp nº 8.768-0/SP, rel. Min. Barros Monteiro).- A indenização por danos morais visa não somente reparar, ainda que minimamente, os danos experimentados pela vítima, mas, também, servir como fator de desestímulo ao agente, de forma a inibir a prática de novos atos lesivos.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.00.256406-0/000, Relator(a): Des.(a) Edivaldo George dos Santos , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/10/2002, publicação da súmula em 11/02/2003)” Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. Autora, moradora do apartamento que deixou chuveiro ligado, saindo para viagem por alguns dias (feriado de Carnaval). Réus que ingressaram sem autorização da autora, em seu domicílio, para desligar o chuveiro. Emergência comprovada. Risco de vazamento, além do consumo excessivo de água e energia elétrica. Inexistência de desrespeito ao princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio. Inexistência, na hipótese, de ato ilícito. Mero aborrecimento que não configura agressão à personalidade ou ofensa à dignidade. Precedentes desta Corte. Multa indevida pela não demonstração de ocorrência de infiltração em apartamento vizinho, decorrente do evento. Litigância de má-fé não caracterizada. Recurso parcialmente provido.” (Relator(a): Milton Carvalho; Comarca: Ribeirão Preto; Órgão julgador: 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Data do julgamento: 01/07/2015; Data de registro: 01/07/2015) Ressalte-se que o princípio da inviolabilidade, objeto do estudo, não é absoluto, pois se relativiza conforme caso a caso. Observa-se, no entanto, diante da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que a violação ao princípio constitucional do inciso XI, do art. 5º, foi julgado considerando o “risco de vazamento” e o “consumo excessivo de água e energia elétrica”, portanto, fatores econômicos. A MEDIDA DE URGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA Ora, no que pese a emergência fundada em fatores econômicos e de risco, o que dirá quanto a situação emergencial em saúde pública declarada em âmbito nacional, já que o direito tutelado encontra sustentáculo no risco epidêmico eminente da população e nas questões econômicas, visto que problema trás sérias preocupações ao Estado Brasileiro. Por se tratar de saúde pública, não havendo prevenção eficaz, trará aos cofres públicos altos investimentos com tratamentos medicamentosos, além da superlotação dos hospitais e o baixo Índice de profissionais infectologistas, poderá gerar uma problemática ainda mais gravosa se as medidas de combate à proliferação do Aedes Aegypti (eliminação dos focos e criadouros), não forem, no princípio, eliminadas. Tal medida, ao nosso entender, repita-se, deverá recair sobre aqueles indivíduos insurgentes ao sistema de combate à propagação do transmissor da epidemia e também sobre aquelas residências que se mantém fechadas, impossibilitando o acesso das equipes de saúde ao local para investigar possíveis focos e criadouros de reprodução do mosquito[8] epidemiológico. Neste sentido, citamos algumas manchetes a respeito do caso que vem preocupando não somente a nação brasileira, mas também a Organização Mundial da Saúde – OMS. Senão vejamos: Portal Web: O VALE. “December 12, 2015 – 00:24 Guerra à dengue e ao zika sofre com casas fechadas Em São José e Taubaté os agentes dão com ‘a cara na porta’ em quatro entre cada 10 imóveis visitados Xandu Alves São José dos Campos” Fonte:http://www.ovale.com.br/guerra-a-dengue-e-ao-zika-sofre-com-casas-fechadas-1.647643 Portal Web: FOLHA WEB “AEDES AEGYPTI Imóveis fechados dificultam o combate Prefeitura ainda tenta conseguir autorização judicial para poder entrar nas residências fechadas para combater o mosquito Aedes Aegypti Por Luan Guilherme Correia Em 29/01/2016 às 00:10” Fonte: http://www.folhabv.com.br/noticia/Imoveis-fechados-dificultam-o-combate-/13486 Portal Web: WHO – ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD (ORGANIZÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE) “CENTRO DE IMPRENSA Declaração à imprensa sobre vírus Zika Declaração da OMS 28 de janeiro de 2016 O director-geral da OMS, Margaret Chan, convocou uma comissão de emergência do vírus Regulamento Sanitário Internacional Zika e aumento desordens neurológicas e malformações congênitas. O Comitê se reunirá na segunda-feira, 1 de fevereiro, em Genebra, para determinar se o surto é uma emergência de saúde pública de interesse internacional. As decisões sobre a composição do Comité e do seu conselho será publicado no site da OMS. Surto nas Américas Em maio de 2015, Brasil registrou seu primeiro caso de doença vírus Zika. Desde então, a doença se espalhou dentro do país, e também para outros 22 países da região. A chegada do vírus em alguns países nas Américas, especialmente no Brasil, tem sido associada a um grande aumento no número de recém-nascidos com microcefalia e casos da síndrome de Guillain-Barré condição síndrome na qual o sistema imunológico ataca o sistema nervoso, muitas vezes resultando em paralisia, em alguns casos. Embora nenhuma relação causal foi estabelecida entre o vírus Zika e malformações congênitas e síndromes neurológicas, há fortes razões para suspeitar de sua existência. OMS ação O Escritório Regional da OMS para as Américas (OPAS) tem trabalhado em estreita colaboração com os países afetados desde maio de 2015. A OPAS mobilizou sua equipe e membros do Outbreak Alert Network e Resposta Global (GOARN) para ajudar ministérios da saúde para reforçar a sua capacidade de detectar a chegada ea circulação do vírus Zika por testes de laboratório e de notificação rápida. O objectivo tem sido o de garantir um diagnóstico preciso e tratamento clínicos dos pacientes, após a propagação do vírus e do mosquito que transmite, e promover a prevenção, principalmente por meio do controle do mosquito. A Organização está a apoiar a expansão e fortalecimento dos sistemas de vigilância em países que têm relatado casos de infecção com o vírus Zika e microcefalia e outras condições neurológicas que podem estar relacionados ao vírus. Também está a ser reforçada a vigilância nos países em que o vírus possa se espalhar. Nas próximas semanas, a Organização convocou um grupo de peritos para tratar de lacunas críticas nos conhecimentos científicos sobre o vírus e seus efeitos potenciais sobre os fetos, crianças e adultos. A OMS também dará prioridade ao desenvolvimento de vacinas e de novos instrumentos para controlar a população do mosquito, bem como testes de diagnóstico melhoradas. Christian Lindmeier Communications official” Fonte: http://www.who.int/mediacentre/news/statements/2016/emergency-committee-zika/es/ Portal Web: RPT – O ESSENCIAL ““Previsão de milhões infetados com zika faz soar alarme da OMS Inês Geraldo – RTP 28 Jan, 2016, 14:02 / atualizado em 29 Jan, 2016, 15:03 | Mundo A Organização Mundial de Saúde (OMS) vai reunir-se de emergência na próxima segunda-feira devido à rápida propagação do vírus Zika na América Latina. Estima-se que o vírus venha a infetar em 2016 até quatro milhões de pessoas. A doença já foi confirmada em pelo menos 23 países. O Brasil é o país mais fustigado por esta nova epidemia, tendo entre 500 mil e um milhão e meio de casos confirmados. Há registo de mais três mil crianças nascidas com microcefalia. Dr Chan: The International Health Regulations Emergency Committee on #ZikaVirus to meet on Mon., 1 Feb 2016 in Geneva #Zika — WHO (@WHO) 28 janeiro 2016” Fonte: http://www.rtp.pt/noticias/mundo/previsao-de-milhoes-infetados-com-zika-faz-soar-alarme-da-oms_n891954 Portal Web: Ministério da Saúde “Prevenção e combate Dengue, Chikungunya e Zika Boletim: Ministério da Saúde investiga 3.448 casos suspeito de microcefalia Publicado: Quarta, 27 de Janeiro de 2016, 19h30 | Última atualização em Sexta, 29 de Janeiro de 2016, 17h32 | Acessos: 958 Além dos casos que permanecem em investigação, outros 270 já tiveram confirmação para a doença e 462 foram classificados como descartados” Fonte: http://combateaedes.saude.gov.br/noticias/244-ministerio-da-saude-investiga-3-448-casos-suspeitos-de-microcefalia Portal Web: G1 – Mato Grosso do Sul “09/12/2015 19h01 – Atualizado em 09/12/2015 19h31 Justiça autoriza prefeitura a entrar em casas fechadas no combate à dengue Capital de Mato Grosso do Sul vive epidemia de dengue. Magistrado considerou situação emergencial e notória.” Fonte: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2015/12/justica-autoriza-prefeitura-entrar-em-casas-fechadas-no-combate-dengue.html Portal Web: G1 – Espírito Santos “16/12/2015 23h02 – Atualizado em 16/12/2015 23h02 Agentes do ES podem entrar em casas fechadas para combater Aedes Vitória já adota a ação; Cariacica e Vila Velha começam nesta quinta (17). Vila Velha registra 62 casos suspeitos de zika e 14 de chikungunya.” Fonte: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/12/agentes-do-es-podem-entrar-em-casas-fechadas-para-combater-aedes.html Diante das manchetes destacadas, reforçamos nosso entendimento que o Decreto de emergência a nível nacional em saúde pública deverá ter uma força maior em relação ao princípio da inviolabilidade à vida privada, viso que o bem maior – a saúde da população – deverá prevalecer sobre o direito privado, tudo porque uma das maiores concentrações de disseminação da epidemia tem seus focos de reprodução originária nas residências e propriedades particulares, e negar a investigação de possíveis focos que originam a epidemia, é contribuir para que a epidemia se alastre na sociedade de modo a proporcionar o aumento de pacientes infectados nos hospitais públicos, além de tornar o caso em preocupação nacional. Entendemos que tal atitude nada mais é do que um ato anti-humanístico que vai de encontro aos princípios dos direitos humanos, da cooperação e da economia, uma vez que mobilizara todo um aparato público em busca de soluções para o controle e erradicação das doenças que crescem a ritmo acelerado, como se vê das informações registradas no Portal do Ministério da Saúde: Primeira notícia sobre caso suspeito de microcefalia no Brasil: “Data de Cadastro: 11/11/2015 as 13:11:37 alterado em 11/11/2015 as 13:11:37 AVISO DE PAUTA Ministro da Saúde fala sobre caso suspeito de ebola e casos de microcefalia Nesta quarta-feira (11), às 16h, o Ministério da Saúde realizará coletiva de imprensa sobre a investigação de um caso suspeito de ebola em Belo Horizonte (MG). Na ocasião, também serão anunciadas medidas para investigação dos casos de microcefalia identificados em alguns estados da região Nordeste. A coletiva será transmitida ao vivo pela TV NBR, Web Rádio Saúde (webradio.saude.gov.br/radio) e pelo Twitter (@minsaude). Coletiva de imprensa sobre caso suspeito de ebola e casos de microcefalia Data: 11 de novembro (quarta-feira) Horário: 16h Local: Sala 125, sobreloja do Ministério da Saúde – Bloco G, Esplanada dos Ministérios – Brasília (DF) Atendimento à imprensa:” A partir daí, vejamos a evolução dos casos no período compreendido de 11 de novembro de 2015 a 30 de janeiro de 2016, com dados obtidos no portal do Ministério da Saúde, conforme quadro a seguir: “Data de Cadastro: 02/02/2016 as 19:02:18 alterado em 02/02/2016 as 19:02:18 BOLETIM Saúde investiga 3.670 casos suspeitos de microcefalia no país Estão sendo investigados todos os casos de microcefalia e outras alterações do sistema nervoso central, inclusive a possível relação com o vírus Zika e outras infecções congênitas O Ministério da Saúde e os estados investigam 3.670 casos suspeitos de microcefalia em todo o país. Isso representa 76,7% dos casos notificados. O novo boletim divulgado nesta quarta-feira (2) aponta, também, que 404 casos já tiveram confirmação de microcefalia e/ou outras alterações do sistema nervoso central, sendo que 17 com relação ao vírus Zika. Outros 709 casos notificados já foram descartados. Ao todo, 4.783 casos suspeitos de microcefalia foram registrados até 30 de janeiro. (…).     O JUDICIÁRIO E A SITUAÇÃO PROCESSUAL Por outro lado, as medidas de penetração em imóveis e propriedades particulares já vêm sendo adotadas no Brasil, mas somente pela via judicial. Assim sendo, para que o Estado garanta o direito à saúde, é necessário percorreu o longo caminho judicial, mesmo que as ações a esse respeito sejam em caráter de tutela de emergência que, desde a apreciação até a aplicação da medida e o seu efetivo cumprimento, poderá ocorrer o nascimento de milhões de mosquitos, principalmente nos períodos das chuvas de verão, por ser tal período a estação mais propícia ao aumento de casos relacionados à epidemia do Aedes Aegypti. Isso demonstra o quanto o direito à inviolabilidade da vida privada prevalece sobre o direito à saúde, que também é uma garantia estatal. Por isso, reforçamos o entendimento da não intervenção judicial, somente quando se tratar de saúde pública emergencial declarada por decreto em âmbito nacional, como vem ocorrendo atualmente no país e declarada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) de preocupação internacional. Com isso, destacamos a seguinte manchete publicada no sítio da OMS em página traduzida: “OMS declara que o recente conjunto de casos de microcefalia e outras desordens neurológicas constituem uma emergência de saúde pública de importância internacional 01 de fevereiro de 2016 – A primeira reunião do Comité de Emergência convocada pela Diretora Geral da OMS a respeito de grupos de casos de microcefalia e outras desordens neurológicas em algumas áreas afetadas pelo vírus Zika foi realizada por teleconferência em 1 fevereiro. O Comité recomendou a declaração de que a recente conjunto de casos de microcefalia e outros relatada no Brasil, depois de um aglomerado semelhante em Polinésia Francesa em 2014 desordens neurológicas constituem uma emergência de saúde pública de importância internacional (PHEIC ). O Director-Geral da OMS resume o resultado do Comité de Emergência sobre o vírus Zika” Fonte: http://www.who.int/es/ O nosso posicionamento fundamenta-se também no relatório do Conselho Nacional de Justiça – CNJ de 2014, especificamente na esfera estadual, via inicial do peticionamento requerendo autorização para abertura de imóveis, objetivando a eliminação de focos de criação do aedes aegypti, o qual aponta uma superlotação na demanda processual dos tribunais pelo país. Com isso, as medidas judiciais para se adotarem autorização da quebra do princípio da inviolabilidade à vida privada a fim de efetivar o ingresso no imóvel do particular, com o objetivo de sana a proliferação epidêmica atualmente existente como forma de garantia a saúde à sociedade, poderão acarretar riscos de onerações ainda maiores. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, nossa preocupação volta-se à prevalência do interesse público sobre o particular quando se tratar de saúde pública declarada em âmbito nacional, mesmo que tal declaração seja pela via do Decreto. Além de está previsto na hierarquia jurídica a um degrau abaixo da lei, o Decreto, por sua vez, serve para regulamentar a lei. Sob esse prisma temos que, no âmbito da saúde pública, as campanhas de combate à proliferação do aedes aegypti têm sido bastante divulgadas. No entanto, os agentes públicos encontram muitas dificuldades perante a população em combater a proliferação do mosquito. Isso porque muitos moradores ou não permitem a entrada na residência para se fazer a averiguação de possíveis focos de criação ou porque as residências encontram-se totalmente fechada. Essas são as maiores preocupações, pois o poder público não pode atuar diretamente no combate se não houver permissão do morador ou se não houver autorização judicial determinando a entrada do Estado[9] na propriedade privada, mesmo estando o país em estado de alerta. Sob essa ótica, estando na iminência do caso epidêmico em escala nacional já decretada, e havendo exceções ao inciso XI do art. 5º da Carta Magna, especialmente àqueles atinentes a “desastre” e “prestação de socorro”, já não seria necessário o enquadramento epidêmico, quando assim for declarado nacionalmente, como uma prestação de socorro não somente ao particular, mas ao socorro geral da sociedade, visto tratar-se da saúde de milhares de seres humanos, inclusive os menores indefesos. Por fim, à luz do nosso entendimento, apontaríamos como uma possível previsão de exceção à inviolabilidade da vida privada prevista no direito civil, a declaração do estado de emergência enquanto durar o prazo de vigência, como forma de medida urgente em benefício da saúde pública, de modo a tutelar, com maior agilidade, a proteção à vida da população e da economia nacional, viabilizando assim as ações em combate às epidemias que possivelmente venham a surgir no país.
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A tendência de privatização dos contratos públicos e as parcerias público-privadas
Este trabalho aborda o tema da privatização dos contratos públicos com ênfase nas parcerias público-privadas e suas modalidades. Para a análise do tema são abordados os conceitos de parceria, privatização e terceirização; o tratamento constitucional do tema; o histórico da descentralização administrativa no Brasil e as parcerias público-privadas.
Direito Administrativo
1. Introdução Este trabalho tem o objetivo de demonstrar a tendência à “privatização” dos serviços da Administração Pública com ênfase na apresentação das parcerias público privadas. Para tanto, em primeiro lugar, será apresentado o conceito de parceria com a  Administração Pública e os conceitos e diferenciação entre privatização e terceirização. Em segundo lugar, será apresentado o tratamento que a Constituição dá à prestação de serviços públicos e “privatização” de tais serviços. Em seguida, trataremos da descentralização da Administração e do seu histórico no Brasil. Finalmente, serão expostas as parcerias público privadas e suas modalidades. 2. Parcerias na administração pública Parceria pode ser conceituada como colaboração financeira entre o setor público e privado. Tal colaboração se dá pelo interesse estatal em atingir o interesse público e pelo interesse do setor privado em obter lucro. Porém, há casos em que as parcerias são firmadas entre a Administração Pública e entidades privadas sem fins lucrativos.  Nestas situações, não se pode afirmar que há colaboração financeira, já que nenhum dos colaboradores visa o lucro. As parcerias na Administração podem visar objetivos variados e se formalizar por diferentes instrumentos. Vejamos: 1. Delegação de serviços públicos: por instrumentos de concessão e permissão de serviços públicos ou por concessão patrocinada; 2. Fomento à iniciativa privada: formalização por convênios ou contratos de gestão; 3. Cooperação do particular nas atividades típicas do Estado: por instrumentos da terceirização; 4. Desburocratização: instauração da chamada Administração Pública gerencial, através de contratos de gestão. Dessa forma, as parcerias firmadas entre a Administração Pública e particulares visam a diminuição do aparelhamento do Estado, através da delegação de serviços públicos à particulares; visam ao fomento à inicitaiva privada de modo a incentivá-la em atividades de interesse público; assim como visam a eficiência por meio da diminuição da burocracia. 2.1.  Privatização X Terceirização Para o bom entendimento deste trabalho, faz-se necessária a identificação dos conceitos de privatização e terceirização a seguir. 2.1.1. Privatização Para conceituar privatização, é necessário primeiro entender a palavra em seu sentido mais amplo, que abrange todas as medidas adotadas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado, em que se compreendem: desregulação (diminuição da intervenção estatal na economia), desmonopolização das atividades econômicas, venda de ações de empresas estatais ao setor privado, concessão de serviços públicos e os contracting out. Contracting out é a forma pela qual a Administração Pública celebra acordos para buscar apoio do setor privado. Pode- se citar como exemplos os convênios e contratos de obras e prestação de serviços. Neste último está incluída a terceirização. Há autores que acrescentam a essas medidas também a substituição dos impostos por tarifas, pagas pelos consumidores e usuários como forma de financiamento dos serviços públicos. Também há menção de que privatização engloba a idéia de desburocratização, ou seja, deixar que a comunidade empresarial elabore os projetos de obra pública, faça as análises de rentabilidade, de riscos, etc. Além desses conceitos mais amplos de privatização, existe também uma definição mais restrita que considera somente a transferência de ativos ou ações de empresas estatais ao setor privado, encontrada na Lei 9.491/97, que regulamenta o Programa Nacional de Desestatização. 2.1.2. Terceirização No Brasil, não é permitida a terceirização dos serviços públicos. Isso porque, eles somente podem ser delegados através de permissão ou concessão. Porém, há uma forma de terceirização que é permitida e não se confunde com concessão de serviços públicos: a locação de serviços. A locação de serviços tem como objeto a atividade que não é atribuída ao Estado como serviço público, ou seja, atividade acessória ou complementar da atividade fim. Nos contratos de locação de serviço (simples prestação de serviço)  o prestador do serviço é simples executor material, não sendo a ele transferido poderes públicos. O serviço continua sendo prestado diretamente pelo Poder Público. Em outras palavras, pode ser transferida a gestão material, mas nunca as gestões operacional e estratégica. Estas sempre são de competência da  Administração Pública. Diferententemente do que ocorre na concessão de serviços públicos, a remuneração da locação de serviços não é feita pelos usuários, é feita inteiramente pelo Poder Público em troca do serviço prestado à locadora. 3.  A constituição e a prestação de serviços públicos A Constituição da República Federativa do  Brasil, de 1988, (CRFB), assumindo seu caráter democrático de direito, traz diversas normas que estabelecem a paticipação popular em vários setores da administração pública. “(Art. 37, CRFB) A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)’ § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.” (grifo nosso) Além disso, a CRFB enfatiza que certos serviços não são exclusivos do Poder Público, consagrando a dupla possiblidade: prestação do serviço pelo Poder Público, com a participação da comunidade ou a prestação do serviço pelo particular. Vejamos alguns exemplos constitucionais de participação da sociedade ou da iniciativa privada na prestação de serviços: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: (…) VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (grifo nosso) Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (grifo nosso) Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. (…)(grifo nosso) Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I – despesas com pessoal e encargos sociais; II – serviço da dívida; III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.(grifo nosso) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.(grifo nosso) Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (grifo nosso) Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” (grifo nosso) 4. Descentralização da administração pública A atividade da Administração Pública  pode ser exercida diretamente, por meio de seus próprios orgãos, ou inderetamente através de transferência de atribuições a outras pessoas jurídicas públicas ou privadas (descentralização administrativa ou administração indireta). As atribuições da Administração Pública transfereridas a outras pessoas jurídicas devem ser necessáriamente atividades próprias da Administração Pública: os serviços públicos. Segundo Di Pietro,  serviço público "é toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de sastifazer concretamente às necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcial público". Quando o Estado exerce atividade não definida como serviço público, não há a descentralização propriamente dita.  Exemplo disso é o que ocorre quando ele cria uma estatal para desempenhar atividade econômica.  Nesse caso, o Estado não está transferindo suas atribuições, pois, atividdade econômica não é sua atribuição. Ele está saindo de sua órbita própria de ação para atuar na atividade privada, a título de intervenção no domínio econômico. A descentralização de serviço público, No Brasil, somente se dá por meio de lei que cria ou autoriza a criação das autarquias, fundações governamentais, sociedades de economia mista e empresas públicas que exerçam serviços públicos. Tradicionalmente somente a autarquia é considerada como  prestadora de serviço típico do estado.  Isso porque entende-se que a o ente instituído deve ter a mesma capacidade pública, com todos os privilégios e prerrogativas próprias do ente instituidor. Porém, há casos mais atuais em que houve a transferência de serviço púbico pelo mesmo processo de descentralização, mas que o ente instituído só usufrui dos privilégios e prerrogativas conferidos pela lei instituidora. O processo de descentralização envolve: – reconhecimento de personalidade jurídica ao ente instituído; – capacidade de autoadministraçãodo ente instituído; – patrimônio próprio; – capacidade específica (limitação à execução do serviço público que lhe foi transferido); – sujeição ao controle ou tutela do ente instituidor. 4.1. Descentralização por colaboração Descentralização por colaboração se dá por meio de acordo de vontades ou ato administrativo unilateral, em que se transfere a execução de serviço público à pessoa jurídica de direito privado, porém, mantendo a titularidade do serviço do ente instituidor. Como se realça no conceito, o Estado conserva a titularidade do serviço, o que lhe permite dispor do serviço conforme o interesse público, podendo alterar unilateralmente as condições da execução e retomá-la antes do estabelecido. São exemplos de acordos de vontades: as concessões de serviço público, as parcerias público privadas, as permissões de serviço público, os contratos de gestão com organizações sociais que prestem serviços públicos (lei 8.987/95), as franquias que tenham como objeto a delegação de serviço público (como ocorre com os correios).  Pode-se citar como exemplos de atos unilaterais: as autorizações de serviço público e as permissões de serviço público. Vale lembrar que não são todas as formas de parceria que se caracterizam como descentralização de serviço público. É o caso dos termos de parceria com as organizações de sociedade civil de interesse público e dos convênios com entidades do terceiro setor. Esass parcerias recebem a ajuda do poder público dentro de sua atividade de fomento. Também não constitui descentralização de serviço público a terceirização de serviços ou de obras (lei 8.666/93). 4.2. Histórico da descentralização administrtativa no Brasil Durante o Estado Liberal, em que a atividade estatal era muito restrita, não havia necessidade de descentralização administrativa. Nesta época, o serviço público ligava-se, sem dúvidas, ao regime jurídico administrativo, sendo este o melhor critério para distinguir o serviço público do particular. Ao passo que o Estado foi assumindo novas atividades nos campos social e econômico, começou-se a pensar em novas maneiras de gestão do serviço público e da atividade privada   pela Administração Pública. Pensou se na especialização, visando a obtenção de melhores resultados e na utilização de métodos de gestão privada, pois, são mais flexíveis e mais adaptáveis ao novo modelo de atividade assumida pelo Estado. Foram criadas as autarquias com objetivo de prestar  serviços públicos. Também surgiram algumas autarquias para desenvolver atividades econômicas, como as Caixas Ecnômicas, mais tarde transformadas em empresas públicas. Nesse ponto, o regime jurídico já não podia ser a base de dierenciação entre serviço público e privado, pois, surgiu o primeiro método de para delegação de serviços públicos a particulares: a concessão, era a possibilidade de se ter os serviços públicos prestados sem a necessidade de investimento de recursos públicos e sem correr os riscos do empreendimento. Porém, gradativamente, foi se tornando necessária a interferência do Estado, inclusive financeiramente (equilíbrio econômico-financeiro do contrato público, continuidade da prestação do serviço, etc).  A partir daí, o Estado já partilhava os riscos do empreendimento, sendo preciso buscar novas formas de descentralização. 4.2.1. Concessão a empresas privadas A concessão de serviço público foi a primeira forma de transferência das atividades do Estado para terceiros. Nessa modalidade, o terceiro (concessionário) executa o serviço em nome próprio e assume todos os riscos da atividade. Enquanto à Administração Pública cabe a tarefa de fiscalização e controle (inclusive da remuneração paga pelo usuária – taxa). Este regime era bastante vantajoso para o Poder Público, pois, permitia a ele que o serviço público fosse prestado de forma adequada sem que ele tivesse de investir recursos financeiros nem correr os riscos da atividade. Porém, para atender aos imperativos do interesse geral, o Poder Público teve de aumentar seus poderes sobre o concessionário. Em contrapartida, o Estado teve de aumentar a sua participação financeira no negócio e também a compartilhar riscos com a inicitiva privada. Diante do novo cenário, em muitos casos, a concessão de serviços públicos deixou de ser interessante para a Administração Pública, sendo necessárias novas formas de transferência da atividade estatal. 4.2.2. Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas Tendo em vista a inadequação das concessões de serviço público à nova realidade, deu-se lugar as Sociedades de Economia Mista e as Empresas Públicas. As primeiras se mostratavam atrativas pela possibilidade de conseguir reunir grande capital privado, diminuindo consideravelmente a necessidade de investimento público, e a possibilidade de atuar no mesmo regime das empresas privadas. Esse tipo de sociedade apresentou grande conflito entre a iniciativa privada e a Administração Pública, pois, uma objetiva o recebimento de taxas altas, visando o lucro; enquanto a outra objetiva menores taxas, visando o interesse público. Para a solução desta questão surgiram as empresas públicas, de  capital totalmente público. 4.2.3. Concessão de serviços públicos a empresas estatais Volta-se à utilização da concessão, porém, desta vez não aos particulares, mas, sim às empresas sob controle acionário do Poder Público. O controle das empresas concessionárias pelo Poder Público resolve um problema surgido na primeira tentativa de uso das concessões. Neste novo modelo de concessão, o Estado, por ter o controle acionário, é quem determina a fixação dos preços. Por outro lado, o risco do negócio é todo da Administração Pública, por ter o controle majoritário. Além disso, perdeu-se a vantagem da não necessidade de grandes investimentos públicos. 4.2.4. Concessão a empresas privadas (novamente): A  Administração Pública volta a utilizar da concessão de serviços públicos a empresas privadas, contudo, também lançando mão da concessão a empresas estatais. A concessão de serviço público, agora, pode ocorrer de diversas formas: – pela venda de ações de empresas estatais ao setor privado (privatização em sentido estrito). Nesse caso, a concessionária deixa de ser estatal para se tornar privada. Este processo foi regulado pela Lei das Privatizações (Lei 8.031/90) e hoje pela vigente Lei da Desastização (Lei 9491/97). – através da concessão de serviços públicos, seja pela forma tradicional, seja por meio das parcerias público privadas. 5. Parcerias público-privadas A Lei 11.079/2004 dispõe sobre as regras gerais para a licitação e a contratação da parceria público privada. Inspirado no direito inglês (common law) e também no direito comunitário europeu, o legislador brasileiro trouxe a ideia das parcerias público privadas e inovou ao incluir garantias dadas pelo Poder Público aos parceiros privados. As justificativas para a implementação das parcerias público privadas são as mesmas já apresentadas para as outras parcerias: a falta de disponibilidade de recursos financeiros públicos, o aproveitamento da eficiência de gestão do setor privado, necessidade de realização de obras de infraestrutura. Não se pode esquecer do objetivo menos declarado: a privatização da Administração Pública (fuga do direito administrativo). Através de tal fuga, pode-se evitar a burocracia: processos licitatórios, concursos públicos, regras sobre finanças públicas, etc. Apesar dessa tendência à privatização, a fuga do direito administrativo não será total, até porque o próprio contrato de parceria público privada é de natureza pública e é precedido de licitação, estando sujeito ao controle da Administração Pública, inclusive do Tribunal de Contas. 5.1 Modalidades Existem duas modalidades de parcerias público privadas: as concessões patrocinadas e as administrativas. “Art. 2o Lei 11.079/04- Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1oConcessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2oConcessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.” 5.1.1 Concessão Patrocinada “Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada de usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao privado” (art. 2º, § 1º, Lei 11.079/04) A partir do conceito de concessão patrocinada, infere-se que a diferença básica da concessão de serviços públicos comum é a que diz respeito à forma de remuneração. Também há as diferenças no que tange aos riscos, que são, na concessão patrocinada, repartidos entre a iniciativa privada e o poder público; no que tange às garantias dadas pelo Poder Público; e no que tange ao compartilhamento de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado. 5.1.1.1 Concessão Patrocinada X Concessão de Serviços Públicos Comum Di Pietro (2005) indica pontos comuns e divergentes entre a concessão patrocinada e a concessão de serviços público comum. Pontos comuns: a) cláusulas regulamentares no contrato; b) outorga de prerrogativas públicas ao parceiro privado; c) sujeição do parceiro privado aos princípios da continuidade, mutabilidade, igualdade dos usuários; d) parceiro público com poderes de encampação, intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais, direção e controle sobre a execução do serviço, sancionatório e de declaração de caducidade; e) reversão dos bens do parceiro privado afetados à prestação do serviço; f) natureza pública dos bens da concessionária afetados à prestação do serviço; g) responsabilidade civil objetiva por danos causados a terceiros  (art. 37, § 6º, CRFB); h) efeitos trilaterias da concessão: sobre o poder concedente, o parceiro privado e os usuários. Da mesma forma, aplicam-se também às parcerias público privadas as seguintes regras da concessão comum da Lei 8.987/95: a) direitos e obrigações do usuário; “Art. 7º (Lei 8.987/95) Sem prejuízo do disposto na Lei no8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I – receber serviço adequado; II – receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. IV – levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V – comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI – contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.” b) política tarifária, no que couber; “Art. 9º (Lei 8.987/95) A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. § 1oA tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário. § 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro. § 3oRessalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso. § 4oEm havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração. Art. 10 (Lei 8.987/95) Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro. Art. 11 (Lei 8.987/95) No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Art. 13 (Lei 8.987/95) As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.” c) cláusulas essenciais do contrato que não contrariarem as regras específicas da concessão patrocinada; “Art. 23 (Lei 8.987/95) São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: I – ao objeto, à área e ao prazo da concessão; II – ao modo, forma e condições de prestação do serviço; III – aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV – ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; V – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações; VI – aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço; VII – à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la; VIII – às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação; IX – aos casos de extinção da concessão; X – aos bens reversíveis; XI – aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; XII – às condições para prorrogação do contrato; XIII – à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente; XIV – à exigência da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. Parágrafo único. Os contratos relativos à concessão de serviço público precedido da execução de obra pública deverão, adicionalmente: I – estipular os cronogramas físico-financeiros de execução das obras vinculadas à concessão; e II – exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das obrigações relativas às obras vinculadas à concessão. Art. 5º (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação; II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas; III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária; IV – as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais; V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços; VI – os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia; VII – os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado; VIII – a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3o e 5o do art. 56 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado; X – a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas. XI – o cronograma e os marcos para o repasse ao parceiro privado das parcelas do aporte de recursos, na fase de investimentos do projeto e/ou após a disponibilização dos serviços, sempre que verificada a hipótese do § 2odo art. 6ºdesta Lei. § 1o As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização. § 2o Os contratos poderão prever adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei no8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública; III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.” d) encargos do poder concedente; “Art. 29 (Lei 8.987/95)  Incumbe ao poder concedente: I – regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação; II – aplicar as penalidades regulamentares e contratuais; III – intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei; IV – extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato; V – homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato; VI – cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; VII – zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas; VIII – declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; IX – declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; X – estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente e conservação; XI – incentivar a competitividade; e XII – estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço.” e) encargos do concessionário; “Art. 31 (Lei 8.987/95) Incumbe à concessionária: I – prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato; II – manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão; III – prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato; IV – cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; V – permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis; VI – promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato; VII – zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente; e VIII – captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço. Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente.” f) intervenção; “Art. 32 (Lei 8.987/95) O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes. Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida. Art. 33 (Lei 8.987/95) Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa. § 1o Se ficar comprovado que a intervenção não observou os pressupostos legais e regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser imediatamente devolvido à concessionária, sem prejuízo de seu direito à indenização. § 2o O procedimento administrativo a que se refere o caput deste artigo deverá ser concluído no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção. Art. 34 (Lei 8.987/95) Cessada a intervenção, se não for extinta a concessão, a administração do serviço será devolvida à concessionária, precedida de prestação de contas pelo interventor, que responderá pelos atos praticados durante a sua gestão”. g) responsabilidade por danos causados ao poder concedente e a terceiros: “Art. 25 (Lei 8.987/95) Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.” h) subcontratação; “Art. 25 (Lei 8.987/95) Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade. § 1oSem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados. § 2oOs contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente. § 3oA execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.” (grifo nosso) i) subconcessão; “Art. 26 (Lei 8.987/95) É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente. § 1oA outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência. § 2oO subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.” j) transferência de concessão, com as restrições da Lei 11.079/04; “Art. 27 (Lei 8.987/95)  A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. §1oPara fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá: I – atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e II – comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor. § 2oNas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. § 3oNa hipótese prevista no § 2odeste artigo, o poder concedente exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos previstos no 1o, inciso I deste artigo. § 4oA assunção do controle autorizada na forma do §2odeste artigo não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente. Art.9º (Lei 11.079/04) Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1oA transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no8.987, de 13 de fevereiro de 1995. § 2oA sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. § 3oA sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. § 4oFica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo. § 5oA vedação prevista no § 4odeste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento.” k) formas de extinção; “Art. 35 (Lei 8.987/95) Extingue-se a concessão por: I – advento do termo contratual; II – encampação; III – caducidade; IV – rescisão; V – anulação; e VI – falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual. § 1oExtinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato. § 2oExtinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários. § 3oA assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis. § 4oNos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos levantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei. Art. 36 (Lei 8.987/95) A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido. Art. 37 (Lei 8.987/95) Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior. Art. 38 (Lei 8.987/95) A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes. § 1oA caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando: I – o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço; II – a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; III – a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior; IV – a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido; V – a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos; VI – a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e VII – a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. § 2oA declaração da caducidade da concessão deverá ser precedida da verificação da inadimplência da concessionária em processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa. § 3oNão será instaurado processo administrativo de inadimplência antes de comunicados à concessionária, detalhadamente, os descumprimentos contratuais referidos no § 1º deste artigo, dando-lhe um prazo para corrigir as falhas e transgressões apontadas e para o enquadramento, nos termos contratuais. § 4oInstaurado o processo administrativo e comprovada a inadimplência, a caducidade será declarada por decreto do poder concedente, independentemente de indenização prévia, calculada no decurso do processo. § 5oA indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na forma do art. 36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas contratuais e dos danos causados pela concessionária. § 6oDeclarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária. Art. 39 (Lei 8.987/95) O contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim. Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput deste artigo, os serviços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado”. l) reversão; “Art. 36 (Lei 8.987/95) A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.” m) licitação, no que não contrariar a lei 11.079/04; “Art. 15 (Lei 8.987/95) No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: I – o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado; II – a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; III – a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII; IV – melhor proposta técnica, com preço fixado no edital; V – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica; VI – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou VII – melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas. § 1o A aplicação do critério previsto no inciso III só será admitida quando previamente estabelecida no edital de licitação, inclusive com regras e fórmulas precisas para avaliação econômico-financeira. § 2oPara fins de aplicação do disposto nos incisos IV, V, VI e VII, o edital de licitação conterá parâmetros e exigências para formulação de propostas técnicas. § 3oO poder concedente recusará propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação § 4oEm igualdade de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira. Art. 18 (Lei 8.987/95) O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: I – o objeto, metas e prazo da concessão; II – a descrição das condições necessárias à prestação adequada do serviço; III – os prazos para recebimento das propostas, julgamento da licitação e assinatura do contrato; IV – prazo, local e horário em que serão fornecidos, aos interessados, os dados , estudos e projetos necessários à elaboração dos orçamentos e apresentação das propostas; V – os critérios e a relação dos documentos exigidos para a aferição da capacidade técnica, da idoneidade financeira e da regularidade jurídica e fiscal; VI – as possíveis fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias, bem como as provenientes de projetos associados; VII – os direitos e obrigações do poder concedente e da concessionária em relação a alterações e expansões a serem realizadas no futuro, para garantir a continuidade da prestação do serviço; VIII – os critérios de reajuste e revisão da tarifa; IX – os critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros a serem utilizados no julgamento técnico e econômico-financeiro da proposta; X – a indicação dos bens reversíveis; XI – as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos à disposição, nos casos em que houver sido extinta a concessão anterior; XII – a expressa indicação do responsável pelo ônus das desapropriações necessárias à execução do serviço ou da obra pública, ou para a instituição de servidão administrativa; XIII – as condições de liderança da empresa responsável, na hipótese em que for permitida a participação de empresas em consórcio; XIV – nos casos de concessão, a minuta do respectivo contrato, que conterá as cláusulas essenciais referidas no art. 23 desta Lei, quando aplicáveis; XV – nos casos de concessão de serviços públicos precedida da execução de obra pública, os dados relativos à obra, dentre os quais os elementos do projeto básico que permitam sua plena caracterização, bem assim as garantias exigidas para essa parte específica do contrato, adequadas a cada caso e limitadas ao valor da obra; XVI – nos casos de permissão, os termos do contrato de adesão a ser firmado. Art. 19 (Lei 8.987/95) Quando permitida, na licitação, a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas: I – comprovação de compromisso, público ou particular, de constituição de consórcio, subscrito pelas consorciadas; II – indicação da empresa responsável pelo consórcio; III – apresentação dos documentos exigidos nos incisos V e XIII do artigo anterior, por parte de cada consorciada; IV – impedimento de participação de empresas consorciadas na mesma licitação, por intermédio de mais de um consórcio ou isoladamente. § 1oO licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo. § 2oA empresa líder do consórcio é a responsável perante o poder concedente pelo cumprimento do contrato de concessão, sem prejuízo da responsabilidade solidária das demais consorciadas. Art. 21 (Lei 8.987/95) Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital. Art. 11 (Lei 11.079/04) O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os  §§3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987 , 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: I – exigência de garantia de proposta do licitante, observado o limite do inciso III do art. 31 da Lei no8.666 , de 21 de junho de 1993; II –(VETADO) III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. Parágrafo único. O edital deverá especificar, quando houver, as garantias da contraprestação do parceiro público a serem concedidas ao parceiro privado. Art. 12 (Lei 11.079/04)  O certame para a contratação de parcerias público-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte: I – o julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas, desclassificando-se os licitantes que não alcançarem a pontuação mínima, os quais não participarão das etapas seguintes; II – o julgamento poderá adotar como critérios, além dos previstos nos incisos V do art. 15 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes: a) menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública; b) melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital; III – o edital definirá a forma de apresentação das propostas econômicas, admitindo-se: a) propostas escritas em envelopes lacrados; ou b) propostas escritas, seguidas de lances em viva voz; IV – o edital poderá prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório. § 1o Na hipótese da alínea b do inciso III do caput deste artigo: I – os lances em viva voz serão sempre oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas, sendo vedado ao edital limitar a quantidade de lances; II – o edital poderá restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% (vinte por cento) maior que o valor da melhor proposta. § 2oO exame de propostas técnicas, para fins de qualificação ou julgamento, será feito por ato motivado, com base em exigências, parâmetros e indicadores de resultado pertinentes ao objeto, definidos com clareza e objetividade no edital. Art. 13 (Lei 11.079/04)  O edital poderá prever a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, hipótese em que: I – encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecimento de lances, será aberto o invólucro com os documentos de habilitação do licitante mais bem classificado, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital; II – verificado o atendimento das exigências do edital, o licitante será declarado vencedor; III – inabilitado o licitante melhor classificado, serão analisados os documentos habilitatórios do licitante com a proposta classificada em 2o(segundo) lugar, e assim, sucessivamente, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital; IV – proclamado o resultado final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas por ele ofertadas.” n) controle da concessionária. “Art. 30 (Lei 8.987/95) No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária. Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários. Art. 31 (Lei 9.074/95) Nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou uso de bem público, os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços. Art. 36 (Lei 9.074/95) Sem prejuízo do disposto no inciso XII do art 21 e no inciso XI do art 23 da Constituição Federal,  o poder concedente poderá, mediante convênio de cooperação, credenciar os Estados e o Distrito Federal a realizarem atividades complementares de fiscalização e controle dos serviços prestados nos respectivos territórios “ Pontos divergentes: a) forma de remuneração: deve estar prevista no contrato e abranger além das tarifas a contraprestação do parceiro público ao privado; b) constituição de sociedade de propósito específico como forma obrigatória para implantação e gestão do objeto da parceria; c) possibilidade de garantias dadas pelo Poder Público; d) compartilhamento de riscos e ganhos; “Art. 4º (Lei 11.079/04) Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: (…) VI – repartição objetiva de riscos entre as partes; Art. 5 º (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no at Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (…) III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária; (…) IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;” e) normas específicas de licitação, sendo que são válidas apenas algumas regras das Leis nº 8.987/95 e 8.666/93; f) possibilidade de aplicação de penas à Administração Pública em caso de inadimplemento contratual; g) limitação de prazo mínimo e máximo do contrato; “Art. 5 º (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no at Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;” h) limite de despesas com contrato de parcerias público privadas; “Art. 22 (Lei 11.079/04) A União somente poderá contratar parceria público-privada quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas não tiver excedido, no ano anterior, a 1% (um por cento) da receita corrente líquida do exercício, e as despesas anuais dos contratos vigentes, nos 10 (dez) anos subseqüentes, não excedam a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. Art. 28 (Lei 11.079/04) A União não poderá conceder garantia ou realizar transferência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. § 1oOs Estados, o Distrito Federal e os Municípios que contratarem empreendimentos por intermédio de parcerias público-privadas deverão encaminhar ao Senado Federal e à Secretaria do Tesouro Nacional, previamente à contratação, as informações necessárias para cumprimento do previsto no caput deste artigo. § 2o Na aplicação do limite previsto no caput deste artigo, serão computadas as despesas derivadas de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo respectivo ente, excluídas as empresas estatais não dependentes.” § 3o(VETADO) 5.1.1.2 Forma de Remuneração O conceito de concessão patrocinada define que a forma de remuneração  será por tarifa cobrada dos usuários e contraprestação do poder concedente. Porém, como há aplicação subsidiária da Lei 8.987/95 as concessões patrocinadas, pode-se concluir que a remuneração também poderá ser por receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados com o objetivo de adequação ao princípio da modicidade de tarifas ou da redução da contraprestação do poder concedente. “Art. 3º (Lei 11.079/04) As concessões administrativas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes adicionalmente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e no art. 31 da Lei nº 9.074, de 7 de junlho de 1995.  § 1oAs concessões patrocinadas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes subsidiariamente o disposto na Lei nº 8.987, de 13 de julho de 1995, e nas leis que lhe são correlatas. § 2oAs concessões comuns continuam regidas pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1985, e pelas leis que lhe são correlatas, não se lhes aplicando o disposto nesta Lei. § 3o Continuam regidos exclusivamente pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e pelas leis que lhe são correlatas os contratos administrativos que não caracterizem concessão comum, patrocinada ou administrativa.” Nos termos do artigo 6º, da Lei 11.709/04, a contraprestação a ser paga pelo poder concedente ao parceiro privado é realizada através de ordem bancária, cessão de créditos não tributários, outorga de direitos em face da Administração Pública, outorga sobre bens públicos dominicais, outros meios admitidos em lei. A mesma lei (art. 10, § 3º) estabelece que a contraprestação do poder concedente não pode ser superior a 70% da remuneração total recebida pelo parceiro privado e somente será paga a partir da disponibilidade parcial ou total do serviço (art. 7, § único). Da mesma maneira, as tarifas somente são cobradas dos usuários após a disponibilidade do serviço. Por isso, o parceiro privado arca com todos os custos da implementação do projeto, podendo haver um financiador do projeto. 5.1.2 Concessão Administrativa “Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens” (art. 2, § 2º, Lei 11.709/04). Pelo conceito dado pela lei, ao contrário da concessão patrocinada (que tem como objeto a prestação de serviço público), a concessão patrocinada tem como objeto a prestação de serviço comum. Porém, esta modalidade de parceria público privada não se confunde com a empreitada (Lei 8.666/93). Isso porque a Lei 11.709/04 veda expressamente que a concessão que tenha por objeto unicamente o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. “Art. 2o (Lei 11.079/04) Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1oConcessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. § 3o Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado”. (grifo nosso) Segundo Di Pietro (2005), a concessão administrativa constitui-se em um misto de empreitada e concessão de serviço público, constituindo verdadeira terceirização de serviços públicos.  Na opinião da autora, a intenção do legislador foi contornar o entendimento de que a remuneração da concessão de serviço público não é feita pelo poder concedente, através da criação de uma nova modalidade de concessão que é remunerada pelo ente público. 5.1.2 1 Forma de Remuneração A forma de remuneração da concessão administrativa é basicamente a contraprestação paga pela Administração Pública. “Art. 6o (Lei 11.079/04) A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por:  I – ordem bancária; II – cessão de créditos não tributários; III – outorga de direitos em face da Administração Pública; IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V – outros meios admitidos em lei.” Diferentemente da concessão patrocinada, não existe cobrança de tarifa do usuário, até porque, o objeto do contrato é serviço administrativo (atividade  meio do estado) ou serviço social não exclusivo do estado. Assim como na concessão patrocinada, o pagamento do poder público só se inicia quando o serviço estiver disponível, sendo mais uma vez necessária a presença do financiador e das garantias oferecidas pelo concedente. 5.2 Pontos comuns entre concessão patrocinada e concessão administrativa Contraprestação do parceiro público: Nas duas modalidades de parceria público-privada há contraprestação do parceiro público ao privado. Sendo a diferença é que na concessão patrocinada há também a tarifa paga pelo usuário. Compartilhamento de riscos: Mesmo não havendo disposição expressa na Lei nº 11.079/04, ambas as modalidades respeitam o princípio do equilíbrio econômico financeiro, em função da aplicação subsidiária da Lei nº 8.987/95. Além disso, a Lei 11.079/04 dispõe que são cláusulas obrigatórias as que tratam de repartição de riscos entre as partes e da forma de remuneração. Porém, não se aplica o compartilhamento de riscos nos casos de fato do príncipe e fato da administração, pois, não se pode imputar ao parceiro privado o prejuízo causado pelo parceiro público. Compartilhamento de ganhos econômicos decorrentes da diminuição do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo poder privado: O compartilhamento de ganhos econômicos ocorre tanto na concessão patrocinada quanto na administrativa. Isso se justifica pelo fato de o parceiro público oferecer garantias ao financiador do projeto, o que gera diminuição dos riscos do empreendimento e maiores ganhos econômicos. Financiamento por terceiros e garantias: como já exposto, a contraprestação do poder público só é paga a partir da disponibilidade do serviço e, por isso, faz-se necessário financiamento de terceiros para a implementação do projeto. A Lei 11.709/04 prevê regras para o financiador: “Art. 5o (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (…) § 2o Os contratos poderão prever adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública; III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.” São três os tipos de garantias para as parcerias público privadas: a garantia de execução do contrato, garantia de cumprimento das obrigações assumidas perante o parceiro privado, contragarantia oferecida pelo poder público ao financiador do projeto. Fundo garantidor de parcerias público privadas: a Lei 11.079/04 dispõe sobre a criação do Fundo Garantidor de Parcerias Público Privadas que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias pelos parceiros públicos federais em função das parcerias. “Art. 16. (Lei 11.079/04)  Ficam a União, seus fundos especiais, suas autarquias, suas fundações públicas e suas empresas estatais dependentes autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias de que trata esta Lei. § 1o O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios. § 2o O patrimônio do Fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralização de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração. § 3o Os bens e direitos transferidos ao Fundo serão avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados. § 4o A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial. § 5o O FGP responderá por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem. § 6o A integralização com bens a que se refere o § 4o deste artigo será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda. § 7o O aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado a sua desafetação de forma individualizada. § 8o  A capitalização do FGP, quando realizada por meio de recursos orçamentários, dar-se-á por ação orçamentária específica para esta finalidade, no âmbito de Encargos Financeiros da União. § 9o  (VETADO). Art. 18. (Lei 11.079/04) O estatuto e o regulamento do FGP devem deliberar sobre a política de concessão de garantias, inclusive no que se refere à relação entre ativos e passivos do Fundo.  § 1o A garantia será prestada na forma aprovada pela assembléia dos cotistas, nas seguintes modalidades: I – fiança, sem benefício de ordem para o fiador; II – penhor de bens móveis ou de direitos integrantes do patrimônio do FGP, sem transferência da posse da coisa empenhada antes da execução da garantia; III – hipoteca de bens imóveis do patrimônio do FGP;  IV – alienação fiduciária, permanecendo a posse direta dos bens com o FGP ou com agente fiduciário por ele contratado antes da execução da garantia; V – outros contratos que produzam efeito de garantia, desde que não transfiram a titularidade ou posse direta dos bens ao parceiro privado antes da execução da garantia; VI – garantia, real ou pessoal, vinculada a um patrimônio de afetação constituído em decorrência da separação de bens e direitos pertencentes ao FGP. § 2o O FGP poderá prestar contra-garantias a seguradoras, instituições financeiras e organismos internacionais que garantirem o cumprimento das obrigações pecuniárias dos cotistas em contratos de parceria público-privadas. § 3o A quitação pelo parceiro público de cada parcela de débito garantido pelo FGP importará exoneração proporcional da garantia. § 4o  O FGP poderá prestar garantia mediante contratação de instrumentos disponíveis em mercado, inclusive para complementação das modalidades previstas no § 1o. § 5o  O parceiro privado poderá acionar o FGP nos casos de: I – crédito líquido e certo, constante de título exigível aceito e não pago pelo parceiro público após 15 (quinze) dias contados da data de vencimento; e II – débitos constantes de faturas emitidas e não aceitas pelo parceiro público após 45 (quarenta e cinco) dias contados da data de vencimento, desde que não tenha havido rejeição expressa por ato motivado. § 6o A quitação de débito pelo FGP importará sua subrogação nos direitos do parceiro privado. § 7o Em caso de inadimplemento, os bens e direitos do Fundo poderão ser objeto de constrição judicial e alienação para satisfazer as obrigações garantidas. § 8o  O FGP poderá usar parcela da cota da União para prestar garantia aos seus fundos especiais, às suas autarquias, às suas fundações públicas e às suas empresas estatais dependentes. § 9o  O FGP é obrigado a honrar faturas aceitas e não pagas pelo parceiro público.  § 10.  O FGP é proibido de pagar faturas rejeitadas expressamente por ato motivado.   § 11.  O parceiro público deverá informar o FGP sobre qualquer fatura rejeitada e sobre os motivos da rejeição no prazo de 40 (quarenta) dias contado da data de vencimento.  § 12.  A ausência de aceite ou rejeição expressa de fatura por parte do parceiro público no prazo de 40 (quarenta) dias contado da data de vencimento implicará aceitação tácita.  § 13.  O agente público que contribuir por ação ou omissão para a aceitação tácita de que trata o § 12 ou que rejeitar fatura sem motivação será responsabilizado pelos danos que causar, em conformidade com a legislação civil, administrativa e penal em vigor.” Sociedade de propósito específico: A Lei 11.709/04 determina que obrigatoriamente que o vencedor da licitação deve constituir SPE: “Art. 9o (Lei 11.079/04) Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1o A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. § 2o A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. § 3o A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. § 4o Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo. § 5o A vedação prevista no § 4o deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento”. Orgão Gestor das Parcerias Público Privadas: A lei 11.709/04 prevê a criação de orgão gestor das parcerias público privadas, já criado pelo Decreto 5386/04, denominado Comitê Gestor de Parceria Público Privada. “Art. 14. (Lei 11.079/04) Será instituído, por decreto, órgão gestor de parcerias público-privadas federais, com competência para: I – definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada; II – disciplinar os procedimentos para celebração desses contratos; III – autorizar a abertura da licitação e aprovar seu edital; IV – apreciar os relatórios de execução dos contratos. § 1o O órgão mencionado no caput deste artigo será composto por indicação nominal de um representante titular e respectivo suplente de cada um dos seguintes órgãos: I – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ao qual cumprirá a tarefa de coordenação das respectivas atividades; II – Ministério da Fazenda; III – Casa Civil da Presidência da República. § 2o Das reuniões do órgão a que se refere o caput deste artigo para examinar projetos de parceria público-privada participará um representante do órgão da Administração Pública direta cuja área de competência seja pertinente ao objeto do contrato em análise. § 3o Para deliberação do órgão gestor sobre a contratação de parceria público-privada, o expediente deverá estar instruído com pronunciamento prévio e fundamentado: I – do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sobre o mérito do projeto; II – do Ministério da Fazenda, quanto à viabilidade da concessão da garantia e à sua forma, relativamente aos riscos para o Tesouro Nacional e ao cumprimento do limite de que trata o art. 22 desta Lei. § 4o Para o desempenho de suas funções, o órgão citado no caput deste artigo poderá criar estrutura de apoio técnico com a presença de representantes de instituições públicas. § 5o O órgão de que trata o caput deste artigo remeterá ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União, com periodicidade anual, relatórios de desempenho dos contratos de parceria público-privada. § 6o Para fins do atendimento do disposto no inciso V do art. 4o desta Lei, ressalvadas as informações classificadas como sigilosas, os relatórios de que trata o § 5o deste artigo serão disponibilizados ao público, por meio de rede pública de transmissão de dados.” Controle: A Lei 11.079/04 não traz normas específicas de controle, oq ue leva a aplicação subsidiária da Lei 8.987/95. Porém, aquela lei traz normas que tratam da competência. “Art. 14. (Lei 11.079/04) Será instituído, por decreto, órgão gestor de parcerias público-privadas federais, com competência para: (…) § 4o Para o desempenho de suas funções, o órgão citado no caput deste artigo poderá criar estrutura de apoio técnico com a presença de representantes de instituições públicas. (…) § 6o Para fins do atendimento do disposto no inciso V do art. 4o desta Lei, ressalvadas as informações classificadas como sigilosas, os relatórios de que trata o § 5o deste artigo serão disponibilizados ao público, por meio de rede pública de transmissão de dados.” A existência dessas normas não afasta a aplicação dos dispostivos constitucionais referentes a controle político, financeiro, administrtaivo e judicial; da Lei 8.987/95; da Lei 9074/95; controle popular e do Mineistério Público. “Art.30. (Lei 8.987/95) No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária. Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários. Art. 36. (Lei 9.074/95) Sem prejuízo do disposto no inciso XII do art. 21 e no inciso XI do art. 23 da Constituição Federal, o poder concedente poderá, mediante convênio de cooperação, credenciar os Estados e o Distrito Federal a realizarem atividades complementares de fiscalização e controle dos serviços prestados nos respectivos territórios. Art. 7º. (Lei 8.987/95) Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I – receber serviço adequado; II – receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou     coletivos; III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. IV – levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V – comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI – contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços”. Penalidades:  A Lei 11.079/04 prevê que é clásusula essencial ao contrato de parceria público privada a que dispõe sobre as penalidades que podem ser aplicadas à Administração Pública e aos parceiro privado. “Art. 5º (Lei 11.709/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (…) II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas;” A previsão de penalidades à Administração Pública éuma inovação em relação as leis anteriores. Porém, não existe na lei normas que tratam das penalidades ao poder público, sendo portanto, inaplicáveis em função do princípio da legalidade. Pode-se entender que as penalidades à Administração Pública são de caráter financeiro e indenizatório para compensar eventuais danos sofridos, como previstos no artigo 29: “Art. 29 (Lei 11.709/04) Serão aplicáveis, no que couber, as penalidades previstas no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992 – Lei de Improbidade Administrativa, na Lei no10.028, de 19 de outubro de 2000 – Lei dos Crimes Fiscais, no Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967, e na Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, sem prejuízo das penalidades financeiras previstas contratualmente”. (grifo nosso) Prazo: O prazo de duração do contrato de parceria público privada é o suficiente para a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 anos e não superior a 35 anos. Caso 35 anos não sejam suficientes para tal amortização, o contrato poderá ser prorrogado até que ocorra a recuperação so investimentos. Não ocorrendo a prorrogação, cabe ao parceiro privado o direito de indenização. Providencias prévias à licitação: Para a contratação de parcerias público privadas é obrigatória a realização de licitação na modalidade de concorrência. Antes do início do processo licitatório, faz-se neessário  cumprimento de algumas exigências: autorização da autoridade competente, devidamente motivada com a demonstração da conveniência e oportunidade da contratação; cumprimento da Lei de  Responsabilidade Fiscal; submissão do contrato e do edital à consulta pública; licença ambiental prévia ou diretrizes para o licenciamento ambiental do empreendimento. Licitação: A Lei 11.709/04, assim como a lei de concessão de serviços públicos (8.987/95), não traz regras próprias para a realização do processo licitatório, limitando-se a disposição dos artigos 11 a 13.  Portanto, todo o processo deve obedecer a legislação específica para esse tema. “Art. 11. (Lei 11.709/04) O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: I – exigência de garantia de proposta do licitante, observado o limite do inciso III do art. 31 da Lei no 8.666 , de 21 de junho de 1993;  II – (VETADO) III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. Parágrafo único. O edital deverá especificar, quando houver, as garantias da contraprestação do parceiro público a serem concedidas ao parceiro privado. Art. 12. (Lei 11.709/04) O certame para a contratação de parcerias público-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte: I – o julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas, desclassificando-se os licitantes que não alcançarem a pontuação mínima, os quais não participarão das etapas seguintes; II – o julgamento poderá adotar como critérios, além dos previstos nos incisos I e V do art. 15 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes: a) menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública; b) melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital;  III – o edital definirá a forma de apresentação das propostas econômicas, admitindo-se:   a) propostas escritas em envelopes lacrados; ou  b) propostas escritas, seguidas de lances em viva voz; IV – o edital poderá prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório.  § 1o Na hipótese da alínea b do inciso III do caput deste artigo: I – os lances em viva voz serão sempre oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas, sendo vedado ao edital limitar a quantidade de lances;  II – o edital poderá restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% (vinte por cento) maior que o valor da melhor proposta.  § 2o O exame de propostas técnicas, para fins de qualificação ou julgamento, será feito por ato motivado, com base em exigências, parâmetros e indicadores de resultado pertinentes ao objeto, definidos com clareza e objetividade no edital.  Art. 13 (Lei 11.709/04)  O edital poderá prever a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, hipótese em que:  I – encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecimento de lances, será aberto o invólucro com os documentos de habilitação do licitante mais bem classificado, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;  II – verificado o atendimento das exigências do edital, o licitante será declarado vencedor;  III – inabilitado o licitante melhor classificado, serão analisados os documentos habilitatórios do licitante com a proposta classificada em 2o (segundo) lugar, e assim, sucessivamente, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital;  IV – proclamado o resultado final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas por ele ofertadas.”
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A desapropriação urbanística como um modo de garantir a função social da propriedade: breves comentários
A propriedade como direito fundamental está prevista no art. 5 XXII da Constituição Federal de modo que o seu desapossamento só poderá ocorrer observando-se o devido processo legal e todos os direitos que lhes são garantidos
Direito Administrativo
Nas palavras de Marcelo Novelino citando José Afonso da Silva, “No atual ordenamento jurídico brasileiro a propriedade não deve ser considerada como um direito individual, nem como instituição de direito privado. Está submetida ao sistema de direito público, visto que seu regime fundamental está previsto na Constituição” (NOVELINO, 2008, p.310). Podemos dizer que a propriedade se socializou, ou seja, deve oferecer não só mera utilidade ao seu dono, mas também uma utilidade ainda maior para coletividade. Nas palavras de Kildare, “a função social da propriedade corresponde a uma concepção ativa e comissiva do uso da propriedade, fazendo com que seu titular seja obrigado a fazer, valer-se de seus poderes e faculdades, no sentido do bem comum (KILDARE, 2008, p.736)”. Neste sentido é pacífica a jurisprudência nacional, veja:. “USUCAPIÃO. MORADIA. PLANO DIRETOR. SETOR DE INDÚSTRIA E ABASTECIMENTO. FUNÇÃO SOCIAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INTERESSE COLETIVO. AQUISIÇÃO DE DOMÍNIO. IMPROCEDÊNCIA. I – A propriedade urbana, nos termos do art. 182, §2º, da CF, cumpre sua função social quando atenda as exigências fundamentais de ordenação da cidade. Nesse sentido, nenhuma relevância social depreende-se da iniciativa de fixar acampamento com fins de moradia em região destinada pelo plano diretor ao desenvolvimento da indústria e do abastecimento. II – Imóvel pertencente à sociedade de economia mista, concessionária de serviços públicos, vinculado a interesse coletivo relevante, não pode ser adquirido por usucapião. III – Apelação improvida.” Grifamos (20030110492526APC, Relator VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, julgado em 29/09/2010, DJ 07/10/2010 p. 199. Disponível em: <www.tjdf.gov.br>. Acesso em: 24 out. 2010). Para que haja a observância desse brocardo o Estado adotou algumas medidas coercitivas para que se cumpra efetivamente o princípio da função social tanto nas áreas urbanas quanto nas áreas rurais. Essas medidas são chamadas de Intervenção do Poder Público na propriedade privada satisfazendo a coletividade e reprimindo a conduta anti-social, através de seus atos de império. Uma dessas medidas é a desapropriação que nada mais é que, “Um procedimento através do qual o Poder público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado” (MELLO, 2006, p.813). Pode-se perceber que é uma sanção imposta ao proprietário do bem que não o utiliza ou subutiliza não exercendo plenamente seus direitos de proprietário e, assim, ferindo o princípio da função social. Ao lermos o diploma que trata da propriedade urbana e rural percebemos que o legislador andou bem ao impor algumas diferenças quanto ao princípio da função social das propriedades urbanas e rurais, considerando as duas funções distintas para o seu melhor aproveitamento. De modo que, na propriedade rural a descrição fica conforme o artigo 186 da Constituição Federal, devendo cumprir quatro requisitos simultaneamente, quais sejam: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho e; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Já na propriedade urbana, que é objeto deste estudo, ocorrerá atendimento da  função social quando se cumprir as exigências fundamentais de ordenação da cidade, expressas no plano diretor, Lei Municipal. Todavia, à desapropriação urbanística possui um duplo aspecto, previsto no artigo 182 da CF, que trata de desapropriação para fins de urbanização. O § 3º de referido artigo faz menção ao descumprimento da função social da propriedade e o parágrafo 4º atribui o caráter coercitivo do instituto que se verifica através da indenização da desapropriação em títulos da dívida pública e não em dinheiro. Para que ocorra desapropriação devem ser preenchidos todos os requisitos definidos em lei, quais sejam: prévia declaração de necessidade pública ou utilidade pública; falta do proprietário no modo de utilização da sua propriedade; e por fim, indenização que no caso de desapropriação-sanção se dará em títulos da dívida pública. Percebe-se que a desapropriação tornou-se um meio útil ao administrador municipal, para que ele possa sancionar o proprietário negligente, atribuindo ao bem, utilidade e um aproveitamento racional. É interessante frisar que a lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), estabeleceu normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. De acordo com o que foi mencionado o Estatuto da Cidade regulamenta a propriedade urbana não utilizada, subutilizada ou não edificada. E o plano diretor tem o intuito de disciplinar qual procedimento a ser adotado quando culminar na ação de desapropriação para fins urbanísticos. Pode-se dizer que, o proprietário do imóvel omisso será notificado para que em prazo não superior a um ano apresente um projeto onde estabeleça finalidade social ao seu bem, e essa notificação deverá ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis, dando publicidade ao ato contra terceiros e logo após a aprovação desse projeto o proprietário terá no mínimo dois anos para iniciar a sua obra. Caso o proprietário venha a quedar-se inerte, após todos os prazos concedidos pode o Poder Publico Municipal vir a impor sanções administrativas e sucessivas, tais como, o IPTU progressivo durante um período de até cinco anos e se, mesmo assim, o proprietário continuar sem dar finalidade ao seu bem terá o seu imóvel desapropriado pelo Poder Público Municipal. Neste sentido, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal no AI 582.467 onde figurou como Relatora a Ministra Ellen Gracie: “O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que não há inconstitucionalidade na diversidade de alíquotas do IPTU no caso de imóvel edificado, não edificado, residencial ou comercial. Essa orientação é anterior ao advento da EC 29/2000. Precedentes.” (AI 582.467-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22-6-2010, Segunda Turma, DJE de 6-8-2010 Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 24 out. 2010.) Percebe-se que a desapropriação é o último recurso utilizado pela Administração Pública para garantir a efetividade da função social. Cabe ressaltar que a forma de pagamento prévio de acordo com o Plano Diretor será o de títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em prazos anuais, iguais e sucessivos, assegurado o valor real da indenização e os juros de seis por cento ao ano. De acordo com o professor Hely Lopes, “O valor real da indenização refletirá o valor de base do IPTU, descontado o valor de eventuais incorporações por obras realizadas pelo Poder Público após a notificação feita ao proprietário, e não computará expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios” (MEIRELLES, 2009, p.613). No que se refere à destinação do bem após a retirada compulsória do proprietário do imóvel, o Estatuto da Cidade regula em seu art. 8º nos §§ 4 a 6º a destinação que o Município deva dar ao bem, tendo ele um prazo de cinco anos para que efetive a função social da propriedade adquirida. Caso não venha a dar nenhuma finalidade durante a vigência destes anos, o próprio estatuto prescreverá sanções, conforme estabelecido pelo artigo 52, II da Lei. De tudo o que foi exposto percebemos que a desapropriação é uma ação drástica que tem por objetivo garantir que a função social da propriedade seja preservada e que seu uso seja compatível com o bem estar da coletividade. De modo inverso, podemos entender que se não for respeitada a função social da propriedade e que o proprietário fique omisso a respeito das sanções aplicadas pelo Poder Público Municipal, terá sua propriedade expropriada sendo uma sanção por causa do seu mau uso.
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A evolução da responsabilidade civil extracontratual do estado no direito brasileiro e no direito comparado
Trata-se de estudo voltado para análise evolutiva da incidência da responsabilidade civil extracontratual do Estado tanto no direito brasileiro como no direito comparado, traçando-se uma linha de desenvolvimento desde à teoria da irresponsabilidade absoluta, passando pela teoria da responsabilidade civilística até chegar à teoria da responsabilidade objetiva do Estado.
Direito Administrativo
1. Notas Introdutórias O Estado, pessoa jurídica de direito público, na condição de sujeito de direitos, indubitavelmente pode vir a causar danos a terceiros. A questão que ora se aventa é a seguinte: O Estado pode ser responsabilizado pelos danos que causar a particulares? Antes de adentrarmos ao mérito desta discussão convém delinearmos em que consiste a responsabilidade civil. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “Responsabilidade Civil é o que se traduz na obrigação de reparar danos patrimoniais e se exaure com a indenização. Como obrigação meramente patrimonial, a responsabilidade civil independe da criminal e da administrativa, com as quais pode coexistir sem, todavia, se confundir”. (MEIRELLES, 2003, p. 621).    Neste diapasão, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que “a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”. (DI PIETRO, 2006, p. 618). A problemática da responsabilidade civil do Estado consiste na posição jurídica peculiar em que este encontra, sendo suas atividades suscetíveis de produzirem danos mais intensos que os danos gerados por particulares. Assim sendo, não seria razoável visualizar a responsabilidade civil do Estado sob o mesmo prisma da responsabilidade privada, daí porque a responsabilidade civil do Estado hodiernamente é regida por princípios próprios de direito público (MELLO, 2006). Convém salientar que o tema responsabilidade civil do Estado é complexo, tendo sofrido drástica evolução no decorrer do tempo, o que ensejou a elaboração de diversas teorias a esse respeito, sobre as quais passaremos a tecer algumas considerações. Em linhas gerais, podemos dizer que a responsabilidade do Estado evoluiu de uma fase inicial de irresponsabilidade absoluta, para uma segunda fase, onde se passou a admitir a responsabilidade do Estado regida pelas regras civilistas, onde a responsabilidade é subjetiva e vinculada à culpa. Por fim, em um terceiro estágio, a responsabilidade do Estado passou a ser regida por regras de direito público, sendo denominada objetiva, isto é, independente de culpa. Daí o surgimento da teoria da culpa administrativa ou culpa do serviço público e da teoria do risco integral ou administrativo, também denominada teoria da responsabilidade objetiva. 1.1. Teoria da Irresponsabilidade Segundo José Cuitela Júnior, “Enquanto a responsabilidade civil ou patrimonial, no campo jurídico, consiste na obrigação imposta, em certas condições, ao autor de um prejuízo, de reparar este prejuízo, quer em natura, quer em seu equivalente, a contrario sensu, a irresponsabilidade jurídica consiste, precisamente, no estado de intangibilidade, característico da entidade que causa danos, mas que, por qualquer motivo, não é obrigada a repará-lo. Opõe-se, desse modo, a responsabilidade à irresponsabilidade”. (CRETELLA JÚNIOR, 2002, p. 57). Primordialmente, os Estados despóticos ou absolutos, eram regidos pelos seguintes princípios: the King can do no wrong, quod principi placuit habet legis vigorem e I’ Étac c’ est moi, que traduzidos significam, respectivamente, “o rei não erra”, “o que agradou ao príncipe tem força de Lei” e “o Estado sou eu”. Assim, não se falava em responsabilidade do Estado pelos atos danosos que praticavam seus agentes, prevalecendo a irresponsabilidade estatal. Entretanto, conforme aduz Celso Antônio Bandeira de Melo, “O princípio da irresponsabilidade era temperado em suas consequências gravosas para os particulares pela admissão da responsabilidade do funcionário, quando o ato lesivo pudesse ser diretamente relacionado a um comportamento pessoal […]” (MELLO, p. 945, 2006), No entanto, ao que parece, esta responsabilização não pode ser tida como estatal, e sim pessoal, em relação ao agente. Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que “Esta teoria começou logo a ser combatida, por sua evidente injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações.” (Di Pietro, 2006, p. 619). A teoria da irresponsabilidade está praticamente superada na atualidade, pois os últimos Estados que a sustentaram foram Inglaterra e Estados Unidos, sendo que ambos a abandonaram nos anos de 1946 e 1947, respectivamente, muito embora ainda possam existir resquícios desta teoria em alguns ordenamentos jurídicos. 1.2. Teoria da Responsabilidade do Estado à Luz do Direito Privado Em meados do século XIX houve a evolução do estágio de irresponsabilidade absoluta para um estágio de responsabilidade do Estado, porém, inicialmente pautado em princípios civilísticos, ou seja, fundado na existência de culpa, daí se falar em responsabilidade subjetiva. 1.2.1. Teoria dos Atos de Império e dos Atos de Gestão As atividades Estatais passaram a ser classificadas em duas espécies: atos de império e atos de gestão. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro “Os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum”. (DI PIETRO, 2006, p. 619-620. Assim, passou a ser admitida a responsabilidade do Estado quanto aos atos de gestão, prevalecendo a teoria da irresponsabilidade estatal apenas quanto aos atos de império. Vale dizer que, muito embora esta teoria tenha apresentado um avanço, logo foi superada e sucedida por outras, até mesmo pela dificuldade em se definir precisamente quais os atos de império e quais os atos de gestão. 1.2.2. Teoria da Culpa Civil Superada esta fase de distinção entre atos de império e atos de gestão, passou a ser aceita a responsabilidade do Estado desde que provada à culpa, sendo esta responsabilidade semelhante à do patrão pelos atos de seus prepostos ou empregados. Como aduz José Cuitela Júnior “A pessoa jurídica jamais é responsabilizada por sua própria culpa. É um de seus agentes ou representantes que é “culpado” e esta falha que condiciona a responsabilidade da pessoa jurídica. O mesmo acontece, aliás, em direito privado, no que se refere à responsabilidade do preponente.” (Cretella Júnior, 2002, p. 68). Conforme aduz Camargo (1999), deve ser observado ainda, quanto à referida teoria, para fins de responsabilização do Estado, além do dano, nexo causal e a atuação faltosa do agente público, “se de fato, no momento em que praticava o ato danoso, aquele funcionário realmente exercia sua função pública, ou se havia fora de sua atividade”. (CAMARGO, 1999, p. 60). Esta teoria também não logrou êxito por não satisfazer as exigências da justiça, uma vez que a responsabilidade do Estado era tratada nos moldes do direito privado, e, devido à posição jurídica diferenciada que ocupa o Estado, tornou-se necessária a elaboração de novas teorias baseadas em princípios próprios de direito público. 1.3. Teoria da Responsabilidade do Estado à Luz do Direito Público O direito francês teve grande contribuição na evolução da responsabilidade civil do Estado, e na transição da responsabilidade civilista para a responsabilidade publicista não foi diferente. A partir do Famoso Caso Blanco (1873), a jurisprudência francesa passou a analisar a responsabilidade do Estado sob os postulados de direito público. Di Pietro faz uma síntese do Caso Blanco nos seguintes termos: “A menina Agnès Blanco, ao atravessar a rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por uma vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a justiça comum e o contencioso administrativo, o tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados”. (Di Pietro, 2006, p. 620). Assim, os casos em que o Estado é o causador dos danos aos administrados passaram a ser regulamentados por normas próprias, distintas das do direito privado. As teorias publicistas da responsabilidade do Estado também evoluíram se desdobrando em: teoria da culpa do serviço ou culpa administrativa e teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, senda esta última divida em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral. 1.3.1. Publicização da Culpa ou “Teoria da Culpa do Serviço" A teoria da culpa do serviço, também denominada culpa administrativa ou acidente administrativo, representa um meio termo na transição da responsabilidade subjetiva para a objetiva, pois tratou de desvincular a responsabilidade do Estado da culpa do funcionário, passando a se falar em “faute du service” ou culpa do serviço, teoria elaborada pela jurisprudência do Conselho de Estado Francês. A fim de ilustrar a diferença entre culpa pessoal e culpa do serviço ou administrativa, José Cuitela Júnior relata o seguinte caso: “Um cidadão – o Sr. Anguet – encontrava-se numa Agência dos Correios, na França, quando fecharam as portas, minutos antes da hora regulamentar. Impedido de sair pela porta da frente, dirigiu-se para outra saída, nos fundos, como lhe indicaram, tendo de passar pelo interior do prédio. Percebendo-o nas dependências do edifício, dois carteiros, depois identificados, com ele discutiram, expulsando-o de modo tão brutal e desastroso que o indivíduo caiu fraturando a perna. A vítima ingressa com ação de indenização contra o Estado, que contesta, alegando que o ato violento dos agentes do serviço público configurava falta pessoal, que deveria ser discutida diante dos tribunais judiciários e não perante a jurisdição administrativa. O Conselho de Estado, embora admitindo a existência da culpa pessoal, lembrou também que o serviço funcionara mal (acidente administrativo) pelo fato que se fechara a repartição antes da hora regulamentar (causa remota ou causa primeira) e que, portanto, o dano resultara da acumulação de duas culpas – a pessoal e a do serviço (causa próxima). Como consequência, foi o Estado condenado a reparar a totalidade do prejuízo sofrido pelo Sr. Anguet, firmando assim, implicitamente, o entendimento de que a vítima de prejuízo imputável, ao mesmo tempo, a uma culpa pessoal e a uma culpa do serviço, tem direito ao ressarcimento”. (Cretella Júnior, 2002, p. 73-74). Nas lições de Celso Antônio Bandeira de Melo, ocorre a culpa ou falta do serviço quando “este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado”. (MELLO, p. 946, 2006). Tendo em vista que “o serviço público, em tese, tem de apresentar-se perfeito, regular, contínuo sem a menor falha, para que a coletividade se beneficie no mais alto grau com seu funcionamento. Não pode funcionar mal; deve funcionar de maneira contínua; não deve funcionar com atraso. Continuidade sem falhas é o traço marcante que caracterizará o serviço público.” (Cretella Júnior, 2002, p.75). Vale dizer que alguns doutrinadores, a exemplo de Celso Antônio Bandeira de Mello, tratam a responsabilidade por culpa no serviço como modalidade da responsabilidade subjetiva, defendendo que “Há responsabilidade objetiva quando basta para caracterizá-la a simples relação causal entre um acontecimento e o efeito que produz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de desempenho, atenção ou habilidades normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido.” (MELLO, 2006, p. 949). Assim, segundo o autor supramencionado, é culposa (por negligência, imprudência ou imperícia) a conduta objetivamente inferior aos padrões normais de diligência, prudência e perícia devidos pelo Estado, sendo esta responsabilidade subjetiva. (MELLO, 2006) Por outro lado, uma corrente majoritária defende ser a teoria da culpa do serviço modalidade da responsabilidade objetiva, pois não se cogita a natureza do ato legítimo ou ilegítimo, de império ou de gestão, bastando à ocorrência do dano para configuração da responsabilidade de ressarcimento a cargo da pessoa jurídica pública, desde que se prove o nexo causal entre a má prestação do serviço público e o dano causado. (Cuitela Júnior, 2002). Entretanto, entendemos ser mais correto o entendimento de Carlos Mário da Silva Velloso que citado por Hely Lopes Meirelles aduz que “A teoria da culpa administrativa se identifica no “tronco comum com a responsabilidade objetiva da Administração Pública”, representando o primeiro estágio de transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade da Administração. É o estabelecimento do binômio falta do serviço – culpa da Administração. Já aqui não se indaga culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro.” (VELLOSO apud MEIRELLES, 2003, p. 237). Em síntese, “Basta que o Serviço Público tenha funcionado mal para que o Estado seja obrigado a indenizar, quer tenha havido subsequente identificação do sujeito causador do dano – culpa pessoal do agente – quer tenha havido “culpa anônima”, sem identificação concreta do causador do dano.” (Cretella Júnior, 2002, p. 74). O que ocorre de fato, é que em muitos casos, é praticamente impossível auferir a responsabilidade do agente. Simplesmente, porque dependo da ação ouomissão não se conhece o real e verdadeiro autor do dano civil. 1.3.2. Teoria do Risco ou “Teoria da Responsabilidade Objetiva do Estado” Neste estágio, houve uma evolução em prol do administrado, conforme afirma Cuitela júnior, pois passou a ser considerado o dano e o nexo causal mais do que as circunstâncias em que se verificou o prejuízo, deixando de lado a identificação do agente ou o funcionamento inadequado da máquina administrativa. Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho “Não há dúvida de que a responsabilidade objetiva resultou de acentuado processo evolutivo, passando a conferir maior benefício ao lesado, por estar dispensado de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos, como, por exemplo, a identificação do agente, a culpa deste na conduta administrativa, a falta do serviço etc.” (Carvalho Filho, 2005, p. 441). Hely Lopes Meirelles subdivide esta teoria em duas modalidades, quais sejam, teoria do risco administrativo e teoria do risco integral, muito embora esta distinção não seja realizada por grande parte da doutrina. A) Teoria do Risco Administrativo Segundo a teoria do risco administrativo, surge para o Estado a obrigação de indenizar a partir do simples dano causado à vítima pela Administração Pública. “Aqui não se cogita culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade, impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda Pública. O risco e a solidariedade social são, pois, os suportes desta doutrina, que, por sua objetividade e partilha dos encargos, conduz à mais perfeita justiça distributiva, razão pela qual tem merecido o acolhimento dos estado modernos, inclusive o Brasil, que a consagrou pela primeira vez no art. 194 da CF de 1946”. (MEIRELLES, 2005, p. 645-646). Muito embora não se discuta culpa da Administração, é possível que o Estado afaste ou abrande sua responsabilidade de indenizar demonstrando que houve culpa exclusiva ou parcial da vítima, sendo esta possibilidade o fator diferencial em relação à teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. B) Teoria do Risco Integral A teoria do risco integral é tida como mais radical, diferenciando-se da teoria do risco administrativo por não admitir nenhuma causa excludente da responsabilidade do Estado. Assim, “A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiro, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Daí porque foi acoimada de “brutal”, pelas graves consequências que haveria de produzir se aplicada na sua inteireza”. (MEIRELLES, 2005, p. 646). Esta teoria não foi acolhida em nosso ordenamento jurídico como regra, embora tenha sido defendida por alguns doutrinadores a partir de uma interpretação constitucional diferenciada. Contudo, a teoria do risco integral tem sido adotada nos casos de dano ambiental, conforme podemos extrair dos ensinamentos do mestre de direito ambiental Luís Paulo Sirvinskas: “Toda pessoa física ou jurídica é responsável pelos danos causados ao meio ambiente (art. 3°, IV, da Lei n. 6.938/81. Não é diferente em relação a Pessoa Jurídica de Direito Interno. Esta com maior razão deve ser responsabilizada pelos danos causados ao ambiente por omissão na fiscalização ou pela concessão irregular de licenciamento ambiental. Tal fato, no entanto, não exime de responsabilidade o verdadeiro causador dos danos ambientais”. (SIRVINSKAS, 2009, p. 198-199). No caso de o Estado, no exercício de suas atividades típicas, vir a causar dano ambiental, este será igualmente responsabilizado objetivamente. “Aplica se, in caso, a RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELO RISCO INTEGRAL. Não há que apurar culpa, bastando a constatação do dano e do nexo causal entre este e o agente causador do ato ou fato lesivo ao meio ambiente. Reparado o dano pelo Poder Público, este poderá volta-se contra o causador direto do dano por meio da ação regressiva. Trata-se da denominada responsabilidade solidária. (…) Ressalte-se, pois, que a força maior, o caso fortuito e o fato de terceiro não excluem a responsabilidade pelo dano ambiental”. (SIRVINSKAS, 2009, p. 199-200 – Grifo Nosso) Na mesma toada o posicionamento da jurisprudência mineira: “CERCEIO DE DEFESA. PROVA. DESNECESSÁRIA. INOCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO ÀS VÍTIMAS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. DANO MORAL. FIXAÇÃO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. VOTO VENCIDO. Se a prova requerida pela parte não é necessária ao desate da lide, o seu indeferimento não caracteriza cerceio de defesa. A responsabilidade ambiental se aplica a teoria do risco integral, logo, é objetiva e não admite a incidência das excludentes de força maior, caso fortuito e fato de terceiro. O dano moral deve ser fixação em medida capaz de aplacar a lesão, contudo, sem propiciar a configuração do enriquecimento ilícito. Preliminar rejeitada e recursos não providos. VV.: O conjunto dos autos aponta no sentido da veracidade dos danos alegados pelos autores na inicial. Pelos danos constantes nos mesmos autos a casa dos autores estaria na área de inundação de responsabilidade da Apelante. Assim, como não foi efetivada prova testemunhal, que no presente caso reputo de grande valia, mormente ante a provável inviabilidade da prova pericial, é forçoso concluir que deveriam ter sido produzidas as provas requeridas pelos interessados”. (TJMG, Processo 104390706475240011, Rel. Cabral da Silva, Data de Julgamento: 27/10/2009 Data de Publicação: 04/12/2009). 2. A responsabilidade civil do estado no brasil A doutrina afirma nunca ter sido adotada a teoria da irresponsabilidade do Estado em nosso ordenamento pátrio. Contudo, muito embora não tenha havido previsão da responsabilidade do Estado nas Cartas Constitucionais de 1824 e 1891, as mesmas previam a responsabilidade do funcionário nos casos de abuso ou omissão praticados no exercício de suas funções. Contudo, leis ordinárias previam a responsabilidade estatal e a jurisprudência admitia a responsabilidade solidária do Estado em alguns casos, conforme ensinamentos de Di Pietro (2006). O Código Civil de 1916 continha a seguinte previsão “Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano.” Deste modo pode-se afirmar que a teoria adotada pelo direito brasileiro nesta época era a teoria da responsabilidade subjetiva regida por princípios de direito privado. As Constituições de 1934 e 1937 adotavam o princípio da responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário, nos seguintes termos: “Os funcionários são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos”. Foi, portanto, na Constituição de 1946 que pela primeira vez foi adotada a teoria da responsabilidade objetiva, da seguinte forma: “Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Parágrafo Único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”. A Carta Magna de 1967 evoluiu um pouco mais, acrescentando no parágrafo único a hipótese de ação regressiva nos casos de culpa ou dolo, hipóteses estas que foram mantidas com o advento da emenda n° 01 de 1969. Por fim, nossa atual Constituição da República, vigente a partir de 1988, consagrou novamente a teoria da responsabilidade objetiva, avançando no sentido de incluir a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, da seguinte forma: “Art. 37. §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” O Novo Código Civil de 2002, no entanto, não tratou da responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, já nascendo atrasado em relação à Carta de 1988. Em síntese, como regra geral, é adotada no direito brasileiro a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, na modalidade do risco administrativo, admitindo-se o regresso em relação ao agente público que tenha agido com culpa ou dolo, sendo a responsabilidade do agente público subjetiva. Nos casos de omissão é aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, isto é, da culpa administrativa ou culpa anônima, devendo haver comprovação do mau funcionamento, funcionamento tardio ou não funcionamento do serviço. No mesmo sentido, a jurisprudência mineira e dos tribunais superiores: “APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – CEMIG – PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – VIOLAÇÃO MEDIDOR – RECOLHIMENTO – IMPOSSIBILIDADE – ALEGAÇÃO DIVERSA DO OCORRIDO – MINORAÇÃO DO VALOR FIXADO – ALTERAÇÃO NA FORMA DE FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE. O art. 37, § 6º, da Constituição Federal, orientado no Direito Público, manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; pois há determinadas circunstâncias que excluem ou diminuem a responsabilidade do Estado, como dito acima. O fundamento da teoria do risco administrativo é o nexo de causalidade existente entre a execução de um serviço e o prejuízo causado a um terceiro, se a causa do dano ocorrer aliada a outras circunstâncias, como culpa da própria vítima, força maior, caso fortuito, e até mesmo, culpa de terceiros, a responsabilidade do Estado será excluída ou atenuada, considerando-se que o legislador constituinte não adotou a teoria do risco integral, mas sim a do risco administrativo. A fixação do valor da indenização atinente a danos morais, por falta de critérios objetivos, deve fundar-se na análise da situação econômica das partes e da gravidade da ofensa, a fim de que seja o causador desestimulado a reincidir na prática da conduta lesiva, sem, no entanto, implicar o ressarcimento no enriquecimento sem causa da vítima. Desta forma, levando-se em consideração o acidente ocorrido, deve-se minorar o valor da indenização fixada em primeira instância, sob pena de enriquecimento sem causa das vítimas. Os honorários advocatícios devem ser fixados sobre o valor da condenação e não sobre o valor da causa, conforme disposto no art. 20, § 3º.” (TJMG, Processo 1.0245.06.101631-8/001(1), Rel. Mauro Soares de Freitas, Data de Julgamento: 25/02/2010, Data de Publicação: 10/03/2010 – Grifo Nosso). “INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – CIRURGIA REALIZADA EM HOSPITAL MUNICIPAL – FALHA DE EQUIPAMENTO – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO – FALTE DU SERVICE – DANO MENTAL E ESTÉTICO – REPARAÇÃO MORAL E ""DOTE"" – ART. 1.538, §2º DO CC/1916 – INCAPACIDADE PARA O TRABALHO – PENSÃO VITALÍCIA – RENDA – AUSÊNCIA DE PROVAS DOCUMENTAIS – FIXAÇÃO DA PENSÃO EM 01 (UM) SALÁRIO MÍNIMO. 1. A responsabilidade do Estado por atos omissivos é subjetiva e a culpa fica caracterizada pela falta de agir diante de uma situação em que o ente público tinha o dever legal de fazê-lo. Qualifica-se como negligente a ausência de manutenção em equipamento médico-hospitalar que enseja dano ao paciente, pela prestação de serviço público aquém daquilo que se espera da Administração. 2. À luz do art. 1.538, §2º do Código Beviláqua o dano estético causado à mulher solteira, que a impeça de casar, no futuro, pode ensejar reparação denominada "dote", que integra o valor dos danos morais, segundo jurisprudência uníssona do STJ, estando, portanto, vedada a condenação das duas parcelas, em separado. 3. A incapacidade para o trabalho permite a fixação de pensão vitalícia (art. 1.539 CC/1916). É imperioso, no entanto, que haja prova documental sobre o rendimento efetivamente recebido pela vítima, sob pena de ter a pensão fixada no patamar base de 01 (um) salário mínimo.” (TJMG, Processo 1.0443.02.009092-6/001(1) , Rel. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, Data de Julgamento: 06/10/2009, Data de Publicação: 27/10/2009). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO. POLICIAL AGREDIDO POR DETENTO NO INTERIOR DE DELEGACIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ART. 37, § 6º, DA CB/88. Policial civil agredido por detento no interior de delegacia. Obrigação do Estado de indenizar o funcionário pelos danos sofridos. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, RE 602223 AgR, Rel. Min. Eros Grau, Data de Julgamento: 09/02/2010, Data de Publicação: 12/03/2010). 3. A responsabilidade civil do estado no direito comparado O estudo do direito comparado é de fundamental relevância, uma vez que contribui para melhoria do direito nacional a partir da observação de certos institutos em outros sistemas jurídicos. Nos dizeres de René David citado por Danielle Alheiros Diniz “Todos os juristas são chamados a interessar-se pelo direito comparado, quer para melhor compreenderem o seu próprio direito, quer para o tentarem aperfeiçoar, ou ainda para estabelecer, de acordo com os juristas dos países estrangeiros, regras de conflito ou de fundo uniformes ou uma harmonização dos diversos direitos.” (DAVID apud DINIZ, 2005). 3.1. Direito Francês Conforme visto no tópico referente à evolução histórica, nos primórdios predominava a teoria da irresponsabilidade, visto que o príncipe estava acima das leis, assim, não se cogitava em responsabilizar o Estado civilmente pelos seus atos lesivos aos administrados. Esta teoria predominou na França até meados do ano de 1873, segundo juristas. A partir da revolução francesa, alguns particulares começaram, a mover ações contra o Estado em decorrência de danos causados às casas, mansões, etc. Nesta época surgiu a classificação dos atos de império e atos de gestão, sendo possível a responsabilização do Estado apenas quanto a estes. Todavia, a separação entre responsabilidade civil nos moldes do direito privado e nos de direito público foi resultante de intenso trabalho do Conselho de Estado Francês, o que se deu a partir do julgamento do famoso Caso Blanco, em 1873. Vale ressaltar que na França, não há uma jurisdição una como ocorre no Brasil, tendo este Estado adotado um sistema de jurisdição dualista composto de uma jurisdição comum exercida pelo Poder judiciário, e outra administrativa, exercida por órgão especializado (Conselho de Estado). No entanto, as decisões proferidas pelo Conselho de Estado não podem ser revistas pelo Poder Judiciário, tendo este órgão total autonomia e independência. Vale salientar que os julgados do Conselho de Estado formaram o Direito Administrativo, o que demonstra sua extrema relevância. Assim, no Caso Blanco, uma das questões discutidas foi a respeito da competência para julgamento de casos envolvendo a responsabilidade estatal, e neste caso específico foi designado o Conselho de Estado Francês (órgão administrativo) para resolver o caso, o que contribuiu para a publicização da responsabilidade do Estado, visto que a responsabilidade do Estado passou a ser visualizada sob a ótica do direito público. Nas palavras de José Cuitela Júnior “Em suma, os índices típicos que caracterizam a história da responsabilidade civil do Estado, na França são três: a ampliação quase constante da responsabilidade da potestade pública; o aperfeiçoamento técnico da teoria das relações entre a Administração, seus agentes e as vítimas dos danos; a delimitação da responsabilidade administrativa, como teoria autônoma”. (CRETELLA JÚNIOR, 2002, p.161). 3.2 Direito Lusitano Até meados de dezembro de 2007, a responsabilidade extracontratual do Estado era regida em Portugal pelo Decreto-lei n.º 48051 de 21.11.1967, segundo o qual a responsabilidade estatal abrangia apenas os atos integrados na função administrativa do Estado, sendo por essa razão inaplicável aos atos integrados na função jurisdicional e na função legislativa. Em 31 de dezembro de 2007 entrou em vigor a Lei 67/2007 revogando o Decreto anteriormente em vigor, lei esta que já sofreu modificações introduzidas pela Lei 31/2008. Conforme podemos extrair de um slide produzido pela sociedade de advogados portugueses “Franco Caiado Guerreiro”, as principais alterações na responsabilidade do Estado português trazidas por estas Leis são: “a) Responsabilização do agente que tenha provocado um dano; b) Possibilidade de responsabilizar directamente o agente que tenha provocado o dano; c) Eliminação de obstáculos formais à concessão de uma indemnização quando exista um dano; d) Definição de regras de responsabilidade em novas áreas onde a legislação era inexistente ou incompleta: d.1.) responsabilidade político-legislativa d.2.) responsabilidade pelo exercício da função judicial.” (GUERREIRO, Franco Caiado (Sociedade de Advogados, RL). Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado: O Direito de Indemnização das Empresas e Particulares. 19 fev. 2009. 61 slides: color.). Merece destaque nesta novel legislação lusitana a regulamentação das hipóteses de responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional e da função político-legislativa, visto que falta ao Brasil uma legislação semelhante de modo a encerrar definitivamente as controvérsias que se estabelecem em todos os níveis, doutrinários e jurisprudenciais, sobre o alcance da responsabilidade civil objetiva do Estado nos danos decorrentes das funções administrativas, legislativas e jurisdicionais. (Informação obtida através de notícia postada em 17 de maio de 2008 no site: http://direitoadministrativoemdebate.wordpress.com/2008/05/17/portugal-amplia-a-responsabilidade-civil-do-estado/) 3.3 Direito Mexicano O México é um pouco mais atrasado em se tratando de responsabilidade do Estado, pois ainda há resquícios da irresponsabilidade no direito mexicano, havendo certa resistência quanto à responsabilização do Estado pelos denominados “atos da administração”, ou atos de império. 3.4 Direito Latino-Americano No direito argentino separa-se a responsabilidade do agente público do dever de indenizar do Estado, estabelecendo no art. 1.112 do Código Civil argentino a responsabilidade do funcionário. Entretanto, só se tem admitido a responsabilidade estatal nos casos expressamente previstos em lei, neste sentido “A responsabilidade da Administração por fato de seus agentes, funcionários ou empregados, só pode ser estabelecida por lei; toda lei sobre responsabilidade do Estado deve ter fundamento jurídico próprio; a falta de lei que estabeleça de modo expresso essa responsabilidade é que tem conduzido a um sistema de irresponsabilidade da Administração. A obrigação de indenizar, que a lei impõe ao Estado, é uma garantia legal e não responsabilidade, em sentido próprio”. (BIELZA citado por CRETELLA JÚNIOR, 2002, p. 168). No Uruguai prevalece a responsabilidade direta do Estado cabendo ação regressiva contra o funcionário em determinados casos. No direito chileno há previsão da responsabilidade do Estado, porém a legislação é vaga, não especificando as hipóteses que poderão ensejar tal responsabilização, cabendo assim, no silêncio da lei, aos tribunais chilenos resolver a questão interpretando à legislação de forma equânime. No direito colombiano também vem sendo aplicada a responsabilidade do Estado nos moldes publicistas, havendo possibilidade de regresso contra o agente público. Concluindo, segundo os ensinamentos do mestre José Cuitela Júnior “O direito comparado demonstra que os diversos sistemas legislativos se movimentam dos princípios privatísticos para os princípios publicísticos, tendo, antes, superado a chamada fase da irresponsabilidade estatal. Equacionando, no passado, a responsabilidade pública, em ternos de direito privado, de acordo com a tradicional relação do preposto a preponente, o direito administrativo moderno superou aquela colocação e chegou a novo estágio – à fase publicísta, disciplinada pela Constituição e por leis fundamentais no postulado da repartição equitativa dos ônus e encargos públicos, que informa o direito público de nossos dias”. (CRETELLA JÚNIOR, 2002, p. 170-171). 4. Considerações finais Diante do exposto podemos concluir que a responsabilidade extracontratual do Estado vem sendo admitida de forma paulatina, não só no Brasil, mas em diversos países. Durante este período evolutivo da responsabilidade estatal, diversas teorias foram formuladas, entretanto, a teoria que prevalece atualmente, é a teoria da responsabilidade objetiva, na modalidade do risco administrativo, sendo ainda aplicada a responsabilidade subjetiva, em casos excepcionais, como os de omissão, hipótese em que é necessário provar que o serviço não funcionou ou não funcionou como deveria funcionar. Considerando que o direito não é algo estanque, espera-se que com o passar do tempo, aquelas vicissitudes ora apresentadas sejam sanadas.
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Responsabilidade civil do estado por omissão
Resumo:O artigo visa o exame do tema acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão surgindo da necessidade do embasamento para futuras demandas judiciais diante das diversas falhas do Estado em sua atuação.O que se verificou foi uma doutrina vacilante não possuindo uma posição firme e unânime no sentido da possibilidade da responsabilização, todavia apresenta-se um embasamento muito bom no sentido de buscar uma sentença favorável inclusive com a ajuda de uma inversão do ônus da prova.
Direito Administrativo
1. Introdução O estudo em tela surge diante da necessidade de ser pontuada a viabilidade e necessidade da responsabilização civil do Estado, em casos de sua omissão, quando existente um impositivo legal, que não é cumprido. Muitos casos são facilmente apontados que se enquadram no presente tema, merecendo um estudo mais detalhado no intuito de promover uma maior discussão e um respaldo doutrinário a quem quer se aprofunda no tema. Com a ajuda de grandes nomes administrativistas, o trabalho se inicia tratando das possibilidades de responsabilidade até chegar ao caso específico da omissão, demonstrando por fim, que em uma possível demanda judicial, pode até ser possível a inversão do ônus da prova, a fim de facilitar a demonstração do nexo causal. 2. Responsabilidade civil do estado No presente estudo, será explorado o tema da responsabilidade civil do Estado, com foco na espécie omissiva. A noção jurídica da responsabilidade no direito brasileiro, dispõe a situação de que alguém, o responsável, deverá suportar os efeitos de um ato praticado, perante a ordem jurídica atinente em virtude de algum fato precedente. Os dois pressupostos da responsabilidade, portanto, são o fato e sua imputabilidade a alguém. O fato, sendo o gerador da situação jurídica, que pode ser comissivo ou omissivo e causa dano a alguém. A imputabilidade, no sentido de aptidão jurídica para efetivamente responder pela ocorrência do primeiro pressuposto. A sanção aplicável em casos como estes é a indenização, que se caracteriza como o montante pecuniário que representa a reparação dos prejuízos causados pelo responsável. Enquanto o artigo 37, §6º da Constituição Federal aponta a responsabilidade extracontratual objetiva ao Estado, quando se tratar de uma conduta comissiva de um de seus agentes, inexiste um dispositivo que trate de danos ocasionados por omissões do Poder Público. Entretanto, a jurisprudência pátria e a doutrina administrativista, concluem que é possível a configuração de responsabilidade extracontratual do Estado nos casos de danos ensejados por omissão do Poder Público, na modalidade subjetiva. Cabe colacionar ainda o entendimento do Supremo Tribunal Federal, exposto no RE 179.147/SP: “Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetivo, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualiza-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a fauteduservicedos franceses.”[1] A tradução livre do termo “fauteduservice”, poderá ser feita para “falta de serviço, teoria esta que o doutrinador, Hely Lopes Meirelles, nos ensina se tratar da responsabilidade civil pela omissão do Estado, configurando-se em algo subjetivo, ou seja, exige uma culpa especial da Administração, razão pela qual, também é conhecida como teoria da culpa administrativa. Segundo tal teoria, também conhecida por teoria da culpa do serviço público ou da culpa anônima do serviço público, o Estado vai responder pelos danos causados desde que, o serviço público não funcione, quando deveria funcionar; funcione atrasado; ou funcione mal. Aponta-se que diversos estudiosos adotam a presente teoria, conforme trecho do livro de Maria Sylvia di Pietro: “Com algumas nuances referentes aos fundamentos, pode-se mencionar, entre outros que adotam a teoria da responsabilidade subjetiva em caso de omissão, José Cretella Júnior (1970, v. 8:210), Yussef Said Cahali (1995:282-283), Álvaro Lazzarini (RTJSP 117/16), Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1979, vol. II:487), Celso Antônio Bandeira de Mello (RT 552/14). É a corrente a que também me filio.”[2] Desta forma, é sustentado que o Estado só pode ser condenado a ressarcir prejuízos à sua omissão quando a legislação considera obrigatória a prática da conduta omitida. Na hipótese de omissão do Poder Público, os danos, em regra, não são causados por agentes públicos específicos. São causados por fatos da natureza ou fatos de terceiros, entretanto, poderiam ter sido evitados ou minorados se o Estado, tendo o dever de agir, se omitiu. Salienta-se que, tratando-se de omissão genérica do serviço, ou, quando não for possível identificar um agente público responsável, a responsabilidade civil do Estado é subjetiva, não podendo ser invocada a teoria objetiva do risco administrativo. Nesse sentido, as palavras do ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, SÉRGIO CAVALIERI FILHO: “Já ficou registrado que a Constituição responsabiliza o Estado objetivamente apenas pelos danos que os seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Logo, não o responsabiliza por atos predatórios de terceiros, como saques em estabelecimentos comerciais, assaltos em via pública etc., nem por danos decorrentes de fenômenos da Natureza, como enchentes ocasionadas por chuvas torrenciais, inundações, deslizamento de encostas, deslizamentos de encostas, desabamentos etc., simplesmente porque tais eventos não são causados por agentes do Estado. A chuva, o vento, a tempestade, não são agentes do Estado; nem o assaltante e o saqueador o são. Trata-se de fatos estranhos à atividade administrativa, em relação aos quais não guarda nenhum nexo de causalidade, razão pela qual não lhes é aplicável o princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva do Estado. Lembre-se que a nossa Constituição não adotou a teoria do risco integral. A Administração Pública só poderá vir a ser responsabilizada por esses danos se ficar provado que, por sua omissão ou atuação deficiente, concorreu decisivamente para o evento, deixando de realizar obras que razoavelmente lhe seriam exigíveis. Nesse caso, todavia, a responsabilidade estatal será determinada pela teoria da culpa anônima ou falta do serviço, e não pela objetiva, como corretamente assentado pela maioria da doutrina e da jurisprudência. Essa é a precisa lição de Hely Lopes Meirelles: “Daí por que a jurisprudência, mui acertadamente tem exigido a prova da culpa  da Administração nos casos de depredação por multidões e de enchentes e vendavais que, superando os serviços existentes, causam danos aos particulares. Nessas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração” (ob. cit., 28ª ed., p.p. 628-629)”[3] Colaciona-se ainda, julgado bastante didático e interessante sobre o presente tema. “ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPOSTO DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE AGIR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DECORRENTE DA ALEGADA OMISSÃO EM NÃO REALIZAR A MANUTENÇÃO DE CAMPO DE FUTEBOL. A RESPONSABILIDADE CIVIL, SE EXISTENTE, DECORRE DA OMISSÃO GENÉRICA DO DEVER LEGAL DE MANTER ÁREAS DE LAZER EM CONDIÇÕES SEGURAS PARA O USUÁRIO. CULPA ANÔNIMA OU FALTA DO SERVIÇO, DE NATUREZA SUBJETIVA, VERIFICADA ONDE HÁ AUSÊNCIA DO SERVIÇO DEVIDO OU QUANDO SEU FUNCIONAMENTO É DEFEITUOSO, O QUE DEPENDE DE DILARGADA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. IMPROVIMENTO DO RECURSO”. Muitas vezes a necessidade de agir do órgão público consta de alguma legislação, seja ela federal, estadual ou municipal, o que acaba se verificando é que não háa exteriorização completa no mundo jurídico, demonstrando o desinteresse do Poder Público no cuidado a referente matéria. A problemática do tratamento da presente teoria se coloca quanto à possibilidade de agir, devendo se tratar de uma conduta que seja exigível da Administração e que seja possível, sendo que, essa possibilidade só pode ser examinada diante de cada caso concreto. Em mais um trecho de clareza solar da doutrinadora Maria Sylvia di Pietro: “[…] Juan Carlos Cassagne (citado por Flávio de Araújo Willeman, 2005:122) ensina que “a chave para determinar a falta de serviço e, consequentemente, a procedência da responsabilidade estatal por um ato omissivo se encontra na configuração ou não de uma omissão antijurídica. Esta última se perfila só quando seja razoável esperar que o Estado atue em determinado sentido para evitar os danos às pessoas ou aos bens dos particulares. Pois bem, a configuração de dita omissão antijurídica requer que o Estado ou suas entidades descumpram uma obrigação legal expressa ou implícita (art. 1.074 do Cód. Civil) tal como são as vinculadas com o exercício da polícia administrativa, descumprimento que possa achar-se imposto também por outras fontes jurídicas””.[4] Assim, em casos concretos, o que se constata é a existência de umaobrigação legal, claramente descumpridapelo Estado, configurando a dita omissão antijurídica. 3. Possibilidade da inversão do ônus da prova Cabe salientar um ponto bastante interessante dessa problemática, caso seja necessário a busca de uma tutela jurisdicional, a possibilidade da inversão do ônus da prova. Insta ser ressaltado que, apesar de toda a tentativa de produção de prova documental, bem como uma posterior oitiva de testemunhas, não é possível deixar de lado o fato da hipossuficiência decorrente da posição da vítima diante do Estado. Assim, conforme o doutrinador Alexandre Mazza expõe: “[…] deve ser observada a inversão no ônus da prova relativa à culpa ou dolo, presumindo-se a responsabilidade estatal nas omissões ensejadoras de comprovado prejuízo ao particular, de modo a restar ao Estado, para afastar tal presunção, realizar a comprovação de que não agiu com culpa ou dolo”.[5] Aponta-se ainda que em casos como tais, há uma presunção de culpa do poder público. O lesado não precisa fazer a prova de que existiu a culpa ou dolo. Cabe ao ente público a demonstração de que agiu com diligência, que utilizou os meios adequados e disponíveis e que, se não agiu, é porque a sua atuação estaria acima do que seria razoável exigir; se fizer esta demonstração, não incidirá a responsabilidade. É reconhecido por todos a desigualdade jurídica existente entre o particular e o Estado, ante as prerrogativas de direito público a este inerentes, prerrogativas estas que, por visarem à tutela do interesse da coletividade, sempre assegurarão a prevalência jurídica destes interesses ante os do particular. Assim, verifica-se injusto que, aqueles que sofrem danos patrimoniais ou morais, decorrentes da atividade da Administração precisassem comprovar a existência de culpa, para que vissem assegurado seu direito à reparação. O lesado não pode se esquivar da produção da prova, buscando trazer ao conhecimento do magistrado todos os elementos em volta do acontecimento, a fim de que reste totalmente claro a necessidade da condenação do Estado, todavia, não há como deixar de lado a questão da desigualdade entre os sujeitos, conforme amplamente apontado. A doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro ainda coloca que: “Com Celso Antônio Bandeira de Mello (2008:996), entendemos que, nessa hipótese, existe uma presunção de culpa do Poder Público. O lesado não precisa fazer a prova de que existiu a culpa ou o dolo. Ao Estado é que cabe demonstrar que agiu com diligência, que utilizou os meios adequados e disponíveis e que, se não agiu, é porque sua atuação estaria acima do que seria razoável exigir; se fizer essa demonstração, não incidirá a responsabilidade”.[6] Porém, não se deixa de citar a possibilidade da inversão da prova, cabendo apontar ainda, excerto do livro do doutrinador Dirley da Cunha Júnior: “[…] A jurisprudência tem entendido que, aplicando-se por analogia o art. 6º do CDC, o juiz poderá inverter o ônus da prova diante da impossibilidade de se comprovar que o serviço inexistiu ou existiu de forma insuficiente ou retardada.”[7] Em sua defesa, o que os entes estatais normalmente acabam alegando é a “reserva o possível”, como excludente, tendo em vista, ainda mais em tempos de crise a impossibilidade de determinadas tomadas de ações a falta de dotação orçamentária para a realização do impositivo legislativo. 4. Conclusão Por oportuno, cabe ressaltar novamente a relevância do tema. É fato que é comum em nossos Tribunais o ajuizamento de ações fundamentadas na responsabilização objetiva do Estado. Apesar da necessidade da comprovação, muitas vezes resta reafirmada a responsabilidade subjetiva na modalidade falta do serviço (ou culpa do serviço). Assim, é primordial a análise minuciosa do caso concreto para se auferir qual seria o tipo de responsabilização, pois desta análise depende toda a matéria desenvolvida no processo de indenização, inclusive no tocante a instrução probatória do feito. Assim, diante de todo o exposto, entende-se pelo dever do Estado reparar o dando causado pela sua omissão antijurídica, com a possibilidade de, dentro de uma demanda judicial, a inversão do ônus da prova, diante da hipossuficiência do requerente.
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A suspensão do fornecimento de serviço público essencial em razão do inadimplemento do usuário
O presente trabalho tem por escopo analisar a dicotomia existente na possibilidade ou não da suspensão de serviços públicos ante o inadimplemento do usuário (consumidor). Nesse sentido, justifica-se a relevância do tema, diante da relação umbilical existente entre os princípios da continuidade da prestação dos serviços públicos e da dignidade da pessoa humana. A doutrina é vacilante no tocante a legalidade da interrupção. Por fim, o estudo irá abordar o atual posicionamento da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.
Direito Administrativo
Ponto muito controvertido, e que tem sido objeto de imenso debate na doutrina e jurisprudência pátria, é a possibilidade jurídica do prestador de serviço público suspender o fornecimento em razão do inadimplemento do usuário. O artigo 6º, §3º, da Lei n. 8.987/95, prevê a possibilidade de interrupção da prestação de serviço público, por parte da concessionária, decorrente do inadimplemento do usuário e desde que seja precedida de aviso prévio. Contudo, a análise do artigo supracitado deve ser feita através da conjugação dos princípios da continuidade da prestação do serviço público e da dignidade da pessoa humana. O ponto nevrálgico do estudo irá se pautar na análise da regra prevista na Lei n. 8.987/95 à luz dos princípios previstos na Constituição, na própria Lei Geral de Concessões e no Código de Defesa do Consumidor, e o atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Pois bem. Primeiramente, é fundamental analisar o conceito de serviço público, bem como abordar as suas características substanciais. Serviço público pode ser caracterizado como toda atividade prestacional, consistente na oferta de comodidades e utilidades para atender o interesse público da coletividade, cuja titularidade pode ser exercida pelo próprio Estado ou por seus delegatários, submetida às normas de direito público. Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, serviço público pode ser conceituado como: “Toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcialmente público.” (ZANELLA, 2014, p. 107). Celso Antônio Bandeira de Mello define serviço público: “Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo” (BANDEIRA DE MELLO, 2000, p. 600). Ainda sobre o conceito serviço público, importante mencionar o preceito de Rafael Carvalho Resende Oliveira (2009, p. 179): “Atividade prestacional titularizada, com ou sem exclusividade pelo Estado, criada por lei, com o objetivo de atender as necessidades coletivas, submetida ao regime predominantemente público.” Importante frisar que a matéria relativa aos serviços públicos encontra-se impregnada por princípios específicos. No presente estudo iremos abordar o postulado da continuidade, previsto nos artigos 6º, § 1º, da Lei n. 8.987/95 e 22 do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.” A ideia de continuidade do serviço público pressupõe que a concessionária, ou a Administração Pública, deverão prestar o serviço público de forma ininterrupta. Sobre o tema, leciona José dos Santos Carvalho Filho: “Os serviços públicos buscam atender aos reclamos dos indivíduos em determinados setores sociais. Tais reclamos constituem muitas vezes necessidades prementes e inadiáveis da sociedade. A consequência lógica desse fato é a de que não podem os serviços públicos ser interrompidos, devendo ao contrário, ter normal continuidade. Ainda que fundamentalmente ligado aos serviços públicos, o princípio alcança toda e qualquer atividade administrativa, já que o interesse público alcança toda e qualquer atividade administrativa, já que o interesse público não guarda adequação com descontinuidades e paralisações na Administração”. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 36). Rafael Carvalho Rezende Oliveira, com propriedade, ensina que o principio da continuidade “Em razão da necessidade da população usufruir determinadas comodidades, bem como pelo dever do Estado em satisfazer e promover direitos fundamentais, o serviço público deve ser prestado de forma contínua (ininterrupta). Como consequência da necessidade de continuidade de serviço público, exige-se a regularidade na sua prestação. O prestador do serviço, seja o Estado, seja o delegatário, deve prestar o serviço adequadamente, em conformidade com as normas vigentes e, no caso dos concessionários, com respeito às condições do contrato de concessão. Em suma: a continuidade pressupõe a regularidade, pois seria inadequado exigir que o prestador continuasse a prestar um serviço irregular”. (OLIVEIRA, 2009, p. 181). Continuidade, portanto, pressupõe regularidade, impedindo, por conseguinte, a paralisação do serviço público. Dessa forma, parcela da doutrina sustenta, com base no principio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º da CRFB/88, bem como no artigo 22 do CDC, a impossibilidade da interrupção dos serviços públicos, pois, de acordo com as normas supracitadas, as concessionárias de serviço público são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.” Por oportuno, importante enfatizar que a Constituição Federal elenca entre os direitos sociais, o direito à vida e a dignidade, garantindo ao cidadão o mínimo existencial, possibilitando assim, uma melhoria na qualidade de vida. No intuito de atender aos ditames constitucionais, é fundamental que o Estado e seus delegatários prestem serviços públicos de forma contínua, tendo como escopo o bem estar do indivíduo. Percebe-se então, a existência de uma relação simbiótica entre o princípio da continuidade e o princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, o princípio da continuidade do serviço público tem de ser interpretado em consonância com os direitos e garantias individuais previstas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional. O direito da coletividade não pode ser suprimido e extirpado do ordenamento jurídico sob a invocação de interesse do concessionário particular. Ingo Wolfgang Sarlet define o princípio da dignidade da pessoa humana como: “Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos” (SARLET, 2001, p. 60). Portanto, a concessionária não poderá deixar de prestar o serviço para um usuário pelo fato do mesmo estar inadimplente, ou seja, não pode haver a suspensão apenas porque o fornecimento do serviço público não é mais comercialmente favorável para a concessionária. Adotando o entendimento supra, as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Quando o serviço é essencial, como fornecimento de luz ou de água, sua interrupção deve ser adotada em casos extremos, uma vez que a empresa concessionária dispõe de outros meios para obter a satisfação de seus créditos, em especial o processo judicial de execução. Trata-se de aplicação do princípio da razoabilidade, que exige a adoção de medida adequada em relação ao fim a ser atingido; se a concessionária dispõe de outros meios para obter a satisfação de seu crédito, não deve privar o usuário da obtenção de um serviço público essencial” (DI PIETRO, 2012, p. 97-98). Os defensores desta corrente afirmam que a interrupção do serviço caracterizaria uma execução privada de seus interesses, na medida em que visa compelir o cidadão ao pagamento da dívida. E, por fim, alegam que a legislação consumerista proíbe a exposição do consumidor inadimplente ao ridículo, nem a sua submissão a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, nos exatos termos do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. “Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.” Veja-se, por exemplo, o entendimento firmado no acórdão da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça no RMS n. 8.915: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente. 2. Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma. 3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade. 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 8. Recurso improvido” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RMS: 8915 MA 1997/0062447-1, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 12/05/1998, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 17.08.1998, p. 23) Essa posição também foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Resp. nº 201.122: “EMENTA: FORNECIMENTO DE ÁGUA – SUSPENSÃO – INADIMPLÊNCIA DO USUÁRIO – ATO REPROVÁVEL, DESUMANO E ILEGAL – EXPOSIÇÃO AO RIDÍCULO E AO CONSTRANGIMENTO. A Companhia Catarinense de Água e Saneamento negou-se a parcelar o débito do usuário e cortou-lhe o fornecimento de água, cometendo ato reprovável, desumano e ilegal. Ela é obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua, não expondo o consumidor ao ridículo e ao constrangimento. Recurso improvido.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 201.122 – SC – 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Garcia Vieira, julgamento em 20/04/99, pub. no DJU-e 1, de 10/05/99, pág. 124). Por outro lado, há os defensores da corrente que afirmam ser possível a interrupção do serviço público enquanto restar configurado o estado de inadimplência, sob o fundamento de que o artigo 6º, §3º, II da Lei n. 8.987/95 autoriza a suspensão do serviço público, após prévio aviso, quando houver inadimplemento do usuário, considerado o interesse da própria coletividade. “Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. […] § 3o Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando: […] II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade”. Alegam, outrossim, que o consumidor inadimplente não pode ser beneficiado com a continuidade na prestação do serviço público, e embora o princípio da continuidade consista na regra geral, é necessário aplicá-lo de forma temperada. Para essa doutrina não há divergência entre a norma prevista no artigo 6º, §3º, II da Lei n. 8.987/95, e as regras e princípios estabelecidos na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor. Acerca da possibilidade de interrupção do serviço público em casos de inadimplemento, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no Ag: 794072: “ADMINISTRATIVO – CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – PRÉVIA NOTIFICAÇÃO – POSSIBILIDADE. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 363.943/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 1.3.2004, pacificou entendimento no sentido de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o usuário permanecer inadimplente, a teor do disposto no artigo 6º, § 3º, II, da Lei n. 8.987/95. Precedentes. Agravo regimental improvido”. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no Ag: 794072 RJ 2006/0131273-4, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 04/11/2008, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/11/2008 DJe 21/11/2008) Necessário ressaltar os efeitos sistêmicos que a adoção da tese de impossibilidade de suspensão acarretaria, pois, por exemplo, ao saber que o vizinho está usufruindo de um serviço público de forma gratuita, o cidadão tenderá a não efetuar o pagamento de sua conta pelos serviços prestados, ocasionando um efeito dominó. Assim sendo, deve-se levar em consideração a aplicação dos princípios da manutenção da empresa e da boa-fé. Ademais, a interrupção visa garantir a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato de concessão, pois, caso a concessionária fosse compelida a fornecer o serviço ao consumidor inadimplente, restaria abalada a avença inicial firmada entre a Administração Pública e a empresa prestadora do serviço. Quanto à viabilidade econômico-financeira do contrato de concessão, manifesta-se Marçal Justen Filho: “A vedação à interrupção do serviço público encontra um limite absoluto na ausência de viabilidade econômico-financeira. O concessionário não pode ser constrangido a incorrer em insolvência. É contrário à ordem jurídica vigente que a comunidade usufrua os benefícios do serviço público à custa da destruição empresarial do concessionário. A inviabilidade econômico-financeira da concessão – caracterizada por fator de diversa natureza – acarreta a dissolução do vínculo e autoriza o particular a interromper a prestação do serviço. O princípio da associação impede que se constranja o particular a incorrer em falência para que os usuários possam continuar a ser atendidos. Sob esse ângulo, aliás, a situação do concessionário equivale à do próprio poder concedente. Ninguém poderia exigir do Estado a prestação de serviço público quando não houvesse condições econômico-financeiras que assegurassem seu fornecimento. Aplica-se, de modo genérico, a reserva econômica do possível” (JUSTEN FILHO, 2003, p. 507). A remuneração do serviço público, prestado pela concessionária, advém, como regra, através da tarifa paga pelo usuário. É importante lembrar que os serviços são considerados singulares, ou seja, uti singuli, pois, embora estejam disponíveis à toda a população, sua prestação ocorrerá sempre em relação a usuários determinados ou determináveis. E se ninguém paga pelo fornecimento do serviço público, a concessionária não irá auferir lucros e não terá renda. Logo, não tendo renda, a concessionária ficará impossibilitada de adquirir os insumos necessários à execução dos serviços concedidos e, finalmente, entrará em insolvência, interrompendo, por conseguinte, a prestação dos serviços públicos a toda a população. Portanto, os argumentos supracitados corroboram a ideia da possibilidade de interrupção do serviço pela concessionária, em caso de inadimplemento do usuário, após prévio aviso, na forma da lei. O tema trazido à discussão neste presente estudo é de extrema relevância, pois, demonstra a celeuma existente entre a regra presente no artigo 6º, §3º da Lei n. 8.987/95, prevendo a possibilidade de interrupção da prestação de serviço público por parte da concessionária, e a relação intrínseca entre a norma supracitada e o princípio da continuidade da prestação do serviço público e da dignidade da pessoa humana. Atualmente encontra-se pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a tese a favor da interrupção do serviço público em razão do inadimplemento do usuário.[1] Contudo, convém observar que o princípio da continuidade assume grau de potencialidade por valorizar a dignidade humana e a cidadania. Sabe-se que a violação a um princípio é muito mais gravoso que a violação da lei, pois, o princípio tem uma carga de efetividade (valorativa) mais intensa. Ademais, a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. Importante ressaltar que em determinados casos a suspensão do serviço público pode ocasionar lesão ao núcleo essencial dos direitos e garantias individuais do cidadão. Deve-se, portanto, realizar um juízo de ponderação dos valores constitucionais e dos interesses colidentes, para se concluir pela possibilidade ou não de realizar a interrupção da prestação do serviço público. O princípio da continuidade e da dignidade da pessoa humana não pode ser mitigado e relativizado em qualquer situação. É necessário fazer a análise do caso concreto, pois, em determinados casos a interrupção do serviço pode colocar em risco a saúde e a vida do usuário, entretanto, não podemos proteger a conduta daquele usuário que possui condições financeiras e dolosamente deixa de pagar a tarifa. É necessário que o operador do direito busque o equilíbrio nas relações jurídicas, adotando a medida mais adequada em relação ao fim a ser atingido, aplicando o princípio da razoabilidade.
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Análise do elemento subjetivo nos atos de improbidade administrativa
O presente trabalho tem por escopo fazer uma analise crítica da Lei de Improbidade Administrativa no que tange ao elemento anímico que norteia a pratica dos atos presentes nos artigos 9º, 10 e 11. O ato de improbidade não é a simples ilegalidade da conduta, mas sim a ilegalidade qualificada pelo elemento volitivo. O estudo irá demonstrar que a existência de dolo, culpa grave ou má-fé com a finalidade de atingir fim ilícito é requisito obrigatório para o enquadramento fático previsto na tipificação legal.
Direito Administrativo
A Improbidade Administrativa, pelo que se extrai da Lei n. 8.429/92, refere-se à má qualidade de uma administração, à prática de atos que impliquem em enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário, ou, ainda, em violação aos princípios que orientam a Administração Pública. Contudo, há que se conceder certo grau de flexibilidade, para que o agente público possa transitar para atender às peculiaridades administrativas decorrentes dos problemas que lhe são submetidos. O ato ímprobo, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade do agente, pois, nem toda irregularidade administrativa caracteriza improbidade, nem se confunde o administrador inábil com o administrador ímprobo. Exatamente em razão disto que o elemento subjetivo, ou seja, a existência de dolo, culpa grave ou má-fé com a finalidade de atingir fim ilícito é requisito para o enquadramento fático previsto na tipificação legal. O artigo 37, §4º, da Constituição Federal prevê a punição pela prática de atos de improbidade administrativa. “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] § 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, à indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” Destarte, o dispositivo constitucional supracitado é a fonte normativa principal acerca da matéria, deixando espaço para a lei infraconstitucional estabelecer a forma e gradação das medidas ímprobas. Neste espeque, a matéria foi regulada pela Lei n. 8.429/92, que definiu todos os contornos concretos, tendo por base o permissivo constitucional, aplicável a todos os entes da Federação. A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) surgiu para preservar o principio da moralidade administrativa. O ato de improbidade, mais do que ilegal, é um ato de desonestidade do agente público para com a Administração. Há relativo consenso, na atualidade, quanto à necessidade de combate à corrupção como forma de efetivação do republicanismo e do Estado Democrático de Direito (NEVES; OLIVEIRA, 2015, p. 3). Ademais, o dever de punibilidade por atos ímprobos decorre de uma imposição do postulado da juridicidade, que impõe ao administrador público a observância não apenas à lei (legalidade estrita), mas também a todo o ordenamento jurídico. No tocante a definição do conceito de improbidade administrativa, Marçal Justen Filho ensina que: “A improbidade administrativa consiste na ação ou omissão, no exercício da função pública, caracterizada por danosidade ou reprovabilidade extraordinárias, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei (JUSTEN FILHO, 2015, p. 1124).” José dos Santos Carvalho Filho conceitua improbidade administrativa como: “Ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequente aplicação das sanções legais, com o escopo de preservar o principio da moralidade administrativa (CARVALHO FILHO, 2015, p. 1111-1112).” A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) classifica o ato ímprobo de três formas: a) atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito (artigo 9º); b) atos de improbidade que causam prejuízo ao erário (artigo 10) e c) atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública (artigo 11). “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: […]” Ademais, o ato de improbidade administrativa, para acarretar a aplicação das medidas sancionatórias previstas no artigo 37, §4º, da Constituição, exige a presença de determinados elementos (DI PIETRO, 2015, p. 979): “a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no artigo 1º da Lei n. 8.429; b) sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1º e 3º); c) ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três; d) elemento subjetivo: dolo ou culpa.” Nesse espeque, importante enfatizar que a condenação respaldada na certeza da improbidade deve estar sustentada por juízo inequívoco da manifestação de dolo ou culpa do agente, já que a improbidade não é simples ilegalidade da conduta, mas sim ilegalidade qualificada pelo dolo ou culpa. Pois bem. No tocante ao elemento subjetivo da conduta prevista no artigo 9º da LIA (enriquecimento ilícito), é necessária a comprovação do dolo do agente público ou do terceiro, sendo imprescindível a presença do elemento anímico consubstanciado na intenção em obter vantagem patrimonial indevidamente. Já nos atos de improbidade ensejadores de prejuízo ao patrimônio público o elemento subjetivo é o dolo ou a culpa, conforme previsão no artigo 10 da LIA. Ademais, é indispensável à efetiva comprovação da lesão ao patrimônio público. Essa é a opinião defendida pelos autores Emerson Garcia e Rogério Pacheco: “De qualquer modo, sempre será necessária a ocorrência de lesão ao patrimônio público para a incidência do artigo 10, da Lei n.8429/92, o que é constatado pelo caput deste e pelo disposto no art. 12, II, o qual fala em “ressarcimento integral do dano” na hipótese do art.10, enquanto nos demais casos de improbidade tem-se o dever de ressarcimento integral do dano, quando houver (GARCIA; ALVES, 2010, p. 321).” Por fim, no que tange as condutas previstas no artigo 11, tem-se que o elemento subjetivo é o dolo por parte do agente público e/ou do terceiro. Acerca do elemento subjetivo, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “EMENTA: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONVÊNIO. DESVIO DE FINALIDADE. PREJUÍZO AO ERÁRIO. COMPROVAÇÃO. 1. A Lei 8.429/92 divide os atos de improbidade administrativa entre aqueles que importam em enriquecimento ilícito em razão do recebimento de vantagem patrimonial indevida (art. 9º), os que causam prejuízo ao erário por ação ou omissão (art. 10) e aqueles que atentam contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (art. 11). 2. Na análise do elemento subjetivo do tipo para a caracterização do ato de improbidade administrativa, deve ser acentuado de que se trata de conduta que somente poderá tipificada na modalidade dolosa ou, no caso do art. 10 da Lei de Improbidade, na modalidade de culpa grave. 3. O desvio de finalidade de verbas decorrentes de convênio implica em improbidade administrativa se o agente público sabia da ilicitude e a praticou de forma consciente. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível 1.0720.11.002028-9/001, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/09/2015, publicação da súmula em 23/09/2015) EMENTA: AÇÃO DE CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA – REEXAME NECESSÁRIO – CONHECIMENTO DE OFÍCIO – PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO, EM RAZÃO DE RECONHECIMENTO DE REPERCUSSÃO GERAL SOBRE O THEMA DECIDENDUM – DESCABIMENTO – LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – INOCORRÊNCIA – PARLAMENTAR – INDENIZAÇÃO POR DESPESAS COM ALIMENTAÇÃO; COMBUSTÍVEL; LOCAÇÃO E REPARO DE VEÍCULOS; CONTRATAÇÃO DE WEBSITE PESSOAL; E DESPESAS COM POSTAGENS E GRÁFICAS – ÔNUS PROBATÓRIO DO AUTOR MINISTERIAL – DESPESAS APROVADAS PELO SETOR DE FISCALIZAÇÃO DA CASA LEGISLATIVA – AUSÊNCIA DE PROVA DE UTILIZAÇÃO DA VERBA COM DESVIO DE FINALIDADE PÚBLICA – AUSÊNCIA DE PROVA DE DOLO OU CULPA GRAVE DO RÉU – PRÁTICA DE IMPROBIDADE AFASTADA – SENTENÇA CONFIRMADA – APELAÇÃO PREJUDICADA. 1- De acordo com jurisprudência do eg. STJ, a sentença de improcedência da ação civil pública, que visa ao ressarcimento do erário público, é passível de reexame necessário. Aplicação analógica do art. 19, da Lei 4.171/65 (ação popular) c/c o art. 475, I, do CPC. 2- O sobrestamento dos recursos ordinários manejados em segundo grau, em razão do reconhecimento de repercussão geral pelo STF, somente tem cabida quando a Corte Suprema determiná-lo expressamente. 3- A lei de improbidade e natureza da relação jurídica não determina, na ação civil pública por ato de improbidade, a formação de litisconsórcio passivo necessário de todos os agentes públicos supostamente responsáveis pelo ato indigitado ímprobo, já que, como é curial, é cabível o ajuizamento da ação civil em face de todos, ou de qualquer um dos agentes, tratando-se, na hipótese, de litisconsórcio passivo facultativo, de natureza não obrigatória, que não induz a nulidade da sentença. 3- Pedido de reconhecimento de prática de improbidade por parlamentar, em razão de suposto desvio de finalidade na aplicação de verbas indenizatórias, referentes a despesas de alimentação; combustível, l ocação e reparo de veículos; contratação de website pessoal; e gastos com postagens e gráficas. 4- Sabendo que os atos do agente público gozam da presunção de legitimidade, legalidade e, até mesmo, de probidade, o reconhecimento das práticas previstas na Lei 8.42992, e aplicação das respectivas penalidades, por serem por demais gravosas, devem se cercar da segurança proveniente de um conjunto probatório robusto a autorizar a imputação. 5- Cabe ao autor da ação civil pública o ônus da prova da prática de improbidade pelo réu. 6- A regra da incumbência probatória, ao autor que imputa ato de improbidade, é reforçada quando resta incontroverso que todas as despesas impugnadas foram aprovadas pelos órgãos competentes de fiscalização da Casa Legislativa onde exercia o réu seu mandato. 6- O reconhecimento da prática de improbidade não prescinde da demonstração da existência, na conduta do réu, do elemento anímico do dolo ou culpa grave, consistente, no caso, na obtenção de enriquecimento ilícito às custas do erário público, ou de ferir os princípios norteadores da Administração Pública. 7- Ausente, no caso específico dos autos, a prova do desvio da finalidade pública das despesas impugnadas, bem como do elemento anímico do dolo ou da culpa grave na conduta do agente, improcede o pedido vertido na presente ação de improbidade administrativa. 8- Sentença confirmada, em reexame necessário, prejudicada a apelação. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível 1.0024.11.118766-2/002, Relator(a): Des.(a) Sandra Fonseca, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/02/2015, publicação da súmula em 24/02/2015).” Nesse mesmo sentido, decisão do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “AGRAVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ELEMENTO SUBJETIVO NÃO DEMONSTRADO. IMPROCEDÊNCIA. 1. A Lei nº 8.429/92 não admite a responsabilização objetiva por atos de improbidade administrativa, sendo pressuposto para a punição do agente público a presença do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo – no caso dos art. 9º e 11 – ou, ao menos, na culpa grave – para o art. 10 da lei. Em qualquer dos casos, é absolutamente imprescindível a caracterização da má-fé do agente, não bastando a constatação da simples ilegalidade do ato, uma vez que a mens legis é justamente coibir a atuação maculada pela inobservância dos padrões de honestidade, moralidade e lealdade que se espera do agente público. 2. Hipótese em que se verifica não ter restado comprovada a materialidade do ato ímprobo. (TRF-4 – AC: 50059062120124047208 SC 5005906-21.2012.404.7208, Relator: MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Data de Julgamento: 24/04/2013, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 25/04/2013).” Destarte, para a configuração de qualquer ato de ímprobo, mostra-se obrigatória a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público, por não ser admitida a responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico brasileiro, principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei n. 8.429/92. O Colendo Superior Tribunal de Justiça tem externado, pacificamente, que improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente, sendo “indispensável para a caracterização de improbidade que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei n. 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10 (AIA n. 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28/09/2011). Portanto, não basta, em principio, apenas a culpa leve, exigindo-se a culpa grave para a caracterização do ato de improbidade administrativa. Por oportuno, cumpre salientar que para configuração da prática das condutas previstas no artigo 11 da LIA, é imprescindível a configuração de má-fé do sujeito ativo, não bastando à mera prática de irregularidade, pois, a improbidade está inserida em uma categoria de ilícito mais grave que a mera ilegalidade. Assim, a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo, e para a conduta, seja ela omissiva ou comissiva, ser enquadrada como ato ímprobo previsto no artigo 11 da Lei n. 8.429/92, exige-se que o comportamento seja não só ilegal, mas desonesto ou despido de boa-fé, evidenciando o dolo do agente, ainda que genérico, de ofender os princípios da Administração Pública. Nesse sentido, a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro: “No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar à probidade, a moralidade, a honestidade dentro da Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública (DI PIETRO, 2003, p. 689).” Corroborando este entendimento, jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. 1. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa. 2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados pela norma especial. 3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa[…] 6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido, calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito. […] 11. Recursos especiais providos. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp: 480387 SP 2002/0149825-2, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 16/03/2004, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24/05/2004 p. 163)” Portanto, as irregularidades ou mesmo ilegalidades sem prova do elemento subjetivo (dolo, má-fé ou culpa grave) não constituem ato de improbidade administrativa, pois, o administrador meramente inepto não se enquadra da figura de ímprobo. Para conclusão de que houve ato de improbidade administrativa é necessária prudência, porque sua amplitude importa em risco para o julgador, induzindo-o a tachar de ímprobas condutas meramente irregulares. Exatamente em razão disto que o elemento subjetivo, ou seja, a existência de dolo ou má-fé com a finalidade de atingir fim ilícito é requisito para o enquadramento fático previsto na tipificação legal. Importante enfatizar que quando o agente descumpre, por exemplo, regra positiva sem o “ânimo de agir” contra os princípios inerentes à Administração Pública ou sem “má-fé”, estará cometendo um ato irregular, passível de correção. Neste caso, independentemente do agir em sentido contrário à regra estatuída, não se configura o ânimo de realizar a ação antijurídica, deixando de comportar o ato ímprobo. Para que se configure a improbidade, é necessário que a infração produza efeitos danosos sérios e relevantes. Se a infração não prejudicar, de modo consistente, interesses, bens ou direitos da Administração, não restará configurada a improbidade. A interpretação da Lei n. 8.429/92 deve ser feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tanto na tipificação das condutas quanto na aplicação das sanções. Ademais, as condutas ímprobas devem ser analisadas com bom senso, de modo a verificar se o administrador agiu com alguma desonestidade ou má-fé, pois não é a simples ilegalidade ou irregularidade formal que irá tipificar o ato de improbidade administrativa. Assim, o ato de improbidade administrativa estará presente, quando na ação ou na omissão, estiver presente a desonestidade e a falta de lealdade. Pensar e decidir de forma diversa poderia ocasionar insegurança aos agentes públicos, inibindo-os de atuar quando estritamente necessário em razão das graves sanções que poderiam advir devido a simples deslizes.
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Controle da administração pública
O presente artigo tem como objetivo discorrer brevemente sobre o controle da administração pública, seu conceito e classificações. O controle da administração pública é de grande importância no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como objetivo sustentar a sua atuação em conformidade com os Princípios Constitucionais e com normas encontradas nos atos normativos.
Direito Administrativo
1. CONCEITO DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Para iniciar o entendimento de o que é o controle da administração pública, cabe se utilizar do conceito da palavra controle, em tema de administração pública, utilizado pelo Professor Hely Lopes Meirelles, dizendo que controle “é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”. Já se utilizando deste conceito, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo conceituam o controle da administração pública dizendo que esta é tanto o poder como o dever, que a própria Administração (ou outro Poder) tem de vigiar, orientar e corrigir, diretamente ou por meio de órgãos especializados, a sua atuação administrativa. É o controle que o Poder Executivo – e os outros órgãos administrativos dos demais Poderes – tem sobre suas próprias atividades, tendo como intenção a legitimidade de seus atos, mantê-los dentro da lei, a defesa dos direitos dos administrados e a conduta adequada de seus agentes. Assim, chega-se ao conceito mais simples de Fernanda Marinela, que explana o controle da administração como “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos para a fiscalização e revisão de toda atividade administrativa”. Cabe ressaltar que o controle da administração é exercitável em todos e por todos os Poderes do Estado, devendo-se estender à toda atividade administrativa e todos seus agentes. Qualquer atuação administrativa estará condicionada aos princípios expressos no artigo 37 da Constituição Federal. Porém, não há um capítulo ou título específico, nem um diploma único que discipline o controle da administração. Por outro lado, a existência de diversos atos normativos colaboram com regras, modalidades, instrumentos, órgãos, etc. para a organização desse controle. Portanto, este controle é extremamente necessário para se garantir que a administração pública mantenha suas atividades sempre em conformidade com os referidos princípios encontrados na Constituição e com as regras expressas nos atos normativos – tornando legítimos seus atos – e afastá-los da nulidade. 2. CLASSIFICAÇÃO DAS FORMAS DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Existem diversos tipos e formas de controlar a administração pública. Estes variam conforme o Poder, órgão ou autoridade que o exercitará, ou também pelo sua fundamentação, modo e momento de sua efetivação. A classificação das formas de controle se dará, portanto, conforme: sua origem; o momento do exercício; ao aspecto controlado; à amplitude. 2.1. Conforme a origem 2.1.1. Controle interno O controle interno é aquele que é exercido pela entidade ou órgão que é o responsável pela atividade controlada, no âmbito de sua própria estrutura. O controle  que as chefias exercem nos atos de seus subordinados dentro de um órgão público é considerado um controle interno. Segundo Marinela, todo superior hierárquico poderá exercer controle administrativo nos atos de seus subalternos, sendo, por isso, responsável por todos os atos praticados em seu setor por servidores sob seu comando. Sempre será interno o controle exercido no Legislativo ou no Judiciário por seus órgãos de administração, sobre seus servidores e os atos administrativos praticados por estes. A Constituição Federal, em seu artigo 74, determina que deverá ser mantido pelos Poderes sistemas de controle interno, estabelecendo alguns itens mínimos que este controle deverá ter como objeto, conforme exposto abaixo: “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.” Em seu parágrafo primeiro, fica estabelecido que “Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária”. Ou seja, se torna obrigatório a denúncia de qualquer irregularidade encontrada para o TCU. 2.1.2. Controle externo O controle externo ocorre quando outro Poder exerce controle sobre os atos administrativos praticados por outro Poder. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “é o que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato controlado”. Este mesmo autor utiliza como exemplo a apreciação das contas do Executivo e do Judiciário pelo Legislativo; a auditoria do Tribunal de Contas sobre a efetivação de determinada despesa do Executivo; a anulação de um ato do Executivo por decisão do Judiciário; a sustação de ato normativo do Executivo pelo Legislativo. 2.1.3. Controle externo popular Já que a administração sempre atua visando o interesse público, é necessário a existência de mecanismos que possibilitem a verificação da regularidade da atuação da administração por parte dos administrados, impedindo a prática de atos ilegítimos, lesivos tanto ao indivíduo como à coletividade, e que também seja possível a reparação de danos caso estes atos de fato se consumem. O exemplo mais comum de controle externo popular é o previsto no artigo 31, §3º, da Constituição Federal, que determina que as contas dos Municípios fiquem, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte para o exame e apreciação, podendo questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei. Não existindo lei específica sobre o assunto, o controle poderá ser feito através dos meios processuais comuns, como, por exemplo, o mandado de segurança e a ação popular. 2.2. Conforme o momento do exercício 2.2.1. Controle prévio ou preventivo (a priori) Se chama prévio o controle exercido antes do início ou da conclusão  do ato, sendo um requisito para sua eficácia e validade. É exemplo de controle prévio quando o Senado Federal autoriza a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios a contrair empréstimos externos. Outro exemplo apresentado por Hely Lopes Meirelles é o da liquidação da despesa para oportuno pagamento. 2.2.2. Controle concomitante É o controle exercido durante o ato, acompanhando a sua realização, com o intento de verificar a regularidade de sua formação. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo expõem como exemplos do controle concomitante a fiscalização da execução de um contrato administrativo e a realização de uma auditoria durante a execução do orçamento, entre outros. 2.2.3. Controle subsequente ou corretivo (a posteriori) Considera-se subsequente ou corretivo, o controle exercido após a conclusão do ato, tendo como intenção, segundo Fernanda Marinela, “corrigir eventuais defeitos, declarar sua nulidade ou dar-lhe eficácia, a exemplo da homologação na licitação”. Alexandrino e Paulo ainda constatam que o controle judicial dos atos administrativos, por via de regra é um controle subsequente. 2.3. Quanto ao aspecto controlado 2.3.1. Controle de legalidade ou legitimidade É este tipo de controle que verifica se o ato foi praticado em conformidade com a lei; nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “é o que objetiva verificar unicamente a conformação do ato ou do procedimento administrativo com as normas legais que o regem”. O controle de legalidade e legitimidade não só verifica apenas a compatibilidade entre o ato e o disposto na norma legal positivada, mas também deverá ser apreciado os aspectos relativos à observância obrigatória da dos princípios administrativos. Poderá ser exercido tanto pela própria administração que praticou o ato (que configurará um controle interno de legalidade) quanto pelo Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional, ou pelo Poder Legislativo em casos previstos na Constituição. Nas palavras de Alexandrino e Paulo, “como resultado do exercício do controle de legalidade pode ser declarada a existência de vício no ato que implique a declaração de sua nulidade”. O ato será declarado nulo nos casos em que existir ilegalidade neste, e poderá ser feita pela própria Administração, ou pelo Poder Judiciário. A anulação terá efeito retroativo, desfazendo as relações resultantes dele. Com a edição da Lei nº 9.784/99, além de um ato poder ser válido ou nulo, passou a ser admitida a convalidação do ato administrativo defeituoso, quando este não acarretar lesão ao interesse público ou a terceiros. 2.3.2. Controle de mérito O controle de mérito tem como objetivo a verificação da eficiência, da oportunidade, da conveniência e do resultado do ato controlado. Conforme Hely Lopes Meirelles, “a eficiência é comprovada em face do desenvolvimento da atividade programada pela Administração e da produtividade de seus servidores”. Ele normalmente é de competência do próprio Poder que editou o ato. Todavia, existem casos expressos na Constituição em que o Poder Legislativo deverá exercer controle de mérito sobre atos que o Poder Executivo praticou, caso este previsto no artigo 49, inciso X: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: (…) X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;” Segundo grande parte da doutrina, não cabe ao Poder Judiciário exercer esta revisão, para não violar o princípio de separação dos poderes. Quando o Poder Judiciário exerce controle sobre atos do Executivo, o controle será sempre de legalidade ou legitimidade. Entretanto, pelo fortalecimento dos princípios fundamentais da administração como o da moralidade e eficiência, e os princípios constitucionais implícitos da razoabilidade e da proporcionalidade, existe atualmente, nas palavras de Alexandrino e Paulo, “uma nítida tendência à atenuação dessa vedação ao exercício, pelo Poder Judiciário, do controle de determinados aspectos de alguns atos administrativos, que costumavam ser encobertos pelo conceito vago de ‘mérito administrativo’”. Portanto, hoje em dia o Poder Judiciário pode invalidar um ato administrativo de aplicação de uma penalidade disciplinar, por considerar a sanção desproporcional ao motivo que a causou, por exemplo. Quando o Judiciário se utiliza do controle de mérito, ele está declarando ilegal um ato que estará ferindo os princípios jurídicos básicos, como no exemplo acima, o da razoabilidade. Cabe também lembrar que o Judiciário não poderá revogar o ato administrativo, e sim apenas anulá-lo. 2.4. Quanto à amplitude 2.4.1. Controle hierárquico O controle hierárquico, segundo Hely Lopes Meirelles, é aquele “que resulta automaticamente do escalonamento vertical dos órgãos do Executivo, em que os inferiores estão subordinados aos superiores”. O controle é hierárquico sempre que os órgãos superiores (dentro de uma mesma estrutura hierárquica) têm competência para controlar e fiscalizar os atos praticados por seus subordinados. Esta forma de controle é sempre um controle interno, típico do Poder Executivo, mas que também existe nos demais poderes. Nas palavras do professor Gustavo Mello,  “existe controle hierárquico em todos os poderes, quanto às funções administrativas, de acordo com a escala hierárquica ali existente, mas não há nenhum controle hierárquico entre Poderes distintos, vez que os três Poderes são independentes entre si”. Um exemplo de controle hierárquico é o diretor de uma secretaria controlando o ato de seu serventuário. O controle hierárquico é irrestrito e não depende de alguma norma específica que o estabeleça ou o autorize. Graças a este controle que se pode verificar os aspectos relativos à legalidade e ao mérito de todos atos praticados pelos agentes ou órgãos subordinados a determinado agente ou órgão. 2.4.2. Controle finalístico É o controle que é exercido pela Administração Direta sobre as pessoas jurídicas integrantes da Administração Indireta. É um controle que depende de lei que o estabeleça, determine os meios de controle, as autoridades responsáveis pela sua realização, bem como as suas finalidades. Em casos excepcionais (casos de descalabro administrativo), poderá a Administração Direta controlar a indireta independentemente de regulamentação legal. É a chamada tutela extraordinária. Ele não se submete a hierarquia, visto que não há subordinação entre a entidade controlada e a autoridade ou o órgão controlador. Segundo Hely Lopes Meirelles, “é um controle teleológico, de verificação do enquadramento da instituição no programa geral no Governo e de seu acompanhamento dos atos de seus dirigentes no desempenho de suas funções estatuárias, para o atingimento das finalidades da entidade controlada”. 3. CONTROLE JUDICIAL DA ADMINSTRAÇÃO PÚBLICA O controle judiciário ou judicial é o exercido pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos exercidos pelo Poder Executivo, Legislativo e  do próprio Judiciário – quando este realiza atividade administrativa. De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, graças a adoção do sistema da jurisdição una, fundamentado no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, no direito brasileiro, o Poder Judiciário deverá apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito, mesmo que o autor da lesão seja o poder público. Este tipo de controle é exercido, por via de regra, posteriormente. Ele tem como intuito unicamente a verificação da legalidade do ato, verificando a conformidade deste com a norma legal que o rege. Conforme Alexandrino e Paulo, os atos administrativos podem ser anulados mediante o exercício do controle judicial, mas nunca revogados. A anulação ocorrerá nos casos em que a ilegalidade for constatada no ato administrativo, podendo a anulação ser feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário, e terá efeitos retroativos, desfazendo as relação resultantes do ato. Entretanto, de acordo com os mesmos autores, a regra de o ato nulo não gerar efeitos “há que ser excepcionada para com os terceiros de boa-fé que tenham sido atingidos pelos efeitos do ato anulado. Em relação a esses, em face da presunção de legitimidade que norteia toda a atividade administrativa, devem ser preservados os efeitos já produzidos na vigência do ato posteriormente anulado”. No que concerne aos limites do controle do Poder Judiciário, este não deverá invadir os aspectos que são reservados à apreciação subjetiva da Administração Pública, conhecidos como o mérito (oportunidade e conveniência). Neste ponto, a doutrina se divide ao analisar qual é o limite que a apreciação judicial poderá chegar: Alexandrino e Paulo consideram que “o Judiciário não pode invalidar, devido ao acima explicado, a escolha pelo administrador (resultado de sua valoração de oportunidade e conveniência administrativas) dos elementos motivo e objeto desses atos, que formam o chamado mérito administrativo, desde que feita, essa escolha, dentro dos limites da lei”, já Di Pietro considera que “não há invasão de mérito quando o Judiciário aprecia os motivos, ou seja, os fatos que precedem a elaboração; a ausência ou falsidade do motivo caracteriza ilegalidade, suscetível de invalidação pelo Poder Judiciário”. O Poder Judiciário sempre poderá, portanto, anular atos administrativos, vinculados ou discricionários, desde que provocado, que apresentem vícios de ilegalidade ou ilegitimidade. Existem diversos meios de controle dos atos da Administração, sendo alguns acessíveis a todos os administrados, e outros restritos a legitimados específicos. Estes meios serão expostos a seguir. 3.1. Meios de controle judiciário De acordo com Hely Lopes Meirelles, os meios de controle judiciário “são as vias processuais de procedimento ordinário, sumaríssimo ou especial de que dispõe o titular do direito lesado ou ameaçado de lesão para obter a anulação do ilegal em ação contra a Administração Pública”. 3.1.1. Habeas corpus O habeas corpus tem como objetivo proteger o direito de locomoção. Gustavo Mello ensina que este “será concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. Este instrumento poderá ser impetrado por qualquer pessoa (não necessita de advogado) quando seu direito de ir, vir e ficar for prejudicado por alguém, tanto uma autoridade pública quanto um particular estranho à Administração. Ele é gratuito, conforme disposto no artigo 5º, inciso LXXVII e se encontra previsto no inciso LXVIII deste mesmo artigo: “LXVIII – conceder-se-á “habeas-corpus” sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;” 3.1.2. Habeas data O habeas data é o instrumento constitucional que será concedido para assegurar à pessoa física ou jurídica o conhecimento de informações contidas em registros concernentes ao postulante e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, ou para retificação de dados pessoais. A Lei nº 9.507/97, acrescentou mais uma hipótese em seu artigo 7º, inciso III, garantindo também “para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável”. Deve-se lembrar que esse remédio constitucional tem como objetivo garantir que a pessoa tenha conhecimento de quais informações sobre sua própria pessoa constam de algum banco de dados, bem como para retificá-las, caso tenha interesse. O habeas data não serve para garantir o direito de obter uma informação qualquer, mesmo sendo de seu interesse particular, mas que não se refira à sua vida pessoal. O habeas data será cabível, conforme o STJ consagrou em sua Súmula nº 2, após a recusa por parte da autoridade administrativa em fornecer a informação indesejada. 3.1.3. Mandado de segurança individual O mandado de segurança  é o meio constitucional que será concedido sempre para proteger um direito líquido e certo, que não seja amparado por habeas corpus e habeas data, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Segundo Hely Lopes Meirelles, “Destina-se a coibir atos ilegais de autoridade que lesam direito subjetivo, liquido e certo, do impetrante”. O prazo para impetrar o mandado de segurança é de 120 dias contados após o conhecimento do ato a ser impugnado. É um prazo decadencial, onde não se admite interrupção nem suspensão. Este meio constitucional não será cabível nas hipóteses de: direitos amparados pelo habeas corpus e habeas data;  para corrigir lesão decorrente de lei em tese (conforme preceitua a Súmula nº 266 do STF); ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independente de caução; decisão judicial que caiba recurso com efeito suspensivo; e de decisão judicial transitada em julgado. Esse remédio constitucional admite a suspensão liminar do ato, e a ordem, quando concedida, tem efeito mandamental e imediato, não podendo ser impedida sua execução por nenhum recurso comum, exceto pelo Presidente do Tribunal competente para apreciar a decisão inferior. 3.1.4. Mandado de segurança coletivo Esse tipo de mandado de segurança surgiu com a Constituição Federal de 88, em seu artigo 5º, inciso LXX, que determina: “LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;” De acordo com Gustavo Mello, “cabe ressaltar que as entidades relacionadas na alínea b só podem defender os interesses de seus ‘membros ou associados’, enquanto os partidos políticos defendem os interesses da população.” 3.1.5. Ação popular A ação popular é um instrumento de defesa dos interesses da coletividade. Ela é utilizável por qualquer de seus membros, exercendo seus direitos cívicos e políticos. Não tem como intenção proteger direito próprio do autor, mas sim interesses de toda a comunidade. Ela poderá ser utilizada de forma preventiva ou de forma repressiva contra a atividade administrativa lesiva do patrimônio público. Ela poderá ser proposta por qualquer cidadão, ou seja, o brasileiro nato ou naturalizado, que está no gozo de seus direitos políticos, apto a votar e ser votado. Caso derrotado na ação, o autor não será obrigado a pagar custas judiciais ou indenizar a parte contraria, visto que a ação visa proteger um interesse público, e não o seu interesse individual, salvo se o autor houver movido a ação de má-fé. A ação popular se encontra prevista no artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal: “LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”; Em caso de desistência da ação por parte do autor, como esta se trata de um interesse público, poderá haver o prosseguimento da ação pelo Ministério Público ou por outro cidadão. 3.1.6. Ação civil pública Nas palavras de Alexandrino e Paulo “a ação civil pública visa reprimir ou impedir lesão a interesses difusos e coletivos, como os relacionados à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, do consumidor, etc.”. Ela nunca deverá ser proposta para defesa de direitos individuais, e não se destina a reparar prejuízos causados a particulares pela conduta comissiva ou omissiva do réu. O doutrinador Gustavo Mello considera que essa ação “não é especificamente uma forma de controle da Administração, vez que tem como sujeito passivo qualquer pessoa, pública ou privada, que cause o referido dano; eventualmente, essa pessoa poderá ser da Administração Pública”.
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Alterações trazidas pela Lei 13.190/2015 na regulamentação do RDC e o contratobuilt to suit
Neste artigo teremos uma visão global sobre o que seja o procedimento de licitação, passando para uma análise mais específica da Lei 12.462/2011 – a Lei que tratado do Regime Diferenciado de Contratação (RDC). O objetivo principal deste trabalho é abordar as alterações sofridas pela Lei do RDC, principalmente as ultimas trazidas pela Lei 13.190/2015. Dentre as alterações apresentadas iremos explorar com maior intensidade a previsão de um novo tipo de contrato administrativo, qual seja o contrato de locação de bem móvel ou imóvel sob medida, também chamado pela doutrina de Built to Sui.
Direito Administrativo
1 Introdução Neste artigo teremos uma visão global sobre o que seja o procedimento de licitação e sua importância para a preservação de princípios administrativos, como por exemplo, a isonomia, a competitividade e a proteção do interesse público. Em seguida, passaremos para uma análise mais específica da Lei 12.462/2011, a Lei que tratado do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), seus contornos, sua origem e as alterações promovidas nos últimos anos. O objetivo principal deste trabalho é abordar as alterações sofridas pela Lei do RDC, principalmente as ultimas trazidas pela Lei 13.190/2015. Dentre as alterações apresentadas iremos explorar com maior intensidade a previsão de um novo tipo de contrato administrativo, qual seja o contrato de locação de bem móvel ou imóvel sob medida, também chamado pela doutrina de Built to Sui. Sendo este um novo tipo de contrato que poderá promover a tão necessária celeridade na execução das políticas públicas dos entes públicos, bem como poderá promover o enxugamento dos gastos públicos. 2 Desenvolvimento 2.1 O que é licitação?  A administração pública, para manter sua estrutura e para desenvolver suas obrigações no planejamento e execução de políticas públicas, precisa contratar. Ocorre que, diferente do que acontece entre os particulares, a administração pública não é livre para efetivar seus contratos. A própria Constituição Federal de 1988 estabelece a obrigação de sempre licitar, quando trata da prestação dos serviços públicos – art. 175. Para melhor compreender o tema em estudo, partiremos do entendimento do conceito de licitação. Nas palavras de Ronny Charles Lopes de Torres, a licitação é um procedimento prévio ao contrato. “A licitação é um procedimento prévio de seleção por meio do qual a Administração, mediante critérios previamente estabelecidos, isonômicos, abertos ao público e fomentadores da competitividade, busca escolher a melhor alternativa para a celebração de um contrato.” (Licitações Públicas, Lei 8.666/1993. p. 17) Na doutrina de José Carvalho dos Santos Filho, a licitação pode ser conceituada como: “O procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela contratados, selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico.” (Manual de Direito Administrativo. p. 234) A licitação tem como objetivo efetivar o princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Esse escopo é alcançado através da observância de regras de controle que devem ser respeitadas pelo gestor. (TORRES, Ronny Charles. Licitações Públicas, Lei 8.666/1993. p. 17) O procedimento licitatório visa à obtenção da proposta mais vantajosa para a administração pública. Assim, evita que os governantes contratem empresas apenas por questões de afinidade, coleguismo ou parentesco. Para tanto, a licitação é organizada como um procedimento objetivo, valorizando a publicidade dos atos, a igualdade entre os licitantes, o sigilo na apresentação das propostas, a vinculação ao instrumento convocatório, o julgamento objetivo e a competitividade. (ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo Descomplicado. p. 185-195) A constituição Federal, em seu art. 22, XXVII, estabelece que a competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos é da União. Além disso, os demais entes federados podem legislar sobre normas específicas tratando de licitações e contratos. A lei federal de trata de maneira mais geral sobre o tema licitação é a Lei 8.666/1993. Ocorre que, com a edição da referida lei a União não esgotou sua competência legislativa para tratar de normas gerais sobre licitações e contratos. Outras leis do mesmo patamar foram editadas pela união, como a Lei 8.987/1995 (que trata de concessões públicas), a Lei 10.520/2002 (que tratada modalidade pregão) e a Lei 12.462/2011 (quecria o Regime Diferenciado de Contratação – RDC). 2.2 Regime Diferenciado de Contratação O Regime Diferenciado de Contratação foi criado pela Lei 12.462/2011 com o objetivo de conceder celeridade e eficiência para a licitação e a contratação de algumas obras e serviços específicos, estabelecidos na lei. “Recentemente, foi aprovado o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) pela Lei 12.462/2011, que apresenta diversas inovações para as licitações e contratospertinentes. Importante frisar que o RDC foi concebido para atender a anseios pelo aperfeiçoamento do atual regime licitatório, agregando ferramentas que permitam maior agilidade e eficiência na formação do procedimento de seleção e de contratação pública.” (TORRES, Ronny Charles. Licitações Públicas, Lei 8.666/1993. p. 17) De início, os objetos do RDC eram poucos e relacionados a alguns eventos específicos, sendo eles: os Jogos Olímpicos e Paraolimpíadas de 2016, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo Fifa 2014, bem como as obras de infraestrutura e de contratação de serviços para aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km das cidades sedes dos eventos citados. Esta forma de licitar e contratar agradou os administradores públicos, de modo que após a sua edição a lei 12.462/2011 foi alterada diversas vezes para incluir novos objetos e aperfeiçoar o procedimento. Só no ano de 2012 foram incluídos três novos objetos na lei do RDC. A lei 12.688/2012 incluiu as ações integrantes do Programa de aceleração do Crescimento (PAC), a lei 12.722/2012 incluiu as licitações e contratos para obras e serviços de engenharia no âmbito do sistema público de ensino, e por fim, a lei 12.745/2012 trouxe as licitações e contratos para obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. No ano de 2013 a lei 12. 815/2013 estabeleceu que as contratações das obras e serviços no âmbito do Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária II poderão ser feitas por meio de licitações internacionais e utilizar o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. 2.3 Alterações promovidas no RDC pela lei 13.190/2015 Em 2015 foi editada a Lei 13.190/2015, a qual insere no regime do RDC cinco novos objetos, quais sejam as obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo; ações no âmbito da segurança pública; as obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística; os contratos de locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração; e as obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de pesquisa, ciência e tecnologia. Outra alteração trazida pela lei 13.190/2015 é a inclusão do art. 44-A, o qual estabelece que nos contratos regidos por esta, poderá ser admitido o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesae a mediação, para dirimir conflitos decorrentes da sua execução ou a ela relacionados. Na administração pública já é possível a resolução de conflitos por meio de mecanismos privados. Trazer esta importante possibilidade para o texto da lei do RDC é apenas um reforço e um estímulo a essa tendência de solução de conflitos, que já é realidade no poder público, estando inclusive de acordo com as ideias do novo Código de Processo Civil. 2.4 O contrato Built to suit Dentre as alterações promovidas pela Lei 13.190/2015 na Lei do RDC, abordaremos de maneira específica uma delas, qual seja o contrato de locação sob medida, também conhecido doutrinariamente como Built to Suit. O contrato de locação sob medida é uma verdadeira novidade no âmbito da administração pública, surgindo nessa seara como uma nova espécie de contrato. Entretanto, não podemos dizer que se trata de uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista a existência da previsão do referido contrato na Lei do Inquilinato, para tratativas entre particulares. O art. 54-A da Lei nº 8.245/91 é o dispositivo que especifica o tema: “Art. 54-A. Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.” Já na Lei 12.462/2011º novo artigo inserido que trata sobre o contrato sob medida é o art. 47-A: “Art. 47-A.A administração pública poderá firmar contratos de locação de bens móveis e imóveis, nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração.(Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015) § 1oA contratação referida no caputsujeita-se à mesma disciplina de dispensa e inexigibilidade de licitação aplicável às locações comuns.(Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015) § 2oA contratação referida no caput poderá prever a reversão dos bens à administração pública ao final da locação, desde que estabelecida no contrato.(Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015) § 3oO valor da locação a que se refere o caput não poderá exceder, ao mês, 1% (um por cento) do valor do bem locado.” Dessa forma, percebe-se que o Built to Suit pode está relacionado aos contratos de locação de bens móveis ou imóveis, sendo que o locador deve realizar a prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado. O referido contrato estará sujeito a disciplina de dispensa e inexigibilidade de licitação aplicável às locações comuns, bem como poderá prever a reversão dos bens à administração pública ao final da locação, devendo todos os termos estar estabelecidos no contrato.  Por fim, a lei faz uma importante observação de que o valor da locação não poderá exceder, ao mês, 1% (um por cento) do valor do bem locado. Esta é uma importante forma de controlar o valor das locações e evitar superfaturamentos e distorções no contrato. Assim, dentre tantas alterações, salientamos que a Lei 13.190/2015 traz essa nova e importante modalidade de contrato administrativo.  3 Conclusão As normas sobre os procedimentos de licitações e contratos da administração pública vêm sempre passando por mudanças e aperfeiçoamentos, a fim de promover maior celeridade e eficiência nas tratativas, sem olvidar das regras que mantêm a lisura dos mesmos. Em especial, a Lei do regime Diferenciado de Contratação passou por várias alterações nos últimos anos. Como dito, tudo com foco na celeridade e eficiência para a licitação e contratação das obras e serviços especificados na referida lei. Tomamos como destaque, dentre as alterações promovidas pela Lei 13.190/2015, a especificação de um novo tipo de contrato administrativo, que é o Built to Suit (contrato de locação sob medida). Certamente, este é um tipo de contrato que poderá promover a tão necessária celeridade na execução das políticas públicas dos entes públicos, bem como poderá promover o enxugamento dos gastos públicos. Tudo isso, claro, se tivermos a gestão pública nas mãos de pessoas que zelem pela moralidade do serviço público e de suas funções.
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Organização e gestão das instituições de segurança pública: autonomia gerencial e financeira à polícia judiciária civil
O presente artigo tem por escopo apresentar as principais dificuldades enfrentadas pela Polícia Judiciária Civil na consecução de suas atribuições devido à falta de autonomia financeira e administrativa, assim como viabilizar uma análise crítica dos problemas correlacionados a este fator. Foi realizado um estudo das legislações aplicáveis às Polícias Judiciárias de 06 (seis) unidades federativas, no que tange à sua autonomia financeiro-administrativa. Buscou-se propor duas sugestões de mudança na formatação administrativa e as prováveis ações capazes de aperfeiçoar o serviço prestado à população, assim como foram expostas duas boas-práticas na Administração Pública em que o aumento da autonomia conduziu a uma melhora e o aprimoramento do processo de eficiência gestacional.
Direito Administrativo
1 – INTRODUÇÃO Passados mais 25 anos da promulgação da Carta Magna ainda discute-se os mesmos temas, como se andássemos em círculos. O aumento da criminalidade não é um fenômeno explicável apenas pelas falhas nas instituições de segurança pública, pois antes de tudo é multifacetado, possuindo em seu âmago diversos fatores influenciadores, sendo demasiado simplista associá-lo tão somente a esse fator. No entanto, as instituições de segurança pública precisam assumir parcela de sua responsabilidade, seja limitando-a ao seu verdadeiro métier, seja modificando o que se faz necessário, sob pena de pessoas e instituições que não conhecem as minúcias do trabalho policial acabar forçando um modelo totalmente inadequado que um pouco mais a frente tornar-se-á obsoleto. Diante de tantos acontecimentos no âmbito da segurança pública do país, sobretudo o aumento vertiginoso da criminalidade, assim como a crescente sensação de insegurança e notícias de sucateamento das instituições de segurança pública em várias unidades federativas, não há como negar que alguma mudança se faz necessária. O grande desafio, no entanto, é compreender o exato alcance dessas mudanças, pois em uma sociedade democrática como a brasileira, diversas ideias surgem de também diversos setores, cada um defendendo seus interesses e pontos de vistas respectivos. Os agentes de segurança pública, nomeadamente os policiais, como todos, estão inseridos no organismo social e sofrem as pressões de nossa sociedade imediatista, sempre à procura por resultados eficientes e eficazes a curto prazo contra problemas historicamente complexos. Nesse contexto, encontra-se o problema da falta de autonomia administrativa e financeira das Polícias Judiciárias Civis, órgãos com tratamento constitucional responsáveis pela apuração das infrações penais (exceto as militares e de competência da União), assim, de indelével importância para a pacificação social. Há muito se procura dar mais eficiência ao serviço policial, e diversos fatores podem influenciar em um resultado positivo, entretanto, um fator preponderante, sem dúvida, perpassa pela falta de estrutura física, de pessoal, além do entrave burocrático enfrentado pelos órgãos da Polícia Judiciária Estadual, fator este diretamente relacionado com a impossibilidade de, verdadeiramente, este órgão ser gerido administrativa e financeiramente por gestores que conhecem as idiossincrasias diárias enfrentadas no serviço policial. Assim, dentre as tantas dificuldades que permeiam a Segurança Pública, no que concerne ao âmbito da Polícia Judiciária Civil, nota-se que a falta de liberdade para se autogerenciar financeira e administrativamente impede muitos avanços. A principal questão a ser discutida é se a ingerência por parte de setores do Poder Executivo Estadual, inserido as Secretarias de Segurança Pública, burocratizam tomada de decisões simples que poderiam otimizar o serviço fornecido à população. Para tanto, após pesquisa das origens históricas no contexto brasileiro e do tratamento legal dado à polícia nesse período, verificou-se a estrutura administrativa e a autonomia das Polícias Judiciárias nas unidades federativas, salientando as principais dificuldades existentes, pretende-se responder a respectiva questão. Assim, como não poderia deixar de ser, este trabalho propõe sugestões de aperfeiçoamento gerencial às Polícias Judiciárias Civis. Para isso, com base em pesquisas bibliográficas, bem como na análise de órgãos que passaram a ter uma maior autonomia e, por conseguinte, uma melhoria significativa na prestação de seus serviços, são apresentadas duas sugestões para o alcance da almejada eficiência, princípio constitucionalmente previsto. O desígnio maior deste trabalho é associar o estudo teórico à prática, pois há necessidade premente de mudança e aprimoramento do serviço policial. Acredita-se que nenhum estudo acadêmico tem razão de ser senão a transformação efetiva do que se julga equivocado e carente de melhoria. O Brasil é o quinto maior pais do mundo em extensão territorial,[1] motivo pelo qual, naturalmente, é dotado de muitas diferenças regionais, o que torna o estudo científico de determinada matéria bastante dificultoso. Assim, o presente trabalho não tem pretensão em esgotar o tema aqui proposto, até mesmo pela complexidade que lhe é inerente e as limitações de pesquisa. Desse modo, selecionou-se seis unidades federativas para terem sua legislação objeto de estudo. No entanto, tal seleção não ocorreu ao mero acaso, mas sim em razão da expressividade da população de suas capitais, pois os estados que possuem as cinco maiores capitais em número de habitantes (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília – DF e Fortaleza) e ainda o Estado do Amapá, tiveram suas legislações, no que refere ao tratamento às suas Polícias Judiciárias, comparadas. Por fim, buscou-se casos recentes de outorga de maior liberdade gerencial aos gestores públicos locais, evidenciado suas características e resultados, inclusive com entrevista com uma profissional participante deste processo (ANEXO I). 2 – ORIGEM HISTÓRICA DA POLÍCIA Para que se compreenda o presente é necessário entender o passado, desse modo, é salutar que se abarque o processo histórico de formatação do atual modelo policial existente, perpassando por todo o contexto histórico brasileiro, principalmente, assim como pequenas notas para que se tenha uma visão geral do histórico mundial sobre a instituição policial. 2.1 – Origem Histórica – Contexto mundial No contexto mundial a origem da polícia se confunde com a própria existência do Estado organizado, vez que em qualquer sociedade com o mínimo de coordenação se faz necessário alguns mecanismos para se assegurar seja o status quo, seja para manter o que foi legal e legitimamente definido como regra geral a ser obedecida por todos os cidadãos. Em síntese elaborada, o Gilberto Gasparetto assevera que: “A palavra "polícia" tem origem no termo grego polites, de onde vêm também as palavras "política" e "polidez". Na Grécia Antiga, a pólis era a cidade-Estado e as mais poderosas e famosas eram Esparta, Atenas, Corinto e Tebas. Os gregos chamavam de polites o cidadão que participava das tarefas administrativas, políticas e militares da pólis. A história da polícia como a conhecemos hoje é, no entanto, relativamente recente, não remontando além do século 17, quando o rei francês Luís 14 cria a figura do tenente-general de polícia em Paris, no ano de 1665. Porém, é a Inglaterra, na primeira metade do século 19, que estabelece o modelo das polícias modernas, quando o duque de Wellington força o governo a criar um órgão de força interna para evitar a utilização do Exército na repressão das revoltas sociais. Desde então, a polícia tornou-se parte do Estado-nação moderno, voltada para manter a ordem interna dos países que a constituíram. A polícia, assim, é hoje uma instituição fundamental para manter a incolumidade das pessoas, do patrimônio e da ordem pública na sociedade moderna.” [2] Já a eminente professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, nos ensina que durante a Idade Média, mais precisamente no período feudal, o príncipe era detentor de um poder conhecido como jus politiae e que designava tudo que considerava conveniente para a boa ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa, própria de autoridades eclesiásticas.[3] Em um período no século XV, o jus politiae vai designar, na Alemanha, toda a atividade do Estado, com poderes amplos em relação ao que dispunha o príncipe, pois tinha ingerência na vida privada dos cidadãos, nela compreendida a vida religiosa e espiritual, a pretexto de alcançar a segurança e o bem estar coletivo. Em um momento posterior esse direito de polícia foi se enfraquecendo, sofrendo restrições religiosas, militares e financeiras, até a limitar-se apenas às normas relativas à atividade interna da Administração.[4] Finalizando seu pensamento, a renomada professora assevera que “Com o Estado de Direito, inaugura-se nova fase em que já não se aceita a ideia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Um dos princípios básicos do Estado de Direito é precisamente a legalidade […]” [5] 2.2 – Origem Histórica da Polícia no Brasil Inexoravelmente, a polícia brasileira tem seu marco inicial a partir da chegada dos portugueses em solo brasileiro, quando do início do processo de colonização, perpassando pela dominação dos colonizadores tanto sobre os índios quanto sobre os escravos trazidos do continente africano, assim, impossível dissociar a origem das instituições policiais da herança autoritária, escravocrata e clientelista, pois se confunde com a própria história brasileira. [6] De acordo com parte dos pesquisadores, lastreado também em documentos existentes no Museu Nacional do Rio de Janeiro, a instituição policial brasileira data de 1530, coincidindo com a chegada de Martin Afonso de Souza, 1º Governador Geral da Colônia, no início do século XVI. [7] De acordo com o período histórico e modelo político então vigente, se consegue apontar as características da instituição policial brasileira. No período imperial destaca-se com marco importante a criação da Guarda Real de Polícia, que guarda significativo vínculo com as Polícias Militares do Brasil. Esta instituição foi criada em 1809 e organizada militarmente, tinha como função a manutenção da ordem, subordinada à Intendência-Geral de Polícia da Corte. A Guarda Real não tinha orçamento próprio e se mantinha de taxas públicas, empréstimos privados e subvenções de comerciantes locais. Suas técnicas baseavam-se primordialmente na violência e truculência, conforme assevera HOLLOWAY. [8] Em pouco tempo, devido à sua ineficácia de conter as crises da época, a Guarda Real foi extinta, sendo seus oficiais redistribuídos no Exército e seus praças dispensados. Entretanto, em seu lugar aparece o Corpo de Guardas Municipais Permanente. Em 1866 o Corpo ganhou nome de Corpo Militar de Polícia da Corte e, em 1920, recebeu a designação de Polícia Militar. [9] Já a Polícia Judiciária Civil tem sua origem histórica vinculada à Intendência Geral de Polícia da Corte, criada no século XIX, tendo como função o Abastecimento da então Capital – Rio de Janeiro, manutenção da Ordem Pública e investigação dos crimes cometidos.[10] O Intendente-geral era o chefe máximo da instituição e detinha amplos poderes, ostentava o cargo de desembargador e podia prender, investigar e julgar, em um verdadeiro sistema inquisitivo de persecução penal. [11] Após o período imperial surge a Primeira República – 1889 – 1930, marcada pela abolição da escravatura, êxodo da população rural ex-escrava para as cidades, falta de empregos e outras mazelas sociais enfrentadas até a presente data. Assim, o papel da polícia refletia a legislação penal da época, marcada pelo direito penal do autor, punindo condutas tais como a vadiagem, prostituição, embriaguez, capoeira, tudo isso com vistas a tentar efetuar um controle social da camada menos favorecida da população, notadamente os negros.[12] Já a era Vargas – 1930 – 1945, apresentou uma forte concentração de poder nas mãos do Presidente da República, com seu ápice na Constituição de 1937, transformando judeus, comunistas, dissidentes políticos, entre outros, em inimigos do Estado, os quais deveriam ser controlados, assim como a classe pobre e trabalhadora, considerada perigosa. Para alcançar seus objetivos, Vargas ampliou os poderes do Chefe de Polícia, que suplantava até mesmo a estrutura do Ministério da Justiça, diversos Delegados foram exonerados e pessoas da mais íntima confiança de Vargas assumiram esses cargos. Consubstanciado no estudo do iminente autor FAORO [13], a política repressiva de Getúlio Vargas tinha como fundamento o tripé: polícia política, legislação penal rigorosa e Tribunal de Segurança Nacional. Importante instrumento legislativo para entender este período foi o Decreto 24.531, datado de 02/07/1934 [14], que materializa a reforma no aparelho estatal repressor acima citado. Em 1964 inicia-se a fase mais obscura e cruel da polícia brasileira, com o advento do Regime Militar que durou até meados de 1985. Fase esta caracterizada pela repressão policial, supressão de remédios constitucionais, fechamento do Congresso Nacional, ampliação do poder das Forças Armadas, sobretudo do Exército, que passou a ter o domínio das Polícias Militares, tidas como força de reserva auxiliar do Exército, com a criação da Inspetoria Geral das Polícias Militares, que detinha o controle sobre o efetivo, armamento, formação e ideologia destas instituições. [15] Além da subordinação das Polícias Estaduais, as Forças Armadas também passaram a controlar em 1967 as Guardas Civis. Por fim, a Lei de Segurança Nacional tipificou diversas condutas consideradas subversivas, infelizmente em vigor até a presente data. Depois do período negro da ditadura militar, marcado por prisões políticas, exílios, torturas, homicídios, em 1985 se inicia o processo de redemocratização brasileiro, com a instauração da Assembleia Nacional Constituinte (1987) e em seguida a promulgação da Constituição Cidadã, apoiada em valores supremos humanistas, reconhecidos mundialmente e estatuídos em diplomas normativos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e o Pacto São José da Costa Rica – Convenção Americana dos Direitos do Homem (1969), só para citar alguns dos mais importantes. [16] Princípios indeléveis foram positivados, como Dignidade da Pessoa Humana, Presunção de Inocência, inafastabilidade do Poder Judiciário, inexoravelmente marcando uma nova era na estrutura da polícia brasileira, na medida que tenta e deve se adequar aos novos ditames constitucionais. Como consequência do longo processo de recrudescimento do aparelho policial, que durante boa parte do processo histórico brasileiro serviu apenas para a manutenção e atendimento das diretrizes do governante que estava no poder, devido a seus abusos, diversos poderes foram retirados das instituições policiais, além de muitos mecanismos de investigação foram judicializados, apenas a título de exemplo o Mandado de Busca e Apreensão, Prisão Temporária – antiga prisão para averiguação, entre outros. O Ministério Público também assume importante papel no controle externo das polícias, fiscalizando os abusos e o atendimento de suas finalidades precípuas. Entretanto, as Polícias Militares Estaduais ainda são mantidas como Força Auxiliar de Reserva do Exército, permanece o Poder dos Governadores de nomear tanto os Comandantes-Gerais das PM’s quanto os Chefes de Polícia ou Delegados-Gerais da Polícia Civil, as polícias, a exemplo a extinta Guarda Real Militar, em 1809, continuam sem autonomia financeira, dependendo das vicissitudes políticas para atender suas finalidades. As ingerências políticas na polícia ainda são gritantes e, portanto, dissonantes com da nova ordem constitucional. Apesar de a partir da Constituição Federal de 1988 viger a obrigatoriedade do concurso público para as carreiras policiais, é inegável que a falta de autonomia das instituições policiais contribui, muitas vezes, para um aparelho policial sucateado, impossibilitando-as, assim, de atender suas finalidades e, por consequência, aos anseios sociais.[17] Desse modo, acredita-se que muitos dos problemas ainda hoje enfrentados pelas polícias, nesse momento nomeadamente pela Polícia Judiciária Civil, seja causado pela ausência de real autonomia financeira, vinculada a mecanismos de consecução de objetivos claros, conforme se verá adiante. 3 – CONCEITO DE POLÍCIA E A POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL Faz-se necessário salientar que o conceito de polícia se molda conforme o contexto histórico, cultural, socioeconômico e até religioso vigente, pois cada recorte na história nos apresenta características próprias de modelos policiais então existentes. Assim, ao cunhar o conceito de polícia, procura-se evidenciar suas principais características. Nesse sentido, compreende-se como polícia uma organização administrativa que tem por atribuição impor limitações à liberdade na exata medida necessária à salvaguarda e manutenção da ordem pública, conceito este apontado pelo ilustre autor LAZZARINI. [18] Conforme salientado no capítulo anterior, a Polícia Judiciária Civil tem sua origem histórica na Intendência-Geral de Polícia da Corte, instituição criada no século XIX com finalidade de manutenção da ordem (hoje atribuída diretamente às Polícias Militares, mas com reflexos indiretos no trabalho das Polícias Judiciárias Civis), e de investigação. O Intendente-Geral era o chefe da instituição e cumulava funções hoje atribuídas à Magistratura e às Polícias, em um claro sistema processual penal inquisitivo, no qual uma só pessoa tem a função de investigar, acusar, defender, julgar e condenar, que levava, obviamente, a muitas injustiças, vez que não havia imparcialidade necessária nessa acumulação de funções. [19] Hodiernamente, apesar de algumas poucas influências de tal sistema, a Carga Magna cunhou o sistema acusatório, com clara separação nas figuras dos responsáveis pela investigação (Polícia Judiciária Civil – Federal e Estadual, comumente), acusação (Ministério Público), Defesa (Advogados e Defensores Públicos) e Julgamento (Magistratura, comumente). Nesse sentido, à Polícia Judiciária Civil, consubstanciado nos termos do Art. 144, § 4º, da CF/88, “… incubem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, exceto as militares.” [20] Assim, tem-se que às Polícias Civis, de maneira geral, cabem duas atribuições, a primeira é autuar como polícia judiciária, ou seja, auxiliar o Poder Judiciário no cumprimento de suas funções, atendendo requisições judiciais, tais como cumprimento de mandados de prisão, prestação de informações sobre inquéritos findos e em andamento, etc. Enquanto a segunda função, talvez a mais significativa, é a apuração de infrações penais (exceto as militares, crimes políticos, ocupantes de alguns cargos com prerrogativa de fórum, etc.). Para tanto, apesar de ter índole eminentemente administrativa, a Polícia Judiciária Civil tem suas atribuições estatuídas diretamente na Constituição Federal e nas legislações penais e processuais penais existentes – ai abrangido o Código Penal, Processual Penal e demais legislações extravagantes, em um modelo de microssistemas. Há, então, um arcabouço enorme de funções que devem ser desempenhadas a contento pelas Polícias Civis, eis que a tarefa constitucionalmente atribuída de investigar as infrações penais é por demais dispendiosa, ainda mais em um Estado tendente a criminalizar condutas que poderiam facilmente ser coibidas por medidas outras que não o direito penal. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2014, no ano de 2013 foram registrados 53.646 mortes violentas, 50.320 estupros no Brasil. [21] Some-se a isso o fato de tais casos representarem uma quantidade mínima de crimes, já que a legislação brasileira tipifica cada vez mais condutas, além de haver ainda os casos de condutas criminosas não contabilizadas, chamadas de “Cifras Negras” (dark  number ou ciffre noir), ainda mais destoante no Brasil, que engatinha na implementação de um sistema que seja capaz de integrar as informações de todas as unidades federativas que possui. Assim, apesar de a Polícia Judiciária ter diversas atribuições constitucional e legalmente estabelecidas, com características próprias e função precípua de órgão de Estado, é um órgão vinculado às Secretarias de Segurança Pública que, por sua vez, são subordinadas aos Governadores estaduais. Em todas as Constituições Estaduais há sucinto disciplinamento de órgão tão relevante e há poucas legislações que regimentam as Polícias Judiciárias Civis em que há previsão de autonomia administrativa e financeira. E mesmo assim quando há respectiva previsão, ela não é respeitada, mas em sentido oposto é atravancada pela burocracia, em um sistema centralizado e ineficaz, incapaz, por conseguinte, de otimizar os recursos financeiros destinados, conforme se verifica a seguir do estudo da estrutura administrativa e autonomia financeira das Polícias Judiciárias Civis nas unidades federativas pátrias. 4 – ESTRUTURA ADMINISTRATIVA, LEGISLAÇÃO APLICÁVEL E AUTONOMIA DAS POLÍCIAS JUDICÁRIAS CIVIS NAS UNIDADES FEDERATIVAS BRASILEIRAS Ante a existência de muitas Unidades na Federação brasileira, um estudo detido sobre as legislações aplicáveis a cada uma delas tornar-se-ia demasiado extenso e fugiria ao objeto deste estudo, motivo pelo qual se decidiu por realizar um estudo de acordo com a legislação dos Estados das 5 (cinco) maiores capitais brasileiras em relação à sua população, e ainda o Estado do Amapá, o que de certa forma representa bem o contexto nacional. De acordo com pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE e ainda conforme estimativas de 2014, as 5 (cinco) capitais mais populosas do país são:  São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília (apesar de não ser capital de Estado) e Fortaleza. [22] Desse modo, abaixo transcreve-se, com destaque, os principais trechos das legislações destas seis unidades federativas, a fim de realizar uma análise por amostragem da estrutura administrativo-financeira e disciplinamento legal da Polícia Judiciária Civil. Primeiramente realizou-se uma pesquisa simplesmente descritiva e logo em seguida uma análise crítica. 4.1 – Polícia Judiciária Civil do Estado de São Paulo A Constituição do Estado de São Paulo assim disciplina sobre a Polícia Judiciária Civil: [23] “Da Segurança Pública SEÇÃO I Disposições Gerais
 Artigo 139 – A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio. § 1º – O Estado manterá a Segurança Pública por meio de sua polícia, subordinada ao Governador do Estado. 
 § 2º – A polícia do Estado será integrada pela Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. 
§ 3º – A Polícia Militar, integrada pelo Corpo de Bombeiros, é força auxiliar, reserva do Exército.
 SEÇÃO II Da Polícia Civil
 Artigo 140 – À Polícia Civil, órgão permanente, dirigida por delegados de polícia de carreira, bacharéis em Direito, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 1º – O Delegado Geral da Polícia Civil, integrante da última classe da carreira, será nomeado pelo Governador do Estado e deverá fazer declaração pública de bens no ato da posse e da sua exoneração. § 2º – No desempenho da atividade de polícia judiciária, instrumental à propositura de ações penais, a Polícia Civil exerce atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica. § 3º – Aos Delegados de Polícia é assegurada independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária. (…) § 7º – Lei orgânica e estatuto disciplinarão a organização, o funcionamento, os direitos, deveres, vantagens e regime de trabalho da Polícia Civil e de seus integrantes, servidores especiais, assegurado na estruturação das carreiras o mesmo tratamento dispensado, para efeito de escalonamento e promoção, aos delegados de polícia, respeitadas as leis federais concernentes.” Já a Lei Complementar Estadual n.º 207/1979 – Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo, assim estatui: [24] “Artigo 1.º – A Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública responsável pela manutenção, em todo o Estado, da ordem e da segurança pública internas, executará o serviço policial por intermédio dos órgãos policiais que a integram. Parágrafo único – Abrange o serviço policial a prevenção e investigação criminais, o policiamento ostensivo, o trânsito e a proteção em casos de calamidade pública, incêndio e salvamento. Artigo 2.º – São órgãos policiais, subordinados hierárquica, administrativa e funcionalmente ao Secretário da Segurança Pública: I – Polícia Civil; II – Polícia Militar” 4.2 – Polícia Judiciária Civil do Estado do Rio De Janeiro A Constituição do Estado do Rio de Janeiro trata a Segurança Pública da seguinte maneira: [25] “DA SEGURANÇA PÚBLICA CAPÍTULO ÚNICO (arts. 183 a 191) Art. 183 – A segurança pública, que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, pelos seguintes órgãos estaduais: * STF – ADIN – 236-8/600, de 1990 – “Por maioria de votos, o Tribunal JULGOU PROCEDENTE a ação, para declarar a inconstitucionalidade das expressões "que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais" e do inciso II, todos do art. 180 (atual 183) da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, vencidos os Ministros marco Aurélio, Paulo Brossard, Moreira Alves e Presidente, que a declaravam improcedente”. – Plenário, 07.05.1992 Publicada no D.J. Seção I de 15.05.92. – Acórdão, DJ 01.06.2001. I – Polícia Civil; II – Polícia Penitenciária; III – Polícia Militar; IV – Corpo de Bombeiros Militar. § 1º – Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.” A Lei Ordinária Estadual n. º 3586/2001 do Estado do Rio de Janeiro [26], que disciplina a Polícia Judiciária Civil daquele Estado, é silente sobre subordinação e hierárquica ao Governador do Estado, muito embora esta hierarquia advenha da própria Constituição Federal e da estrutura administrativa presente em todos  as unidades federativas, não mencionando também qualquer autonomia administrativa ou financeira. 4.3 – Polícia Judiciária Civil do Estado da Bahia O texto maior da Unidade Federativa da Bahia, quando trata da Segurança Pública estadual assevera que: [27] “Art. 146 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. § 1º – Lei disciplinará a organização e funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública cujas atividades serão concentradas num único órgão de administração, a nível de Secretaria de Estado, de modo a garantir sua eficiência. […] Art. 147 – À Polícia Civil, dirigida por Delegado de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Parágrafo único – O cargo de Delegado, privativo de bacharel em direito, será estruturado em carreira, dependendo a investidura de concurso de provas e títulos, com a participação do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil.” Disciplinando melhor a matéria, a Lei Ordinária Estadual n. 11.370/09 do Estado da Bahia – Lei Orgânica da Polícia Civil,[28] em interessante previsão, prevê que: “Art. 1º – Esta Lei organiza a Polícia Civil do Estado da Bahia, define a sua finalidade e competências das unidades e órgãos que a compõem, dispondo sobre a carreira de Delegado de Polícia Civil e demais carreiras da Polícia Civil do Estado da Bahia. Art. 2º – A Polícia Civil do Estado da Bahia, unidade integrante da estrutura da Secretaria da Segurança Pública, passa a ser órgão em Regime Especial de Administração Direta, subordinada à referida Secretaria, tendo sua organização, estrutura, competências, normas de funcionamento e atividades funcionais de seus membros estabelecidas em ato regulamentar próprio, aprovado mediante decreto do Governador do Estado e sua supervisão e controle far-se-ão pelas disposições previstas no art. 4º, da Lei nº. 2.321, de 11 de abril de 1966. […] Art. 27 – Ao Departamento de Planejamento, Administração e Finanças, que tem por finalidade a execução das atividades de administração geral, modernização administrativa, planejamento, orçamento e finanças da Polícia Civil, em articulação com a Diretoria Geral da SSP e com os sistemas formalmente instituídos, compete: […] VIII – executar as atividades de programação, orçamentação, acompanhamento, avaliação, estudos e análises, no âmbito da Polícia Civil, em estreita articulação com a Diretoria Geral da SSP e as unidades centrais do Sistema Estadual de Planejamento; IX – planejar, desenvolver, monitorar e coordenar a execução de atividades de administração financeira e contábil, em estreita articulação com a Diretoria Geral da SSP e as unidades centrais do Sistema Financeiro e de Contabilidade do Estado.” O art. 4º, da Lei n º. 2.321, de 11 de abril de 1966 [29], assim disciplina: “Art. 4º – Considera-se órgão em regime especial de administração centralizada aquele que tenha, definidas em lei, pelo menos, as seguintes características: I – custeio da execução de seus programas por dotações globais consignadas no orçamento do Estado; II – faculdade de contratar pessoal temporário, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, e praticar os atos de administração a ele relativos; III – manutenção de contabilidade própria. § 1º – O pessoal permanente perceberá pela consignação específica do Orçamento Geral do Estado. § 2º – Anualmente, o Governador aprovará, mediante decreto, plano de aplicação por elementos e por programas, inclusive a despesa com pessoal temporário prevista no inciso II deste artigo.” 4.4 – Polícia Judiciária Civil do Distrito Federal Por expressa previsão constitucional, o Distrito Federal rege-se por Lei Orgânica e não por Constituição, tal legislação tem o mesmo status das Constituições Estaduais e assim institui a Segurança Pública: [30] “Art. 119. À Polícia Civil, órgão permanente dirigido por delegado de polícia de carreira, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 1º São princípios institucionais da Polícia Civil a unidade, indivisibilidade, autonomia funcional, legalidade, moralidade, impessoalidade, hierarquia funcional, disciplina, unidade de doutrina e de procedimentos. NOVA REDAÇÃO DADA AO § 1º DO ART. 119 PELA EMENDA À LEI ORGÂNICA DO DF Nº 80, DE 31/07/14 – DODF DE 12/08/14. § 1º São princípios institucionais da Polícia Civil unidade, indivisibilidade, legalidade, moralidade, impessoalidade, hierarquia funcional, disciplina e unidade de doutrina e de procedimentos. § 4º Aos integrantes da categoria de delegado de polícia é garantida independência funcional no exercício das atribuições de Polícia Judiciária. § 5º Os Institutos de Criminalística, de Medicina Legal e de Identificação compõem a estrutura administrativa da Polícia Civil, devendo seus dirigentes ser escolhidos entre os integrantes do quadro funcional do respectivo instituto. § 6º A função de policial civil é considerada técnica. § 7º O ingresso na carreira de policial civil do Distrito Federal é feito na forma da lei. § 8º As atividades desenvolvidas nos Institutos de Criminalística, de Medicina Legal e de Identificação são considerados de natureza técnico-científica. § 9º Aos integrantes das categorias de perito criminal, médico legista e datiloscopista policial é garantida a independência funcional na elaboração de laudos periciais.(NOVA REDAÇÃO DADA AO § 9º DO ART 119 – EMENDA A LEI ORGÂNICA Nº 34, DE 28 DE AGOSTO DE 2001, PUBLICADA NO DODF DE 14/09/01.) § 9º Aos integrantes das categorias de perito criminal, médico legista e perito papiloscopista é garantida a independência funcional na elaboração dos laudos periciais.” [31] A Lei Ordinária Federal n 9.264/1996 nada disciplina acerca da independência funcional ou financeira da Polícia Civil do Distrito Federal. O Regimento Interno da Polícia Civil Do Distrito Federal – Decreto 30.490/09 [32], norma infralegal por ato do Delegado-Geral, em estranha previsão determina que: “Art.1o. A Polícia Civil do Distrito Federal, instituição permanente da administração direta, essencial à função jurisdicional e vinculada ao Gabinete do Governador do Distrito Federal, é dirigida por delegado de polícia de carreira e tem relativa autonomia administrativa e financeira. Art.2o. A Polícia Civil do Distrito Federal tem como missão institucional promover, integrada às instituições congêneres, a segurança pública, visando à preservação da ordem pública e à incolumidade das pessoas, por meio da apuração de delitos, da elaboração de procedimentos formais destinados à ação penal e da adoção de ações técnico-policiais, com a preservação dos direitos e garantias individuais. Seção III – Dos princípios institucionais Art.3o. São princípios institucionais da Polícia Civil do Distrito Federal a hierarquia, a disciplina, a unidade, a indivisibilidade, a autonomia funcional, a legalidade, a moralidade, a impessoalidade, a participação comunitária e a unidade de doutrina e de procedimentos.” 4.5 – Polícia Judiciária Civil do Estado do Ceará A Carta Política do Estado do Ceará coloca a Segurança Pública do estado nos seguintes termos: [33] “DA SEGURANÇA PÚBLICA E DA DEFESA CIVIL Seção I Disposições Gerais art. 178. A segurança pública e a defesa civil são cumpridas pelo Estado do Ceará para proveito geral, com responsabilidade cívica de todos na preservação da ordem coletiva, e com direito que a cada pessoa assiste de receber legítima proteção para sua incolumidade e socorro, em casos de infortúnio ou de calamidade, e garantia ao patrimônio público ou privado e à tranquilidade geral da sociedade, mediante sistema assim constituído: i – Polícia Civil; e […] art. 183. A Polícia Civil, instituição permanente orientada com base na hierarquia e disciplina, subordinada ao Governador do Estado, é organizada em carreira, sendo os órgãos de sua atividade fim dirigidos por delegados. *Redação dada pela Emenda Constitucional no 28/97, de 30 de abril 1997 – D.O. de 9.5.1997. *Redação anterior: Art. 183. Polícia Civil, instituição permanente orientada com base na hierarquia e na disciplina, com direta subordinação ao Governador do Estado, é organizada em carreira, sendo os ór- gãos que a integram dirigidos por delegados, exceto os órgãos da área técnico-científica e de magistério da Polícia Civil que serão dirigidos, privativamente, por profissionais da respectiva área, subordinados diretamente ao Secretário de Segurança.” A Lei Ordinária Estadual n. 12.124/93 – Estatuto Dos Policiais Civil Do Estado Do Ceará prevê apenas que: [34] “Art. 1º – A Polícia Civil, Instituição Permanente, integrante do Sistema Estadual de Segurança Pública, essencial à justiça Criminal, à preservação da Ordem Pública e à incolumidade das pessoas e do patrimônio, tem sua organização, funcionamento e estatuto, estabelecidos por esta lei.” 4.6 – Polícia Judiciária Civil do Estado do Amapá Por fim, a Constituição do Estado do Amapá, inovando na organização da Polícia Judiciária Civil Estadual, tem a seguinte redação: [35] “Da Segurança Pública CAPÍTULO I Disposições Gerais Art. 75. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercidas para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos, subordinados ao Governador do Estado: I – Polícia Civil; […] CAPÍTULO II Da Polícia Civil Art. 79. À polícia civil, instituição permanente, com autonomia administrativa e financeira, orientada com base na hierarquia, disciplina e respeito aos direitos humanos, dirigida por delegado de polícia de carreira da classe especial, de livre nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, incumbe, ressalvada a competência da União, exercer com exclusividade, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (EC no 35/2006) § 1o O titular da polícia civil será nomeado pelo Governador do Estado dentre os delegados integrantes da classe especial da carreira. (EC no 35/2006) § 2o Os delegados de polícia de carreira, bacharéis em direito, aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos, serão remunerados na forma do § 9o do art. 144 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes as vedações referidas no inciso II do art. 148 desta Constituição. (EC no 35/2006) § 3o Os Delegados de Polícia do Estado integrarão a Carreira Jurídica do Poder Executivo do Amapá. (EC no 35/2006)” Da mesma maneira, prevendo a autonomia financeira e administrativa da Polícia Judiciária civil, a Lei Ordinária Estadual n.º 0883/2005 – Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado do Amapá, também tem a seguinte previsão: [36] Art. 1o. Esta Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado do Amapá define sua competência, estrutura e o funcionamento de seus órgãos, bem como as carreiras e o regime jurídico dos servidores policiais civis, regula o provimento e a vacância de cargos, fixa os direitos, vantagens e deveres, critérios de progressão, promoção e remoção e dispõe sobre o processo disciplinar, nos termos do disposto nos artigos 76 e 80 da Constituição do Estado. § 1o. Policial Civil é a pessoa legalmente investida de cargo público do Grupo Polícia Civil, em provimento efetivo, com denominação, função e subsídio próprio e número certo. § 2o. É proibida a prestação de serviços gratuitos à Polícia Civil. Art. 2o. A Polícia Civil, órgão autônomo, permanente e essencial à administração da Justiça Criminal, orientada com base nos princípios da hierarquia, disciplina, legalidade, unidade, ética e respeito aos direitos humanos, integrante do Sistema de Segurança Pública do Estado do Amapá, vinculada operacionalmente a Secretaria de Estado da Justiça e Segurança Pública, incumbe, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária estadual e a apuração das infrações penais, exceto as estritamente militares. § 1o. À Delegacia Geral de Polícia Civil – DGPC é assegurada independência e plena autonomia administrativa e financeira. § 2o. O cargo de Delegado Geral de Polícia Civil, de livre escolha, nomeação e exoneração pelo Governador do Estado, será exercido por Delegado de Polícia Civil, integrante da Carreira dentre os integrantes da Classe Especial. § 3o. O Delegado Geral de Polícia Civil integrará o Comitê de Desenvolvimento da Defesa Social, como representante da Polícia Civil.” O objetivo de trazer a este trabalho diplomas normativos de variadas unidades federativas sobre sua disciplina ao órgão Polícia Judiciária Civil, é demonstrar de forma cristalina o que se considera pontos de acertos e equívocos na tratativa constitucional e infraconstitucional. Assim, cumpre fazer alguns apontamentos julgados relevantes: É possível perceber que segundo as respectivas legislações dos Estados que foram analisados, a Polícia Judiciária é subordinada ao Governador do Estado, na maioria dos estados esta subordinação é indireta, vez que este órgão não se reporta diretamente ao chefe do Poder Executivo estadual e sim aos Secretários de Segurança Pública. Temos algumas tentativas de outorgar maior autonomia financeira e administrativa em algumas constituições e leis estaduais. Percebemos este intento na Lei Orgânica da Polícia Civil do Estado da Bahia, quando classifica a Polícia Civil como “órgão em regime especial”, dando a entender maior liberdade gerencial, no entanto, em seguida, no mesmo artigo de lei, subordina a Polícia Judiciária à Secretaria de Segurança Pública, como em vários estados brasileiros. Acredita-se que a nomenclatura de “órgão em regime especial”, talvez, tenha sido aproximar o órgão da Polícia Judiciária das chamadas Autarquias em regime especial, como as Agências Reguladoras, ou então das Agências Executivas, as quais celebram um contrato de gestão, passando a gozar de maiores privilégios e autonomia. Mas tanto uma quanto a outra tem natureza jurídica de entidade, ou seja, são dotadas de personalidade jurídica, diferentemente do que ocorre com um órgão. Ressalta-se que as autarquias não são subordinadas ao Ministério ou Secretaria de Estado, apenas têm suas finalidades supervisionadas pela Administração Direta, assim, no mínimo estranho a previsão de órgão em regime especial ao mesmo tempo que diz que ta o órgão é subordinado à Secretaria de Segurança Pública, ao que se acredita tratar-se da velha prática na qual dá com uma mão e retira-se com a outra. Todavia, é salutar esta previsão, ao menos como objetivo a ser alcançado ao longo do tempo, além do reconhecimento por parte do Estado que a autonomia possibilita uma maior eficiência por parte de seus órgãos. Importante ponto a ser destacado, é a possibilidade de a Polícia Judiciária do Estado da Bahia poder contratar diretamente pessoal temporário pelo regime celetista, além de ter contabilidade própria, nos termos da Lei estadual n º. 2.321/1966. Outro apontamento sobrepujante é o fato de que a Lei Orgânica do Distrito Federal, que tem status de Constituição Estadual, foi reformada para retirar a autonomia funcional da Polícia Judiciária Civil Distrital, colocando em seu lugar apenas independência funcional nos exercícios de suas atribuições aos Delegados, Peritos e Papiloscopistas. É muito diferente a autonomia funcional, ligada ao exercício de atribuições do servidor, de autonomia financeira e administrativa do órgão, vez que esta última é muita mais ampla e abrange toda a estrutura administrativa. Ainda houve uma tentativa de difícil assimilação por parte de um Decreto por ato o Delegado-Geral de Polícia do Distrito Federal, de garantir nas suas exatas palavras “relativa autonomia administrativa e financeira”, em termos conceitualmente excludentes, pois se é relativa não é autonomia. Igualmente, a Constituição do Estado do Ceará tratava a Polícia Civil com status de Secretaria, vez que era subordinada diretamente ao Governador do Estado, contudo, também foi reformada para suprimir essa subordinação direta. Assim, nestas duas Unidades Federativas (Distrito Federal e Ceará) houve uma involução na autonomia de suas polícias. Na vanguarda dos diplomas normativos, encontra-se Polícia Judiciária Civil do Estado do Amapá, eis que tanto sua Constituição Estadual quanto sua Lei Orgânica asseguram “independência e plena autonomia administrativa e financeira”, aproximando tal órgão do disciplinamento dado ao Ministério Público e Defensoria Pública. Todavia, a prática administrativa nos releva que a autonomia administrativa e financeira é podada pela ingerência da Secretaria de Planejamento do Estado do Amapá – SEPLAN, órgão responsável pela efetuação dos pagamentos dos empenhos. Dessa forma, em diversas ocasiões despesas legalmente empenhadas e liquidadas pelo órgão da Polícia Judiciária não foram pagas no tempo aprazado pela SEPLAN, dificultando a execução orçamentária. A burocracia faz com que o já pouco orçamento da Polícia Judiciária Estadual não seja executado em sua totalidade, ocasionando o contingenciamento de recursos. Ademais, muito embora tanto a Constituição Estadual quanto a Lei Orgânica prevejam plena autonomia financeira e administrativa à Polícia Civil, este órgão não pode elaborar sua proposta orçamentária, como ocorre com os demais órgãos com autonomia financeira (a exemplo do Ministério Público e Defensoria Pública), tendo como único fator limitador  os parâmetros estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Assim, de fato, nenhum dos órgãos da Polícia Judiciária Estadual acima analisados têm plena autonomia administrativa e financeira, o que causa enormes dificuldades no seu gerenciamento. 5 – DIFICULDADES CAUSADAS PELA INEFICIÊNCIA FINANCEIRO-ADMINISTRATIVA Ante tantos entraves para garantir autonomia financeira e administrativa às Polícias Judiciárias Civis, surgem diversos fatores influenciadores da ineficácia muitas vezes criticada por variados setores. Dentre as principais dificuldades podemos destacar a falta de celeridade, a centralização burocrática e, por fim, o distanciamento dos tomadores de decisão com os problemas enfrentados no dia-a-dia das Unidades Policiais Civis, conforme nota-se abaixo. 5.1 – Falta de celeridade A celeridade é princípio constitucionalmente consagrado (Art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88), aplicável no âmbito judicial e administrativo, portanto, juntamente com a eficiência, conduz ao que se almeja do serviço público em sua melhor concepção. Por outro lado, a necessidade de colheitas de informações rápidas relacionadas ao fato criminoso, com vistas a elucidação eficaz dos crimes objeto de apuração, com o intuito de identificar a autoria e lastrear provas de materialidade dos referidos delitos. Ademais, o imediatismo e a oportunidade são princípios básicos de investigação criminal, reconhecidos internacionalmente [37] como elementares para a solução rápida e eficaz dos crimes perpetrados. Todavia, a morosidade dos processos licitatórios, burocratizados pela atual estrutura administrativa das polícias, conduz a tamanha ineficiência que se contrapõe ao que é constitucionalmente previsto como finalidade do serviço público. Não se quer dizer com isso a aceitação da inobservância dos princípios constitucionais e legais no que tange ao procedimento licitatório, mas em sentido diametralmente oposto, sua aplicabilidade na mais concreta efetivação. Como visto, em grande parte dos Estados da Federação as Polícias Judiciárias são subordinadas financeira e administrativamente às Secretarias de Segurança Pública e, em muitos casos, também às Secretarias de Planejamento que, além dos órgãos policiais, têm que gerir o orçamento de toda a máquina administrativa do Poder Executivo, em uma centralização irracional que leva, quase que invariavelmente, à ineficiência, pois a urgência das demandas não são atendidas na forma aprazada, gerando uma ineficiência crônica às Polícias Judiciárias Civis. Na maior parte das Unidades Policiais Civis espalhadas pelo país o quadro é o mesmo, sobretudo no interior dos estados, e até mesmo em capitais, eis que faltam desde materiais de expediente administrativo (a exemplo de papel, cartuchos de impressão, mídias, entre outros), até combustível, viaturas, coletes balísticos, armamentos, etc. [38] Assim, um ciclo nebuloso se instaurou no sistema administrativo da Polícia Judiciária Civil, onde há um atraso constante no atendimento das demandas, causado seja pela centralização burocrática, seja pelo distanciamento das Secretarias de Estado com os problemas enfrentados. 5.2 – Centralização burocrática A falta de celeridade e por conseguinte ineficiência no atendimento do serviço público, se dá em diversas ocasiões pela centralização desde as decisões mais simples até as mais complexas, na contramão da chamada “reforma administrativa”. Sobre o assunto, nos ensina os administrativistas Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo que: “Na última década do século passado, foram promovidas no Brasil diversas alterações constitucionais e legais com o objetivo de implantar entre nós um modelo de “administração gerencial” – o qual, em tese, é fundado, preponderantemente, no princípio da eficiência. Pretendia-se que esse modelo de administração substituísse, ao menos parcialmente, o padrão tradicional da nossa administração, dita ”administração burocrática”, cuja ênfase maior recai sobre o princípio da legalidade.” [39] O foco maior deste estudo e também o desafio é conseguir harmonizar o princípio da legalidade com a eficiência da prestação do serviço policial da Polícia Judiciária Civil à população. Acredita-se que alguns mecanismos devem ser criados e outros são subutilizados, ora por desconhecimento dos gestores, ora por comodidade e, por fim, infelizmente, por manifesto desejo político de manter-se um modelo policial subserviente e dependente. Cada um necessitando de uma resposta detida e atenta, que se busca minimizar. Deste modo, a exemplo da descentralização administrativa desencadeada no país nas últimas décadas, há necessidade da desconcentração atingir novos patamares. Há uma tendência de especialização dos serviços, este intendo deve vir acompanhado dos mecanismos financeiros capazes de fazer valer seu mister. É sobrepujante a compreensão por parte dos gestores da administração a necessidade de se desburocratizar a máquina pública, simplificando o que é necessário e não criar dificuldades para se vender facilidades. 5.3 – Distanciamento dos problemas cotidianos Notório, igualmente, que os gestores mais distantes do problema são os que têm o maior poder decisório, até em assuntos simples que causam enormes prejuízos individuais e coletivos. Apenas a título ilustrativo imagine-se um cidadão vítima de furto que se dirige a uma Unidade Policial Civil com o fim de registrar a notitia criminis do fato delitivo de que foi alvo. Ao chegar no balcão é informado que não será possível porque não há papel, ou porque se há, a impressora está sem cartuchos de impressão, ou ainda devido a uma pane técnica de simples solução o computador não está funcionando. Insatisfeito, evidentemente, o cidadão volta para sua casa ciente de que a polícia não funciona, o Estado lhe é falho quando mais precisa e, em última análise, o autor do crime ficará impune. Ao comentar o ocorrido com seus amigos e familiares aumenta-se a sensação de insegurança e o descrédito nas ações estatais, que se soma às experiências do restante da população, potencializando a crise na Segurança Pública, que além destes entraves possui diversos outros a serem enfrentados. Quantitativamente a insatisfação deste cidadão hipotético representa a insatisfação da população brasileira, em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, 33% dos entrevistados declararam que acionaram a polícia para resolverem problemas em que foram vítimas e/ou partícipes, destes, apenas 37% declararam-se muito ou pouco satisfeitos com o serviço por elas prestado. 62% declaram-se insatisfeitos. Mais, apenas 33% dos entrevistados declararam confiar na Polícia. [40] Problemas simples como o apontado acima, seriam de fácil solução se o gestor daquela unidade policial procurada pelo cidadão da lustração tivesse poder decisório sobre aquisição de materiais de expediente, e outros produtos de simples manutenção. Até mesmo sobre reformas prediais descomplicadas com valores pré-determinados. É claro que a solução dos problemas da Segurança Pública não é tão simplista assim, mas parcela razoável dos problemas existentes já seriam resolvidos com apenas a otimização dos recursos aplicados, ou seja, sem gasto algum adicional, somente gerindo de forma racional e eficaz o aparelho policial. As necessidades emergenciais só são sentidas pelo gestor mais próximo do problema, que sofre diretamente a pressão social para solucionar problemas cotidianos potencialmente suportados em grande escala também, os quais parecem de menor importância aos tomadores de decisão de grau hierárquico mais elevado dentro da estrutura administrativa. Dessa forma, o distanciamento é, sem dúvidas, uma das causas do descaso e demora no atendimento das demandas mais simples da população, que poderiam ser minimizadas significativamente com propostas simples. 6 – DAS ALTERNATIVAS E SUGESTÕES Como já salientado, todo o trabalho teórico necessita apresentar resultados práticos, não podendo haver dissociação desses dois prismas. Por conseguinte, o apontamento das dificuldades existentes no plano fático não deve impedir a proposição de ideias sugestivas de melhoria, motivo pelo qual se passa a apresentar nos próximos itens duas possíveis alternativas para superação do atual quadro em que se encontra a Polícia Judiciária Civil. 6.1 –  Quadro Ideal – Plena autonomia financeiro-administrativa A forte cultura de ingerência do Poder Executivo sobre a Polícia Judiciária Civil persiste ao longo dos anos, justamente pela adoção histórica de um modelo subserviente acostumado aos desmandos do governante no poder. Há argumentos diversos para a manutenção da vinculação hierárquica das polícias ao Poder Executivo, sendo o tema disciplinado de forma peremptória inclusive no texto constitucional, nos termos do § 6º do Art. 144, o qual afirma que “As polícias militares e corpo de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. Os argumentos principais para essa subordinação vai desde a necessidade de ser ter uma força armada sob pleno controle do Poder Executivo estadual, evitando possíveis atos subversivos e atentados à democracia, como exemplo o Golpe Militar de 1964, até a possibilidade de acionamento rápido das forças policiais para eventuais distúrbios civis, assim compreendida na sua finalidade de manutenção da ordem pública. [41] Finalmente, outro fator considerável é o fato de as Políticas Públicas de Segurança ser atribuições do Poder Executivo, o qual na consecução de seu mister, deve estabelecer metas e diretrizes gerais para que os órgãos que estão diretamente subordinados atinjam seu intento.[42] Neste momento, no entanto, cumpre separar bem os papeis das duas principais forças policiais do país, de acordo com suas finalidades precípuas. À Polícia Militar, cabe o policiamento ostensivo e a manutenção da ordem pública (§5º, do Art. 144 da CF/88). Desse modo, sempre que necessário tal força policial deve intervir agindo ora como polícia ostensiva, na prevenção da criminalidade, realizando patrulhamentos constantes e, caso necessário, prisões em flagrantes, em atividade tipicamente policial, ora na manutenção da ordem pública, intervindo em distúrbios civis, auxiliando também os demais órgãos do Poder Executivo quando se faz necessário a presença de força policial para garantir a autoexecutoriedade dos atos administrativos, como, por exemplo, nas ações de reintegração de posse, fiscalização de postura, etc. Entretanto, em sentido diametralmente oposto, às Polícias Judiciárias Civis cabe a apuração das infrações penais e função de Polícia Judiciária, conforme já explicitado no item 3. Tais incumbências não têm, ou não deveriam ter, intromissão por parte do Poder Executivo, pois as funções advém da própria lei, sendo todos os atos a serem praticados pelos seus servidores, aí incluídos Delegados de Polícia, Agentes, Escrivães e Peritos, previstos no Código Penal, Código de Processo Penal e demais leis extravagantes. Assim, não pode o Governador ou Secretário de Segurança Pública decidir qual crime deverá ser investigado, ou quem poderá ser objeto de investigação, inclusive tal conduta pode se tipificar como crime a depender do caso concreto. Nota-se que pelas funções de cada Instituição Policial, enquanto a Polícia Militar está diretamente vinculada às ordens do Poder Executivo, pois a distribuição do efetivo, a maneira em que o policiamento ostensivo é realizado, o auxílio que a força policial presta aos demais órgãos da Administração, reflete diretamente nas Políticas de Segurança Pública. No entanto, o dever de agir e investigar da Polícia Judiciária Civil deve ser realizado independente de quaisquer ordens hierárquicas, pois advém da própria lei, não tendo qualquer interferência do Chefe do Poder Executivo Estadual. Não se quer dizer com o disposto acima a maior ou menor relevância das finalidades de cada Instituição Policial, pois ambas são igualmente importantes para a pacificação social, apenas é notória a distinção de atribuições, sobretudo no modelo brasileiro de polícia, com separação clara do dever de cada uma, muito embora convirjam em determinadas atribuições. Assim, a investigação policial deve pautar-se por critérios técnicos e especializados, auxiliado por uma ciência pericial em constante evolução, com vistas a solucionar as infrações penais, definindo com clareza sua autoria, possibilitando, desse modo, substrato para a deflagração da futura ação penal e continuidade da persecução criminal, durante a fase processual. Inegável que quanto mais livre de interferências políticas, melhor será o resultado. Ante o exposto, necessário afirmar que em um quadro ideal se faz imperativo a aprovação de uma Emenda Constitucional retirando a subordinação da Polícia Judiciária Civil ao Poder Executivo Estadual, assegurando independência funcional, inexistência de subordinação técnica, financeira, nos moldes em que ocorre, por exemplo, com o Ministério Público e a Defensoria Pública, que apesar de serem órgãos do Poder Executivo (quanto ao Ministério Público há divergência nessa classificação), possuem autonomia funcional e administrativa e elaboram sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Evidenciando a importância da Autonomia da Defensoria Pública, o Supremo Tribunal Federal afirmou em recente julgado que o Governador Estadual não pode sequer reduzir a proposta orçamentária da Defensoria Pública elaborada de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias [43], em uma clara evidência da acuidade intrínseca à autonomia financeira daquele órgão na consecução de suas finalidades. A recente autonomia outorgada à Defensoria Pública evita que o repasse do orçamento fique ao arbítrio do Poder Executivo, sucateando o órgão, como ocorre, aliás, como os demais órgãos da Administração que são vinculados Poder Executivo. Nota-se um claro avanço tanto no Ministério Público após o advento da Constituição de 1988, quanto da Defensoria Pública, após o acréscimo da Emenda Constitucional n. 45/2004, sendo inegável a otimização dos serviços prestados por tais órgãos. Nesse sentido, não pairam dúvidas que o mesmo ocorreria com a Polícia Judiciária Civil em uma eventual promulgação de Emenda Constitucional que lhe outorgasse Independência Funcional e Autonomia Administrativa e Financeira. 6.2 – Contrato de Gestão – uma possibilidade viável? Um mecanismo bastante interessante advindo de preceitos constitucionais é o Contrato de Gestão (Termo de Compromisso ou ainda Acordo-Programa), cuja definição legal inexiste, mas a doutrina administrativa têm cada vez mais se debruçado sobre o tema.[44] No ordenamento jurídico pátrio, o contrato de gestão é previsto em duas hipóteses. A primeira delas é um ajuste firmado entre a administração direta e suas entidades ou seus órgãos, momento em que esses órgãos ou entidades assumem o compromisso de cumprir determinadas metas e, em contrapartida, tem aumentada sua liberdade administrativa e gerencial, passando a se sujeitar a uma espécie de controle relativo à consecução dos resultados ajustados.[45] Já a segunda previsão diz respeito aos contratos que podem ser celebrados entre a administração direta e as organizações sociais, estudo este que não faz parte do objeto do presente trabalho. No que tange à primeira hipótese, em que pese algumas divergências doutrinárias, tem-se como possível o aumento da autonomia gerencial de órgãos mediante a pactuação do chamado contrato de gestão, com vistas ao aumento da eficiência, princípio inserido no texto constitucional através da Emenda Constitucional n. 19/1998. Assim prevê nossa Lei maior: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[…] § 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) I – o prazo de duração do contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal.” Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2014, p. 137) definem Contrato de Gestão como “um ajuste cuja finalidade é o cumprimento de uma espécie de programa, em troca de algo que seja do interesse da parte que se compromete a atingir as metas nele definidas.” [46] Maria Sylvia Di Pietro, por sua vez, nos orienta afirmando que: “A ideia é sempre a mesma: fixação de metas para aumentar a eficiência, em troca de maior autonomia. O objetivo a ser alcançado pelos contratos de gestão é o de conceder maior autonomia à entidade da Administração Indireta ou ao órgão da Administração Direta de modo a permitir a consecução de metas a serem alcançadas no prazo definido no contrato; para este fim, o contrato deve prever um controle de resultados que irá orientar a Administração Pública quanto à conveniência ou não de manter, rescindir ou alterar o contrato. O fim último do contrato de gestão é a eficiência, como princípio constitucional previsto no artigo 37, caput, da Constituição (alterado pela Emenda Constitucional nº 19).” [47] Apesar de doutrinadores de renome como Maria Sylvia Di Pietro afirmarem que dificilmente estarão presentes as características típicas de um contrato quando celebrado entre órgãos da administração direta, ante a ausência de personalidade jurídica e, portanto, igualmente ausência de contraposição de interesses, há que se salientar que mesmo assim subsiste tal instrumento com natureza jurídica de “Termo de Compromisso” assumido pelo gestor do órgão beneficiado. Assim, em que pese o termo “contrato” ser aplicado com certa impropriedade técnica, pois na verdade órgão não tem personalidade jurídica e por isso não poderia celebrar contrato. Ademais, de fato, não haveria interesses contrapostos entre a Administração Direta e seus próprios órgãos, a intenção do legislador exercendo seu poder constituinte reformador ao instituir o disposto no §8º, do Art. 37 da CF/88, foi trazer maior eficiência ao serviço público e tal intenção tem que ser preservada, vez que em perfeita consonância com os fins almejados pela Administração Pública. 6.2.1 – Da possibilidade da celebração de contratos de gestão, ou termos de compromisso, entre a Administração Direta e as Polícias Judiciárias Civis Na classificação dos órgãos públicos, as Polícias Judiciárias Civis encaixam-se com perfeição no conceito de Órgãos Superiores: tem poder de decisão, mas não tem independência nem autonomia, estando diretamente subordinadas aos Órgãos Autônomos (Secretarias de Estado). Como verificou-se extraindo as características da Polícia Judiciária Civil dos Estados, todas têm características de órgãos, ou seja, são centros de competência destinados a apurar as infrações penais e sua autoria, exceto as militares e de competência da União, bem como devem auxiliar o Poder Judiciário no que lhe for cabível. Tais atribuições são essenciais ao bom convívio social, típicas de Estado e necessárias à pacificação social. No entanto, o Estado se tem quedado inerte, negligenciando a boa prestação de serviço devido à população. Nesse prisma, acredita-se que o Contrato de Gestão ou Termo de Compromisso, como preferem alguns, seja instrumento adequado, viável e de ponto emprego para viabilizar o melhoramento do serviço prestado pela Polícia Judiciária. A insatisfação com o serviço policial é gritante, como afirmado em linhas atrás, simplesmente 67% das pessoas que precisaram do serviço da polícia declaram-se insatisfeitos com sua prestação, motivo mais que suficiente para uma mudança de postura governamental. [48] Destarte, todo o trabalho teórico tem o dever de propor melhorias no plano prático, sendo pragmático, parafraseando Konrad Hesse, “não basta vontade de poder e sim vontade de constituição”. [49] Dessa forma, o escopo desta obra é aviltar a implementação de contratos de gestão entre a Administração Direta, no caso os Estados e até mesmo a União e as Polícias Judiciárias, aumentando sua autonomia administrativa e financeira, propondo metas claras a serem alcançadas, com vistas ao aumento de sua eficiência. Em alguns Estados já há experiência do estabelecimento de metas para todos os âmbitos da Administração Pública, acredita-se o alinhamento dessas metas com a necessária autonomia e desburocratização seja capaz de reduzir, no que tiver ao alcance, os índices de criminalidade e solução de crimes. 6.2.1.1 – Da forma como a autonomia poderia ser exercida Dentre várias possibilidades, há que se ter em mente que a descentralização do poder decisório é fator fundamental para a autonomia administrativa e financeira. De acordo com o §4º, Art. 144 da Constituição brasileira,[50] as Polícias Judiciárias Civis são dirigidas por Delegados-Gerais, ou Chefes de Polícia – termo usado no Código de Processo Penal, em geral subordinados à Secretaria de Segurança Pública, que são subordinadas diretamente ao Governador do Estado.[51] Abaixo dos Delegados-Gerais, de modo comum, as autoridades responsáveis pela administração do quadro policial civil são os Diretores de Departamento, por exemplo do Departamento do Interior, da Capital, das Especializadas, etc., e subordinado a estes, os Delegados Titulares de Unidade Policial. Desse modo, todos os recursos orçamentários previstos na Lei respectiva, é destinado à Secretaria de Segurança Pública que, por sua vez, o repassa às Polícias Judiciárias Civis. Em alguns Estados, como por exemplo no Amapá, além disso, há a figura da Secretaria de Planejamento – SEPLAN, responsável pelo pagamento das notas empenhadas pela Polícia Judiciária Civil, ou seja, não há autonomia de pagamento de seus próprios contratos. O órgão da Polícia Judiciária não pode pagar diretamente nem sequer uma mera resma de papel diretamente. A sistemática falta ou atraso de pagamento das notas empenhadas faz com que as empresas deixem de contratar com a Administração ou leva a um aumento de preços diante da insegurança de receber o que foi prestado ou fornecido, invertendo um dos objetivos do processo licitatório – a seleção da melhor oferta. Este caminho é notoriamente defasado e contraproducente (vide item n. 5 e 6), sendo necessário seu encurtamento. Os termos do contrato de gestão teria que prever, assim, a possibilidade de autonomia da Polícia Judiciária Civil contratar diretamente os bens, obras e serviços no interesse da instituição sem interferência das Secretarias de Estado que por ventura estiver vinculada, outorgando a tais órgãos a possibilidade de pagar diretamente o que foi contratado, assim como, e principalmente, a possibilidade de cada Delegado Titular de Delegacia adquirir produtos de expediente corriqueiros, bens e serviços simples e comuns de avaliação objetiva (menor preço), tudo isso em perfeita harmonia com princípios constitucionais e legais, nos termos da legislação sobre licitações públicas. De acordo com a Lei 8.666/93 e Lei 10.520/02 (pregão), as modalidades de licitação, divididas de maneira mais simples possíveis, são: [52] Prevê ainda a Lei de licitações que é caso de licitação dispensável as aquisições, serviços, obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite máximo previsto para a modalidade convite (art. 23 da Lei 8.666/93). Assim, os valores de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e R$ 8.000,00 (oito mil reais) para obras e serviços de engenharia e compras e serviços (exceto de engenharia), respectivamente, em razão do pequeno valor, tem sua aquisição facilitada, tornando exequível a autonomia financeira por parte de gestores locais.[53] Outro instrumento facilitador para implementação da autonomia gerencial da Polícia Judiciária Civil é o Sistema de Registro de Preços – SRP, previsto no Art. 15, inciso II da Lei 8.666/93, o qual compreende-se como um mecanismo formal de preços para contratações futuras. Com esse sistema pode-se abrir um certame licitatório, em que o vencedor terá seus preços registrados, para que posteriores necessidades de obtenção dos bens e serviços sejam dirigidas diretamente a ele, de acordo com o preços aferidos. [54] Há também a interessantíssima figura da Ata de Registro de Preços e a possibilidade de haver órgão aderente, que permite que a ata de registro de preços, durante sua vigência, possa ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que previamente comprovada a vantagem para a Administração.[55] Outro fator secundário, mas mesmo assim preponderante, é a possibilidade de cada gestor de Unidade Policial realizar compras e aquisições na área de sua circunscrição, fomentando o comércio local dos Micro e Pequenos Empresários, gerando empregos e aumento da renda naquele município, aliás em harmonia com o texto constitucional (inciso IX do Art. 170 da CF/88) e Lei Complementar 123/2006 que procuram oferecer tratamento diferenciado a tais entidades privadas.[56] Não é novidade a dificuldade que a Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, tem de repassar verbas para as Unidades Federativas, vez que condiciona tal repasse à implementação de programas federais, que nem sempre são cumpridos a contento pelos estados. Com a autonomia gerencial e financeira, se abriria espaço para que o repasse de verbas federais, condicionado claro à concordância do gestor máximo do Estado, fosse realizado diretamente às Polícias Judiciárias Civis, evitando o desvio de verbas e aumentando a possibilidade de fiscalização direta. [57] Inegável, portanto, as vantagens advindas da ampliação da autonomia gerencial e financeira às Polícias Judiciárias Civis. 6.2.1.2 – Das metas a serem cumpridas pela Polícia Judiciária Civil De forma correlata com a autonomia gerencial, por óbvio, há se estabelecer metas objetivas, almejando o aumento da eficiência de forma quantitativa e qualitativa. Dessa forma, em termos eminentemente sugestivos e práticos, apresenta-se as seguintes metas consideradas por este autor, consistente em alguma experiência adquirida ao longo dos anos, relevantes para tanto: a) Plano de Ação escrito para o atingimento das metas estabelecidas no Contrato de Gestão/ Termo de Parceria, especificando, de forma concreta, as ações a serem adotadas; b) Aumento da produtividade consistente em: c) Aumento do número de Inquéritos (IPL) e Termos Circunstanciados (TCO) instaurados e concluídos com autoria definida, com relação ao exercício anterior; d) Diminuição dos índices de criminalidade mais relevantes de acordo com cada área, ou seja, caso homicídio tenha índices elevados sua diminuição, ou latrocínios, tráfico de drogas, etc. Também tendo como parâmetro o exercício anterior; e) Plano de Comunicação com a sociedade civil organizada, movimentos sociais e demais setores; f) Integração com as demais forças de Segurança Pública (Polícia Militar, Sistema Penitenciário, Bombeiro Militar, etc.); g) Mecanismos de incentivo remuneratório, promocionais e administrativos os servidores que prestarem efetivo exercício de suas funções nas Unidades Policiais que atingirem suas metas, bem como prêmios para ideias inovadoras que auxiliem no processo de eficiência da administração; h) Melhoria do ambiente de trabalho, relação entre chefes e subordinados, incentivo ao convívio entre os servidores e diminuição do estresse laboral, inerente à atividade policial, com valorização de seus profissionais; 6.2.1.3 – Do controle de resultados Finalmente, se faz necessário o detido acompanhamento por parte do órgão de maior grau hierárquico, no caso as Secretarias de Segurança Pública ou o próprio Poder Executivo Estadual, do cumprimento e evolução da implementação dos objetivos estatuídos no Contrato de Gestão ou Termo de Compromisso. Para tanto, o estabelecimento de um prazo de duração do Contrato de Gestão é imprescindível, o qual não poderá ser tão curto que não possibilite aferir qualquer avanço, nem tão logo que se perca o controle, afinal, meta implica, necessariamente, no atingimento de objetivos com prazo pré-determinado. Como os índices de criminalidade são todos aferidos anualmente, não teria sentido algum um contrato com prazo menor que 12 meses, pela inerente impossibilidade de aferição de seu escopo, motivo pelo qual entende-se que no âmbito da Polícia Judiciária Civil o prazo mínimo deve ser de 01 (um) ano. Além do prazo, os seguintes mecanismos de aferição dos resultados consideram-se interessantes: [58] a) Pesquisa com a população local sobre a sensação de segurança experimentada no período de vigência do contrato; b) Comparação dos índices de criminalidades estatuídos como alvo de diminuição; c) Pesquisa com o público interno (servidores) sobre as dificuldades encontradas durante o processo, assim como as sugestões de melhoria; d) Fiscalização mensal da aplicação dos recursos disponibilizados, com verificação de sua regularidade legal; e) Elaboração de Relatório Técnico no mínimo 30 (trinta dias) antes do término do Contrato de Gestão, apontando os resultados da avaliação, com o estabelecimento de novos prazos, modificações, metas ou, se for o caso, extinção do contrato. f) Publicação dos resultados em sítio eletrônico oficial do Estado, dando maior transparência ao processo. Bem, o estabelecimento de critérios objetivos é indispensável para o sucesso desse mecanismo que tem potencial para oferecer um plus no serviço público oferecido pela Polícia Judiciária Civil. 7 – BOAS PRÁTICAS – EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS A fim de comprovar-se a eficácia dos contratos de gestão, bem como demonstrar a viabilidade prática e efetiva das ideias trazidas no presente trabalho, abaixo consta o relato de duas iniciativas já implementadas que adotaram esse modelo de gestão. 7.1 – Secretaria de Educação do Distrito Federal – Termo de Compromisso de Gestão Escolar No ano de 2007, a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, celebrou com todos os Diretores e Vice-Diretores das Instituições de Educação Pública, ou seja, as escolas a ela vinculadas, o instrumento que denominou de “Termo de Compromisso de Gestão Escolar”, documento bastante semelhante à ideia de Contrato de Gestão.[59] Neste instrumento, de acordo com seus próprios termos tinha: “por objeto estabelecer as obrigações dos participes, SEDF e Equipe Gestora, na Gestão Escolar Compartilhada e, por finalidade, garantir os meios para a efetivação de uma Proposta Pedagógica, na Instituição Educacional, que assuma o desenvolvimento de um currículo por competências, que pressupõe a centralidade no aluno e, portanto, na aprendizagem, cujo foco é a qualidade, a autonomia, a prática pedagógica diversificada e a pedagogia ativa.” O citado documento disciplina ainda que a Gestão Compartilhada será o meio pelo qual todas as Políticas Educacionais do Distrito Federal serão implementadas, resgatando a missão Educacional e assegurando a construção coletiva da Proposta Pedagógica. Entre as metas então estabelecidas, consta a redução em 20% no percentual dos alunos defasados em idade x série; aumento do índice de aprovação em 20%, a partir do ano letivo de 2008 (subsequente à realização do contrato), entre outras.[60] O fato é que o índice de desenvolvimento da Educação Básica do Distrito Federal deu um salto de 4.8 em 2007 para 5.6 em 2013, por exemplo, enquanto em Estados como o Maranhão, houve apenas um pequeno acréscimo de 0.3 (zero ponto três), de 3.5 para 3.8 no mesmo período. [61] A adesão por parte dos Diretores e Vice-Diretores do citado documento, assim como outros que o sucederam, descentralizou a gestão de verbas, possibilitando maior autonomia aos gestores locais, dando agilidade e eficiência no atendimento de demandas corriqueiras até então negligenciadas, fazendo com que cada gestor pudesse, no seu trabalho diário, otimizar os recursos aplicados na Educação do Distrito Federal. Portanto, sem sombra de dúvidas, a implementação desse modelo de gestão pode ser tida como de êxito. 7.2 – Dos 100 Dias de Contratos de Gestão firmados pelo Estado do Mato Grosso Em iniciativa recentíssima, o Governador do Estado do Mato Grosso, Pedro Taques, inovando na Administração, assinou um documento que chamou de “Acordo de Resultados” com todos seus Secretários, os quais assumiram diversos compromissos para o alcance de metas nos primeiros 100 (cem) dias de governo. Desse modo, para cada Secretaria, houve o estabelecimento de objetivos gerais e prioridades. [62] Para avaliar o desempenho de cada Secretário, foi estipulada uma avaliação mensal, com relatórios que atribuirão notas para a execução total, parcial ou inexecução dos compromissos assumidos. Tudo isso disponibilizado de forma clara e transparente para a população, através de publicação em sítio eletrônico governamental.[63] Apesar de a nomenclatura divergir do termo “Contrato de Gestão”, é inegável que a natureza jurídica desses acordos celebrados entre o Governo e suas Secretarias, que são órgãos da própria administração Direta, é bastante similar ao conceito de contrato de gestão. Quanto aos resultados desses compromissos assumidos, devido à recenticidade da experiência, ainda é cedo para verificar se houve avanços na melhoria dos serviços públicos ofertados por aquela unidade federativa. No entanto, sem dúvida alguma, demonstra um compromisso em estabelecer um Programa de Governo aferível de forma objetiva, tanto pelo próprio Governo do Estado, quanto por toda a população, buscando a eficiência do serviço público. Assim, facilita a fiscalização por parte da sociedade civil organizada, pelas instituições públicas, tais como Tribunal de Contas Estadual, Ministério Público Estadual, etc., e, inclusive, pelos demais Poderes e a própria oposição política. A bem da verdade todas as metas poderiam ter sido estabelecidas através do poder hierárquico que possui o Governo do Estado sobre seu secretariado, mas também é verdade que o compromisso escrito tem mais peso que o verbal e a vinculação psicológica dos acordantes aumenta significativamente, pois possibilita à todos os setores uma fiscalização dia-a-dia factível da Administração que está sendo realizada. 8 – CONCLUSÃO No decorrer deste trabalho foi possível demonstrar o histórico de criação das instituições policiais brasileiras, suas principais características e a evolução até os dias atuais. Demonstrou-se ainda que vários problemas assolam a Segurança Pública, como o aumento da criminalidade, sucateamento das unidades policiais [64], denotando grande sensação de insegurança na população, fazendo, por vezes, que o Estado perca sua credibilidade na solução dos conflitos sociais. Historicamente as instituições policiais tem sido usadas como meio de coerção social e manutenção do status quo pelo governante que está no poder, o qual tem usado a máquina administrativa em seu favor, desde a colonização portuguesa, perpassando pela repressão gerada por ocasião da abolição da escravatura, em relação aos negros libertos, pela era Vargas, onde a concentração de poder no aparelho policial visava combater os “inimigos do Estado”, pelo Regime Militar, com supressão de quase todos os direitos civis, até o advento da chamada Constituição Cidadã, com redirecionamento das diretrizes, ampliando e assegurando os direitos fundamentais. Nesse prima, ou seja, após a redemocratização do Estado brasileiro, com a positivação e reconhecimento de diversos princípios humanistas, assim como o compromisso nacional em cumprir tratados internacionais sobre direitos humanos, as instituições policiais devem assumir um novo papel, afastando-se da subserviência do Poder Executivo, vez que em um Estado Democrático de Direito, a única subserviência dever ser à Constituição e às leis, legitimamente estatuídas. É certo que o problema da criminalidade e violência social possui diversos fatores, aos quais agrega-se a falta de estrutura das instituições policiais. Nessa fatia do problema, há ressalta-se a falta de autonomia administrativa e financeira das Polícias Judiciárias Civis Estaduais, órgãos responsáveis pela apuração das infrações penais, exceto as militares e de competência da União, que têm o importante papel de contribuir para a pacificação social. Notou-se que apesar de a Polícia Judiciária ter diversas atribuições constitucional e legalmente estabelecidas, com características próprias e função precípua de órgão de Estado, é um órgão vinculado às Secretarias de Segurança Pública que, por sua vez, são subordinadas aos Governadores estaduais. Por conseguinte, constatou-se que a falta de autonomia administrativa e financeira das Polícias Judiciárias Civis causam diversos entraves, que dificultam a otimização do serviço realizado, dentre os quais pode-se destacar a falta de celeridade na solução das infrações que deveriam ser objeto de investigação, prejudicando princípios básicos de persecução criminal como o imediatismo e a oportunidade; a centralização burocrática, que gera ineficiência do serviço prestado, na contramão da reforma administrativa que visa o atendimento do princípio da eficiência e, por fim, o distanciamento dos problemas cotidianos, pois os gestores com maior poder de decisão estão distantes das dificuldades relacionadas com o dia-a-dia da gestão administrativa, o que inviabiliza a melhor gestão dos recursos públicos. Nitidamente, são nefastas as consequências da falta de autonomia administrativo-financeira das instituições Policiais Civis, perpassando pela ineficiência já mencionada, além da enorme sensação de insegurança com todos os prejuízos dela advindos. Em teorias contratualistas da formação do Estado, há mencionar-se com destaque a que advoga que a população abre mão de parcela de sua liberdade em favor do Estado para que este possibilite o convívio social harmônico. Nesse aspecto, as instituições policiais são imprescindíveis à manutenção do sistema democrático, sendo sua eficácia condicionante de toda uma estrutura, garantindo, ou pelo menos deveria garantir, a consecução tranquila das atividades e necessidades da população. O atual sistema e modelo de gestão das Polícias Civis brasileiras é provinciano e dependente dos “favores” dos governantes sensíveis ao problema, afasta-se do profissionalismo necessário, assim como dos princípios de celeridade, oportunidade e imediatismo inerentes à atividade da Polícia Judiciária Civil. Há um profundo elo histórico entre a polícia e os desmandos dos detentores do poder, sobretudo relacionado ao processo de formação do Estado brasileiro, onde as forças policiais serviam ao governo e garantiam a manutenção do status quo. De outra sorte, sobretudo após a Revolução Industrial, surgimento da classe proletariada e abolição da escravatura, a polícia sempre serviu para assegurar o patrimônio dos burgueses, agora empresários, dos aliados políticos, repelindo insurgências populares, ora consideradas subversivas, ora criminosas ou ambas. Ocorre que com o advento da Constituição Cidadã o paradigma transmudou-se, sendo necessário o rompimento dessa mentalidade. Os serviços públicos estão se profissionalizando e devem buscar cada vez mais a otimização, visando, sempre, o atendimento de sua finalidade, ou seja, o bem da coletividade. Como se verificou através da análise das legislações de seis unidades federativas, em todas elas a Polícia Judiciária é subordinada ao Governador do Estado, e alguns casos de maneira indireta, vez que devem obediência hierárquica às Secretarias de Segurança Pública. Algumas legislações, como a do Estado da Bahia e do Amapá, há previsão legal de autonomia, o primeiro estado conferindo à Polícia Civil a nomenclatura de órgão em regime especial e o segundo trazendo, efetivamente, tanto em seu texto constitucional quando na Lei Orgânica que rege a Polícia Judiciária Civil, a previsão de autonomia financeira e administrativa. Nos mencionados estados, apesar das previsões legislativas, a autonomia administrativa e financeira é podada por fatores externos. No caso específico do estado do Amapá, em que pese o próprio texto constitucional assegurar a citada autonomia do órgão da Polícia Judiciária Estadual, mecanismos de se concretizar a efetiva independência carecem de aprimoramentos, sobretudo pela ausência de previsão de elaboração da proposta orçamentária, como ocorre com os demais órgãos com autonomia financeira, a exemplo do Ministério Público e Defensoria Pública. Após todas essas análises, evidenciando as consequências dessa problemática, concluiu-se que em um quadro ideal a ser perquirido, de modo a afastar as ingerências do Poder Executivo sobre a Polícia Judiciária Civil, seria a aprovação de uma Emenda Constitucional outorgando plena autonomia financeira e administrativa às Polícias Civis estaduais, alterando o § 4º do Art. 144 do texto constitucional, retirando a subordinação hierárquica dos Governadores estaduais, inserindo um modelo de controle supervisional a ser exercido pelas Secretarias de Segurança Pública. A despeito de argumentos contrários, salientou-se que as atribuições da Polícia Judiciária Civil são de índole técnica e advém da própria lei, que impõe todos os atos a serem praticados por seus servidores na primeira fase da persecução penal, a investigação criminal, independente de quaisquer determinações hierárquicas do chefe do Poder Executivo estadual. Por outro lado, notório o avanço que teve o órgão da Defensoria Pública, nos estados em que foi devidamente estabelecido, após o advento da Emenda Constitucional nº. 45/2004, quando lhe foi outorgado autonomia financeira e administrativa, ao que infere-se que o mesmo ocorrerá caso esta autonomia seja conferida às Polícias Judiciárias Civis estaduais. Em subsidiária e segunda proposta, o presente trabalho advoga que, nos termos do § 8º, do Art. 37 da Constituição Federal, seja ampliada a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos das Polícias Judiciárias Civis estaduais, com fixação de metas de desempenho, com prazo determinado, avaliações periódicas de desempenho, com o consequente controle das responsabilidades dos envolvidos, com vistas ao incremento da eficiência gestacional. Para tanto, seria necessário maior liberdade de contratação dos gestores locais, em suas respectivas unidades policiais, utilizando mecanismos facilitadores já existentes nas legislações referentes às licitações públicas, como, por exemplo, os casos de licitação dispensável, o Sistema de Registro de Preços – SRP, dentre outros. A fim de subsidiar a viabilidade desse modelo de gestão, citou-se dois exemplos, um deles implantado no ano de 2008 no Distrito Federal, quando a Secretaria de Estado de Educação Distrital celebrou com os gestores escolares o instrumento denominado Termo de Compromisso de Gestão Escolar, com resultados positivos já verificáveis, como o incremento no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica naquela unidade federativa. Em outro prisma, o segundo exemplo citado foi o Acordo de compromissos firmado pelo Governo do Estado do Mato Grosso e suas Secretarias, dentre elas a de Segurança Pública, demonstrando uma tendência desse modelo gerencial, em que se dá mais autonomia aos órgãos, visando, justamente, o atendimento do princípio constitucional da eficiência. Destarte, os evidentes problemas da Segurança Pública nacional possuem diversas matizes, sendo necessária a implementação de medidas que resgatem e satisfaçam o legítimo anseio da população em ter assegurado seu direito constitucional de segurança. Nesse sentido, tem-se que dentre as possíveis maneiras de trazer um melhoramento na consecução das finalidades da Polícia Judiciária Civil perpassa, indubitavelmente, pela outorga a este órgão de efetiva autonomia administrativa e financeira.
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Assédio moral como ato de improbidade administrativa
O assédio moral é uma violência moral que vem sendo muito discutida e estudada nas últimas décadas – Silva (2015) e está implicitamente ligada a saúde laboral e a gestão de pessoas, conforme alinhavado por Cândido (2011), Martins (2013) e Reis, Mello e Coura (2013). Com base nesta temática, este artigo atentou ao estudo acerca da importância da gestão de pessoas na Administração Pública, justificada ao reflexo da responsabilização dos atos administrativos, em especial salubridade no meio ambiente laboral, relativos à improbidade administrativa, trazendo características, espécies e consequências, por base de referencial teórico, alinhado a sistemática aplicação de leis gerais, projetos e planos de ação, como forma preventiva a manutenção a validade dos atos administrativos e da ordem pública. Como metodologia centrou-se no aspecto qualitativo do problema, ao que já se tem como aparato legal – Projeto de Leis 5.970/2001 e 8.178/14 e leis vigentes, teorias e método para melhoria das condições de trabalho dos profissionais. O propósito maior desta pesquisa foi à demonstração da necessidade de mudança de postura dos gestores públicos ao respeito à saúde física e mental dos trabalhadores da Administração Pública. Apesar dos resultados mostrarem dificuldades ao resultado da proposta, mostrou o aspecto prático em casos de assédio moral e necessidade de mudança de postura dos gestores públicos quando da constatação de assédio moral no seio da Administração.
Direito Administrativo
1. INTRODUÇÃO O tema proposto compõe a conceituação do instituto do Assédio Moral suas espécies, anatomia, reflexo a saúde do trabalhador e a responsabilidade civil nas relações laborativas e no meio ambiente do trabalho como improbidade administrativa. Nessa medida, a discricionariedade e práticas de arbitrariedade são atos autoritários na tentativa de impedir que alguns servidores obtenham a estabilidade ou perdas em razão de perseguições e constantes ameaças que tornam rotineiros – temor reverencial. O objetivo geral da pesquisa está em redimensionar a gestão de pessoas na Administração Pública, em especial, aos atos que tendem a retirar direitos do servidor, abalar a dignidade do trabalhador público. Desta feita, pretende-se destacar que o gestor público que age na prática de assédio moral age com dolo genérico, imprescindível ao enquadramento na modalidade da improbidade administrativa, cuja atuação, deve pautar – não somente, quando da proteção do patrimônio público – como o humano, incorrendo, assim, às penalidades previstas no inciso III do artigo 12 da Lei 8.429/92. O presente artigo tem por objetivo específico conduzir à reflexão quanto ao papel do gestor público, independentemente do nível de atuação na gestão de conflitos, na inviabilização do assédio moral, justificando um novo modelo de gestão aos fins colimados para proteção da saúde mental dos trabalhadores e da harmonia funcional nas organizações. Nesse sentido, depreende o destaque do problema de pesquisa a composição de ideias de até quando essa discriminação representa tipificação do assédio moral e deste, à vulneração da saúde do trabalhador em seu aspecto epidemiológico, aos princípios peculiares a Administração Pública e, consequentemente, a responsabilidade decorrente das ações e omissões do poder público quanto aos atos praticados. O referido problema apresentado serviu para redimensionar a gestão de pessoas na Administração Pública, em especial, aos atos que tendem a retirar direitos do servidor, abalar a dignidade do trabalhador perante a responsabilização por atos de improbidade administrativa decorrente de estudo de caso decidido na 2a Turma do STJ e projetos de lei perante a Câmara dos Deputados. O parâmetro base utilizado, passa pela reflexão da problemática compreendendo o cotejo sistemático de leis existentes no ordenamento jurídico e estudo literário justificando a importância do tema.
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A terceirização no serviço público: aspectos gerais, limites e vedações
O presente artigo tem por escopo retratar a terceirização de serviços públicos, buscando dentro do direito do trabalho e com complemento do direito administrativo, breve mostra da responsabilidade da Administração Pública no que tange às obrigações trabalhistas decorrentes da terceirização. Por óbvio, a terceirização pode ser entendida como amplamente utilizada pela Administração Pública, se verificada a quantidade de alternativas disponibilizadas ao gestor, mas o objeto aqui tratado não se reporta às outorgas mediante criação de órgãos ou entidades públicas, tendo o seu núcleo reservado a observar a terceirização mediante a celebração de contratos. Destarte, já se pode dizer que o tema será abordado por duas vertentes principais, sendo a terceirização lícita e a terceirização ilícita, a partir disso, será buscada a relação entre o ente público tomador dos serviços, a empresa terceirizante e o trabalhador. Conforme pesquisado, pode-se notar que há divergência e certa contradição em meio à doutrina e a jurisprudência sobre a forma de tratar as responsabilidades do tomador dos serviços e a empresa que efetivamente contrata o trabalhador, congestionando o cenário no Poder Judiciário e levando o juiz a uma profunda análise do caso concreto para aplicar a justiça. Todavia, o centro da discussão no presente trabalho se volta à questão mais acadêmica da terceirização, onde serão abordados seus aspectos históricos, a forma com que ocorre, suas características principais, a legislação que se tem à disposição do tema e o tipo de vínculo estabelecido na relação trilateral é entabulada, os princípios aplicáveis no caso da terceirização de serviços públicos e a legislação que o Estado tem que respeitar para celebrar contratos de prestação de serviços com as empresas.
Direito Administrativo
1 Introdução O presente artigo tem por escopo retratar a terceirização de serviços públicos, buscando dentro do direito do trabalho e com complemento do direito administrativo, breve mostra da responsabilidade da Administração Pública no que tange às obrigações trabalhistas decorrentes da terceirização. Com o tempo, o Estado, visando manter a regular prestação de serviços, se viu obrigado a utilizar-se da terceirização como uma ferramenta de gestão capaz de reduzir custos e proporcionar a prestação de serviços especializados através das delegações, concessões, criação de empresas públicas, autarquias, sociedades de economia mista e fundações, e realização de processos licitatórios destinados à celebração de contratos com empresas que fornecem a mão de obra solicitada. Por óbvio, a terceirização pode ser entendida como amplamente utilizada pela Administração Pública, se verificada a quantidade de alternativas disponibilizadas ao gestor, mas o objeto aqui tratado não se reporta às outorgas mediante criação de órgãos ou entidades públicas, tendo o seu núcleo reservado a observar a terceirização mediante a celebração de contratos. Destarte, já se pode dizer que o tema será abordado por duas vertentes principais, sendo a terceirização lícita e a terceirização ilícita, a partir disso, será buscada a relação entre o ente público, tomador dos serviços a empresa terceirizante e o trabalhador. Conforme pesquisado, pode-se notar que há divergência e certa contradição em meio à doutrina e a jurisprudência sobre a forma de tratar as responsabilidades do tomador dos serviços e a empresa que efetivamente contrata o trabalhador, congestionando o cenário no Poder Judiciário e levando o juiz a uma profunda análise do caso concreto para aplicar a justiça. Todavia, o centro da discussão no presente trabalho se volta à questão mais acadêmica da terceirização, onde serão abordados seus aspectos históricos, a forma com que ocorre, suas características principais, a legislação que se tem à disposição do tema e o tipo de vínculo estabelecido na relação trilateral é entabulada, os princípios aplicáveis no caso da terceirização de serviços públicos e a legislação que o Estado tem que respeitar para celebrar contratos de prestação de serviços com as empresas. 2 Breve História e Conceito de Terceirização A fim de se entender o instituto da terceirização, é mister traçar alguns dos acontecimentos históricos mais relevantes e que desencadearam o seu surgimento. Nesse sentido, pode ser considerado como princípio da terceirização a Segunda Guerra Mundial que em razão do aumento da produtividade na indústria de armamentos, para suprir a demanda acabou encontrando como solução "remodelar a forma de produção, transferindo atividades não essenciais a outras empresas” (FELICIO apud DELGADO, 2004, p. 81). A partir de então, tem-se como um dos primeiros registros de delegação de atividades meio, ou secundárias, a terceiros. Mas o fenômeno somente cresceu e com o final da guerra, os países vitoriosos tiveram um potencial aumento em seu poder econômico, quando então surgiram modos de produção que são conhecidos como taylorista e fordista (DELGADO, 2005, p.46) assim explica o modo de produção taylorista: “Propondo a minuciosa separação de tarefas e sua consequente rotinização no processo laborativo interno à empresa, o método taylorista reduzia a necessidade sofisticada de especialização do trabalho, transformando-o em sequência de atos basicamente simples. A partir daí, esta gerência científica do trabalho multiplicava a produtividade laborativa, viabilizando a explosão da produção massiva característica do sistema capitalista.” Da lavra do mesmo autor, traz-se o modo de produção fordista: “O fordismo, ao lado de implementar a proposições tayloristas, produz inovações no estratagema de gestão da forma de trabalho e do próprio empreendimento empresarial, dando origem a um modelo de grande influência nas décadas seguintes no ocidente desenvolvido”. (DELGADO, 2005, p.46). Todavia, tais sistemas de produção começaram a se tornar inviáveis na década de 70, quando instaurou-se a crise econômica no ocidente, onde ocorreram impactos não só no modo de produção capitalista, mas também nos próprios trabalhadores com a mitigação de seus direitos. Contudo, é inegável que os métodos taylorista e fordista contribuíram em muito para os conceitos atuais de empregador e empregado, já que, por serem verticalizados deixam evidente a subordinação. Em consequência disso, esses sistemas foram superados pelo toyotismo, que é um modo de produção com especialização mais flexível e mais eficiente no quesito de atendimento das múltiplas demandas do mercado segmentado, já que a automatização fordista não se mostrava tão eficaz. No toyotismo passou a ser exigida do empregado uma multifuncionalidade, “[…] podendo atuar com certa autonomia e poder de iniciativa na forma de realização do trabalho” (CARELLI, 2004, p. 43-44), tornando assim a empresa em uma hierarquia horizontalizada e que prioriza suas atividades-fim, fomentando a prestação das atividades-meio por outras empresas. Com o foco no objeto fim e no suprimento da demanda, esse sistema mais horizontal acabou deixando menos nítidas as definições clássicas de empregador e empregado. O trabalhador ganhou determinada autonomia e houve uma flexibilização da aplicação da legislação trabalhista, que na época era vista como entrave ao crecimento econômico e à livre iniciativa privada, abrindo margem à terceirização como a solução para a consolidação do toyotismo como meio de produção mais eficaz. No Brasil, a terceirização teria sido introduzida por multinacionais dedicadas à produção de automóveis, que, em consonância como o toyotismo, focavam apenas na montagem de veículos, deixando para terceiros a tarefa de fabricar as demais peças e componentes. Fernando Basto Ferraz (2006, p. 239), em raciocínio simples, conclui que “a expressão ‘terceirização’ surgiu através da área de administração de empresas, objetivando dar ênfase à descentralização empresarial de atividades para outrem, um terceiro à empresa”. Para entender o que é terceirização é oportuna a lição de Ciro Pereira da Silva (apud RAMOS, 2001, p. 50), que a vê como: “[…] a transferência de atividades para fornecedores especializados, detentores de tecnologia própria e moderna, que tenham esta atividade terceirizada como atividade-fim, liberando a tomadora para concentrar seus esforços gerenciais em seu negócio principal, preservando e evoluindo em qualidade e produtividade, reduzindo custos e gerando competitividade.” Denota-se que deste conceito tirado da área de Administração de Empresas, ao transferir parte das atividades a terceiros, a empresa contratante deixa de ter custos com parte de sua estrutura, ganhando tempo, diminuindo pessoal e melhorando suas finanças. Por seu turno, empresas terceirizadas, que são as que fornecem bens ou serviços, em razão do potencial de mercado, cada vez mais se especializam e buscam a primazia naquilo que se propõem realizar. A competitividade do mercado da terceirização pode trazer outro benefício para a empresa contratante, que é o barateamento dos preços dos produtos oferecidos. Na área do direito do trabalho, Maurício Godinho Delgado (2006, p. 428) explanou sobre a terceirização, entendendo a como: “O fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.” Assim, pode-se chegar ao conceito de que a terceirazação é um contrato empresarial que tem por objeto a aquisição de um lado e forncimento de outro, tendo em vista a cooperação para alcance do objeto final do contratante, onde há trabalho, habiltualidade e onerosidade, mas a subordinação é verticalizada, tendo o empregado seu vínculo com a empresa terceirizante que efetivamente o cotrata. Todavia, como o trabalho se propõe a estudar a terceirização no âmbito da Administração pública é opotuno o conceito trazido por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p.343): “No âmbito do direito do trabalho, terceirização é a contratação, por determinada empresa (o tomador do serviço), do trabalho de terceiros para o desempenho de atividade-meio, Ela pode assumir diferentes formas, como empreitada, locação de serviços, fornecimento etc. O conceito é o mesmo para a Admnistração Pública que, com muita frequência, celebra contratos de empreitada (de obra e de serviço) e de fornecimento […].” Assim a terceirização se caracteriza como a contratação entre empresas para o desempenho de atividade-meio, sem que haja subordinação do empregado da terceirizante com o tomado do serviço. Como o objeto da terceirização é a atividade meio, a sociedade vendo que era rentável, impulsionou a terceirização com a criação empresas prestadoras de serviços de conservação e limpeza e em seguida de vigilância, expandindo cada vez mais o campo de atuação para outros setores. 3 Considerações sobre serviço público Em sentido amplo, serviço público pode ser entendido como "toda a atividade que o Estado exerce para cumprir os seus fins" (MASAGÃO apud DI PIETRO, 2009, p. 98). Nessa definição dada por Mário Masagão pode-se dizer que todas as atividades do Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário são serviços públicos, levando ainda à reflexão de que o Estado, na esfera administrativa decide sobre seus próprios procedimentos, na legislativa planeja e busca a regulação e organização dos interesses da população, e no âmbito do jurisdicional efetua o gerenciamento dos procedimentos e conflitos que lhes são levados a conhecimento pelas partes. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p.99), ainda traz em sua obra o conceito de José Cretella Júnior, onde o serviço público é definido como "toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas mediante procedimento típico do direito público". Mais prolixa, é a definição de Hely Lopes Meirelles (2010, p.297), onde "serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado". Esta definição trazida por Hely Lopes Meirelles é mais interessante justamente por conta de o autor mencionar a Administração ao invés do Estado, para chegar ao seu conceito, ora é sabido que os Poderes Judiciário e Legislativo prestam serviços públicos, mas é notório ainda que estas funções não possam ser executadas por outra pessoa senão o servidor público para ela designado. Ante a isso, é importante trazer as definições de serviço público em seu sentido estrito, que é quando "a Administração cuida de assuntos de interesse coletivo, visando ao bem-estar e ao progresso social, mediante o fornecimento de serviços aos particulares" (DI PIETRO, 2009, p. 99). Contudo, há serviços públicos que não se destinam ao benefício direto dos administrados, podendo-se elencar os serviços internos, tais como a manutenção e limpeza das instalações dos prédios públicos e a vigilância do patrimônio estatal, também se enquadram aí os serviços diplomáticos e aqueles destinados à estudo e pesquisa científica e de tecnologias. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o serviço público era definido a partir de três critérios, sendo o subjetivo (o Estado é o prestador), o material (a atividade é destinada à satisfação coletiva) e o formal (regime jurídico de direito público). Ocorre que o rol de serviços prestados pelo Estado, com o passar dos anos foi se ampliando e passando a atuar em áreas comerciais e industriais, que antes eram reservas à iniciativa privada. A partir de então, o Estado não tendo mais uma organização eficiente para dar conta dessas obrigações por ele assumidas, passou a delegar a sua execução a terceiros, se valendo de contratos administrativos de concessão de serviços públicos e mais adiante passou à criação de pessoas jurídicas de direito privado para executar essas atividades, começando a surgir as empresas públicas e sociedade de economia mista. Nota-se que, embora ainda que sejam empresas públicas (que tem organização como se privada fosse) e sociedades de economia mista (onde há participação de particulares na constituição do capital), não se trata de terceirização, uma vez que o Estado ainda continua sendo o detentor dos serviços, ainda que indiretamente. Contudo, na delegação dos serviços e contração de empresas mediante licitação, para determinadas atividades, a terceirização é patente e vai ao encontro das políticas governamentais que buscam a contenção de gastos e redução de pessoal. Com isso, o Estado teve seu elemento subjetivo afetado, já que não se poderiam mais considerar que somente ele poderia prestar o serviço público e também se enfraqueceu a característica formal, uma vez que nem todo serviço era adstrito ao regime jurídico público. Sob a égide da Constituição Federal de 1988, ampliou-se um pouco o conceito, conforme escreve Alexandre Santos de Aragão (2007, p.157), onde serviços públicos: “[…] são as atividades de prestação de utilidades econômicas a indivíduos determinados, colocados pela Constituição ou pela Lei a cargo do Estado, com ou sem reserva de titularidade, e por ele desempenhadas diretamente ou por seus delegatários, gratuita ou remuneradamente, com vistas ao bem-estar da coletividade.'' O mesmo autor, parafraseando Egon Bockmann Moreira (apud ARAGÃO, 2007, p.160-161), afirma que o Estado, em se tratando de um serviço público, tem o dever de atuar de forma direta ou indireta, uma vez que é exigida uma prestação pública contínua e adequada, que é decorrente do próprio princípio da continuidade do serviço público. Há que se consignar, que para o autor, não se atribui importância à titularidade do serviço público, mas sim a responsabilidade do Estado sobre a atividade, em virtude de sua obrigação de prestar serviço público. É oportuno trazer o texto do art. 175 da CF, sobre os serviços públicos, retratando que o Estado estará sempre ligado a tal atividade, conforme se verifica: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.” (BRASIL, 1988, art.175). Tem-se assim que o serviço público é todo aquele definido por lei, que depende economicamente do Estado e tem por objetivo o bem estar da coletividade, sendo o seu executor pessoa de direito público ou o particular devidamente investido nessa condição, mediante um ato do Poder Público. 4 Os limites da terceirização dos serviços públicos Com passar do tempo, o Estado veio cada vez mais aumentando a gama de serviços públicos, e com o advento da Constituição Federal de 1988 de forma vultosa, as obrigações do Estado e os direitos do povo se sobrepuseram à capacidade estrutural e financeira dos órgãos públicos de modo geral. Assim, a Administração Pública reconhecendo sua importância para a população, bem como a possibilidade de sofrer sanções das normas e até condenações judiciais diante do seu dever de agir, conjugando recursos apertados em face de necessidades ilimitadas, passou a se utilizar da estratégia da terceirização. Acerca da titularidade do serviço público, esta sempre pertencerá ao Estado em todas as suas esferas, mas isso não significa que ele seja obrigado a presta-los por si mesmo, abrindo então o campo para a terceirização. Conforme já mencionado no item 3, cada um dos Poderes tem a sua função primária, mas também exerce secundariamente as funções do outro, sendo na seara organizacional (função administrativa), onde cada um tem autonomia para dirigir suas tarefas na busca pela prestação dos serviços a todos, o campo de incidência da terceirização. Onde, nas palavras de Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p.92), as tarefas podem ser realizadas “por terceiros autorizados a atuar em nome do Estado, como se dá com os permissionários e concessionários de serviços públicos”. Com efeito, no exercício da discricionariedade, o Estado pode conferir a titularidade de algumas das suas tarefas a particulares que deverão prestar o serviço de acordo com as regras e períodos impostos. Todavia, a questão de grande debate envolve o limite dessas terceirizações, podendo ser fixados limites de competência e legitimidade de atuação e ainda a questão dos princípios da Administração Pública que podem (e devem) ser seguidos por aqueles que assumem uma tarefa que até então era precípua do Estado. Com frequência, se vê a terceirização das atividades meio, como vigilância, limpeza pública interna e externa, suporte a sistemas de informação, coleta de lixo, manutenção da iluminação pública, construção de estradas e prédios públicos, entre outros. Notadamente, alguns serviços públicos são de caráter transitório, como é o caso das obras e, nesse espeque, o Estado tem uma grande economia já que não precisa contratar servidores, estabelecendo mediante licitação o preço por empreitada para a realização do serviço, sendo que é necessário estudar o limite da terceirização não só à luz da legislação sobre o tema, como também pela aplicação dos princípios adiante examinados. 4.1 A Legislação Sobre Terceirização Para uma melhor compreensão da legislação sobre o tema é importante realizar uma leitura histórica dos dispositivos pátrios que já carregaram em seu texto algo sobre a terceirização e tiveram, senão por objeto disciplinar tais relações no âmbito da administração pública, ao menos de forma indireta alguma incidência no assunto, vindo a ser utilizados como referência no período em que tiveram vigência. Senão pioneiro, um dos primeiros diplomas a compilar o assunto, é o Decreto-Lei nº 200/67, que trata da terceirização, em seu art. 10, § 1º, alínea c, c/c § 7º, como colaciona-se: “Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.§ 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais: […] c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões.[…] § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”. (BRASIL, 1967). Neste momento, o Estado começou a admitir a contratação de empresas para a realização de tarefas de sua incumbência, se caracterizando em terceirização clara, ou seja, verdadeira cessão de tarefas ou serviços executivos pela iniciativa privada de modo autônomo. Fica evidente ainda, que o objetivo maior da Administração era impedir o crescimento de seu aparato através de serviços de terceiros capacitados para desempenhar suas tarefas privativas, mas não se desestatizando, visto que é amplamente configurada a situação de descentralização. Há quem entenda que o modelo de administração pública desse período era muito burocrático e centralizado, o que, conforme Amorim (2009, p.104-105): “Confere à norma em apreço um aspecto ‘despreocupadamente’ exortativo da contratação de tarefas internas do setor público ao setor privado, com finalidade estritamente organizacional, num cenário político que não representava qualquer risco de abuso privatista. No paradigma administrativo da época, a preocupação maior do governo militar residia na desburocratização dos processos de decisão na administração pública direta e no controle operacional e financeiro das empresas estatais. O grande desafio da época era flexibilizar a administração dessas empresas para atribuir maior operacionalidade e reduzir custos nas atividades econômicas do Estado.” Depois do Decreto-Lei nº 200/67, outra legislação que tratou do tema foi a Lei nº 5.645/70, que trouxe no seu art. 3º parágrafo único[1], exemplos de atividades entendidas como executivas e passíveis de terceirização: “Art. 3º (Omisso) Parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acôrdo com o artigo 10, § 7º, do Decreto-lei número 200, de 25 de fevereiro de 1967.” (BRASIL, 1967). No entendimento de Maurício Godinho Delgado (2009, p.411), embora seja um rol exemplificativo, servem de referência para se considerar que tais atividades se remetam a atividades de apoio, instrumentais, atividades meio. Também é importante, nessa toada, citar que as Súmulas 256[2] e 257 do TST também trouxeram algumas regras de restrição da terceirização (serviços temporários e vigilância bancária), porém na iniciativa privada, mas se analisada intenção do legislador ao disciplinar as atividades instrumentais ou de apoio, ou simplesmente atividades meio, houve coesão. Sobre Súmula 256, comenta Rodrigo de Lacerda Carelli (2003, p. 108) que “não houve em nenhum momento nesse enunciado a proibição à verdadeira terceirização, e sim à interposição de empresas com vistas a evitar o vínculo empregatício”. Outro importante diploma legal é o Decreto-Lei nº 2.300/86, já que disciplinou as licitações e contratos no âmbito da Administração Federal e no seu art. 9º, II, trazia expressamente a possibilidade de execução de obras e serviços sob a forma indireta: “Art. 9º As obras e serviços poderão ser executados nos seguintes regimes: […] II – execução indireta, nas seguintes modalidades: a) empreitada por preço global; b) empreitada por preço unitário; c) administração contratada; e d) tarefa.” (BRASIL, 1986). Quando da publicação da Constituição Federal, o legislador estampou no art. 37, XXI, que as aquisições de bens e serviços seriam contratados mediante licitação, sendo esta obrigatória à administração pública direta, indireta e em todas as esferas de governo e poder. Pela interpretação histórica, se deduz que a intenção da norma não era demonstrar a possibilidade de celebração de contratos com particulares, mas sim encerrar a noção de obrigatoriedade de realização de processo licitatório, sendo nessa senda elaborada a Lei nº 8.666/93. Sem embargo, a Lei de Licitações e Contratos revogou integralmente o Decreto-Lei nº 2.300/86, e trouxe disposição semelhante ao art. 9, II desse diploma, conforme evidencia-se no art. 10, II, ao tratar da execução indireta: “Art. 10. As obras e serviços poderão ser executados nas seguintes formas: […] II – execução indireta, nos seguintes regimes: a) empreitada por preço global; b) empreitada por preço unitário; c) (Vetado). d) tarefa; e) empreitada integral”. (BRASIL, 1993). Sobretudo, para distinguir os regimes de execução direta e indireta, é salutar a lição de Marçal Justen Filho (2009, p.125-126): “A execução direta verifica-se quando a obra ou serviço é executado pela própria Administração. A Lei acrescentou a expressão ‘pelos próprios meios’ ao conceito existente no DL 2.300/1986. Desse modo, deixou claro que a execução direta envolve também o instrumental da Administração. No caso de execução direta, a Administração direta não necessitaria, em princípio, do concurso de terceiros. Logo, não caberia cogitar de contratação administrativa (portanto, nem de licitação). As obras e serviços podem desenvolver-se sob regime de execução indireta. A responsabilidade pelo cumprimento das prestações é assumida por um terceiro, que é juridicamente o realizador da obra ou prestador do serviço. A execução indireta se faz sob a modalidade básica da empreitada.” Se atendo ao tema e voltando àquilo proposto, ou seja, os limites da terceirização dos serviços públicos, a Lei nº 8.666/93, conforme redacionado no art. 6º, II, que além de conceituar, traz rol exemplificativo de serviços: “Art. 6o Para os fins desta Lei, considera-se: […] II – Serviço – toda atividade destinada a obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais; […].” (BRASIL, 1993). Vários autores afirmam que desse rol exemplificativo do art. 6º, II da Lei nº 8.666/93, infere-se que serviços terceirizáveis são qualificados como instrumentais, ou atividades meio, por notadamente não serem revestidos de burocratização, ou aqueles que somente servidores devidamente investidos em cargos públicos poderiam realizar, em respeito ao princípio da legalidade. Diferentemente, Marçal Justen Filho (2009, p.108-109) ao comentar o referido inciso, assim se posiciona: “[…] foi adotada uma espécie de definição, acrescida de um sumário exemplificativo de atividades consideradas como tal. Isso já seria defeito suficiente para merecer crítica. O defeito da definição de serviço é evidente, pois não basta afirmar que consiste em toda atividade que vise obter determinada utilidade de interesse da Administração. […] Em suma, o conceito de serviço não fornece o caráter distintivo específico correspondente. Por decorrência, o intérprete é constrangido a se submeter ao casuísmo da Lei. Como a Lei arrola espécies de atividades, o intérprete não dispõe de um critério genérico que seja adequado para solucionar todas as dúvidas. […] Obviamente, a locação não consiste em prestação de serviços. Por igual, considerou-se que “demolição” caracteriza um serviço. Já o “serviço” se identifica pela preponderância da atividade humana, retratada na produção de utilidades concretas ou abstratas para a Administração. A relevância do serviço reside na atividade em si mesma. Trata-se de uma obrigação de meio, preponderantemente.” Para esclarecer, é importante a conceituação de Maurício Godinho Delgado (2006, p.442-443) que afirma as atividades meio como: “[…] funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços.” No embalo da lei de licitações, no mesmo ano de 1993, o Tribunal Superior do Trabalho assentou o entendimento sobre terceirização na Súmula nº 331, a qual merece melhor estudo no Item 5, adiante apresentado. Por ser uma época onde as políticas predominantes eram neoliberais, houve uma redução do pessoal dos órgãos públicos, sendo amplamente utilizada a terceirização. Nesse período da década de 90, a terceirização no âmbito do Poder Público tomou uma proporção mais elevada, chegando a violar determinações e preceitos legais que somente admitiam a terceirização das atividades meio. Como tentativa de distorção de conceitos e com intuito de camuflar a intermediação de mão de obra (segundo pensamento de Carelli), no âmbito federal foi editado o Decreto nº 2.271/97: “Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.” (BRASIL, 1997). Se percebe que a intenção foi tornar as atividades instrumentais ou complementares de execução indireta por regra, transferindo-as a terceiros, trazendo ainda um rol não exaustivo no §1º e complementado com o §2º, que flexibiliza a execução indireta de atividades inerentes a cargos, desde que haja disposição legal ou o cargo esteja extinto. E, no intuito de se resguardar, no mesmo decreto foi trazida a redação do art. 4º: “Art. 4º É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam: I – indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custos; II – caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra; III – previsão de reembolso de salários pela contratante; IV – subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante; […].” (BRASIL, 1997). De acordo com o previsto no referido artigo, é clara a intenção da Administração Pública em afastar a hipótese de intermediação de mão de obra, para tornar o objeto do contrato firmado entre as empresas uma prestação de serviços. Onde, em simples palavras, estaria o órgão licitador a comprar serviços, quebrando as demais situações que poderiam configurar qualquer vínculo com a pessoa que efetivamente empregaria sua força na consecução do objetivo do órgão público. No tocante à legislação, a pesquisa realizada conseguiu abordar tão somente os dispositivos acima, sendo importante ressaltar que a matéria vem regulada no âmbito do direito do trabalho mais pela Súmula nº 331 do TST que será mais bem apresentada em momento posterior. 4.2. Princípios Aplicáveis à Terceirização Uma vez que a legislação acerca da terceirização não exaure totalmente o instituto, é necessária para a compressão de sua utilização no serviço público, uma leitura conjugada com os princípios da Administração Pública, conforme adiante será apresentado. 4.2.1. Princípio da Moralidade Antes de adentrar no tema é lapidar a lição do Supremo Tribunal Federal que trata da moralidade: “[…] Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como principio de administração pública (art. 37 da CF). Isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de principio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o principio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez “el hecho de su consagracion em uma norma legal no supone que com anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter” (El principio de buena fé em el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de principio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Recurso Extraordinário nº 160.381 – SP, Rel. Min. Marco Aurélio; RTJ 153/1.030). Exposto no artigo 37 da Constituição Federal, é um dos princípios de maior atuação no campo do direito administrativo e na regulação dos atos públicos. Em que pese não seja tão observado pelos atuais gestores públicos no cenário político que o País vem experimentando, para efeitos práticos e acadêmicos, dentre tantas, a definição mais completa é a de Maurício Antonio Ribeiro Lopes (apud Barcelar Filho, 2010, p.78): “A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum o que, contudo, não as antagoniza, pelo contrário, são complementares. A moralidade administrativa é composta de regras de boa administração, ou seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre os valores antagônicos – bem e mal; legal e ilegal; justo e injusto – mas também pela ideia geral de administração e pela ideia de função administrativa. Vislumbra-se nessa regra um caráter utilitário que é dado por sua imensa carga finalista.” Assim como todos os atos praticados pelo Poder Público devem ser revestidos da moralidade, os contratos que preveem a terceirização não podem ser exceção e, fazendo opção em terceirizar serviços, há quem entenda que se o Poder Público causa, ainda que de forma mediata, prejuízos ao trabalhador, tem o dever de assumir de forma subsidiária o adimplemento das verbas trabalhistas. Para quem defende esse pensamento, há uma exagerada expectativa ética da coletividade de que a Administração sempre honre suas dívidas, abarcando inclusive as forças de trabalho despendidas em seu favor, como ocorre no caso do empregado terceirizado. Mas, para o contrato de terceirização que se entabula, o princípio da moralidade tem de se ater ao respeito da função pública de seu objeto, ao valor pago dentro do que preconizam as regras de mercado, ao fiel cumprimento das cláusulas e da manutenção da honestidade e do equilíbrio econômico financeiro ao longo da avença, configurando verdadeiro transcendentalismo prever as verbas devidas pela empresa ao empregado como obrigação do Estado. 4.2.2. Princípio da Legalidade Da mesma forma que o princípio da moralidade, o princípio da legalidade encontra-se na letra do art. 37 da Constituição Federal, sendo também um dos princípios basilares da Administração Pública em todas as suas esferas de atuação. Mas, diferentemente da interpretação dada em relações entre particulares, no âmbito do Poder Público a legalidade é aplicada em seu sentido estrito onde “só se pode fazer o que a lei permite” (Di Pietro, 2009, p. 83). O princípio da legalidade encontra-se estampado no art. 37, caput, da Constituição de 1988 e é um dever atribuído a toda a Administração Pública direta e indireta, de todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, respeitá-lo. Já para relações entre particulares, o princípio da legalidade aplica-se de forma ampla, onde é permitido tudo aquilo que não é proibido, também pode ser entendido junto com a autonomia da vontade, pela sua interpretação. Para a terceirização, é um importante princípio, pois nele está contido um verdadeiro limite a atuação do Poder Público, já que as hipóteses de utilização do instituto vêm previstas em ato legal, sendo este responsável por traçar as atividades que podem ser transferidas a particulares, sendo ainda importante ressaltar que o contrato administrativo, da mesma forma, é mitigado no que alcança a expressão da vontade das partes. Em resumo, o princípio da legalidade funciona como um verdadeiro freio, que é capaz de limitar a vontade do gestor, que sempre estará amarrado aos ditames da legislação, sempre para preservar o interesse público e reguardar o patrimônio e a supremacia do Estado em face do particular, e por isso, quando se dá a terceirização, o seu objeto se limita a serviços de apoio, que proporcionam meios para que o Ente Público realize suas tarefas. 4.2.3. Princípio da Eficiência O Princípio da eficiência, inserido na Constituição Federal de 1988 por meio da EC 19/98, é aquele que: “Impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.” (MORAES, 1999, p.30). Tal princípio não só foi observado, como se transformou em uma meta para o Estado nas suas atividades, recaindo sobre o seu modelo gerencial, de modo a impor uma reformulação de suas estruturas. No que alcança a estrutura funcional, a Administração Pública viu na terceirização uma forma de desburocratizar e descentralizar suas atividades instrumentais, trazendo não só otimização pela contratação especializada como também uma redução nos seus custos com pessoal e capacitações, podendo se concentrar em prestar de forma mais adequada as suas atividades-fim. O momento em que essa reestruturação se deu no País, quando então era encabeçado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, embora seja alvo de críticas, também tem os seus méritos, conforme expressa Bresser Pereira, ao conceituar o modelo gerencial, que é orientado: “[…] para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos”. (PEREIRA, 1996, p.28). Independente da corrente política que inseriu o princípio no texto constitucional, sua essência veio a trazer importantes melhorias no âmbito dos serviços prestados aos administrados, conforme bem expressa Celso Antonio Bandeira de Mello (1999, p.92): “Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas obvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais suma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração.” Nesse sentido, quando se menciona o princípio da eficiência, deve-se ter em conjugação o princípio da legalidade, posto que este é o verdadeiro norteador das atividades públicas e uma vez que se deve buscar a boa administração, quando o Estado terceiriza, esse ônus é transmitido ao particular que assume a atividade posta no contrato. Então, com vistas ao cumprimento da lei, o contrato de terceirização deve buscar eficiência e não somente livrar a Administração Pública de encargos e despesas, sob pena de não atingimento do fim a que foi proposto. 4.3 Concurso Público como Limite à Terceirização Com a Constituição Federal de 1988, o concurso passou a ser a regra matriz do ingresso no serviço público, ou seja, todos os provimentos de caráter efetivo somente se dão através do concurso de provas ou provas e títulos. Salvo os cargos em comissão ou cargos de confiança, o concurso público encerra em si verdadeira materialização dos princípios da moralidade e da impessoalidade, dando àquele que se inscreve a oportunidade de integrar a carreira pública, escoimado de qualquer vínculo ou apadrinhamento por parte do gestor que está à frente do órgão público que promove o certame. Retirada assim qualquer subjetividade, e levando em conta a supremacia e a indisponibilidade do interesse público, veio a calhar a realização dos concursos públicos para afastar qualquer privilégio ou busca por interesse pessoal por parte do administrador. Em um de seus aspectos, o princípio da impessoalidade impede que a Administração proceda a discriminações entre os administrados, a fim de lhes beneficiar ou prejudicar. Consubstancia-se em uma faceta do princípio da igualdade, no sentido de que o Estado deve sempre observar a isonomia no tratamento dos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nessa toada, frente à celebração de contratos com a pura intuição de conseguir mão de obra, há uma verdadeira violação à regra constitucional de que a realização de concursos públicos deve ser o meio para realização do fim buscado pelo Estado, qual seja, oferecer os serviços públicos para os administrados. Desse modo, quando há a interposição do concurso através da terceirização, tem flagrante violação de pelo menos três princípios constitucionais, sendo os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, configurando em verdadeira fraude ao acesso democrático do cargo público. Nota-se que em alguns estados federativos, a preocupação foi maior, como por exemplo, no Estado do Paraná, onde sua constituição dispõe: “Art. 39. É vedada a contratação de serviços de terceiros para a realização de atividades que possam ser regularmente exercidas por servidores públicos, bem como para cobrança de débitos tributários do Estado e dos Municípios”. (PARANÁ, 1989). Ainda que não seja uma disposição cumprida integralmente pelos municípios, já é grande avanço na proteção e respeito à livre acessibilidade aos cargos públicos. Contudo, não é raro verificar a existência de contratos com o Poder Público, onde empresas e até mesmo particulares exercem atividades específicas e destinadas ao contratante, que, em tese, são indelegáveis, como é caso em que se configuram as terceirizações ilícitas, onde o contratado realiza atividades fim e que são de notada atribuição de um servidor público. Bem se vê, que a regra contida no art. 37, II da CF é de que os cargos públicos têm de ser providos mediante concurso, sendo a terceirização uma mera via alternativa para auxiliar nas atividades do Estado, nunca podendo ocupar uma posição de realização daquilo que deve ser entregue ao público. A título de exemplo, o TST já afirmou inclusive que a administração pública fica impossibilitada de terceirizar seus serviços quando há concurso público em aberto para provimento de vagas, ainda que em cadastro de reserva, sendo relevante a ementa do julgado: “AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. EFEITO SUSPENSIVO A AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LIMINAR INDEFERIDA. CONCURSO PÚBLICO. CADASTRO RESERVA. CONTRATAÇÃO DE TERCEIRIZADOS EM DETRIMENTO DE CANDIDATOS APROVADOS EM CONCURSO. Conforme vem decidindo esta 1ª Turma, em sintonia com a jurisprudência do STF, não há falar em -cadastro reserva- quando o ente da administração pública mantém em seu quadro, no prazo de validade do concurso, terceirizados no lugar de concursados, em detrimento da regra constitucional do concurso público. A concessão de liminar para dar efeito suspensivo ao agravo de instrumento em recurso de revista pressupõe a verossimilhança da alegação do autor e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, nos moldes do que dispõe o art. 558 do CPC, requisitos não demonstrados na espécie, autorizando o julgamento antecipado da medida cautelar. Agravo regimental a que se nega provimento, julgando improcedente o pedido formulado na medida cautelar.” (TST – AgR-CauInom: 43242820115000000 – 4324-28.2011.5.00.0000, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 11/10/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/10/2011). Ao arremate, ainda que as disposições da Lei nº 8.666/93 sejam integralmente cumpridas em regular procedimento licitatório, há quem afirme que “uma vez eleito o vencedor do certame, o administrador poderá a seu talante, por exemplo, em nome de uma relação harmoniosa para a execução contratual, pleitear a contratação pela terceirizada de pessoas por ele indicadas” (RAMOS, 2001, p.160).  Por isso, a terceirização encara verdadeiro óbice moral ante a obrigatoriedade da realização de concurso público, que deve ser a via principal para o preenchimento das vagas daqueles que realizarão os serviços públicos. 4.4 A Terceirização Frente ao Limite de Gastos com Pessoal Quando da elaboração da Constituição Federal, houve grandes avanços no âmbito da Administração Pública e uma visível melhora na forma de planejamento e organização para as busca das metas e objetivos que melhor atendam ao interesse público. Uma das questões que se constitucionalizaram foi o limite de gastos com despesas de recursos humanos a serem realizadas pelo Poder Público, que seria regulado mediante lei complementar, como se deu na redação do art. 169 da CF. A Lei Complementar nº 101/00, Lei de Responsabilidade Fiscal, foi editada no sentido de regulamentar não só as despesas com pessoal, mas praticamente toda a matéria orçamentária da Administração Pública. Mas, no que alcança os parâmetros fixados para a realização de despesa com pessoal, tal diploma legal prevê: “Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados: I – União: 50% (cinqüenta por cento); II – Estados: 60% (sessenta por cento); III – Municípios: 60% (sessenta por cento).” (BRASIL, 2000). Matéria de contabilidade pública, no sentido de evitar a burla a tais limites, o legislador determinou que as despesas oriundas dos contratos de terceirização de mão de obra tendo como objeto a clara substituição ou complementação de servidores deveriam ser inscritas nas rubricas orçamentárias determinadas como "outras despesas de pessoal". Levando em conta a disposição da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem embargos, pode-se afirmar que o legislador não buscou propriamente tratar da licitude da terceirização, mas apenas de seu impacto na máquina pública para fins de verificação das despesas com pessoal. Notadamente, criou-se um filtro ao tratar os contratos de terceirização de mão de obra como despesas com pessoal, atentando-se, contudo, para a questão de que nem todas as terceirizações são assim classificadas. Exemplifica-se, no caso de uma obra pública, tal contrato não é abrangido pelo limite imposto pela LC nº 101/00, já que é levada em consideração a finalidade, ou seja, o objeto do contrato, que é a obra pública resultado da atividade. Para traduzir melhor o interesse da lei, é válido trazer uma interpreção integrativa do ordenamento jurídico, de onde se traz à leitura o art. 64 da Lei nº 9.995/00: “Art. 64. O disposto no § 1º do art. 18 da Lei Complementar nº 101, de 2000, aplica-se exclusivamente para fins de cálculo do limite da despesa total com pessoal, independentemente da legalidade ou validade dos contratos. Parágrafo único. Não se considera como substituição de servidores e empregados públicos, para efeito do caput, os contratos de terceirização relativos a execução indireta de atividades que, simultaneamente: I – sejam acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade; II – não sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas por plano de cargos do quadro de pessoal do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário, ou quando se tratar de cargo ou categoria extinto, total ou parcialmente.” (BRASIL, 2000a). De pronto se verifica mais uma vez, que a grande limitação da terceirização no âmbito dos serviços públicos é a espécie de atividade, onde somente é permitida a atividade meio. Isso porque, quando a Administração Pública efetua uma contratação de terceirização para suas atividades fim, não está tão somente buscando uma "desburocratização" ou uma redução dos gastos públicos com pessoal, mas está frontalmente violando os princípios da moralidade e impessoalidade, além de estar burlando a regra do concurso público. E justamente nesse pensamento, o legislador assenta o entendimento de que a mera substituição de gastos com pessoal próprio pela contratação de terceiros corresponde em um verdadeiro arranjo orçamentário. Dora Maria de Oliveira Ramos (2001, p.153), afirma que "a regulação da matéria na Lei de Responsabilidade Fiscal é uma tentativa de evitar subterfúgios que comprometam o objetivo de equilíbrio das contas públicas”, e, como entrave ao mau gestor, a inclusão no limite de gastos intermediações de mão de obra é eficiente. 5 A aplicabilidade da súmula 331 do tst e as consequências da terceirização ilícita 5.1 Breves Comentários Sobre a Súmula 331 do TST Primeiramente é importante frisar o conceito de terceirização lícita, que é obtido através não só da legislação, mas também da análise jurisprudencial, tendo sua concepção ostentada na Súmula 331 do TST, que se colaciona: “Súmula nº 331 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.” (BRASIL, 2011). Assim, a terceirização lícita é analisada pelo seu objeto, que, conforme o entendimento sumulado, se compõe em quatro grupos básicos: a) trabalho temporário; b) serviços de vigilância; c) serviços de limpeza e conservação; e d) serviços especializados ligados à atividade meio do tomador (Delgado, 2004, p.143). Dessa concepção, há ainda duas espécies de terceirização que podem ocorrer, a transitória que se encerra no trabalho temporário e a permanente que abrange as demais formas. Por oportuno, embora já se tenha concebido que a ideia de que quatro grupos de terceirização melhor retratam a realidade do instituto em âmbito nacional, ainda há quem afirme que o trabalho temporário e a prestação de serviços especializados ligados à atividade meio se confundem, levando à noção de que os incisos I e III da Súmula 331 do TST poderiam ser juntados. Nesse ponto, Carelli (2003, p.111-112) defende a impossibilidade: “O inciso I fala de intermediação de mão de obra, enquanto que o inciso III trata de terceirização de serviços. Neste, verifica-se que não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância, terceirização regulamentada pela Lei nº 7.102/83 e de conservação e limpeza, além de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. Entretanto, não será sempre que na atividade meio não se dará o vínculo, pois ao final do inciso, salienta o enunciado que este não existirá desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Com isso, reafirmou o TST a impossibilidade de intermediação de mão de obra, dando vazão ao Princípio da Primazia da Realidade, onde a situação de fato prevalece sobre a ficção jurídica.” Por seu turno, o inciso II pode ser encarado como verdadeiro complemento ao art. 37, II da Constituição Federal, já que não permite a geração de um vínculo automático do contratado com o Ente Público contratante, em afeição também aos princípios insculpidos no texto do mesmo artigo. O mesmo autor complementa: “O inciso II traz uma exceção à geração de vínculo automático com o tomador de serviços em caso de intermediação de mão de obra por órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional, isto em cumprimento à regra democrática do art. 37, em que a entrada no serviço público deve ser realizada somente por concurso público.” (CARELLI, 2003, p.111-112). Quanto ao inciso IV da Súmula 331 do TST, este se reporta determina que a empresa tomadora dos serviços será responsável subsidiária pelos créditos devidos ao empregado da empresa prestadora dos serviços, quando não haja, por esta, o pagamento. Todavia se percebe que deve haver a participação da empresa tomadora na relação processual e seu nome deve constar no título executivo, o que se acredita que é uma forma de garantir contraditório, ampla defesa e também a duração regular do processo, uma vez que a insolvência ou a impossibilidade de pagamento pela empresa prestadora só fica evidenciada na fase da execução, ponto em que, ao incluir a tomadora nessa fase, traria à tona a fase de conhecimento ao processo para apreciar as razões da empresa responsável subsidiária. Ainda com relação ao inciso IV, parte da doutrina e dos próprios juízes já têm se alinhado para aplicar analogicamente as disposições do art. 942 do Código Civil: “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.” (BRASIL, 2002). Raciocínio este em que, tendo em vista a interpretação sistemática do referido artigo, se insere em um contexto que pressupõe a ocorrência de um ilícito para ensejar a solidariedade. O inciso V da súmula 331, figura-se no mais importante, ao lado do inciso IV, ao se tratar da terceirização na Administração Pública, sendo que sua aplicação levou ao questionamento da constitucionalidade do art. 71, §1º da Lei nº 8.666/93, conforme se traz a ementa do julgamento da ADC nº 16: “EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.” (ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-173 DIVULG 08-09-2011 PUBLIC 09-09-2011 EMENT VOL-02583-01 PP-00001). Dessa forma, é imprescindível que no curso do processo fique demonstrado que a Administração Pública celebrou contrato sem as devidas cautelas com empresa para lhe prestar serviços, e não fiscalize o cumprimento dos encargos trabalhistas por parte de sua contratada, para que seja responsabilizada na modalidade subsidiária. Finalmente, o inciso VI é no sentido de complementar o inciso IV, ao mencionar que o tomador é responsável subsidiário por todas as verbas devidas ao empregado. 5.2 Comentários à Terceirização Ilícita Tratando agora da ocasião em que terceirização for tida como ilícita, o contrato será considerado nulo em fun­ção do princípio trabalhista da primazia da realidade e da incidência do art. 9º da CLT. Isso quer dizer que, o vínculo jurídico empregatício será formado diretamente com o tomador dos serviços, que responderá diretamente pelo adimplemento das verbas trabalhistas, na forma da Súmula nº 331 do TST. O que se percebe é que essa temática não se aplica à Administração Pública em virtude da exigência de concurso público, já que na prática, quando se fala em formação de vínculo direto com o tomador, e sendo este um Ente Público, incidiria sobre a relação à estabilidade. Conforme já debatido, é conferido ao tomador terceirizar aquelas atividades que são tidas como meio, sendo as atividades fim da organização uma tarefa ser realizada a seu próprio custo, traduzindo em miúdos, pelos seus próprios empregados. Nesse diapasão, ganha destaque como terceirização ilícita, toda aquela que busca a atividade que a organização tem por escopo e também quando fica clara a situação de que a contratada prestadora dos serviços é considerada empresa interposta, servindo apenas para viabilizar a contratação dos trabalhadores e há verdadeiro enquadramento de habitualidade e subordinação direta à Administração Pública. Ocorre nesses casos que, levando em conta a indisponibilidade do patrimônio público e a impossibilidade de formação de vínculo com o Estado sem concurso público, o trabalhador acaba tendo direito tão somente às prestações salariais não recebidas e aos depósitos fundiários, sendo-lhe mitigado um corolário de direitos trabalhistas. Há, em verdade, a aplicação da Súmula nº 363 do TST, que assim dispõe: “Súmula nº 363 do TST. CONTRATO NULO. EFEITOS – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.” (BRASIL, 2003). Uma parte da doutrina tem se posicionado no sentido de que no contrato nulo, onde fica evidenciada a terceirização ilícita deveria ser conferido ao trabalhador o direito a todas as verbas, em razão de que o ilícito também não pode ocasionar o enriquecimento ilícito da Administração Pública e também pela aplicação dos fundamentos constitucionais do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana. Nesse particular, Maurício Godinho Delgado (2009, p.425) afirma: “O afastamento desses efeitos antijurídicos da terceirização ilícita suporia assegurar-se ao trabalhador terceirizado todas as verbas traba­lhistas legais e normativas aplicáveis ao empregado estatal direto que cumprisse a mesma função no ente estatal tomador dos serviços. Ou todas as verbas trabalhistas legais e normativas próprias à função específica exercida pelo trabalhador terceirizado junto ao ente estatal beneficiado pelo trabalho. Verbas trabalhistas apenas – sem retificação, contudo, de CTPS quanto à entidade empregadora formal, já que este tópico é objeto de expressa vedação constitucional. Nesse instante, não há que se claudicar quanto à comunicação e isonomia remuneratórias: trata-se, afinal, do único mecanismo hábil a propiciar que o ilícito trabalhista não perpetre maiores benefícios a seu praticante (art. 156, CCB/1916; arts. 186 e 927, caput, CCB/2002). O empregador formal (entidade terceirizante) responderia, em primeiro plano, pelas verbas derivadas da isonomia e comunicação remuneratórias. Iria responder, subsidiariamente, por tais verbas, a entidade estatal tomadora dos serviços, na linha já autorizada pela Súmula nº 331, IV, do TST”. Percebe-se que há um paradoxo que reside em como aplicar a jurisprudência em casos de terceirização ilícita e como responsabilizar o Ente Público, que em regra responde objetivamente pelos danos causados pelos seus agentes, com arrimo no art. 37, § 6º. Ora, se houve uma terceirização ilícita, tal situação foi desencadeada por um agente público que em nome do Estado, dando margem a aplicação da responsabilidade objetiva e depois de apuração do fato para responsabilizar o administrador. Mas isso não ocorre, tendo em vista o respeito ao princípio da legalidade e à primazia da realidade, bem como pela aplicação da súmula nº 331 do TST, que exige que haja culpa da Administração Pública para sua responsabilização subsidiária. Ainda sobre a terceirização, o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso exarou um acórdão que traz informações importantes: “RESOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 14/2013 – TP Ementa: CÂMARA MUNICIPAL DE PEDRA PRETA. CONSULTA. PESSOAL. CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA. POSSIBILIDADE. REQUISITOS. 1) A Administração Pública poderá celebrar contratos de terceirização lícita, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) as atividades terceirizadas devem ser acessórias, instrumentais, secundárias ou complementares às atribuições legais do órgão ou entidade; b) as atividades terceirizadas não podem ser inerentes a categorias funcionais abrangidas pelo quadro de pessoal do órgão ou entidade, salvo no caso de cargo ou categoria extintos ou em extinção; e, c) não pode estar caracterizada relação de emprego entre a Administração contratante e o executor direto dos serviços (obreiro). 2) Os contratos de terceirização devem ser precedidos de regular procedimento licitatório, de acordo com os ditames da Lei 8.666/93. 3) O Poder Público, na qualidade de contratante de serviços prestados por pessoas jurídicas que possam, eventualmente, configurar a caracterização de relação de emprego entre o obreiro e a Administração, deve adotar todos os cuidados e precauções necessárias para evitar a aplicação da subsidiariedade trabalhista prevista no inciso V da Súmula 331 do TST c/c ADC nº 16/DF do STF. 4) A contratação de pessoas físicas para a execução de atividades acessórias e instrumentais da Administração, a título de terceirização, representa alto risco trabalhista, podendo acarretar ao Poder Público a aplicação dos ditames da Súmula 363 do TST. CONTRATO DE TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA. LIMITE DE FOLHA DE PAGAMENTO. DESPESAS NÃO COMPUTADA. 1) As terceirizações consideradas lícitas não devem compor o agregado de gastos com folha de F:Secretaria do Pleno2013Resoluções de ConsultaSESSÃO ORDINÁRIA PRESENCIAL DO DIA 09-07-2013Resolução de Consulta nº 14_2013.odt 1 EM pagamento das Câmaras Municipais, para efeito de cálculo do limite estabelecido no artigo 29-A, § 1º, da CF/88. 2) As terceirizações ilícitas devem compor o agregado de gastos com folha de pagamento das Câmaras Municipais, para efeito de cálculo do limite estabelecido no artigo 29-A, § 1º, da CF/88. São ilícitas as terceirizações que, alternativamente: a) supram atividades finalísticas e típicas do órgão ou entidade contratante; b) sejam inerentes a categorias funcionais abrangidas pelo quadro ativo de pessoal do órgão ou entidade; e, c) configurarem relação de emprego entre a Administração contratante e o obreiro, caracterizada pela ocorrência dos pressupostos da subordinação jurídica, pessoalidade e habitualidade. Vistos, relatados e discutidos os autos do Processo nº 13.490-2/2013”. (MATO GROSSO, 2013). Fica evidente assim, que no caso da terceirização ilícita e da responsabilidade subsidiária, não há a aplicação da responsabilidade objetiva do Estado, já que deve ficar comprovada a culpa na escolha do procedimento e na fiscalização. Quando há terceirização lícita, ao empregado é garantido o recebimento integral das verbas. E na terceirização ilícita, embora nulo o contrato, é garantido ao trabalhador o recebimento das parcelas não recebidas e dos depósitos de FGTS, sendo vedada a comparação os servidores do quadro efetivo para cálculo de diferenças ou quaisquer outras verbas. É importante consignar ainda, que outra consequência da terceirização ilícita é que repercutem nos gastos com pessoal, elevando o índice do Ente Público e podendo trazer dificuldades no cumprimento das metas fiscais. 6 Conclusão A terceirização surgiu como uma importante ferramenta de gestão no âmbito das organizações privadas, utilizada como instrumento de redução de custos, melhoria na qualidade dos produtos e otimização da produção. No Poder Público, a terceirização passou a ser utilizada com a mesma inspiração do setor privado, uma vez que a gama de serviços prestados pelo Estado aumentou de forma brutal ao longo do tempo, não tendo este condições de prestá-los pelas suas próprias forças e tendo que conferi-los aos particulares. As atividades passíveis de terceirização na Administração Pública são as atividades meio, que são outorgadas mediante a celebração de contratos precedidos de licitação, na forma da Lei nº 8.666/93. Nas hipóteses de terceirização, segundo a corrente majoritária do País, o Estado, ocupante do lugar de tomador dos serviços, responderá de forma subsidiária pelas verbas devidas, pela empresa prestadora de serviços, ao trabalhador, sempre que restar apurada sua culpa na gestão do contrato. Quando há terceirização ilícita, mediante empresa interposta, o trabalhador, em regra, terá direito a receber as parcelas salariais constantes do contrato, ainda que nulo, e aos depósitos de FGTS, não existindo comparação deste com o servidor público que realiza a mesma função que este durante a vigência de sua relação trabalhista. Por certo que há muitas injustiças levando-se em conta os princípios dos valores sociais do trabalho, da boa-fé e da dignidade humana, mas deve sempre haver um consenso com a indisponibilidade do patrimônio público, a legalidade e a vedação do ingresso na carreira pública sem concurso, onde deve ser analisado caso a caso e devem ser buscadas tanto a primazia da realidade como a culpa do Estado e os benefícios que de fato tenha haurido com a situação ilícita.
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Os escritórios de advocacia e o alvará de funcionamento
O presente artigo pretende apresentar um breve estudo sobre a legitimidadeou a ilegitimidadeda exigência de alvará de localização e funcionamento no perímetro municipal dos escritórios de advocacia.
Direito Administrativo
1Introdução O alvará de funcionamento constitui em um documento emitido pelas prefeituras municipais no sentido de verificar a estrutura predial, a localização e o funcionamento de estabelecimentos comerciais, prestadores de serviço, entre outros. Nos escritórios de advocacia existem entendimentos diferentes acerca da obrigatoriedade deste documento, devido ao que dispõe o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e a Constituição Federal de 1988. O presente artigo se propõe a apresentar um breve estudo sobre o alvará de funcionamento, a possibilidade de cobrança do respectivo alvará de funcionamento nos escritórios de advocacia. 2Alvará: considerações gerais Alvará é o mecanismo pelo qual a Administração Pública concede ao particular autorização ou licença. É a forma pela qual a administração expressa sua vontade e passa a existir no mundo jurídico. Conceitua alvará Fernanda Marinela (2001, p.290): "Alvará: é o instrumento formal pelo qual a Administração expressa aquiescência, no sentido de ser desenvolvida certa atividade pelo particular. Seu conteúdo é o consentimento dado pelo Estado e, por isso, fala-se em alvará de autorização, alvará de licença". Também conceitua Diógenes Gasparini (1992, p.88): “Alvará é a fórmula segundo a qual a administração pública expede autorização e licença para a prática de ato ou o exercício de certa atividade material. No primeiro caso, tem-se como exemplo o alvará de porte de arma e o alvará de construção; no segundo tem-se como exemplo o alvará de funcionamento de um estabelecimento comercial qualquer.” Já Maria Sylvia Zanella Di (2005, p.225): “Alvará é o instrumento pelo qual a Administrativa Pública confere licença ou autorização para a prática de ato ou exercício de atividade sujeitos ao poder de políciado Estado. Mais resumidamente, o alvará é o instrumento de licença ou da autorização. Ele é a forma, o revestimento exterior do ato; a licença e a autorização são o conteúdo do ato.” Nos municípios brasileiros, observa-se em diversos estabelecimentos comerciais, industriais, prestadores de serviços e entidades associativas o alvará de licença de funcionamento em local visível ou de fácil acesso aos clientes. O alvará decorre puramente do Poder de Polícia administrativa, visto que é exercido, no momento em que, há fiscalização, controle e repreensão de atividades que estão contrárias à legislação a qual são regidas. Impende destacar que o alvará se subdivide entre a autorização e a licença. O primeiro é precário e discricionário, como por exemplo o alvará de porte de arma, visto que é concedido através da liberalidade da Administração Pública. Já o segundo é definitivo e vinculante, como por exemplo o alvará de licença para funcionamento, que somente pode ser expedido após o particular atender a todas as exigências legais. 2.1Alvará de funcionamento O Alvará de Funcionamento constitui em uma licença expedida pela prefeitura de um Município autorizando a localização e o funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais, agrícolas,prestadores de serviços e entidades associativas de pessoas físicas ou jurídicas. Cada Município brasileiro possui legislação específica que trata deste assunto, como por exemplo, o Município de Fortaleza, trata sobre o alvará de funcionamento na Lei municipal n° 5530 de 1981(Código de Obras e Posturas do Município de Fortaleza). Vale ressaltar que, esse documento em alguns municípios ele é de caráter definitivo e sem renovação, como por exemplo o município de Fortaleza, já em outros deve haver a renovação de tempos em tempos, como por exemplo o município do Eusébio no Ceará, que todo ano deve ser renovado. Umestabelecimento que esteja exercendo atividades sem o respectivo alvará de funcionamento, será autuado por fiscais ou auditores fiscais municipais, sujeitando o infrator a uma multa, até a regularização da situação. Mesmo após a aplicação da multa, a atividade ainda permanecer irregular, poderá ocorrer a interdição do estabelecimento, devendo este ser imediatamente fechado, podendo-se usar de força policial. Portanto, vale a pena ressaltar que o alvará de funcionamento não é exigido somente para aqueles que exercem atividades meramente comerciais, mas também àqueles que prestam algum tipo de serviço, como consultórios odontológicos, escritórios de advocacia, entre outros. 3A ordem dos advogados do brasil e a fiscalização dos escritórios de advocacia Conforme mencionado anteriormente, entende-se que escritórios de advocacia são empresas prestadoras de serviços advocatícios, executados por advogados legalmente inscritos na ordem dos Advogados do Brasil e funcionam no perímetro de um município. Aduz o artigo 133 da Constituição Federal de 1988: " O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Essa lei que está retratada na Constituição Federal é o Estatuto da Advocacia, no qual exerce controle sobre o exercício dos serviços advocatícios. Esse estatuto ressalta no artigo 15, § 1º: “Art. 15.Os advogados podem reunir-se em sociedade simples de prestação de serviços de advocacia ou constituir sociedade unipessoal de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no regulamento geral. (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016). § 1o A sociedade de advogados e a sociedade unipessoal de advocacia adquirem personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede. (Redação dada pela Lei nº 13.247, de 2016)” O Estatuto da OAB retrata somente a questão da constituição de uma sociedade de advogados e fiscalização do exercício advocatício, como por exemplo, se a sociedade está inscrita no Conselho Seccional da OAB, se os seus advogados estão regularmente inscritos na OAB, entre outros. Trata-se mais das questões de exercício da função, já que a mesma não é competente para fiscalizar as questões estruturais e de localização dos escritórios de advocacia nos municípios. 4Os escritórios de advocacia e o alvará de funcionamentoo Existem dois entendimentos que abordama possibilidade ou impossibilidade da cobrança, pelos municípios, da exigência de Alvará de Funcionamento nos escritórios de advocacia. 4.1Inexigibilidadedo Alvará de Funcionamento nos Escritórios de Advocacia A corrente que possui o entendimento de ser inaceitável a exigência do alvará de funcionamento nos escritórios advocatícios, admite que as respectivas sociedades estariam sujeitas somente à Ordem dos Advogados do Brasil e ao seu estatuto, visto que os municípios não possuem competência para a fiscalização por inexistir contraprestação de serviço e poder de polícia. Assim corrobora com esse entendimento, a 2º Turma do STJ: “Tributário. Taxa Municipal de Localização e Permanência. Escritório de Advocacia. Ilegiti-midade da Cobrança. Preceden-tes. ISQN. Deferimento1. É ilegítima a cobrança, pelo Município, da taxa de localização e permanência de escritório de advocacia.2. Orientação traçada pelos Tribunais Superiores.3. O Advogado é indispensável à administração da Justiça e sua atividade só se subordina às normas éticas e estatutárias instituídas por lei específica.4. Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a decisão de primeiro grau". (REsp 191279/SC – 1998/0075078-9) – 2ª Turma – Rel. Min. Francisco Peçanha Martins- DJU 21.08.2000, pág.109) Admite-se também que, se uma sociedade de advogados já possui o respectivo alvará de funcionamento, está desobrigada do pagamento da renovação de tal documento. Possuem esse entendimento alguns tribunais: “TRIBUTARIO. TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. E INEXIGÍVEL PELO MUNICÍPIO A COBRANÇA ANUAL DA DENOMINADA TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA, POR INEXISTIR O EXERCÍCIO DO PODER DE POLICIA QUE PODERIA JUSTIFICAR A COBRANÇA DAS TAXAS, ESPECIALMENTE A DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO. APELO PROVIDO.” (APELAÇÃO CÍVEL Nº 195115514, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE ALÇADA DO RS, RELATOR: ARNO WERLANG, JULGADO EM 28/11/1995) “ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. TAXA DE LOCALIZAÇÃO. ANUALIDADE. NÃO CABE COBRANÇA RENOVADA ANO A ANO DESSA TAXA, POIS A LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO OCORRE UMA ÚNICA VEZ, APENAS NA CONCESSÃO INICIAL, QUANDO O MUNICÍPIO TEM DE AFERIR AS CONDIÇÕES DO ESTABELECIMENTO E VER SE TRATA DE EMPREENDIMENTO CONSENTÂNEO COM AS POSTURAS LOCAIS. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.” (REEXAME NECESSÁRIO Nº 196212294, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE ALÇADA DO RS, RELATOR: TERESINHA DE OLIVEIRA SILVA, JULGADO EM 06/05/1997) Portanto, esse posicionamento leciona que é incabível a cobrança de alvará de funcionamento e a renovação deste documento pelos órgão municipais aos escritórios de advocacia, pois os municípios não possuem poder de polícia para fiscalizar a profissão do advogados, estando somente sujeito ao Estatuto da OAB. 4.2A viabilidade da Cobrança do Alvará de Funcionamento dos Escritórios de Advocacia Há aqueles que entendem que é legítima a competência dos municípios no tocante à exigência de alvará de funcionamento aos escritórios de advocacia. Esse entendimento aduz que a fiscalização existente nos municípios em relação à cobrança do alvará de funcionamento está relacionada a estrutura física e localização dos respectivos escritórios de advogados, não atentando-se as questões de exercício da profissão. Desta maneira também compreende Bernardo Ribeiro de Moraes (1984, p.523): “A taxa de licença para localização de escritórios de advocacia, de engenharia, de contabilidade, de odontologia etc., é legítima, desde que corresponda ao efetivo exercício do poder de polícia. Embora o Município não tenha competência para fiscalizar o exercício da profissão de advogados, engenheiros, economistas, contabilistas, odontólogos etc., tem ele competência para policiar a localização dos aludidos escritórios ou consultórios. Não se pode confundir o poder de polícia na outorga da localização do estabelecimento do profissional (de competência do Município) com o poder de polícia do exercício da respectiva atividade (de competência da União).” Ocorre que a Constituição Federal de 1988 aponta que os municípios possuem competência para legislar nos assuntos de interesse local e podem instituir e arrecadar tributos no âmbito de sua alçada. Outro ponto importante, é que somente a Carta Magna possui capacidade de estabelecer imunidade tributária, visto que nenhuma outra legislação, seja lei ordinária ou lei complementar não pode conferir imunidade e isenção aos Estados, Ditristo Federal e Municípios, conforme preceitua o inciso III do artigo 151 da CF/88, fazendo com que não haja preceito legal e constitucional para que os escritórios de advocacia se abstenham deobter alvará de funcionamento em seus estabelecimentos. A legalidade da taxa do alvará está preceituada no artigo 145, II da Constituição Federal/88: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…) II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinteou postos a sua disposição”; A taxa, preceituada no artigo 78 do Código Tributário Nacional, que é cobrada em razão dos escritórios advocatícios está relacionada a estrutura física, funcionamento e localização do estabelecimento, não importando se os profissionais que atuam estão devidamente registrados na OAB, se estão respeitando o Código de Ética da classe, entre outros. Enfim, deve-se entender que a taxa cobrada possui finalidade diversa da fiscalização da Ordem dos Advogados do Brasil. Desta maneira entende o Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. TAXA DE FISCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO.NECESSIDADE DE EXAME DE LEI LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280⁄STF. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO ENTE FEDERATIVO. PRECEDENTES DESTA CORTE. SÚMULA 83⁄STJ.ESCRITÓRIOS DE ADVOCACIA. LEGITIMIDADE. 1. Impende assinalar que, embora o recorrente alegue ter ocorrido violação de matéria infraconstitucional, qual seja, dos arts. 7º do Código de Processo Civil; e 78, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, segundo se observa dos fundamentos que serviram para a Corte de origem apreciar a controvérsia acerca da legalidade da Taxa de Fiscalização, o tema foi dirimido no âmbito local (Lei Municipal n.9.670⁄83), de modo a afastar a competência desta Corte Superior de Justiça para o deslinde do desiderato contido no recurso especial. Incidência da Súmula 280⁄STF. 2. A Primeira Seção deste tribunal pacificou o entendimento de que é prescindível a comprovação efetiva do exercício de fiscalização por parte da municipalidade, em face da notoriedade de sua atuação, para que se viabilize a cobrança da taxa em causa. Incidência da Súmula 83⁄STJ. 3. Esta Corte já decidiu ademais que "a taxa em comento decorre do exercício do poder de polícia municipal relativo ao controle das atividades urbanas em geral, inclusive, de escritórios de advocacia. Não se trata, portanto, de controle do exercício da atividade profissional dos advogados." (REsp 658.998⁄RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21⁄09⁄2004, DJ 08⁄11⁄2004, p. 190.). Alguns tribunais também entendem ser legítima a exigência dos alvarás de funcionamento nos escritórios de advocacia: “TRIBUTÁRIO – APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO – ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA – MUNICÍPIO DE GUARUJÁ – Sentença que denegou a segurança, entendendo ser legal a exigência da cobrança da taxa de licença para localização e funcionamento de escritórios de advocacia. LEGALIDADE DA COBRANÇA – É legítima a cobrança anual da taxa de licença para localização e funcionamento de escritórios de advocacia pelo exercício do poder de polícia – Inteligência dos artigos 145, inciso II da Constituição Federal e 77 do Código Tributário Nacional – Precedentes do STF, STJ e do TJSP. EFETIVA COMPROVAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA – Desnecessidade da efetiva comprovação por parte do Município ante a notoriedade de sua atuação – Precedentes do STJ e desta C. Câmara. FISCALIZAÇÃO PELA OAB – Irrelevância – Poder de polícia que não se confunde com a fiscalização realizada pela OAB – Sentença mantida – Recurso desprovido”. (TJ-SP – APL: 40047243820138260223 SP 4004724-38.2013.8.26.0223, Relator: Euripedes Gomes Faim Filho, Data de Julgamento: 11/08/2015,15ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 13/08/2015); “DIREITO PÚBLICO – MANDADO DE SEGURANÇA – TAXA DE LICENÇA PARA LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA – COBRANÇA PELO MUNICÍPIO – LEGALIDADE – SEGURANÇA DENEGADA – SENTENÇA MANTIDA – RESCURSO DESPROVIDO. 1. "As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Município, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição". (art. 77 do CTN). 2. "Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direito individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado". (Hely Lopes Meirelles, in Direito Municipal Brasileiro). 3. "O Supremo Tribunal Federal tem sistematicamente reconhecido a legitimidade da exigência, anualmente renovável, pelas Municipalidades, da taxa em referência, pelo exercício do poder de polícia, não podendo o contribuinte furtar-se à sua incidência sob alegação de que o ente público não exerce a fiscalização devida, não dispondo sequer de órgão desse mister." (Lex 216/254)”. (TJ-SC – MS: 62511 SC 1999.006251-1, Relator: Orli Rodrigues, Data de Julgamento: 27/06/2000,Primeira Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação cível em mandado de segurança n. 99.006251-1, de Joinville.) Os tribunais que corroboram com a pertinência do alvará de funcionamento nesses estabelecimentos entendem também queos municípios fiscalizam as atividades urbanas e não as laborais dos advogados. 5Conclusão Portanto, é importante seguir o entendimento de que é legítima a obrigação de se ter alvará de funcionamento nos escritórios de advocacia, visto que, como já foi relatado anteriormente, a fiscalização empregada nos Municípios é totalmente distinta da que é realizada pela Ordem dos advogados do Brasil. A primeira visa ordenar a parte da estrutura do prédio em que será instalado o escritório e a segunda procura analisar se os advogados estão atuando conforme se estatuto. Não se pode aqui trocar as normas legais urbanísticas e posturais municipais com as leis reguladoras da profissão.
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A documentação relativa à qualificação econômico-financeira prevista no art. 31, I daLei n° 8.666/93 e o modelo contábil das ME’seEPP’s
Resumo:Descrição (resumo):Versa o presente artigo sobre a documentação relativa à qualificação econômico-financeira de empresas interessadas em participar de processos licitatórios no que tange a necessidade de apresentação do balanço patrimonial e demonstrações contábeis com registro no respectivo órgão comercial ou civil pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte visando sua habilitação.
Direito Administrativo
Com o escopo de esclarecer dúvidas geradas em torno da documentação relativa à qualificação econômico-financeira no que tange a necessidade de apresentação do balanço patrimonial e demonstrações contábeis com registro no respectivo órgão comercial ou civil pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, visando habilitação em procedimentos licitatórios, esta especialista elaborou o presente artigo. Da exigência constante na lei n° 8.666/93 É fato certo e incontroverso que consta na Lei n° 8.666/93 a fase de habilitação dos licitantes, esta tem o condão de verificar se a pessoa interessada em contratar com a Administração preenche os requisitos e possui as qualificações para perfeita execução do objeto licitado. Assim, tem-se o fato de que, conforme preceitos legais, esta fase é obrigatória, ou seja, deve o município solicitar documentos conforme o objeto licitado, não podendo haver exigências desproporcionais ou desarrazoadas. Nesse sentido temos o art. 27, inciso III da supramencionada legislação, o qual determina que, para a fase de habilitação numa licitação, deverá ser solicitada dos participantes documentação de qualificação econômico-financeira, "verbis": “Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:(…); III – qualificação econômico-financeira”; A exigência da documentação referente à qualificação econômico-financeira das licitantes, no que diz respeito à apresentação de balanço patrimonial e das demonstrações contábeis, está discriminada no artigo n° 31, I da Lei n° 8.666/93, "ad litteram": “Art. 31.  A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: I – balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e apresentados na forma da lei, que comprovem a boa situação financeira da empresa, vedada a sua substituição por balancetes ou balanços provisórios, podendo ser atualizados por índices oficiais quando encerrado há mais de 3 (três) meses da data de apresentação da proposta;” Assim sendo, resta claro e demonstrado a obrigatoriedade de todas as empresas, inclusive ME's e EPP's apresentarem balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social (DRE) como condição de habilitação em processos licitatórios. No mesmo sentido é o entendimento do TCE/MT conforme Resolução de Consulta n° 20/2013, abaixo transcrita: “RESOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 20/2013 – (Plenário Virtual) Ementa: PREFEITURA MUNICIPAL DE MATUPÁ. CONSULTA. LICITAÇÃO. QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS. EXIGÊNCIA OBRIGATÓRIA. EXCEÇÕES. COMPROVAÇÃO DE AUTENTICAÇÃO EM REGISTRO PÚBLICO. NECESSIDADE. SOCIEDADES OU EMPRESÁRIOS ENQUADRADOS COMO MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. OBRIGATORIEDADE. 1) Em regra, as exigências para qualificação econômico-financeira de licitante previstas no artigo 31 da Lei de Licitações, inclusive quanto às demonstrações contábeis, são requeridas para todos os procedimentos licitatórios. 2) Facultativamente, há a possibilidade de dispensa dos documentos previstos no artigo 31 da Lei nº 8.666/1993, no todo ou em parte, para os casos de convites, concursos, leilões e fornecimento de bens para pronta entrega, ficando excluídas desta faculdade as modalidades licitatórias tomada de preços, concorrência pública e pregão, quando não objetivarem o fornecimento de bens para pronta entrega, nos termos do artigo 32, § 1º, da Lei de Licitações. 3) As sociedades empresárias, sociedades simples e empresários, enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte, devem apresentar as demonstrações contábeis para fins de habilitação em licitação promovida pela Administração Pública, nos termos do artigo 31, I, da Lei nº 8.666/1993, sob pena de inabilitação (…)” (grifei) No entanto, como ME's e EPP's possuem tratamento preferencial e diferenciado concedido pela legislação brasileira (Lei Complementar n° 123/2006, alterada pela Lei Complementar nº 147/2014), há muitas dúvidas no tocante ao fato das demonstrações contábeis acima elencadas serem registradas no respectivo órgão ou entidade competente do comércio ou registro civil, por não haver especificamente na legislação a obrigatoriedade ou a dispensa de mencionado registro. Do previsto na lei n° 123/2006, alterada pela lei complementar nº 147/2014 A Lei Complementar n° 123/2006, a qual instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, concedendo tratamento diferenciado às ME's e EPP's, nada mencionou sobre o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício poderem ser apresentados como documentos de qualificação econômico-financeira para fins de habilitação em processo licitatório sem registro no respectivo órgão civil ou do comércio, apenas concedeu a possibilidade de tais entidades, optantes do Simples Nacional, adotarem contabilidade simplificada, conforme segue: “Art. 27. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes do Simples Nacional poderão, opcionalmente, adotar contabilidade simplificada para os registros e controles das operações realizadas, conforme regulamentação do Comitê Gestor”. Assim sendo, não há previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro dispensando o registro no respectivo órgão civil ou comercial do balanço patrimonial e da demonstração do resultado do exercício. Da Resolução n° 1.418/2012 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) De acordo com o previsto na Resolução n° 1.418/2012 do CFC, as ME's e EPP's devem elaborar seu balanço patrimonial, bem como a demonstração do resultado do exercício e notas explicativas ao final de cada exercício social, no entanto, se houver necessidade a entidade deve elaborar tais documentos em períodos intermediários, conforme itens 26 e 27 da supramencionada resolução, "in verbis": “26. A entidade deve elaborar o Balanço Patrimonial, a Demonstração do Resultado e as Notas Explicativas ao final de cada exercício social. Quando houver necessidade, a entidade deve elaborá-los em períodos intermediários.  27.A elaboração do conjunto completo das Demonstrações Contábeis, incluindo além das previstas no item 26, a Demonstração dos Fluxos de Caixa, a Demonstração do Resultado Abrangente e a Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido, apesar de não serem obrigatórias para as entidades alcançadas por esta Interpretação, é estimulada pelo Conselho Federal de Contabilidade. “ Assim sendo, resta claro e demonstrado que há obrigatoriedade de ME's e EPP's elaborarem balanço patrimonial e demonstração do resultado do exercício ao término de cada exercício social. Da Instrução Normativa n° 107/2008 do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) A Instrução Normativa n° 107/2008 DNRC prevê em seu art. 4° "caput" e § 3° que o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício serão lançados no livro diário, conforme segue: “Art. 4º No Diário serão lançados o balanço patrimonial e o de resultados, devendo: I – no caso de livro em papel, ambos serem assinados por contabilista legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária (art. 1.184. CC/2002); II – em se tratando de livro digital, as assinaturas digitais das pessoas acima citadas, nele lançadas, serão efetuadas utilizando-se de certificado digital, de segurança mínima tipo A3, emitido por entidade credenciada pela Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICPBrasil) e suprem as exigências do inciso anterior. § 1º A adoção de fichas de escrituração não dispensa o uso de livro diário para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico (Parágrafo único, art. 1.180. CC/2002), ao qual deve ser atribuído o número subsequente ao do livro diário escriturado em fichas. § 2º O livro não poderá ser dividido em volumes, podendo, em relação a um mesmo exercício, ser escriturado mais de um livro, observados períodos parciais e sequenciais, constantes dos respectivos Termos de Encerramento, de acordo com as necessidades do empresário ou da sociedade empresária. § 3º A numeração das folhas ou páginas de cada livro em papel ou microficha observará ordem sequencial única, iniciando-se pelo numeral um, incluído na sequência da escrituração o balanço patrimonial e o de resultado econômico, quando for o caso”.(grifei) No mesmo sentido também encontramos o art. 1.184 § 2° do CC/2002, "ad litteram": “Art. 1.184 (…) § 2o Serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária.” Portanto, da análise dos dispositivos acima transcritos entende-se que o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício devem estar inseridos no livro diário das ME's e EPP's. Da necessidade do registro no respectivo órgão comercial ou civil do livro diário, do balanço patrimonial e das demonstrações contábeis de ME'seEPP's O Livro Diário é um livro de exigência obrigatória para a escrituração comercial e contábil das empresas e, seu registro em órgão competente é condição legal e fiscal como elemento de prova. A exigência legal do Livro Diário está prevista na Lei nº 10.406/02 (CC/2002), tanto para a sua escrituração quanto para sua autenticação e registro em órgão competente. Portanto, conforme o Código Civil atualmente vigente no país o livro diário é indispensável e obrigatório para todos os tipos de entidades comerciais, inclusive ME's e EPP's, podendo ser substituído por fichas no caso de escrituração mecânica ou eletrônica. No entanto, essa possível substituição por fichas não dispensa a escrituração no livro diário apropriado para lançamento do balanço patrimonial e demonstrativo do resultado do exercício, de acordo com o disposto no art. 1.180, parágrafo único do CC/2002, conforme segue: “Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica. Parágrafo único. A adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico”. Os livros obrigatórios, como é o caso do livro diário, antes de colocados em uso devem estar autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis, conforme prevê o art. n° 1.181 do CC/2002, abaixo transcrito: “Art. 1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis”. Portanto, conforme disposição legal, é obrigatório o registro público de empresas mercantis no respectivo órgão, inclusive de ME's e EPP's. Tal registro deve ser efetuado na Junta Comercial do respectivo Estado sede da entidade, como determina o art. 3°, II da Lei n° 8.934/94, "verbis": “Art. 3º Os serviços do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins serão exercidos, em todo o território nacional, de maneira uniforme, harmônica e interdependente, pelo Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis (Sinrem), composto pelos seguintes órgãos:(…); II – as Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro”. No mesmo sentido, temos a Resolução de Consulta n° 20/2013 do TCE/MT, onde consta que, apesar de não haver no ordenamento jurídico brasileiro obrigatoriedade de registro de balanço patrimonial e demonstrativo do resultado do exercício para ME's e EPP's, existe obrigatoriedade de registro para o livro diário de todas as entidades comerciais. Assim, tendo em vista que o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício devem estar inseridos no livro diário, entende-se que ambos devem estar autenticados, conforme segue: “RESOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 20/2013 – (Plenário Virtual) Ementa: PREFEITURA MUNICIPAL DE MATUPÁ. CONSULTA. LICITAÇÃO. QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS. EXIGÊNCIA OBRIGATÓRIA. EXCEÇÕES. COMPROVAÇÃO DE AUTENTICAÇÃO EM REGISTRO PÚBLICO. NECESSIDADE. SOCIEDADES OU EMPRESÁRIOS ENQUADRADOS COMO MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE. OBRIGATORIEDADE.(…) 4) não há exigência para o arquivo ou autenticação direta das demonstrações contábeis nas juntas comerciais ou órgão de registro civil, contudo, as mesmas devem estar inseridas nos respectivos livros diários, sendo que estes livros sim é que devem ser levados à registro, o que leva, também, à autenticação indireta das demonstrações contábeis. Assim, as demonstrações contábeis apresentadas para efeito de qualificação econômico-financeira em licitações (artigo 31, I, da Lei nº 8.666/93) devem estar autenticadas pelo respectivo órgão de registro no comércio ou registro civil, conforme o caso, nos termos dos artigos 1.150, 1.180, 1.181 e 1.184 do CCB/2002, artigos 2º e 4º da Instrução Normativa nº 107/2008 do DNRC e Resolução nº 1.330/2011;” (grifei) Portanto, após todo o exposto, com base na vasta legislação analisada, temos o fato de que deve ser solicitado em processos licitatórios como documento relativo à qualificação econômico-financeira de ME's e EPP's, o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado de exercício devidamente registrado no respectivo órgão comercial ou civil conforme determina a Resolução de Consulta n° 20/2013 do TCE/MT. Fazem parte deste parecer os Anexos I e II onde constam modelos de balanço patrimonial e de demonstrativo do resultado do exercício, especificando os dados mínimos que devem ser inseridos na documentação apresentada pelas ME's e EPP's a título de habilitação em processo licitatório, de acordo com a contabilidade simplificada atribuída a essas entidades e conforme Resolução n° 1.418/2012 do CFC.
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A aplicação da arbitragem na solução de Litígios no bojo da Administração Pública
A arbitragem se faz presente desde os primórdios da antiguidade como uma alternativa de solução de conflitos. No âmbito doméstico, a mesma foi inserida, primeiramente, na Constituição de 1824. Entre outros diplomas legais, o Código de Processo Civil possui capitulo dedicado à arbitragem, além de leis esparsas que regem o tema. Desta forma, este artigo tem o intuito de analisar a possibilidade da arbitragem como meio de solução de conflitos extrajudicial em relação à Administração Pública.
Direito Administrativo
1. Introdução O processo histórico já mostrou, diversas vezes, que a resolução de conflitos humanos podem ser resolvidos, de forma pacifica, por intermédio da arbitragem e da mediação, ao contrário, da proposição de guerras, nos casos de embates entre Estados, ou pelo processo arrastado pelo judiciário, em litígios privados. A Lei n° 9.307, de setembro de 1996, rege a arbitragem como uma estrutura extrajudicial de solução de conflitos. Esta legislação trouxe do direito alienígena o arcabouço primordial para possibilitar a aplicação deste método no Brasil, com uma melhor eficácia. Antes da criação desse texto normativo, outras normas legais e a própria jurisprudência obstavam na ordem jurídica e na prática o seu uso.[1] Em outras palavras: não havia o reconhecimento de força vinculativa a clausula arbitral, a qual era vista como uma mera promessa de contratação e não almeja a execução, portanto, era necessária a homologação judicial da decisão arbitral, no que tange aos aspectos formais, instaurando um novo processo.[2]Com a efetiva promulgação desta lei ocorreu a superação dos fatos mencionados acima, porém, ainda existe a discussão a respeito da utilização da arbitragem no bojo da Administração Pública. Em várias decisões do Tribunal de Contas da União, vislumbrou-se a possibilidade da utilização da arbitragem na Administração Pública, caso exista lei autorizativa para esse ato ou quando direitos patrimoniais disponíveis forem envolvidos, entretanto nas Cortes Judiciárias ainda existe uma grande dicotomia neste assunto. A legislação doméstica tende a autorizar a arbitragem em situações especificas, especificamente, em setores regulados por leis especificas. Desta forma, este artigo é composto de dois capítulos: o primeiro será constituído de uma abordagem a respeito do contexto histórico da arbitragem, além da análise a respeito da natureza jurídica da arbitragem; no segundo capitulo será abordado, inicialmente, pelo estudo constitucional do interesse público e pormenores.  2. O processo histórico da arbitragem: análise dos fundamentos da arbitragem 2.1 Análise histórica O instituto arbitragem é um dos mais antigos que se tem noticia na história do direito. Há provas de que o mesmo foi utilizado na Babilônia, na Grécia e em Roma, na resolução de conflitos privados.[3] Há de se perceber quando da não existência do Estado como poder político, os embates eram resolvidos pelos litigantes. Portanto, ocorreu uma lenta evolução no que se diz respeito à transposição da justiça privada para a pública. Esta evolução foi feita em quatro fases: a primeira, os conflitos privados eram resolvidos pela força, a intervenção estatal só existia em questões vinculadas a religião; a segunda, seria o surgimento da arbitragem facultativa: a vitima não usaria a vingança individual contra o ofensor, recebe uma indenização que aparentemente seja justa; na terceira fase, surge, de fato, a arbitragem obrigatória, sendo o facultativo utilizado somente quando os litigantes requeressem, entretanto, desta forma, a grande maioria, ainda utilizava a violência para a defesa do interesse violado; desta forma o Estado passou a obrigar o árbitro que determinasse a indenização a ser paga pelo ofensor, e também assegurar a execução de sentença, caso o réu não quisesse cumprir; finalmente, a ultima etapa, o Estado afasta a utilização da justiça privada, por intermédio de seus funcionários, nas quais estes resolveriam os conflitos de interesses surgidos. A arbitragem, no processo romano, foi desenvolvida em duas fases: iure, o processo ficava sob o controle do magistrado com a finalização pelo litiscontestatio; a segunda fase seria a apud iudicem na qual o juiz era escolhido pelas partes.[4] O primeiro sistema organizado de compromisso arbitral foi criado na Lei das Doze Tábuas, no Direito Romano e seguido nos estatutos da Idade Média.[5] Na França, em meio a Revolução Francesa, a arbitragem foi considerada um meio de reação em face dos abusos executados pelo Rei. No Brasil, o primeiro dispositivo legal a citar a arbitragem foi a Constituição de 1824. Vale lembrar que o Império atuava na lógica do Antigo Regime, totalmente patrimonialista. O Estado de Direito Moderno já atua sob a égide do bem estar social, dos interesses públicos e dos direitos humanos. Com a Constituição de 1981, ocorreu a manutenção da arbitragem pelo Decreto n.. 3.084, de 5 de janeiro de 1898. Já a Constituição de 1934 retomaria a arbitragem no que tange aos objetos da legislação federal. A Carta Magna de 1946 estipulava uma garantia expressa, de forma judicial. Este contexto não era tido como uma resposta as restrições impostas pelo Governo Vargas e não visava a arbitragem, apesar de varias interpretações serem feitas neste sentido. Entretanto, a jurisprudência deixou clarividente que este dispositivo não era conflituoso com o acordo de um tribunal de arbitragem.[6] Na Constituição de 1988, a arbitragem foi tratada de forma expressa, e não mais do juízo arbitral, mais precisamente no artigo 114, parágrafos 1º e 2º. A Lei Maior, em seu preâmbulo, no que tange ao principio fundamental, traz a tona à resolução dos conflitos por intermédio da arbitragem e de forma pacifica, tanto na ordem interna, como na ordem internacional. No arcabouço do Direito Civil, as partes, na arbitragem, podem acordar em sujeitar as divergências jurídicas à decisão por um tribunal de arbitragem, desde que tenham capacidade de celebrar contratos. O Código de Processo Civil de 1939 regulamentou de forma uniforme o processo arbitral na qual esteve inserido em diversos códigos processuais da federação e de cada Estado. Determinava-se a imprescindibilidade da homologação do laudo arbitral pelo Poder Judiciário, com o intuito de adquirir força executiva.[7] O atual Código de Processo Civil atual atuava como limite, até a promulgação da Carta de Outubro, a reproduzir o contido no Código Civil de 1916. Até esta data existia dois grandes paradigmas para a utilização da arbitragem: a ausência da Cláusula Compromissória Arbitral; e a necessidade da homologação do laudo arbitral pela justiça estatal para o mesmo adquirisse força de titulo executivo. Com a Lei de Arbitragem, deu inicio a uma nova fase no direito brasileiro em relação a solução de conflitos por meio da arbitragem, pois esta, revogou os artigos do Código de Processo Civil e portanto ultrapassou os grandes obstáculos existentes para a sua utilização. A arbitragem é importante em decorrência do avanço da globalização, com a derrubada de barreiras existentes e com o crescimento da complexidade dos problemas jurídicos que necessitam de um preparo técnico especial. Além disso, em relação a influencia que o Poder Judiciário, na qual se vê necessário a criação de novas soluções de conflitos.[8] 2.2 A lei de arbitragem O Diploma Legal que rege a arbitragem no Brasil originou da Lei Modelo das Nações Unidas – UNCITRAL, da Lei Francesa de 1981 e também de vários dispositivos da Legislação espanhola.[9] Percebe-se que a defesa executada em prol da arbitragem não é de cunho normativo. A evolução histórica que culminou nesta Lei trouxe vários problemas básicos no que tange a associação entre o processo privatizador e de novos pensamentos do direito administrativo, na qual insere a possibilidade de soluções de conflitos extrajudicial. Isto se deve, pois o primeiro argumento advém de um discurso liberal; o segundo, de fato, é jurídico. Desta forma, a arbitragem pode ser considerada uma extrapolação dos interesses privados, por isso, passível de mitigações do poder, ou seja, a arbitragem deve ser considerada constitucionalmente. O que se nota e que a doutrina majoritária defende a Teoria dos Dois Níveis na qual ocorreria a aplicabilidade do Direito Público e do Direito Privado, em sequência. Inicialmente, tem-se uma decisão jurídica pública, por intermédio de um ato administrativo e posteriormente ocorreria a execução de uma relação privada.[10] Há o reconhecimento de que esta lei deu uma nova visão para o aparato legal brasileiro. Fatos como a análise de custos, celeridade processual, complexidade da demanda requerida e a possibilidade de sigilo devem ser vistos com bons olhos. A curto prazo não necessidade de alterações na Lei de Arbitragem e que caberia ao Poder Judiciário a consolidação de conceitos novos e da segurança jurídica. Além de inadequado a possibilidade da transformação da ocupação arbitro em profissão, devido ao projeto de lei confuso e pelo surgimento da arbitragem, como solução de conflitos, como antecedente a da justiça estatal.[11] O que marcou a consolidação da arbitragem no Brasil foi a ratificação da Convenção de Nova York e as várias execuções de Sentenças Arbitrais Estrangeiras. 2.3 Conceito de arbitragem De forma sucinta, a arbitragem seria a resolução do litígio por intermédio de um árbitro com a mesma eficácia de uma sentença.[12] Outros métodos notáveis de solução de conflitos são o processo e a mediação. Na mediação, a terceira pessoa não tem o comando de solução do conflito. O mesmo ajuda as partes a uma solução amistosa, diferentemente da arbitragem na qual o terceiro tem o poder de solucionar o conflito. Este comando advém da liberdade das partes em escolher o meio e a pessoa para solução do conflito. No processo, o juiz também pode solucionar o conflito. A diferença é que na arbitragem nasce do compromisso realizado entre as partes, a instauração processual surge de ato unilateral de uma das partes. 2.4 Natureza jurídica da arbitragem Em relação a natureza jurídica não uma corrente majoritária. A tese mais aceita e que a arbitragem tem um estratagema jurisdicional, já a sentença arbitral tem seu reconhecimento como uma sentença judicial. O artigo 1º da Lei de Arbitragem diz que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis” Entende-se desse dispositivo a possibilidade de arbitrar os conflitos desde que obedecidos dois requisitos: objetivo, referente a matéria fática, direitos patrimoniais disponíveis; subjetiva, a capacidade de contratar. 2.5 Aspecto subjetivo Como já foi abordado, o aspecto subjetivo para subjugar conflitos de interesses à arbitragem é a capacidade de contratar. É visível que as pessoas jurídicas de direito público possuem a capacidade de contratar. Entretanto, o que tange a possibilidade do uso da arbitragem, na administração pública, não é pacifico. Como já foi relatado neste artigo, existem varias leis especificas que permitem a participação da Administração Pública em arbitragens. O fato que obsta a liberação da aceitação da arbitragem, ampla, no setor público é o principio da legalidade e a própria legislação doméstica acerca dos contratos celebrados pela administração pública. Existem três grandes correntes a respeito deste tema: a primeira, é legitima a utilização da arbitragem em qualquer contrato administrativo tendo como alicerce o artigo 54 da Lei nº 8.666/93, que afirma a aplicação supletivamente aos contratos administrativos, os princípios gerais dos contratos; a segunda, se baseia em leis que autorizam a Administração a utilização da arbitragem em situações especificas; a terceira, seria que este meio de resolução de conflito estaria, de forma genérica, autorizando as sociedades de economia mista e empresas públicas exploradoras de atividade econômica.[13] Percebe-se uma tendência a uma flexibilização em relação a esta matéria, e o surgimento de casos nos quais foi admitida a utilização da arbitragem, sem lei autorizativa. O STJ já admitiu a tendência na utilização da arbitragem para a sociedade de economia mista no que tange os direitos disponíveis. Além disso, confirmou a validade do juízo arbitral para a solução de conflitos em contratos de natureza econômica.  Entretanto, em situações, que as atividades decorram do poder de império da administração e se tratar de direito indisponível não será possível a utilização da arbitragem. O STF também já permitiu o uso da arbitragem, mesmo sem lei autorizativa. Apesar de este caso ser datado de 1922. Esta decisão só corrobora a tradição brasileira, presente desde o tempo imperial, na aceitação da arbitragem nas causas da Fazenda, bem como a não proibição do juízo arbitral nestes casos, ocasionando uma restrição a autonomia do Estado. Desta forma, vetar o Estado a possibilidade de se subjugar a arbitragem seria retirar a sua autonomia contratual, da forma que, como qualquer pessoa, poderia obstar litígios ou a resolução destes de uma maneira transacional. Na prática é visível que a disponibilidade chega a ser restrita até mesmo em face dos bens e direitos privados. Portanto, a autonomia contratual do estado não é assimilada a uma autonomia privada. 2.6 Aspecto objetivo Este aspecto diz respeito a matéria a ser submetida a arbitragem. Vislumbrando a teoria clássica, o paradigma entre o interesse público primário e secundário serve de alicerce para a aplicação do instituto estudado, desta forma, os pormenores deste tópico serão abordados no capítulo seguinte. 3 Análise constitucional do princípio do interesse público em face da utilização da arbitragem 3.1 O limite do uso da arbitragem Parte da doutrina entende a arbitragem como método de resolução de conflitos no bojo das pessoas jurídicas de direito público transgrediria o principio da legalidade, o da inafastabilidade do judiciário e o da indisponibilidade do interesse público. Ao concatenar o princípio da legalidade no arcabouço da arbitragem, é visível que nas possibilidades de lei autorizativa não pode haver dúvidas que o poder público pode clausular a arbitragem. Existe uma tendência da jurisprudência da aceitação da arbitragem no que tange as sociedades de economia mista e empresas públicas que exerçam atividade econômica. Vale acrescentar que a arbitragem esta autorizada, genericamente, nos vários diplomas legais existentes no arcabouço legal, além de leis especificas que possibilitam a participação da Administração Pública em arbitragens. O “Caso Lage” foi alicerçado em uma autorização legal para arbitragem, o que consequentemente forja a tese que a juridicidade não extermina a legalidade estrita. Em relação ao princípio da inafastabilidade do judiciário, é visível que não há transgressão a este. O STF já definiu que a arbitragem e a lei de arbitragem promulgada para efetuar a sua regulamentação e totalmente constitucional. A arbitragem foca em direitos patrimoniais, desta forma, disponíveis. As partes podem renunciar o direito de recorrer ao poder judiciário. Ocorre que a arbitragem é uma alternativa ao Poder Judiciário, entretanto não veda a possibilidade das partes interessadas levarem a matéria para apreciação deste . Desta forma, não ocorre à violação do princípio da inafastabilidade. 3.2 A arbitragem e o princípio da indisponibilidade do interesse público É no aspecto objetivo que reside o argumento cabal para a possibilidade do uso da arbitragem como meio de resolução que envolva o Setor Público no que tange ao princípio da indisponibilidade do interesse público. Existe a viabilidade da utilização da arbitragem em litígios nos quais as matérias discutidas não são exclusivas do Estado por ser de interesse basilar da coletividade.[14] O regime jurídico administrativo é composto por um bojo de prerrogativas e limitações nas quais a Administração está sujeita e que de certa forma não funde relações entre particulares. A atividade negocial do Estado executada por atos administrativos é dividida em ius imperii e ius gestionis. O primeiro é exercido devido ao preenchimento da atividade perene do Estado, já estes têm a sua existência sempre de forma instrumentalizada e subsidiária. A posição majoritária dos administrativistas em relação a divisão da administração em face do interesse da coletividade, nos quais os direitos indisponíveis são aqueles que estão fora de mercado. Já os interesses secundários possuem um arcabouço patrimonial, desta forma, podem ser passiveis de arbitragem. Estes interesses públicos derivados e instrumentais se liquidam em direitos patrimoniais. O interesse público funciona como o interesse do todo, não haveria como este interesse ser contraposto ao interesse privado. Caso ocorresse, necessitaria uma revisão acerca da função administrativa. O interesse público latu senso é diferente do interesse privado, no âmbito da patrimonialidade. As ações administrativas estão intimamente ligadas ao conceito de Bem, já as ações privadas estão conectas com o contexto de bem. O Bem seria o espectro de toda ação pública, na qual exista a prioridade do justo sobre o bem, do comum sobre o privado. O bem que é a leitura da ação no setor privado é utilitarista. Os interesses transpessoais são regidos pelos interesses legais. Portanto, o que se denomina de interesses derivados estão imbricadas como os anteriores já que a competência de poderes funcionais. Além disso, os bens patrimoniais não eximem o respeito as normas regulamentadoras da capacidade das pessoas jurídicas e das condições especificadas em leis. Finalizando, percebe-se que o princípio da indisponibilidade do interesse público não se baseia em uma visão econômica de Estado, pois o mesmo deve ser embasado de direitos fundamentais. Por isso, o ordenamento jurídico está presente com o intuito de expressar os valores da sociedade. 4. Conclusão Foi observado que existiu várias fases que abarcaram a evolução da solução dos conflitos de interesses passando da fase de autotutela até a prestação jurisdicional, com o intuito de fomentar a segurança jurídica. O desenvolvimento tecnológico, com o tempo, foi enfraquecendo o poder monopolístico de justiça estatal. Portanto, a Constituição apresenta-se como condicionante de validade das demais regras do ordenamento jurídico. Desta forma, a aplicação da arbitragem na solução de Litígios no bojo da Administração Pública apresenta vários embates apresentados pela doutrina como uma possível violação de um rol de princípios constitucionais. Já a jurisprudência verifica que a impossibilidade da utilização deste método sem a existência de uma lei autorizativa. Entretanto, há uma visão moderna do princípio da legalidade no que tange a verificação de que os comandos legais não podem abarcar todas as variáveis das situações que envolvem o ato humano. Como foi abordado o princípio do interesse público foi o destaque deste artigo já segundo o aspecto objetivo, aquele seria o principal argumento contra a possibilidade da arbitragem em contratos assinados pelo Setor Público. A doutrina majoritária utiliza a tradição romanística no que se refere a diferenciação do direito privado do público. Portanto, percebe-se a mitigação do princípio do interesse público, com uma conotação econômica. Deste modo, a quebra dessa tradição, outrora relatada, abriria a oportunidade da aplicabilidade da arbitragem no bojo da Administração Pública, já que o objetivo principal do Estado é sempre buscar a justiça.
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A tendência de privatização dos contratos públicos e as parcerias público-privadas
Este trabalho aborda o tema da privatização dos contratos públicos com ênfase nas parcerias público-privadas e suas modalidades. Para a análise do tema são abordados os conceitos de parceria, privatização e terceirização; o tratamento constitucional do tema; o histórico da descentralização administrativa no Brasil e as parcerias público-privadas.
Direito Administrativo
1. Introdução Este trabalho tem o objetivo de demonstrar a tendência à “privatização” dos serviços da Administração Pública com ênfase na apresentação das parcerias público privadas. Para tanto, em primeiro lugar, será apresentado o conceito de parceria com a  Administração Pública e os conceitos e diferenciação entre privatização e terceirização. Em segundo lugar, será apresentado o tratamento que a Constituição dá à prestação de serviços públicos e “privatização” de tais serviços. Em seguida, trataremos da descentralização da Administração e do seu histórico no Brasil. Finalmente, serão expostas as parcerias público privadas e suas modalidades. 2. Parcerias na administração pública Parceria pode ser conceituada como colaboração financeira entre o setor público e privado. Tal colaboração se dá pelo interesse estatal em atingir o interesse público e pelo interesse do setor privado em obter lucro. Porém, há casos em que as parcerias são firmadas entre a Administração Pública e entidades privadas sem fins lucrativos.  Nestas situações, não se pode afirmar que há colaboração financeira, já que nenhum dos colaboradores visa o lucro. As parcerias na Administração podem visar objetivos variados e se formalizar por diferentes instrumentos. Vejamos: 1. Delegação de serviços públicos: por instrumentos de concessão e permissão de serviços públicos ou por concessão patrocinada; 2. Fomento à iniciativa privada: formalização por convênios ou contratos de gestão; 3. Cooperação do particular nas atividades típicas do Estado: por instrumentos da terceirização; 4. Desburocratização: instauração da chamada Administração Pública gerencial, através de contratos de gestão. Dessa forma, as parcerias firmadas entre a Administração Pública e particulares visam a diminuição do aparelhamento do Estado, através da delegação de serviços públicos à particulares; visam ao fomento à inicitaiva privada de modo a incentivá-la em atividades de interesse público; assim como visam a eficiência por meio da diminuição da burocracia. 2.1.  Privatização X Terceirização Para o bom entendimento deste trabalho, faz-se necessária a identificação dos conceitos de privatização e terceirização a seguir. 2.1.1. Privatização Para conceituar privatização, é necessário primeiro entender a palavra em seu sentido mais amplo, que abrange todas as medidas adotadas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado, em que se compreendem: desregulação (diminuição da intervenção estatal na economia), desmonopolização das atividades econômicas, venda de ações de empresas estatais ao setor privado, concessão de serviços públicos e os contracting out. Contracting out é a forma pela qual a Administração Pública celebra acordos para buscar apoio do setor privado. Pode- se citar como exemplos os convênios e contratos de obras e prestação de serviços. Neste último está incluída a terceirização. Há autores que acrescentam a essas medidas também a substituição dos impostos por tarifas, pagas pelos consumidores e usuários como forma de financiamento dos serviços públicos. Também há menção de que privatização engloba a idéia de desburocratização, ou seja, deixar que a comunidade empresarial elabore os projetos de obra pública, faça as análises de rentabilidade, de riscos, etc. Além desses conceitos mais amplos de privatização, existe também uma definição mais restrita que considera somente a transferência de ativos ou ações de empresas estatais ao setor privado, encontrada na Lei 9.491/97, que regulamenta o Programa Nacional de Desestatização. 2.1.2. Terceirização No Brasil, não é permitida a terceirização dos serviços públicos. Isso porque, eles somente podem ser delegados através de permissão ou concessão. Porém, há uma forma de terceirização que é permitida e não se confunde com concessão de serviços públicos: a locação de serviços. A locação de serviços tem como objeto a atividade que não é atribuída ao Estado como serviço público, ou seja, atividade acessória ou complementar da atividade fim. Nos contratos de locação de serviço (simples prestação de serviço)  o prestador do serviço é simples executor material, não sendo a ele transferido poderes públicos. O serviço continua sendo prestado diretamente pelo Poder Público. Em outras palavras, pode ser transferida a gestão material, mas nunca as gestões operacional e estratégica. Estas sempre são de competência da  Administração Pública. Diferententemente do que ocorre na concessão de serviços públicos, a remuneração da locação de serviços não é feita pelos usuários, é feita inteiramente pelo Poder Público em troca do serviço prestado à locadora. 3.  A constituição e a prestação de serviços públicos A Constituição da República Federativa do  Brasil, de 1988, (CRFB), assumindo seu caráter democrático de direito, traz diversas normas que estabelecem a paticipação popular em vários setores da administração pública. “(Art. 37, CRFB) A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…)’ § 3º A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.” (grifo nosso) Além disso, a CRFB enfatiza que certos serviços não são exclusivos do Poder Público, consagrando a dupla possiblidade: prestação do serviço pelo Poder Público, com a participação da comunidade ou a prestação do serviço pelo particular. Vejamos alguns exemplos constitucionais de participação da sociedade ou da iniciativa privada na prestação de serviços: “Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: (…) VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (grifo nosso) Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. (grifo nosso) Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. (…)(grifo nosso) Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I – despesas com pessoal e encargos sociais; II – serviço da dívida; III – qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.(grifo nosso) Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.(grifo nosso) Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (grifo nosso) Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” (grifo nosso) 4. Descentralização da administração pública A atividade da Administração Pública  pode ser exercida diretamente, por meio de seus próprios orgãos, ou inderetamente através de transferência de atribuições a outras pessoas jurídicas públicas ou privadas (descentralização administrativa ou administração indireta). As atribuições da Administração Pública transfereridas a outras pessoas jurídicas devem ser necessáriamente atividades próprias da Administração Pública: os serviços públicos. Segundo Di Pietro,  serviço público "é toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de sastifazer concretamente às necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcial público". Quando o Estado exerce atividade não definida como serviço público, não há a descentralização propriamente dita.  Exemplo disso é o que ocorre quando ele cria uma estatal para desempenhar atividade econômica.  Nesse caso, o Estado não está transferindo suas atribuições, pois, atividdade econômica não é sua atribuição. Ele está saindo de sua órbita própria de ação para atuar na atividade privada, a título de intervenção no domínio econômico. A descentralização de serviço público, No Brasil, somente se dá por meio de lei que cria ou autoriza a criação das autarquias, fundações governamentais, sociedades de economia mista e empresas públicas que exerçam serviços públicos. Tradicionalmente somente a autarquia é considerada como  prestadora de serviço típico do estado.  Isso porque entende-se que a o ente instituído deve ter a mesma capacidade pública, com todos os privilégios e prerrogativas próprias do ente instituidor. Porém, há casos mais atuais em que houve a transferência de serviço púbico pelo mesmo processo de descentralização, mas que o ente instituído só usufrui dos privilégios e prerrogativas conferidos pela lei instituidora. O processo de descentralização envolve: – reconhecimento de personalidade jurídica ao ente instituído; – capacidade de autoadministraçãodo ente instituído; – patrimônio próprio; – capacidade específica (limitação à execução do serviço público que lhe foi transferido); – sujeição ao controle ou tutela do ente instituidor. 4.1. Descentralização por colaboração Descentralização por colaboração se dá por meio de acordo de vontades ou ato administrativo unilateral, em que se transfere a execução de serviço público à pessoa jurídica de direito privado, porém, mantendo a titularidade do serviço do ente instituidor. Como se realça no conceito, o Estado conserva a titularidade do serviço, o que lhe permite dispor do serviço conforme o interesse público, podendo alterar unilateralmente as condições da execução e retomá-la antes do estabelecido. São exemplos de acordos de vontades: as concessões de serviço público, as parcerias público privadas, as permissões de serviço público, os contratos de gestão com organizações sociais que prestem serviços públicos (lei 8.987/95), as franquias que tenham como objeto a delegação de serviço público (como ocorre com os correios).  Pode-se citar como exemplos de atos unilaterais: as autorizações de serviço público e as permissões de serviço público. Vale lembrar que não são todas as formas de parceria que se caracterizam como descentralização de serviço público. É o caso dos termos de parceria com as organizações de sociedade civil de interesse público e dos convênios com entidades do terceiro setor. Esass parcerias recebem a ajuda do poder público dentro de sua atividade de fomento. Também não constitui descentralização de serviço público a terceirização de serviços ou de obras (lei 8.666/93). 4.2. Histórico da descentralização administrtativa no Brasil Durante o Estado Liberal, em que a atividade estatal era muito restrita, não havia necessidade de descentralização administrativa. Nesta época, o serviço público ligava-se, sem dúvidas, ao regime jurídico administrativo, sendo este o melhor critério para distinguir o serviço público do particular. Ao passo que o Estado foi assumindo novas atividades nos campos social e econômico, começou-se a pensar em novas maneiras de gestão do serviço público e da atividade privada   pela Administração Pública. Pensou se na especialização, visando a obtenção de melhores resultados e na utilização de métodos de gestão privada, pois, são mais flexíveis e mais adaptáveis ao novo modelo de atividade assumida pelo Estado. Foram criadas as autarquias com objetivo de prestar  serviços públicos. Também surgiram algumas autarquias para desenvolver atividades econômicas, como as Caixas Ecnômicas, mais tarde transformadas em empresas públicas. Nesse ponto, o regime jurídico já não podia ser a base de dierenciação entre serviço público e privado, pois, surgiu o primeiro método de para delegação de serviços públicos a particulares: a concessão, era a possibilidade de se ter os serviços públicos prestados sem a necessidade de investimento de recursos públicos e sem correr os riscos do empreendimento. Porém, gradativamente, foi se tornando necessária a interferência do Estado, inclusive financeiramente (equilíbrio econômico-financeiro do contrato público, continuidade da prestação do serviço, etc).  A partir daí, o Estado já partilhava os riscos do empreendimento, sendo preciso buscar novas formas de descentralização. 4.2.1. Concessão a empresas privadas A concessão de serviço público foi a primeira forma de transferência das atividades do Estado para terceiros. Nessa modalidade, o terceiro (concessionário) executa o serviço em nome próprio e assume todos os riscos da atividade. Enquanto à Administração Pública cabe a tarefa de fiscalização e controle (inclusive da remuneração paga pelo usuária – taxa). Este regime era bastante vantajoso para o Poder Público, pois, permitia a ele que o serviço público fosse prestado de forma adequada sem que ele tivesse de investir recursos financeiros nem correr os riscos da atividade. Porém, para atender aos imperativos do interesse geral, o Poder Público teve de aumentar seus poderes sobre o concessionário. Em contrapartida, o Estado teve de aumentar a sua participação financeira no negócio e também a compartilhar riscos com a inicitiva privada. Diante do novo cenário, em muitos casos, a concessão de serviços públicos deixou de ser interessante para a Administração Pública, sendo necessárias novas formas de transferência da atividade estatal. 4.2.2. Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas Tendo em vista a inadequação das concessões de serviço público à nova realidade, deu-se lugar as Sociedades de Economia Mista e as Empresas Públicas. As primeiras se mostratavam atrativas pela possibilidade de conseguir reunir grande capital privado, diminuindo consideravelmente a necessidade de investimento público, e a possibilidade de atuar no mesmo regime das empresas privadas. Esse tipo de sociedade apresentou grande conflito entre a iniciativa privada e a Administração Pública, pois, uma objetiva o recebimento de taxas altas, visando o lucro; enquanto a outra objetiva menores taxas, visando o interesse público. Para a solução desta questão surgiram as empresas públicas, de  capital totalmente público. 4.2.3. Concessão de serviços públicos a empresas estatais Volta-se à utilização da concessão, porém, desta vez não aos particulares, mas, sim às empresas sob controle acionário do Poder Público. O controle das empresas concessionárias pelo Poder Público resolve um problema surgido na primeira tentativa de uso das concessões. Neste novo modelo de concessão, o Estado, por ter o controle acionário, é quem determina a fixação dos preços. Por outro lado, o risco do negócio é todo da Administração Pública, por ter o controle majoritário. Além disso, perdeu-se a vantagem da não necessidade de grandes investimentos públicos. 4.2.4. Concessão a empresas privadas (novamente): A  Administração Pública volta a utilizar da concessão de serviços públicos a empresas privadas, contudo, também lançando mão da concessão a empresas estatais. A concessão de serviço público, agora, pode ocorrer de diversas formas: – pela venda de ações de empresas estatais ao setor privado (privatização em sentido estrito). Nesse caso, a concessionária deixa de ser estatal para se tornar privada. Este processo foi regulado pela Lei das Privatizações (Lei 8.031/90) e hoje pela vigente Lei da Desastização (Lei 9491/97). – através da concessão de serviços públicos, seja pela forma tradicional, seja por meio das parcerias público privadas. 5. Parcerias público-privadas A Lei 11.079/2004 dispõe sobre as regras gerais para a licitação e a contratação da parceria público privada. Inspirado no direito inglês (common law) e também no direito comunitário europeu, o legislador brasileiro trouxe a ideia das parcerias público privadas e inovou ao incluir garantias dadas pelo Poder Público aos parceiros privados. As justificativas para a implementação das parcerias público privadas são as mesmas já apresentadas para as outras parcerias: a falta de disponibilidade de recursos financeiros públicos, o aproveitamento da eficiência de gestão do setor privado, necessidade de realização de obras de infraestrutura. Não se pode esquecer do objetivo menos declarado: a privatização da Administração Pública (fuga do direito administrativo). Através de tal fuga, pode-se evitar a burocracia: processos licitatórios, concursos públicos, regras sobre finanças públicas, etc. Apesar dessa tendência à privatização, a fuga do direito administrativo não será total, até porque o próprio contrato de parceria público privada é de natureza pública e é precedido de licitação, estando sujeito ao controle da Administração Pública, inclusive do Tribunal de Contas. 5.1 Modalidades Existem duas modalidades de parcerias público privadas: as concessões patrocinadas e as administrativas. “Art. 2o Lei 11.079/04- Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1oConcessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2oConcessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.” 5.1.1 Concessão Patrocinada “Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada de usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao privado” (art. 2º, § 1º, Lei 11.079/04) A partir do conceito de concessão patrocinada, infere-se que a diferença básica da concessão de serviços públicos comum é a que diz respeito à forma de remuneração. Também há as diferenças no que tange aos riscos, que são, na concessão patrocinada, repartidos entre a iniciativa privada e o poder público; no que tange às garantias dadas pelo Poder Público; e no que tange ao compartilhamento de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado. 5.1.1.1 Concessão Patrocinada X Concessão de Serviços Públicos Comum Di Pietro (2005) indica pontos comuns e divergentes entre a concessão patrocinada e a concessão de serviços público comum. Pontos comuns: a) cláusulas regulamentares no contrato; b) outorga de prerrogativas públicas ao parceiro privado; c) sujeição do parceiro privado aos princípios da continuidade, mutabilidade, igualdade dos usuários; d) parceiro público com poderes de encampação, intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais, direção e controle sobre a execução do serviço, sancionatório e de declaração de caducidade; e) reversão dos bens do parceiro privado afetados à prestação do serviço; f) natureza pública dos bens da concessionária afetados à prestação do serviço; g) responsabilidade civil objetiva por danos causados a terceiros  (art. 37, § 6º, CRFB); h) efeitos trilaterias da concessão: sobre o poder concedente, o parceiro privado e os usuários. Da mesma forma, aplicam-se também às parcerias público privadas as seguintes regras da concessão comum da Lei 8.987/95: a) direitos e obrigações do usuário; “Art. 7º (Lei 8.987/95) Sem prejuízo do disposto na Lei no8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I – receber serviço adequado; II – receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. IV – levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V – comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI – contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.” b) política tarifária, no que couber; “Art. 9º (Lei 8.987/95) A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. § 1oA tarifa não será subordinada à legislação específica anterior e somente nos casos expressamente previstos em lei, sua cobrança poderá ser condicionada à existência de serviço público alternativo e gratuito para o usuário. § 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro. § 3oRessalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso. § 4oEm havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração. Art. 10 (Lei 8.987/95) Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro. Art. 11 (Lei 8.987/95) No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Parágrafo único. As fontes de receita previstas neste artigo serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Art. 13 (Lei 8.987/95) As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.” c) cláusulas essenciais do contrato que não contrariarem as regras específicas da concessão patrocinada; “Art. 23 (Lei 8.987/95) São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: I – ao objeto, à área e ao prazo da concessão; II – ao modo, forma e condições de prestação do serviço; III – aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV – ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; V – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações; VI – aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço; VII – à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la; VIII – às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação; IX – aos casos de extinção da concessão; X – aos bens reversíveis; XI – aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; XII – às condições para prorrogação do contrato; XIII – à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente; XIV – à exigência da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. Parágrafo único. Os contratos relativos à concessão de serviço público precedido da execução de obra pública deverão, adicionalmente: I – estipular os cronogramas físico-financeiros de execução das obras vinculadas à concessão; e II – exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das obrigações relativas às obras vinculadas à concessão. Art. 5º (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação; II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas; III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária; IV – as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais; V – os mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços; VI – os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia; VII – os critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado; VIII – a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos, observados os limites dos §§ 3o e 5o do art. 56 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e, no que se refere às concessões patrocinadas, o disposto no inciso XV do art. 18 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado; X – a realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar as irregularidades eventualmente detectadas. XI – o cronograma e os marcos para o repasse ao parceiro privado das parcelas do aporte de recursos, na fase de investimentos do projeto e/ou após a disponibilização dos serviços, sempre que verificada a hipótese do § 2odo art. 6ºdesta Lei. § 1o As cláusulas contratuais de atualização automática de valores baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, serão aplicadas sem necessidade de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas nesta Lei ou no contrato para a rejeição da atualização. § 2o Os contratos poderão prever adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei no8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública; III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.” d) encargos do poder concedente; “Art. 29 (Lei 8.987/95)  Incumbe ao poder concedente: I – regulamentar o serviço concedido e fiscalizar permanentemente a sua prestação; II – aplicar as penalidades regulamentares e contratuais; III – intervir na prestação do serviço, nos casos e condições previstos em lei; IV – extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato; V – homologar reajustes e proceder à revisão das tarifas na forma desta Lei, das normas pertinentes e do contrato; VI – cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; VII – zelar pela boa qualidade do serviço, receber, apurar e solucionar queixas e reclamações dos usuários, que serão cientificados, em até trinta dias, das providências tomadas; VIII – declarar de utilidade pública os bens necessários à execução do serviço ou obra pública, promovendo as desapropriações, diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; IX – declarar de necessidade ou utilidade pública, para fins de instituição de servidão administrativa, os bens necessários à execução de serviço ou obra pública, promovendo-a diretamente ou mediante outorga de poderes à concessionária, caso em que será desta a responsabilidade pelas indenizações cabíveis; X – estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente e conservação; XI – incentivar a competitividade; e XII – estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço.” e) encargos do concessionário; “Art. 31 (Lei 8.987/95) Incumbe à concessionária: I – prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato; II – manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão; III – prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato; IV – cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; V – permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis; VI – promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato; VII – zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente; e VIII – captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço. Parágrafo único. As contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente.” f) intervenção; “Art. 32 (Lei 8.987/95) O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes. Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo da intervenção e os objetivos e limites da medida. Art. 33 (Lei 8.987/95) Declarada a intervenção, o poder concedente deverá, no prazo de trinta dias, instaurar procedimento administrativo para comprovar as causas determinantes da medida e apurar responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa. § 1o Se ficar comprovado que a intervenção não observou os pressupostos legais e regulamentares será declarada sua nulidade, devendo o serviço ser imediatamente devolvido à concessionária, sem prejuízo de seu direito à indenização. § 2o O procedimento administrativo a que se refere o caput deste artigo deverá ser concluído no prazo de até cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se inválida a intervenção. Art. 34 (Lei 8.987/95) Cessada a intervenção, se não for extinta a concessão, a administração do serviço será devolvida à concessionária, precedida de prestação de contas pelo interventor, que responderá pelos atos praticados durante a sua gestão”. g) responsabilidade por danos causados ao poder concedente e a terceiros: “Art. 25 (Lei 8.987/95) Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.” h) subcontratação; “Art. 25 (Lei 8.987/95) Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade. § 1oSem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados. § 2oOs contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente. § 3oA execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.” (grifo nosso) i) subconcessão; “Art. 26 (Lei 8.987/95) É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente. § 1oA outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência. § 2oO subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.” j) transferência de concessão, com as restrições da Lei 11.079/04; “Art. 27 (Lei 8.987/95)  A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. §1oPara fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá: I – atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e II – comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor. § 2oNas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. § 3oNa hipótese prevista no § 2odeste artigo, o poder concedente exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos previstos no 1o, inciso I deste artigo. § 4oA assunção do controle autorizada na forma do §2odeste artigo não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente. Art.9º (Lei 11.079/04) Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1oA transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no8.987, de 13 de fevereiro de 1995. § 2oA sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. § 3oA sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. § 4oFica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo. § 5oA vedação prevista no § 4odeste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento.” k) formas de extinção; “Art. 35 (Lei 8.987/95) Extingue-se a concessão por: I – advento do termo contratual; II – encampação; III – caducidade; IV – rescisão; V – anulação; e VI – falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual. § 1oExtinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato. § 2oExtinta a concessão, haverá a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários. § 3oA assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis. § 4oNos casos previstos nos incisos I e II deste artigo, o poder concedente, antecipando-se à extinção da concessão, procederá aos levantamentos e avaliações necessários à determinação dos montantes da indenização que será devida à concessionária, na forma dos arts. 36 e 37 desta Lei. Art. 36 (Lei 8.987/95) A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido. Art. 37 (Lei 8.987/95) Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior. Art. 38 (Lei 8.987/95) A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes. § 1oA caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando: I – o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço; II – a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; III – a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior; IV – a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido; V – a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos; VI – a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e VII – a concessionária não atender a intimação do poder concedente para, em 180 (cento e oitenta) dias, apresentar a documentação relativa a regularidade fiscal, no curso da concessão, na forma do art. 29 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. § 2oA declaração da caducidade da concessão deverá ser precedida da verificação da inadimplência da concessionária em processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa. § 3oNão será instaurado processo administrativo de inadimplência antes de comunicados à concessionária, detalhadamente, os descumprimentos contratuais referidos no § 1º deste artigo, dando-lhe um prazo para corrigir as falhas e transgressões apontadas e para o enquadramento, nos termos contratuais. § 4oInstaurado o processo administrativo e comprovada a inadimplência, a caducidade será declarada por decreto do poder concedente, independentemente de indenização prévia, calculada no decurso do processo. § 5oA indenização de que trata o parágrafo anterior, será devida na forma do art. 36 desta Lei e do contrato, descontado o valor das multas contratuais e dos danos causados pela concessionária. § 6oDeclarada a caducidade, não resultará para o poder concedente qualquer espécie de responsabilidade em relação aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com empregados da concessionária. Art. 39 (Lei 8.987/95) O contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim. Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput deste artigo, os serviços prestados pela concessionária não poderão ser interrompidos ou paralisados, até a decisão judicial transitada em julgado”. l) reversão; “Art. 36 (Lei 8.987/95) A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido.” m) licitação, no que não contrariar a lei 11.079/04; “Art. 15 (Lei 8.987/95) No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: I – o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado; II – a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; III – a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII; IV – melhor proposta técnica, com preço fixado no edital; V – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica; VI – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou VII – melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas. § 1o A aplicação do critério previsto no inciso III só será admitida quando previamente estabelecida no edital de licitação, inclusive com regras e fórmulas precisas para avaliação econômico-financeira. § 2oPara fins de aplicação do disposto nos incisos IV, V, VI e VII, o edital de licitação conterá parâmetros e exigências para formulação de propostas técnicas. § 3oO poder concedente recusará propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação § 4oEm igualdade de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira. Art. 18 (Lei 8.987/95) O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: I – o objeto, metas e prazo da concessão; II – a descrição das condições necessárias à prestação adequada do serviço; III – os prazos para recebimento das propostas, julgamento da licitação e assinatura do contrato; IV – prazo, local e horário em que serão fornecidos, aos interessados, os dados , estudos e projetos necessários à elaboração dos orçamentos e apresentação das propostas; V – os critérios e a relação dos documentos exigidos para a aferição da capacidade técnica, da idoneidade financeira e da regularidade jurídica e fiscal; VI – as possíveis fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias, bem como as provenientes de projetos associados; VII – os direitos e obrigações do poder concedente e da concessionária em relação a alterações e expansões a serem realizadas no futuro, para garantir a continuidade da prestação do serviço; VIII – os critérios de reajuste e revisão da tarifa; IX – os critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros a serem utilizados no julgamento técnico e econômico-financeiro da proposta; X – a indicação dos bens reversíveis; XI – as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos à disposição, nos casos em que houver sido extinta a concessão anterior; XII – a expressa indicação do responsável pelo ônus das desapropriações necessárias à execução do serviço ou da obra pública, ou para a instituição de servidão administrativa; XIII – as condições de liderança da empresa responsável, na hipótese em que for permitida a participação de empresas em consórcio; XIV – nos casos de concessão, a minuta do respectivo contrato, que conterá as cláusulas essenciais referidas no art. 23 desta Lei, quando aplicáveis; XV – nos casos de concessão de serviços públicos precedida da execução de obra pública, os dados relativos à obra, dentre os quais os elementos do projeto básico que permitam sua plena caracterização, bem assim as garantias exigidas para essa parte específica do contrato, adequadas a cada caso e limitadas ao valor da obra; XVI – nos casos de permissão, os termos do contrato de adesão a ser firmado. Art. 19 (Lei 8.987/95) Quando permitida, na licitação, a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas: I – comprovação de compromisso, público ou particular, de constituição de consórcio, subscrito pelas consorciadas; II – indicação da empresa responsável pelo consórcio; III – apresentação dos documentos exigidos nos incisos V e XIII do artigo anterior, por parte de cada consorciada; IV – impedimento de participação de empresas consorciadas na mesma licitação, por intermédio de mais de um consórcio ou isoladamente. § 1oO licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo. § 2oA empresa líder do consórcio é a responsável perante o poder concedente pelo cumprimento do contrato de concessão, sem prejuízo da responsabilidade solidária das demais consorciadas. Art. 21 (Lei 8.987/95) Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital. Art. 11 (Lei 11.079/04) O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os  §§3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987 , 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: I – exigência de garantia de proposta do licitante, observado o limite do inciso III do art. 31 da Lei no8.666 , de 21 de junho de 1993; II –(VETADO) III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. Parágrafo único. O edital deverá especificar, quando houver, as garantias da contraprestação do parceiro público a serem concedidas ao parceiro privado. Art. 12 (Lei 11.079/04)  O certame para a contratação de parcerias público-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte: I – o julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas, desclassificando-se os licitantes que não alcançarem a pontuação mínima, os quais não participarão das etapas seguintes; II – o julgamento poderá adotar como critérios, além dos previstos nos incisos V do art. 15 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes: a) menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública; b) melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital; III – o edital definirá a forma de apresentação das propostas econômicas, admitindo-se: a) propostas escritas em envelopes lacrados; ou b) propostas escritas, seguidas de lances em viva voz; IV – o edital poderá prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório. § 1o Na hipótese da alínea b do inciso III do caput deste artigo: I – os lances em viva voz serão sempre oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas, sendo vedado ao edital limitar a quantidade de lances; II – o edital poderá restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% (vinte por cento) maior que o valor da melhor proposta. § 2oO exame de propostas técnicas, para fins de qualificação ou julgamento, será feito por ato motivado, com base em exigências, parâmetros e indicadores de resultado pertinentes ao objeto, definidos com clareza e objetividade no edital. Art. 13 (Lei 11.079/04)  O edital poderá prever a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, hipótese em que: I – encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecimento de lances, será aberto o invólucro com os documentos de habilitação do licitante mais bem classificado, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital; II – verificado o atendimento das exigências do edital, o licitante será declarado vencedor; III – inabilitado o licitante melhor classificado, serão analisados os documentos habilitatórios do licitante com a proposta classificada em 2o(segundo) lugar, e assim, sucessivamente, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital; IV – proclamado o resultado final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas por ele ofertadas.” n) controle da concessionária. “Art. 30 (Lei 8.987/95) No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária. Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários. Art. 31 (Lei 9.074/95) Nas licitações para concessão e permissão de serviços públicos ou uso de bem público, os autores ou responsáveis economicamente pelos projetos básico ou executivo podem participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obras ou serviços. Art. 36 (Lei 9.074/95) Sem prejuízo do disposto no inciso XII do art 21 e no inciso XI do art 23 da Constituição Federal,  o poder concedente poderá, mediante convênio de cooperação, credenciar os Estados e o Distrito Federal a realizarem atividades complementares de fiscalização e controle dos serviços prestados nos respectivos territórios “ Pontos divergentes: a) forma de remuneração: deve estar prevista no contrato e abranger além das tarifas a contraprestação do parceiro público ao privado; b) constituição de sociedade de propósito específico como forma obrigatória para implantação e gestão do objeto da parceria; c) possibilidade de garantias dadas pelo Poder Público; d) compartilhamento de riscos e ganhos; “Art. 4º (Lei 11.079/04) Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes: (…) VI – repartição objetiva de riscos entre as partes; Art. 5 º (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no at Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (…) III – a repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária; (…) IX – o compartilhamento com a Administração Pública de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado;” e) normas específicas de licitação, sendo que são válidas apenas algumas regras das Leis nº 8.987/95 e 8.666/93; f) possibilidade de aplicação de penas à Administração Pública em caso de inadimplemento contratual; g) limitação de prazo mínimo e máximo do contrato; “Art. 5 º (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no at Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;” h) limite de despesas com contrato de parcerias público privadas; “Art. 22 (Lei 11.079/04) A União somente poderá contratar parceria público-privada quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas não tiver excedido, no ano anterior, a 1% (um por cento) da receita corrente líquida do exercício, e as despesas anuais dos contratos vigentes, nos 10 (dez) anos subseqüentes, não excedam a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. Art. 28 (Lei 11.079/04) A União não poderá conceder garantia ou realizar transferência voluntária aos Estados, Distrito Federal e Municípios se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios. § 1oOs Estados, o Distrito Federal e os Municípios que contratarem empreendimentos por intermédio de parcerias público-privadas deverão encaminhar ao Senado Federal e à Secretaria do Tesouro Nacional, previamente à contratação, as informações necessárias para cumprimento do previsto no caput deste artigo. § 2o Na aplicação do limite previsto no caput deste artigo, serão computadas as despesas derivadas de contratos de parceria celebrados pela administração pública direta, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo respectivo ente, excluídas as empresas estatais não dependentes.” § 3o(VETADO) 5.1.1.2 Forma de Remuneração O conceito de concessão patrocinada define que a forma de remuneração  será por tarifa cobrada dos usuários e contraprestação do poder concedente. Porém, como há aplicação subsidiária da Lei 8.987/95 as concessões patrocinadas, pode-se concluir que a remuneração também poderá ser por receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados com o objetivo de adequação ao princípio da modicidade de tarifas ou da redução da contraprestação do poder concedente. “Art. 3º (Lei 11.079/04) As concessões administrativas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes adicionalmente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e no art. 31 da Lei nº 9.074, de 7 de junlho de 1995.  § 1oAs concessões patrocinadas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes subsidiariamente o disposto na Lei nº 8.987, de 13 de julho de 1995, e nas leis que lhe são correlatas. § 2oAs concessões comuns continuam regidas pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1985, e pelas leis que lhe são correlatas, não se lhes aplicando o disposto nesta Lei. § 3o Continuam regidos exclusivamente pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e pelas leis que lhe são correlatas os contratos administrativos que não caracterizem concessão comum, patrocinada ou administrativa.” Nos termos do artigo 6º, da Lei 11.709/04, a contraprestação a ser paga pelo poder concedente ao parceiro privado é realizada através de ordem bancária, cessão de créditos não tributários, outorga de direitos em face da Administração Pública, outorga sobre bens públicos dominicais, outros meios admitidos em lei. A mesma lei (art. 10, § 3º) estabelece que a contraprestação do poder concedente não pode ser superior a 70% da remuneração total recebida pelo parceiro privado e somente será paga a partir da disponibilidade parcial ou total do serviço (art. 7, § único). Da mesma maneira, as tarifas somente são cobradas dos usuários após a disponibilidade do serviço. Por isso, o parceiro privado arca com todos os custos da implementação do projeto, podendo haver um financiador do projeto. 5.1.2 Concessão Administrativa “Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens” (art. 2, § 2º, Lei 11.709/04). Pelo conceito dado pela lei, ao contrário da concessão patrocinada (que tem como objeto a prestação de serviço público), a concessão patrocinada tem como objeto a prestação de serviço comum. Porém, esta modalidade de parceria público privada não se confunde com a empreitada (Lei 8.666/93). Isso porque a Lei 11.709/04 veda expressamente que a concessão que tenha por objeto unicamente o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. “Art. 2o (Lei 11.079/04) Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1oConcessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. § 3o Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado”. (grifo nosso) Segundo Di Pietro (2005), a concessão administrativa constitui-se em um misto de empreitada e concessão de serviço público, constituindo verdadeira terceirização de serviços públicos.  Na opinião da autora, a intenção do legislador foi contornar o entendimento de que a remuneração da concessão de serviço público não é feita pelo poder concedente, através da criação de uma nova modalidade de concessão que é remunerada pelo ente público. 5.1.2 1 Forma de Remuneração A forma de remuneração da concessão administrativa é basicamente a contraprestação paga pela Administração Pública. “Art. 6o (Lei 11.079/04) A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por:  I – ordem bancária; II – cessão de créditos não tributários; III – outorga de direitos em face da Administração Pública; IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V – outros meios admitidos em lei.” Diferentemente da concessão patrocinada, não existe cobrança de tarifa do usuário, até porque, o objeto do contrato é serviço administrativo (atividade  meio do estado) ou serviço social não exclusivo do estado. Assim como na concessão patrocinada, o pagamento do poder público só se inicia quando o serviço estiver disponível, sendo mais uma vez necessária a presença do financiador e das garantias oferecidas pelo concedente. 5.2 Pontos comuns entre concessão patrocinada e concessão administrativa Contraprestação do parceiro público: Nas duas modalidades de parceria público-privada há contraprestação do parceiro público ao privado. Sendo a diferença é que na concessão patrocinada há também a tarifa paga pelo usuário. Compartilhamento de riscos: Mesmo não havendo disposição expressa na Lei nº 11.079/04, ambas as modalidades respeitam o princípio do equilíbrio econômico financeiro, em função da aplicação subsidiária da Lei nº 8.987/95. Além disso, a Lei 11.079/04 dispõe que são cláusulas obrigatórias as que tratam de repartição de riscos entre as partes e da forma de remuneração. Porém, não se aplica o compartilhamento de riscos nos casos de fato do príncipe e fato da administração, pois, não se pode imputar ao parceiro privado o prejuízo causado pelo parceiro público. Compartilhamento de ganhos econômicos decorrentes da diminuição do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo poder privado: O compartilhamento de ganhos econômicos ocorre tanto na concessão patrocinada quanto na administrativa. Isso se justifica pelo fato de o parceiro público oferecer garantias ao financiador do projeto, o que gera diminuição dos riscos do empreendimento e maiores ganhos econômicos. Financiamento por terceiros e garantias: como já exposto, a contraprestação do poder público só é paga a partir da disponibilidade do serviço e, por isso, faz-se necessário financiamento de terceiros para a implementação do projeto. A Lei 11.709/04 prevê regras para o financiador: “Art. 5o (Lei 11.079/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (…) § 2o Os contratos poderão prever adicionalmente: I – os requisitos e condições em que o parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, não se aplicando para este efeito o previsto no inciso I do parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; II – a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública; III – a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.” São três os tipos de garantias para as parcerias público privadas: a garantia de execução do contrato, garantia de cumprimento das obrigações assumidas perante o parceiro privado, contragarantia oferecida pelo poder público ao financiador do projeto. Fundo garantidor de parcerias público privadas: a Lei 11.079/04 dispõe sobre a criação do Fundo Garantidor de Parcerias Público Privadas que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias pelos parceiros públicos federais em função das parcerias. “Art. 16. (Lei 11.079/04)  Ficam a União, seus fundos especiais, suas autarquias, suas fundações públicas e suas empresas estatais dependentes autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais, distritais, estaduais ou municipais em virtude das parcerias de que trata esta Lei. § 1o O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios. § 2o O patrimônio do Fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralização de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração. § 3o Os bens e direitos transferidos ao Fundo serão avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados. § 4o A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial. § 5o O FGP responderá por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem. § 6o A integralização com bens a que se refere o § 4o deste artigo será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda. § 7o O aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado a sua desafetação de forma individualizada. § 8o  A capitalização do FGP, quando realizada por meio de recursos orçamentários, dar-se-á por ação orçamentária específica para esta finalidade, no âmbito de Encargos Financeiros da União. § 9o  (VETADO). Art. 18. (Lei 11.079/04) O estatuto e o regulamento do FGP devem deliberar sobre a política de concessão de garantias, inclusive no que se refere à relação entre ativos e passivos do Fundo.  § 1o A garantia será prestada na forma aprovada pela assembléia dos cotistas, nas seguintes modalidades: I – fiança, sem benefício de ordem para o fiador; II – penhor de bens móveis ou de direitos integrantes do patrimônio do FGP, sem transferência da posse da coisa empenhada antes da execução da garantia; III – hipoteca de bens imóveis do patrimônio do FGP;  IV – alienação fiduciária, permanecendo a posse direta dos bens com o FGP ou com agente fiduciário por ele contratado antes da execução da garantia; V – outros contratos que produzam efeito de garantia, desde que não transfiram a titularidade ou posse direta dos bens ao parceiro privado antes da execução da garantia; VI – garantia, real ou pessoal, vinculada a um patrimônio de afetação constituído em decorrência da separação de bens e direitos pertencentes ao FGP. § 2o O FGP poderá prestar contra-garantias a seguradoras, instituições financeiras e organismos internacionais que garantirem o cumprimento das obrigações pecuniárias dos cotistas em contratos de parceria público-privadas. § 3o A quitação pelo parceiro público de cada parcela de débito garantido pelo FGP importará exoneração proporcional da garantia. § 4o  O FGP poderá prestar garantia mediante contratação de instrumentos disponíveis em mercado, inclusive para complementação das modalidades previstas no § 1o. § 5o  O parceiro privado poderá acionar o FGP nos casos de: I – crédito líquido e certo, constante de título exigível aceito e não pago pelo parceiro público após 15 (quinze) dias contados da data de vencimento; e II – débitos constantes de faturas emitidas e não aceitas pelo parceiro público após 45 (quarenta e cinco) dias contados da data de vencimento, desde que não tenha havido rejeição expressa por ato motivado. § 6o A quitação de débito pelo FGP importará sua subrogação nos direitos do parceiro privado. § 7o Em caso de inadimplemento, os bens e direitos do Fundo poderão ser objeto de constrição judicial e alienação para satisfazer as obrigações garantidas. § 8o  O FGP poderá usar parcela da cota da União para prestar garantia aos seus fundos especiais, às suas autarquias, às suas fundações públicas e às suas empresas estatais dependentes. § 9o  O FGP é obrigado a honrar faturas aceitas e não pagas pelo parceiro público.  § 10.  O FGP é proibido de pagar faturas rejeitadas expressamente por ato motivado.   § 11.  O parceiro público deverá informar o FGP sobre qualquer fatura rejeitada e sobre os motivos da rejeição no prazo de 40 (quarenta) dias contado da data de vencimento.  § 12.  A ausência de aceite ou rejeição expressa de fatura por parte do parceiro público no prazo de 40 (quarenta) dias contado da data de vencimento implicará aceitação tácita.  § 13.  O agente público que contribuir por ação ou omissão para a aceitação tácita de que trata o § 12 ou que rejeitar fatura sem motivação será responsabilizado pelos danos que causar, em conformidade com a legislação civil, administrativa e penal em vigor.” Sociedade de propósito específico: A Lei 11.709/04 determina que obrigatoriamente que o vencedor da licitação deve constituir SPE: “Art. 9o (Lei 11.079/04) Antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. § 1o A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, observado o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. § 2o A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. § 3o A sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento. § 4o Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das sociedades de que trata este Capítulo. § 5o A vedação prevista no § 4o deste artigo não se aplica à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento”. Orgão Gestor das Parcerias Público Privadas: A lei 11.709/04 prevê a criação de orgão gestor das parcerias público privadas, já criado pelo Decreto 5386/04, denominado Comitê Gestor de Parceria Público Privada. “Art. 14. (Lei 11.079/04) Será instituído, por decreto, órgão gestor de parcerias público-privadas federais, com competência para: I – definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada; II – disciplinar os procedimentos para celebração desses contratos; III – autorizar a abertura da licitação e aprovar seu edital; IV – apreciar os relatórios de execução dos contratos. § 1o O órgão mencionado no caput deste artigo será composto por indicação nominal de um representante titular e respectivo suplente de cada um dos seguintes órgãos: I – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, ao qual cumprirá a tarefa de coordenação das respectivas atividades; II – Ministério da Fazenda; III – Casa Civil da Presidência da República. § 2o Das reuniões do órgão a que se refere o caput deste artigo para examinar projetos de parceria público-privada participará um representante do órgão da Administração Pública direta cuja área de competência seja pertinente ao objeto do contrato em análise. § 3o Para deliberação do órgão gestor sobre a contratação de parceria público-privada, o expediente deverá estar instruído com pronunciamento prévio e fundamentado: I – do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sobre o mérito do projeto; II – do Ministério da Fazenda, quanto à viabilidade da concessão da garantia e à sua forma, relativamente aos riscos para o Tesouro Nacional e ao cumprimento do limite de que trata o art. 22 desta Lei. § 4o Para o desempenho de suas funções, o órgão citado no caput deste artigo poderá criar estrutura de apoio técnico com a presença de representantes de instituições públicas. § 5o O órgão de que trata o caput deste artigo remeterá ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União, com periodicidade anual, relatórios de desempenho dos contratos de parceria público-privada. § 6o Para fins do atendimento do disposto no inciso V do art. 4o desta Lei, ressalvadas as informações classificadas como sigilosas, os relatórios de que trata o § 5o deste artigo serão disponibilizados ao público, por meio de rede pública de transmissão de dados.” Controle: A Lei 11.079/04 não traz normas específicas de controle, oq ue leva a aplicação subsidiária da Lei 8.987/95. Porém, aquela lei traz normas que tratam da competência. “Art. 14. (Lei 11.079/04) Será instituído, por decreto, órgão gestor de parcerias público-privadas federais, com competência para: (…) § 4o Para o desempenho de suas funções, o órgão citado no caput deste artigo poderá criar estrutura de apoio técnico com a presença de representantes de instituições públicas. (…) § 6o Para fins do atendimento do disposto no inciso V do art. 4o desta Lei, ressalvadas as informações classificadas como sigilosas, os relatórios de que trata o § 5o deste artigo serão disponibilizados ao público, por meio de rede pública de transmissão de dados.” A existência dessas normas não afasta a aplicação dos dispostivos constitucionais referentes a controle político, financeiro, administrtaivo e judicial; da Lei 8.987/95; da Lei 9074/95; controle popular e do Mineistério Público. “Art.30. (Lei 8.987/95) No exercício da fiscalização, o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária. Parágrafo único. A fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários. Art. 36. (Lei 9.074/95) Sem prejuízo do disposto no inciso XII do art. 21 e no inciso XI do art. 23 da Constituição Federal, o poder concedente poderá, mediante convênio de cooperação, credenciar os Estados e o Distrito Federal a realizarem atividades complementares de fiscalização e controle dos serviços prestados nos respectivos territórios. Art. 7º. (Lei 8.987/95) Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: I – receber serviço adequado; II – receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou     coletivos; III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente. IV – levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V – comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI – contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços”. Penalidades:  A Lei 11.079/04 prevê que é clásusula essencial ao contrato de parceria público privada a que dispõe sobre as penalidades que podem ser aplicadas à Administração Pública e aos parceiro privado. “Art. 5º (Lei 11.709/04) As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que couber, devendo também prever: (…) II – as penalidades aplicáveis à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta cometida, e às obrigações assumidas;” A previsão de penalidades à Administração Pública éuma inovação em relação as leis anteriores. Porém, não existe na lei normas que tratam das penalidades ao poder público, sendo portanto, inaplicáveis em função do princípio da legalidade. Pode-se entender que as penalidades à Administração Pública são de caráter financeiro e indenizatório para compensar eventuais danos sofridos, como previstos no artigo 29: “Art. 29 (Lei 11.709/04) Serão aplicáveis, no que couber, as penalidades previstas no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992 – Lei de Improbidade Administrativa, na Lei no10.028, de 19 de outubro de 2000 – Lei dos Crimes Fiscais, no Decreto-Lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967, e na Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950, sem prejuízo das penalidades financeiras previstas contratualmente”. (grifo nosso) Prazo: O prazo de duração do contrato de parceria público privada é o suficiente para a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 anos e não superior a 35 anos. Caso 35 anos não sejam suficientes para tal amortização, o contrato poderá ser prorrogado até que ocorra a recuperação so investimentos. Não ocorrendo a prorrogação, cabe ao parceiro privado o direito de indenização. Providencias prévias à licitação: Para a contratação de parcerias público privadas é obrigatória a realização de licitação na modalidade de concorrência. Antes do início do processo licitatório, faz-se neessário  cumprimento de algumas exigências: autorização da autoridade competente, devidamente motivada com a demonstração da conveniência e oportunidade da contratação; cumprimento da Lei de  Responsabilidade Fiscal; submissão do contrato e do edital à consulta pública; licença ambiental prévia ou diretrizes para o licenciamento ambiental do empreendimento. Licitação: A Lei 11.709/04, assim como a lei de concessão de serviços públicos (8.987/95), não traz regras próprias para a realização do processo licitatório, limitando-se a disposição dos artigos 11 a 13.  Portanto, todo o processo deve obedecer a legislação específica para esse tema. “Art. 11. (Lei 11.709/04) O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: I – exigência de garantia de proposta do licitante, observado o limite do inciso III do art. 31 da Lei no 8.666 , de 21 de junho de 1993;  II – (VETADO) III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. Parágrafo único. O edital deverá especificar, quando houver, as garantias da contraprestação do parceiro público a serem concedidas ao parceiro privado. Art. 12. (Lei 11.709/04) O certame para a contratação de parcerias público-privadas obedecerá ao procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos e também ao seguinte: I – o julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas, desclassificando-se os licitantes que não alcançarem a pontuação mínima, os quais não participarão das etapas seguintes; II – o julgamento poderá adotar como critérios, além dos previstos nos incisos I e V do art. 15 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes: a) menor valor da contraprestação a ser paga pela Administração Pública; b) melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital;  III – o edital definirá a forma de apresentação das propostas econômicas, admitindo-se:   a) propostas escritas em envelopes lacrados; ou  b) propostas escritas, seguidas de lances em viva voz; IV – o edital poderá prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório.  § 1o Na hipótese da alínea b do inciso III do caput deste artigo: I – os lances em viva voz serão sempre oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas, sendo vedado ao edital limitar a quantidade de lances;  II – o edital poderá restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes cuja proposta escrita for no máximo 20% (vinte por cento) maior que o valor da melhor proposta.  § 2o O exame de propostas técnicas, para fins de qualificação ou julgamento, será feito por ato motivado, com base em exigências, parâmetros e indicadores de resultado pertinentes ao objeto, definidos com clareza e objetividade no edital.  Art. 13 (Lei 11.709/04)  O edital poderá prever a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, hipótese em que:  I – encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecimento de lances, será aberto o invólucro com os documentos de habilitação do licitante mais bem classificado, para verificação do atendimento das condições fixadas no edital;  II – verificado o atendimento das exigências do edital, o licitante será declarado vencedor;  III – inabilitado o licitante melhor classificado, serão analisados os documentos habilitatórios do licitante com a proposta classificada em 2o (segundo) lugar, e assim, sucessivamente, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital;  IV – proclamado o resultado final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas por ele ofertadas.”
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O exercício da advocacia por causídico estrangeiro no Brasil
A globalização é uma realidade que, além da esfera econômica, opera efeitos também no âmbito jurídico. Some-se a isso o fenômeno das privatizações e a abertura do capital internacional no Brasil, ambos ocorridos na década de 90, os quais despertaram um legítimo e genuíno interesse, por parte dos advogados estrangeiros, de exercer seu jus postulandi em território nacional. Nesse sentido, com vistas a uma melhor adequação às necessidades advindas com os imperativos ocorridos nos últimos anos e a ausência de regulamentação da matéria pelo Estatuto da Advocacia, foi editado o Provimento nº 91, no dia 13 de março de 2000, pelo Conselho Federal da OAB, o qual pormenorizou a matéria.
Direito Administrativo
1. Introdução É notória a influência da conjuntura histórica, cultural, política, econômica e social na seara jurídica, a qual se amolda a depender da realidade fática em que se encontra, estando em constante mutação. Reale, majestosamente, traz importantes considerações a respeito da questão, asseverando que: “O direito que hoje estudamos não é, por certo, o direito que existia no mundo romano, ou o seguido pelos babilônicos, no tempo do rei Hamurabi. Por outro lado, o que hoje está em vigor no Brasil não é o mesmo do tempo do império, nem tampouco existe identidade entre a vida jurídico-brasileira e aquela que podemos examinar em outros países, como a Itália, a Espanha ou a China. O direito é um fenômeno histórico-social sempre sujeito a variações e intercorrências, fluxos e refluxos no espaço e no tempo.”[1] Nesse ínterim, cumpre registrar o momento atual em que se vive, em que a globalização já é uma realidade e não opera efeitos tão somente na esfera econômica, mas sobretudo na jurídica. Some-se a isso o fenômeno das privatizações e a abertura do capital internacional no Brasil, ambos ocorridos na década de 90, os quais despertaram um legítimo e genuíno interesse, por parte dos advogados estrangeiros, de exercer seu jus postulandi em território nacional. Ocorre que, até o ano de 2000, não havia regulamentação a respeito dessa matéria, e o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Lei nº 8.906/94 – previa, em seu art. 3º, que: “O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.” Estar-se-ia, portanto, diante de um impasse, pois não havia uma regulamentação a respeito do patrocínio de causas no Brasil por advogados estrangeiros. Destarte, com vistas a uma melhor adequação às necessidades advindas com os imperativos ocorridos nos últimos anos e a ausência de regulamentação da matéria pelo Estatuto da Advocacia, foi editado o Provimento nº 91, no dia 13 de março de 2000, pelo Conselho Federal da OAB, o qual pormenorizou a matéria. 2. O provimento 91/2000 – CFOAB e o exercício da advocacia por causídico estrangeiro no Brasil O Provimento 91/2000 – CFOAB, logo em seu art. 1º, ensina que o estrangeiro profissional em direito, regularmente admitido em seu país para exercer a advocacia, apenas poderá prestar tais serviços no Brasil após autorização pela OAB. Ademais, prossegue o § 1º e incisos do mesmo dispositivo que a aludida autorização, sempre concedida a título precário, ensejará unicamente a prática de consultoria no direito estrangeiro correspondente ao país ou estado de origem do profissional interessado, vedados expressamente, ainda que em concurso de advogados ou sociedades de advogados nacionais regularmente inscritos e registrados na OAB o exercício do procuratório judicial e a consultoria ou assessoria em direito brasileiro. Nessa toada, não há que se falar, pois, em advogado estrangeiro atuando no Brasil. Conforme relatoria de Marcelo Cintra Zarif, Conselheiro Federal da OAB, “A denominação ‘advogado’ somente será permitida aos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil na forma do art. 3º do Estatuto da Advocacia e, a partir do Provimento 91/2000 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ficou definido que o profissional estrangeiro somente poderá atuar no Brasil como ‘consultor em direito estrangeiro’, devendo estar autorizado pela OAB através da respectiva seccional, sendo-lhe vedado o procuratório judicial e a consultoria ou assessoria em direito brasileiro.”[2] Trata-se de uma limitação condizente com o que preconiza o Estatuto da OAB, que reza, em seu art. 8º, § 2º, que o estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no Brasil, deve fazer prova do título de graduação, obtido em instituição estrangeira, devidamente revalidado, além de atender aos demais requisitos previstos neste artigo. Nota-se, pois, que o ordenamento jurídico pátrio exclui as atividades supramencionadas por entender que deve o profissional estrangeiro ter um contato mais íntimo com o direito brasileiro, só reconhecendo o texto normativo duas hipóteses para tanto: quando a graduação ocorre em âmbito nacional ou quando o alienígena aqui revalida seu diploma. O provimento nº 91/2000 – CFOAB apresenta dois pilares fundamentais ao regulamentar a atuação permitida do advogado estrangeiro. O primeiro deles consiste em uma questão cultural entre a advocacia nacional e forasteira. No Brasil, a advocacia apresenta caráter eminentemente humanista, sendo mister para fortalecimento da cidadania e da justiça. Em muitos países, entretanto, a advocacia é vista a partir de um prisma mercantilista, ideia esta que não floresce em território pátrio. O conselheiro e professor Sérgio Ferraz, com muita categoria, afirma que: “No Brasil, a advocacia não é, precipuamente, uma simples modalidade de prestação de serviço. Ela é, nuclearmente, um desempenho de caráter público, indispensável à administração da justiça (CF, art. 133). Qualquer norma de direito interno ou internacional, que degrade essa natureza, pretendendo ver na advocacia mera modalidade de comércio de serviços, é inconstitucional.”[3] Frise-se, ademais, que tratar o advogado como um agente comercial é uma transgressão direta ao art. 5º do Código de Ética da OAB, o qual aduz que “O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.” Resta, pois, escancarada a diferença existente no trato da atividade advocatícia no Brasil e no exterior. O segundo pilar em que se pauta o provimento em voga consiste no princípio da reciprocidade, o qual defende uma igualdade de tratamento entre nações. Preceitua o art. 2º, inciso IV do aludido ato normativo que a autorização para o desempenho da atividade de consultor em direito estrangeiro será requerida ao Conselho Seccional da OAB do local onde for exercer sua atividade profissional, observado no que couber o disposto nos arts. 8º, incisos I, V, VI e VII e 10, da Lei nº 8.906 de 1994, exigindo-se do requerente, dentre outros, a prova de reciprocidade no tratamento dos advogados brasileiros no país ou estado de origem do candidato. Ora, tal previsão encontra respaldo constitucionalmente, mais precisamente no art. 5º, inciso XIII da Magna Carta, a qual aduz, ipsis litteris: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” Desta forma, a conhecida e muitas vezes criticada ‘Reserva de Mercado da Advocacia Brasileira’, além de estar revestida pelo manto da legalidade, consiste em uma prática amplamente utilizada no exterior. Muito embora a reciprocidade não seja a regra, como visto, o Brasil firmou um convênio com Portugal, admitindo que advogados desse país adquiram a OAB nacional e os brasileiros também tenham direito ao documento lusitano equivalente. Trata-se do provimento nº 129, editado pelo Conselho Federal da OAB em 8 de dezembro de 2008. Alfredo Assis Gonçalves Neto, conselheiro da OAB no Paraná, explica que essa convenção foi firmada devido a facilidades, como a mesma língua, cultura semelhante e, principalmente, a reciprocidade. Os advogados portugueses não precisam fazer o Exame de Ordem, nem os brasileiros têm de fazer prova similar em Portugal, mas devem ter sido aprovados nos exames de seus próprios países, que seriam reconhecidos pelos dois órgãos de classe.[4] Contudo, insta destacar que um acordo como este com outros países encontraria os mais variados óbices. Nos Estados Unidos, por exemplo, a atuação de advogados estrangeiros se subordina à legislação de cada estado, posto que se está diante de uma nação de cunho eminentemente federativo. Na Argentina, por seu turno, não existe um órgão central que regule a profissão. Já no Paraguai, a atuação do advogado depende da autorização de uma instituição que nesse país corresponde ao Supremo Tribunal Federal. Com efeito, mostra-se indubitável a dificuldade de se invocar por reciprocidade no tocante à advocacia estrangeira. Uma das maiores polêmicas envolvendo o provimento nº 91/2000 diz respeito às transformações ocorridas desde a edição desse ato normativo até os dias atuais, posto que transcorreu mais de uma década e se está diante de uma nova conjuntura mundial. O cerne da questão se encontra na possibilidade de associação entre sociedades de consultores estrangeiros com sociedades nacionais. Em virtude do imbróglio instaurado, a Comissão Nacional de Relações Humanas da OAB resolveu submeter à apreciação da matéria ao Plenário, designando o Conselheiro Federal Carlos Roberto Siqueira Castro como relator da proposta de um novo provimento a respeito dos consultores em direito estrangeiro, o qual não foi acolhido em decisão, exarada em 14 de novembro de 2012. Na referida decisão, o Conselho Federal da OAB firmou entendimento no sentido de que o provimento nº 91/2000 regulamenta de maneira exemplar as fronteiras entre sociedades de consultores estrangeiros e sociedades brasileiras de advogados, sendo dispensável a edição de um novo provimento para tratar da questão. A decisão, sancionada por unanimidade, teve por relator o Conselheiro Federal Marcelo Zarif, o qual, em seu voto, entendeu que a associação entre ambos apenas deve se dar eventualmente, estando vedada qualquer matéria jurídica brasileira. Segue a ementa do processo: “PROPOSIÇÃO N. 49.0000.2011.002723-1/COP. Origem: Processo n. SC-11580/10 – Conselho Seccional da OAB/São Paulo. Comissão Nacional de Relações Internacionais. Assunto: Limites éticos da cooperação e associação entre sociedades de consultores estrangeiros e sociedades brasileiras de advogados. Relator: Conselheiro Federal Marcelo Cintra Zarif (BA). EMENTA N. 049/2012/COP: A associação entre sociedades de consultores em direito estrangeiro e sociedades de advogados nacionais somente pode acontecer se houver respeito ao Provimento 91/2000. Por isso, só pode acontecer em caráter eventual e não pode alcançar matéria de direito brasileiro, seja em consultoria, seja em procuratório judicial. Todas as associações que contrariarem esse limite estão sujeitas à regência do Estatuto da Advocacia e da OAB, de seu Regulamento Geral, do Código de Ética e Disciplina, dos Regimentos Internos das Seccionais, das Resoluções e dos Provimentos, que atingirão tanto os advogados regularmente inscritos na OAB, individualmente ou através de sociedades de advogados, como os consultores estrangeiros ou sociedades de consultores estrangeiros inscritos na OAB. Aqueles que não estiverem registrados na OAB serão objeto de ações específicas pelo exercício indevido da profissão. Toda a publicidade dos consultores e sociedades de consultores estrangeiros, bem assim de eventuais associações entre eles e sociedades de advogados, está sujeita a todas as regras gerais que disciplinam a matéria, mais especificamente o Provimento 94/2000. Não se pode, por vias transversas, facultar às firmas estrangeiras exercer a advocacia no território nacional em matéria de direito brasileiro, especialmente através de simuladas associações, competindo à OAB adotar as medidas necessárias a coibir tais situações. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por unanimidade, em acolher o voto do Relator, parte integrante deste, com a delegação, à Diretoria do Conselho Federal, da iniciativa do encaminhamento de recomendação dirigida aos Conselhos Seccionais no sentido da concessão de prazo às sociedades de advogados, oportunizando-lhes, se entenderem conveniente, na via administrativa, a correção de situações e as adequações devidas. Brasília, 22 de outubro de 2012. Ophir Cavalcante Junior, Presidente. Marcelo Cintra Zarif, Relator.”[5] 3. Conclusão É fato que a modernidade representa o equivalente a um certo grau de complexidade que a organização do direito adquiriu em algumas civilizações.[6] Nessa complexidade, portanto, é que surgem as maiores problemáticas jurídicas, especialmente àquelas que envolvem mais de uma nação, in casu, o exercício da advocacia, no Brasil, por causídico estrangeiro. Consoante já reiterado, essa questão é tratada pelo provimento nº 91/2000 do Conselho Federal da OAB, o qual teve sua legalidade reafirmada pelo plenário da entidade, por unanimidade. Trata-se de um diploma que assegura, de certa forma, uma ‘proteção’ aos advogados nacionais, posto que impõe algumas vedações e restrições aos advogados ou sociedades de advogados estrangeiros que procuram atuar no Brasil, podendo estes, como se observou, apenas serem consultores jurídicos da legislação de seu país. A postura adotada pela Ordem dos Advogados do Brasil se mostra coerente, pois assim contempla não apenas os interesses nacionais, mas também o estrangeiro, sem com isso acarretar uma controvérsia sobre a regulamentação dessa atividade no país. Trata-se, então, de uma medida protetiva à advocacia nacional, a qual já dispõe de um aparato de profissionais perfeitamente aptos a propiciar um suporte jurídico àqueles que assim requererem. Ademais, ao não se impor restrições, além de se estar desvalorizando o profissional brasileiro, também se estaria depreciando todos os preceitos éticos preconizados na deontologia forense, já que a advocacia, dada sua importância como profissão no Brasil, jamais poderá ser tratada como forma de mercantilização, como muitos o fazem alhures. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, sabiamente, ratifica a importância da profissão em epígrafe e dos advogados nacionais, finalizando o debate: “Deveras, por força da Lei Magna do País, a profissão de advogado é marcada por características absolutamente singulares que lhe atribuem, uma fisionomia ímpar, não compartilhada pela generalidade das profissões. Com efeito, o advogado foi alçado em profissional indispensável ao exercício da função jurisdicional, por força do art. 133, de acordo com o qual o advogado é indispensável à administração da justiça. Ou seja, uma das funções do Estado, componente da tripartição dos Poderes, reclama expressamente a presença do profissional advogado para que possa se expressar”.[7]
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Evolução do Direito Financeiro da História
O presente artigo científico de revisão aborda a construção do Direito Financeiro ao longo da história, com o objetivo de proporcionar ao leitor uma visão geral sobre o seu desenvolvimento e contribuir para a compreensão sobre a conjuntura atual do ramo jurídico. O estudo foi fundamentado na doutrina dos juristas Ricardo Lobo Torres, Regis Fernandes de Oliveira, Dejalma Campos, Sergio Jund, Luiz Emygdio entre outros. A pesquisa aborda a evolução do Direito Financeiro sob três aspectos, desenvolvidos em três partes. Na primeira parte observamos a evolução do Direito Financeiro segundo as formas de arrecadação de receita. Na segunda parte abordamos os acontecimentos históricos que contribuíram positivamente para a consolidação do Direito Financeiro. Na terceira, observamos a evolução do ramo jurídico segundo a atividade financeira do Estado. A pesquisa resultou num levantamento geral sobre a evolução histórica do ramo jurídico, e percebeu-se que o cenário atual do Direito Financeiro é fruto de um aprendizado construído ao longo da história.
Direito Administrativo
Introdução Atualmente, se concebe o Estado como um ente que tem a função de assegurar ao seu povo o acesso a serviços públicos que lhe proporcionem uma vida justa e digna. Na sociedade capitalista, estes serviços públicos são financiados por recursos públicos, arrecadados e administrados pelo Estado. Ademais, no Estado Democrático de Direito, todo esse processo é conduzido por leis, sendo que e arrecadação desses recursos é regulada principalmente pelo Direito Tributário e Civil, e a sua administração pelo Direito Financeiro, ramo objeto desta pesquisa. Assim, numa análise preliminar, podemos entender o Direito Financeiro como o ramo do Direito Público que regula o emprego das receitas públicas na execução das despesas públicas que financiam os serviços públicos. Dentro do universo do Direito Financeiro, o presente artigo científico de revisão se dedica a investigação da contribuição que a história oferece ao ramo jurídico, com o objetivo de visualizar os principais aspectos desse processo e solidificar as bases necessárias para compreender com mais clareza a atual conjuntura do Direito Financeiro. Todavia, antes de estudarmos qualquer aspecto do Direito Financeiro, devemos  saber o que é Direito Financeiro. Assim, no primeiro tópico da pesquisa estudaremos os contornos da sua conceituação. Em seguida, nos dedicamos ao estudo da evolução histórica do Direito Financeiro segundo a forma de arrecadação de receitas, destacando a fase parasitária, dominial, regalista, e tributária. Após, expomos os acontecimentos históricos que influenciaram positivamente para a consolidação do Direito Financeiro a partir da reconstrução da civilização ocidental na Idade Média. Entre os diversos acontecimentos que poderiam ser trabalhados nessa pesquisa, selecionamos a Magna Carta, a Declaração de Direitos inglesa, a Declaração de Virgínea e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa. Finalmente, abordamos a evolução do Direito Financeiro segundo a atividade financeira do Estado, sobressaindo-se as fases do Estado Patrimonial, Estado de Polícia, Estado Fiscal e Estado Socialista. Entretanto, o estudo não foi exaustivo, de modo que cada um dos enfoques abordados pode ser infinitamente aprofundado, e, existem outras formas de se debruçar sobre a história que não foram desenvolvidas por esta pesquisa.  Todavia, após as análises acolhidas pelo presente artigo, foi possível visualizar um panorama geral da história financeira do Estado sob o aspecto jurídico. Ademais, percebeu-se como cada uma das formas de observar a história contribui ao aperfeiçoamento da compreensão atual do Direito Financeiro.   1. Conceito de Direito Financeiro Para Kiyoshi Harada (2014), Direito Financeiro é o ramo do Direito que estuda a atividade financeira do Estado sob o aspecto jurídico, que envolve a receita, despesa, orçamento e crédito público. O autor Eduardo Marcial Ferreira Jardim (2011) define o Direito Financeiro como o ramo do Direito Público formado pelo conjunto de normas que regulamentam parte da atividade financeira do Estado, no que se refere à receita pública, despesa pública e orçamento público. Lafayete Josué Petter (2009) enriquece nosso trabalho observando que as diversas conceituações de Direito Financeiro apresentadas pela doutrina sempre têm como núcleo as normas jurídicas positivadas que regulam a atividade financeira do Estado. O autor ainda explica que a atividade financeira do Estado engloba a receita, a despesa, o orçamento, o crédito público e a gestão fiscal. Todavia, antes de propormos nossa própria definição de Direito Financeiro, devemos tecer considerações sobre os pontos mais destacados pela doutrina, quais sejam: atividade financeira do Estado, receita pública, despesa pública, orçamento público e gestão fiscal. A obra de Tathiane Piscitelli (2015) analisa esses elementos de forma integrada, entendendo a atividade financeira do Estado como o conjunto de ações desempenhadas pelo Estado com o objetivo de obter recursos para os seus gastos e para a execução de necessidades públicas. De modo que o desempenho dessas ações depende da interconexão entre o orçamento público, obtenção de receitas e gasto do dinheiro público. Receita é a entrada definitiva de dinheiro nos cofres públicos, de modo que o Estado detém a sua propriedade, e não apenas a posse. Por outro lado, as despesas públicas são os gastos do Estado para a manutenção da sua infra-estrutura e realização das necessidades públicas. No contexto do universo brasileiro, J. R. Caldas Furtado (2009) conceitua o orçamento público como o instrumento fiscal que prevê a arrecadação de receitas e a fixação de despesas que o Estado está autorizado a realizar pelo período de 1 ano.  Pela gestão fiscal, o gestor público deve atuar de forma planejada e transparente na gestão das finanças públicas, garantindo sua adequação ao arcabouço jurídico. A autora Tathiane Piscitelli (2015) encara esta exigência como uma norma que assegura a realização do gasto público dentro de limites e regras que, se violadas, acarretam sanções aos entes públicos. Considerando as colocações doutrinárias, podemos conceituar o Direito Financeiro como o ramo do Direito Público que regula a atividade financeira do Estado, colocando ordem na aplicação das receitas públicas nos gastos públicos, através do orçamento público, de forma responsável e equilibrada. 2. Evolução do Direito Financeiro na História A evolução do Direito Financeiro na história é abordada sob diversos enfoques pelos doutrinadores. Alguns dividem a história do direito financeiro de acordo com a forma de arrecadação de receitas, identificando as fases parasitária, dominial, regalista e tributária. Por outro lado, há autores que apenas apontam fatos e documentos históricos relevantes para a consolidação do ramo jurídico. Ademais, temos juristas que acompanham a sua evolução segundo os contornos da atividade financeira ao longo da história a partir do feudalismo, destacando as fases: patrimonial, policial, fiscal e socialista.  2.1. Fase Parasitária, Dominial, Regalista e Tributária Os autores Dejalma de Campos (1995), Sergio Jund (2008) seguem C. de Alvarenga Bernardes e J. Barbosa de Almeida Filho (1967) observando o desenvolvimento histórico do Direito Financeiro em quatro fases: a) fase parasitária: nessa fase a principal fonte de receitas provinha da guerra. Assim, em vez de desenvolver suas potencialidades para obter receitas através da exploração de suas próprias riquezas, o Estado guerreava com outros países e saqueava seus recursos. A civilização ocidental vivenciou essa fase no período do Império Romano. b) fase dominial: nesse momento a maior parte das receitas é obtida através da exploração das propriedades de domínio do Estado, sendo a arrecadação tributária apenas excepcional. Nossa civilização experimentou essa fase no período da Idade Média. c) fase regalista: Com o crepúsculo da Idade Média tivemos a absorção das propriedades feudais pelo Rei, consolidando as monarquias absolutistas. Nessa fase as receitas eram obtidas através do pagamento de tributos e regalias, que eram contribuições devidas ao rei pela exploração de certas atividades comerciais. d) fase tributária: esse estágio surgiu com a Revolução Francesa de 1789, a partir da qual a obtenção de receitas por meio de contribuição tributária passou a ter primazia. Todavia, acompanhamos o autor Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. (2000) ao entender que a divisão acima apresenta a evolução das receitas públicas, e não do Direito Financeiro propriamente dito. Pois, como vimos no tópico anterior, o Direito Financeiro é composto de outros elementos além da receita, como a despesa, o orçamento e a gestão fiscal. 2.2 Acontecimentos históricos do Direito Financeiro Todos os princípios e institutos do Direito Financeiro possuem origem na história. Desta forma, no presente trabalho apresentamos fatos históricos que influenciaram de forma positiva a construção do Direito Financeiro a partir da Idade Média, quando a civilização ocidental reinicia a evolução da ciência e da arte. Todavia, alertamos que muitos outros fatos, em todos os períodos da história, poderiam ser aqui citados. Ademais, cada um dos fatos mencionados na pesquisa pode ser explorado com mais profundidade noutras oportunidades. Entretanto, considerando o objetivo da pesquisa de proporcionar ao leitor uma visão geral sobre a matéria, nos atemos a Magna Carta, Declaração de Direitos inglesa, Declaração de Virgínea e Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa. 2.2.1 Magna Carta As cláusulas 12 e 14 da Magna Carta, firmada pelo Rei João Sem Terra, em 1215, limitaram o poder de tributar do Rei, de modo que ele só podia instituir novos tributos se fosse autorizado pelo conselho comum do reino. Ademais, a criação de tais tributos deveria observar a razoabilidade e ser debatida entre o reino, a Igreja, os condes e os barrões, vide os dispositivos: “Magna Carta Ano de 1215 John, […] Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento da nossa filha mais velha; e esses tributos não excederão limites razoáveis. De igual maneira se procederá quanto aos impostos da cidade de Londres. […] E, quando o conselho geral do reino tiver de reunir para se ocupar do lançamento dos impostos, exceto nos três casos indicados, e do lançamento de taxas, convocaremos por carta, individualmente, os arcebispos, abades, condes e os principais barões do reino; além disso, convocaremos para dia e lugar determinados, com a antecedência, pelo menos, de quarenta dias, por meio dos nossos xerifes e bailios, todas as outras pessoas que nos têm por suserano; e em todas as cartas de convocatória exporemos a causa da convocação; e proceder-se-á à deliberação do dia designado em conformidade com o cons elho dos que não tenham comparecido todos os convocados. […]”(Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016). Para Heleno Torres (2015), a exigência de autorização legislativa para o exercício da atividade financeira surgiu com a Magna Charta Libertatum, que evidenciou o exercício da liberdade nos limites da legalidade, submetendo o governante ao direito, inclusive para a exigência de tributos, que deveria ser razoável e previamente consentida. O advogado Fernando Facury Scaff (2015) destaca que a cláusula 14 preparou o caminho para institutos caros ao nosso ordenamento jurídico, quais sejam: publicidade dos atos, necessária justificativa para os atos convocatórios, intimação pessoal dos convocados e outros. Outrossim, percebemos que a Carta já faz distinção entre impostos e taxas.  Atualmente, entendemos que impostos e taxas são espécies do gênero “tributo”, sendo que as taxas são devidas em razão de uma contraprestação do Estado, e os impostos são devidos independentemente de contraprestação. 2.2.2 Declaração de Direitos – Bill of Rights A Declaração de Direitos (1689) foi um documento elaborado pelo Parlamento Inglês e imposta aos soberanos, Guilherme III e Maria II, passando a constituir uma das leis fundamentais da Inglaterra (COMPARATO, 2015).  Segundo Regis Fernandes de Oliveira (2010), o Bill of Rights é o primeiro documento oficial que garante a participação popular, por meio de representantes parlamentares, na criação e cobrança de tributos, sob pena de ilegalidade. Vide o respectivo trecho da Declaração: “[…] E, portanto, os ditos lordes espirituais e temporais, e os comuns, respeitando suas respectivas cartas e eleições, estando agora reunidos como plenos e livres representantes desta nação, considerando mui seriamente os melhores meios de atingir os fins acima ditos, declaram, em primeiro lugar (como seus antepassados fizeram comumente em caso semelhante), para reivindicar e garantir seus antigos direitos e liberdades: […] 4. Que é ilegal a arrecadação de dinheiro para uso da Coroa, sob pretexto de prerrogativa, sem autorização do Parlamento, por um período de tempo maior, ou de maneira diferente daquela como é feita ou outorgada. […] 10. Que não deve ser exigida fiança excessiva, nem impostas multas excessivas; tampouco infligidas punições cruéis e incomuns. […}”(Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016). Scaff (2015) destaca que o Bill of Rights, de 1689, reafirma que a criação de tributos depende de autorização parlamentar, realizada anualmente. Todavia, agora o Parlamento já possui tímida representação popular, diferentemente da época da Carta Magna, em que o Parlamento só contava com representantes da nobreza e da Igreja. O autor observa ainda que a autorização anual para a cobrança de tributos pode ser considerada o embrião do princípio da anualidade orçamentária, pelo qual o orçamento público tem vigência anual. Além disso, o art. 10 da Declaração de Direitos veda a instituição de impostos excessivos, o que pode ser considerado o nascedouro do princípio do não confisco, pelo qual a cobrança de impostos deve ter limites razoáveis, de modo que não importe em confiscação dos bens do contribuinte. 2.2.3. Declaração de Virgínea Em 1787, Virgínea, um dos estados integrantes dos Estados Unidos, elabora a sua Declaração de Direitos, que proibia a tributação sem o consentimento do povo ou de seus representantes eleitos. “Declaração de direitos formulada pelos representantes do bom povo de Virgínia, reunidos em assembléia geral e livre; direitos que pertencem a eles e à sua posteridade, como base e fundamento do governo. […] VI Que as eleições de representantes do povo em assembléia devem ser livres, e que todos os homens que dêem provas suficientes de interesse permanente pela comunidade, e de vinculação com esta, tenham o direito de sufrágio e não possam ser submetidos à tributação nem privados de sua propriedade por razões de utilidade pública sem seu consentimento, ou o de seus representantes assim eleitos, nem estejam obrigados por lei alguma à que, da mesma forma, não hajam consentido para o bem público. […]”(Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016). Em matéria financeira, o mérito da Declaração de Virgínea foi o de conservar os princípios desenvolvidos pelos documentos anteriores, especialmente o princípio da legalidade, e expandi-los para a América. 2.2.4. Declaração de Direito do Homem e do Cidadão Sobre a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, 1789, fruto da Revolução Francesa, Oliveira (2010) observa que os arts. 13 e 14 da Declaração de Direitos prevêem a estrita legalidade para a criação e cobrança de tributos, ou seja, a instituição/cobrança de tributo necessita de total respaldo legal, sem margem para discricionariedade. “Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão França, 26 de agosto de 1789. […] Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades. Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração. Art. 15º.A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração. […]. (Universidade de São Paulo, Biblioteca virtual de Direitos Humanos, 2016). Todavia, também percebemos nesse dispositivo a presença do princípio da capacidade contributiva, pelo qual os impostos são cobrados de acordo com a capacidade do contribuinte, ou seja, quem possui maior capacidade financeira contribui com mais recursos, e quem tem menor capacidade financeira contribui com menos recursos. Ademais, visualizamos que nos arts. 14º e 15º a aurora do princípio da transparência orçamentária, que consiste justamente em dar conhecimento ao povo dos atos dos gestores públicos relativos às finanças estatais. Os arts. 14º e 15º também conferem ao povo o direito de pedir contas ao agente público sobre a gestão das verbas públicas, favorecendo a responsabilidade fiscal, pela qual o agente público é obrigado a gerir as verbas públicas dentro dos limites legais. 2.3. Estado Patrimonial, de Polícia, Fiscal e Socialista.  Essa forma de estudar a evolução histórica do Direito Financeiro é desenvolvida por Ricardo Lobo Torres (2006), na obra “Curso de Direito Financeiro e Tributário”, que fundamenta esta parte da pesquisa. 2.3.1. Estado Patrimonial A principal característica do Estado Patrimonial consiste no fato de que a origem das receitas está no próprio patrimônio do Estado, ou seja, a principal fonte de receita do Estado é a riqueza produzida por seu próprio patrimônio. O Estado Patrimonial surgiu por volta do século XVI na Inglaterra, Holanda, França, Alemanha, Áustria, Espanha e Portugal num contexto de emergência dos interesses da burguesia, para fazer frente às guerras e administrar diferentes realidades sociais, políticas, econômicas, religiosas etc.  Nessa fase do Direito Financeiro, o Estado desempenha sua atividade financeira de forma obscura, pois há confusão entre as verbas que pertencem ao soberano e ao Estado, e não há o dever de prestar contas sobre a aplicação das receitas. 2.3.2. Estado de Polícia O segundo estágio do Direito Financeiro apresenta um Estado modernizador, intervencionista, centralizador e paternalista, priorizando a garantia da ordem, da segurança e o bem-estar do povo e do Estado. Conquanto, o autor Ricardo Lobo Torres adverte que a atividade de polícia tratada aqui corresponde ao conceito alemão de Polizei, e não ao de polícia no sentido grego ou latino.  Essa fase se desenvolve aproximadamente no século XVIII na Alemanha, Áustria, Itália, Espanha e Portugal. 2.3.3. Estado Fiscal O Estado Fiscal, face financeiro do Estado de Direito, surge num contexto de fortalecimento do capitalismo e liberalismo político e financeiro.  Nessa fase, a receita pública alimentava-se fundamentalmente de empréstimos autorizados pelo legislativo, e contribuição tributária, em vez das receitas dominiais. Houve a separação entre o patrimônio do Estado e do Rei, aprimoramento da burocracia fiscal, extinção dos privilégios e isenções do antigo regime, aperfeiçoamento dos orçamentos públicos e outras conquistas. O autor Ricardo Torres aponta que o Estado Fiscal possui três subfases: Estado Fiscal Minimalista, Estado Social Fiscal e Estado Democrático Social Fiscal a) Estado Fiscal Minimalista: Dá-se entre os séculos XVIII e XX, restringindo-se ao exercício do poder de polícia, a administração da justiça e a alguns serviços públicos. Em decorrência das poucas atividades, não possuía sistemas financeiros complexos. b) Estado Social Fiscal: Desenvolveu-se com o suporte do Estado Social de Direito, também denominado Estado do Bem-Estar Social, no século XX. Nessa fase, o Estado inclui em suas atribuições responsabilidades no direcionamento da economia e sociedade, com redistribuição de renda, ampliação de serviços públicos, concessão de subvenções e subsídios. A principal fonte de receita continua sendo o tributo, mas assumindo caráter extrafiscal. c) Estado Democrático Social Fiscal: Essa fase foi amparada pelo Estado Democrático e Social de Direito, num contexto de início da globalização, mudança de paradigmas político e jurídico, crise do socialismo e do excesso de intervenção estatal. Nesse momento temos o enxugamento do Estado e diminuição da intervenção na sociedade e na economia. A sua receita é essencialmente tributária, e ainda procura reduzir as desigualdades sociais e oferecer serviços de saúde e educação, mas com consciência das limitações do próprio estado. 2.3.4. Estado Socialista O Estado Socialista demonstra-se neopatrimonialista, pois tem sua principal fonte de receita em empresas estatais, sendo que as receitas tributárias assumem papel secundário. Essa forma não obteve êxito por muito tempo, deteriorando-se com a unificação da Alemanha e extinção da URSS, todavia persiste em alguns países como China e Cuba. Conclusão O Direito Financeiro é o ramo do Direito que normatiza a atividade financeira do Estado, ou seja, administra as finanças púbicas oferecendo os meios para que as receitas públicas sejam empregadas nas despesas públicas para a realização dos serviços públicos, de forma responsável e equilibrada. Entretanto, antes de adentrar na ciência do Direito Financeiro, devemos mergulhar na sua história para estabelecer as bases necessárias à compreensão da dinâmica atual do ramo jurídico. Desse modo, percebemos que a maior parte da doutrina observa a história do direito financeiro sob um dos três aspectos: a) segundo a forma de arrecadação de receita; b) a partir de acontecimentos históricos; e c) de acordo com o exercício da atividade financeira. A análise da história segundo a forma de arrecadação de receita nos permite avaliar a lógica de obtenção de recursos do Estado atual. Desse modo, se o Estado pretende obter suas receitas a partir do saque a outros Estados, ele será parasitário; por outro lado, se as obtiver por meio da exploração do seu próprio patrimônio, ele será dominial; no entanto, se as receitas provem da concessão onerosa de monopólios, ele será regalista; por fim, se a principal fonte de arrecadação de receitas for o pagamento de tributos, ele será tributário. Após, a análise dos acontecimentos históricos que influenciaram positivamente para a consolidação do Direito Financeiro a partir da reconstrução da civilização ocidental na Idade Média, permite-nos identificar a origem dos nossos institutos jurídicos. A Magna Carta nos trouxe os pródomos da legalidade tributária, da razoabilidade, da publicidade dos atos, da intimação pessoal dos convocados, da distinção entre impostos e taxas, entre outros. Ademais, a Declaração de Direitos inglesa garante a participação popular nos debates sobre a instituição de tributos, gera o embrião da anualidade orçamentária e do caríssimo princípio do não confisco. Por seu turno, a Declaração de Virgínea exige o consentimento popular na tributação. Já a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão francesa dispõe sobre o princípio da estrita legalidade tributária, da capacidade contributiva, transparência orçamentária e responsabilidade na gestão fiscal. O estudo da história do Direito Financeiro de acordo com a evolução da atividade financeira do Estado mostrou-se o mais completo, pois considera o ramo jurídico como um todo, incluindo receita, despesa e serviços públicos. Desse modo, a partir do momento que conseguimos identificar a face atividade financeira do nosso Estado, podemos trabalhar com mais fluidez os institutos do ramo e prever as ações governamentais. Destarte, o Estado Patrimonial caracteriza-se por produzir suas riquezas a partir do seu próprio patrimônio. Por outro lado, o Estado de Polícia é intervencionista, priorizando a ordem, a segurança e a felicidade do povo. Temos também o Estado Fiscal, subdividido em Estado Fiscal Minimalista (restringe-se ao poder de polícia, administração da justiça e alguns serviços públicos), Estado Social Fiscal (intervém na economia e na sociedade) e Estado Democrático Social Fiscal (busca reduzir desigualdades sociais, mas freia a intervenção da economia e sociedade). Já o Estado Socialista caracteriza-se pelo neopatrimonislismo, sua principal fonte de receita é a exploração de empresas estatais. O contato com a história do Direito Financeiro nos permite conhecer os movimentos sociais que souberam mudar o contexto da atividade financeira, tornando-o mais justo e legitimo. Desse modo, ajuda-nos a planejar as ações necessárias para continuar aperfeiçoando o Direito, e ensina-nos a valorizar as conquistas obtidas ao longo dos séculos. Assim, apreender com a História é enriquecer-se com a sabedoria e experiência de uma senhora idosa, evitando a repetição dos erros do passado e calculando com mais precisão as estratégias para o futuro.
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Princípios jurídicos: uma abordagem direcionada ao processo administrativo disciplinar brasileiro
Resumo:O presente artigo objetiva realizar uma abordagem de natureza científica acerca dos mais importantes princípios que tem incidência no âmbito do processo administrativo disciplinar. Busca-se identificar, analisar e ordená-los de forma lógica e sistematizada, garantindo maior precisão na identificação da importância e vitalidade que os princípios estudados revelam na relação com o ambiente do processo disciplinar brasileiro.
Direito Administrativo
1. Introdução Escrever sobre princípios jurídicos é um grande desafio. Trata-se, certamente, de um dos temas mais estudados e analisados na ciência jurídica. Assunto, por essência, desafiador e intrigante, que tem despertado nas últimas décadas inúmeros trabalhos acadêmicos de alta qualidade cientifica. Não por acaso, trata-se de um dos temas mais abordados no âmbito da ciência jurídica, invariavelmente de forma brilhante por autores nacionais e estrangeiros, os quais tem, ao longo dos anos, estruturado o que aqui denominaremos como principais aspectos relativos à teoria dos Princípios. Com efeito, nosso maior desafio no presente artigo é, em certa medida, perscrutar, ainda que em linhas gerais, como os princípiosjurídicosimpactam o direito processual disciplinar, buscando delinear os aspectos de maior relevonessa relação e seus impactos na estrutura do Direito Disciplinar e do próprio ordenamento jurídico. Assim, parece-nos vital, ainda que em linhas introdutórias, alinhar algumas premissas envolvendo o tema. Entendo que devemos compreender princípios como um conjunto de proposições que alicerçam um determinado sistema, garantindo-lhe, com isso, validade em determinado universo em que esteja inserido. No caso específico do universo jurídico, ponto de referência do presente estudo, não é diferente. Os princípios são considerados mandamentos nucleares do sistema normativo, seu verdadeiro alicerce, traduzindo-se em disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão1. Para Paulo BONAVIDES “os princípios são a alma e o fundamento de outras normas”, sendo que “uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo2”. Destarte, é possível perceber a importância dos princípios, na medida em que se revelam a base, verdadeira viga mestra no qual está assentada a complexa estrutura de nosso ordenamento jurídico. Frise-se, assim, que são os princípios que dão fundamento às demais normas do sistema legal. Feita essa brevíssima digressão acerca do tema, que não tem, por óbvio, a pretensão de esgotar o assunto, face sua densidade e complexidade, passaremos, na sequência, delinear os principais aspectos que auxiliam a melhor compreensão do tema, sobretudo no âmbito da processualística disciplinar, tal qual estruturada em nosso ordenamento jurídico. 2. Relação entre Princípios e Direito Disciplinar É cediço que o Direito Disciplinar se relaciona com vários outros ramos do Direito, notadamente com o Direito Administrativo, Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil.É justamente essa relação que desperta no operador de processo administrativo disciplinar o desafio de alinhar com precisão quais normas e princípios, fruto dessa correlação de forças advindas dos variados ramos do direito, devam ser aplicados no âmbito do processo disciplinar. Essa tarefa não é fácil, daí a necessidade de numa lógica persuasiva tentar alinhar o conjunto desses princípios, de forma a ordená-los com maior precisão possível, com vistas a utilização e emprego dessa densidade normativa no âmbito dos processos disciplinares. É preciso posicionar com exatidão o direito processual disciplinar, de forma a melhor delinear a compreensão dos aspectos relativos à incidência dos princípios na órbita do direito disciplinar. Poderíamos, assim, alinhar que os princípios são considerados fontes normativas primárias de nosso ordenamento jurídico, constituindo mandamento nuclear do sistema, exercendo função de alicerce sobre o qual se apoiam as demais normas, possibilitando a inteligência e compreensão do conjunto. No mesmo sentido, a lição de Roque Antônio CARRAZZA: “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explicito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito, e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e aplicação das normas jurídicas que com ele se conectem”.3 Nota-se que por não necessitarem de formulação expressa (positivada) para que tenham existência, normalmente os princípios não são encontrados, a primeira vista, no direito positivo. As prescrições positivadas, quando muito, apenas os mencionam, como, por exemplo, previsão contida no artigo 37 da Constituição Federal, que enumera os Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.4–5. No mesmo sentido, magistério de Luís Roberto BARROSO, ipsis litteris: “os grandes princípios de um sistema jurídico são normalmente enunciados em algum texto de direito positivo. Não obstante, e sem pretender enveredar por discussão filosófica acerca do positivismo e jusnaturalismo, tem-se, aqui, como fora de dúvida que estes bens sociais supremos existem fora e acima das regras legais, e nelas não se esgotam, até porque não tem caráter absoluto e se encontram em permanente mutação. No comentário de Jorge Miranda, 'o Direito nunca poderia esgotar-se nos diplomas e preceitos constantemente publicados e revogados pelos órgãos do poder.”6 Por óbvio, não há como discordar da assertiva de que a violação a um princípio implica em ofensa muito mais gravosa do que transgredir uma norma. Chama-nos atenção o fato de que eventual inobservância ao princípio significa ofensa a todo o sistema de comandos, e não só a um específico mandamento normativo, verdadeira insurgência contra todo o sistema. Nesse sentido, prestando o seu valioso e ilustrativo magistério sobre o tema, salienta Agostinho GORDILHO que “A inteligência e a compreensão dos princípios são muito mais importantes que a compreensão das normas, pois que a norma é um especifico e determinado mandamento, mas o princípio, sobre ser norma, tem um caráter de conferir sentido, de conferir uma direção estimativa, de conferir uma dimensão especifica, dentro de um sistema. Ele conduz à intelecção das normas, se irradia, ele se expande e penetra e penetra em várias normas. Por isso podemos logo dizer que transgredir um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma”.7 3. Direito Disciplinar e Constituição É fato que a Constituição Federal de 1988 dedicou à Administração Pública um capítulo próprio. O atual texto constitucional é precursor de significativas alterações em relação aos processos e procedimentos relacionados às matérias reguladas pelo Direito Administrativo. Percebe-se que se concretiza um movimento da Constituição em direção à Administração ou ao Direito Administrativo e da Administração e do Direito Administrativo para a Constituição8. Contudo, infere-se que este movimento de constitucionalização não é um privilégio apenas do Direito Administrativo, tendo sido experimentado também em (diversos) outras ramos do Direito. Com efeito, infere-se que o núcleo do Estado de Direito consiste na presença da supremacia da Constituição, da separação dos poderes, da superioridade da lei e da garantia dos direitos individuais9. Trata-se, indubitavelmente, de uma visão contemporânea, pós-positivista, que coloca as normas constitucionais no centro do sistema jurídico, irradiando seus influxos por todo o ordenamento jurídico vigente. O que se percebe é que o Direito Disciplinar, assim como outros ramos, tem experimentado um significativo avanço com o advento da Constituição Federal de 1988. Não há duvidas de que a CRFB/88 traça um novo referencial no sistema jurídico brasileiro, trazendo fortes influxos e densidade normativa e principiológica em diversos ramos do direito, dentre os quais o direito disciplinar. É justamente nesse contexto que adquire maior importância o estudo dos princípios. Entendê-los se revela vital para qualquer operador do direito, pois, como dito alhures, os princípios são mandamentos nucleares do sistema normativo, seu verdadeiro alicerce, traduzindo-se elemento de importância crucial para a melhor compreensão da própria essência do Direito. Quando ausente a melhor noção do que venha ser princípios jurídicos, ousamos dizer que há um sério comprometimento no desenvolvimento regular do próprio raciocínio jurídico. Passaremos, adiante, consoante a importância do tema, ainda que em linhas gerais, traçar os aspectos de maior destaque em relação aos princípios que se relacionam com o Direito Disciplinar e Processo Disciplinar. 4. Princípios e Processo Disciplinar Os princípios estão distribuídos ao longo de nosso ordenamento jurídico, ora se apresentando de forma expressa, ora se manifestando como referência lógica de uma série de disposições. Decerto, representam o alicerce sobre o qual está assentada toda a estrutura de nosso ordenamento jurídico, daí sua importância para qualquer estudo jurídico. A principiologia ou sistematização dos princípios põe-se como preliminar necessária, num dado momento da elaboração científica, quando a disciplina, superada a fase do empirismo, da casuística, atinge um estágio maduro de equilíbrio, estruturando-se em plano de apurado rigor10.Adiante, tentaremos estruturar os princípios a partir de uma lógica funcional do sistema, de forma a possibilitar ao leitor acompanhar pari passu o desenvolvimento e funcionalidade dos princípios no contexto da administração pública e do processo disciplinar. 5. Princípios Informativos Devemos compreender os princípios informativoscomo aquele que se coloca na raiz do tema desenvolvido, tão só, garantindo-lhe a validade, numa justificação restrita, numa construção tópica, que tem substrato numa racionalidade prática procedimental, a partir de uma lógica dialética. Dito de outra forma é como se ordenamento tivesse um delineamento certo, bem definido, a partir da base, assentando-se em juízos primários que legitimam toda a construção levantada para explicar um aspecto da realidade que lhe corresponde, no concerto geral da ciência. Pressupostos obrigatórios do sistema, garantem-lhe a validade, autenticando-o como capaz de traduzir as implicações da natureza, em si, ou da natureza, tendo o homem como sujeito atuante11. Após análise detida do elenco dos princípios aqui suscitados, chegamos ao alinhamento de quatro princípios que devem ser considerados, para afeito desta classificação que elaboramos, como princípios informativos, a saber: Princípio do Devido Processo Legal, Princípio da Legalidade, Princípio da Supremacia do Interesse Público e Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 5.1. Princípio do Devido Processo Legal O princípio do devido processo legal encontra-se enunciado na Constituição Federal, insculpido no artigo 5º, inciso LIV12. Odue processo of law é uma garantia de liberdade, tem sua base consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos13e também encontra-se expresso e assegurado na Convenção de São José da Costa Rica14. Embora extraído da ordem jurídica inglesa desde o remoto ano de 1.215, o devido processo legal somente foi reconhecido expressamente pelo direito positivo brasileiro na Constituição Federal de 1988. Postado no rol de direitos e garantias fundamentais, é cláusula pétrea no sistema brasileiro e atua inarredavelmente no exercício do poder público. A abordagem deve ter início a partir do princípio do devido processo legal, posto que sem ele os demais princípios restariam soltos e sem a organização lógica e necessária dentro do ordenamento jurídico. Vital, assim, começar nossa caminhada a partir desse princípio informativo, que espraia sua densidade sobre toda a estrutura jurídica em nosso sistema, sobretudo no aspecto processual. A maioria dos doutrinadores considera o princípio do devido processo legal como a base de todos os demais princípios, servindo de referencial para todos os demais princípios que, invariavelmente, por força da lógica e organização constitucional, com ele se relacionem. Não por caso, Miguel REALE afirma que princípios são “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade”15. Daí a razão de se ter afirmado alhures que o princípio do devido processo legal é o princípio fundamental da ordem jurídica brasileira no que concerne, especificamente, ao processo. Divide-se o devido processo legal em duas espécies: substancial e processual. A substancialidade do devido processo legal está no dever de a lei obedecer a critérios que atendam ao senso de justiça e aos preceitos constitucionais de aplicação normativa pelos respectivos Poderes do Estado. Nesse sentido, ao devido processo substancial incumbe a perquirição acerca da adequação do direito material, ou conteúdo da norma, a valores contemporâneos. O devido processo legal sob a forma procedimental (dimensão processual) tem por viés a consecução de todas as garantias constitucionais processuais a todos os procedimentos. Alguns autores tais quais Calmon de Passos o delineiam pelos princípios do juiz natural, acesso à justiça e contraditório16. Para outros autores, significa o “estabelecimento de regras que permitam a existência e a efetividade do processo justo, ou seja, o instrumento considerado pela sociedade politicamente organizada como a via ética, prática e adequada à solução de conflitos de interesse” 17. Na perspectiva axiológica, tem-se no devido processo legal a garantia do indivíduo contra o uso arbitrário do Poder do Estado no desenvolver de suas atividades, seja a legislativa, a judiciária ou a administrativa. No aspecto que guarde maior relação com o ensaio aqui proposto, vê-se que o princípio do devido processo legal espraia essas garantias no desenvolvimento e desenrolar da relação processual disciplinar, enquanto manifestação substancial de jurisdição (jurisdição compartilhada). Revela-se assim, corolário da ordem democrática presente em nosso sistema jurídico. Aproxima-se, ainda, em nosso sentir, do ideal de democratização da sociedade (demodiversidade), espécie de superação (ou complemento) da ideia de Democracia representativa. Para nós, é a prova maior da evidência do due process of law como regulador do conflito entre segurança jurídica e efetividade no bojo processual, dotando-o de grande significado enquanto direito fundamental dinâmico e indispensável à organização do sistema processual. 5.2. Princípio da Legalidade Insta salientar que a noção de Administração Pública somente se configurou na forma como conhecemos hoje a partir da consagração do Estado de Direito, enquanto reação à fase anterior ao Estado Moderno, modelo vigente nos Estados absolutistas, consubstanciado na vontade do rei como fonte de todo o Direito, onde o cidadão era qualificado como “súdito” e se curvava às imposições unilaterais do soberano. O Estado de Direito veio a promover uma profunda mudança de paradigma, ao afirmar a submissão do Estado à lei, ao Direito, a regular a ação dos detentores do Poder nas relações com os administrados, de modo a assegurar a proteção aos direitos fundamentais dos indivíduos, entre os quais as liberdades individuais. No entanto, a exata compreensão do princípio da legalidade deverá ser analisada a partir do paradigma do Estado Democrático de Direito. Trata-se de um modelo de Estado com fortes vertentes axiológicas. A partir deste modelo, procurou-se fixar a participação popular nas decisões governamentais e o efetivo controle da Administração. Destarte, o Estado, sem deixar de ser Estado de Direito, protetor das liberdades individuais e do interesse público, passou a ser ainda Estado Democrático. Hodiernamente, portanto, fala-se em Estado Democrático de Direito, que compreende o aspecto da participação do cidadão (Estado Democrático) e o da justiça material (Estado de Direito). Nesse sentido, o princípio da legalidade, indubitavelmente, revela-se princípio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo. Retrata a ideia de que a Administração Pública, em toda extensão de sua atividade, encontra-se vinculada aos mandamentos da lei, ou seja, deles, mesmo que queira, não pode se afastar, sob pena de invalidade do ato administrativo de natureza jurídica. Observe-se que qualquer ação estatal, por menor que seja, sem o correspondente amparo legal, ou que exceda o âmbito demarcado em lei, expõe-se à anulação. Este é o rigor necessário imposto pelo princípio da Legalidade ao hígido funcionamento da Administração Pública. Noutra perspectiva, não menos importante, o princípio da legalidade contrapõe-se a qualquer tendência de exacerbação personalista dos governantes. Alçando os olhos a Constituição, vê-se nos termos do art. 5º, II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Não deixa, assim, válvula para que qualquer administrador fuja de sua observância. É, na verdade, boa medida para um país como o nosso de tradição autocrática e de viés despótico, notadamente no âmbito do Poder Executivo. O princípio da legalidade, dada sua importância para o sistema (ordenamento) jurídico e administrativo, traduz a ideia central de que o raio de ação da Administração Pública é bem menor do que o particular. Em síntese, este pode fazer tudo o que a lei permite e tudo que a lei não proíba; já aquela, só pode fazer o que a lei autoriza, mesmo assim nas condições e circunstâncias previstas na própria lei. Trata-se, em linhas gerais, do princípio norteador de toda a atividade administrativa, dele não podendo fugir o administrador, os servidores, bem como aqueles que, direta ou indiretamente, se relacionam com a Administração Pública. Ignorá-lo representa ferir de forma drástica o regular funcionamento das ações desenvolvidas no âmbito público. Diante de sua importância, o princípio da legalidade se revela vital para o regular funcionamento da administração pública, caracterizando-se como vetor primário para o processo administrativo disciplinar, que buscar no princípio da legalidade um referencial mais do necessáriopara orientar e delinear sua atuação, enquanto elemento instrumental que serve à boa administração,a governança pública e o regular desenvolvimento e desenrolar da relação processual disciplinar. 5.3. Princípio da Supremacia do Interesse Público Trata-se, na visão de alguns autores, de um dos mais importantes princípios do direito administrativo. De fato, não há como olvidar deste princípio no universo da Administração Pública. É, talvez, o grande princípio informativo do Direito Público, o qual proclama a superioridade (supremacia) do interesse da coletividade, quando contraposto ao interesse particular (individualizado). Em síntese, retrata o ideal de que no embate (que não é imaginário e abstrato!) entre o interesse público e o particular, há de prevalecer o interesse público. Trata-se de princípio, assim como diversos outros, que não encontram previsão expressa no texto constitucional, sendo construído a partir da análise conjunta e lógica do grande conglomerado de normas constitucionais. Infraconstitucionalmente, no entanto, o mencionado princípio encontra previsão no art. 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, expressando a irrenunciabilidade do interesse público pela autoridade administrativa.18 Frise-se que a aplicabilidade desse princípio não significa desrespeito ou desprestígio ao interesse privado. A observância do princípio da supremacia do interesse público não pode ser confundida, a ponto de renegar importância aos interesses privados. Não é disso que se trata, sobretudo quando sabemos que a Administração deve obediência ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, consoante prescreve o próprio texto constitucional (art. 5º, XXXVI). Nesse contexto, esclareça-se que a supremacia do interesse público se manifesta somente quando confrontado a determinado interesse privado, sobrepondo-se na medida em que se revela necessário tutelar o interesse da coletividade, frente a um interesse particular, individualizado. Traduz-se, assim, na ideia central de que a Administração Pública, quando no estrito exercício de sua função pública, na esteira do real e verdadeiro interesse da coletividade, encontra-se em situação de autoridade em relação ao particular, como elemento indispensável e necessários a boa, regular e adequada gestão dos interesses públicos. 5.4. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Trata-se de princípio que (re)surge na esteira do próprio Estado Democrático de Direito, adquirindo grande importância na segunda metade do século passado, sobretudo nas constituições dos países europeus, que muito sofreram nos períodos das grandes guerras, e viram e se sentiram vilipendiados nos mais elementares valores associados à dignidade da pessoa humana. Nesse contexto, evidenciam-se os mais relevantes ensinamentos constitucionais no sentido de reconhecer e valorizar o ser humano como a base e o topo do direito. A dignidade, como espécie de princípio fundamental, serve de base para todos os demais princípios e normas constitucionais, inclusive as normas infraconstitucionais. O indivíduo, pelo só fato de integrar a espécie humana, já é detentor de dignidade. Esta é qualidade ou atributo inerente a todos os homens, decorrente da própria condição humana, que o torna credor de igual consideração e respeito por parte de seus semelhantes19. Não por acaso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, já em seu artigo 1º, destaca os dois pilares da dignidade humana, ao afirmar que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. E nesse sentido ganha maior relevo ainda o ensinamento kantiano, quando afirma que “o homem – e, de uma maneira geral, todo o ser racional – existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade.”20 Extrai-se, daí, o princípio fundamental de sua ética: “age de tal maneira que tu possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente, como fim e nunca simplesmente como meio.”21 Ora, em nosso sentir, parece sobremaneira óbvio, conquanto para alguns de difícil compreensão, que tratar o outro como fim significa reconhecer a sua inerente humanidade, pois o homem, valendo-me do ensinamento kantiano,não é uma coisa; não é, portanto, um objeto passível de ser utilizado como simples meio, mas, pelo contrário, deve ser considerado sempre e em todas as suas ações como fim em si mesmo. Note-se que o respeito à dignidade humana constitui princípio fundamental. Exatamente em razão dessa sua fundamentalidade, o princípio da dignidade independe, para a produção de efeitos jurídicos, de inclusão expressa em texto normativo22. Dúvidas não restam que o constituinte de 1988 deixou claro que o Estado democrático de direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da Constituição Federal).Reconheceu-se na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio. Com efeito, adotar a dignidade da pessoa humana como valor básico do Estado democrático de direito é reconhecer o ser humano como o centro e o fim do direito. Esse princípio se tornou uma “barreira” irremovível, pois zela pela dignidade da pessoa humana, que é, em primeira análise, o valor supremo absoluto cultivado pela Constituição Federal. Como princípio fundamental e estruturante é uma das normas jurídicas com a maior hierarquia axiológico-valorativa, pois constitui um valor que guia não apenas os direitos fundamentais, mas toda a ordem constitucional. É justamente neste sentido que assume particular relevância a constatação de que a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional da dignidade23. Dessa forma, e por óbvio não poderia ser diferente, o princípio da dignidade encontra-se presente em todo o sistema jurídico pátrio, como elemento vital a sua regularidade. Por tudo isso, o processo disciplinar, assim como o direito disciplinar substancial, precisa, mais que nunca, estar atento aos fortíssimos influxos axiológicos e valorativos que o mencionado princípio espraia por toda estrutura normativa, sobretudo no ambiente das relações processuais. 6. Princípios expressos da Constituição Federal A Constituição Federal (CRFB/88), em seu artigo 37, preceitua que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esses são os princípios citados, de forma expressa, pela CRFB/88 no capítulo que trata da Administração Pública. Não significa, como veremos, que não haja outros princípios que a Administração esteja obrigada a observar. Inúmeros, já adianto, são os princípios, explícitos ou implícitos, que não os acima citados, que guardam relação com a administração pública, com incidência no aspecto processual administrativo (incluído aí o processo disciplinar). No entanto, os princípios citados não foram escolhidos pelo legislador constituinte ao acaso, na medida em que guardam maior relevância com a administração pública, além de trazerem para os demais princípios, que mais adiante veremos, forte carga valorativa e axiológica.Essa visão permite a formação de uma moldura principiológica no âmbito da administração pública que vai além dos princípios expressos no artigo 37 da CRFB, ainda que esses se revelam base dessa específica estrutura. Passaremos, então, a analisar, a exceção do princípio da Legalidade, posto que já abordado na condição de princípio informativo, aos demais princípios previstos no artigo 37 da CRFB, acrescentado do princípio da igualdade (isonomia) e do moderno princípio da duração razoável do processo, inserido no texto constitucional por força da emenda nº 45/2004. 6.1. Princípio da Impessoalidade Sabemos que o ambiente da administração pública por anos foi circundado por más práticas, fruto de uma visão altamente distorcida de como se deve relacionar diante dos interesses públicos. Ignorou-se anos a fio, de forma intencional (ou não), a melhor compreensão do verdadeiro espírito público que deve nortear essa peculiar relação, entre o público e o privado, entre o particular e o coletivo. Nos dias atuais, parece-nos que essa distorção tem, aos poucos, perdido espaço, dando ensejo a uma compreensão dessa relação de forma mais apropriada, ou seja, alinhada com o padrão que se estabelece nas sociedades modernas, baseada no ideal de Estado Democrático de Direito, que tem na Constituição o referencial maior, que serve de bússola aos bons caminhos que levam à Administração Pública. Nesse sentido, o princípio da Impessoalidade busca romper com um velho costume no ambiente estatal, que baseava suas ações (e omissões) em função de interesses pessoais. Como sabemos, a atividade administrativa deve ser destinada a todos os administrados, indistintamente, ou seja, sem determinação de pessoas ou discriminação de qualquer natureza. Por óbvio, não são toleráveis nem favoritismos, nem perseguições. Questões pessoais, políticas e ideológicas não podem interferir na atuação e no bom e adequado funcionamento da administração pública. Do contrário, agiríamos em benefício de alguns poucos, em claro detrimento de uma outra parcela, o que, em última análise, caracterizaria evidente afronta ao ideal de uma administração baseada na impessoalidade, na qual não há espaço para compadrios e favorecimentos. O princípio da Impessoalidade se encontra calcado na ideia de que os atos e provimentos administrativos não são imputáveis ao funcionário que os pratica, mas sim ao próprio órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o servidor. Assim, por óbvio, a ação estatal não pode ser dirigida com intuito de beneficiar ou prejudicar esta ou aquela pessoa. Não é essa a ideia e o espírito que se espera de uma ação estatal. 6.2. Princípio da Moralidade A moralidade, enquanto princípio, conquanto relacionado com os princípios anteriormente mencionados, com eles não deve ser confundido. Deve, em nosso entendimento, ser compreendido como um qualificador, um ingrediente que possibilita um sabor diferenciado a determinada ação no âmbito da administração pública. Note-se que o texto constitucional ao apontar os princípios que devem ser observados pelo administrador público no exercício de sua função inseriu entre eles o princípio da moralidade. Significa dizer que em sua atuação o administrador público deve atender aos ditames da conduta ética, honesta, exigindo a observância de padrões de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem além da boa gestão e governança pública, a disciplina interna na Administração Pública. Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o cumprimento da estrita legalidade, ele deverá respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade, enquanto princípio aplicado à administração pública, constitui pressuposto de validade de todo ato administrativo praticado. É a moralidade, por exemplo, que dará um diferencial à legalidade ou a inúmeros outros princípios que com a administração pública se correlacionem. É nesse sentido que afirmamos que a atividade administrativa não deve se pautar, sem qualquer essência, por simplesmente cumprir a legislação. No âmbito da administração pública contemporânea, não basta, nessa visão, ser um mero cumpridor de leis. Registre-se que a atuação do agente estatal, bem como aqueles que com a administração pública se relacionam, precisa compreender que a ideia de moral tem forte influência na administração pública, buscando, dentre as alternativas que se apresentam, aquela que for melhor e mais útil para o interesse público, ou seja, para a coletividade. Alguns estudiosos confundem imoralidade administrativa com improbidade administrativa. Embora próximos, os conceitos não devem ser confundidos. A improbidade é ato de violação à moralidade administrativa e a outros princípios e regras da Administração Pública (expressos ou implícitos), conforme previsão em lei específica. Visto dessa forma, o conceito de improbidade tem sentido mais amplo, por abranger não somente atos desonestos ou imorais, mas também atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa, a lesão à moralidade é apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos em lei. Parece-nos, decerto, que mesmo que o comportamento da administração pública ou do particular que com ela estabelece relação jurídica, ainda que esteja de acordo com a lei, se houver afronta à moral (e as regras de boa administração), restará violando o princípio da moralidade. O ato administrativo que foi praticado nessas circunstâncias deve ser retirado do ordenamento jurídico, quer pela própria Administração, quer pelo Poder Judiciário, não podendo produzir efeitos jurídicos. 6.3. Princípio da Publicidade O princípio da publicidade indiscutivelmente é um dos principais avanços no âmbito da administração pública contemporânea. Rompe com um formato em que se privilegiava os segredos, a surpresa, em claro descompasso com a própria ideia básica do que seja a coisa pública. Se é público, em regra, salvo as exceções plenamente justificadas, precisa haver publicidade. A publicidade está na essência da própria ideia de administração pública. Pensar de forma diversa é subverter a ordem logica do sistema vigente. O princípio da publicidade tem por objetivo primário o pleno exercício da transparência, tornando obrigatório a divulgação de atos, contratos e outros instrumentos celebrados pela Administração Pública, visando o conhecimento, controle e início de seus efeitos. Nesse contexto, sem maiores dificuldades, conclui-se que a regra deve ser a publicidade, ou seja, a divulgação oficial dos atos administrativos. Ressalva-se, entrementes, as hipóteses de sigilo previstas no próprio texto constitucional (art. 5º, XXXIII) e em leis. Cite-se, por exemplo, a previsão contida no inciso V, parágrafo único, do art. 2º da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal.24 Reforça-se, ainda, que a publicidade de atos, contratos e outros instrumentos jurídicos deve atender, sob pena de ser tida como irregular, a outras exigências legais, como, por exemplo, determinado número de publicações. De todo sorte, frise-se que a publicação para surtir os efeitos desejados é a do órgão oficial, não atendendo tal exigência a mera notícia falada, escrita ou televisiva25. 6.4. Princípio da Eficiência O princípio da eficiência foi introduzido de modo explícito na Constituição Federal por intermédio da Emenda Constitucional nº 19/1998, posicionando-se ao lado dos demais princípios da Administração Pública. A inserção no texto constitucional do princípio da eficiência decorre do fato da Reforma Administrativa de 1998 ter se orientado pelo modelo da administração pública gerencial, caracterizada basicamente pela busca de resultados e atendimento dos anseios do cidadão-usuário. . Mais que um princípio, a eficiência deve ser compreendida como um dever que a Administração Pública deve perseguir de forma inabalável e incansável. Cuida-se de princípio perfeitamente alinhado com a expectativa que a atual sociedade espera da Administração Pública, identificando o comando constitucional como um dos mais modernos princípios da administração pública, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com base na legalidade, exigindo resultados positivos e satisfatórios no atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. Diante da necessidade de adequação a essas mudanças rápidas que passa nossa sociedade atual, o Estado tem mudado seu perfil frente ao complexo de demandas da sociedade contemporânea. O princípio da eficiência contempla essa nova realidade, buscando despertar e propiciar na administração pública e seus agentes uma maior preocupação com a qualidade dos serviços públicos que são prestados.É este o quadro que se coloca para a inserção da eficiência como princípio constitucional. Note-se que ao elevar a eficiência à categoria de preceito constitucional, procurou-se deixar clara a necessidade de que a Administração Pública se conduza de modo a produzir serviços adequados, com maior qualidade e tendentes a cumprir satisfatoriamente seus fins legais. Não por acaso, Hely Lopes MEIRELLES, por sua vez, há muito tempo tratava a eficiência como um dever do agente público: “Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”.26 Não há como olvidar que a Administração Pública deve, indubitavelmente, otimizar os meios de que dispõe para a consecução de seus objetivos. Evidencia-se que o princípio da eficiência, assim, apresenta-se como elemento normativo que impõe ao agente público uma atuação voltada à utilização mais racional dos recursos disponíveis, precedida de planejamento e organização, objetivando o alcance de melhores resultados institucionais, sem se descurar da finalidade essencial da Administração Pública, que é o atendimento ao interesse público. 6.5. Princípio da Igualdade (Isonomia) Certamente um dos mais importantes princípios de todo ordenamento jurídico pátrio. O princípio da igualdade (ou isonomia) transcende as fronteiras dos ramos do direito, atingindo de forma frontal e determinante todas as áreas do direito, sobretudo o direito administrativo e a atuação da Administração Pública. O princípio da isonomia tem substrato jurídico de assento constitucional (art. 5º, caput), baseando-se no ideal de uma atuação sem distinção de qualquer natureza, em que todos seriam iguais perante a lei. Todos devem ser tratados perante a Administração Pública de forma igualitária e isonômica. Traduz-se na simples ideia, mas constantemente inobservada, de que todos devem receber o mesmo tratamento da Administração Pública. Percebe-se que o objetivo do princípio é evitar a instalação de quaisquer tipos de privilégios. No entanto, importante ressaltar o princípio da isonomia não tem caráter absoluto, sendo possível em situações específicas criar requisitos ou estabelecer, como medida excepcional, algum tratamento diferenciado visando alcançar a igualdade material nas relações que se estabeleçam. A ideia de igualdade que remonta ao liberalismo está associada, a bem da verdade, a um conceito formal, que por isso mesmo não se mostrou apto a efetivar a isonomia jurídica, sobretudo quando conflitavam interesses de partes que detinham posições e estatura distintas naquela determinada sociedade. O paradigma do Estado Social, que pretensamente pretende suceder o modelo liberal, traz em sua essência uma maior preocupação em garantir tratamento isonômico. Não por acaso, a partir de então, houve uma releitura do instituto, dando efetividade e dinamicidade ao princípio da igualdade. Nesse sentido, decorrência desse novo momento, sobretudo influenciado pelo novo modelo de um Estado Democrático de Direito, que na força da Constituição seu vetor primário, surge a igualdade material (ou substancial), superando o modelo de igualdade formal, concentrando esforços no sentido de revelar que a verdadeira igualdade consistiria em se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade. 6.6. Princípio da Duração Razoável do Processo É direito de todos terem "assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação", conforme previsto no inovador inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição Federal, trazido a condição de texto constitucional por força da EC nº 45/2014. Como sabemos, a prática processual caminha, invariavelmente, entre a necessidade de decisões rápidas e a de segurança na defesa do direito dos litigantes. Conciliar esses dois aspectos, celeridade e segurança jurídica, vitais para qualquer pessoa que busque a tutela via processo (judicial ou administrativo), traduz um dos maiores desafios em nosso sistema contemporâneo. O ideal de um processo (judicial ou administrativo) que se desenvolve numa razoável duração de tempo pode concentrar-se na perspectiva de que o seu escopo básico de tutela de direitos será mais efetivo, ou terá maior capacidade de eliminar com justiça situações de conflito, quanto mais prontamente tutelar o direito da parte que tem razão. Em nossa visão, a observância à duração razoável do processo trata-se de verdadeiro direito fundamental, vez que possibilita de forma efetiva, em tempo adequado, o direito a efetiva tutela jurisdicional (ou substancialmente jurisdicional, como no caso do processo disciplinar), revelandorespeito à dignidade da pessoa humana. É preciso entender que o princípio da duração razoável do processo não deve ser confundido com o princípio da celeridade, conquanto guarde com este alguma relação. Celeridade, em análise simplista, significa uma prestação jurisdicional rápida. Já a duração razoável, alinhado a uma visão do Estado Constitucional, fruto do pós-positivismo, engloba a observância do devido processo legal em todas as suas dimensões, além de inúmeras outras garantias constitucionais referentes ao processo e que demandam certo prazo. Portanto duração razoável não significa celeridade, e sim o tempo estritamente necessário para uma prestação jurisdicional justa, efetiva e de qualidade. De modo geral a doutrina entende que a razoável duração engloba a análise de três critérios: a complexidade da causa, o comportamento dos litigantes (e seus procuradores) e a atuação do órgão responsável pelo processo. No âmbito do processo disciplinar, por conta da natureza dual da relação processual, no qual o Estado-Juiz (Administração) processa, apura e julga, revela-se ainda mais atenção aos prazos. Seja no retardo, quando se busca protelar eventual reprimenda disciplinar, ou ao contrário, a celeridade desmedida no afã de aplicar eventual reprimenda disciplinar. Ademais, note-se que caso não observado a duração razoável do processo corre-se o risco do descrédito daquele que denuncie alguma ilicitude no âmbito da administração, além de permitir na hipótese do servidor faltoso que este prolongue sua atuação no âmbito da administração sem qualquer reprimenda disciplinar; do contrário, caso seja ele inocente de determinada imputação, eventual prolongamento irrazoável do processo traz efeito inverso, na medida em que tornará incômoda a vida funcional do servidor por prazo não justificável. 7. Princípios previstos na Lei nº 9.784/99 A Lei nº 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, estabelecendo normas básicas sobre o processo administrativo, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. O diploma legal, em seu artigo 2º estabelece que “a administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. Nesse sentido, a exceção dosque já foram abordados, iremos analisar, ainda que em linhas gerais, os demais princípios que regulam o processo administrativo,os quais embora tenham assento constitucional, encontram-se previstos expressamente no aludido diploma legal, revelando forte influência e conexão no processo disciplinar. 7.1. Princípio da Finalidade O princípio da finalidade, conquanto pouco estudado, é o princípio que direciona a atividade estatal para o interesse público, aqui entendido como o ato que se refere, impacta e interessa a toda a sociedade. Constantemente, ainda nos dias atuais, vemos os administradores públicos, seus agentes e particulares que interagem com administração pública, violarem, direta ou indiretamente, esse princípio, caracterizado através do ‘desvio de finalidade’. Atente-se que quando a administração pública se afasta, na prática de determinado ato administrativo, da finalidade que atenda ao interesse público, buscando alternativas que tangenciem a legalidade e a supremacia do interesse público, inevitavelmente se precipitará em um caminho tortuoso, agindo em claro descompasso com os propósitos básicos e elementares da atividade pública e do interesse coletivo. Não por acaso, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello: “O princípio da finalidade impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu encargo, atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Cumpre-lhe cingir-se não apenas à finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica abrigada na lei a que esteja dando execução. Assim, há desvio de poder e em consequência nulidade do ato, por violação da finalidade legal, tanto nos casos em que a atuação administrativa é estranha a qualquer finalidade pública, quanto naqueles em que o fim perseguido, se bem de interesse público, não é o fim preciso que a lei assinalava para tal ato”.27 Aqueles que assim agem, atuam à margem da lei, comportando-se em claro desvio de finalidade. Não merece prosperar os que assim atuam; em igual sentido, não merece validade qualquer ato administrativo praticado em desvio de finalidade, vez que sua natureza é imprópria ao que se presta, na medida em que imprestável para preencher os parâmetros para concretização do bem comum e da coletividade. Com efeito, a ausência do interesse público, motivado pelo ato praticado em desvio de finalidade, leva à invalidade do ato praticado. O operador do direito que atua no âmbito administrativo, sobretudo no processo disciplinar, precisa estar atento a essas manobras, de forma a conseguir identificá-las, quando diante de situações dessa natureza. 7.2. Princípio da Motivação Preferimos entender o princípio da motivação como uma das mais evidentes conquistas quando abordamos aspectos da Administração Pública e a prática de seus atos. Trata-se, em certa medida, de essencialmente um parâmetro de controle presente nas modernas democracias, justamente para confrontar a arbitrariedade dos governantes nos mais variados regimes de governo. Ademais, traduz importante instrumento que habilita ao grupo social interessado a ‘participação’ nos atos do Estado. O dever de motivação, subjacente ao princípio, é imprescindível para proteger os interesses dos administrados, seja para convencê-lo do acerto na providência adotada, seja para demonstrar de forma clara e transparente a essência daquela ação do Estado. É ferramenta que fortifica o controle social dos atos administrativos, além de possibilitar maior envolvimento de toda a sociedade, verificando se naquele determinado ato estariam presentes elementos que caracterizariam o interesse social. Em linhas gerais, o princípio da motivação guarda relação com a exigência de indicação dos fundamentos de fato e de direito das decisões emanadas pela Administração Pública. Dessa forma, o princípio da motivação dos atos administrativos encontra arrimo implícito na Constituição Federal, quer em razão do princípio republicano e da adoção do Estado Democrático de Direito, quer em virtude de dispositivos que se espalham ao longo do texto constitucional. Trata-se de requisito necessário, visando o melhor controle de legalidade dos atos administrativos. A motivação, ademais, deve ser clara, explícita e congruente, guardando pertinência temática com o ato. Em nosso ordenamento se materializa, por exemplo, nos artigos 2º e 50, da Lei nº 9.784/99, a Lei Geral dos Processos Administrativos em âmbito federal. Sua importância, ainda que se saiba que não há controle judicial sob os critérios de conveniência ou oportunidade, está no fato de que ao externar os fundamentos normativos e fáticos das decisões, seguidos das razões técnicas, lógicas e jurídicas que confiram suporte ao ato administrativo decisório e à subjacente eleição de meios, a administração pública se coloca em condição de ser controlada interna e externamente pelos seus atos. 7.3. Princípio da Razoabilidadee Proporcionalidade Relembro, de antemão, antes de entrar nos aspectos gerais atinentes ao principio da razoabilidade e proporcionalidade, pontos de grande complexidade e densidade no âmbito do estudo dos princípios, que nosso objetivo é tão somente traçar linhas gerais ao elenco dos princípios que tem identificação com o processo disciplinar, não havendo nenhuma pretensão em esgotar o tema. Assim, em linhas gerais, o princípio da razoabilidade tem origem nos Estados Unidos. Por sua vez, o princípio da proporcionalidade tem origem na Europa, com forte influência do direito germânico. Muitos de discute, sem consenso, ao menos da doutrina, se haveria distinção entre os mencionados princípios. Conquanto seja um tema de grande importância no estudo dos princípios, por não ser objetivo central do presente artigo, não adentraremos nos detalhamentos teóricos do tema. Nessa perspectiva, parece-nos que a Lei nº 9.784/99 (Lei Geral dos Processos Administrativos), em sede de primeira leitura, teria diferenciado ambos os princípios. Mas parcela significativa da doutrina parece não seguir esse entendimento, sustentando, grosso modo, que, na verdade, o princípio da razoabilidade se manifestaria como um meio para se chegar a proporcionalidade. De todo forma, parece não haver dúvidas de que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade nascem como instrumentos limitadores dos excessos e abusos dos Estados. Isso porque a lei ao conceder ao agente público o exercício das decisões administrativas, não lhe reservou um poder absoluto para agir ao seu bel prazer, ignorando por completo parâmetros normativos que estejam fora de uma atuação do Estado que não seja razoável e proporcional. A Administração, no exercício de suas ações e decisões, deve atuar de forma racional, dentro de padrões de prudência e sensatez, jamais comportando espaço para condutas desarrazoadas, bizarras ou incoerentes. As condutas da Administração distanciadas desse limite são ilegais e, em última análise, afrontam a própria Constituição. Destarte, a despeito da dificuldade de definir com precisão esses conceitos, nada que esteja fora do conceito de razoável, do sensato, do normal, é permitido ao agente público. Qualquer ato ou decisão administrativa que não esteja alinhado com esses parâmetros seguramente não encontrariaabrigo em nosso sistema jurídico, abrindo-se espaço para aquele que se considere prejudicado buscar eventual tutela jurisdicional. Tomemos como exemplo de ordem prática, na verdade bastante didático. Aplicar no exercício do poder disciplinar uma penalidade mais gravosa, quando a mera sanção de advertência seria suficiente e adequada a infração praticada pelo servidor faltoso, caracteriza hipótese do exercício do poder disciplinar que afronta a proporcionalidade. Nesse sentido, a regra prevista no inciso VI, parágrafo único, do art. 2º da Leinº 9.784/99, exige que nos processos administrativos seja observada a “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior aquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. Nada mais adequado e consentâneo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 7.4. Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório Reforçamos a ideia de que ampla defesa e contraditório são corolários, ou seja, consequência lógica do Devido Processo Legal, aqui já analisado. Entrementes, devido sua significativa importância no desenvolvimento de um raciocínio jurídico qualificado, iremos abordá-los no contexto do processo administrativo. De imediato, realçamos que para a existência do verdadeiro direito, faz-se necessário a presença do contraditório, em quaisquer situações que envolvam litígios a serem decididos. O contraditório significa a faculdade de se manifestar, verdadeira prerrogativa processual à disposição da parte, que não deve se contentar apenas em se manifestar, mas verdadeiramente ser ouvido, a ponto de poder influenciar no convencimento e formulação da decisão. Baseia-se, assim, num ideal desenvolvido a partir de uma lógica dialética, na qual todas as relações jurídicas desenvolvidas no curso do processo devem ter o contraditório como valor fonte. Não basta a possibilidade de contradizer a parte contrária, mas de ter seus argumentos, numa concepção cooperativa, considerados para atingir verdadeiramente a esfera de convicção das partes no processo, incluído aquele agente responsável pela decisão. Como sabemos, o contraditório e a ampla defesa não são exclusivos do processo jurisdicional.Manifesta-se, sem qualquer sombra de dúvida, no processo administrativo, e com maior densidade ainda no processo disciplinar, vez que substancialmente jurisdicional, conforme entendimento que temos sustentado. Note-se que no âmbito da administração pública, processo adequado é aquele que se coaduna com os direitos fundamentais e torna evidente o viés democrático que deve respaldá-la, provocando um equilíbrio na relação com seus administrados. Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que: “O processo administrativo afigura-se, pois, num instrumento legitimador da atividade administrativa que, ao mesmo tempo, materializa a participação democrática na gestão da coisa pública e permite a obtenção de uma atuação administrativa mais clarividente e um melhor conteúdo das decisões administrativas. De igual modo, traduz-se em garantia dos cidadãos administrados, no resguardo de seus direitos”28 Ingressando mais especificamente no processo administrativo disciplinar, reforçamos a ideia de que a aplicação de qualquer penalidade a servidor público, efetivo ou não, deve ser antecedida de regular processo, asseguradas, além do devido processo legal, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O processo disciplinar deve representar a garantia para a sociedade de que a competência disciplinar será exercida de modo responsável e consistente. Resumindo a questão, Léo da Silva Alves ensina que CFRB/88 assegura não apenas um direito, mas dois direitos: ao contraditório e a ampla defesa. Cada qual com um significado específico29: “O contraditório é o momento em que o acusado enfrenta as razões postas contra ele. A ampla defesa por sua vez é a oportunidade que deve ter o acusado de mostrar suas razões. No contraditório, o acusado procura derrubar a verdade da acusação e na ampla defesa ele sustenta a sua verdade”. Deduz-se, nessa perspectiva, que a ampla defesa é exercida mediante a segurança de três outros direitos a ela inerentes, que são: direito de informação, direito de manifestação e direito de ter suas razões consideradas. Ademais, a ampla defesa deve garantir ao acusado tomar o conhecimento prévio da acusação que lhe é imputada, conforme doutrina de DiógenesGasparini: “Consiste em se reconhecer ao acusado o direito de saber que está e por que está sendo processado, de vista ao processo administrativo disciplinar para apresentação de sua defesa preliminar, de indicar e produzir as provas que entender necessárias à sua defesa, de ter advogado quando for economicamente insuficiente, de conhecer com antecedência a realização de diligências e atos instrutórios para acompanhá-los, de perguntar e reperguntar, de oferecer a defesa final, de recorrer, para que prove a sua inocência ou diminua o impacto e os efeitos da acusação”.30 Nota-se, com isso, a configuração clara da evolução vivenciada na órbita da processualística administrativa, em clara sintonia com a nova ordem constitucional. Daí se afirmar com toda segurança não ser mais possível, sobretudo em função da existência dos princípios do contraditório e da ampla defesa, a utilização de outros meios ou procedimentos sumários para apuração de ilícitos funcionais que não seja o processo disciplinar. Supera-se, assim, o modelo de ‘verdade sabida’ ou qualquer outro que ainda com outro nome, não observem por essência aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 7.5. Princípio da Segurança Jurídica Alinhamo-nos com aqueles que entendem que o Estado Democrático de Direito tem como um dos seus elementos fundantes a segurança jurídica. É quase senso comum que a própria ideia de Direito muito se confunde com a necessidade de segurança jurídica nas relações sociais. Necessidade de dar estabilidade e clareza a própria vida em sociedade, que não ficaria ao alvedrio de determinado grupo ou detentor de poder. Pensar de forma diferente nos levaria a um estado de incerteza, inconciliável com o Estado Democrático de Direito, que tem na ordem jurídica o modelo de estabilização e segurança para toda a sociedade. Não é possível imaginar a liberdade, a dignidade da pessoa humana, a democracia, a justiça, numa sociedade onde o caos e a incerteza sejam os imperativos. Tal princípio, segundo Humberto Theodoro Júnior, pode ser distinguido em dois sentidos, a saber: “a) a segurança que deriva da previsibilidade das decisões que serão adotadas pelos órgãos que terão de aplicar as disposições normativas; e b) a segurança que se traduz na estabilidade das relações jurídicas definitivas.”31 O princípio da segurança jurídica, seja de forma expressa ou implícita, é adotado em todo o constitucionalismo ocidental, variando apenas quanto a sua amplitude. Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, não olvidou o legislador pátrio da segurança jurídica. Prova disso, é que a Constituição da República de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXVI, estabelece que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. No âmbito da administração pública a segurança jurídica está muito associada ao princípio da boa fé. Tanto assim que é a Lei nº 9.784/99, em seu artigo 2º, estabeleceu o marco normativo de proteção à segurança jurídica no âmbito administrativo, trouxe no inciso IV a exigência de atuação da Administração baseada na boa-fé.32 Por certo, os dois institutos confluem a um mesmo destino, ainda que por diferentes itinerários. Ou seja, embora ambos visem à preservação de certas condutas estatais que, mesmo quando ilícitas, produziram uma expectativa no administrado, a segurança jurídica surge como uma garantia do indivíduo ligada aos ideais da confiança e do Estado de Direito, enquanto que a boa-fé objetiva atuar como um instrumento de controle da atividade do Estado. Não se deve, todavia, olvidar que é tênue a diferenciação entre o princípio da boa-fé e segurança jurídica, considerando-se que ambos visam obstar a desconstituição injustificada de atos ou situações jurídicas, mesmo que tenha ocorrido alguma desconformidade com o texto legal durante sua constituição. Nestes termos, Almiro de Couto e Silva33: “A regra do art. 54 da Lei n° 9.784/99, por traduzir, no plano da legislação ordinária, o princípio constitucional da segurança jurídica, entendida como proteção à confiança, tem como pressuposto a boa fé dos destinatários. A decadência do direito da Administração à anulação não se consuma se houver má fé dos destinatários. Não está em questão a má fé da Administração Pública ou da autoridade administrativa. Assim, mesmo existente esta, se os destinatários do ato administrativo estavam de boa fé e houve o transcurso do prazo quinquenal sem que o Poder Público houvesse providenciado na anulação do ato administrativo ilegal, configuram-se todos os requisitos para a incidência e aplicação do at. 54, perecendo, pela decadência, o direito à anulação.”  Entrementes, em nosso sentir, a segurança jurídica encontra-se mais ligada à imposição de limites à retroatividade dos atos do Estado, aliado ao fator tempo, pois o decurso do tempo apresenta especial relevância no âmbito do direito administrativo, como causa de convalidação de situações fáticas e a sua transformação em situações jurídicas. Decerto, enquanto elemento curial ao direito, a segurança jurídica sempre será vista sob a ótica da necessidade de dar estabilidade e clareza as relações jurídicas e sociais, sobretudo numa sociedade complexa e pluralista como a nossa. Certamente, a administração pública, o direito administrativo e o processo administrativo disciplinar têm muito a observar e obter de vantagem, quando sintonizados com os valores decorrentes do princípio da segurança jurídica. 7.6. Princípio da Gratuidade O princípio da gratuidade encontra-se previsto na Lei nº 9.784/9934, que estabelece como regra a proibição de qualquer cobrança de despesas processuais no âmbito da Administração Pública. Nessa perspectiva, infere-se que não cabe à administração impor obstáculos desnecessários, notadamente de cunho pecuniário, de forma a criar dificuldades para o pleno exercício dos direitos e prerrogativas aos administrados (servidores ou particulares) que pretendam buscar a tutela administrativa. Trata-se de princípio que encontra alinhamento lógico no próprio Princípio do Devido Processo Legal. Registre-se que, a rigor, o que há no processo administrativo disciplinar é ausência de custas processuais, comum no âmbito dos processos judiciais. A lógica funcional da administração pública, que preza pelo interesse público, indica que, de regra, não é possível a cobrança de custas ou despesas processuais como condição para realização de determinado ato, pois o que move a administração é o próprio interesse público subjacente a qualquer atuação do Estado. Logo, qualquer ato ou providência que se justifique para este objetivo deve ser realizado. Independente do pagamento de custas. Note-se, todavia, que o princípio não impede que, em decorrência do processo, por mera vontade própria, o interessado incorra em gastos pessoais. Não se deve confundir o princípio ora estudado, dando-lhe uma dimensão da qual não dispõe. O princípio, além de lógico, é claro, e não impõe qualquer obrigação à administração de pagar gastos próprios e pessoais dos interessados. Logo, despesas que decorrem da livre escolha do interessado, tais como contratação de advogado (o que sequer é exigido no processo administrativo disciplinar), pagamento de peritos, assessores técnicos ou consultores particulares e fornecimento de cópias reprográficas dos autos devem recair sobre o interessado. Percebe-se, assim, que, na verdade, a ideia central, a despeito do nome comumente utilizado pela doutrina, é a de ausência de custas e não da gratuidade propriamente dita, já que os gastos incidentais, decorrentes de pretensão do interessado, deverão ser por ele custeados, sem previsão legal de ressarcimento, ainda que ao final, no processo disciplinar, seja inocentado. 7.7. Princípio do Prejuízo O princípio do prejuízo (pas de nullité sans grief) está intrinsicamente ligado ao sistema de nulidades. Traduz-se na ideia de que as formas processuais apenas representam um instrumento para a correta aplicação do direito, e o desrespeito às formalidades estabelecidas em lei somente poderá invalidar o ato quando a finalidade for comprometida pelo vício. A doutrina do direito administrativo consagrou o postulado pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo, ou seja, o ato processual não será declarado nulo quando não causar prejuízo. Ademais, salienta-se que para haver decretação de nulidade, o prejuízo não deve ser apenas alegado, mas efetivamente provado35. Impõe-se a sua demonstração no caso concreto pela parte a quem interesse a invalidação. Em nosso sentir, a decisão sobre a anulação ou não de um ato eivado de vício deve ser tomada em função da melhor forma de satisfazer o interesse público. Não por acaso, Odete Medauar, avaliando o tema, destaca que: “Embora o poder e dever de anular permaneçam plenos para qualquer ato eivado de ilegalidade, é possível que em determinadas circunstâncias e ante pequena gravidade do vício, a autoridade administrativa deixe de exercê-lo, em benefício do interesse público, para que as consequências do desfazimento em si e sua repercussão não acarretem maior prejuízo que a subsistência do ato; em tais casos, a autoridade deverá sopesar as circunstâncias e as repercussões, até mesmo sociais, do desfazimento, no caso concreto, para decidir se o efetua ou se mantém o ato.”36 Em sentido semelhante, Celso Antônio Bandeira de Mello, leciona que, em alguns casos, o ato viciado pode ser mantido: “Não brigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe ao espírito, as soluções que se inspirem na tranquilização das relações que não comprometem insuprivelmente o interesse público, conquanto tenham sido produzidas de maneira inválida. É que a convalidação é uma forma de recomposição da legalidade ferida”.37 O entendimento firmado pela doutrina e jurisprudência, ao que parece, acabou sendo albergado pelo legislador no bojo da Lei nº 9.784/1999 (Lei Geral de Processo Administrativo). Com efeito, preceitua o art. 55 que devem ser convalidados os atos que apresentem defeitos sanáveis e que não acarretem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros38. Destarte, qualquer análise acerca da anulação de ato administrativo, deve ser considerada à luz do postulado pas de nullité sans grief, devendo perquirir a efetiva existência de prejuízo, não havendo que se estabelecer aprioristicamente eventual nulidade no ato administrativo. 7.8. Princípio da Autotutela O princípio da autotutela permite, a um só tempo, que a Administração Pública exerça controle sobre seus próprios atos, tendo a possibilidade de anular os ilegais e de revogar aqueles considerados inoportunos. Essa possibilidade decorre do fato da Administração Pública poder, em decorrência de sua vinculação à lei, exercer controle de legalidade sobre seus atos39. Nesse sentido dispõem as Súmulas nº 346 e 473, ambas do Supremo Tribunal Federal. A primeira súmula enuncia que "a administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos". A segunda súmula, em perspectiva similar, enuncia "a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial". Ressalva-se, porém, que os efeitos do princípio em referência não se estende além dos atos administrativos. A ressalva é importante, pois, a depender da natureza jurídica que envolva o interesse da administração pública, em alguns casos será necessário se valer necessariamente do Poder Judiciário para garantir a tutela jurisdicional, não se podendo, por impossibilidade de ordem jurídica decorrente da natureza do direito em litígio, lançar mão do princípio da autotutela. 8. Princípios de aplicação no Processo Administrativo Disciplinar Adiante iremos abordar os demais princípios que guardam relação com o processo administrativo disciplinar. Conquanto sejam princípios que não estejam na mesma estatura daqueles até aqui analisados, revelam-se de particular importância e elevado grau axiológico para o processo disciplinar. Alinham-se, assim, princípios que, não obstante sua importância prática para o processo disciplinar, por estarem, muitas vezes, colocados de forma assistematizados, não permitem ao observador menos atento um olhar mais cirúrgico, a ponto de perceber, a primeira vista, a importância desses princípios para o adequado desenvolvimento da processualística disciplinar. Nosso desafio, então, é alinhá-los, de forma a demonstrar sua aplicação na ordem prática, sobretudo no que se refereaos aspectos que consideramos de grande importância para o regular e hígido desencadear dos atos administrativos no curso da relação processual disciplinar. Tentaremos aqui identificar os princípios que guardam relação próxima e lógica com o processo administrativo disciplinar. Como sabemos, o fenômeno processual disciplinar consiste em uma série de atos desencadeados numa sequência formal, com o objetivo final de fundamentar o correspondente ato disciplinar. Para tanto, o processo disciplinar se serve, além das normas e dos princípios já analisados, de outros princípios que identificamos sobremaneira específicos; senão próprios, mas que no âmbito disciplinar adquirem características de grande importância para o regular desenvolvimento da relação processual disciplinar. Iremos, assim, na sequência, analisar em breve síntese, esses princípios, os quais consideramos vetores importantes para o processo disciplinar, tal qual sua aproximação com esse sub-ramo do direito. 8.1. Princípio da Hierarquia (e o Poder Disciplinar) Chama-se hierarquia a relação de coordenação e de subordinação dos órgãos do poder executivo, marcando a autoridade de um cada dentro de seu respectivo âmbito de atuação. O princípio da hierarquia informa apenas a administração, vigora tão somente no âmbito regido pelo direito administrativo, inexistindo no campo regulado pelo Judiciário e pelo Legislativo, ao menos no que se refere às suas funções primárias (na administração interna dos poderes existe hierarquia administrativa). Do princípio da hierarquia, específico do direito administrativo, decorre consequências, como a unidade de direção, o acompanhamento dos superiores em relação aos subordinados, a possibilidade de substituição do subordinado pelo superior, a revisão dos atos dos subordinados, a aplicação de sanções, o dever de obediência e a resolução dos conflitos de atribuição. Essas são condições decorrentes do princípio da hierarquia, que se encontra presente em todos os degraus da pirâmide administrativa, do vértice à base, possibilitando que a administração, orientando-se por esses parâmetros, alcance os objetivos que tem por missão. Sem demora, assim, temos que o princípio da hierarquia, respeitadas as áreas de suas respectivas competências e atribuições, está presente em todos os momentos e em todos os recantos do direito administrativo, manifestando-se em todos os Poderes, no que, cada qual, tem de parcela administrativa em sua atuação. O princípio da hierarquia, enquanto corolário do poder hierárquico, quando bem empregado revela-se de grande valia para a boa administração da coisa pública.Não se trata de mero e desmedido empoderamento do gestor público, pelo contrário é elemento essencial para o regular funcionamento interno dos órgãos públicos, sobretudo no contexto das relações intersubjetivas. É nessa perspectiva que destaco a dimensão que considero a mais importante do aludido princípio, seu aspecto curial, o poder disciplinar. Devemos entender poder disciplinar como sendo aquele que cabe a Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa. Ressalta-se que o poder disciplinar não abarca as medidas punitivas impostas a particulares não sujeitos à disciplina interna da Administração, o qual tem fundamento, em regra, no poder de polícia estatal. Como mencionado alhures, no que tange aos servidores públicos, o poder disciplinar é decorrência do princípio da hierarquia. Nesse sentido, se há que se falar em discricionariedade, sua feição deve ser vista com bastante critério e limitação, na medida em que a administração pública, como bem sabemos, não tem liberdade de escolha na manifestação de seu poder disciplinar, entre punir ou não punir o servidor faltoso. Note-se que a administração pública tendo conhecimento de eventual falta ou notícia de ilícito não poderá adotar outra medida, senão aquela no sentido de apurar os fatos e, se comprovada a irregularidade, adotar todas as providências visando a aplicação da reprimenda disciplinar40. De sorte que a discricionariedade encontra-se limitada à possibilidade da administração pública, apenas nos casos e condições possíveis, poder levar em consideração, na escolha da penalidade, a natureza e a gravidade da infração e os danos que dela provierem para o serviço público (art. 128 da Lei nº8.112/90).41 É possível então perceber que o poder disciplinar, enquanto manifestação do princípio da hierarquia,comporta limites, sobretudo quanto à forma e condição para sua utilização no âmbito da relação processual disciplinar. Não se presta a arbítrios, violências ou perseguições no ambiente de trabalho público, vez que o ato administrativo disciplinar, conformado a partir dos fortes influxos axiológicos e normativos, necessariamente deve estar, a um só tempo, alinhado com a lei, com os princípios, com a moral e com o interesse público. Nesse sentido, o exercício do poder disciplinar, subjacente que é ao princípio da hierarquia, só adquire legitimidade quando objetiva assegurar a regularidade do serviço público. Para alcançar esse superior objetivo, é necessário e imperioso afastar-se dos sentimentos de impunidade funcional e de injustiça. É nesse sentido que se afirma que o poder disciplinar (e a manifestação de hierarquia) deve ser exercido de modo a assegurar ao servidor acusado decisão alinhada com a pretensão de correção (justiça da decisão). 8.2. Princípio da oficialidade Trata-se do impulso oficial do processo disciplinar por iniciativa da Administração, independentemente de provocação do administrado42. No âmbito administrativo, inclusive no processo disciplinar, o princípio assegura a possibilidade de instauração do processo por iniciativa da Administração, independentemente de provocação do administrado e ainda a possibilidade de impulsionar o processo, adotando todas as medidas necessárias à sua adequada instrução. Nesse sentido, há previsão expressa na Lei nº 9.784/99 como um dos critérios a serem adotados nos processos administrativos, a “impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados”. Em igual sentido, consta previsão no artigo 5º, do mesmo diploma legal,de que o processo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado; por sua vez o artigo 29 contém a determinação de que as atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realiza-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. Registre-se, destarte, que o princípio da oficialidade autoriza a Administração a requerer diligências, investigar fatos de que toma conhecimento no curso do processo, solicitar pareceres, laudos, informações, rever os próprios atos e praticar tudo o que for necessário à consecução do interesse público. Vê-se que a oficialidade está presente no poder de iniciativa para instaurar o processo, na fase de instrução do processo e na revisão de suas decisões. Dito doutra forma, a Administração Pública em todas as fases do processo pode agir por impulso oficial. No âmbito do processo disciplinar, por exemplo, resta evidenciado que a administração encontra-se, independente da vontade ou manifestação do interessado, autorizada a instaurar procedimento disciplinar e levar a cabo sua instrução, agindo por impulso oficial em todas as fases do processo, independente da vontade do interessado ou mesmo do próprio servidor, resguardado, por óbvio, a ampla defesa e o contraditório. 8.3. Princípio do Informalismo (ou formalismo moderado) O princípio do informalismo – sendo que alguns autores defendem que se trataria na verdade de um formalismo moderado – traduz-se na ideia que o processo disciplinar, diferentemente do que ocorre de regra no processo judicial, não estaria adstrito à observância estreita de aspectos formais, salvo quando essenciais à higidez e validade de determinado ato processual. Em razão desse princípio, dispensam-se ritos rigorosos e formas solenes para o processo disciplinar, o qual reconhecidamente se caracteriza pela flexibilidade e menor formalismo que o processo judicial. Necessário destacar, contudo, que o informalismo – ou até mesmo o formalismo moderado – não pode servir de pretexto para a existência de um processo disciplinar mal estruturado, sem obediência a cronologia e concatenação lógica dos atos praticados. Também não se confunde com rigor técnico, vez que o fato de não precisar ter obediência estreita a aspectos meramente formais, não implica dizer que autorizado estaria o descuido com o rigor técnico e cientifico dos provimentos oriundos do processo disciplinar. Por tudo até aqui estudado, mormente as mudanças de paradigma por que passa a administração pública frente à uma sociedade complexa e pluralista, torna-se ainda mais necessário que os provimentos decorrentes do processo disciplinar, sobretudo porque entendemos tratar-se de atividade substancialmente jurisdicional, em nada, por essência, distinguindo da tutela jurisdicional (do Poder Judiciário), há que se aproveitar a menor preocupação com os aspectos de mera formalidade, para concentrar esforços no sentido densificar com o devido rigor cientifico os provimentos substancialmente jurisdicionais exarados no âmbito do processo disciplinar. Não por acaso, em processo disciplinar encontra-se pacificado o entendimento de que, desde que não haja substancial prejuízo para a defesa, não há que se falar em nulidade por inobservância de mera formalidade, decorrência do princípiopas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo). 8.4. Princípio da Atipicidade A tipicidade enquanto noção fundamental do direito penal decorre do postulado nullum crimem, nula poena sine lege43. Basicamente, traduz a ideiade subsunção de uma determinada conduta à hipótese prevista na lei penal. Assim, para que haja crime é necessário que a conduta seja prevista com precisão na lei, melhor dizendo, é preciso que exista absoluta correspondência entre a hipótese prevista na lei (tipo penal) e o fato cometido pelo agente. O rigor do direito penal, no tocante à tipicidade, não possui correspondência no direito disciplinar, o qual, em regra, adota o princípio da atipicidade, restando à análise dos enquadramentos frente às condutas descritas, comportando uma sensível margem ao operador do direito disciplinar, de modo que ainda que não haja uma perfeita correlação entre ‘tipo disciplinar’ e ‘fato’, será possível apurar eventual responsabilidade do servidor supostamente faltoso. Essa margem de ação, distintamente do que ocorre no direito penal, é característica do princípio da atipicidade, não havendo necessidade de uma perfeita correlação entre a previsão legal do ilícito disciplinar e a incidência do fato necessário de apuração. Ou seja, a atipicidade, que não deve ser confundida de nenhuma forma com insegurança jurídica, por conta de sua natureza que permite conformação, adaptando-se, dentro dos parâmetros legais, ao fato em apuração, possibilita que aquele fato seja alcançado por uma previsão normativa que melhor dele, naquele caso e circunstância específica, se aproxima, Lembro-lhes que regimes disciplinares preveem um elenco de hipóteses configuradoras de faltas disciplinares, em regra de conceituação genérica. O objetivo é ter um maior alcance, abrangendo um maior número de casos, dando, assim, azo a característica atípica da infração disciplinar. Em face da generalidade das infrações disciplinares, a aplicação da sanção disciplinar deve levar em conta os princípios jurídicos, sobretudo os princípios da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade, motivação, impessoalidade, segurança jurídica e finalidade. 8.5. Princípio da Precaução Pouquíssimos são os autores que reconhecem o principio da precaução fora do direito ambiental. O princípio da precaução ganhou dimensão na União Europeia com o Tratado de Maastricht, notadamente em relação aos imperativos no âmbito do meio ambiente. O mencionado princípio guarda estreita relação com a ideia de riscos, tendo por escopo minorar a probabilidade de prejuízos. No cenário disciplinar pátrio, tem como maior defensor de sua aplicabilidade o professor Léo da Silva ALVES.44 Nas fileiras do processo administrativo disciplinar não é incomum encontrar situações em que se exige cautela da Administração Pública. Um expediente mal conduzido, com avaliação equivocada de mérito ou ausência de segurança jurídica pode conduzir o poder público a uma aventura. O princípio da precaução deve informar a ação estatal em dois casos: de incerteza científica ou diante de incerteza jurídica. Note-se que se bem empregado, o princípio da precaução pode ter grande utilidade na administração pública, auxiliando o administrador e seus agentes a agir com maior cautela, evitando decisões açodadas, que mais complicam e dificultam diante de uma situação ou ambiente de incerteza. A administração pública, até mesmo porque não possui a natureza de resolutividade definitiva, característica em nosso ordenamento do poder judiciário, diante de um cenário de incerteza técnica ou jurídica não deve agir açodadamente, sobretudo quando houver meios adequados para em prazo razoável superar as dúvidas existentes. Sustento que a administração pública, conquanto dela se espere um alto grau de profissionalismo e qualidade em suas ações, não é uma máquina, havendo em sua linha frente servidores que precisão ter a segurança e cautela necessária para atuar nas estreitas balizas impostas pelo complexo sistema normativo que rege a atuação do Estado. Destarte, havendo margem para dúvidas, diante de incertezas sérias e razoáveis (e só assim!), recomenda-se, em nome do princípio da precaução, de forma a minorar os riscos, retardar a pratica do ato ou decisão administrativa, para que em tempo razoável se alcance melhor certeza acerca do ponto gerador de dúvida séria e insegurança em grau elevado. 9. Considerações Finais O presente estudo objetivou realizar uma abordagem acerca dos mais importantes princípios que tem correlação e forte incidência no âmbito do processo administrativo disciplinar, tentando, a um só tempo, identificá-los, analisá-los e ordená-los de forma lógica e sistematizada, garantindo maior precisão na identificação da importância e vitalidade que os princípios estudados revelam, por força do conjunto de comandos constitucionais subjacentes, na relação com o ambiente do processo disciplinar brasileiro. Certamente que a configuração de todos os aspectos dos princípios acima delineados exigiria exposição mais aprofundada, Na verdade, cada um dos princípios, aqui vistos em linhas gerais, comportaria, a rigor, um trabalho acadêmico e ainda assim teríamos o risco de não analisarmos com a argúcia necessária, sobretudo frente à densidade, complexidade e riqueza do tema proposto. Mesmo assim, nos aventuramos nessa viagem, ainda que brevíssima, justamente por acreditar na força cogente decorrente dos comandos dos princípios jurídicos, notadamente em nosso atual estágio do ordenamento jurídico, que tem na Constituição a força e a unidade central do sistema, espraiando seus influxos por todo o sistema jurídico. Os princípios aqui mencionados, por óbvio, não esgotam o rol dos postulados que influenciam a administração pública. O elenco aqui analisado, em nosso sentir, apenas traduz aqueles que, numa visão da praxe administrativa, guardam maior relação com a processualística disciplinar, na medida em que dimensionam fortemente esse sub-ramo do direito, influenciando-o de forma determinante a partir dos valores e dos padrões axiológicos que a todo o momento impactam o direito disciplinar, em seu ambiente processual. A importância dos princípios, conforme alinhavamos alhures, traduz-se na ideia de que seriam, além de alicerces, noutra perspectiva, verdadeiras chaves do sistema jurídico. Permitiriam, enquanto “chaves”, a abertura de qualquer porta, na verdade, de qualquer obstáculo que se coloque entre o operador, o edifício normativo e suas compartimentações. Esse olhar permite a qualquer operador do direito desenvolver o que denomino de raciocínio jurídico, sem o qual não há como sobreviver no universo jurídico, que se a primeira vista se revela complexo, quando visto à luz dos princípios que o rege, mostra-se, senão simples, de forma menos complexa, permitindo ao operador caminhar pela estrutura do sistema de forma mais segura, encontrando as saídas (e também as entradas) para os corriqueiros dilemas do direito. Nosso esforço, então, revela-se nessa caminhada, no sentido de auxiliar aqueles que atuam nos processos disciplinares nos mais variados órgãos de nosso país, de, ao menos, contribuir com um atalho, para tentarmos alcançar as “chaves” do nosso pensamento (raciocínio) jurídico, desenvolvendo-o, no âmbito da administração pública, sempre à luz do bom propósito, o fim maior da administração pública, baseado na ideia central do bem servir a coletividade, visando o interesse público e a pretensão de correção dos provimentos decorrentes da relação jurídica processual disciplinar.
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A Ausência de Responsabilidade da União por Erro Ocorrido em Hospital Privado Credenciado pelo SUS
o presente artigo objetiva demonstrar a atual orientação da jurisprudência do STJ a respeito da responsabilidade por erro ocorrido em hospital privado credenciado ao SUS, apresentando, ainda,a posição da Corte no passado.
Direito Administrativo
Introdução. A saúde constitui direito social e, portanto, está elencada entre os direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil. Com efeito, o direito à saúde emana do art. 6º da Carta Magna, localizado topograficamente no Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) do Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”). As disposições atinentes à saúde são especificadas a partir do art. 196 do Texto Maior. É a partir desse importante dispositivo que se conclui pela solidariedade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços e no fornecimento de produtos que se destinem à preservação da saúde da população e à erradicação dos males que possam afetá-la. No entanto, embora seja obrigação de todos os entes federados a garantia da saúde, é preciso perquirir se a responsabilidade por erro médico ocorrido no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS também se estende, de modo indistinto, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Esse é o objeto do presente artigo. 1. O Sistema Único de Saúde – SUS. A fim de dar cumprimento ao dever dos entes federados de prover a saúde da população, a Constituição da República estabelece, em seu art. 198, que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (…)”. O referido sistema, continua o dispositivo em questão, é organizado de acordo com certas diretrizes, a saber: (a) descentralização; (b) atendimento integral; e (c) participação da comunidade. Por descentralização, entende-se a existência de direção única em cada esfera de governo. O atendimento integral impõe que o SUS dê cobertura a todos os eventos que importem risco ou prejuízo à saúde, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais. Por fim, a participação da comunidade é exigência das mais salutares, pois permite que os próprios destinatários das ações de saúde opinem sobre o modo de implementá-las. Com o escopo de dar cumprimento à missão constitucional dos entes federados, foi editada pela União a Lei 8.080/90, que, como se depreende de sua própria ementa, “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”. Apelidado de Lei do SUS, o diploma normativo em questão apresenta, entre outras disposições, regras atinentes à organização do Sistema Único de Saúde. 2. Responsabilidade Solidária no Fornecimento de Medicamentos. A partir do disposto no art. 196 da Constituição Federal, cujo conteúdo é repetido, conquanto com outras palavras, no art. 2º da Lei 8.080/90, passaram a doutrina e a jurisprudência a entender que os entes federados são solidariamente responsáveis pelo fornecimento de medicamentos aos indivíduos que deles necessitam. Isso significa que o sujeito tem como direito exigir de quaisquer deles o fármaco indispensável à manutenção ou recuperação de sua saúde. À guisa de ilustração, se José, morador de Vitória, no Espírito Santo, não consegue obter determinado medicamento nos locais designados pelo SUS, pode valer-se de uma demanda judicial para compelir qualquer dos três entes federados envolvidos (Município de Vitória, Estado-membro do Espírito Santo ou União) afornecê-lo. Mais do que isso, se entender conveniente, João pode até mesmo alocar no polo passivo, a um só tempo, os três entes, ou qualquer combinação entre eles. Tal interpretação, hoje unânime nos Tribunais, decorre do fato de ser a saúde dever do Estado, como salienta o supracitado art. 196 da Constituição. Ora, como o Poder Constituinte não fez nenhuma distinção, não cabe ao intérprete distinguir, de modo que “Estado” deve ser entendido em sua acepção mais ampla, como Poder Público. Evidentemente, não se trata dos Estados-membros (de que são exemplos o Acre, o Ceará, o Mato Grosso, o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul – para não deixar de fora nenhuma Região do País). Fosse essa a intenção do Poder Constituinte, teria evidentemente deixado expressa a restrição. Além disso, o art. 198, § 1º, da Carta Magna, estipula que o SUS será financiado com recursos de todos os entes federados, a reforçar a exegese ampliativa. Portanto, quanto ao fornecimento de medicamentos, não resta dúvida: trata-se de dever constitucional que incumbe de modo indistinto e solidário à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Nesse sentido, mencione-se, a título de exemplo, o seguinte julgado, do Superior Tribunal de Justiça – STJ (grifos do autor): “(…) II. Conforme a jurisprudência do STJ, ‘o funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS é de responsabilidade solidária da União, estados-membros e municípios de modo que qualquer destas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no polo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros’ (STJ, AgRg no REsp 1.225.222/RR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/12/2013). (…)” Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 717593/PR. Segunda Turma. Relatora: Ministra Assusete Magalhães. Julgado em 13/10/2015. 3. Responsabilidade por Erro Ocorrido em Hospital Privado Credenciado pelo SUS. Imagine-se a seguinte situação hipotética: José, morador de Vitória, no Espírito Santo, é submetido a uma cirurgia para retirada do apêndice, em hospital privado credenciado pelo SUS. Durante o procedimento, o médico esquece um objeto qualquer no interior do corpo do paciente (por exemplo, um pedaço de gaze). Meses mais tarde, depois de resistir a intensas dores, José descobre a origem de seu sofrimento. Pergunta-se: qualquer um dentre os três entes federados responsáveis pelo SUS no local (União, Estado-membro do Espírito Santo e Município de Vitória) pode figurar no polo passivo de demanda judicial visando à reparação dos danos causados a José? Convocado a se manifestar sobre o tema, o STJ, inicialmente, respondia negativamente à referida indagação. Segundo a Corte da Cidadania, a legitimidade passiva nas ações de indenização por falha em atendimento médico ocorrida em hospital privado credenciado no SUS caberia ao Município, visto que, de acordo com a Lei 8.080/90, a ele incumbe a responsabilidade pela fiscalização do mencionado nosocômio. Nesse sentido era o posicionamento tanto da 1ª Turma (Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial 1218845/PR, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado em 03/05/2012) como da 2ª Turma (Recurso Especial 1162669/PR, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, julgado em 23/03/2010). Ocorre que, posteriormente, a 1ª Turma alterou seu entendimento, passando a afirmar que, sendo o funcionamento do SUS de responsabilidade solidária da União, dos Estados-membros e dos Municípios, qualquer um desses entes teria legitimidade para figurar no polo passivo de demandas envolvendo tal sistema, inclusive as indenizatórias decorrentes de erro médico ocorrido em hospitais privados conveniados (Recurso Especial 1388822/RN, de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 16/06/2014). Parecia, assim, que o STJ havia mudado completamente o rumo de sua jurisprudência sobre o assunto. O novo entendimento, evidentemente, era mais favorável à população, uma vez que os prejudicados por falha médica podiam voltar sua pretensão ressarcitória e compensatória não só contra o Município responsável pelo credenciamento do hospital privado, mas também contra o Estado-membro respectivo e a União. Todavia, instada a se pronunciar a propósito, a 1ª Seção do STJ (Embargos de Divergência em Recurso Especial 138822/RN, de relatoria do Ministro Og Fernandes, julgado em 13/05/2015) concluiu que a União não é parte legítima nas demandas em questão. Para a Corte, não estariam presentes, com relação à União, os elementos que suscitam a responsabilidade civil, uma vez que a Lei 8.080/90, em seu art. 18, inciso X, estabelece que compete ao Município celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução. Com efeito, para a caracterização da responsabilidade civil das pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos, exige-se a presença cumulativa dos seguintes pressupostos, tomando-se como base o art. 37, § 6º, da Constituição Federal: (a) conduta; (b) dano; e (c) nexo causal. Não se exige a culpa, uma vez que, superadas as Teorias da Irresponsabilidade do Estado, da Responsabilidade com Culpa e da Culpa Administrativa, passou-se a abraçar a Teoria da Responsabilidade Objetiva, que dispensa justamente o referido elemento. Pois bem. A conduta, atribuída ao Poder Público, pode ser comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima. Exige-se apenas que tenha sido levada a efeito por agente do Estado. Esse agente pode até não estar no exercício de suas funções, desde que atue a pretexto de exercê-las. O dano, por sua vez, pode ser moral ou material, e deve ser comprovado pelo prejudicado. Por fim, o nexo causal consiste no liame entre os dois pressupostos anteriores (conduta e dano). Em outros termos, deve ficar claro que o prejuízo causado ao particular decorre da ação ou omissão do Poder Público. Sendo assim, o STJ, hoje, considera que não se pode confundir a obrigação solidária dos entes federados quanto à obrigação de assegurar o direito à saúde com a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros. Nesta última, o dever de indenizar sujeita-se à comprovação da conduta, do dano e do nexo causal. Ora, no caso de dano causado em hospital particular credenciado pelo SUS, não existem os elementos que autorizam a responsabilidade da União, haja vista que a conduta não foi por ela praticada, já que cumpre à direção municipal credenciar, controlar e fiscalizar os nosocômios privados no âmbito do Sistema Único. Se não há conduta, obviamente nem se faz necessário aferir se os dois outros pressupostos estão presentes, visto que eles são cumulativos. 4. Conclusão. Atualmente, prevalece o entendimento segundo o qual a União não possui responsabilidade por erro ocorrido em hospital privado credenciado pelo SUS. Essa é a orientação da 1ª Seção do STJ, firmada em embargos de divergência em recurso especial, no ano de 2015. A posição da Corte se baseia nos elementos necessários à configuração da responsabilidade civil do Estado, a saber: (a) conduta; (b) dano; e (c) nexo causal. Como, no caso, não há conduta a ser imputada à União, não se pode dizer que estejam presentes os pressupostos do dever de indenizar por parte do referido ente. A obrigação recai, portanto, sobre o Município, que possui competência para celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, nos precisos termos do art. 18, inciso X, da Lei 8.080/90 – Lei do SUS.
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A inversão de fases no processo licitatório
Observando a grande demanda da Administração Pública em licitar, e as inovações procedimentais trazidas pela Lei n. 10.520, de 17 de Julho de 2002, que instituiu a modalidade de licitação denominada pregão para a aquisição de bens e serviços comuns, constata-se que a simplificação do processo trazida na forma da inversão de fases, se aplicada às demais modalidades, pode ser extremamente benéfica à Administração, pois acelera os procedimentos e os torna mais eficientes. Ainda, algumas normas específicas de licitação e contrato administrativo trazem a possibilidade de inverter as fases procedimentais, especialmente a Lei Baiana de Licitação e Contrato, e servem de alento às mudanças às normas gerais, caso o tema retorne ao debate legislativo federal.
Direito Administrativo
1. Introdução Este artigo foi concebido para analisar o fenômeno da inversão de fases no processo licitatório e suas benesses à atividade pública voltada a aquisição de bens e serviços. A concepção benéfica de tal fato é abstraída da comprovada eficiência obtida por aqueles institutos jurídicos que o viabilizaram, envolvendo a Administração Pública em uma possibilidade de modernização dos seus mecanismos de contratação. Após a leitura de diversas vozes doutrinárias que explicam o processo estabelecido pela norma geral de licitação, o tópico intitulado Processo licitatório disserta acerca de todo o procedimento concebido pela Lei n. 8.666/93, detalhando cada etapa que o compõe, a se ver: publicação do edital, habilitação, julgamento, homologação e adjudicação. Discorrer pormenorizadamente as fases se faz essencial para que, quando da análise da modalidade pregão, fiquem explícitos os motivos comprovam sua celeridade, pela simples inversão de uma etapa por outra. Para isso, alicerça o início da discussão pretendida com o exame da Lei do Pregão, que instituiu a modalidade e abriu espaço para que outros ordenamentos se aproveitassem do fenômeno. O tópico seguinte trata da inversão em si, dividindo-se em subtópicos que alavancam o debate. O primeiro subtópico discute a principiologia que motiva a inversão, através do sopesamento dos princípios da legalidade e da eficiência,afirmando aquele princípio intrínseco da supremacia do interesse público em sua plenitude. Para tanto, observa os entendimentos doutrinários divergentes que acaloram o tema. O segundo levanta uma noção que deve ser levada em consideração para a aplicabilidade do fenômeno nas demais esferas da Administração, que não a federal: a natureza jurídica da Lei de Licitações e Contratos. Sendo norma geral, e não procedimental, a Lei n. 8.666/93 não obriga em seu procedimento; apenas norteia aqueles que não positivaram acerca de licitações e contratos em seu âmbito de pessoa pública-política. Assim, conecta-se ao subtópico seguinte, que analisa a Lei Baiana de Licitações e Contratos. A Lei Baiana trouxe em seu corpo a inversão de fases como algo viável, de forma muito inovadora, vez que foi uma das primeiras legislações a romper com o procedimento arcaico da lei federal. Isto porque permitiu a ocorrência do fenômeno para todas as modalidades de aquisição de bens e serviços pelo Estado da Bahia. Enquanto legislação vanguardista, a Lei n. 9.433/05 foi fundamental para a composição do Projeto de Lei n. 7.709-A, que tencionou reforma a Lei Geral de Licitações (LGL), incluindo a possibilidade de inversão de fases no procedimento por si previsto, conforme dissertação no último subtópico. Apesar de arquivado, o Projeto renovou a expectativa de modernização da forma genérica de licitar. Enfim, a conclusão a que este trabalho chega justifica-sepela previsão de tal inversão em outras normas gerais, em especial a Lei do Pregão, que trouxe-a ao Direito Positivo pátrio, demonstrando não haver qualquer mácula ao previsto pela norma antiga. E objetiva transposição do fenômeno àquela lei genérica citada, afim de que as demais modalidades possam beneficiar-se de sua desburocratização e celeridade, fomentando uma prestação de qualidade, e eficiente ao máximo. 2. Processo licitatório A necessidade da Administração Pública, afigurada nas suas entidades, de realizar obras e serviços, fazer compras e alienar bens levou a criação do instituto da licitação para efetivar seus contratos. Isto porque, em atenção ao princípio do interesse público, os contratos administrativos devem estar eivados da mais pura legalidade, em sua leitura mais hermética, e da moralidade exigida ao administrador. Neste sentido, caso a contratação estatal estivesse ao alvedrio da autoridade administrativa, sem qualquer cominação legal ou atendimento de padrões e princípios reguladores, a sociedade retornaria a um estado de insegurança jurídica, tal qual aquele imaginado por Hobbes em seu Leviatã, em que cada um perseguirá apenas o interesse particular, sobrepujando o coletivo, dirigido através do denominado interesse público. Hely Lopes Meirelles[1] conceitua licitação: “[…] é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Visa propiciar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o Poder Público, dentro dos padrões previamente estabelecidos pela Administração, e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. É o técnico-legal de verificação das melhores condições para a execução de obras e serviços, compra de materiais e alienação de bens públicos. Realiza-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, sem a observância dos quais é nulo o procedimento licitatório, e o contrato subsequente.” Assim, foi necessária a positivação das normas de regência do processo licitatório, que hoje tem a forma da Lei n. 8.666/93. Esta regulamenta o tanto quanto estabelecido como normas gerais que devem ser observadas pelos entes licitantes. Àquelas colunas legislativas, cabe a criação de leis específicas, a se ver a Lei estadual n. 9.433/05, que regulamenta os procedimentos licitatórios no âmbito do estado da Bahia. Em concorrência a esta positivação, toda e qualquer licitação deve se prestar à obediência dos princípios regentes dos atos administrativos. Afinal, não é ato administrativo, na sua forma complexa? Neste recorte, deve, portanto, atender aos preceitos constitucionais previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal[2], que são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Importante fixar na memória tais princípios, pois aquele da eficiência será primordial àquilo discutido em tópico adiante. Agora, cabe analisar o conteúdo procedimental das licitações sob um ponto de vista crítico, levando em conta a possibilidade de modifica-lo para melhor atender ao interesse da Administração e facilitar a contratação com todo e qualquer interessado. 2.1. À luz da norma geral Em seu texto, a Lei n. 8.666/93, em seu art. 22[3], trata das seguintes modalidades de licitação: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão.Como comenta Marçal Justen Filho[4], estas modalidades representam diversas formas de regular o procedimento de seleção, variando o grau de complexidade de cada fase do procedimento e sua destinação. O procedimento básico de toda e qualquer modalidade de licitação prevista na Lei de Licitações e Contratos Administrativos segue a previsão determinada pelo art. 43[5], in verbis: “Art. 43.  A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: I – abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos concorrentes, e sua apreciação; II – devolução dos envelopes fechados aos concorrentes inabilitados, contendo as respectivas propostas, desde que não tenha havido recurso ou após sua denegação; III – abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes habilitados, desde que transcorrido o prazo sem interposição de recurso, ou tenha havido desistência expressa, ou após o julgamento dos recursos interpostos; IV – verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis; V – julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital; VI – deliberação da autoridade competente quanto à homologação e adjudicação do objeto da licitação.[…] § 4o. O disposto neste artigo aplica-se à concorrência e, no que couber, ao concurso, ao leilão, à tomada de preços e ao convite.[…]” O texto é claro quanto à aplicabilidade de suas disposições às demais modalidades de licitação que não a concorrência, obviamente levando em valia o grau de complexidade que se fizer necessária para a melhor contratação. Furtado[6] esclarece em sua obra que a aplicação deve sempre levar em consideração as particularidades de cada uma. Alguns autores entendem que há uma etapa anterior à divulgação do instrumento convocatório, denominando-a fase interna. Nesta estão incluídas a abertura do processo administrativo que ensejará a autorização para licitar, indicando o objeto e também o recurso a ser utilizado na despesa, seguindo os ditames do art. 38 da referida Lei. Superada esta etapa, tem-se a divulgação do ato convocatório, que denominam fase externa. Caracteriza a licitação em si, quando os interessados iniciam os movimentos dirigidos à contratação com a Administração Pública.É costumeiramente dividida nas seguintes fases: edital, habilitação, classificação, homologação e adjudicação, que compõem a modalidade concorrência, parâmetro para as demais. O edital equivale ao ato inaugural do processo, indicando todas as regras e prazos a serem observados pelos interessados para a adequada tramitação do processo, além, claro, de definir o objeto da contratação almejada.A definição do objeto deve pautar-se na clareza e precisão, uma vez que, como Celso Antônio Bandeira de Mello[7] ensina, “é requisito insuprimível do edital, pois só a partir dela são possíveis ofertas que respondam ao que a Administração efetivamente pretende.”Além disso, qualquer alteração que seja formulada, e consequentemente reflita na confecção das propostas oferecidas pelos interessados, exige a devolução de prazo para que estes se adequem aos novos ditames. Isto também permite que aqueles que não ingressaram no processo anteriormente, por considerarem-se ineptos ou qualquer outra motivação que não os condicionassem à disputa, ou mesmo que não os incentivasse, possam adentrar e participar do certame. Cumprida esta fase, parte-se para a habilitação ou qualificação dos concorrentes. Esta etapa verifica a capacidade de cumprir minimamente aquilo considerado indispensável para o eficaz cumprimento das obrigações, exigido no inciso XXI do art. 37, CFRB[8]. Isto porquetodos aqueles que concorrem devem apresentar documentação que demonstrem sua capacidade técnica, jurídica e econômico-financeira, sendo o máximo exigível aquele mínimo necessário para comprovar sua qualificação e idoneidade, para enfim tornarem-se licitantes, conforme aduz Dallari em sua obra[9].Para tanto, a Lei Geral de Licitações determina os documento necessários para a habilitação, em seu art. 27[10]: “Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I – habilitação jurídica; II – qualificação técnica; III – qualificação econômico-financeira; IV – regularidade fiscal e trabalhista; V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.”  Assim, a habilitação técnica compreende a aferição das condições pessoais do licitante, para eliminar aqueles que não apresentam os requisitos necessários para caracterizá-los nos ditames do edital promulgado acerca de sua técnica para cumprir o futuro contrato, sem que para isso incida qualquer critério avaliativo.Isto porque é dever do administrador salvaguadar o interesse geral, pela avaliação prévia acerca da idoneidade dos candidatos, conforme os doutrinadores Guimarães e Moreira[11]. A habilitação jurídica afere a regularidade do licitante para obrigar-se com a Administração Pública, eliminando aqueles que estejam suspensos ou impedidos de contratar, seja em decorrência de sanção administrativa ou de decisão judicial. É demonstrada através de declaração negativa de existência de impedimento. Além desta declaração, o referido artigo traz ainda a necessidade de comprovação da regularidade fiscal e trabalhista. A intenção deste dispositivo é garantir a segurança da Administração Pública quanto à possibilidade de incidentes que maculem o contrato firmado com o licitante vencedor, caso este não arque com seus deveres empresariais. Por último, a habilitação econômico-financeira tem por utilidade verificar a capacidade do licitante em arcar com os ônus do contrato futuro, através da aferição de índices contábeis. Esta capacidade decorre do disposto no art. 31 da LGL[12], vez que o pagamento pela Administração Pública é posterior à execução do quanto contratado. O efeito jurídico desta fase é aquele que, além de atribuir a qualidade jurídica de licitante, concede-lhe o direito ao exame de suas propostas, como entendido por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello[13]. Ao final da etapa qualificatória, quando os licitantes, pela disposição do art. 43, §6º da Lei n. 8.666/93[14], estarão impedidos de desistir, inicia-se a fase de maior importância ao interesse público: o julgamento das propostas. Meirelles[15] conceitua a fase como: “[…] ato pelo qual se confrontam ofertas, classificam-se os proponentes e escolhe-se o vencedor, a quem deverá ser adjudicado o objeto da licitação, para o subsequente contrato com a Administração. Esse julgamento não é discricionário; é vinculado ao critério fixado pela Administração, levando em conta, no interesse do serviço público, os fatores qualidade, rendimento, preço, condições de pagamento, prazos e outros pertinentes à licitação, indicados no edital ou no convite. É o que se denomina julgamento objetivo. (arts. 3º e 45)” Tal julgamento objetivo é expresso no caput do art. 45 da Lei Geral de Licitações[16], cominado à conformidade com os critérios de classificação previstos no edital.Em sua obra, Dallari afirma que as propostas são analisadas sob os aspectos da Viabilidade x Vantagens para a Administração Pública[17]. Ainda, cita o ilustre Marcello Caetano, para quem as propostas viáveis devem ser sérias, firmes e concretas[18], acrescentando a estes requisitos a estrita conformidade com as cláusulas do instrumento de abertura. O autor ainda esmiúça os requisitos afirmados pelo outro, a se ver: a proposta séria é aquela perfeitamente exequível, sem expectativa de resultado duvidoso; firme como sendo a proposta inalterável; e concreta por não haver vantagens indefinidas nem promessas de fornecimento ou utilização de determinado material ou “similar”[19]. Contudo, o grande critério de classificação corresponde à proposta mais vantajosa, que, mais uma vez, Meirelles[20] conceitua: “[…] é a que melhor atende ao interesse do serviço público. Nem sempre será a de menor preço, pois este fator, que já fora decisivo no sistema anterior, cedeu lugar para as vantagens da técnica. A proposta mais vantajosa será, portanto, aquela que melhor servir aos objetivos da Administração, dentro do critério de julgamento preestabelecido no edital.” Dito isto, a Lei n. 8.666/93 estabelece como critérios de julgamento os seguintes: menor preço, melhor técnica, técnica e preço, e melhor lance ou oferta, eleitos de acordo com a necessidade ou o tipo de contratação que envolve o objeto licitado.A Comissão de Licitação deve atentar ao disposto no art. 48 da LGL[21], para, de pronto, desclassificar as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório, especialmente. Todavia, a aplicação do critério julgador pode ser mitigada em benefício da própria Administração, no sentido de sanar os vícios reparáveis, segundo entendimento do Tribunal de Contas da União, na Decisão 570/92 citada por Furtado[22]: “[…] o rigor formal não pode ser exagerado ou absoluto. Conforme adverte o já citado Hely Lopes Meirelles, o princípio do procedimento formal não significa que a Administração deva ser formalista a ponto de fazer exigências inúteis ou desnecessárias à licitação, como também não quer dizer que se deva anular o procedimento ou julgamento, ou inabilitar licitantes ou desclassificar propostas diante de simples omissões ou irregularidades na documentação ou na proposta, desde que tais omissões sejam irrelevantes e não causem prejuízos à Administração ou aos concorrentes.” Hely Lopes Meirelles assim entende em razão da regra utile per inutile non vitiatur, que o Direito francês resume no pas de nulittésansgrief[23]. Após a desclassificação, enfim procede-se pela classificação dos proponentes, atentando àqueles critérios já citados, bem como ao previsto no art. 50 da Lei n. 8.666/93[24].Em caso de empate, são utilizados como critério o conteúdo da Lei Complementar n. 123/2006 e da Lei n. 8.248/91, além do quanto previsto no art. 3º, §2º da LGL[25]. Estabelecido o resultado classificatório, o vencedor é convocado pela autoridade superior do ente licitante para homologação e adjudicação do objeto da licitação. A homologação equivale ao ato de controle interno de verificação da legitimidade do processo licitatório, que em caso confirmativo, ensejará na adjudicação, que é o ato de atribuição do objeto da licitação, para sua consequente contratação. É, nas palavras de Meirelles, ato constitutivo de direitos e obrigações, capaz de produzir efeitos jurídicos[26]. 2.2. A inovação procedimental trazida pela Lei do Pregão A Lei n. 10.520/02 regula a nova modalidade de licitação denominada pregão, para certas situações específicas de contratação de bens e serviços, comoalternativa àquelas disciplinadas pela Lei Geral de Licitações. É uma modalidade que executa-se tanto na forma presencial quanto eletrônica, permitindo a redução do valor das propostas pelos licitantes através de lances sucessivos, sem, no entanto, desvincular-se do edital. O grande aspecto diferenciador desta nova modalidade refere-se à alteração procedimental, que tornaram-no, sem dúvida, muito mais célere que as demais. Tal inovação caracteriza-se pela inversão das fases de habilitação e julgamento. Aberta a sessão do pregão, devem os proponentes apresentar uma declaração de habilitação, para formalizar seu comprometimento com o certame, como meio de coibir aventureiros que não possam arcar com os ônus do objeto. Este item demonstra o interesse em manter a probidade do feito, sem nunca olvidar a celeridade pretendida. Verificadas as propostas, inicia-se a fase de lances, que ensejam no julgamento e classificação das propostas, através da aferição da exequibilidade das mesmas. A proposta vencedora será aquela que ofereceu lance de menor valor e que, ainda assim, possa melhor cumprir o objeto, em conformidade com as planilhas de representação dos custos apresentadas. A habilitação cabe apenas ao proponente vencedor, permeada por algumas características peculiares quanto a sua exigência. Assim, suas condições devem ser definidas quando da fase interna do processo, antes mesmo da publicação do edital. Além disso, a Administração se desobriga de cumprir estritamente aquilo solicitado no art. 27 da Lei Geral de Licitações[27], e reduzindo a burocracia e os ônus enfrentados pelos licitantes. Todavia, a Administração desincumbe-se da análise de todos os documentos apresentados por todos os interessados. Até porque o licitante, ao apresentar aquela declaração ao início do certame, assume a regularidade de sua situação jurídica, técnica e econômico-financeira, sob as penas da lei de responsabilidade. E este fato permite um processo mais célere, sem dúvida. A celeridade alcançada pelo pregão decorre justamente da postergação da fase qualificatória, ora senão porque é quando há o maior ocorrência de recursos, que atrasam o prosseguimento do ato, como bem lembra Furtado[28]. Isto porque, como suscitaJacoby Fernandes[29] em sua obra, são características da modalidade: a limitação de seu uso para compras e serviços comuns; possibilidade de redução do valor da proposta durante a sessão: inversão das fases: e redução dos recursos a apenas um, apresentado ao final do procedimento. Nas modalidades ordinárias, existem ao menos duas fases recursais, o que onera a atividade administrativa e retarda a consecução do objeto do contrato administrativo. 3. A inversão de fases A modalidade instituída pela Lei do Pregão pauta-se na observância daqueles princípios prescritos no art. 37, caput, CFRB[30], mas que traz ao processo licitatório outros de importância valiosa para a consecução do interesse público de forma plena e eficaz, senão os da celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, competitividade justo preço, seletividade e comparação objetiva das proposta, conforme cita Tolosa Filho[31] ao analisar o Regulamento da Licitação na Modalidade Pregão, anexo I do Decreto n. 3.555/00, que a instituiu. O sopesamento de princípios é essencial à compreensão dos benefícios da inversão de fases no procedimento licitatório. Em sua obra, Vera Scarpinella[32] mostra que, no âmbito prático, significa considerável ganho de agilidade, eficiência e rapidez, trazendo economia de tempo e ao processo também.  Ainda, a autora levanta a discussão doutrinária acerca desse benefício, ganhando especial acolhida nas vozes de José Torres Pereira Jr. e Marçal Justen Filho, que inclusive propuseram a inversão como reforma da Lei Geral de Licitações[33]. Por outro lado, cita que Celso Antônio Bandeira de Mello argumenta de forma contrária à inversão por compreender que desacatar o prescrito procedimento tornaria o processo viciado. 3.1. Legalidade x Eficiência Visto o debate, chega-se à conclusão que os entendimentos dos ilustres doutrinadores divergem no tanto que atine aos princípios administrativos da legalidade e da eficiência. Enquanto uns acreditam que alterar a ordem do procedimento figura como agente viciador do certame, outros entendem que, se em prol da celeridade e da eficácia do mesmo, tal alteração não apenas é válida, como devida. Deste modo, cabe analisar pormenorizadamente cada um destes princípios. Primeiramente, cabe definir princípio do direito administrativo, o que José Cretella Jr.[34] realiza com exatidão: “Conjunto de proposições setoriais fundamentais que informam o direito administrativo. Proposições ou diretrizes típicas que se colocam na base do direito administrativo, garantindo a validade dos diversos institutos. […] Os institutos do direito administrativo são informados por princípios próprios, peculiares ao direito administrativo, constituindo o denominado regime jurídico administrativo.” Estes princípios administrativos estão elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal[35], e,além dos aqui discutidos, estão os da impessoalidade, da moralidade, e da publicidade. Voltando aos princípios de interesse, Joel de Menezes Niebuhr[36] dispõe em sua obra acerca do princípio da legalidade: “Ocorre que os agentes administrativos não atuam com liberdade, para atingir fins que reputem convenientes. Ao contrário, eles estão vinculados ao cumprimento do interesse público, uma vez que atuam nos estritos termos da competência que lhes foi atribuída por lei. Em breves palavras, a Administração Pública cumpre a lei; os agentes administrativos exercem competência atribuída por lei, nos termos dela.” Além da definição crua do princípio, cumpre observá-lo de ponto de vista mais crítico. Para isto, Cretella Jr.[37]comenta este princípio: “[…] o que caracteriza o princípio da legalidade, aplicado à Administração, é que ele não exprime apenas submissão desta às regras vigentes. “Este princípio”, escreve Charles Debbasch, “está ligado ao Estado liberal. Significa a sujeição da Administração às regras de direito em vigor. Os particulares têm assim a garantia de que a ação administrativa será conduzida objetivamente e não com parcialidade[…]”. Assim, o processo licitatório, como ato administrativo que é, deve atentar àquilo previsto na norma para que seja válido. Não sendo um fenômeno autorizado pela Lei Geral de Licitações, a inversão de fases não seria possível. Todavia, a Lei do Pregão a autoriza, alavancando a discussão acerca da possiblidade de trazê-la para as demais modalidades, como será discutido em tópico futuro. Havendo previsão legal, não há qualquer vício à legitimidade do certame; porém, o mesmo deixa os holofotes do procedimento para dar espaço a outro de maior valia, que é nada mais que o princípio da eficácia, proposto para revigorara atuação administrativa, muitas vezes tensionada pela aplicação ferrenha do outro. Niebuhr[38]lembra que “o processo de licitação pública deve ser concluído com agilidade, porque a demora também prejudica o interesse público, uma vez que as demandas dele são postergadas.” O autor ainda adverte que as demais modalidades são duramente criticadas por induzirem a processos ineficientes, enquanto o pregão traz eficiência especialmente nos aspectos de preço e celeridade. O doutrinador baiano Paulo Modesto[39] define o princípio da eficiência como: “[…] a exigência jurídica, imposta à administração púbica e àqueles que lhe fazem as vezes ou simplesmente recebem recursos públicos vinculados de subvenção ou fomento, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público.” Portanto, este princípio coaduna-se com a exigência própria da atividade pública, que Ricardo Xavier[40] explica como sendo: “[…] atividade necessariamente racional e instrumental, deve ser voltada a servir ao público, na justa proporção das necessidades coletivas, e por isso, não se pode admitir comportamento administrativo negligente e contra-produtivo que acarrete, assim, numa possível ineficiência. O princípio da eficiência tem como corolário a boa qualidade. A partir da positivação deste princípio como norte da atividade administrativa, a sociedade passa a dispor de base jurídica expressa para cobrar a efetividade do exercício de direitos sociais como a educação, a saúde, segurança, e outros, os quais têm que ser garantidos pelo Estado com qualidade ao menos satisfatória.” Enquanto correspondendo à expectativa de uma boa prestação do serviço, conectada à boa qualidade do mesmo, a aplicabilidade do preceito representa um ganho quando das licitações pública, ora porque estas alcançam seu objetivo de maneira mais firme. Apenas o princípio da legalidade não é suficiente para garantir a efetividade do certame. Pode, inclusive, ser meio de burlar o interesse público, frente à tamanha burocratização procedimental. Outro fator de imensa importância para o alcance do princípio da eficiência, em sua plenitude, é a redução da burocracia enfrentada pelos participantes. Apenas o fato de que a documentação pode ser simplificada, e diminuídas as exigências, permite que o certame seja mais rápido e mesmo oneroso à máquina administrativa, vez que reduz o tempo gasto na conferência de um sem-número de documentos de diversos participantes, mirando apenas aqueles apresentados pelo vencedor com a melhor proposta. 3.2. Norma Geral e Norma Procedimental Outro tópico de grande importância à análise da inversão de fases é a discussão acerca da competência das normas que tratam de licitação. Vez que as Leis que tratam do tema, no âmbito federal, tem caráter genérico, pode-se dizer que são normas gerais, admitindo a competência concorrente pelos demais entes da federação. E Gonzalez[41] as define como: “[…] aquelas que, por alguma razão, convém ao interesse público sejam tratadas por igual, entre todas as ordens da Federação, para que sejam devidamente instrumentalizados e viabilizados os princípios constitucionais de pertinência. A bem da ordem harmônica que deve manter coesos os entes federados, evitam-se, desse modo, atritos, colidências, discriminações, de possível e fácil ocorrência.” Neste sentido, pode-se conceber que tanto a Lei dita Geral quanto a do Pregão são normas gerais. Isto porque ambas, e não apenas elas, dispõem acerca das generalidades pertinentes à licitação. Contudo, não obrigam ao estrito cumprimento procedimental, apenas no que toca à esfera federal. Às demais, permite a promulgação de lei específica, e que possam dispor sobre o procedimento de acordo com as necessidades do ente. Neste sentido, o ilustre Ministro Ayres Brito[42] escreveu: “[…] as normas específicas sobre licitação, quando provenientes do legislador federal, só devem obrigar a própria União (de ADISON DALLARI e ALICE GONZALEZ, ninguém discrepa desse enunciado). A tentativa de subjugar as demais pessoas público-políticas encontra veemente rechaço na vontade objetiva da Constituição, pois a autonomia das pessoas periféricas passa, indeclinavelmente, pela autolegislação em tema de normas específicas sobre licitação. Fixemo-nos, agora na hipotetização contrária. […] desde que tais comandos gerais não se contraponham à normatividade geral do berço federal, tampouco aos princípios gerais e regras diretamente constitucionais, eles passarão pelo filtro da validade jurídica sem a menor retenção de substância. A justificativa para esse fluir sem perda de substância decorre do polivalente princípio do pas de nullitésansgriefe[…].” Caso fossem normas procedimentais, tais quais os Códigos Processuais pátrios, todas as pessoas políticas estariam constrangidas à realização daquele procedimento previsto. Todavia, são meros direcionamentos daquilo esperado para a probidade do certame. As leis específicas estão autorizadas a prever o procedimento na forma que melhor atender ao seu interesse público. Por isso, diversas legislações específicas preveem a inversão de fases e obtêm êxito, especialmente a Lei Baiana, que dá, inclusive, guarida àqueles que defendem a reforma da legislação federal no sentido de admitir o fenômeno para toda e qualquer modalidade licitatória. 3.3. A previsão na Lei Baiana de Licitação e Contrato A Lei n. 9.433/05 foi gerada por doutrinadores de proeminência estadual e referência nacional no tanto referente ao direito administrativo, tais quais Edite Hupsel, Leyla Bianca da Costa e Alzimeri Martins, alicerçados no anteprojeto elaborado por Alice Gonzalez Borges, desenhando-a nos moldes da inovação, para que o procedimento licitatório obtivesse máxima eficácia. Entre as muitas inovações, comparativamente à Lei federal, a Legislação baiana trouxe a inversão de fases do procedimento, fundamentando-a nos êxitos de organismos internacionais como o BID e o BIRD, voltados para a contratação pública entre países estrangeiros. Este elemento garantiu o status vanguardista da legislação estadual, servindo de referência para a revisão da Lei n. 8.666/93. A inversão de fases encontra guarida no art. 78 da referida Lei[43], in literis: “Art. 78 – A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos: I – abertura dos envelopes contendo as propostas de preço; II – verificação da conformidade e compatibilidade de cada proposta com os requisitos e especificações do edital ou convite e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados pela Administração ou por órgão oficial competente ou, ainda, com os constantes do sistema de registro de preços, quando houver, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis; III –  julgamento e classificação das propostas, de acordo com os critérios de avaliação constantesdo ato convocatório; IV –  devolução dos envelopes fechados aos concorrentes desclassificados, contendo a respectiva documentação de habilitação, desde que não tenha havido recurso ou após a sua denegação; V –  abertura dos envelopes e apreciação da documentação relativa à habilitação dos concorrentes classificados nos três primeiros lugares;[…]” Xavier[44] lembra que este fenômeno é autorizado pela lei estadual para todas as modalidades por si instituídas para adquirir bens e serviços, portanto, pregão, concorrência, tomada de preço e leilão. Hupsel e Lima da Costa[45], em seus comentários à Lei, argumentam em prol da inversão de fases no seguinte sentido: “Desde que a alteração do procedimento não venha a pôr em risco a observância dos princípios gerais da Administração Pública – legalidade, publicidade, moralidade, isonomia e eficiência – e os princípios específicos da licitação – generalidade da licitação, ampliação de universo de licitantes, julgamento objetivo, sigilo das propostas, vinculação ao instrumento convocatório, formalismo – a alteração do procedimento, quanto às suas fases, não afronta às normas gerais instituídas pela União.” As autoras apresentam que a inversão é devida e essencial para concretizar o procedimento com maior eficácia. Isto é demonstrado com a permissão para acelerar e desburocratizar os atos que compõem o processo licitatório, permitindo a consecução do objeto por meios mais céleres que aqueles previstos originalmente na Lei federal. 3.4. Projeto de reforma federal O Projeto de Lei n. 7.709/07, parte do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC), que visava a atualização das previsões contidas na Lei n. 8.666/93, incluindo entre as modalidades de licitação o pregão, e que propunha inserir, assim, a possibilidade da inversão de fases em âmbito nacional, no que atine às demais formas de licitar, foi arquivado, em razão do não prosseguimento das votações. Entretanto, encontrou guarida na experiência positiva vivenciada pelo estado da Bahia, especialmente, bem como na de outras pessoas políticas da federação, tal qual São Paulo, Paraná e Feira de Santana. A inversão de fases agregaria a redução de custos, além de objetividade e rapidez ao certame. E como bem reporta Xavier[46]: “[…]a nova norma que entrará em vigor poderá trazer à licitação pública e, consequentemente à Administração Pública, a modernização esperada, incluindo-a na nova realidade que reportada à introdução, para selecionar a melhor proposta de forma mais eficiente possível, e, assim, observar o rendimento, celeridade e perfeição que dele se espera.” Caso retorne aos debates no Congresso Nacional, o Projeto, que ambicionou a reforma da Lei Geral de Licitações, encontra cada vez mais adeptos que enxergam no princípio da eficiência alicerce para a licitação que, sem dúvida, seja mais benéfica ao interesse público, nos parâmetros observados pelo autor citado. Em todo caso, sendo este Projeto levado a cabo ou não, é dever da Casa Legislativa rever os termos da Lei, afim de que o País tenha a norma mais moderna e que melhor atenda suas necessidades. 4.Conclusão Pelo todo exposto, ficou demonstrado que o processo licitatório compõem-se de etapas que podem, sim, ter sua ordem modificada, se para beneficiar a própria máquina administrativa. Isto porque, apesar de justificar a probidade do feito, o procedimento tradicional inibe a rapidez do processo, ora por burocratizar demais a participação dos licitantes, ora por permitir uma infinidade de recursos que visam retardar o julgamento. A inovação procedimental trazida pela Lei n. 10.520/02 abriu vez a que outras legislações previssem a inversão de fases, pois é lei de aplicação federal. Muito embora as normas das demais esferas pudessem prever seu próprio procedimento, antes da criação da nova modalidade licitatória era inimaginável um feito que autorizasse inverter as fases componentes. Para tanto, fez-se essencial o sopesamentodo princípio preponderante do movimento licitatório: o princípio da legalidade, intrínseco ao bom procedimento, em razão da garantia em alcançar o objeto nos ditames legais, dá vez ao da eficiência. Todavia, esta cessão de lugar de destaque não inibe que a legalidade seja aplicada. Pelo contrário. O que ocorre é aplicá-la em razão e proporção da eficiência que o processo licitatório pode obter, com o mínimo de burocracia e oneração da máquina administrativa. Além disso, a norma federal é, como visto, genérica e, por isso mesmo, não obriga que todas as pessoas públicas-políticas sigam sua ordem. Até porque a Lei do Pregão também é norma geral, e não procedimental. Outros ordenamentos preverem um procedimento pitoresco, não contrariando o tanto positivado em âmbito federal, não provocam qualquer prejuízo. Isto pode ser observado com a promulgação da Lei Baiana de Licitação e Contrato, que, de forma vanguardista, dispôs a inversão de fases para toda e qualquer modalidade licitatória. E esta lei alicerçou um Projeto de Leique alteraria a Lei n. 8.666/93, no sentido de também permitir o fenômeno da inversão nos mesmos moldes da lei estadual, modernizando o sistema brasileiro de contratação pública. Portanto, transpor a inversão de fases, fenômeno que encontrou grande êxito em outras esferas administrativas, é primordial para que as licitações federais, ou aquelas realizadas em consonância à Lei Geral de Licitações, alcancem maior eficácia, traduzida na celeridade do procedimento e na desburocratização para os participantes. O que se percebe em impedir a aplicação do fenômeno nas modalidades da Lei n. 8.666/93 é que a modernidade buscada pela Administração Pública para garantir o serviço público de qualidade essencial à sociedade se retarda. Por este motivo, a reforma da Legislação federal é premente para que o processo licitatório alcance sua finalidade sem qualquer desgaste desnecessário e o menos burocrático possível.
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Os órgãos do sistema nacional de trânsito e o exercício do poder de polícia administrativa
O trânsito é um fenômeno que assumiu grande importância e complexidade na sociedade moderna, desta forma a fiscalização e a repressão estatal, através da Polícia de Trânsito, tornou-se cada vez mais presente. O presente artigo aborda a estrutura de todos os órgãos com competência de atuação no trânsito no Brasil, bem como o uso e limite para o exercício do poder de polícia inerente a cada órgão. Utilizou-se de bibliografia dos maiores administrativistas brasileiros como suporte teórico para a construção deste trabalho.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O trânsito é hoje um tema que envolve muitas discussões por parte dos governos em todo o mundo, essas discussões têm como objetivo encontrar meios de tornar o trânsito mais seguro, mais eficaz e melhor para todos. No intuito de regular as atitudes, visando à melhoria das condições do trânsito, os governos lançam mão de uma ferramenta muito importante, o Poder de Polícia de Trânsito. No entanto, diante da possibilidade de ocorrerem abusos ou omissões por parte dos órgãos que venha a fazer uso do Poder de Polícia de Trânsito, torna-se interessante uma investigação mais aprofundada sobre o tema. Faremos uma explanação sobre o trânsito, definindo o conceito do que é trânsito e explicando o Sistema Nacional de Trânsito; também serão descritos um a um os diversos órgãos que compõe o Sistema Nacional de Trânsito, bem como suas competências. Serão abordados ainda os temas infrações de trânsito, penalidades e medidas administrativas.               É interessante saber quais são os órgãos que normalmente fazem uso do Poder de Policia de Trânsito, e de que forma o fazem (normativa ou executiva) e ainda quais são suas competências.  A escolha do tema ocorreu principalmente devido ao fato de o trânsito ser hoje motivo de muitas discussões entre as autoridades, e entre a população em geral. Esta escolha deu-se também pelo fato de o Poder de Polícia ser largamente utilizado na área do trânsito. 1. CONCEITO DE TRÂNSITO O trânsito é algo que envolve muitas definições e que acarreta muitas discussões, sem dúvida é de extrema importância entender o que é trânsito, mas para isso é necessário primeiro ter bem claro o que significa o termo trânsito. O conceito do que seja trânsito está bem descrito logo no 1° artigo da lei 9503/97, CTB – Código de Trânsito Brasileiro – que em seu parágrafo 1° diz: “Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga”. Esta lei prevê as regulamentações para o trânsito, as normas a serem seguidas, as infrações e punições respectivas, bem como define os órgãos que farão uso do poder de polícia administrativa de trânsito. É importante ressaltar que compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, é o preceituado no artigo 22, inciso XI da Constituição Federal de 1988. Devendo ser harmonizada à competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito, conforme estabelece o artigo 23, inciso XII da CF/88. No estudo do CTB, percebe-se claramente a tendência à descentralização ou municipalização do trânsito, através de uma maior liberdade para regulamentação e normatização de situações de interesse local. Encontra amparo legal no artigo 30, inciso I, da CF/88, que diz competir aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local. 2. O PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA DE TRÂNSITO O poder de polícia administrativa de trânsito é o ramo do poder de polícia administrativa que restringe e orienta os comportamentos individuais no trânsito, buscando criar condições para um trânsito coletivo mais seguro, mais ordeiro e mais eficiente. Os órgãos que compõem o Sistema Nacional de Trânsito lançam mão do poder de polícia administrativa de trânsito para regular e inclusive punir indivíduos que venham a ser nocivos à coletividade no trânsito, visando garantir a integridade e a incolumidade física e patrimonial daqueles que fazem uso das vias em território nacional. Cabe lembrar, porém, que o poder de polícia administrativa de trânsito não é absoluto, portanto, não pode suprimir o direito de ir e vir e o direito a propriedade. 3. SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO – SNT O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de entidades das três esferas do poder executivo (federal, estadual e municipal) que tem como objetivo regular e normatizar o trânsito no Brasil. Faz isso por meio de planejamento e desenvolvimento de políticas de trânsito, registro de veículos, formação de condutores, policiamento e fiscalização de trânsito, bem como aplicação de penalidades e adoção de medidas administrativas.   4. COMPONENTES DO SNT O Sistema Nacional de Trânsito é composto pelos órgãos normativos e consultivos: CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito, CETRAN – Conselhos Estaduais de Trânsito e CONTRANDIFE – Conselho de Trânsito do Distrito Federal; pelos órgãos executivos de trânsito: DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito, DETRAN – Departamentos Estaduais de Trânsito e órgãos executivos de trânsito dos municípios; pelos órgãos executivos rodoviários: DNIT – Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes, DER – Departamentos de Estradas e Rodagem e respectivos órgãos municipais; pela PRF – Polícia Rodoviária Federal; pelas Polícias Militares e pelas JARI – Juntas Administrativas de Recursos de Infrações. Cabe ao Presidente da República definir qual Ministério será responsável por coordenar o SNT. Atualmente o Ministério que coordena o SNT é o Ministério das Cidades. 4.1.  Conselho Nacional de Trânsito O CONTRAN é o órgão máximo do Sistema Nacional de Trânsito, é composto por nove pessoas, sendo presidido pelo dirigente do DENATRAN e tendo em sua composição dez representantes de ministérios, sendo: um do Ministério da Saúde, um do Ministério da Educação, um do Ministério dos Transportes, um do Ministério da Defesa, um do Ministério da Ciência e Tecnologia, um do Ministério do Meio Ambiente e um do Ministério que coordena o SNT (neste caso o Ministério das Cidades), um do Ministério da Justiça, um do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e um da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT. As competências do CONTRAN são descritas no art. 12 do CTB. O CONTRAN é um órgão consultivo e normativo; trata-se de um conselho que não tem estrutura física própria, o CONTRAN utiliza as dependências do DENATRAN. O CONTRAN é o responsável por estabelecer normas complementares ao texto da lei (resoluções) visando à uniformidade de procedimentos; solucionar conflitos de competência e circunscrição entre as Unidades da Federação, ou entre estas e a União; julgar os recursos interpostos contra decisões dos outros órgãos do SNT.  4.2. Conselhos Estaduais de Trânsito e Conselho de Trânsito do Distrito Federal Os Conselhos Estaduais de Trânsito (CETRAN) e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRANDIFE) são órgãos consultivos e normativos, assim como o CONTRAN, só que atuam em nível estadual e distrital. Os seus presidentes são nomeados pelos respectivos governadores. As competências dos CETRAN e do CONTRANDIFE são descritas no art. 14 do CTB. Os CETRAN e o CONTRANDIFE são conselhos compostos por alguns poucos membros, assim como o CONTRAN. Não possuem estrutura física própria, utilizam as dependências dos respectivos DETRAN (Departamento Estadual de Trânsito). São responsáveis por estabelecer normas complementares (no âmbito de suas competências); solucionar conflitos de competência entre os municípios; orientar e supervisionar as ações de administração, engenharia, fiscalização e policiamento de trânsito. 4.3. Juntas Administrativas de Recursos de Infrações As Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (JARI) são órgãos recursais com regimento próprio e que funcionam junto aos órgãos executivos de trânsito ou executivos rodoviários. A principal atribuição das JARI é julgar os recursos que serão interpostos por cidadãos que tiverem sido autuados em virtude de cometimento de infração de trânsito. Por meio do decreto 1777/96 o Ministro da Justiça foi autorizado a criar no Departamento de Polícia Rodoviária Federal (DPRF), Juntas Administrativas de Recursos de Infrações, assim, qualquer recurso contra autuação feita por Policial Rodoviário Federal deverá ser apreciado pelas JARI que funcionam junto ao DPRF. 4.4. Departamento Nacional de Trânsito O DENATRAN é o órgão executivo de trânsito da União, ele é o responsável por executar a Política Nacional de Trânsito e por em prática (seja diretamente ou por delegação) as normativas estabelecidas pelo CONTRAN. As competências do DENATRAN são descritas no art. 19 do CTB. O DENATRAN é responsável por criar procedimentos para a aprendizagem e habilitação de condutores e para o registro e licenciamento de veículos; organizar e manter o RENACH (Registro Nacional de Carteiras de Habilitação); organizar e manter o RENAVAM (Registro Nacional de Veículos Automotores); pesquisar os casos onde houver omissão da lei e propor solução ao ministério que coordena o SNT; prestar apoio logístico e financeiro ao CONTRAN, além de administrar o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito-FUNSET. 4.5. Departamentos Estaduais de Trânsito Os DETRAN são os órgãos executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, possuem atribuições semelhantes ao DENATRAN, porém em nível estadual, muitas sendo delegadas por este. As competências dos DETRAN são descritas no art. 22 do CTB. Os DETRAN são responsáveis por realizar a formação de condutores, aperfeiçoamento, reciclagem e suspensão dos mesmos; realizar vistorias de segurança em veículos, emplacar, registrar e licenciar veículos; realizar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas e penalidades previstas no CTB, exceto no caso dos incisos VI e VIII do art. 24, em que a competência para tal é de outros órgãos. O inciso VI trata das infrações de circulação, estacionamento e parada; o inciso VIII trata das infrações de excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos. É importante lembrar que as Circunscrições Regionais de Trânsito (CIRETRAN) são apenas ramificações dos órgãos executivos de trânsito dos Estados, e funcionam como filiais dos DETRAN, tendo as mesmas atribuições destes. Portanto não se confundem com os órgãos municipais de trânsito que serão descritos logo abaixo. 4.6. Órgãos Executivos de Trânsito dos Municípios Os Órgãos Executivos de Trânsito dos Municípios são entidades administradas e mantidas pelas prefeituras. Os seus agentes de fiscalização são os mais conhecidos do público que utiliza as vias urbanas, como por exemplo, os “marronzinhos” na cidade de São Paulo e os “amarelinhos” em Cuiabá. As competências dos Órgãos Executivos de Trânsito dos Municípios são descritas no art. 24 do CTB. Estes órgãos são responsáveis por instalar e operar o sistema de sinalização e os dispositivos de controle viário; realizar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as medidas administrativas cabíveis e aplicar as penalidades de multa e advertência por escrito para as infrações de estacionamento, circulação e parada; autuar e aplicar as medidas administrativas e as penalidades cabíveis às infrações por excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos. Convém lembrar que órgão municipal de trânsito não pode ser confundido com guarda municipal, visto que a existência daquele está prevista na lei 9503/97-CTB e suas atribuições, estritamente na área de trânsito, são descritas no artigo 24 do CTB; enquanto que a criação desta está expressa no artigo 144 da Constituição Federal, sendo que sua criação é destinada para a proteção de bens, serviços e instalações municipais, não tendo atribuições na área do trânsito e sim na área de segurança pública. No Distrito Federal como não há municípios, as atribuições dos órgãos municipais ficarão a cargo do órgão executivo de trânsito, no caso o DETRAN-DF. 4.7. Órgãos Executivos Rodoviários Os Órgãos Executivos Rodoviários podem ser de âmbito federal como o DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes), que substituiu o antigo DNER (Departamento Nacional de Estradas e Rodagem); estadual como os DER (Departamentos de Estradas e Rodagem) e municipal. Estes órgãos atuam no trânsito das rodovias, sendo que suas competências são descritas no art. 21 do CTB. Eles são responsáveis por instalar e operar o sistema de sinalização e os dispositivos de controle viário; arrecadar valores provenientes da escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas; realizar a fiscalização das infrações de excesso de peso, dimensões e lotação dos veículos, bem como autuar os infratores e aplicar as penalidades e medidas administrativas cabíveis; realizar vistoria em veículos que precisem de autorização especial para transitar (AET) e estabelecer os critérios a serem observados para a circulação desse tipo de veículo. 4.8. Polícia Rodoviária Federal A Polícia Rodoviária Federal (PRF) é um órgão de suma importância para aplicação concreta das normas de que dispõem o Código de Trânsito Brasileiro. Apesar de ser o trânsito o seu maior foco, e principal motivo de sua criação, a PRF não se dedica somente ao trânsito. O inciso II do artigo 144 da Constituição Federal define a PRF como órgão de segurança pública e o parágrafo 3° do mesmo artigo diz que a PRF destina-se ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais; além de suas atribuições constitucionais, esta instituição integra o Sistema Nacional de Trânsito. O termo patrulhamento ostensivo é bem mais do que simplesmente fiscalização de trânsito, a PRF realiza também combate ao crime (tráfico de drogas, de armas, de animais e de pessoas), escolta de veículos, atendimento de acidentes, dentre tantas outras. As competências da Polícia Rodoviária Federal na área de trânsito são descritas no art. 20 do CTB. A Polícia Rodoviária Federal é responsável por executar o patrulhamento ostensivo das rodovias federais, com o intuito de preservar a ordem, a incolumidade dos usuários da rodovia e o patrimônio da União e das pessoas; realizar fiscalização de trânsito, aplicar e arrecadar as multas e aplicar as medidas administrativas cabíveis em cada caso; arrecadar os valores decorrentes de escolta de veículos com cargas superdimensionadas ou perigosas; credenciar e fiscalizar os serviços de escolta adotando medidas que visem uma maior segurança desse tipo de serviço. 4.9. Polícias Militares As Polícias Militares (PM) não são órgãos tipicamente de trânsito, criados com intuito de atuar nesta área, mas integram o Sistema Nacional de Trânsito e executam a fiscalização de trânsito através de convênios, os quais podem ser firmados com órgãos executivos de trânsito ou órgãos executivos rodoviários, conforme o inciso III do artigo 23 da Lei 9503/97 CTB: “Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal: III – Executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados.” É importante deixar claro que as Polícias Militares, assim como os outros integrantes do SNT, podem celebrar convênios com mais de um órgão ao mesmo tempo, portanto podem firmar convênios entre si, não importando a esfera federativa de atuação. As atribuições das Polícias Militares na área de trânsito serão aquelas que o órgão com o qual foi firmado convênio delegar. CONCLUSÃO No presente trabalho foi possível entender como ocorre a divisão das competências entre os diversos órgãos de trânsito, podendo assim perceber que todos os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito fazem uso do Poder de Polícia de Trânsito e, portanto, todos estão propensos a cometer abusos quando da utilização de tal poder.
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Reserva do possível versus mínimo existencial:o confronto orçamentário nas políticas públicas sob o viés da concretização dos direitos fundamentais
A efetividade dos direitos fundamentais ocorre por meio de políticas públicas elaboradas e executadas pela Administração Pública, a qual possui discricionariedade para defini-las. Um dos instrumentos para concretização de tais políticas é o planejamento orçamentário, realizado por meio do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual e ainda o Orçamento Participativo.Portanto, diante da omissão ou arbitrariedade do Poder Público, o cidadão poderá demandar política pública judicialmente, ocorrendo assim a intervenção do Judiciário. Não é incomum o Poder Público alegar, diante de direito exigido,a insuficiência de recursos para satisfazer a obrigação. Entretanto, quandoversar sobre mínimo existencial, que seria o mínimo indispensável para garantir vida com dignidade, sua aplicação deve ser imediata. Nesse diapasão, existe a possibilidade de recepcionar a reserva do possível quando não lesaro mínimo existencial, visto que o Judiciário deverá se orientar nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e a consequente análise do planejamento orçamentário.
Direito Administrativo
Introdução Os direitos humanos são aclamados e protegidos internacionalmente, e como impacto deste clamor, garantiu-se no Brasil, por meio de muitas lutas sociais, os direitos fundamentais, agora reconhecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. Direitos que ganharam atenção de diversos doutrinadores no decorrer dos anos, especificamente quanto a dimensão de cada direito e a sua efetividade. Assim, tornou-sedever dos Poderes Executivo e Legislativoa promoção e garantia dos direitos fundamentais, com a implementação por meio de políticas públicas. Debate-se aefetividade dos direitos fundamentais,tema este sempre atual no cotidiano da população brasileira e da ciência jurídica.Todavia, a concretização desses direitos, ainda encontra dificuldades para sua realização, ao passo que, expande-se a judicialização de diversas demandasem áreas da sociedade como saúde e educação. Consequentemente, surgem as discussões envolvendo a legitimidade do Judiciário em intervir nas políticas públicas, visto que por omissão do Poder Público essa intervenção se faz necessária, ao amparo da visão neoconstitucionalista, pela qualo Judiciário deve atuar da defesa da Constituição, não havendo violação à separação dos poderes. Para aprofundamento da discussão, faz-se necessário mencionar a discricionariedade da Administração Pública ao implementar políticas públicas, pois essa discricionariedade contém limites que devem ser respeitados tanto pela Administraçãoquanto pelo Judiciário diante da demanda referente a ato discricionário. Ademais, surge a complexa e polêmica questão quanto aos princípios da reserva do possível e do mínimo existencial, sendo este entendido como o conjunto mínimo de direitos necessariamente efetivados para se manter uma vida digna, e aquele entendido como a insuficiência de recursos disponíveis para concretização dos direitos fundamentais.A partir desse confronto emana a relevância do adequado planejamento orçamentário, tanto para a Administração ao garantir o mínimo existencial, quanto ao judiciário ao analisar a hipótese da reserva do possível, que nem sempre será acolhida. O instituto do planejamento orçamentário é primeiramente adotado no Brasil pela Lei 4.320/64, e posteriormente na Constituição da República de 1988, mas, agora, com uma estrutura mais dinâmica, dividido em Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. A seguir, promulga-se a Lei Complementar 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, que fiscaliza e exige maior eficácia na aplicação e mais compromisso na elaboração do orçamento. Postas essas premissas, antes de entrarmos no problema propriamente dito, é preciso estabelecer algumas considerações preliminares fundamentais para o presente estudo, qual seja,a efetividade dos direitos fundamentais, a Administração Pública e sua discricionariedade nas políticas sociais e a relevância do planejamento orçamentário. 1. Das dimensões e da efetividade dos direitos fundamentais 1.1. Breve Histórico A sociedade mundial evidenciou, nas últimas décadas, a importância dos direitos humanos, de forma a repercutir na sociedade brasileira. Nascidas principalmente na luta contra a ditadura brasileira de 1964, as lutas sociais ganharam forças influenciadas por este consenso mundial, do qual se extraiu que os direitos humanos deveriam ser os princípios fundamentais para uma vida livre, digna e justa em sociedade. Promulgada em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil[1]veio democraticamente atender aos anseios da sociedade brasileira, tendo como escopo os Direitos Fundamentais enraizados nos Direitos Humanos. Nesse sentido Antonio Maués e Paulo Weylsustentam: “A pauta mais importante estabelecida pelas Constituições, para lograrem esse objetivo, são os direitos fundamentais. Ao reconhecê-los como direitos inalienáveis de todos os cidadãos e cidadãs, o Estado incorpora o conteúdo dos direitos humanos ao seu ordenamento jurídico e se compromete a dispor de um conjunto de meios e instituições para garanti-los. Assim, os direitos humanos não são compreendidos como criações do Estado, mas como obra da própria sociedade que, por meio de seus representantes, estabelece os direitos que fundamentam e legitimam o Estado”(MAUÉS; WEYL, 2007, p. 109) Os direitos fundamentais consequentemente têm como essência a proteção e reconhecimento da dignidade humana, pois quando positivados o poder público tem o dever de garantir tais direitos, sendo assim, torna-se limitada e vinculada a liberdade para sua atuação, pois a partir de então o Estado deverá priorizá-los, ao invés das vontades particulares do governo. No dizer de Canotilho citado por Moraes, ainda nessa linha de pensamento: “Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).” (CANOTILHO apud MORAES, 2012, p. 28) José Afonso da Silva (2012) questiona a dificuldade em conceituar os direitos fundamentais, visto a ampliação e transformação destes no envolver histórico, e assim designaram-se várias expressões, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem. Alguns autores conceituam direitos fundamentais como sendo: “Direitos públicossubjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.” (MARTINS, 2007, p. 53). Carl Schimitt (apud BONAVIDES, 2012, p. 579) ensina que são aqueles “direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis ou pelo menos de mudança dificultada, a saber, direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição”. Portanto, José Afonso da Silva(2012) defende que a expressão mais adequada é “direitos fundamentais do homem” que é a limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado, com o objetivo de concretizar as garantias de uma convivência digna, livre e igual para todas as pessoas, e ainda demonstra a luta popular para a conquista definitiva a efetividade desses direitos. Conclui-se que os direitos fundamentais são direitos garantidos constitucionalmente, que deverão ser o escopo do poder Estatal em sua atuação, do qual sempre buscará a sua plena efetivação com o intuito de permitir uma vida digna ao cidadão. É possível, para fins de entendimento, apresentar uma classificação constitucional dos direitos e garantias fundamentais: Direitos e Garantias Individuais e Coletivos (art. 5º); Direitos Sociais (art. 6º a 11); Direitos de Nacionalidade (art. 12); Direitos Políticos (art. 14) e os Direitos de Criação, Organização e Participação em Partidos Políticos (art.17). Atualmente os direitos fundamentais são classificados em três gerações, mas já é comum alguns doutrinadores versarem sobre direitos de quarta, quinta, sexta e sétima geração. De acordo com Alexandre de Moraes (2012) as gerações são classificadas temporalmente em primeira geração (CR, arts. 5º e 14); segunda geração (CR, arts. 6º, 7º, 205); terceira geração (CR, art. 225) e quarta geração (CR, arts. 1º e 3º). Com os fenômenos da globalização, genética e cibernética há autores classificando quinta, sexta e até sétima gerações. 1.2. Dimensões ou Gerações? Os direitos fundamentais sofreram diversas transformações históricas cronológicas, do qual a doutrina denomina como “gerações”. Essa expressão foi utilizada pela primeira vez no ano de 1979, pelo jurista KarelVasak, proferindo-a na aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo. Mas atualmente tem-se preferido por alguns doutrinadores utilizar o termo “dimensões” por se considerar um processo evolutivo, cumulativo e de complementaridade em cada dimensão, ao passo que, a terminologia geração dá uma ideia de substituição, exclusão da geração anterior. Surgem então duas correntes, a geracionista e a dimensionista. Para os doutrinadores que defendem a corrente geracionista, utilizam essa terminologia para apresentar um quadro evolutivo e não significa que há um caráter desconexo e superativo sob cada uma das gerações, esses direitos surgem em momentos históricos diferentes. Já para os dimensionistas, o termo “gerações” representou um incidente de percurso. Para essa corrente não existe um processo de hierarquização entre as dimensões, ambas estão inseridas na transformação social (SILVA, R., 2010). Nesse sentido, a corrente geracionista considera-se uma “exclusão” cumulada de direitos anteriores, enquanto a dimensionista implica complemento, acúmulo e manutenção de direitos humanos adquiridos historicamente, pelo que é a nomenclatura que passamos a adotar nesta pesquisa. 1.2.1.Os direitos fundamentais de primeira dimensão Os direitos fundamentais de primeira dimensão surgem tendo como principal fundamento a liberdade, que foram os primeiros direitos a serem estabelecidos pela Constituição da República, apresentam-se como tais os direitos civis: inviolabilidades do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, todas as pessoas sãoiguais perante a lei (CR, art. 5º) e os direitos políticos, estes determinados pela soberania popular, pelo sufrágio universal, pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e pelos instrumentos de democracia direta (CR, art. 14). “Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.” (BONAVIDES, 2012, p. 582)  Ocorre uma nítida separação entre Sociedade e Estado, que se faz necessária para que sejam realmente reconhecidos os direitos de liberdade do indivíduo face ao poder estatal. De forma que a autonomia e a independência do individuo é garantida diante do Estado e dos membros políticos, assim reconhecidos como direitos individuais. Essa divisão entre Estado e Sociedade é marca histórica das revoluções burguesas, no sentido de limitar o poder autocrático e arbitrário do antigo regime monárquico. Mas importa ressaltar que o movimento contrário, ou seja, a identificação do Estado com a Sociedade surge ao mesmo tempo, já que a soberania do rei é substituída pela soberania do povo, e a soberania de Deus é substituída pela soberania da Nação. 1.2.2. Os direitos fundamentais de segunda dimensão Os direitos civis e políticos não foram suficientes para garantir o direito à liberdade e igualdade, ao passo que, o liberalismo levou a uma grande exploração do proletariado e consequentemente um aumento nos problemas sociais. O Estado, por sua vez, a fim de reduzir a decadência das vítimas da sociedadeliberal-capitalista,reconheceu e passou a garantir os direitos de segunda geração, os chamados direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividade. São os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à previdência social, à proteção da maternidade e da infância, à assistência dos desamparados (CR, art. 6º). Registra Bonavides (apud DUARTE, 2011, p.34) que estes direitos “nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-lo da razão de ser que os ampara e estimula”, e assim permitir o mínimo para uma vida digna através de uma melhor distribuição de riquezas. Os direitos sociais protegem a dignidade da pessoa humana[2] que é núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, e dessa vez o Estado é obrigado a garantir tais direitos, ou seja, agora lhe é imposta uma prestação positiva (atuação) capaz de proporcionar o desenvolvimento do ser humano. “A segunda dimensão dos direitos fundamentais refere-se às prestações positivas sociais, ou seja: há clamor pela prestação de serviços estatais que visem erradicar ou diminuir as desigualdades sociais favorecendo a consagração da aclamada justiça social, para que seja materializada a igualdade forma criada pelo sistema liberal.” (SILVA JÚNIOR, 2010, p.1) Juntamente aos direitos sociais surgem as liberdades sociais que seriam os direitos dos trabalhadores à sindicalização, à greve,às férias, ao repouso semanal remunerado, à limitação de jornada, garantia do salário mínimo, entre várias outras conquistas. Como assinala Luciana Gaspar Melquíades Duarte (2011), essa fase foi importante para o resgate da dignidade humana e de distribuição de renda, pois dentro do modelo de Estado capitalista a renda se concentra nas mãos dos empresários tendo como fim o lucro, mas os direitos sociais são custeados com o tributo arrecadado daqueles que concentram riquezas, consequentemente provendo a justiça social. 1.2.3. Os direitos fundamentais de terceira dimensão A terceira dimensão é caracterizada pelos direitos de solidariedadee fraternidade, não com mais interesse em proteger os direitos individuais e coletivos, mas sim em proteger a humanidade em um ambiente de transindividualidade. Neste viés se enquadra o direito à paz, ao meio ambiente (CR, art. 225), à comunicação e a propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade. Paulo Bonavides leciona: “Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (BONAVIDES, 2012, p. 586) Alexandre de Moraes (2012), acerca do assunto, ensina que a terceira dimensão engloba o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e outros direitos difusos, coletivos e transindividuais. Segundo Sarlet tais direitos têm: “Caráter preponderantemente defensivo e poderiam enquadrar-se, na verdade, na categoria dos direitos da primeira dimensão, evidenciando, assim, a permanente atualidade dos direitos de liberdade, ainda que com nova roupagem e adaptados ás exigências do mundo contemporâneo.”(SARLET apud DUARTE, 2011, p. 36) Os direitos fundamentais de terceira dimensão têm nível internacional em sua proteção, tanto que atualmente têm-se celebrado tratados internacionais, com intuito de proteger alguns desses direitos mundialmente como o meio ambiente[3]. Pautam-se na qualidade de vida das pessoas, no uso de informática, nas ameaças concretas em função de danos ao meio ambiente, na manutenção de patrimônios considerados da humanidade. Paulo Bonavides (2012) admite que a descoberta e a formulação de novos direitos é e será sempre um processo sem fim, e quando um sistema de direitos se faz conhecido e reconhecido, abrem-se novas regiões da liberdade que devem ser exploradas. Então, percebe-se que para concretização dos direitos fundamentais de terceira dimensão é necessário uma participação e contribuição mútua entre os países, pois esses direitos são de interesse de toda à humanidade, independente de raça, religião ou classe social. 1.3. Da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais A partir da máxima efetividade das normas constitucionais, ao amparo do §1º, art. 5º, CRFB/88, é dever do Estado a garantia e promoção dos direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos. Assim sendo, não se pode abster ao seu cumprimento, mesmo diante da escassez de recursospúblicos,devendoprivilegiar os direitos considerados essenciais e que fundamentam a Constituição da República, ou seja, aqueles decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana. A Constituição da República estabeleceu em seu artigo 2º, que o Legislativo, Executivo e Judiciário são Poderes da União independentes e harmônicos entre si. Portanto, cada um desses Poderes possui sua competência e atribuições, e ambos exercem controle um sobre o outro com o fim de se evitar abusos e violação aos direitos fundamentais. Segundo Oswaldo Canela Junior: “E assim a teoria da separação dos poderes (art. 2º da CF brasileira) muda de feição, passando a ser interpretada da seguinte maneira: o Estado é uno e uno é seu poder. Exerce-o seu poder por meio de formas de expressão (ou Poderes). Para racionalização da atividade estatal, cada forma de expressão do poder estatal exerce atividade específica, destacada pela Constituição. No exercício de tais funções é vedada às formas de expressão do poder estatal interferência recíproca: é este o sentido da independência dos poderes.” (CANELA JUNIOR apud GRINOVER, 2011, p. 128) Além de independentes, os poderes devem ser harmônicos entre si para se alcançar os objetivos fundamentais. Ainda segundo Oswaldo Canela Júnior (apud GRINOVER, 2011, p. 129) “cabe ao Poder Judiciário investigar o fundamento de todos os atos estatais a partir dos objetivos fundamentaisinseridos na Constituição” (art. 3º da CR). “Quanto a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, significa dizer que, se o Judiciário deve utilizá-los para realiza o controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais, o Executivo e o Legislativo devem pautar suas ações segundo as balizas por eles ditadas (eficácia irradiante dos direitos fundamentais).Outrossim, o Estado passa a ter o dever de proteção desses direitos, razão pela qual sua atividade deve ser direcionada nesse sentido.” (LAGE, p. 153, 2011) Nesse sentido ainda defende Clémerson Merlin Cléve: “Pois bem, esses princípios, esses objetivos, esses direitos fundamentais, vinculam os órgãos estatais como um todo. Vinculam, evidentemente, o Poder Executivo, que haverá de respeitar os direitos de defesa, e ao mesmo tempo propor e realizar as políticas públicas necessárias à satisfação dos direitos prestacionais. Vinculam o Legislador, que haverá de legislar para, preservando esses valores e buscando referidos objetivos, proteger os direitos fundamentais, normativamente, assim como, eventualmente, fiscalizando a atuação dos demais poderes. E, por fim, vincula também o Poder Judiciário que, ao decidir, há, certamente, de levar em conta os princípios, os objetivos e os direitos fundamentais. Os agentes públicos brasileiros estão comprometidos, estão absolutamente vinculados a esses parâmetros constitucionais, ou seja, a Constituição desde logo retirou do mundo político, da esfera da disputabilidade política, aquilo que é nuclear para nós, os integrantes da comunidade republicana brasileira.”(CLÉVE, 2003, p. 3) Portanto, o Estado por meio da atuação da Administração Pública, “deve gerir corretamente a receita arrecadada, custeando seus serviços e concretizando os direito fundamentais” (FARO, 2012, p. 5)consequentemente colocando em prática as políticas públicas e assim se esperaaaplicação de forma correta dos recursos públicos. Quando o Estado não garantir as condições mínimas para que as pessoas possam se desenvolver e tenham chances reais de assegurar por si próprias a dignidade, ou seja, faltar vontade política, ou mesmo por arbitrariedade ou omissão, constitui violação ao principio da dignidade da pessoa, um fundamento do Estado, podendo o cidadão reivindicar judicialmente a prestação equivalente. A visão neocontitucionalista trata da separação dos poderes defendendo a ideia de que o Judiciário é responsável por defender a Constituição, então ao se perceber que ela está sendo violada, deve-se fazer valer o que nela consta. Lenza trata o neoconstitucionalismo da seguinte forma: “Dentro de uma nova perspectiva dada ao constitucionalismo, que se convencionou denominar de neoconstitucionalismo, constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivista, há que se reconhecer a legitimidade do Poder Judiciário para intervir na consecução de políticas públicas, uma vez que se busca, dentro dessa nova realidade, não mais apenas atrelar o constitucionalismo à ideia de limitação do poder público, mas, acima de tudo, buscar a eficácia da Constituição, deixando o texto de ter um caráter meramente retórico e passando a ser mais efetivo, especialmente diante da expectativa de concretização dos direitos fundamentais.” (LENZA apud BARROS, 2012, p.1) É nesse cenário que emerge o movimento de Controle Judicial das Políticas Públicas, pelo qual o Judiciário, diante da omissão ou ineficácia na efetivação do Poder Público, intervirá afim de que direitos fundamentais sejam efetivamente conferidos ao indivíduo. “E no que diz respeito à legitimidade democrática, importa deixar claro que o Judiciário atua, de certa maneira, como um poder contra-majoritário em defesa dos direitos das minorias. De outro ângulo, o devido processo legal, a motivação e recorribilidade das decisões, a publicidade de suas manifestações e a vinculação à Constituição parecem constituir meios distintos de atribuição de legitimidade à esfera de atuação do Judiciário.” (CLEVE, 2003, p. 6/7) Mas “para que seja legítima, a atuação judicial não pode expressar um ato de vontade própria do órgão julgador, precisando sempre reconduzir-se a uma prévia deliberação majoritária, seja do constituinte, seja do legislador”. (BARROSO, 2008, p. 1). Cabe ao Judiciário garantir o cumprimento das leis ao caso concreto, analisando os preceitos constitucionais, permitindo assim que qualquer cidadão ao demandar tenha garantido seus direitos, exigindo desta maneira o cumprimento pelo Poder Público. Assim sendo não há que se falar em violação doprincipio da separação dos poderes, pois o Judiciário tem o dever de atuar assegurando os direitos expressos na Constituição da República, que por sua vez não irá implementar ou executar as políticas públicas, mas fazer valer as leis quando ocorrer omissão ou prestação precária do Poder Público. Contudo, o juiz deverá se pautar, diante do caso concreto, nos princípios do mínimo existencial e da reserva do possível em que este último caberá análise do planejamento orçamentário para a consecução de determinada demanda. A escassez de recursos não pode ser apresentada como justificativa genérica, devendo ser analisado cada caso concreto, permitindo que o Poder Público justifique com provas cabíveis a impossibilidade e que realmente o seu plano orçamentário está cumprindo com os princípios e direitos constitucionais. Entende-se que, primariamente, cabe a Administração Pública a consolidação dos direitos fundamentais, portanto colocará em prática sua discricionariedade para consecução de políticas públicas, sempre priorizando tais direitos devida sua relevância e proteção constitucional, a fim de garantir o bem-estar da coletividade. Infere-se que na omissão ou ação precária do Poder Executivo em relação a efetividade dos direitos fundamentais, é direito-dever do Poder Judiciário intervir nessas questões, sem que isso se apresente como violação da separação de poderes. 2. Da discricionariedade administrativa na formulação depolíticas públicas 2.1. Conceito de Administração Pública Inicialmente definiremos o vocábulo a ser utilizado neste contexto. Hely Lopes Meirelles (2006) diz que seriam as formas técnicas apropriadas: administração pública grafada em minúsculas indica atividade administrativa ou função administrativa; se registrada em maiúsculas, Administração Pública, significa Estado. DefineaindaqueAdministração Pública é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado a realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. (MEIRELLES,2006).   Na concepção de José Afonso da Silva: “Administração Pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos preordenados à execução das decisões políticas. Essa é uma noção simples de Administração Pública que destaca, em primeiro lugar, que é subordinada ao Poder político, em segundo lugar, que é meio e, portanto, algo de que se serve para atingir fins definidos e, em terceiro lugar, denota os seus dois aspectos: um conjunto a serviço do Poder político e as operações, as atividades administrativas.”(SILVA, 2012, p. 656)   Na visão de Reinaldo Moreira Bruno (2008, p. 32) a Administração Pública “tem o dever de atuar na defesa, na manutenção, na conservação e no aprimoramento dos bens e interesses da sociedade”. Define-se Administração Pública como um conjunto de órgãos instituídos a exercerem atividades administrativas, colocando em prática os objetivos do governo, ou seja, do Poder Político, mas, sobretudo gerir os bens e os interesses da sociedade na busca de satisfazer as necessidades da coletividade. A Administração Pública inclui os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios sendo que sua atividade administrativa abrange planejar, dirigir, comandar, como também executar. E vale ressaltar que seus atos sempre serão pautados nos princípios constitucionais de observância obrigatória que são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, presentes no artigo 37 da Constituição e entre vários outros esparsos pelo texto constitucional. Dessa forma, o Poder Públicodeverá seguir todos os preceitos do Direito e da moral, e ainda nesse viés obedecer todas as instruções previstas em lei, ou seja, só lhe é permitido fazer o que a legislação autoriza, diferentemente da administração privada, em que tudo é permitido com exceção do que a lei o proíbe (MEIRELLES, 2006, p.88)[4].Partindo deste pressuposto pode-se distinguir “atos vinculados” e “atos discricionários”. 2.2. Vinculação e discricionariedade A Administração Pública dispõe de poderes que lheimpõe agir de forma vinculada oupermite decidir como agir de forma discricionária, cujo fundamento se encontra no princípio da legalidade. Só poderá fazer o que a lei permite, ou seja, todo e qualquer ato por parte daquela exige regulamentação legal. Vinculados são os atos administrativos praticados conforme a lei prescreve, permitindo um único comportamento, ou seja, não há liberdade para opção ou decisão, restando ao poder público somente cumprir os preceitos legais. Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello (apud BRUNO, 2008, p.123), atos administrativos vinculados “são aqueles que a Administração pratica sob a égide de disposição legal que predetermina antecipadamente adotado na situação descrita em termos de objetividade absoluta”. Discricionários são os atos administrativos praticados conforme uma das opções prescritas em lei, ou seja, a lei deixa uma margem de liberdade para agir ou decidir, a autoridade poderá optar por uma das soluções possíveis, válidas perante a norma.  Nesse mesmo sentido de Maria Sylvia Zanella di Pietro (2013, p. 220) defende que “o poder da Administração é discricionário porque a adoção de uma ou de outra solução é feita segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, próprios da autoridade, porque não definidos pelo legislador”. Cabe ressaltar que a discricionariedade nunca é total, dado que todo ato está vinculado à lei, inclusive no que diz respeito à finalidade, que sempre deverá ser pública, e a competência que será indicada em lei. (GASPARINI, 2012). Juliana Maia Daniel (2011) defende a ideia de que a discricionariedade é uma opção legislativa,poisdiante da impossibilidade de prever várias situações concretas e qual o comportamento deve ser tomado pelo agente, o legislador optou por conceitos indeterminados.A finalidade só poderá ser atingida a partir da atribuição dessa margem de liberdade ao agente estatal, analisando a situação concreta, podendo adotar o comportamento plenamente adequado. “Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados, para tanto depende de lei.” (PIETRO, 2013. p.65) O ideal positivista seria que a lei regulasse minuciosamente cada ato administrativo, mas diante desta impossibilidade, devido aos inúmeros casos concretos que podem surgir ante o administrador, o legislativo lhe permite escolha regulando minuciosamente somente os casos que compreendeu serem de maior relevância. Pois diante do fato e da realidade que o caso concreto ocorrer será possível identificar se há interesse social e coletivo. Mesmo que em uma dada situação haja ausência total de regulação normativa, o agente estatal deverá fundamentar seus atos na Constituição, ao passo que ela permite uma direção permanente e ainda estabelece sua forma de atuação. Assim sendo os direitos fundamentais servem de parâmetro para controle da discricionariedade,vedando que a discricionariedade seja fundamento para decisões que atendam ineficientemente a coletividade. Ultrapassando ou contrariando os limites traçados pela lei, a decisão do Poder Público passa ser arbitrária, ou seja, contrária à lei, assim o ato pode ser anulado pela própria Administração ou pelo Judiciário. Nesse sentido Hely Lopes Meirelles defende: “Erro é considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente administrativo. O que o Judiciário não pode é no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Não pode, assim, “invalidar opções administrativas ou substituir critérios técnicos por outros que repute mais convenientes ou oportunos, pois essa valoração” é privativa da Administração. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da administração.”(MEIRELLES, 2006, p.120-121). Para Maria Sylvia Zanella DiPietrocaberá ao Poder Judiciário examinar a moralidade dos atos administrativos: “Não cabe ao magistrado substituir os valores morais do administrador público pelos seus próprios valores, desde que uns e outros sejam admissíveis como válidos dentro da sociedade; o que ele pode e deve invalidar são os atos que, pelos padrões do homem comum, atentam para orientar a atitude do juiz. Não é possível estabelecer regras objetivas para orientar a atitude do juiz.”(DI PIETRO, 2013, p. 227) Então, perante o controle pelo Poder Judiciário com relação aos atos vinculados não se tem dúvida que caberá sua apreciação se esta está em conformidade ou não com a lei, assim se estabelecendo o controle de legalidade. Mas com relação aos atos discricionários, o Judiciário deve respeitar a discricionariedade administrativa, de forma que não pode invalidar ou substituir a escolha feita pela Administração desde que ela não tenha agido arbitrariamente.Portanto, não cabe ao Judiciárioavaliar a conveniência e oportunidade em determinado ato, mas sim sua legalidade e se este extrapolou os limites da discricionariedade. A discricionariedade administrativa ocorre também no campo das políticas públicas, no qual o Estado tem liberdade para definir quais políticas garantirão a efetivação dos direitos fundamentais arrolados na Constituição. Nesse aspecto, a discricionariedade lhe permite selecionar as prioridades na elaboração da peça orçamentária, sendo este o principal instrumento a ser utilizado pela Administração para concretização das políticas públicas. 2.2. Políticas Públicas Alguns autores defendem a ideia de que política pública nada mais é que uma prestação estatal positiva, do qual o Poder Público tem livre-arbítrio para defini-las. Fábio Konder Comparato (apud SILVA, R., 2010, p. 145) faz uma importante observação; “que uma das grandes insuficiências da Teoria dos Direitos Humanos é o fato de não se haver ainda percebido que o objeto dos direitos econômicos, sociais e culturais é sempre uma política pública”.  Seguindo a observação feita por Comparato, mais atual é a concepção de que o principal objeto para concretização dos Direitos Fundamentais se dará por meio de uma política pública, ao passo que pela grande relevância de tais direitos no ordenamento jurídico, cabe a Administração priorizá-los a fim de promover o bem-estar da sociedade. O interesse por políticas públicas tem crescido gradativamente, embora não ainda da forma esperada, mas é perceptível o aumento do controle judicial sobre elas, como também o interesse de grupos organizados como sindicatos, associação de moradores na defesa de seus direitos e ainda a inclusão da análise de política pública como disciplina em alguns cursos (FARAH, 2011), de forma que essa visão sob as políticas públicas tem se expandido.Nesse aspecto ainda se faz necessário conceituar o que são políticas públicas para melhor entendimento. Maria Paula Dallari Bucciassimdiscorre sobre Políticas Públicas: “Políticas públicas é uma locução polissêmica cuja conceituação só pode ser estipulativa. Isto porque, como entendem Pierre Muller e Yves Surel, uma política pública é um construto social e um construto de pesquisa. A delimitação das fronteiras de uma política pública tem sempre um componente aleatório.(…) Outro elemento a causar perplexidade no conceito de política pública, formulado no âmbito da sociologia política e de difícil transposição para o direito, são as omissões, que também podem integrar a política pública.  Seja a omissão do governo intencional, seja resultado de impasse político ou consequência da não execução das decisões tomadas, ainda assim a atitude do governo e da Administração, num quadro conjuntural definido, pode constituir uma política pública. Para Muller e Surel, toda política pública se caracteriza pelas contradições, e, mais do que isso, há um ‘caráter intrinsecamente contraditório de toda política’. Como categoria analítica, as políticas públicas envolveriam sempre uma conotação valorativa; de um lado, do ponto de vista de quem quer demonstrar a racionalidade da ação governamental, apontando os vetores que a orientam; de outro lado, da perspectiva dos seus opositores, cujo questionamento estará voltado à coerência ou à eficiência da ação governamental. Essa dimensão axiológica das políticas públicas aparece nos fins da ação governamental, os quais se detalham e concretizam em metas e objetivos.”(BUCCI, 2006, p. 251-252)  Rodolfo de Camargo Mancuso assenta o entendimento de Bucci, de que a conduta omissiva da Administração Pública também pode se considerar política pública. “Política Pública pode ser considerada como a conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, em sentido largo, voltada à consecução de programa ou meta previstos em norma constitucional ou legal, sujeitando-se ao controle jurisdicional amplo e exauriente especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.” (MANCUSO apud FERRARESI, 2010, p. 491) Para Flávio Barcellos Guimarães a definição de Política Pública seria: “Um conjunto de ações estudado, planejado e organizado pelo governo, com ou sem a participação dos setores privado e não governamental, voltado para resolução de problemas específicos ou simplesmente para o desenvolvimento da sociedade.”(GUIMARÃES, 2010, p. 15)   Por fim, considera-se política pública um conjunto de ações e omissões, “não se confunde com ato ou norma, mas é uma atividade que resulta de um conjunto de atos e normas” (DUARTE, 2011, p. 71), a fim de atingir o cumprimento das metas estabelecidas pelo governo (nacional, estadual ou municipal), que serão sempre embasadas nas demandas oferecidas pela sociedade, assim busca-se alcançar o bem-estar social e o interesse público.   As políticas públicas são instrumentos imprescindíveis para efetivação dos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988, sendo que a competência para sua formulação se dá pelos Poderes Legislativo e Executivo, mas sua implementação compete ao Executivo.Suaprincipalfinalidadeé promoveros objetivos arrolados no artigo 3º da Constituição Federal: a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nessa direção, asseveraGibertoBercovici que: “O fundamento das políticas públicas está na necessidade de concretização dos direitos dos cidadãos através das prestações positivas do Estado, de tal forma que a principal política pública será o desenvolvimento nacional o qual deverá ser harmonizado com as demais. Assim, do desenvolvimento econômico e social aliado à eliminação das desigualdades sociais far-se-á a síntese dos objetivos históricos nacionais.” (BERCOVICIapud SILVA, 2010, p. 147/148) Luciana Gaspar Melquíades Duarte (2011) ensina que as políticas públicas de longo prazo, que ultrapassam a duração de um mandato, sobretudo, devem estarconsubstanciadas em lei por meio de programas, de forma que o interesse público tenha a estabilidade necessária para sua manutenção, não estando sujeita ao individualismo político, ou seja, a interesses partidários. “O processo de efetivação das políticas públicas desdobra-se em três momentos; o primeiro seria o da sua formulação, quando são apresentados os pressupostos materiais e jurídicos da ação, constatadas as necessidades sociais, contrapostos os interesses em conflito, fixados os objetivos para, enfim, ser definida uma estratégia de ação. O segundo momento é o da execução ou  intervenção, quando são implementadas as medidas materiais e financeiras para sua consecução; e o terceiro, o da avaliação, oportunidade em que são analisados os efeitos sociais e jurídicos das escolhas efetuadas, considerando os fundamentos apresentados.” (DUARTE, 2011, p. 73) Quanto à formulação prévia das políticas públicas, além decompetir aos Poderes Executivo e Legislativo, ela também pode ocorrer por meio de grupos ou pessoas que participarão deste processo de decisão, como partidos políticos e associações, embora por diversas vezes os interesses podem colidir. Estes grupos devem se mobilizar e se munir de argumentos que convençam a Administração Pública a instituir as políticas por eles defendidas. Uma das formas de consolidar os programas das políticas públicas em leisé por meiodo planejamento orçamentário, que é subdividido constitucionalmenteem Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA), os quais serão instituídas por meio de um planejamento governamental.  Outra forma de formulação prévia instituída pela própria Administração, geralmente pelos Municípios, é o Orçamento Participativo (OP), no qual se permite a participação da população no processo de decisão, em que serão definidas quais ações serão implantadas na peça orçamentária,qualseja,no PPA, na LDO e na LOA. É a oportunidade oferecida ao cidadão de escolher, ou até mesmo pressionar o poder público a dar primazia às reais necessidades por eles apresentadas. 3. Do planejamento orçamentário 3.1. Orçamento público e planejamento O orçamento público é objeto essencial no cotidiano da Administração Pública, pois possibilita ao administrador eficiência e eficácia na gestão e aplicação dos recursos recebidos. Em primórdios de estudos,Aliomar Baleeiro define: “Orçamento é ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.”(BALEEIROapud FURTADO, 2009, p. 41) Diante da escassez de recursos e das diversas demandas que surgem na sociedade, é necessária a capacidade de gestão. O orçamento permite um bom gerenciamento, ao passo que direciona a destinação final do gasto público, qual seja o atendimento das necessidades da população. José de Ribamar Caldas Furtado faz uma análise a partir de sua conceituação de orçamento público: “Orçamento público é o instrumento através do qual os cidadãos, por intermédio de lei aprovada por seus representantes no Parlamento, fixam a despesa e prevêem a receita para o período de um ano, a partir da determinação dos serviços públicos que serão prestados pelo Estado e dos demais objetivos da política orçamentária, bem como da definição de quais, e de que forma, setores da sociedade financiarão a atividade estatal. Cabe analisar os elementos desse conceito: a) Instrumento através do qual os cidadãos, por intermédio de lei aprovada por seus representantes no Parlamento, (…). Indica que o orçamento é o ato do Poder Legislativo, não obstante a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para apresentar o projeto orçamentário. (…) b) fixam a despesa e prevêem a receita (…). Diz-se previsão de receitas porque o Estado não tem domínio absoluto sobre os recebimentos que irá efetuar em tempo futuro, uma vez que depende de terceiros (os contribuintes) para a concretização da receita orçada; fala-se em fixação de despesas porquanto a realização da despesa depende exclusivamente do Poder Público, que tem controle irrestrito sobre os gastos públicos; c) para o período de um ano, (…). Expressa a periodicidade do orçamento público que em regra geral, é anual; d) a partir da determinação dos serviços públicos que serão prestados pelo Estado e dos demais objetivos da política orçamentária, (…). Significa que o tamanho e as funções atribuídas ao Estado é que determinam a dimensão do orçamento público; e) bem como da definição de quais, e de que forma, setores da sociedade financiarão a atividade estatal. Refere-se ao escalonamento da carga tributária imposta pelo Estado nas diversas categorias de contribuintes, necessárias para prover as despesas públicas, bem como aos tipos de incidência tributária, e ainda às outras fontes de recursos orçamentários.”(FURTADO, 2009, p. 42-43) Com a edição da Lei nº 4.320/64 foi estabelecido o orçamento-programa, o qual “estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”. Já existia previsão legislativa exigindo a elaboração e cumprimento do orçamento e conseguinte certo nível de planejamento, masnapromulgação da Constituição de 1988ampliou-se o sentido e alcance de orçamento paraumplanejamento orçamentário mais estruturado. Dessaforma, a Constituição acrescentou uma estrutura a ser seguida, integrando instrumentos de planejamento: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei de Orçamentária Anual (LOA). Em seu artigo165 prevê as regras básicas do PPA, da LDO e da LOA; no artigo 166 em que a LDO e a LOA só poderão ser emendadas se estiverem compatíveis com o PPA; no artigo 167 ela veda execuções de investimentos que ultrapassem o exercício financeiro, quando não houver previsão no PPA; e no artigo 35, § 2º, inciso I, do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias dispõe sobre os prazos de elaboração e aprovação do projeto de lei do PPA, da LDO e da LOA. José Afonso da Silva (2012) considera que a Constituição instituiu um sistema orçamentário efetivamente moderno, permitindo a implantação de um sistema integrado de planejamento do orçamento-programa, fundamentado em planos e programas estruturalmente estabelecidos segundo o plano plurianual. Percebe-se a preocupação que o Constituinte originário teve com o planejamento orçamentário, visto que, somente através de um bom planejamento é que se pode alcançar uma boa administração e a concretização dos objetivos fundamentais da Constituição da República. Osvaldo Canela Junior (2011, p. 230) diz que o orçamento-programa  representa uma evolução do conceito de orçamento à luz do Estado Social e defende que “eventual insuficiência de recursos não pode constituir elemento de estagnação na concessão de direitos fundamentais, mas vetor de conduta das formas de expressão  do poder estatal para a prospecção futura de recursos”. Para Sérgio Paulo Villaça e Sílvia Butters de Campos, o termo planejamento significa: “A definição de meios e recursos para atingir objetivos, determinados em função do estudo de uma situação que se pretende mudar. De forma um pouco mais ampla, vai traduzir um conjunto de ações que envolvem apreciação de problemas e perspectivas,a previsão de medidas com vistas à consecução de determinados fins, face aos recursos disponíveis; a avaliação e a correção permanentes dessas ações, na busca de resultados mais amplos e de maior alcance, voltados para a melhoria das condições de vida.” (VILLAÇA; CAMPOS apud FURTADO, 2009, p. 51) Ressalta Nilton de Aquino Andrade que: “A prática do planejamento tem como objetivo corrigir distorções administrativas, alterar condições indesejáveis para a coletividade, remover empecilhos institucionais e assegurar a viabilização de objetivos e metas que se pretende alcançar. Considerando tratar-se de uma das funções da administração, o planejamento é indispensável ao administrador público responsável. Nesses aspectos, planejar é essencial, é o ponto de partida para a administração eficiente e eficaz da máquina pública, pois a qualidade do mesmo ditará os rumos para a boa ou má gestão, refletindo diretamente no bem-estar da população.” (ANDRADE, 2008b, p. 1) O fato é que o planejamento orçamentário permite que os anseios e carências da coletividade sejam priorizados, impede que a Administração defina suas ações durante a execução, considerando apenas o próprio interesse[5], garante que não se gaste mais do que as receitas previstas, permitindo assim um equilíbrio entre receitas e despesas, e principalmente busca transparência nas ações governamentais, sendo uma das exigênciasprevistasno artigo 1º, §1º da Lei Complementar 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): “Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. §1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições (…).” (BRASIL, 2005, p. 13) A LRF visa coibir a má aplicação de recursos estatais com formulação de instrumentos de controle na atividade contábil e orçamentária, inclusive responsabilizando o agente público por seus atos durante todo seu mandato, diante disso deverá gerir com seriedade o planejamento orçamentário e seu cumprimento, pois poderá ser responsabilizado administrativa, civil e criminalmentepor irregularidades identificadas. A seguir abordaremos especificamente os instrumentos básicos para elaboração do planejamento orçamentário, sendo eles o PPA, LDO, LOA e o OP como instrumento de participação popular. 3.2. Instrumentos básicos de planejamento 3.2.1. Orçamento Participativo (OP) O Orçamento Participativo vem sendo usado por alguns Municípios, embora ainda haja certa resistência por parte de outros, nos quais predomina o interesse político. A participação popular ainda é pequena no OP, porém, tende a crescer à medida que os cidadãos se derem conta da sua importância. Foi por meio das iniciativas populares que os atores sociais tiveram grande poder de influências, tanto que se reconheceu no artigo 14 da Constituição de 1988 a iniciativa popular como iniciadora dos processos legislativos, garantindo-se um instrumento de exercício direto do poder político democrático. (AVRITZER,2002). Deste processo de iniciativa popular revelou-se a importância da participação dos cidadãos no planejamento orçamentário.   No Brasil, a ideia de orçamento participativo surgiu, pela primeira vez, na cidade de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, através de propostas feitas por associações comunitárias. (AVRITZER, 2002)   A União da Associação dos Moradores de Porto Alegre (UAMPA), depois de proposto pelo prefeito Alceu de Deus Collares a participação popular em sua administração, respondeu-lhe nos seguintes termos:  “O mais importante na Prefeitura é a arrecadação e a definição de para onde vai o dinheiro público. É a partir daí que vamos ter ou não verbas para o atendimento das reivindicações das vilas e bairros populares. Por isso queremos intervir diretamente na definição do orçamento municipal e queremos controlar a sua aplicação.” (UAMPAapud AVRITZER,2002 , p.8) Nesse sentido o Portal da Transparência do Governo Federal dá a seguinte definição a orçamento participativo: “O orçamento participativo é um importante instrumento de complementação da democracia representativa, pois permite que o cidadão debata e defina os destinos de uma cidade. Nele, a população decide as prioridades de investimentos em obras e serviços a serem realizados a cada ano, com os recursos do orçamento da prefeitura. Além disso, ele estimula o exercício da cidadania, o compromisso da população com o bem público e a co-responsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão da cidade.”(BRASIL, 2013, p.1) Valdemir Pires descreve as razões pelas quais justificam a participação popular: “As razões que justificam a intervenção cidadã nos assuntos orçamentários e financeiros dos governos (mais facilmente nos locais do que nos intermediários e superior do federalismo) são: 1) a melhoria das políticas públicas e dos serviços públicos, buscando-se que sejam planejados, priorizados e executados com transparência, eficiência e diálogo com os segmentos sociais e regiões geográficas interessados; 2) um relacionamento estado-sociedade que aprofunde a democracia para além da representativa tradicional, resultando em convivência política de maior qualidade; 3) quando necessário, principalmente em países pobres e/ou marcados por desigualdades sociais, promoção da redistribuição da renda por meio da política fiscal (investimentos, serviços e políticas focadas nas camadas mais prejudicadas pela concentração da renda e da riqueza).” (PIRES, 2013, p.1) O orçamento participativo é essencial para a constituição de um planejamento orçamentário, visto que terá como alicerce as reais necessidades da população, uma vez que se presume que o Poder Público tenha conhecimento da realidade para definir qual política pública deve ser priorizada. A Administração Pública tem conhecimento, sem dúvida, da previsão de receitas e despesas já fixadas pela Administração, com base em exercícios anteriores e ainda da realidade que assola a população, masainda falta maior interesse político para realizar as ações necessárias. O OP permite ainda maior transparência dos atos administrativos e facilita a posterior cobrança por parte da coletividade, como também do Poder Legislativo, que tem papel preponderante neste processo. 3.2.2. Plano Plurianual (PPA) O governo federal, estadual ou municipaltem como instrumento de planejamento o Plano Plurianual (PPA), de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (art. 165, inciso I, CR) e que será executado em período de quatro anos. O PPA será elaborado no primeiro ano de mandato e começará a ser executado no exercício financeiro seguinte, ou seja, no próximo ano, de forma que atingirá o primeiroexercício financeiro do próximo mandato. É o momento em que se transformam em lei todas as promessas feitas durante campanha eleitoral e com isso concretizar os interesses da coletividade.   A Constituição da República, em seu artigo 165 estabelece regras básicas para elaboração do PPA: “Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:  I – o plano plurianual; (…) § 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.”(BRASIL, 2012, p.101)   Diretrizes“são um conjunto de princípios e critérios os quais devem orientar a execução dos programas de governo” (FURTADO, 2009, p. 95), orientações que irão nortear as ações do governo durante sua execução, a fim de alcançar seus objetivos e buscando uma melhor qualidade de vida à população.   Nilton de Aquino Andrade defende; “São “bússolas” que dão rumo ao planejamento e são os resultados principais ou maiores, em longo prazo, que necessitaram se desenvolvidos e que se pretendem alcançar. São, pois, o conjunto de programas, ações e de decisões orientadoras dos aspectos envolvidos no planejamento, sendo ainda o nível mais abstrato para formulação geral do plano de governo.” (ANDRADE, 2008a, p.22)   Os programas de governo são instrumentos das diretrizes que serão executados através de ações, visando solucionar o problema ou atender demanda da sociedade.   Os objetivossão os resultados que se concretizam através de programasnaqualestarão inseridas as ações governamentais destinadas a alcançar os anseios da população. “Quanto ao sentido da palavra “objetivos” inserida na norma constitucional, eles expressam os problemas diagnosticados que se pretende combater e superar e as demandas existentes que se espera atender, consistindo basicamente na definição dos programas de governo, descrevendo a sua finalidade com concisão e precisão.”(ANDRADE, 2008b, p.24)   Já as metas da Administração Pública “são a mensuração das ações de governo para definir quantitativa e qualitativamente o que se propõe ser atendido e qual parcela da população se beneficiará com a referida ação”. (ANDRADE, 2008a, p. 23). É a especificação e quantificação física e financeira que permite mensurar custos, acompanhar e avaliar o PPA e os resultados alcançados. O artigo 25 da lei 4.320/1964 traz a definição de metas: “Art. 25. Os programas constantes do Quadro de Recursos e de Aplicação de capital sempre que possível serão correlacionados a metas objetivas em termos de realização de obras e de prestação de serviços. Parágrafo único. Consideram-se metas os resultados[6] que se pretendem obter com a realização de cada programa” (grifo nosso). Os programas e as metas governamentais é que irão permitir a consecução das políticas públicas e consequentemente a concretização dos objetivos fundamentais. Furtadoesclareceaindaos conceitos de despesas de capital, despesas decorrentes das despesas de capital e programas de duração continuada. “Despesas de capital, que se contrapõem às despesas correntes[7], são aquelas relacionadas com a implantação e expansão de serviços públicos; caracterizam-se por provocar aumento no patrimônio público. Exemplos: investimentos, tais como: construção de estradas, hospitais, escolas. Despesas decorrentes das despesas de capital são as de manutenção, conservação e funcionamento que, durante a vigência do plano, passarão a ser necessárias como consequência dos investimentos e não estão incluídas dentre as classificadas como programas de duração continuada. Exemplo: despesa com pessoal necessária para o funcionamento do hospital que será construído; Programas de duração continuada são aqueles que, com execução prevista para o período superior a um exercício financeiro, resultam em prestação de serviços diretamente à comunidade, excluídas as ações de manutenção administrativa (despesas com pessoal, etc.), o pagamento de benefícios previdenciários e os encargos financeiros. Exemplo: programa Bolsa Família do governo federal”.(grifo nosso) (FURTADO, 2009, p.95-96). 3.2.3. Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) A LDO é considerada o elo entre o PPA e a LOA, está previsto no artigo 165, inciso II da Constituição da República, a qual em seu §2º define que a LDO deverá compreender as metas e prioridades da Administração Pública, para o exercício financeiro subsequente, de modo que irá orientar a elaboração da LOA. A LDO será anual,irádispor sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, a importância da LDO aumentou significativamente, epassou a exaltar ainda equilíbrio entre receitas e despesas durante a execução do orçamento; critérios e formas de limitação de empenhos para se cumprir as metas fiscais e do resultado primário e nominal, criar formas de limites de gastos com pessoal, de dívidas, além de outras situações que podem afetar o equilíbrio das contas públicas. (ANDRADE, 2008a). “Na LDO são definidas as diretrizes que orientarão a Administração na elaboração da proposta orçamentária e na sua execução, sendo selecionadas dentre diversas ações governamentais constantes no PPA aquelas que serão prioritárias durante a elaboração da LOA e da sua execução, compatibilizando-as com os recursos públicos arrecadados, proporcionando assim condições para que as demandas específicas da sociedade sejam priorizadas e realizadas.” (ANDRADE, 2008b, p. 73) Assim a LDO tem como escopo o planejamento e o acompanhamento das contas públicas, buscando sempre o equilíbrio entre receitas e despesas, ou seja, evitar ou reduzir o endividamento do setor público. São definidas as diretrizes que orientarão o Executivo, na elaboração e execução da peça orçamentária (LOA), responsabilidade dos departamentos de planejamento e de contabilidadenacorreta elaboração da LOA. Durante a elaboração da LDO serão retiradas do PPA as prioridades que estarão posteriormente estabelecidas na LOA, pois “as prioridades da LDO definem critérios para eleição de quais ações serão detalhadas no orçamento anual até o nível de elemento despesa” (ANDRADE, 2008a, p. 28). Então, reportando-se ao PPA a Administração Pública se orientará definindo quais programas e ações serão prioridades, para logo serem executadas no próximo orçamento anual. Outro aspecto importante na Lei de Diretrizes Orçamentária é apresentação de metas fiscais (assunto que não adentraremos a fundo, por se tratar mais necessariamente de dados contábeis), que é obrigatória para todos os Municípios, sendo que sua não apresentação implicará em penalidade para o Chefe do Poder Executivo. Nas metas fiscais, que serão encaminhadas como anexo, estarão estabelecidos: – “As metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública para o exercício a que se refere e para os dois subsequentes; – Avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior; – Demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional; – Evolução do patrimônio líquido, também nos últimos três exercícios destacando a origem e a aplicação dos recursos obtidos com a alienação de ativos; – Avaliação da situação financeira e atuarial dos regimes próprios de previdência; – Demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.” (ANDRADE, 2008a, p. 30) Trata-se de um relatório que permitirá o equilíbrio das contas públicas. O projeto orçamentário deverá ser elaborado com base em valores reais e não poderá fazer um orçamento meramente ilustrativo sem estabelecer verdadeiramente tais metas, pois o gestor não conseguirá executá-lo, visto que, se as receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida públicaforem fictícias, na execução das ações correr-se-á o risco de não haver recursos suficientesou ainda gerar o endividamento do ente público, consequentemente não se alcançando o equilíbrio das contas. 3.2.4. Lei Orçamentária Anual (LOA) A Lei Orçamentária Anual é compatível com o PPA e a LDO, e está estabelecida no artigo 165, inciso III, da Constituição da República. Deve serelaborada pelo Poder Executivo uma proposta orçamentária que, depois de aprovada pelo Poder Legislativo, converterá em Lei Orçamentária Anual. A elaboração da LOA é anual, como o próprio nome já demonstra, sendo que sua execução se dará no exercício financeiro subsequente a sua aprovação, na qual são previstas as receitas e fixadas as despesas que o governo pretende realizar.   A LOA permite a consecução de vários orçamentos:ofiscal, o de investimento e o da seguridade social, conforme disposto no art. 165, § 5º, da CR: “Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:(…) § 5º A lei orçamentária anual compreenderá:  I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a união, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e  fundações instituídos e mantidos pelo poder público.” (BRASIL, 2012, p. 101)   “Contudo, alguns Estados e grande maioria dos Municípios brasileiros têm apresentado em suas leis orçamentárias apenas o orçamento fiscal.” (ANDRADE, 2008b, p. 146).   José Afonso da Silva ensina que: “Cumpre observar que, à vista do disposto nos incisos I e III, poderá haver duplicidadede previsão, porque ambos exigem que sejam abrangidos nos dois orçamentos indicados “órgãos da administração direta ou indireta”, bem como “fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”. Corre-se o risco de distorções orçamentárias com esse método, mediante dupla avaliação de uma coisa só.” (SILVA, 2012, p. 738-739)   Atualmente o orçamento público é denominado orçamento-programa, como já demonstrado anteriormente, visa considerar todos os custos dos programas e ações no momento de sua elaboração. O orçamento vai discriminar as despesas, demonstrando em quê e para quêos recursos serão direcionados, como também quem são os responsáveis pela execução dos programas. (ANDRADE, 2008a).   Dessa forma, a LOA é o detalhamento de cada uma das etapas constantes no PPA e que foram priorizadas na LDO. Um aspecto de grande relevância na contabilidade pública é que só lhe é permitido realizar despesas que já foram previamente autorizadas, por isso a exigência legal de planejar o orçamento mais próximo da realidade possível, pois nãoé legítimo “inventar” despesas durante a execução do orçamento, uma vez que obrigatoriamente ela deverá está prevista. Para a construção de um planejamento que realmente atendaàs necessidades da sociedade éindispensávelautilização,de maneira equilibrada e responsável, tanto de meios técnicos com base em fatos, receitas e despesas reais, quantocomprometimentopolítico, representado pelas propostas de governo durante período eleitoral. 3.5. Receitas e despesas no orçamento Cabe ainda mencionar as receitas e as despesas, visto que é impossível o planejamento orçamentário sem tais previsões. Na concepção de Nilton de Aquino Andrade (2008b, p. 145)areceita pública é“um conjunto de ingressos monetários aos cofres públicos, provenientes de várias fontes e fatos geradores, que formam as disponibilidades financeiras com as quais a Fazenda Pública pode dispor para o financiamento das despesas públicas”. Ora, são todos os recursos financeiros, previstos legalmente, que acrescem o patrimônio da Administração Pública. Portanto a despesa pública corresponde o conjunto de gastos incorridos pelo Estado com o objetivo precípuo de prestar serviços públicos aos cidadãos (FURTADO, 2009, p. 157). Por sua vez, as despesas realizadas podem promover a materialização das políticas públicas. “Do ponto de vista orçamentário, a receita é bem mais simples, tanto na elaboração como na execução. Sua classificação é por fontes (origens) e leva em consideração se são próprias ou transferidas de outro governo. Sua execução é privativa de órgãos fazendários, inclusive com carreiras próprias de servidores, geralmente muito mais bem remunerados que os demais do mesmo governo, e com certo grau de sigilo, especialmente quando envolve contribuintes em dívida com o fisco. A despesa, por ter maior importância, é classificada por vários critérios, sendo os mais importantes os por funções, subfunções, programa, natureza da despesa e elementos, levando a uma codificação mais complexa e de mais difícil aplicação, gerando, inclusive, diferentes interpretações para alguns dos seus componentes.”(SANTOS, 2001, p. 11). Tanto as receitas quanto as despesas possuem suas classificações que não nos cabe o mérito de analisá-las neste momento, mas é relevante destacar a importância da previsão de receitas e da fixação de despesas para a execução orçamentária. A execução orçamentária é a movimentação do orçamento público durante o exercício, na qual as receitas previstas serão arrecadadas, para que se possam realizar as despesas fixadas, porém só poderão ser efetivadas depois de empenhadas.  Assim, a execução orçamentária da despesa passa por três fases: empenho[8], liquidação[9] e pagamento da despesa (FURTADO, 2009), mas antes de tudo deverão estar previstas na LOA. Também é identificadaa execuçãofinanceiraqueé a disponibilidade de caixa da Administração, ou seja, as receitas arrecadadas e as despesas já pagas. No tocante a LRF, ela trouxe maior rigidez ao cumprimento do orçamento, impondo um planejamento que deve ser realizado concretamente, servindo como instrumento de controle do endividamento do Poder Público. 4. Reserva do possível versus mínimo existencial: o confronto orçamentário nas políticas públicas sob o viés da concretização de direitos fundamentais 4.1. O princípio da reserva do possível        É pacífica a concepção de que para que o Estadoefetive políticas públicas énecessário, em primeiro lugar, disponibilidade de recursos públicos, eis que se esbarra na chamada reserva do possível, sendo uma das principais justificativas da Administração para sua omissão, isto é, a alegação de que não existemrecursos suficientes para implementação de tais políticas. O princípio da reserva do possível surgiu na Alemanha, onde muitas das decisões proferidas pela Corte Constitucional Federal da Alemanha tinham como argumento as limitações econômicas, na qual os direitos sociais ficariam à mercê de condições financeiras para assegurar sua satisfação. “As respostas do Poder Público para justificar as limitações de políticas públicas e a impossibilidade de atendimento das reivindicações formuladas pela sociedade, inclusive buscadas judicialmente no que se relaciona aos Direitos Fundamentais, tem adotado como base a reserva do possível, que na sua concepção estabelece alguns parâmetros que subsidiam as decisões, as escolhas procedidas pelos Poderes nas suas atribuições e competências constitucionais.” (SILVA, R., 2010, p. 188) Cesar Augusto Alckmin Jacob demonstra que depois de vasculhar decisões judiciais e doutrinas no Brasil a respeito da reserva do possível, encontrou três posições: “(1) Os defensores do argumento, seja qual for o direito discutido, velando pelo cumprimento rigoroso dos orçamentos, (2) os que não aceitam tal alegação em hipótese alguma, por entenderem se tratar de questão de somenos importância diante da realização dos direitos humanos, e, por fim, (3) quem aceite o argumento de reservas, nos casos em que, por exercício de ponderação de valores, o direito pleiteado não deva se sobrepor a necessidade de previsão orçamentária da despesa decorrente da sua concessão.” (JACOB, 2011, p. 250) Portanto, há estudiosos que defendem a reserva do possível, sendo priorizado o cumprimento do orçamento, como também aqueles que acreditam ser o orçamento menos importante que realizar os direitos humanos, e por último os que acreditam que a depender do direito ele poderá ser concedido mediante previsão orçamentária. Paulo Sérgio Duarte da Rocha Júnior citado por Ada Pellegrini (apud 2011) defende em sua dissertação de mestrado que o Poder Público, além de alegar, deverá provar a falta de recursos, na qual será aplicada por analogia a inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor) ou, ainda, a quem cabe o ônus da prova (artigo 333, CPC), sendo aquele que mais próximo estiver dos fatos ou tiver mais facilidade de prová-los. Ingo Wolfgang Sarlet apresenta uma dimensão tríplice para sustentar a reserva do possível: “a) A efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade.” (SARLET; FIGUEIREDO, 2013, p. 30)   Essa dimensão tríplice que Sarlet sustenta, serve como ferramenta a ser aplicada a reserva do possível, sempre orientados por princípios constitucionais para garantia dos direitos fundamentais, não se admitindo assim, o princípio como um obstáculo para efetivar tais direitos, mas possibilitando sua compreensão para melhor aplicabilidade.   “A reserva do possível deve ser utilizada como critério de ponderação, integrante da realidade fática, visto que já reconhecido enquanto princípio, no ordenamento jurídico, e, portanto, influencia na aplicação do Direito, no âmbito de competência de cada um dos Poderes; Judiciário, Executivo e Legislativo.” (SILVA, R., 2010).   Ada Pellegrini Grinover (2011) resguarda que depois de comprovada a insuficiência de recursos e de falta de previsão orçamentária, o Judiciário determinará que na próxima proposta orçamentária o Poder Público fará constar a verba necessária para implementação da política pública. E se ainda persistir o descumprimento, o Judiciário também determinará a obrigação de fazer consistente na implementação da política pública, visto que, não sendo vinculante a lei orçamentária, permite o remanejamento de verbas (artigo 461, § 5º do CPC), poderá ainda o juiz sub-rogar pessoas para cuidar do cumprimento de tais obrigações.   Cabe destacar que o Judiciário, baseando sua argumentação na reserva do possível, poderá condenar a Administração “a duas obrigações de fazer: a inclusão no orçamento da verba necessária ao adimplemento da obrigação; e à obrigação de aplicar a verba para o adimplemento da obrigação” (GRINOVER, 2011, p.138).   Portanto é impossível referir-se a reserva do possível, sem se lembrar dos orçamentos públicos, mais precisamente do planejamento orçamentário, que é estabelecido pela Constituição, que a partir desta ganhou maior importância e ainda o máximo de atenção na fiscalização a partir da LRF. Contudo, a reserva do possível encontra contra-argumento no mínimo existencial, princípio este que apresenta maior relevância e determina aplicação imediata. 4.2. A garantia do mínimo existencial A dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos fundamentos daRepública Federativa do Brasil, pois contemplado no artigo 1º, inciso III, da Constituição, de tal modo que sua aplicabilidade imediata impõe-sepreferencialmente como garantia de concretizar os objetivos fundamentais arrolados no artigo 3º da CR. Luiz Roberto Barroso (2010, p. 41) defende que a dignidade humana é um valor moral, que se tornou um valor fundamental dos Estados democráticos em geral, e hoje, absorvido pelo Direito, éreconhecido como um princípio jurídico. A dignidade humana é inerente e inafastável a todo ser humano independente de raça, sexo, classe social ou religião, sendo que o Estado deve buscar continuamente a garantia de uma vida digna a toda sociedade, senão não o há que se falar em igualdade e liberdade. Assim conforme prevê o artigo 5º, § 1º da CR, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, ou seja, quanto se tratar da dignidade da pessoa humana, sendo este um princípio que define demais direitos, não pode o Poder Público eximir-se de garantir sua aplicação imediata, principalmente pelo seu valor constitucional. Os direitos fundamentais, a serem implementados por meio de políticas públicas, “apresentam um núcleo central, ou núcleo duro, que assegure o mínimo existencial imprescindível para garantir a dignidade humana”(GRINOVER, 2011, p. 132). Portanto, quando há o descumprimento deste núcleo central, é possível a imediata judicialização, permitindo a intervenção do Judiciário para correção ou implementação de políticas públicas (GRINOVER, 2011). Partindo deste pressuposto Ana Paula de Barcellos afirma que: “O chamado mínimo existencial, formado pelas condições materiais básicas para a existência, corresponde a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer a eficácia jurídica positiva ou simétrica. (…) o mínimo existencial que ora se concebe é composto de quatro elementos, três materiais e um instrumental, a saber: a educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça (grifo nosso). Repita-se, ainda uma vez, que esses quatro pontos correspondem ao núcleo da dignidade da pessoa humana a que se reconhece eficácia jurídica positiva e, a fortiori, o status de direito subjetivo exigível diante do Poder Judiciário.”(BARCELLOSapudTORRES, 2013, p. 70) Ingo Sarlet menciona o núcleo essencial, em mesmo sentido que o núcleo central ou duro apontado por Ada Pelllegrini, e o vincula ao princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial: “Que tal núcleo essencial encontra-se diretamente vinculado ao princípio da dignidade da pessoa humana, notadamente (…) ao conjunto de prestações materiais indispensáveis para uma vida com dignidade (grifo nosso) (…). Além disso, a noção de mínimo existencial, compreendida, por sua vez, como abrangendo o conjunto de prestações materiais que asseguram a cada indivíduo uma vida com dignidade, que necessariamente só poderá ser uma vida saudável, que corresponda a padrões qualitativos mínimos, nos revela que a dignidade da pessoa atual como diretriz jurídico-material tanto para a definição do núcleo essencial, quanto para a definição do que constitui a garantia do mínimo existencial, que, na esteira de farta doutrina, abrange bem mais do que a garantia da mera sobrevivência física, não podendo ser restringido, portanto, à noção de um mínimo vital ou a uma noção estritamente liberal de um mínimo suficiente para assegurar o exercício das liberdades fundamentais (grifo nosso). Em se partindo do pressuposto que as prestações estatais básicas destinadas a garantir uma vida digna para cada pessoa constituem, inclusive, parâmetro necessário para a justiciabilidade dos direitos sociais prestacionais, no sentido de direitos subjetivos definitivos que prevalecem até mesmo em face de outros princípios constitucionais como é o caso da "reserva do possível"(Grifo nosso) [e da conexa reserva parlamentar em matéria orçamentária] e da separação dos poderes, apenas para referir os que têm sido mais citados na doutrina, resulta evidente – ainda mais em se cuidando de uma dimensão negativa (ou defensiva) dos direitos sociais (e neste sentido não apenas dos direitos a prestações) – que este conjunto de prestações básicas não poderá ser suprimido ou reduzido (para aquém do seu conteúdo em dignidade da pessoa) nem mesmo mediante ressalva dos direitos adquiridos, já que afetar o cerne material da dignidade da pessoa (na sua dupla dimensão positiva e negativa) continuará sempre sendo uma violação injustificável do valor (e princípio) máximo da ordem jurídica e social.” (SARLET, 2006, p. 15)   Para tanto, é necessária a formulação de políticas públicas a fim de alcançar o mínimo existencial, ou seja, dar primazia à dignidade da pessoa humana para a composição das mesmas. O mínimo existencial é então o mínimo necessário para se viver uma vida digna, e além das prestações básicas já citadas por Barcellos, alguns autores apresentam uma visão mais alargada incluindo ainda o saneamento básico, a tutela do ambiente, o acesso a uma alimentação básica e vestimentas, e a garantia de uma moradia. Não obstante, se observa a difícil tarefa em definir quais prestações estarão incluídas no mínimo existencial, visto que as opiniões ainda divergem.   Para consagração do mínimo existencial e consequentemente uma vida digna não se resta necessário somente garantir a sobrevivência física ou mínimo vital como define Sarlet (2011), mas também condições dignas e com certa qualidade, permitindo o desenvolvimento da personalidade e fruição de suas liberdades fundamentais.   Conclui Sarlet: “É preciso frisar, por outro lado, que também no que diz com o conteúdo do assim designado mínimo existencial, bem como no que diz com a sua proteção e implementação, existe uma gama variada de posicionamentos no que diz com a atuação do Poder Judiciário nesta seara, de tal sorte que tal temática aqui não será especificamente examinada. De outra parte, mesmo que não se possa adentrar em detalhes, firma-se posição no sentido de que o objeto e conteúdo do mínimo existencial, compreendido também como direito e garantia fundamental, haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucionalmente adequada do direito à vida e da dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental. Neste sentido, remete-se à noção de que a dignidade da pessoa humana somente estará assegurada – em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver assegurada nem mais nem menos do que uma vida saudável (grifo nosso).”(SARLET, 2011, p.7)   Contudo, não se faz necessária previsão legal sobre o mínimo existencial, visto que a promoção à vida e a dignidade da pessoa humana como princípios, são resguardados pela Constituição, que por si só já constituem o núcleo essencial que assegura o mínimo existencial. Sarlet (2011) ainda alerta que embora os direitos sociais abarquem algumas dimensões do referido princípio, não podem e não devem ser considerados como o núcleo essencial, mas por sua vez não impede que os direitos sociais sejam interpretados à luz do mínimo existencial, tal premissa parte da ideia de que nem todos os direitos sociais fazem parte do mínimo existencial, como por exemplo, o direito à greve.   Kazuo Watanabe explica o porquê da conceituação do princípio: “A adoção do conceito de mínimo existencial é feita para possibilitar a tutela jurisdicional imediata, sem a necessidade de prévia ponderação do Legislativo ou do Executivo por meio de política pública específica, e sem a possibilidade de questionamento, em juízo, das condições práticas de sua efetivação, vale dizer, sem sujeição à cláusula da “reserva do possível”.” (WATANABE, 2011, p. 218) As jurisprudências dos tribunais comungam que “onde esteja em jogo o mínimo existencial é inadmissível invocar a reserva do possível (RE N. 482.611, Santa Catarina, Rel. Min. Celso de Mello).”(BRASIL, 2010). Do Recurso Especial n. 1.185.474-SC relatado pelo Min. Humberto Martins extrai-se a seguinte afirmativa: “Aqueles direitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por outra razão que se afirma que a reserva do possível não é oponível à realização do mínimo existencial”. (BRASIL, 2010) Consequentemente, esse núcleo central prevalece mesmo diante do princípio da reserva do possível, ou seja, ante o mínimo existencial o Poder público não poderá abster-se de garanti-lo e ainda o Judiciário não poderá acatar a reserva do possível como justificativa cabível para não consecução de política pública. Admitir-se que “possa o Estado alegar qualquer espécie de obstáculo ou dificuldade de ordem material (…) será o mesmo que admitir que alguém possa continuar vivendo em estado de indignidade” (WATANABE, 2011, p. 218) consentindo assim, afronta aos fundamentos da nossa Constituição. 4.3. Posição do STF No decorrer do presente artigodefendeu-se a relevância direcionada aos direitos fundamentais na Constituição da República, sendo dever do Estado a garantia e promoção dos referidos direitos por meio de políticas públicas. Cada poder da União está incumbido de responsabilidade nos limites de sua competência a participar deste processo, qual seja garantir a efetividade dos direitos fundamentais. Cabe àAdministração Pública a formulação e execução de políticas públicas, sempre almejando o bem-estar social. Um dos instrumentos essenciais para criar e consequentemente concretizar as políticas públicas é o planejamento orçamentário, com o intuito de se evitar o endividamento da Administração e alcançar o equilíbrio entre receitas e despesas. Repisa-se que diante da omissão ou arbitrariedade do Poder Público na efetivação dos direitos anteriormente mencionados, o Poder Judiciário terá legitimidade para intervir e garantir a sua efetivação, contudo, sem ultrapassar os limites legítimos da discricionariedade da Administração. Como demonstrado anteriormente, a Administração deverá garantir o mínimo existencial ao cidadão, logo, não poderá se valer da reserva do possível neste caso. Nesse viés, vale apresentar o voto do Ministro Celso de Mello, a respeito da intervenção do Poder Judiciário no controle de políticas públicas, na ADPF n. 45-9, que assim se pronunciou: “É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial – atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ‘Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976’, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora ema bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto – consoante já proclamou esta Suprema Corte –que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política ‘não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado’ (grifo nosso)(…) Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à ‘reserva do possível’ (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, ‘The CostofRights’, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosa) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. (…) A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condiçõesde sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.(grifo nosso) Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da ‘reserva do possível’, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. (grifo nosso) (…) É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sócias, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental,aquele núcleo intangível consubstanciadorde um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.”(BRASIL, 2004) Portanto percebe-se que a posição do STF, representada pelo Ministro, é de que são necessários alguns requisitos para intervenção do Judiciário, por conseguinte, esses limites deverão ser respeitados pelos magistrados em suas decisões, quais sejam: (1) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; (2) a razoabilidade da pretensão deduzida em face do Poder Público e (3) a existência de disponibilidade financeira do Estado para efetivação dos direitos fundamentais reclamados. Ante tudo que foi exposto, temos problematizado a limitação do Poder Judiciário em suas decisões, ao passo que o princípio do mínimo existencial que permite a garantia da dignidade da pessoa humana terá sempre relevância diante de qualquer situação.Porémquando invocado o princípio da reserva do possível em determinada circunstância que não se faz referência ao mínimo existencial, o juiz deverá ponderar sua decisão fundamentando-a em dados técnicos, qual seja, o planejamento orçamentário, na qual segue, pautado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 4.4. Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade como limitadores das decisões judiciais Embora na prática por algumas vezes os princípios da razoabilidade e proporcionalidade sejam utilizados como sinônimos, eles não o são, motivo pelo qual possuem características específicas e diferenciadas. Em verdade, é necessária a aplicação da proporcionalidade para se aferir a razoabilidade, ou seja, para se definir se o ato foi realmente razoávelseráimprescindívelempregar o princípio da proporcionalidade. Para a compreensão do tema, é indispensável adefiniçãoinicial do princípio da razoabilidade.Partindo deste pressupostoJosé dos Santos Carvalho Filho (2010, p.42) define que “razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma uma pouco diversa”, ao passo que a violação deste se leva a acreditar na violação do princípio da legalidade. Mas, emboraemdeterminadas circunstâncias a valoração de razoabilidade possa ser interpretada de forma diversa, deve-se orientar naquilo que seja razoável ao homem médio, e é claro, também nos requisitos legais estabelecidos. Para tanto, todos os Poderes estão suscetíveis à aplicabilidade do princípio da razoabilidade, visto que seus atos devem ser razoáveis e ponderados, inclusive da Administração Pública diante de seus atos discricionários. “A falta de razoabilidade é puro reflexo da inobservância de requisitos exigidos para a validade da conduta” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 43),de tal modo que o Judiciário diante do caso concretodeverá ser sensato em suas decisões, se submetendo também para todos os efeitos ao princípio da proporcionalidade. Para Ada Pellegrini (2011, p. 133) o princípio da proporcionalidade significa, “a busca do justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados” (grifo nosso). Carvalho Filho diz que: “O grande fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder, e o fim a que se destina é exatamente o de conter atos, decisões e condutas de agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes representativos do Estado.”’ (CARVALHO FILHO, 2010, p. 44-45) Ocorre que, para se constituir o princípio da proporcionalidade,revestiram-node três subprincípios cumulativos, quais foram, a adequação ou conformidade, que exige que o meio e o fim empregados sejam compatíveis; a necessidade ou exigibilidade[10], é imprescindível a medida menos gravosa ou onerosa para se alcançar o fim propugnado; e por fim a proporcionalidade em sentido estrito (restrito), quando existe a valoração das vantagens e desvantagens a serem almejados. E, nessa linha de raciocínio, José Joaquim Gomesesclarece: “O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adoção. Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim.(…) O princípio da exigibilidade, também conhecido como ‘princípio da necessidade’ ou da ‘menor ingerência possível’, coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão.(…) c) Princípio da proporcionalidade em sentido restrito Quando se chegar a conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à ‘carga coactiva’ da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido restrito, entendido como princípio da ‘justa medida’. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, como o objectivo de se avaliar se omeio utilizado é ou na desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.”(GOMESapud GRINOVER, 2011, p. 133).   É notório que o princípio da razoabilidade surgiu voltado para a lógica, a interpretação jurídicae como pressuposto de ponderaçãode outros princípios, enquanto o princípio da proporcionalidade é objetivo, material e visa balancear valores, como a segurança, a justiça e a liberdade. (CARVALHO FILHO, 2010)   Destarte, o princípio da proporcionalidade impõe controle sobre os atos discricionários da Administração que exigem intervenção do Judiciário para que se consiga alcançar a justa harmonia na escolha e aplicação dos direitos do particular ou da coletividade, logo, serve como instrumento de proteção dos direitos fundamentais.Ademais recordamSarlet e Figueiredo: “Que a proporcionalidade haverá de incidir na sua dupla dimensão como proibição do excesso e de insuficiência, além de, nesta dupla acepção, atuar sempre como parâmetro necessário de controle dos atos do poder público, inclusive dos órgãos jurisdicionais, igualmente vinculados pelo dever de proteção e efetivação dos direitos fundamentais.”(SARLET; FIGUEIREDO, 2013, p. 33)   Com relação ao Poder judiciário, João Batista Lopes citado por Ada Pellegrine leciona: “Pelo princípio da proporcionalidade o juiz, ante o conflito levado aos autos pelas partes, deve proceder à avaliação dos interesses em jogo e dar prevalência àquele que, segundo a ordem jurídica, ostentar maior relevo e expressão. (…) Não se cuida, advirta-se de sacrificar um dos direitos em benefício do outro, mas de aferir a razoabilidade dos interesses em jogo à luz dos valores consagrados no sistema jurídico.”(LOPES apud GRINOVER, 2011, p. 136) Nesse sentido, os tribunais têm aplicado em suas decisões: “APELAÇÃO CÍVEL N. 244.253-5/2-00 (…) O princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes (Grifo nosso), notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. (…) Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador. (BRASIL, 2004) REsp. n. 503.028/SP Em voto proferido pela Min. Eliana Calmon em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público, no qual era exigido do Município de São Paulo vaga em creche para duas crianças de três anos, com expressa indicação da creche que deveria receber os menores, ou seja, a Creche Municipal de Vila Basiléia: (…) Conforme os novos paradigmas do Direito Administrativo, não se pode mais tolerar o entendimento de que ao Poder Judiciário não cabe imiscuir-se nas questões orçamentárias da municipalidade, mas também não é possível impor aos órgãos públicos obrigação de fazer que importe gastos, sem que haja rubrica própria para atender à determinação. É preciso ter o bom senso de entender que os recursos são insuficientes para atender aos deveres municipais, especialmente após a CF/88. Ademais, ainda devem os ordenadores de despesa atender os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal. Tendo em conta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a imposição de obrigações de fazer a ser imposta aos diversos poderes nas esferas federal, estadual e municipal exige moderação, a partir do cuidado quando da elaboração das políticas públicas e orçamentárias (grifo nosso). O MINISTÉRIO PÚBLICO mostrou que o município tem obrigação, sendo direito de todas as crianças exigirem o cumprimento dela. Entretanto, não demonstrou as condições de realização dessas obrigações, nem se foram olvidadas de modo próprio, por desídia, leviandade.”(BRASIL,2004) Assim sendo, faz-se necessárioa intervenção do Judiciárioqueao analisar determinada demandavaler-se-ádoprincípio da proporcionalidadeparaavaliar se o ato discricionário do Poder Público foi não razoável, assim o juiz deverá pautar sua análise e decisão no mencionado princípio, a fim de se alcançar a razoabilidade. Portanto, sendo necessário analisar o planejamento orçamentário, como objeto de ponderação, conseqüentemente observando os subprincípios da adequação, necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito, para se obter decisão razoável.Nesse viés: “REsp 510598 / SP – Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA ARTIGOS 54 E 208 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MATRÍCULA E FREQÜÊNCIA DE MENORES DE ZERO A SEIS ANOS EM CRECHE DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL.(…) 4. A consideração de superlotação nas creches e de descumprimento da Lei Orçamentária Municipal deve ser comprovada pelo Município para que seja possível ao órgão julgador proferir decisão equilibrada na busca da conciliação entre o dever de prestar do ente público, suas reais possibilidades e as necessidades, sempre crescentes, da população na demanda por vagas no ensino pré-escolar.”(BRASIL, 2008). A possibilidade de o Judiciárioconsiderar o orçamento público pode ocorrer através de comprovação pelo Município, como tambémpor meio de diálogo com gestor, ou ainda, se valer de avaliações de profissionais técnicos especializados em planejamento governamental, área esta que pode ocorrer do magistrado não deter conhecimentos suficientes para proferir uma sentença justa e equilibrada. E que esteprofissionaltenha uma capacidade técnica satisfatória para realizar o remanejamento de verbas, sem comprometer a consecução de outras políticas públicas, com relevância tanto quanto às políticas demandadas, que também deverão ser implementadas no referido orçamento. Conclusão Depois de toda pesquisa realizada conclui-se que os direitos fundamentais foram reconhecidos e garantidos pela Constituição da República por força política e social e passaram a ser protetores da dignidade da pessoa humana,sendo dever do Estado Democrático de Direito promover e garantir a efetividade de tais direitos, portanto, devem ser priorizados na atuação de cada Poder, ao passo que, cada um deve desempenhar sua competência a fim de defendê-los para que possivelmente consigam realizar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Se é dever do Estado a promoção e garantia dos direitos fundamentais, esse papel resta direcionado aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um limitado a sua competência e atribuição, mastodos exercendo fiscalização um sobre o outro com o fim de evitar abusos e violação aos direitos fundamentais (Art. 2º da CR). Inicialmente compete ao Executivo e Legislativo criar políticas públicas para alcançar a efetividade desses direitos, mas cabe somente ao Executivo a execução das políticas, que por vezes justifica sua omissão com fundamento na escassez de recursos. Diante da omissão ou arbitrariedade do Poder Público é direito do cidadão pleitear judicialmente a prestação pretendida. Eis que surge o conflito de queaintervenção do Judiciário seria violação da separação dos poderes, mas a visão neoconstitucionalistadefende ser o Judiciário defensor da Constituição, ao passo que, ao vê-la violada deve-se fazer prevalecer a letra constitucional e assegurar a sua eficácia. No tocante a Administração Pública, que é um conjunto de órgãos instituídos a satisfazer as necessidades da coletividade, seus atos podem ser vinculados e discricionários, sendo que osprimeirosdevem ser praticados conforme a lei prescreve, enquanto ossegundosa lei lhe permite certa liberdade para agir ou decidir. Repisa-se que a discricionariedade não permite arbitrariedade, pois todos os atos discricionários deverão ser fundamentados na Constituição e na legislação infraconstitucional pertinente. O Judiciário somente intervirá se houver demonstrado que a Administração extrapolou seus limites de discricionariedade, não lhe sendo legítimo, invalidar ou substituir a escolha a feita, sob pena de, aí sim, incorrer em ingerência indevida.    Notou-se que gradativamente tem aumentado o interesse por políticas públicas, tanto pelo próprio Poder Público, como pela população representada por grupos sociais, sendo esta a principal forma de se concretizar os direitos fundamentais. Política Pública é um conjunto de ações da Administração, por meio de programas, a fim de se alcançar as promessas feitas no período eleitoral, como também as demandas da população à luz dos direitos constitucionais fundamentais. As políticas públicas devem ser prioridade governamental, pois é por meio delas que se tornam atingíveis os objetivos fundamentais. Para tanto é necessário um planejamento governamental, oplanejamento orçamentário. O planejamento orçamentário foi subdivido pela Constituição da República em Plano Plurianual (PPA) para ser executado no exercício financeiro seguinte no período de quatro anos, Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) composta pelas metas e prioridades a ser executado no exercício financeiro de um ano e orientará a (LOA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) na qual serão previstas todas as receitas e fixadas todas as despesas,a real execução do orçamento público. Ainda há o Orçamento Participativo, uma participação popular direta no planejamento orçamentário. Reforça-se a efetiva evolução no instituto do orçamento público, tanto na sua formulação como na sua execução. Embora a Lei 4320/64 já estabelecesse um planejamento orçamentário, houve grande avanço com a Constituição de 1988. Soma-se a Lei de Responsabilidade Fiscal, a qual obriga o gestor a cumprir o que foi planejado, determinando um compromisso no momento da elaboração do plano de governo. No planejamento devem ser inseridas as prioridades da coletividade e as políticas públicas necessárias, sendo que a participação popular por meio do OP permite que o delineamento das políticas com maior clareza e valor democrático. Não há como negar o problema da concretização dos direitos fundamentais, por chegarem a ponto de necessária intervenção judicial, que pode ser tanto por falta de planejamento, como também por insuficiência de recursos, ou ainda omissão ou arbitrariedade do poder público. Conclui-se que o mínimo existencial em hipótese alguma deve se submeter a reserva do possível, pois aquele define um núcleo central de direitos fundamentais, portanto, sua aplicação deve ser imediata. Esse núcleo central é o mínimo que o Poder Público deve garantir, priorizando-o principalmente no seu planejamento orçamentário. O cidadão não pode ficar sempre a mercê das escolhas do gestor, e não ter garantido o mínimo existencial é indubitavelmente desumano. Embora haja divergências quanto quais são os direitos que definem o mínimo existencial, conclui-se que deverá ser analisado o caso concreto e a cada caso. É necessário compreender melhor aaplicabilidade da reserva do possível. Nesse sentido, a Administração, em cada caso concreto, deverá comprovar essa insuficiência, e o juiz deverá se amparar nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tanto para analisar se a Administração utilizou tais princípios, quanto para definir sua decisão. Para alcançar decisão razoável, deverá pautar-se também na proporcionalidade, evitando-se excessos ou carências na decisão.Deveráempregar ainda os subprincípios da adequação, da necessidade e proporcionalidade em sentido estrito cumulativamente. Consequentemente, deverá analisar o orçamento, podendo ser o próprio juiz, se entender ter capacidade técnica para isso, ou então um profissional técnico.A partir disso poderá determinar obrigação de fazer à Administração, que poderá ser a inclusão de política públicana próxima proposta orçamentária ou então o adimplemento da obrigação, visto que depois da análise poderá encontrar a verba suficiente, ou então, por meio remanejamento de verbas, sem prejudicar outras políticas públicas.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/reserva-do-possivel-versus-minimo-existencial-o-confronto-orcamentario-nas-politicas-publicas-sob-o-vies-da-concretizacao-dos-direitos-fundamentais/
A aplicação da Lei 12.846 de 1° de agosto de 2013 nas sociedades da administração pública indireta
O presente artigo analisa se a Lei 12.846 de 1º de agosto de 2013, a qual entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014, aplica-se às sociedades da administração pública indireta, empresa pública e sociedade de economia mista, nos casos de danos gerados ao erário por atos de corrupção destas. Para tal, analisar-se-á a legislação vigente assim como os princípios da administração pública, em especial os princípios da supremacia do interesse público e da eficiência . Por fim, demonstrar-se-á a importância desta aplicação a fim de diminuir a incidência das práticas de corrupção no país.
Direito Administrativo
Introdução A corrupção no Brasil é de ordem sistêmica e não é atual. Desta forma, a fim de diminuir a incidência desta prática corriqueira no país, acompanhando os interesses internacionais, diversas propostas passaram a ser discutidas no âmbito federal. Como resultado deste diálogo ante o Poder Legislativo, em 1° de agosto de 2013 foi sancionada a lei 12.846/2013, mais conhecida como Lei Anticorrupção, que passa a responsabilizar as pessoas jurídicas por seus atos contra a administração pública. A presente legislação traz em seu artigo 1° e parágrafo único os sujeitos os quais estão submetidos às normas estabelecidas por esta. O ponto específico deste trabalho, entretanto, é entender a possibilidade e a necessidade de se aplicar a presente legislação às sociedades da administração pública indireta que cometam danos ao erário por atos de corrupção, ou seja, contra a própria administração pública. As entidades da administração pública indireta são dotadas de personalidade jurídica própria, e não se vinculam à entidade maior – União, Estados-membros ou municípios – motivo pelo qual realizam atividades e atos do mundo jurídico em seu nome próprio. Desta feita, por não se confundirem com a entidade maior, vislumbra-se a tese de incidência da referida lei anticorrupção sobre alguns entes da administração pública indireta. Para a aplicação da presente lei, entretanto, é necessário que haja a devida análise do assunto sob a ótica dos princípios da administração pública, em especial os princípios da supremacia do interesse público e da eficiência, assim como entender as demais regras constitucionais a respeito da administração pública. Através da análise dos princípios citados, assim como da exposição das características próprias dos entes da administração pública indireta, em especial as sociedades, demonstrar-se-á a importância da aplicação da lei objeto deste estudo a aqueles. A pesquisa será elaborada a partir da análise do texto da Constituição Federal, da legislação, além de doutrinadores e decisões judiciais que abordem temáticas relacionadas ao objeto do trabalho de conclusão de curso, iniciando-se pela interpretação histórica do referido tema. Diante de Estados inchados, empresas multinacionais, interesses políticos e escândalos internacionais, foi necessário que o mundo cunhasse medidas que viessem a evitar a falência das relações comerciais que envolvessem qualquer relação estatal. Como exalta Anderson Freitas da Fonseca, em seu artigo “O Combate à Corrupção Sob a Perspectiva Internacional”, fora observado pela comunidade internacional que: “As práticas corruptas em nível internacional ocasionam o aumento gradativo dos custos de produção, em inversão a eficiência dos resultados potencialmente obtidos pela livre concorrência comercial, além é claro do desvio dos resultados financeiros obtidos em detrimento do bem comum”. (FONSECA, 2012, p. 34) O assunto, em voga no final do século passado, gerou inclusive um índice. Nomeado “Índice de Percepção de Corrupção”, elaborado pela organização TransparencyInternational pela primeira vez em 1995, aquele demonstrou que a economia mundial dependia, assim como as decisões sobre investimentos estrangeiros, da avaliação sobre a corrupção nos países. Desta feita, a fim de se evitar prejuízos e dano ao coletivo, assim como assegurar a manutenção da democracia, tratados internacionais sobre corrupção foram firmados a partir do século XX.Iniciou-se, pois, uma era de novas legislações em diversos continentes sobre o assunto. Pioneira no mundo, oForeignCorruptPracticesAct(FCPA), aprovado pelo Congresso americano em 1977, foi a mola propulsora para a realização dos tratados e convenções internacionais sobre corrupção.Criado a partir do caso de corrupção conhecido como Watergate, o FCPA foi o primeiro estatuto no mundo a tratar sobre as condutas praticadas pelas empresas alocadas nos Estados Unidos da América com os governos externos e no comércio internacional. Um dos maiores escândalos de corrupção do país teve como resultado a descoberta de inúmeros casos de suborno a Estados e organismos internacionais por empresas americanas, como destaca Mike Koehler na sua publicação “A história da ForeignCorruptPracticesAct”: “Over the course of four months in 1975, the Church Committee held separate hearings regarding Gulf Oil, Northrop, Mobil Oil, and Lockheed. Each of these corporations were the subject of allegations, or had already made admissions, concerning questionable payments made directly or indirectly to foreign government officials or foreign political parties in connection with a business purpose. For instance, Gulf Oil principally involved contributions to the political campaign of the President of the Republic of Korea. Northrop principally involved payments to a Saudi Arabian general. Exxon principally involved contributions to Italian political parties. Mobil Oil also principally involved contributions to Italian political parties. Lockheed principally involved payments to Japanese Prime Minister Tanaka, Prince Bernhard (the Inspector General of the Dutch Armed Forces and the husband of Queen Juliana of the Netherlands), and Italian political parties. In addition, although not the focus of separate Church Committee hearings, foreign payments by United Brands and Ashland Oil also concerned Congress. United Brands principally involved payments to Oswaldo Lopez Arellano, the President of Honduras”.(KOHLER, 2012, p. 2) Fora diante deste cenário que o Congresso decidiu pela proibição e responsabilização das pessoas jurídicas pelas condutas de suborno ou pagamento de propina a agentes internacionais como forma de auferir vantagens em negociações ou concessões. Entretanto, como mencionam Celina Ozório e Cynthia Kramer no trabalho intitulado“O Modelo Norte-Americano Anticorrupção”: “Pode-se dizer que com a promulgação do FCPA, as empresas americanas acabaram se colocando em uma posição de desvantagem frente ao comércio mundial. Isso porque outros países industrializados não proibiam a prática de corrupção de agentes públicos estrangeiros. Ao contrário, alguns deles permitiam a dedução fiscal de pagamentos de corrupção, como “despesas necessárias” à realização do negócio, dando a empresas originárias desses países ampla liberdade para a prática de corrupção, em oposição ao controle a que já estavam sujeitas as empresas americanas”. (OZORIO; KRAMER. 2014) Os Estados Unidos da América assumiram o risco de gerar uma posição de desvantagem às suas companhias em prol da restauração da moralidade do país, como corrobora Mike Kohler: “Despite competitive advantage concerns, a certain degree of competitive disadvantage was accepted by Congress in seeking solutions to the problem. Forinstance, Representative Moss stated as follows during a House hearing:[T]o think that no loss of business would occur in every instance would be unrealistic. Can we allow this to occur? Yes, if that is the small price we must pay to return morality to corporate practice. Yes, if that is the small price we pay to show that U.S. firms compete in terms of price, quality, and service and not in terms of the size of a bribe. Real competition works. The vast majority of American companies have operated successfully in foreign countries without the need to resort to bribery”.(KOEHLER, 2012, p. 6) Tendo em vista que seria impossível requerer aos demais países que controlassem a moralidade de seus empresários de forma espontânea, iniciou-se uma pressão internacional para que todos assumissem compromissos a fim de reestabelecer a ordem econômica e política. 1.2O interesse internacional e as conveções sobre corrupção Foi apenas em 17 de dezembro de 1997 que o órgão internacional Organisation for EconomicCo-operationandDevelopment – estabelecido em 1948 com o fim de reestruturar a Europa pó-guerra -, através da convenção denominada “ConventiononCombatingBriberyofForeignPublicOfficials in International Business Transactions”, explicitou a vontade de 41 signatários, incluindo-se o Brasil, em abrandar a corrupção nas relações comerciais internacionais, assim classificando o suborno: “Bribery is a widespread phenomenon in international business transactions, including trade and investment, which raises serious moral and political concerns, undermines good governance and economic development, and distorts international competitive conditions.”(OECD, 1997) Acordou-se, pois, que compromissos seriam assumidos pelos países signatários da referida Convenção a fim de diminuir as ocorrências de suborno e corrupção, como assim se explicita no texto desta: “Each Party shall take such measures as may be necessary to establish that it is a criminal offence under its law for any person intentionally to offer, promise or give any undue pecuniary or other advantage, whether directly or through intermediaries, to a foreign public official, for that official or for a third party, in order that the official act or refrain from acting in relation to the performance of official duties, in order to obtain or retain business or other improper advantage in the conduct of international business;.Each Party shall take any measures necessary to establish that complicity in, including incitement, aiding and abetting, or authorisation of an act of bribery of a foreign public official shall be a criminal offence. Attempt and conspiracy to bribe a foreign public official shall be criminal offences to the same extent as attempt and conspiracy to bribe a public official of that Party”.(OECD, 1997) Sendo o Brasil um dos signatários da convenção, esta fora incorporada à legislação brasileira por meio do Decreto Presidencial 3.678/00. As consequências de tal convenção na legislação pátria serão demonstradas nos itens seguintes. Destaca-se também, uma vez sua relevância nas relações internacionais, a ConvençãoInter-Americana Contra a Corrupção, ratificada por inúmeros países em 1996, e incorporada pelo sistema jurídico brasileiro em 2002 peloDecreto de Número 4.410. Os signatários consideraram o tema relevante em visto de terem sido “[…] convencidos [de] que o combate à corrupção fortalece as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e a deterioração moral de uma sociedade” (OAS, 1996). Uma das obrigações acordadas na presente convenção foi a criação de um “sistema de contratação do governo e aquisição de bens e serviços que garantem transparência, equidade e eficiência” (OAS, 1996), assim previsto no Artigo III, 5 desta. A medida, entretanto, em parte, já havia sido atendida no direito pátrio pela Lei 8.666, de 21 de junho 1993, que regula as licitações. Por fim, considerada um dos mais importantes tratados sobre ações anticorrupção, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, promovida no âmbito da Organização das Nações Unidas, é abrangente e ressalta medidas a serem adotadas pelos Estados signatários tanto no setor público como privado. As medidas elencadas abrangem tanto a prevenção quanto a penalização dos envolvidos em atos corruptos. A Convenção, ademais, traz novamente em pauta a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção, como prevê seu Artigo 26, que assim expõe: “Responsabilidade das pessoas jurídicas 1. Cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias, em consonância com seus princípios jurídicos, a fim de estabelecer a responsabilidade de pessoas jurídicas por sua participação nos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção. 2. Sujeito aos princípios jurídicos do Estado Parte, a responsabilidade das pessoas jurídicas poderá ser de índole penal, civil ou administrativa. 3. Tal responsabilidade existirá sem prejuízo à responsabilidade penal que incumba às pessoas físicas que tenham cometido os delitos. 4. Cada Estado Parte velará em particular para que se imponham sanções penais ou nãopenais eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluídas sanções monetárias, às pessoas jurídicas consideradas responsáveis de acordo com o presente artigo”. (ONU, 2003) A referida convenção, assinada em 2003 na cidade de Mérida, no México,fora incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro através da promulgação do Decreto Presidencial 5.687/2006. Como resposta ao avençado, o país inovou na elaboração de legislações pertinentes à matéria, como se demonstra no item seguinte. 1.3A lei 12.846 de 1° de agosto de 2013 e seu diferencial Verifica-se que diante dos organismos internacionais, o Brasil se encontrava atrasado em relação ao cumprimento dos tratados assinados. Apenas dez anos após a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, promovida no âmbito da Organização das Nações Unidas, o Brasil cumpriu com o estabelecido de responsabilizar também as pessoas jurídicas por atos inidôneos nas relações comerciais e prejudiciais à administração pública. Observa-se que o focodas legislações anticorrupção vigentes no país até o ano de 2013 se voltava à pessoa física causadora de danos ao patrimônio público ou que atentasse contra os princípios da administração pública. Independentemente de a quem o benefício do ato corrupto se dirigia, a pessoa física, diante de sua responsabilidade subjetiva civil e administrativa, poderia vir a sofrer sanções. A responsabilidade objetiva da pessoa jurídica nos casos de atos de corrupção surge no ordenamento jurídico através da Lei 12.846 de 1º de agosto de 2013, que logo em seu art. 1º identifica esta possibilidade, assim exposndo: “Art. 1oEsta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (BRASIL, 2013). Situação identificada no primeiro artigo da lei, esta é ratificada pelo seu segundo artigo, que assim expressa: “Art. 2oAs pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”(BRASIL, 2013). Até apromulgação da presente lei, como referido, a legislação abarcava apenasa responsabilidade subjetiva da pessoa física nas situações de corrupção. Como destacado por Diego Santiago Vieira de Brito, o cenário sofreu alterações: “Com a inovação trazida pela da Lei nº 12.846, não há mais a discussão sobre os elementos da culpabilidade ou dolo, vencida a responsabilização subjetiva e instaurada a categoria objetiva da responsabilidade das pessoas jurídicas nas práticas de ilícitos contra a administração pública, seja a empresa sediada no território nacional ou mesmo de origem estrangeira”. (BRITO,2014, p. 100) Pierpaolo Cruz Bottini e Igor Tamasauskas, no artigo intitulado “A controversa responsabilidade objetiva na Lei Anticorrupção”, destacam os motivos que levaram os legisladores à adoção desta responsabilidade, como se demonstra: “O escopo do legislador é fortalecer o ambiente institucional de repressão à corrupção. Ao suprimir a exigência da constatação do dolo ou da imprudência para imputar as sanções previstas, quer-se incentivar a adoção de políticas de integridade e compliance, que evitem qualquer ligação da empresa com pessoas ou outras entidades que possam lhe trazer problemas ou danos de imagem”. (BOTTINI; TAMASAUSKAS, 2014) A pessoa jurídica mencionada, por sua vez, não tem sua definição restringida pela legislação em tela, devendo apenas aquela ser uma sociedade, fundação ou associação, como se evidencia da leitura do parágrafo únicodo artigo primeiro da legislação: “Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.” (BRASIL, 2013) Demonstra-se, pois, que não há restrição ao tipo societário adotado, assim como pode ser a sociedade empresária ou simples. Desta feita, pode-se abranger, pois, a princípio, as sociedades da administração pública indireta como passivo da ação derivada da Lei 12.846/2013. Destaca-se ainda que os atos caracterizados como lesivos à administração pública pela lei em destaque não diferem daqueles descritos como ilegais nas demais legislações do ordenamento jurídico brasileiro, em especial as leis federais8.666 e 8.112. Diferencia-se apenas o polo passivo na responsabilidade administrativa e civil. Quanto às sanções a serem aplicadas às sociedades e demais entidades, estas se dividirão em dois âmbitos: (i) administrativo e (ii) judicial. No primeiro, aquelas poderão ser multadas no valor de 0,1% a 20% do seu faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo, conforme prevê o art. 6º da lei. As sanções aplicadas no âmbito judicial, entretanto, são bem mais gravosas, como assim expressa o art. 19 da Lei Anticorrupção: “Art. 19 Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I – perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III – dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos”. A lei 12.846, sancionada em 2013, e que teve sua vigência a partir de 2014, foi regulamentadaatravés do Decreto 8.420 de 18 de março de 2015. Este, importante para a fixação dos parâmetros das multasprevistas, também define a competência para atuação judicial no caso de persecução das sanções do artigo anteriormente transcrito, como se observa de seu art. 26 e 27: “Art. 26.As medidas judiciais, no País ou no exterior, como a cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, a promoção da publicação extraordinária, a persecução das sanções referidas nos incisos I a IV do caput do art. 19 da Lei no 12.846, de 2013, a reparação integral dos danos e prejuízos, além de eventual atuação judicial para a finalidade de instrução ou garantia do processo judicial ou preservação do acordo de leniência, serão solicitadas ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou entidades lesados. Art. 27.No âmbito da administração pública federal direta, a atuação judicial será exercida pela Procuradoria-Geral da União, com exceção da cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, que será promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.[Grifonosso]”. (BRASIL, 2015) Diante das características apresentadas em relação à Lei Anticorrupção, em especial ao polo passivo caracterizado pela pessoa jurídica, passa-se a definir a pessoa jurídica, exaltando-se a possibilidade de aplicação da presente lei objeto de estudo sob às pessoas jurídicas da administração pública indireta, em especial às sociedades desta. 2A pessoa jurídica Uma vez que a lei tratada em questão – Lei 12.846/2013 – delimita a pessoa jurídica como ente passível das sanções previstas em seu texto, passa-se a tratar das características destas. Independente das subclassificações das pessoas jurídicas, estas apresentaram as seguintes características, conforme expressa Paulo Nader: “O ente a ser plasmado pela doutrina jurídica haveria de reunir algumas características fundamentais: a) ser uma reunião de pessoas ou de bens; b) possuir uma ideia de fim a se realizar; c) incentivar a soma de economias; d) separar as responsabilidades do todo da de seus integrantes. A fórmula jurídica deveria constituir uma pluralidade unitária, ou seja, o conjunto de pessoas passaria a formar uma unidade do ponto de vista jurídico, dotada de personalidade própria e destacada de seus membros, com o que ficaria autorizada a praticar atos e negócios no mundo do direito”. (NADER, 2010, p. 198) Ademais, como observa Washington Monteiro, deve-se enfatizar que a adoção da personalidade jurídica se reveste de princípios fundamentais, como expõe: “A teoria da personalidade jurídica é dominada por alguns princípios fundamentais: a) a pessoa jurídica tem personalidade distinta de seus membros (universitasdistat a singuis) […]; b) a pessoa jurídica tem patrimônio distinto.[…]; c) a pessoa jurídica tem vida própria, distinta de seus membros”.(MONTEIRO, 2003, p. 127) Orlando Gomes em sua classificação das pessoas jurídicas de direito público, reconhecendo os avanços da administração pública, à frente do que trazido pelo Código Civil de 1916, assim expressou: “Não se admitiam outras [pessoas jurídicas de direito público interno], mas, ultimamente, a complexidade da administração pública obrigou a criação de organismos paraestatais, que, exercendo a função pública, gozam de personalidade jurídica própria, atribuída para facilitar a ação administrativa. Esses entes são pessoas jurídicas de direito público: autarquias e instituições de interesse geral”. (GOMES; BRITO; 2010, p. 147) Sílvio de Salvo Venosa, por sua vez, caracteriza as pessoas jurídicas da seguinte forma: “As pessoas jurídicas de direito privado originam-se da vontade individual, propondo-se à realização de interesses e fins privados, em benefício dos próprios instituidores ou de determinada parcela da coletividade” (VENOSA, 2003, p. 263). A pessoa jurídica de direito privado, entretanto, não tem relação com a forma de criação desta, podendo inclusive haver iniciativa estatal, como destaca Francisco Amaral: “São também pessoas jurídicas de direito privado a empresa pública, entidade com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômicaque o governo seja levado a exercer, e a sociedade de economia mista, sociedade anônima criada por lei para a exploraçãode atividade econômica, pertencendo o controle acionário à União ou à entidade da Administração Indireta”.(AMARAL, 2014, p. 345) Caio Mário da Silva Pereira complementa ressaltando a sujeição das pessoas jurídicas ao Código e as leis que se especificam a elas: “Aqui se compreende toda a gama de entidades dotadas de personalidade jurídica, sem distinção se se trata das de fins lucrativos ou de finalidades não econômicas. […] Qualquer que seja a pessoa jurídica de direito privado está sujeita às normas do Código, ou de alguma lei especial que lhe seja aplicável, uma vez que preencha, para a sua constituição e funcionamento, as exigências dele ou das leis que a ela especialmente se refiram”. (PEREIRA, 2009, p. 273) Em vista da abordagem do presente trabalho, restringir-se-á as pessoas jurídicas apenas às sociedades, como se passa a apresentar nos itens seguintes. 2.1A sociedade O art. 1º da Lei 12.846 dispõe que a referida legislação tratará “sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (BRASIL, 2013). O detalhamento de a quais entidades se poderá aplica o disposto na lei, por sua, ver, encontra-se no parágrafo único do art. 1º, que assim define: “Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.” (BRASIL, 2013) Tendo em vista o interesse do presente trabalho em esclarecer a possibilidade da aplicação da referida lei às sociedades da administração pública indireta, cabe elucidar sobre a conceituação de sociedade – pessoa jurídica de direito privado -,que, nas palavras de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, assim se define: “A sociedade corresponde a um mecanismo jurídico que é titular de bens e/ou recursos financeiros os quais lhe permitem o exercício de uma atividade econômica destinada a proporcionar lucro para os sócios, mas também sujeita a perdas eventuais, nos casos em que as despesas daquela mesma atividade superam as receitas.” (VERÇOSA, 2010, p. 38) José Edwaldo Tavares Borba, por sua vez, ressalta: “A sociedade é dotada de personalidade jurídica tal como o homem o é. Uma distinção fundamental deve, porém, estar sempre presente: enquanto o homem é um fim em si mesmo (Kant), a sociedade é um instrumento do homem, ao qual deve servir” (BORBA, 2010, p. 32). Ainda, conforme conceito adotado por Jorge Manuel Coutinho de Abreu: “Sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um patrimônio autônomo para o exercício da atividade econômica que não é de mera fruição, a fim de (em regra) obter lucro e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas.” (ABREU, 2002, p. 21) Diferentemente do apresentado pelos demais autores, o conceito traduzido pelo citado doutrinador português, como se vislumbra, define como sociedade aquelas entidades com um ou mais sujeitos, denominados sócios. Ou seja, identifica na classificação da sociedade a possibilidade desta com apenas um sócio. Como ressaltado por Moreira Filho, entretanto, este conceito de sociedade unipessoal, ou seja, sociedade com apenas um sujeito, “já adotado em outros ordenamentos jurídicos, no Brasil existe apenas na figura da empresa pública e na subsidiária integral”(MOREIRA FILHO, 2009). Para que se defenda, portanto, a aplicação da Lei objeto deste estudo às empresas públicas e subsidiárias integrais, importante frisar a posição destas como sociedades. José Maria Pinheiro Madeira ratifica esta posição, como se evidencia: “A primeira constatação que se faz é de que ambas as espécies de pessoas jurídicas aqui analisadas [empresa pública e sociedade de economia mista] são sociedades, tendo, como consequência dessa assertiva, finalidade lucrativa.[…]Se a pessoa jurídica não tem fim lucrativo, pode ser uma associação (formada por pessoas associadas) ou uma fundação (patrimônio personalizado), mas nunca uma sociedade”. (MADEIRA, 2009, p. 66) A própria legislação que se refere à empresa pública demonstra a possibilidade de esta ser composta por um – sociedade unipessoal -ou mais sócios, como prevê o art. 5° do Decreto Lei 900, de 29 de setembro de 1969: “Art5º Desde que a maioria do capital votante permaneça de propriedade da União, será admitida, no capital da Empresa Pública,a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno bem como de entidades da Administração Indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios”. (BRASIL, 1969) A respeito das subsidiárias integrais, previstas no art. 251 da lei 6.404 de 1976, lei que trata sobre as sociedades por ações, estas também se caracterizam como unipessoais, conforme se expõe: “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira. § lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único. 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252”.(BRASIL, 1976) Evidencia-se, pois, que serão consideradas sociedades aquelas entidades que contenham um – no caso das empresas públicas e subsidiárias integrais – ou mais sócios, detentoras de patrimônio que viabiliza exercício de função econômica, e que possam a vir gerar lucro ao(s) sócio(s). O fato de as empresas públicas e as subsidiárias serem definidas como sociedades pela doutrina brasileira, por sua vez, passa a incluirestas como possíveis polo passivo de ações derivadas da Lei 12.846 no caso de cometimento de atos lesivos à administração pública por meio de corrupção. 2.2 A administração pública indireta O presente trabalho tem como propósito apresentar a possibilidade de aplicação da lei anticorrupção – lei 12.846/2013 – às sociedades da administração pública direta. Se explicita, portanto, a conceituação desta, suas características, assim como sua formação. Diante da complexidade da administração do Estado, a administração pública dividiu-se em administração centralizada e descentralizada, como assim expõeWashington Monteiro: “Hoje se divide a administração pública em administração centralizada, que desenvolve as funções próprias do Estado e é formada por pessoas jurídicas de direito público interna, com personalidade jurídica e regime de direito público, e administração descentralizada, pela qual são desenvolvidas atividades atípicas do Estado, por pessoas jurídicas com personalidade e regime jurídico de direito privado, regendo-se então pelo direito civil”. (MONTEIRO, 2003, p. 130) Estas pessoas jurídicas da administração descentralizadas caracterizam-se pelos entes da administração pública indireta, dispostos no inciso II do art. 4º do Decreto Lei 200/67. Conforme conceituado por Odette Medauar, são entes da Administração Pública indireta: “[…] as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações públicas, conforme dispõe o inc. II do art. 4º do Dec. Lei 200/67, alíneas a, b, c e d, respectivamente.[…] Cada uma dessas entidades possui personalidade jurídica própria, que não se confunde com a personalidade jurídica da entidade maior a que se vinculam – União, Estado-membor ou Município. Tendo personalidade jurídica, são sujeitos de direitos e encargos por si próprias, realizando atividades e atos do mundo jurídico em seu próprio nome”. (MEDAUAR, 2007, p. 66) Na mesma linha, expressa Robertônio Pessoa: “A administração indireta compreende entidades estatais de direito público (autarquias) e entidades estatais de direito privado, como é no caso das empresas estatais, das fundações estatais e dos consórcios públicos com personalidade de direito privado. Estas entidades estatais podem ter subsidiárias, que se integram à Administração indireta. Estas subsidiárias vinculam-se diretamente à entidade estatal que a controla e, indiretamente, ao seu órgão supervisor.” (PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 192) O autor complementa a respeito da autonomia dos entes da administração pública indireta da seguinte maneira: “A administração indireta, por sua vez, é integrada por entidades dotadas de personalidade jurídica própria e relativa autonomia administrativa e funcional, vinculada aos fins definidos em suas leis específicas” (PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 191). A respeito do patrimônio das referidas sociedades, assim expressa Marcio Pestana: “As pessoas jurídicas que integram a Administração Pública indireta são dotadas de patrimônio que lhes instrumentaliza o atingimento de seus objetivos. Tal patrimônio, integrado por bens móveis ou imóveis, bens fungíveis e consumíveis etc. podem: (i) provir da entidade que a instituiu (caso, v.g.,de um Ministério que transfira, por meio de lei, determinados bens para uma autarquia recém-criada); (ii) ter origem em doações de terceiros (como, exemplificativamente, a realizada por uma pessoa em favor de uma determinada fundação, como a Fundação de Amparo à Pesquisa, no estado de São Paulo); (iii) ser adquirida pela própria entidade da Administração Pública indireta, por intermédio do exercício de sua própria atividade […]; (iv) ingressas nos domínios das sociedades por meio das formas de aquisição […] dos bens públicos”. (PESTANA, 2008, p. 50) A partir do momento em que este patrimônio passa a pertencer à pessoa jurídica da administração pública indireta, compete-lhe “a respectiva conservação e mantença, aplicando-se as prescrições de índole publicista acerca de aquisição, gestão e disposição patrimonial” (PESTANA, 2008, p. 51). Estas obrigações, entretanto, serão fiscalizadas uma vez que “a administração indireta deve se sujeitar a mecanismos de coordenação, controle e supervisão, os quais, contudo, não lhe tolham ou asfixiem a autonomia desejada, nem estabeleçam padrões rígidos e modelos uniformes de atuação”(PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 190). Os controles sofridos pelas sociedades compreendem controle público e social, como assim se apresentam: “(a) controle público, sob a forma de autocontrole e controle externo; e (b) controle social.[…] exercido pela sociedade civil, por meio da participação nos processos de planejamento, acompanhamento e monitoramento e avaliação das ações da festão das entidades da Administração indireta. Este controle visa ao aperfeiçoamento da gestão pública, à legalidade, à efetividade das políticas públicas e à eficiência administrativa. São meio de controle social da administração indireta, entre outros: (a) participação em consulta ou audiência pública; (b) exercício do direito de petição ou de representação; (c) denúncia de irregularidades; (d) atuação dos interessados nos processos administrativos; (e) participação em órgãos colegiados”.(PESSOA; CARDOZO; QUEIROZ; SANTOS, 2011, p. 190) A aplicação da legislação ora discutida, Lei 12.846/2013, por sua vez, viria a funcionar como meio de controle e sinalização ao poder legislativo e executivo sobre a saúde da sociedade, como se demonstrará. Conforme se evidencia da leitura do art. 37 da Constituição Federal, a instituição da empresa pública e da sociedade de economia mista se dará através de autorização legal: “Art. 37 […] XIX – Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”(BRASIL, 1988). As subsidiárias integrais – sociedades unipessoais -, por sua vez, também deverão ter autorização por lei, nos mesmos moldes de sua controladora, como assim expressa Marcio Pestana: “Observa-se, ainda, que igualmente dependerá de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das empresas públicas, assim como participação no capital social de outras empresas privadas, a rigor do art. 37, XX, da Constituição Federal.” (PESTANA, 2008, p. 73) Celso Antônio Bandeira de Mello ratifica: “É preciso que a lei designe nomeadamente que a entidade pretende gerar, que escopo deverá por ela ser cumprido e quais as atribuições que para tanto lhe confere. Posto que a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista depende de lei, estas não podem criar subsidiárias nem participar de capital de empresas privadas sem autorização legislativa.” (MELLO, 2014, p. 208) No que concerne à extinção das sociedades, estas se darão na forma de sua criação, como assim dispõe José Maria Pinheiro Madeira: “No que se refere à extinção das empresas estatais, a doutrina é unânime no sentido de exigir o mesmo veículo utilizado para sua criação, em razão do princípio do paralelismo das formas. Em outras palavras, se a Constituição exige lei para a autorização de sua criação, também se exigirá autorização legislativa para a extinção das empresas públicas ou sociedades de economia mista”. (MADEIRA, 2010, p. 67) A doutrina, entretanto, se divide a respeito da extinção da empresa pública e sociedade de economia mista, principalmente sobre a possibilidade de extinção destas por meio de processo falimentar. Parte se posiciona a favor da inconstitucionalidade do dispositivo da lei de falências – art. 2 da Lei 11.101/05 – que impede sua aplicação às empresas públicas e sociedades de economia mista tendo em vista que é vedada a concessão de benefício às empresas estatais, como expõe Felipe de Canto Zago sobre o assunto: “Assim, quanto à análise do art. 173, da CF, verificou-se que o escopo dessa norma constitucional visou assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades públicas que exerçam ou venham a exercer atividade econômica não se beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que se dediquem à atividade econômica na mesma área ou em área semelhante. […] O artigo 173 da CF/88 tem por finalidade evitar que as estatais logrem disputar o mercado em que atuam, com alguma vantagem sobre quaisquer outras empresas privadas.” (ZAGO, 2010) Por fim, o autor apresenta a posição de que é necessário diferenciar o fim a que se destinam a empresa pública e a sociedade de economia mista, se prestadoras de serviço público ou não, para que se possa analisar a possibilidade de aplicação da lei de falências, como expressa: “[…] apresentou-se a idéia de que não se aplicam às sociedades de economia mista e às empresas públicas prestadoras de serviço público as mesmas regras destinadas àquelas que exercem atividade econômica em concorrência com a iniciativa privada, pois estas últimas se sujeitariam ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive no âmbito do Direito Comercial, a teor do art. 173, da CF, no qual se insere a Lei de Falências. Dessa forma, aceitar a diferença entre a exploração de atividade econômica e a prestação de serviço público permite que os fins buscados pela regra constitucional no art. 173 sejam atingidos, sem trazer a noção de inconstitucionalidade da lei falimentar”.(ZAGO, 2010) No caso em tela, em que se questiona a aplicação da Lei 12.846/2013 às sociedades da administração pública indireta, diferentemente do que encontramos na Lei de falências, Lei 11.101, não há vedação legal expressa. Presume-se, portanto, que a regra constitucional do art. 173 prevalece, não havendo a possibilidade de distinção das sociedades da administração pública indireta a fim de que estas tenham tratamento diferenciado que as beneficiem, o que demonstraria a possibilidade de, por exemplo, ocorrer a suspensão da atividade ou dissolução compulsória de uma sociedade da administração pública indireta, como definido na lei ora tratada. Por fim, diante das variáveis apresentadas até o presente momento, passa-se a explorar a possibilidade da aplicação da lei objeto deste trabalho nas sociedades da administração pública indireta. 3 A lei 12.846 e sua aplicação às sociedades da administração pública indireta Diante do exposto até o presente momento, evidencia-se que as sociedades da administração pública indireta – empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias integrais – não estão tacitamente excluídas da aplicação das sanções previstas na Lei 12.846. Entretanto, a fim de embasar essa posição, necessária a análise dos princípios da administração pública assim como evidenciar a importância e os reflexos gerados através desta aplicação. A Lei ora em destaque, de acordo com o seu art. 19 , incisos II e III, prevê a possibilidade de suspensão das atividades das pessoas jurídicas e até mesmo dissolução compulsória destas quando de adoção de práticas corruptas contra a administração pública, nacional ou estrangeira Para a dissolução, entretanto, é necessário que se preencham os seguintes requisitos: “I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados” (BRASIL, 2013), conforme § 1º do art. 19 da lei analisada em questão. A fim de que as sanções previstas pela lei, em especial quanto à possibilidade de dissolução da pessoa jurídica,sejam permitas também em facedas sociedades da administração pública indireta, necessária a fundamentação daquelasatravés da análise de princípios da administração pública. Passa-se a expor, pois, dois princípios essenciais para esta análise, o princípio da supremacia do interesse público e princípio da eficiência. Diante da circunstância de atos corruptos pelas sociedades da administração pública, quando da possibilidade de suspensão ou dissolução desta por previsão legal do art. 19, II e III da Lei 12.846, será necessária a avaliação sobre o interesse coletivo na continuidade desta ou não.O interesse público, como expresso pela doutrina, é a soma dos direitos individuais, expresso em uma unidade, como assim se percebe da exposição de Emerson Gabardo e Daniel WunderHachem: “O interesse coletivo primário é formado pelo complexo de interesses individuais prevalentes em uma determinada organização jurídica da coletividade, expressão unitária de uma multiplicidade de interesses coincidentes. Somente este interesse poderá ser considerado como interesse público. Ele difere tanto do interesse de um particular individualmenteconsiderado, quanto do interesse do aparato administrativo, que, por sua vez, são ambos interesses secundários. Tanto o interesse singular de um indivíduo quanto o interesse da Administração Pública enquanto pessoa jurídica podem conflitar ou coincidir com o interesse coletivo primário (que é o verdadeiro interesse público). Tais interesses secundários só poderão ser perseguidos pelo Estando quando houver coincidência entre eles e o interesse público.[…] É nessa exata medida que se equivocam os autores que insistem em identificar na concepção contemporânea de interesse público um caráter autoritário: a noção hodierna dessa categoria jurídica arrima-se na compreensão do interesse geral como produto da solidariedade social, é dizer, como resultado dos anseios de uma coletividades ou mesmo de um cidadão enquanto membro do corpo social (e não apenas individualmente considerado).”(GABARDO, HACHEM, 2010, p. 39) Celso Antônio Bandeira de Mello ratifica: “o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade pelo simples fato de os serem”(MELLO, 2005, p. 61).Ou seja, este não refletirá o interesse Estatal, mas sim o interesse da coletividade. Identifica-se que a lei objeto do presente estudo, positivada após apelação da população e de organismos internacionais, põe-se como meio de efetivação do princípio da supremacia do interesse público. Celso Antônio Bandeira de Mello se posiciona sobre a positivação das regras garantidoras deste princípio: “O interesse público, na sua leitura atual, não é algo abstrato, etéreo, inatingível. O seu conteúdo jurídico não pode ser encontrado em outro lugar senão no próprio Direito positivo. Desse modo, a significação do que vem a ser interesse público será determinada de forma objetiva pelo ordenamento jurídico, particularmente na ordem de valores, fins, objetivos e bens protegidos pela Constituição. A qualificação de determinado interesse como público é promovido pela Constituição”. (GABARDO, HACHEM, 2010, p. 42) Destacado pelo doutrinador, o interesse público é garantido pela sua positivação na própria constituição. No caso em tela, poderíamos demonstraraqueleexpresso pelo art. 173, § 5º desta, que assim expressa: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 5ºA lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. (BRASIL, 1988) Demonstra-se, através do referido artigo, o interesse em se responsabilizar as sociedades da administração pública na ocasião de atos praticados contra a ordem econômica e financeira, demonstrando-se a intenção da manutenção da idoneidade daquelas sociedades. O referido artigo, entretanto, não se encontra regulamentado por lei, como deveria. Poder-se-ia, portanto, aplicar-se a legislação em tela – Lei 12.846 – como regulamentação do referido artigo, efetivando, desta forma, o princípio ora tratado. As sociedades da administração pública têm uma razão para sua existência, porém no momento que os benefícios trazidos por elas são superados pelos malefícios, seria necessário, portanto, a aplicação das sanções previstasna legislação objeto deste estudo. Celso Antônio Bandeira de Mello destaca as razões da criação das sociedades da administração pública: “Empresas públicas e sociedades de economia mista são, fundamentalmente e acima de tudo, instrumento de ação do Estado. O traço essencial caracterizador destas pessoasé o de se constituírem em auxiliares do Poder Público; logo, são entidades voltadas, por definição, à busca de interesses transcendentes aos meramente privados.” (MELLLO, 2014, p. 198) Ocorre que, na situação do § 1º do art. 19, em que “I – ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II – ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”, o interesse público da constituição da sociedade, como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, é substituído pelo desinteresse da continuidade dessa, uma vez esta passa a representar dano à administração e à economia popular. Aplicando-se a Lei 12.846/2013 às sociedades da administração pública indireta, respeitar-se-ia o princípio da supremacia do interesse público, garantindo-sea ordem jurídica, e a democracia – motivo inclusive trazido pelos entes internacionais como fundamentação da necessidade da criação da presente legislação. José dos Santos Carvalho Filho ratifica aquele posicionamento ao afirmar que “O princípio não expressa violação à ordem jurídica, mas, ao contrário, a ordem jurídica é que, para ser ordem, se socorre do princípio, que é, como sabido, inerente ao Estado de Direito”(CARVALHO FILHO, 2010, p. 77). Desta forma, imperativa a análise da presente legislação à luz do princípio da supremacia do interesse público, assim como do princípio da eficiência, que passa a ser tratado. O princípio da eficiência foi incorporado à legislação brasileira através da Emenda Constitucional 19/98, que o acrescentou ao caput do art. 37 da CF, que passou a ter a seguinte redação: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte”: (BRASIL, 1988) Odete Medauar assim expõe sobre a inclusão do referido princípio no ordenamento pátrio: “Agora a eficiência é princípio que norteia toda a atuação da Administração Pública. O vocábulo liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam a necessidade da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções”.[Grifo nosso]. (MEDAUAR, 2007, p. 127) Rolf Stober ratifica o entendimento sobre o princípio da eficiência expressando-se da seguinte maneira: “A eficiência econômica orienta-se para uma maximização da utilização, sendo entendida como princípio que visa alcançar os maiores benefícios possíveis com os meios existentes. Aqui está em primeiro plano a maximização das receitas, no sentido de eficiência (princípio do máximo), porque se tem em vista a relação mais favorável entre o fim almejado e os meios empregados.”[Grifo nosso]. (STOBER, 2012, p. 198) Diogenes Gasparini ratifica a posição apresentada expondo que os serviços “[…] devem ser executados com rendimento, isto é, com resultados positivos para o serviço público e satisfatórios para o interesse da coletividade” (GASPARINI, 2006, p. 22), e complementa expondo as atitudes que devem ser tomadas diante da situação de não cumprimento do princípio em análise: “Assim, deve extinguir órgãos e entidades e remanejar servidores sempre que se verificar um descompasso entre a situação existente e o princípio da boa administração, ou, se isso não for aconselhável, deve tomar as medidas para tornar menor esse desvio ou descompasso. Ações dessa natureza já foram tomadas. Com efeito, algumas sociedades de economia mista que existiam em São Bernardo do Campo foram extintas pela Administração Tito Costa por que não se afeiçoavam a um desempenho com resultados positivo. O mesmo ocorreu com a desativação de algumas sondas da Paulipetro, consórcio criado pelo governo estadual de São Paulo para a prospecção de petróleo e gás […]. Aqui a razão também foi prestigiar o dever da eficiência administrativa e evitar maiores gravames públicos.”[Grifo nosso]. (GASPARINI, 2006, p. 22) Nota-se, portanto, a forte conexão entre os princípios do interesse público e da eficiência, estes que garantem a proteção da população diante do poder estatal. A legislação analisada no presente estudo, Lei 12.846/2013, por conseguinte, demonstra-se como forma de fiscalização e aplicação destes princípios.Leandro Sarai demonstra a necessidade de aplicação dos princípios constitucionais da administração pública a todos assim expondo: “Essa incidência dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência a todos e principalmente aos mais altos exercentes do poder delegado pelo povo ensejaria, em tese, maior efetividade para que a República alcançasse seus objetivos fundamentais traçados no art. 3.º da Constituição Federal”. (SARAI, 2011) Como ressalta Humberto Ávila, “os princípios descrevem um estado de coisas a ser buscado, sem, no entanto, definir previamente o meio cuja adoção produzirá efeitos que contribuição para promovê-lo” (ÁVILA, 2009, p. 101), e que “relativamente às normas mais amplas (princípios), as regras exercem uma função definitória (de concretização), na medida em que delimitam o comportamento que deverá ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios”(ÁVILA, 2009, p. 103). Identifica-se, portanto, que a “regra” estabelecida pela Lei 12.846, por sua vez, trata-se de uma forma de concretização do princípio da supremacia do interesse público e da eficiência, de modo que estes devem ser considerados como fundamentação no momento da aplicação da Lei. As sociedades da administração pública indireta estão sujeitas à aplicação dos dispositivos do artigo 173 da Constituição Federal. Diante da situação analisada neste trabalho, mister salientar o exposto pelo inciso II do parágrafo primeiro do mencionado artigo, assim como o parágrafo quinto deste. Quanto ao Inciso II do parágrafo primeiro do referido artigo, este assim expõe: “Art. 173 […]§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: II – a sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.” (BRASIL, 1988) Felipe do Canto Zago, a respeito do referido artigo, ressalta que: “Quanto à análise do art. 173, da CF, verificou-se que o escopo dessa norma constitucional visou assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades públicas que exerçam ou venham a exercer atividade econômica não se beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que se dediquem à atividade econômica na mesma área ou em área semelhante”. (ZAGO, 2010) José Maria Pinheiro Madeira ratifica: “No entanto, o que no fundo inspira essa característica das empresas públicas e sociedades de economia mista é o princípio da isonomia, já que o Estado, ao cria-las, o faz para atuar como agente econômico, não podendo, por isso, manter os privilégios inerentes ao jus imperique ordinariamente exerce, posto que, dessa forma, estaria prejudicando severamente os princípios da livre-iniciativa e da livre-concorrência. O Estado deve, neste âmbito, despir-se do manto que lhe confere autoridade em face do particular e descer do pedestal desnivelador, igualando-se, em última análise, ao particular”. (MADEIRA, 2010, p. 69) O fato do presente inciso e sua interpretação preverem a sujeição da sociedade às obrigações civis e comerciais bastaria para a vinculação daquela à responsabilidade prevista na Lei 12.846/2013, ora analisada. A argumentação embasada no presente inciso, ressalta-se, é a mesma utilizada quando da discussão a respeito da possibilidade de as sociedades da administração pública serem passíveis de falência. Ainda, não bastasse esta norma constitucional prever o tratamento igualitário, o parágrafo 5º do mesmo artigo não se encontra regulamentado por lei, e assim expressa: “Art. 173 […]§ 5ºA lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. (BRASIL, 1988) Diante da ausência de legislação específica, não se vislumbram motivos que levariam a não aplicação da Lei 12.846/2013 às sociedades da administração pública indireta. Não há vedação expressa nesta, ou em outra própria sobre a matéria. Apresenta-se, assim, motivo para que a própria legislação anticorrupção ora tratada seja considerada regulamentação do referido parágrafo. Como o referido parágrafo citado traz, assim como a lei em destaque também apresenta, as sanções previstas independerão da responsabilidade individual dos dirigentes das pessoas jurídicas. A responsabilidade civil e penal destas, já prevista em nosso ordenamento, não se mostram suficientes tendo em vista a perpetuação de atos corruptos praticados pelas sociedades, como expõe Roger Scruton, em “As Vantagens do Pessimismo”: “É verdade que, na sequência de um escândalo espantoso, todos os comissários se demitiram. Mas renomearam-se prontamente, uma vez que tanto a demissão como a renomeação eram decisões comandadas por eles próprios e o povo não tinha voto na matéria. Este episódio, que à primeira vista podia parecer uma prova de que comissários são, de algum modo, responsabilizáveis, é de fato uma prova clara do contrário: ninguém os consegue controlar exceto eles próprios. Na raiz a falácia do planejamento reside o problema identificado há dois milênios por Terêncio: “Quis Custodietilloscustodes?.”(SCRUTON, 2011, p. 120) No mesmo sentido, de que não apenas as sanções aos indivíduos podem solucionar o problema da corrupção, Robert Klitgaard, especialista no tema, expõe em entrevista a Claudia Andrade: “O que descobri é que a corrupção (C) viceja em setores nos quais haja monopólio de uma atividade econômica (M), em que poucas pessoas tenham um poder decisório muito grande, o que chamo de discricionariedade (D), e em que falte transparência (T). OU seja, C = M + D – T. Creio que o mérito da equação é não dar ênfase ao papel das pessoas, mas sim às circunstâncias em que o crime ocorre. Não quero me alongar sobre o caso, porque não o acompanho, mas a equação parece captar o que ocorreu na Petrobras, uma estatal que detém o monopólio da extração de petróleo, com uma casa dirigente dotada de grande poder discricionário e que mantém boa parte das suas informações de gestão escondidas dos olhos do público.[…] Você deveria se esforçar para quebrar monopólios e tornar mais aberto o setor no qual o problema ocorre. Você deveria limitar o poder de arbítrio dos dirigentes. Você deveria aumentar os mecanismos de transparência que permitam jornalistas, centros de estudos, consultorias, enxergar o que ocorre no interior das empresas. A corrupção tem menos a ver com paixões do que com oportunidades Se as condições forem propícias, haverá um incentivo para que ela ocorra. Trate, portanto, de eliminar essas condições”. (KLITGAARD, 2015, p. 20) Ratificando este posicionamento de que a corrupção tem menos a ver com as pessoas, mas com as condições favoráveis em que estas se encontram, o doutor em economia Fabio Barbieri expõe: “Em primeiro lugar, nos é dito que temos os políticos que merecemos: a corrupção dos políticos reflete a baixeza moral da própria população. Como se a corrupção fosse uma questão de falta de aulas de catecismo e não fruto dos incentivos gerados pelas instituições inerentes a uma economia intervencionista!” (BARBIERI, 2013, p. 231) A ideia também é ratificada pelo estudo “DeterminantsOfEconomicCorruption: A Cross-Country Data Analysis”, que assim expõe: “Corruption is generally connected with the activities of the government and especially with the monopoly and discretionary power of the government. Therefore, the larger the government and the greater the extent of government intervention in the economy, the greater will be the fertile conditions in the economy (Tanzi, 1998, p. 566). The fewer resources including assets and regulatory power a government controls, the fewer will be the opportunities for corruption. Both the number and amount of resources controlled by a government and the ability of its officials to grant privileges can influence the level of corruption (Chafuen and Guzman, 2000, p. 59; Goel and Nelson, 2005, p.117). Economic freedom is increased when taxes, government restriction and regulations are replaced for personal choice, voluntary exchanges and market coordination.”(ARVAS; ATA, 2011, p. 164) A Constituição Federal, entretanto, garante o monopóliode algumas atividades econômicas ao Estado. Esses monopólios, por sua vez, poderão apenas serem desconstituídos mediante alteração do texto constitucional. Desta feita, a solução imediata mais eficaz é o controle previsto na Lei 12.846, a começar pela aplicação das multas previstas nesta. A corrupção é entendida como a própria consequência dos monopólios constituídos pelo Estado, como assim expõem diversos estudos realizados: “In India, Centre for Media Studies has carried out surveys to build a useful corruption index. It does not rely on just the interviews and corruption perceptions, but also tries to include other factors. It Is based on a PEE model, where P stands for perception, E for experience (of corruption) and the last E stand for estimation (of bribes paid). They have surveyed four public sectors, that of Public Distribution System, education (upto XII), water supply and health services. The survey has been administered on a rural sample. The key findings of CMS PEE are that between 2005 and 2010, the factors listed below might have helped in containing corruption: 1. Opening up of the services for private participation breaking monopolies 2. Competition and increased concern for market and the users 3. Use of new communication technologies like computerisation including for better public interface 4. Use of research in developing responsive systems 5. Concern for redressal mechanisms 6. Dynamicnews media”. (KUMAR, 2011) As causas e consequências evidenciada podem ser notadas também de forma empírica, como se demonstra: “Investigation of the interaction effect between democracy and economic freedom is vital since countries such as Hong Kong and Singapore show a very low level of democracy and at the same time have a very low level of corruption although there exists a very high level of economic freedom in these countries. On the other hand, in spite of India’s high level of democracy it experiences a very high level of corruption but has a low level of economic freedom. Thus, it is of interest to ask how these two factors, i.e. democracy and economic freedom, work together in affecting corruption.”(SAHA; GOUNDER; SU; GOUNDER, 2009) Desta feita, tendo em vista os monopólios existentes,garantidos constitucionalmente e apenas mediante emenda constitucional poderão ser afastados, vislumbra-se que a melhor via de controle se dará através da aplicação da Lei ora em análise, em especial quanto às sanções de aplicação de multas, de forma que estas sinalizem o Poder Legislativo e o Poder Executivo quanto ao comportamento da sociedade da administração pública. Em situação de exploração de atividades econômicas pelo Estado que não são oriundas de previsão de monopólio, entretanto, vislumbra-se de forma mais clara a possibilidade de aplicação das sanções judiciais, em especial suspensão das atividades das pessoas jurídicas ou a própria dissolução compulsória dessas, ainda que a sociedade preste serviço público essencial. A aplicação da presente lei garante a efetividade das normas constitucionais previstas no art. 173, em especial inciso II do parágrafo primeiro, e parágrafo quinto, não regulamentado por lei específica. Garante-se, dessa forma, também, a concretização dos princípios da supremacia do interesse público e da eficiência. Conclusão Criado a partir de um escândalo nos Estados Unidos – caso Watergate – o ForeignCorruptPracticesAct, lei americana que trata sobre o combate à corrupção, foi determinante para que diversos organismos internacionais, como ONU e OEA, passassem a observar a prática da corrupção de maneira distinta. Signatário de diversas convenções que tratam sobre o assunto, o Brasil obrigou-se internacionalmente a combater a corrupção dentro do Estado. Desta forma, ao longo do período democrático brasileiro, foram criadas diversas leis que abordam o assunto, entre elas a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, que trata sobre enriquecimento ilícito de agentes públicos, e a Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, sobre licitações. Até o ano de 2013, entretanto, o Brasil ainda não havia cumprido com uma relevante obrigação assumidas diante dos órgãos internacionais: a imputação de sanções também às pessoas jurídicas que cometessem atos de corrupção. Através da Lei 12.846, de 1º de Agosto de 2013, este compromisso fora positivado em nosso ordenamento. Vigente desde fevereiro de 2014, a referida lei trata sobre a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, ou seja, atos de corrupção contra estas. O parágrafo único do primeiro artigo da lei em questão limita a aplicação desta às sociedade, fundações e associações, sem entretanto definir distinção de aplicação daquelas sanções aos entes jurídicos privados instituídos pelo Estado. Diante deste fato, analisou-se a possibilidade da aplicação da lei em tela às sociedades da administração pública indireta, ou seja, empresas públicas, sociedades de economia mista e as subsidiárias destas. Todas estas classificadas como “sociedades”, não se identificou no ordenamento jurídico brasileiro motivos que impedissem a equiparação daquelas às sociedades criadas por pessoas naturais ou jurídicas da iniciativa privada. Destacou-se como fundamentaçãoa aplicação de dois princípios: supremacia do interesse público e eficiência. Estes, cumulados com o dever constitucional de sujeição desta ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, evidencia a possibilidade de aplicação da referida lei às sociedades em geral, independentemente da sua forma de criação. Diante da não vedação legal para a aplicação da Lei 12.846 às sociedades da administração pública indireta, destacou-se ainda que a referida legislação fomenta a competição e garante a manutenção da democracia, como destaca SashaShrabani e GouderRukmani: “In defining the causes of corruption, economists have argued that lack of competition fosters corruption. The focus on competition and its impact on corruption have been noted in two different perspectives. One is political liberalization or democratization and the other is economic liberalization or decentralization. Competition between public officials reflects democratization that includes political rights, civil liberties and press freedom, whereas economic competition fosters economic liberalisation that reflects the degree of government intervention in a country”.(SAHA; GOUNDER, 2009) Ideiaratificadatambémpor Johann Graf Lambsdorff: “The authors conclude that the less competitive a market environment, the higher will be the extent of corruption. However, the authors are aware of the problems of causality, and acknowledge that corruption may provide incentives for politicians to support monopolies”.(LAMBSDORFF, 2005, p. 17) O exercício de hermenêutica que se está aqui propondo leva em consideração o princípio republicano emanado do próprio texto constitucional, uma vez que a concepção de Estado preconizada pelo artigo 1º da Carta da República qual seja, o Estado Democrático de Direito, deve ser entendida na perspectiva de que todos os agentes públicos devem ser responsabilizados. Nesse ambiente, mostra-se mais do que evidente que os agentes das sociedades públicas analisadas ao longo dessa pesquisa devem sofrer as sanções previstas na Lei Nº 12.846/2013. Garante-se, assim, amanutenção de uma sociedade livre, democrática e com menor incidência de corrupção.
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O Direito Urbanístico: Tessituras Conceituais e Limitações Axiológicas em Análise
O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados.
Direito Administrativo
3 Ponderações ao Meio Ambiente Artificial: Introdução à Ambiência do Homem Contemporâneo O meio ambiente artificial, também denominado humano, se encontra delimitado no espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações e congêneres, denominado, dentro desta sistemática, de espaço urbano fechado, bem como pelos equipamentos públicos, nomeados de espaço urbano aberto, como tão bem salienta Fiorillo[16]. Cuida salientar, ainda, que o meio-ambiente artificial alberga, ainda, ruas, praças e áreas verdes. Trata-se, em um primeiro contato, da construção pelo ser humano nos espaços naturais, isto é, uma transformação do meio-ambiente natural em razão da ação antrópica, dando ensejo à formação do meio-ambiente artificial. Além disso, pode-se ainda considerar alcançado por essa espécie de meio-ambiente, o plano diretor municipal e o zoneamento urbano. É possível ilustrar as ponderações estruturadas utilizando o paradigmático entendimento jurisprudencial que direciona no sentido que: “Ementa: Administrativo. Conflito negativo de competência. Ação civil pública. Propaganda eleitoral. Degradação do meio ambiente. Ausência de matéria eleitoral. Competência da Justiça Estadual. […] 4. A pretensão ministerial na ação civil pública, voltada à tutela ao meio ambiente, direito transindividual de natureza difusa, consiste em obrigação de fazer e não fazer e, apesar de dirigida a partidos políticos, demanda uma observância de conduta que extravasa período eleitoral, apesar da maior incidência nesta época, bem como não constitui aspecto inerente ao processo eleitoral. 5. A ação civil pública ajuizada imputa conduta tipificada no art. 65 da Lei 9.605/98 em face do dano impingido ao meio ambiente, no caso especificamente, artificial, formado pelas edificações, equipamentos urbanos públicos e comunitários e todos os assentamentos de reflexos urbanísticos, conforme escólio do Professor José Afonso da Silva. Não visa delimitar condutas regradas pelo direito eleitoral; visa tão somente a tutela a meio ambiente almejando assegurar a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, nos termos do art. 182 da Constituição Federal. 6. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível de Maceió – AL, ora suscitado.” (Superior Tribunal de Justiça – Primeira Seção/ CC 113.433/AL/ Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima/ Julgado em 24.08.2011/ Publicado no DJe em 19.12.2011). “Ementa: Processual civil e administrativo. Ação civil pública. Praças, jardins e parques públicos. Direito à cidade sustentável. Art. 2º, incisos I e IV, d Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Doação de bem imóvel municipal de uso comum à União para construção de agência do INSS. Desafetação. Competência. Inaplicabilidade da súmula 150/STJ. Exegese de normas locais (Lei Orgânica do Município de Esteio/RS). […] 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os "indesejáveis", sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento -, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável, que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). […] 8. Recurso Especial não provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1.135.807/RS/ Relator: Ministro Herman Benjamin/ Julgado em 15.04.2010/ Publicado no DJe em 08.03.2012) O domínio em apreço é caracterizado por ser fruto da interferência humana, logo, “aquele meio-ambiente trabalhado, alterado e modificado, em sua substância, pelo homem, é um meio-ambiente artificial”[17]. Como robusto instrumento legislativo de tutela do meio ambiente artificial, pode-se citar a Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001[18], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, conhecido como “Estatuto da Cidade”, estabelece os regramentos e princípios influenciadores da implementação da política urbana. Nesta esteira, cuida trazer à colação o entendimento firmado por Fiorillo, em especial quando destaca que o diploma legislativo em apreço “deu relevância particular, no âmbito do planejamento municipal, tanto ao plano diretor (art. 4º, III, a, bem como arts. 39 a 42 do Estatuto) como à disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo” [19]. Com efeito, um dos objetivos da política de desenvolvimento urbano previsto no artigo 182 da Constituição Federal[20], são as funções sociais da cidade, que se realizam quando se consegue propiciar ao cidadão qualidade de vida, com concretização dos direitos fundamentais, e em consonância com o que disciplina o artigo 225 da Carta Magna, que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. E as funções sociais da cidade se concretizam quando o Poder Público consegue dispensar ao cidadão o direito à habitação, à livre circulação, ao lazer e ao trabalho. Ora, “dado ao conteúdo pertinente ao meio ambiente artificial, este em muito relaciona-se à dinâmica das cidades. Desse modo, não há como desvinculá-lo do conceito de direito à sadia qualidade de vida”[21], tal como o direito à satisfação dos valores da dignidade humana e da própria vida. Nesta esteira, o parcelamento urbanístico do solo tem por escopo efetivar o cumprimento das funções sociais da sociedade, fixando regramentos para melhor aproveitamento do espaço urbano e, com isso, a obtenção da sadia qualidade de vida, enquanto valor agasalhado pelo princípio do meio ecologicamente equilibrado, preceituado na Carta de 1988. Neste sentido, colacionar se faz premente o entendimento jurisprudencial que: “Ementa: Apelação Cível. Direito Público. Município de Caxias do Sul. Planejamento Urbanístico. Estatuto da Cidade. Plano Diretor. Código de Posturas Municipal. Construção de Passeio Público. Meio Ambiente Artificial. O passeio público deve estar em conformidade com a legislação municipal, sobretudo com o Código de Posturas do Município e o Plano Diretor. Tal faz parte da política de desenvolvimento municipal, com o adequado planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, nos exatos termos em que disciplina a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria. A prova pericial carreada aos autos demonstra a total viabilidade de adequação do passeio público de fronte à residência dos autores, não se podendo admitir que eventual prejuízo causado aos demais réus, moradores vizinhos, que utilizam a área para acesso à sua residência, venha a ser motivo para a não regularização da área, de acordo com o planejamento municipal em termos de desenvolvimento urbano. Eventual desgaste entre os autores e seus vizinhos deverá ser resolvido em demanda própria que não esta. Se os vizinhos dos demandantes utilizam o passeio público em frente à residência dos autores como entrada de suas casas, terão que deixar de fazê-lo e também se adequarem ao que disciplina a lei. O que não pode é o Município ser proibido de fiscalizar e de fazer cumprir com legislação que é, ou deveria ser, aplicável a todos. Recurso Provido”. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Primeira Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70038560991/ Relator: Desembargador Carlos Roberto Lofego Canibal/ Julgado em 11.05.2011). “Ementa: Administrativo. Poluição Visual. Propaganda em meio aberto (frontlights, moving signs, outdoors). Ilegalidade. 1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. Apelações das rés desprovidas e apelação do município provida em parte.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Quarta Câmara Cível/ Apelação Cível Nº 70011527215/ Relator: Desembargador Araken de Assis/ Julgado em 30.11.2005). Assim, é plenamente possível traçar um íntimo liame entre o conceito de cidade e os próprios paradigmas integrantes do meio-ambiente artificial. Ora, não se pode olvidar que o meio-ambiente artificial é o local, via de regra, em que o ser humano se desenvolve, enquanto indivíduo sociável, objetivando-se a sadia qualidade de vida nos espaços habitados. Deste modo, temas como a poluição sonora ou mesmo visual se revelam dotados de grande relevância, eis que afetam ao complexo equilíbrio existentes no meio-ambiente urbano, prejudicando, direta ou indiretamente, a saúde, a segurança e o bem-estar da população, tal como a criar condições adversas às atividades dotadas de cunho social e econômico ou mesmo afetando as condições estéticas ou sanitárias em que são estabelecidas. 4 O Direito Urbanístico: Tessituras Conceituais e Limitações Axiológicas em Análise Ao apresentar o painel geral sobre o meio ambiente urbano e a proeminência das cidades como ambiência contemporânea do homem, é imperioso tecer maiores comentários sobre o Direito Urbanístico que implica em pensar na função do Direito de atribuir ao Poder Público de mecanismos de atuação e gestão da cidade, visando sua sustentabilidade e uma melhor condição de vida, moradia, infraestrutura, para os habitantes e, concomitantemente, criar canais de participação e gestão democrática no que se refere às questões urbanas. No processo de formação de um novo ramo jurídico, observa-se através da experiência que: “Primeiramente vão surgindo normas disciplinadoras de uma realidade em desenvolvimento e, se essa normatividade específica se amplia, logo começam os doutrinadores a preocupar-se com ela, especulando a seu respeito com base em princípios gerais da ciência jurídica, na busca da sistematização do material existente e, então sim, passam a oferecer as soluções possíveis para os diversos problemas que se apresentam. Essa sistematização, no que se refere ao Direito Urbanístico, importa na aplicação do processo dialético, que sobe da realidade em que suas normas devem atuar para transformá-la no sentido da realização da convivência humana mais adequada nos espaços habitáveis e, depois, desce das normas àquela realidade para ajustá-la (torná-la justa) àqueles fins de convivência. Trata-se de um processo científico que se envolve na realidade normada e normativa, com que vai construindo o novo ramo do Direito”[22]. Em tal mote, oportunamente, é possível evidenciar dos aspectos inerentes ao Direito Urbanístico: o Direito Urbanístico objetivo, que compreende o conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público, destinada a ordenar os espaços habitáveis, isto é, conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística, e o Direito Urbanístico na condição de ciência, que busca o conhecimento sistematizado daquelas normas e princípios reguladores da atividade urbanística. O Direito Urbanístico, na condição de ramo integrante do direito público, tem como objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios reguladores da atividade urbanística, sendo que as relações que estabelecem têm sempre como titular uma pessoa de direito público, protegem interesses coletivos e são compulsórias. Nesta linha, o Direito Urbanístico é o ramo do Direito Público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que devem orientar os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo, sendo que esse ordena o espaço urbano e as áreas rurais que nele interferem por meio de imposições de ordem pública, manifestas em normas de uso e ocupação do solo urbano ou urbanizável, ou de proteção ambiental, ou enuncia regras estruturais e funcionais da edificação urbana coletivamente considerada. Há que se reconhecer que o Direito Urbanístico encontra-se robustamente influenciado pelas disposições do Direito Administrativo, sendo subsidiado por suas disposições e categorias jurídicas, viabilizando, dessa forma, sua funcionalidade dentro do sistema jurídico brasileiro. No que toca à autonomia do Direito Urbanístico, parte da doutrina sustenta que o ramo em encontra-se desvinculado do Direito Administrativo, sendo aquele considerado como o âmbito de incidência que a Constituição Federal e as normas gerais federais e as estaduais – estas em tom de complementação àquelas – definem como sendo objeto deste interesse público, adotando critério formal. Parcela outra da doutrina vai afirmar que o Direito Urbanístico não é capaz de formar um ramo independente do Direito Administrativo, porquanto utiliza dos conceitos desse, sem promover nenhuma inovação. Para tal ótica, o Direito Urbanístico nada mais seria do que um campo de aplicação do Direito Administrativo. Há, ainda, uma parcela que entende o Direito Urbanístico como ramo especial do Direito Econômico. Em uma perspectiva contemporânea, sensível às peculiaridades existentes no ordenamento jurídico nacional, o Direito Urbanístico será considerado como uma síntese de diversos ramos jurídicos, uma manifestação multidisciplinar do Direito que, ao poucos, vai configurando suas próprias instituições, remodelando institutos clássicos e estabelecendo vinculações com a cidade como elemento de ambiência humana. Nesta linha, os defensores da autonomia do Direito Urbanístico vão sustentar que esse tem suas raízes no próprio Direito Constitucional (LIRA, 2006, p. 153): “O artigo 24, inciso I, da Constituição Federal de 1988, ao definir a competência da União, dos Estados, e do Distrito Federal, alude à ocorrência dessa competência em matéria de Direito Urbanístico. No artigo 21, a mesma Constituição, definindo a competência da União Federal, no inciso XX, afirma que compete à União Federal instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; o que pressupõe autonomia do Município para, no âmbito dessas diretrizes, no interesse local, baixar as suas próprias normas. Aliás, ao configurar a competência municipal, a Constituição estabelece que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, I), como são evidentemente os temas ligados à organização concreta dos espaços das Cidades e Municípios. Nesse mesmo artigo 30, inciso VIII, preceitua a Constituição que promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. No capítulo específico, relativo à Política Urbana (artigos 182/183 da Constituição), está desenhada toda a autonomia do Direito Urbanístico, onde se diz que será no Plano Diretor que as cidades com mais de 20.000 habitantes traçarão, em função de suas peculiaridades, a função social da propriedade que lhes interessa e lhes seja mais própria”[23]. Assim, o Direito Urbanístico pode ser apresentado como o conjunto de normas destinadas a dispor sobre a ordenação da cidade, acerca da ocupação do espaço urbano de forma justa e regular, buscando estabelecer as melhores condições de edificação, habitação, trabalho, circulação e lazer. Logo, tem como objetivo organizar os espaços passíveis de habitação, de maneira a propiciar melhores condições de vida ao homem inserido na comunidade. É possível, ainda, vê-lo como um ramo do Direito Social, apartado do Direito Civil e do Direito Administrativo, dotado de autonomia proclamada pelo próprio Texto Constitucional de 1988, ao nominá-lo, distinguindo-o de outros ramos jurídicos, no artigo 24, inciso I, englobando a propriedade imobiliária urbana. A disciplina jurídica do urbanismo e da atividade urbanística, que objetivam a adaptação e a organização do espaço natural, tornando-o fruível por uma comunidade urbana, no desenvolvimento das funções elementares da habitação, do trabalho, da recreação, da saúde, da segurança, da circulação e outras. Desta feita, na condição de novo ramo jurídico, o Direito Urbanístico seria dotado de natureza jurídica de direito difuso, dotado de caráter multidisciplinar, recebendo influências e utilizando categorias jurídicas do Direito Administrativo, Civil, Constitucional e Ambiental. Destarte, o estudo das relações do Direito Urbanístico com outras disciplinas jurídicas reveste-se de máxima importância, no caso brasileiro, em razão de suas normas, na grande maioria, devem ser identificadas em instituições jurídicas integrantes a outros ramos do Direito, daí se extraindo o seu caráter multidisciplinar. O Direito Urbanístico possui instrumentos jurídicos e políticos próprios delineados no Estatuto da Cidade, norma geral, que veio fazer a implementação e instrumentalização do capítulo constitucional dedicado à Política Urbana.
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Das concessões de infraestruturas portuárias no Brasil: Uma análise crítica da Lei 12.815/2013
ste trabalho de conclusão de curso tem por finalidade analisar as concessões de infraestruturas portuárias no Brasil no âmbito da participação da iniciativa privada, enfatizando o novo marco regulatório a respeito dos aspectos relevantes ao tema. A princípio, elabora-se uma análise da infraestrutura portuária mundial, enfatizando a estrutura brasileira, A seguir, abordam-se o conceito das concessões dos serviços públicos desde o início do instituto na doutrina no teor da Constituinte de 88 bem como nas principais normas em âmbito nacional e internacional, e, sua relevância para o aprimoramento do tema, por fim, o modelo brasileiro de concessões utilizado no Brasil. Parte-se, então, para uma análise protetiva, demonstrando-se no segundo capítulo, a trajetória evolutiva dos grandes complexos portuários mundiais, evidenciando a rotina diária de cada um e a participação da iniciativa privada em cada complexo a necessidade de que sejam instituídas ações afirmativas para trazer concretude ao propósito inclusivo. O terceiro capítulo traz o conceito das concessões dos serviços públicos, a evolução do conceito, suas características e possibilidades. No quarto e último capítulo, colaciona o modelo brasileiro de concessões portuárias, todo o histórico, desde a abertura do porto pelo então D. João VI até o novo marco regulatório a fim de identificar os principais problemas que envolvem o tema e as saídas indicadas pelos especialistas da área, buscando propor outras soluções.[1]
Direito Administrativo
1 INTRODUÇÃO Quando D. João VI abriu os portos para as nações amigas, a economia brasileira começou a alcançar o mercado internacional. O que antes era apenas usado para embarque e desembarque de passageiros passou a ser ocupado por exploradores interessados em obter vantagens econômicas nas valiosas mercadorias do território brasileiro. De fato, no início da história portuária brasileira já havia essa desvantagem, contudo, o Brasil, assim como outras nações portuárias, se de desenvolveu a partir do porto, reconhecendo seu papel fundamental para a economia. Atualmente, o complexo portuário brasileiro é composto por mais de 30 portos públicos e 130 Terminais de Uso Privado, os quais, desde a década de 90, com o plano nacional de desestatização, vem passando por melhorias tanto na infraestrutura como na administração. Diante das necessidades apresentadas pelo setor, a administração pública ampliou a participação da iniciativa privada, ao promulgar a Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993 – a Lei dos Portos. Na oportunidade, o Brasil adotou o modelo de landlord port, onde o governo investe e mantém a infraestrutura portuária e o particular investe na superestrutura, moderniza e opera áreas e instalações portuárias em portos organizados, sob a fiscalização e regularização estatal. Essas reformas legislativas, além de estabelecer, com maior transparência, o regime jurídico do sistema portuário, deveriam ter proporcionado avanços em departamentos sucateados, problemas ainda não solucionados ao longo da história. Inicialmente, esses seriam os benefícios do plano portuário previsto na desestatização, no entanto, o abandono estatal ainda durou décadas. Porém, o comércio mundial nos últimos anos "obrigou" o sistema brasileiro investir no setor, seja na dragagem, a fim de fazer parte da rota internacional dos navios com calados maiores, bem como na logística, e por fim, no modelo de administração estatal com o escopo de desburocratizar as atividades portuárias. Mas uma vez, com a reforma legislativa portuária novos rumos foram tomados, assim, o que parecia estar ganhando novas perspectivas retroagiu claramente. A regulamentação do setor portuário brasileiro está prevista atualmente na Lei nº 12. 815, de 16 de maio de 2013, aprovada com mais de 150 emendas. Um dos pontos mais questionado foi o modelo arcaico de administração, de acordo com modelos internacionais de administração portuária, principalmente a dos portos mais desenvolvidos, é utilizado o modelo da descentralização nas atividades locais, a fim de coibir as burocracias dentro e fora do complexo. A bem da verdade, o novo marco regulatório trouxe alguns entraves para a economia brasileira. Como bem se sabe, a já mencionada lei concentra na Secretaria Especial dos Portos da Presidência da República (SEP/PR) todo o planejamento setorial dos entes estatais responsáveis na administração e regulamentação, a saber: a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) – agência regulamentadora – e as autoridades portuárias locais, dificultando o crescimento do setor. Dentre as mudanças questionadas, está a forma de exploração do porto organizado, que sendo um patrimônio público, com o novo marco regulatório passou a ser explorado por meio de arrendamento, embora se trate de um instituto do Direito Civil. 1.1 PROBLEMA DA PESQUISA A Lei de nº 12.815/2013 representa o novo marco regulatório portuário para o Brasil, objetivando dirimir dificuldades apresentadas pelo setor durante longos períodos. No entanto, a referida lei ainda deixou sem soluçãos medidas essenciais para o desenvolvimento econômico, e como se não bastasse, trouxe antigos institutos que outrora causaram graves prejuízos ao setor. Dessa forma, surge o relevante questionamento: o novo modelo de concessão portuária representa uma evolução ou um retrocesso para o desenvolvimento econômico brasileiro? 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral Como se verifica pela problemática apresentada, o objetivo geral deste trabalho é investigar se o novo modelo de concessões de infraestruturas portuárias brasileiro representa um avanço ou um retrocesso para o desenvolvimento econômico brasileiro. 1.2.2 Objetivos Específicos Para o alcance do objetivo geral proposto, torna-se instrumental atingir preliminarmente os seguintes objetivos específicos: a) Estudar a legislação portuária, princípios administrativos e a leis das quais se referem as concessões das infraestruturas portuárias; b) Analisar o marco novo regulatório do setor portuário e seus arranjos institucionais; c) Analisar as dificuldades do setor portuário, os prejuízos causados ao setor em detrimento do novo modelo de delegação na executoriedade do serviço público, e d) Comparar os modelos de concessões portuárias ao longo da história brasileira e gestões portuárias mundiais. 1.4 JUSTIFICATIVA No que se referem ao desenvolvimento econômico brasileiro, muitos entraves têm se destacado na atualidade, em especial, a legislação portuária obsoleta, o sucateamento das instalações e a burocracia administrativa. Esses são apenas alguns pontos que deveriam ser dirimidos com mais eficiência tendo em vista a necessidade de a economia brasileira alcançar melhores índices no comercio internacional. Assim, fica demonstrada a importância da presente pesquisa, visto que o setor portuário é responsável por proporcionar o desenvolvimento econômico para o país, vez que esbarra nos referidos entraves apresentados pela estrutura existente, ainda, pouco desenvolvida. 1.5 METODOLOGIA O método científico utilizado no presente trabalho é o indutivo, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas. Sob a perspectiva do objetivo geral, a pesquisa pode ser rotulada como explicativa, vez que se destina ao registro, análise e interpretação de fatos, identificando causas. Quanto aos meios empregados, pode ser classificada como bibliográfica e documental, vez que para sua execução foram utilizados textos normativos, doutrinas jurídicas, artigos científicos e decisões jurisdicionais. 2 INFRAESTRUTURA PORTUÁRIA O crescimento econômico de um país pode ser analisado de acordo com a sua estrutura portuária. O Brasil ao longo da história criou decretos, abriu os portos, regulamentou legislações específicas, tudo com o escopo de atingir melhores índices mundiais a nível econômico. 2.1 INFRAESTRUTURA PORTUÁRIA MUNDIAL A evolução legislativa do sistema portuário vem ganhando destaque no cenário internacional. Em 1908 de acordo com o decreto de D. Manoel, a abertura portuária brasileira inseriu a nação no comercio exterior e a partir desse momento não parou mais, contudo poucos investimentos trouxeram péssimos resultados econômicos. Em 1993 de acordo com então decreto do presidente Itamar Franco entra em vigor a lei 8.630, concedendo à iniciativa privada os investimentos ao sistema analisado resultando em crescimentos significativos, porém a profundidade dos portos não viabilizava a chegada dos grandes navios internacionais, com isso o Brasil deixou de ser rota internacional aquaviária. Em 1997 o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cria o plano de dragagem nacional possibilitando um crescimento nos terminais e colocando o Brasil como rota das grandes embarcações. Conforme os dados da companhia Docas, atualmente, o sistema portuário brasileiro é composto por 38 portos públicos, entre marítimos e fluviais. Desse total, 18 são delegados, concedidos ou tem sua operação autorizada à administração por parte dos governos estaduais e municipais, administrados pela Companhia Docas. Existem ainda 129 terminais de uso privativo e 03 complexos portuários que operam sob concessão à iniciativa privada. Lembrando que os portos fluviais e lacustres são de competência do Ministério dos Transportes. O comercio exterior tem ganhado novos formatos, o Brasil mais uma vez não tem conseguido acompanhar esse crescimento de forma significativa, de acordo com Pedro Brito coordenador geral dos Ministérios dos Transportes, apenas 8,98% cresceu o Brasil na corrente comercial internacional nos últimos 10 anos. Um dos fatores desse crescimento pouco significativo seria a falta de estrutura portuária, além das dificuldades na movimentação logística nos portos da costa brasileira, as questões burocráticas nas liberações dos produtos e a falta de estrutura portuária. Essas dificuldades portuárias retira o Brasil da rota internacional tornando nossos portos poucos competitivos, além dos baixos índices comerciais internacionais. O Brasil, em relação ao mundo, desenvolveu muito pouco no comercio internacional, os grandes portos mundiais abarcam em sua estrutura milhões de toneladas, a exemplo da Europa que têm como principais portos o de Roterdã localizado na Holanda, além do Antuérpia que fica na Bélgica, na França o destaque fica para o porto localizado em Marselha e por fim o de Hamburgo que fica na Alemanha. Esses portos tem uma imensa estrutura, e, todos fazem parte de uma tradição secular, ou seja, ao longo da história o continente europeu foi inserido no comercio internacional investiu em uma imensa estrutura europeia, destaca-se toda navegação fluvial com uma imensa frota, além do excelente sistema ferroviário responsável por escorrer de modo mais rápido suas cargas para os grandes centros industriais, finalmente, a Europa possui uma malha rodoviária totalmente estruturada. Os EUA tem um modelo portuário superior ao europeu e asiático, composto por mais de 180 portos com capacidade para movimentar mais de 900 milhões de toneladas, administrado por um sistema descentralizado e regionalizado. Os Estados com suas próprias e diferentes Constituições são responsáveis por torná-los competitivos, sobre o então regime da livre iniciativa e competitividade regulamentada. Fechando esse círculo do sistema portuário universal de maior estrutura e competitividade, cabe menção à Ásia, com notáveis portos, a exemplo do de Cingapura, capaz de processar mais de 200 milhões de toneladas por ano, além dos portos de Hong Kong e Xangai. 2.1.1 Porto de Cingapura De acordo com Oliveira (2010), o continente Asiático é o mais populoso do continente terrestre, contemplando 60% da população mundial, segundo dados geográficos. Por conta da extensão mínima de terra, uma grande extensão de costa marítima e a escassez de recursos naturais para abastecer todo esse contingente, surgiu à necessidade de desenvolver um sistema portuário em Cingapura, um pequeno país que faz parte do grupo de países asiáticos conhecidos como Tigres Asiáticos. Pelo porto, recebem-se todas as matérias primas necessárias para produção industrial, o que gera para a economia praticamente todo o giro de capital. O porto está muito bem localizado na Península da Malásia, entre o canal de Suez e as grandes economias orientais do Pacífico, ou seja, o sistema portuário liga o Extremo Oriente ao Oriente Médio e à Europa, Mas além, a sua localização permite-lhe atuar como um importante hub aeroportuário, excelente infraestrutura, uma moderna rede de telecomunicações, mão de obra qualificada, bom suporte financeiro, um porto todo automatizado, organizado, e quase todos os serviços privatizados sob a administração da PSA INTERNACIONAL. O porto só possui 15 km de cais, subdividido em 6 terminais, atualmente, ele é considero o segundo centro de distribuição na Ásia ficando atrás apenas de Xangai, segundo os dados de 2010. No entanto, a eficiência com que as operações portuárias são realizadas facilita sua interligação com de outros portos, existe uma moderna rede de transportes que o ligam a mais de 700 portos em 130 países do mundo, uma infraestrutura rodoviária responsável por escoar milhões de toneladas, bem como rede ferroviária que facilita as operações. Um dos maiores benefícios disponíveis são as poucas questões burocráticas, tendo em vista, o controle através de um avançado sistema computadorizado, tornando os terminais ultras automatizado, funcionando 24(vinte e quatro) horas por dia, garantindo uma maior agilidade na movimentação de contêineres. Toda essa estrutura explica porque de um porto, relativamente pequeno, ocupa desde de 1986, o primeiro lugar no ranking de movimentações em toneladas do mundo. 2.1.2 Porto de Xangai Situado nos arredores da cidade, acerca de 1,3 mil km da capital Pequim, Xangai é município com estatuto idêntico de uma província, tem 6.340 km², uma população de mais de 20 milhões de habitantes, segundo dados de 2014, com status de maior cidade chinesa tornou-se também o principal centro industrial, comercial e financeiro do país. Comporta um porto de águas profundas e um de águas fluviais, respectivamente, porto de mar e porto de rio. Durante muito tempo, a dinastia Ming trouxe grandes empecilhos para o desenvolvimento econômico na região. Com uma abertura para o comercio internacional, em 1842, o porto em Xangai foi considerado o principal da Ásia. No entanto, a revolução comunista mudou esse cenário com elevadas quedas nos níveis comerciais, anteriormente, alcançados, e, com isso, o desenvolvimento e infraestrutura do porto foram severamente afetados. Devido ao considerável aumento da densidade geográfica e a escassez de recursos naturais para a manutenção básica dessa população, o governo permitiu a reforma econômica, alhures, para que haja uma evolução financeira em determinado país abre-se os portos, o termômetro econômico da nação. Xangai tem ganhado espaço no topo, superando até mesmo Cingapura, em 2011. O novo porto de águas profundas de Yangshan, construído em 2005 numa pequena vila de pescadores, interligou regiões através de uma gigantesca ponte de 32 km de extensão, aquecendo ainda mais o mercado e aumentando a concorrência. Segundo Biliassi, nos primeiros oito meses de 2010 o complexo chinês escoou 19,6 milhões de contêiner em comparação com os de 19,1 milhões em Cingapura, tudo isso depois das construções do porto marítimo e fluvial no Mar da China Oriental e na Baía de Hangzhou localizados nos rios Yangtzé e Huangpu servindo de aportamento para os navios de grandes calados impedidos de usar essa rota, anteriormente, provenientes da falta de profundidade que ameaçava a expansão do movimento de grandes cargas. Essa localização trouxe resultados positivos no crescimento econômico da China graças ao fato de contar com o rio Yangtzé, conhecido como “o canal de ouro”, considerado o terceiro maior do mundo e o maior da Ásia. (Brasil, 2012) Tendo um total de 05(cinco) áreas de trabalho, todas administradas pela empresa pública SIPG (Shanghai International Port), responsáveis em repassar 44% dos lucros ao município de Xangai. A agilidade administrativa do porto em conjunto com as malhas rodoviária e ferroviária traz como resultado o escoamento mais eficaz das cargas. 2.1.3 Porto de Hong Kong Ainda como integrante do continente Asiático, o porto de Hong Kong está situado, estrategicamente, entre Cingapura e Xangai uma das regiões mais populosas do planeta, com cerca de 7,1 milhões de habitantes. É nesse contexto onde a economia cresce em ritmo acelerado, graças a um dos mais modernos e estruturados complexos portuários do mundo. A facilidade comercial, a eficiente logística, os custos reduzidos, as baixas taxas, a agilidade na burocracia e a modernidade têm atraído os grandes investidores no ramo. Tudo isso em apenas 10 km de cais muito bem concentrado, automatizado e administrado pelo Conselho de Desenvolvimento do Porto de Hong Kong, com a participação do setor privado. Com significativo crescimento no volume dos contêineres e a falta de espaço para operá-los, o conselho administrativo achou por bem de dividir a logística da seguinte maneira: a construção de alguns edifícios muito bem estruturados cada um com até 10(dez) andares e 03 (três) no subsolo bem como o desembarque de contêineres no costado dos navios para pequenas embarcações. Uma das maiores obras feitas pelos chineses para escoar suas cargas são as construções de pontes em quase todos os portos no continente Asiático. No porto de Hong Kong foi erguida a maior do mundo, com 50 km, que o liga a uma região sede de mais 80 bancos mundiais bem como de um gigantesco complexo industrial. O pequeno espaço geográfico não deixou o continente Asiático em desfavor nas estatísticas. Ao longo do tempo foram desenvolvidos com ajuda da tecnologia, inúmeros empreendimentos para sanar essas dificuldades. Com isso o desenvolvimento econômico tem alcançado as grandes economias mundiais, e tem se colocado no mercado com evidência. 2.1.4 Porto de Roterdã Com quase oito séculos de existência, recuperou-se das cinzas depois da sua destruição na Segunda Guerra Mundial, e rapidamente se tornou o terceiro porto mais movimentado do mundo, ficando atrás apenas dos portos de Xangai e Cingapura. Atualmente, o Porto de Roterdã é considerado o maior da Europa graças ao seu modelo de gestão. Segundo a revista Exame.com, no início de 2004, começou a funcionar como uma empresa privada, na qual, seus dirigentes eram escolhidos por um conselho formado pelos representantes da comunidade, das empresas, de entidades ambientalistas e do governo. Após eleitos, os dirigentes têm ampla autonomia nas decisões a serem tomadas, com isso a redução burocrática na movimentação de cargas traz uma “certa” segurança para os investidores, o mercado exige agilidade, refuta ideia André Lettieri, representante do porto de Roterdã no Brasil. Essa movimentação logística resulta em constantes obras na dragagem do porto, muito embora sua localização já é privilegiada e facilita o acesso das grandes embarcações, fica na cidade de Roterdã, na Holanda do Sul, nos Países Baixos, conhecida como “entrada da Europa”. E importante salientar que neste porto existe uma draga própria que trabalha 24 horas por dia durante todo o ano. Lettieri ressalva a organização nos serviços prestados, não se escuta aquele barulho típico dos nossos portos brasileiros. O destaque fica a cargo de um terminal chamado de Ghost Terminal ou Terminal Fantasma, onde tudo é informatizado e controlado por uma torre, não há motorista, nem caminhões, nem tão pouco empilhadeiras. A eficiência faz parte do planejamento e da logística portuária, o uso de satélite evita a fila de navios e ajuda no escoamento da mercadoria, a estrutura ainda dispõe de diversos meios de transportes, como rodovias, hidrovias, ferrovias e dutos. Para melhorar o acesso aos terminais, a Autoridade Portuária de Roterdã criou três empresas, uma é responsável em viabilizar o trânsito, diagnosticar os gargalhos rodoviários e apontar soluções para as autoridades locais, a segunda empresa administra a linha férrea que liga o porto a Alemanha por onde escoa toda sua produção de aço, e, por fim a terceira empresa estuda como melhorar a eficiência das operações. Os 40 km de cais são muito bem administrados, com uma infraestrutura que o torna como centro de distribuição de produtos para toda a Europa, por ali são transportados por ano 300 milhões de toneladas de mercadoria, como óleo e seus derivados, grãos, rações de animais, fertilizantes, carne, peixes, grãos, verduras, sucos e frutas. Existe um grande ponto para importação de frutas cítricas na Europa e vários pontos de distribuição de mercadorias asiáticas. O complexo portuário é composto por importantes multinacionais responsáveis em produzir para toda Europa, e, em alguns casos para o mundo inteiro. Mas a maior concentração está reservada à indústria, principalmente a química e petroquímica, com cinco refinarias e várias indústrias químicas, segundo informações do Portogente. 2.1.4 Porto de Hamburgo A história da Cidade se confunde com a do porto, nada mais justo sua denominação de cidade marítima. Um porto localizado no rio Elba, na Alemanha, a 110 km da foz no mar do Norte com uma área aproximada de 74 km ou 1/10 de toda área da cidade. É o terceiro maior porto fluvial da Europa, chamado de a “Porta para o Mundo”, possui 60 docas grandes e pequenas, diversos terminais para contêineres, podendo receber simultaneamente mais de 300 navios para carga e descarga. Para Fritz Wilhelm Jensen, responsável pelas relações internacionais do porto, a estrutura disponível atrai os investidores, o complexo portuário está equipado para receber qualquer tipo de mercadoria, exceto gás sob pressão. Por ano, em media, o governo gasta cerca de 100 milhões de euro – equivalente a 325 milhões de reais- com todo esse investimento a rotina marítima é a principal geradora da renda local, cada ano a metrópole ganha espaço, e, é procurado por cerca de 12 mil navios cargueiros marítimos que movimenta 09 milhões de TEU (medida-padrão equivalente a contentores com 20 pés de comprimento). Porém com o termino da construção do mais moderno centro de distribuição de mercadoria da Europa, localizado no sudoeste o porto, no bairro de Altenwerder, com o escopo de erguer 04(quatro) cais para navios de grandes calados em uma superfície de 200 hectares, a expectativa é receber o maior número de mercadorias. A Autoridade Portuária de Hamburgo é responsável em administrar todo o porto além de 300 km de trilhos de trem, cerca de 150 pontes, mais de 120 km de estradas públicas, aproximadamente 50 km de cais e diques, bem como tuneis, molhes e faróis, segundo dados do presidente Jeans Meier. Embora todo o sistema portuário de Hamburgo é uma das grandes evidências mundiais, o turismo marítimo também é explorado na região. Um dos cartões de visita da cidade são os 350 mil metros do seu cais onde está um dos maiores ícones arquitetônicos de Hamburgo, o Speicherstad, segundo o site oficial da cidade, foi construído na década de 1880 nas margens norte do rio a fim de viabilizar o crescente número de mercadorias armazenadas no porto. O maior complexo contíguo mundial de armazéns, declarado como patrimônio pela UNESCO, é quase que impossível o turista não se encantar pelas belíssimas paisagens, os passeios de barcos no porto, no cais flutuante e até mesmo as excursões de barcaça. Essa mistura do comercio marítimo com o turismo sempre fica mais movimentado no primeiro final de semana após o dia 7 de maio quando se comemora o aniversário do porto. 2.1.5 Portos de Portugal Segundo Antônio Nabais, Portugal é um país marítimo e cuja história está ligada intimamente ao mar. A evolução econômica se deu pelos oceanos navegáveis alcançados pelos portugueses, foi assim com o comercio africano, brasileiro, e, até mesmo com toda Europa. Dentre os maiores benefícios, destaca-se a profundidade do rio Tejo, e, sua localização estratégica. Essas características ofereceram ao longo do tempo vantagens ao porto de Lisboa, consequentemente, ascendeu à economia nacional. A costa portuguesa está localizada, geograficamente, em um cruzamento das principais rotas marítimas do comercio internacional e na primeira frente Atlântica da Europa. Com isso Portugal alcançou o mundo, o que antes era apenas um porto, atualmente, é composto pelos seguintes portos: Sines, Viana do Castelo, Douro e Leixões, Aveiro, Figueira da Foz, Peniche, Cascais, Lagos, Faro, Vila Real de Santo Antônio, Lisboa, Algarves, Madeira e Açores. Buscando a modernização da indústria portuária em decorrência da dinâmica do processo de integração europeia e tendo como barreira os altos impostos sobre as importações além de limitar as exportações. O governo português regulamentou no Decreto-Lei 298/93, no art. 2 o que seria serviço público bem como serviço privado é importante analisar: «Operação portuária», a actividade de movimentação de cargas a embarcar ou desembarcadas na zona portuária, compreendendo as actividades de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, bem como de formação e decomposição de unidades de carga, e ainda de recepção, armazenagem e expedição das mercadorias; b) «Zona portuária», o espaço, situado dentro dos limites da área de jurisdição das autoridades portuárias, constituído, designadamente, por planos de água, canais de acesso, molhes e obras de protecção, cais, terminais, terraplenos e quaisquer terrenos, armazéns e outras instalações;c) «Áreas portuárias de prestação de serviço público», as áreas dominiais situadas na zona portuária e as instalações nelas implantadas, pertencentes ou submetidas à jurisdição da autoridade portuária e por ela mantidas ou objecto de concessão de serviço público, nas quais se realizam operações de movimentação de cargas, em regime de serviço público;d) «Áreas portuárias de serviço privativo», as áreas situadas na zona portuária e as instalações nelas implantadas que sejam objecto de direitos de uso privativo de parcelas sob a jurisdição da autoridade portuária, nas quais se realizam operações de movimentação de cargas, exclusivamente destinadas ou com origem no próprio estabelecimento industrial e que se enquadram no exercício normal da actividade prevista no respectivo título de uso privativo;e) «Serviço público de movimentação de cargas», aquele que é prestado a terceiros por empresa devidamente licenciada para o efeito, com fins comerciais na zona portuária;f) «Autoridades portuárias», as administrações portuárias e as juntas autónomas dos portos, a quem está cometida a administração e a responsabilidade pelo funcionamento dos portos nacionais;g) «Empresas de estiva», as pessoas colectivas licenciadas para o exercício da actividade de movimentação de cargas na zona portuária.(Portugal, 1993). Como observamos, a movimentação portuária nos portos portugueses deve ser realizada na zona portuária, e, administrada pela Autoridade Portuária, por trata-se de serviço com interesse público. No entanto, a movimentação de carga própria deve ser de inteira responsabilidade do estabelecimento comercial sobre a jurisdição da Autoridade Portuária. Essa concessão portuária tem mostrado índices melhores já no primeiro trimestre desse ano, segundo a publicação de abril do jornal português o aumento de 9,5% na movimentação de toneladas, atingiu um valor recorde em comparação anos anteriores. O Jornal dos Transportes ainda destacou que foram cerca de 20,9 milhões de toneladas movimentadas nos setes principais portos comerciais. Todo esse crescimento está inteiramente ligado ao domínio que o sistema portuário tem sobre os meios de transportes marítimo, ferroviário e rodoviário, disponibilizando uma excelente infraestrutura logística multimodal aos investidores, responsável em escoar as mercadorias com maior eficiência. 2.1.6 Portos dos Estados Unidos O sistema portuário americano é composto por importantes portos, ambos com uma administração de elevado grau de descentralização (Lacerda, 2005). As três esferas governamentais administram conforme capacidade delegada ou estabelecida, não existe uma autoridade portuária nacional. O Congresso Federal não pode intervir nas decisões estaduais, nem mesmo revisar ou aprovar atitudes do poder público municipal. Esse modelo de administração tem colocando os Estados Unidos, mundialmente, em evidência econômica. No território americano estão os dois maiores portos da América, destaca-se o de Los Angeles com a maior movimentação de contêineres, com mais de 8,3 milhões de TEU’s por ano, localizado no bairro de San Pedro, ocupa cerca de 03 mil hectares de terra e água ao longo de 70 km de extensão total, com uma profundidade de 18 metros. O porto disponibiliza uma infraestrutura para movimentação de carga, de transporte, de transporte ferroviário, de recreação, e até mesmo de passageiros. O segundo mais movimentado porto de contêineres nos Estados Unidos é o de Long Beach, ocupa 3.200 hectares (13km) de terreno com cerca de 40 quilômetros totais de cais. Localizado a menos de 03 quilômetros do sudoeste do centro de Long Beach e aproximadamente 40 quilômetros ao Sul do centro de Los Angeles. Um dos marcos da história desse porto foi a descoberta de petróleo, em 1921, no Long Beach e em torno de Signal Hill, uma pequena cidade da região, trazendo bons resultados a economia e colocando o porto em uma posição, relativamente, confortável no ranking. Fernando Fonseca (Brasil, 2015), diretor da Antaq, participou de várias visitas técnicas, entre 12 e 22 de julho, nos portos americanos. Fonseca destacou a tecnologia de ponta em exploração portuária sustentável, a interligação com o mercado asiático, e, toda automatização dos terminais especializados na movimentação de contêineres. O grande desafio, atualmente, é se preparar para atender os novos mega navios conteineiros, cujos últimos modelos podem carregar até 21 mil TEU (unidade equivalente a um contêineres de 20 pés) e vão chegar ao mercado nos próximos anos. Há cerca de 5 (cinco) anos o sistema portuário americano vem se preparando para operar essas embarcações nas linhas entre o Extremo Oriente e a Costa Oeste, destaca o executivo – sênior da Cadeia de Suprimentos do Porto de Long Beach, Michael Christensen (EUA, 2015): “O mercado está em evolução e os portos têm de encarar esse desafio. Não se trata de fazer um juízo de valor, se isso é bom ou mal, mas é o que está ocorrendo. Somos um grande porto, o segundo maior dos Estados Unidos, e temos de atender esses navios.” O executivo ainda destacou que, para receber esses gigantes, o porto deve preparar sua infraestrutura, principalmente, no aprofundamento dos canais de acesso para 55 pés (16,5), e, otimiza sua programação logística, destacando a mudanças no cotidiano de suas operações: “Esses navios descarregam contêineres muito rápidos, em uma velocidade maior do que a prevista para os terminais portuários quando foram projetados. Então percebemos que teremos muita carga que terá de sair rápido do porto e temos de fazer isso sem impactos na região. Tivemos de repensar nossa logística”. (EUA, 2015). Tem sido tomada uma série de medidas no cotidiano portuário, entre elas, o horário de entrega das cargas de importação passou a acontecer 24 horas, sem causar onerosidade ao investidor ou aplicar taxas especiais para tornar o horário mais competitivo. “Não foi preciso adotar essas medidas. Foi um grande acordo do mercado. Todos entenderam a importância de melhor distribuir essas atividades”, disse Christensen. Dentre as muitas melhorias destacam-se os investimentos nas malhas ferroviárias, melhorias no acesso ao porto, como pontes e estradas e novas tecnologias nos terminais para maior agilidade na liberação dos caminhões. Para Michael Christensen, o investimento em tecnologia é uma ferramenta “essencial” na nova realidade vivida pelo setor portuário. “Os meganavios demandam portos cada vez mais eficientes e o investimento em tecnologia garante isso”, afirmou. Todas essas disponibilidades tecnológicas, logística e agilidade atraem os investidores e coloca o porto como rota nos grandes navios comerciais. A administração descentralizada despensa a burocracia e eleva sistema portuário americano no ranking econômico. 2.1.7 Portos Africanos O continente africano disponibiliza um vasto complexo portuário, de fato é um dos mais antigos complexos da história. Para melhor compreensão subdividiremos por regiões. 2.1.7.1 Portos Egípcios O Egito tem 2.000 km de costa no Mar Rojo e no Mar Mediterrâneo, são ligado pelo Canal de Suez, uma das maiores rotas marítimas já construídas. Em 08 de Agosto de 2015 foram inauguradas as melhorias realizadas pelas forças armadas na infraestrutura, atualmente é permitindo uma navegação em dois sentidos com navios de grandes calados. Com os investimentos de mais de 8,5 bilhões de Euro esperar passar, diariamente, 97 navios com duração de 11 horas, economizando 05 horas conforme o tempo gasto anteriormente. O atual presidente do Egito, Abdel Fattah Al Sisi, afirma que a expansão de uma rota de navegação comercial mais importantes do mundo dará forte impulso à economia do país. A via é uma das principais fontes de recursos para o Egito. (Egito, 2015) O complexo portuário do Egito é composto pelo porto de Said, de Alexandria, de Damietta, sendo esse mais antigo, de Adabey, Hurghada e Nuweibaa. A maioria são portos públicos administrados pela respectiva Autoridade Portuária. Sendo o Porto de Said de maior tráfego portuário nacional, está localizado na entrada oriental do Canal de Suez, no Norte do Golfo, recebe anualmente mais de 05 milhões de toneladas, armazenados em uma área de 90.000 m². Exporta para África, Europa, Oriente Médio e a Ásia. Toda essa estrutura distribuída em 3 km de porto e seus terminais, sendo o terminal Leste operado pela Companhia “China Engenharia Harbour”. O segundo maior porto é de Alexandria responsável em exportar 65% do comercio exterior, com uma área de 16 km ² , comportando 20 terminais, administrado pela Autoridade Portuária, que ainda gerencia o Porto Leste e o Porto Oeste. Com rodovias, caminho de ferro e transportes aéreo na sua região, escoando toda carga recebida. Um dos grandes problemas na região são os conflitos anti –governistas, vez ou outra, leva as atividades portuárias operarem em lentidão trazendo resultados negativos na economia. 2.1.7.2 Portos Sul-Africanos O continente africano se destaca pela sua excelente produção de petróleo, consequentemente, tornou-se o um dos maiores complexo portuário do mundo com mais de 20 portos ao longo da sua imensa costa. Na África Ocidental estão os seguintes portos: de Abidjã (Costa do Marfim), de Tema e Takorodi (Gana), de Lagos (Nigéria), de Dakar (Senegal), de Lomé (Togo), de Cotonou (Benim). Na África Central estão os portos de Luanda, de Lobito (Angola), de Douala (Camarões), de Pointe Noire (Congo), de Gabão, de Libreville, de Gentil, de Malabo (Guiné Equatorial). Na África Oriental estão os portos de Beira, de Nacala, de Maputo (Moçambique), de Djibuti, de Mombaça (Quênia), de Sudão, de Dar es Salaam (Tanzânia), de Madagáscar. Na África Austral estão de Durban, Richards Bay, de East London, de Ngqura, de Elizabeth, Mossel Bay, Cape Town, Saldanha (todos localizados na África do Sul), de Walvis Bay (Namíbia). Os portos localizados na África do Sul são administrados pela Autoridade Portuária da África do Sul (Transnet SOC Ltd). O Porto de Durban é a porta de entrada aos países sem litoral da África Austral, assim sendo, Bostsuana, o Lesoto, a Suazilândia, a Zâmbia e o Zimbábue. Com toda essa importância tornou-se o segundo maior de contentores e de carga, consequentemente, o mais congestionado do continente. Anualmente, movimenta mais de 2,5 milhões de TEU, com uma profundidade de 15,5 metros e com uma infraestrutura modal em seu redor “tentando” da escoamento a toda carga. Os portos africanos triplicaram nos últimos dez anos, principalmente, no tráfego de Comércio exterior. Alguns fatores devem ser considerados, segundo o presidente da Agência Transnet:  “Desregulamentação dos portos; De modo geral, elevados impostos portuários; O aumento dos custos logísticos; Muitos portos africanos não estão suficientemente equipados para manipular contentores; A falta de comunicações integradas por estrada e por Caminho de Ferro; Existência de "estrangulamentos" em muitos portos africanos; A necessidade de investimentos e das reformas institucionais; A importância do investimento chinês; O crescimento mais rápido (carga geral): a África Austral; O crescimento mais rápido no tráfego de contentores: a África Ocidental; O maior porto da África: o Porto de Durban; A importância dos corredores africanos para os países sem litoral.” (África do Sul, 2012) A Autoridade Portuária tem investido muito nos últimos anos na tentativa de dirimir esses problemas. Os novos investimentos permitiram o aumento na navegabilidade para 16 metros, eficiência e agilidade ao nível da articulação intermodal, as operações portuárias e terrestres a um nível de eficiência de referência no continente Africano. Para Fernando Venâncio, o presidente do Porto de Luanda, a gestão administrativa deverá conceder algumas áreas a operadores privados e, assim trazer melhores resultados econômicos ao continente: “A componente de gestão portuária é um aspecto fundamental para o estabelecimento de hubs de âmbito regional ou sub-regional. É fundamental articular, de forma eficiente, a componente de gestão portuária com a componente infra-estrutural. Só assim se conseguirá elevar os índices de produtividade dos portos para patamares elevados. Uma gestão eficiente permitirá reduzir os custos portuários que se têm verificado em África e que comprometem, em parte, a produtividade dos seus portos 37 Modelo de gestão e governação. A Visão de desenvolvimento para o continente pressupõe uma infra-estrutura portuária de Referência no mundo ao nível da Gestão Portuária, deverá considerar-se uma vertente de gestão por objectivos, assente em indicadores de monitorização da performance mensuráveis. É fundamental assim que se diferencie nos principais factores críticos de sucesso: COMPETITIVIDADE, EFICIÊNCIA E AGILIDADE”. (LUANDA, 2015). 2.1.8 Portos da Oceania No continente Oceânico estão localizados mais de 25 portos, sendo 20 desses na Austrália, distribuído nos 37.000 km de litoral. Compõe o sistema portuário os seguintes portos. Na Austrália está o de Adelaide, de Brisbane, de Burnie, de Cairns, de Dampier, de Freemantle, de Melbourne, de Perth, de Richmond e de Sidney. Nas Ilhas Fiji o de Suva. Na Indonésia os portos de Jakarta e de Surabaya. Na Caledônia está o porto de Noumea e na Nova Zelândia o de Auckland, de Bluff, de Lyttelton, de Porto Nelson, de Taranaki, de Tauranga, de Timaru e de Wellington. ‘A Austrália tem apresentado um bom desempenho econômico nos últimos anos. A taxa de inflação é 3% ao ano, e, tem como característica a exportação dos vários recursos naturais: bauxita, carvão, minério de ferro, cobre, estanho, ouro, prata, uranio, níquel, tungstênio, areias minerais, chumbo, zinco, diamantes, gás natural e petróleo. Com isso o país vem aumentando consideravelmente as suas exportações através do mais movimentado porto de Melbourne, localizado na foz do rio Yarra, no estado de Victoria, com uma área total de 1.460.000 m² tem sido administrado pelo Porto de Melbourne Corporation, uma empresa legal criada pelo Estado de Victoria. O porto de Sidney é um dos portos mais desenvolvidos do mundo seja em estrutura comercial seja em estrutura turística. É considerado um dos mais belos portos naturais do mundo com pouco mais de 240 km de costa e vias navegáveis sinuosas. Serve para os moradores bem como para os turistas como um grande parque aquático, rota para os grandes cruzeiros, terminal de ferro para passeios históricos e museu ao redor. Essa movimentação turística portuária resulta em altos valores na economia australiana. A exportação é a base econômica do país, principalmente, o porto de Sidney, anualmente, exporta minerais, carvão, os metais não ferrosos, o petróleo, a lã, os cereais bem como a carne constituem principais produtos de exportação. A estrutura multimodal da Austrália disponibiliza 800.000 km em rodovias de todos os tipos, ainda existem 36.000 km de ferrovias responsáveis que transporta grandes volumes de cargas como trigo e outros grãos, minério de ferro, carvão e açúcar. Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, a estrutura portuária foi desenvolvida especialmente para lidar com cargas específicas, geralmente, mercadoria sem grande volume. Os portos dispõem de equipamentos e instalações modernas, adequadas as necessidades de cada porto, afirma o ministro:  “(…) Para carga geral, os portos possuem uma variedade de guindastes e esteiras rolantes; os portos de carga em contêineres normalmente possuem guindastes de grande capacidade e envergadura; os portos especializados dispõem de equipamentos específicos para o tipo de carga com a qual lidam. Na maioria das vezes, esses portos são capazes de lidar com qualquer tipo de navio, embora em alguns casos haja restrições a seu tamanho. Existem vários serviços de balsa em operação; o principal deles é o serviço que combina o transporte de passageiro e carga e que atravessa o Estreito de Bass entre Melbourne (em Victoria) e Devonport (na Tasmânia)”. (Brasil, p. 09, 2013). Essa infraestrutura atrai os investidores, nas relações comerciais a Austrália apresentou, em 2013, crescimento de 55% em relação a 2009, segundo dados fornecidos pelo Ministério das Relações Exteriores. A tabela 1 mostra a evolução australiana no comercio exterior. Existe um sistema integrado para dá escoamento de toda carga portuária evitando os gargalhos dos grandes portos. A frequência dos serviços varia da seguinte forma: o serviço direto pode ocorrer a cada 2 semanas ou com menos frequência; o serviço indireto pode ocorrer semanalmente. O Brasil tem uma relação de comercio há várias companhias de navegação que oferecem serviços de carga entre a Austrália e o Brasil. Alguns destes serviços operam diretamente entre portos australianos e brasileiros. O transporte aéreo dá um suporte muito importante para esse serviço, com mais de 270 aeroportos autorizados na Austrália, há uma excelente rede de serviços aéreos, que abrange o transporte de passageiros e de carga. Por não haver ligações aéreas diretas entre a Austrália e o Brasil as muitas das relações comerciais entre os dois países é através do transporte marítimo que cresce a cada ano. 2.2INFRAESTRUTURA PORTUÁRIA BRASILEIRA O Brasil, em relação ao mundo, desenvolveu muito pouco no comercio internacional. A situação está, intrinsecamente, relacionada ao modelo de gestão administrativa e operacional da estrutura portuária. No Relatório de Competitividade Global de 2014/2015, do Fórum Econômico Mundial, citado na referência i, a qualidade da infraestrutura portuária de 144 países foi avaliada. O Brasil foi classificado na 122ª posição, ficando à frente apenas da Venezuela e Bolívia, em relação aos países da América do Sul. Essa colocação, dentre outras, são resultados do modelo da infraestrutura portuária brasileira construída ao longo das últimas décadas. Apresenta limitações e deficiências que comprometem sua eficiência e, em última analise, o próprio desenvolvimento econômico do país. Segundo Antônio Tovar, Chefe do Departamento de Energias Alternativas do BNDES, “é necessário viabilizar o desenvolvimento sustentado da infraestrutura aquaviária e terrestre nos portos brasileiros, de forma que o sistema portuário possa efetivamente contribuir para fortalecer o comércio exterior nacional”. (BRASIL, 2014) De acordo com a Resolução nº 2.969, de 4 de julho de 2013, da ANTAQ, citada na referência l, que define a classificação dos Portos Públicos, Terminais de Uso Privado e Estações de Transbordo de Cargas, existem 235 (duzentos e trinta e cinco) instalações portuárias no país distribuídos ao longo de uma faixa litorânea com 7.367km de extensão, além das vias navegáveis interiores, utilizadas no transporte marítimo de cargas e passageiros. A atual legislação portuária definiu dois tipos de portos: o porto organizado, cujo tráfego e operações portuárias estão sob jurisdição de uma autoridade portuária, e a instalação portuária de uso privado (juntamente com a estação de transbordo de cargas, instalação portuária de pequeno porte e instalações portuárias de turismo), explorada por pessoa jurídica de direito privado ou público, fora dos limites da área do porto organizado. De acordo com a SEP/PR, o “sistema portuário brasileiro” é composto por 37 portos públicos, entre marítimos e fluviais. Desse total, 16 são delegados, concedidos ou tem sua operação autorizada à administração por parte dos governos estaduais e municipais. Os outros 18 portos marítimos são administrados diretamente pelas Companhias Docas, sociedades de economia mista, que tem como acionista majoritário o Governo Federal. Existem ainda 42 terminais de uso privativo (hoje designados com Terminais de Uso Privado, pela nova Lei 12.815) e “três complexos portuários que operam sob concessão à iniciativa privada”. As duas figuras abaixo apresentam a distribuição geográfica dos 34(trinta e quatro) principais portos públicos e 130(cento e trinta) Terminais de Uso Privado (TUP): Ainda segundo a SEP/PR, ao todo, são sete Companhias Docas, assim distribuídas: a) Companhia Docas do Pará (CDP)- Portos de Belém, Santarém e Vila do Conde; b) Companhia Docas do Ceará (CDC)- Porto de Fortaleza; c) Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern) – Portos de Natal e Maceió, além do Terminal Salineiro de Areia Branca; d) Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba) – Portos de Salvador, Ilhéus e Aratu; e) Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) – Portos de Vitória e Barra do Riacho; f) Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ)- Portos do Rio de Janeiro, Niterói, Angra dos Reis e Itaguaí; e g) Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp)- Porto de Santos. Toda essa imensa estrutura portuária necessita de grandes avanços com o escopo de assim contribuir no fortalecimento do comércio exterior. Segundo Tovar o aumento da eficiência reduz os custos e melhora o nível dos serviços portuários, gerando externalidades positivas para toda a economia (Brasil, 2011). O então Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tenta viabilizar essas melhorias, principalmente, nos impasses sofridos pelo setor, bem como a burocracia documental, a saturação das estruturas portuárias, o acesso à área portuária pelas rodovias, a falta de dragagem de manutenção, os altos custos de manuseio da carga, a deficiência na capacidade de armazenagem das mercadorias nos portos, a morosidade nos serviços públicos disponíveis, o alto custo na demurrage (o estacionamento dos navios) decorrente da demora na liberação das mercadorias, a defasagem dos equipamentos brasileiros na atracação dos navios. Nos últimos anos grandes investimentos foram feitos. O novo marco regulatório em conjunto com o PAC vem tentando mudar esse cenário, nos últimos anos, foram feitos muitos investimentos privado no setor portuário, exemplo, o programa de arrendamentos das 159 áreas nos portos organizados (PIL-Portos) injetou mais de R$ 17 bilhões em investimentos, que somavam cerca de R$ 8 bilhões previstos nos 15 terminais de uso privado autorizados. “Isso é extremamente importante tanto para a racionalização quanto para a ampliação da capacidade portuária”, disse o ministro da Secretaria de Portos, Antônio Henrique Silveira, durante reunião com o Conselho de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília,  Os investimentos de mais de 10 milhões no setor no ano de 2014, principalmente, na manutenção da dragagem, nos arrendamentos existentes, nas autorizações para Terminais de Uso Privado (TUP) e nos arrendamentos de áreas em portos organizados previstos no Plano de Investimento em Logística (PIL-Portos) já vem mostrando resultados. Atualmente, 95% do que o país importa ou exposta passa por esses terminais portuários, Segundo o atual o ministro da Secretaria de Portos da Presidência da República, Edinho Araújo, tudo isso graça à Lei dos Portos (Lei n° 12.815/2013). Os dados da gerência de Estatística e Avaliação de Desempenho da ANTAQ, mostraram que o Brasil, incluindo portos marítimos e fluviais, movimentou 479 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2015. Isso representou um crescimento de 3% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram movimentados 466 milhões de toneladas. Desse total, os terminais de uso privado movimentaram 311 milhões de toneladas e os portos organizados ficaram com 168 milhões de toneladas. Em relação aos portos organizados, Santos (SP) manteve a liderança, com 46,1 milhões de toneladas movimentadas. No primeiro semestre de 2014, esse número foi 44,1 milhões de toneladas. Depois de Santos, aparecem Itaguaí (RJ), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS) e Suape (PE). Para o gerente de Estatística e Avaliação de Desempenho da Agência, Fernando Serra, esse incremento na movimentação aconteceu devido à exportação de commodities. “Os destaques da movimentação portuária brasileira são minério de ferro, combustíveis, soja. As empresas brasileiras possuem contratos de exportação de médio e longo prazo para esses produtos. Portanto, manteve-se o crescimento na movimentação”, detalhou. Segundo os dados da ANTAQ, nos primeiros seis meses do ano, a Região Sudeste movimentou 51,4% das cargas, seguida das regiões Nordeste (24,6%), Sul (14,5%), Norte (8,9%) e Centro-Oeste (0,6%). Dos 479 milhões de toneladas movimentadas, 294 milhões de toneladas foram de granel sólido; 112 milhões de toneladas, granel líquido; 49 milhões de toneladas de carga conteinerizada; e 24 milhões de toneladas de carga geral. Em comparação com o primeiro semestre de 2014, houve aumento de movimentação em todas as cargas nos primeiros seis meses de 2015. A Gerência de Estatística e Avaliação de Desempenho da ANTAQ também divulgou as 15 mercadorias mais movimentadas no primeiro semestre de 2015. O minério de ferro foi a carga mais movimentada, com 167,7 milhões de toneladas. Em segundo, aparece o grupo formado por combustíveis, óleos minerais e produtos. Na terceira posição, estão os contêineres. A movimentação de contêineres na navegação de cabotagem também cresceu, com 10,4 milhões de toneladas. O incremento foi de 5,7% no primeiro semestre de 2015 em relação ao mesmo período de 2014. A movimentação na navegação de longo curso registrou crescimento de 1,16%, com 38 milhões de toneladas. Em relação à navegação interior, os destaques são o incremento significativo na movimentação nas instalações portuárias nos rios Madeira e Tapajós; e o decréscimo na movimentação nas instalações nos rios Tietê-Paraná e Paraguai.  Com todos esses dados oficiais, o Brasil precisa avançar, principalmente, em infraestrutura portuária e os serviços interligados, bem como o transporte rodoviário, aéreo, marítimo ou ferroviário, que dão viabilidades a essas cargas que entram ou saem dos portos. Não há crescimento econômico sustentável sem a existência de infraestrutura eficiente e eficaz, que atenda aos objetivos diversos de uma nação. O investimento realizado em infraestrutura não acompanhou o crescimento da produção, gerando gargalos logísticos para seu escoamento. O investimento em infraestrutura comparada com países desenvolvidos foi insignificante há décadas, logo, retrata a nossa atual conjuntura, aliado ao pouco recurso destinado para este fim, soma-se os desvios de recursos oriundos da corrupção no Brasil. 3 DAS CONCESSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS 3.1 DOS SERVIÇOS PÚBLICOS 3.1.1 Conceito No início do século XIX e final do século XX surgiram às primeiras noções de serviço público na França com a chamada Escola de Serviço Público. Isso não quer dizer que antes desse período não houvesse noção de serviço público. Conforme entendimento de Monica Spezia JUSTEN, em sua obra intitulada A noção de serviço público no direito europeu, nota-se que a origem da noção de serviço público pode ser buscada na Grécia antiga, onde o serviço “era prestado pelos detentores de grandes fortunas em forma de imposição honrosa, e não pelo poder organizado em forma do Estado”. Dinorá Grotti, na sua indiscutível monografia sobre serviço público, atribui o uso originário da expressão “serviço público” a Rousseau, observando também, que na época, essa expressão era demasiadamente ampla, uma vez que abrangia dois conceitos: ―concebe-se como uma atividade estatal que sucede ao serviço do Rei, porque se operou uma substituição na titularidade da soberania, e também por se tratar de ―atividades destinadas ao serviço do público, isto é, ações através das quais se assegura aos cidadãos a satisfação de uma necessidade sentida coletivamente. Cabe ressaltar que, nesse conceito, estava incluso a ideia de que é necessária a organização de certos serviços destinados à satisfação das necessidades então consideradas essências para a população. Havia no surgimento do instituto um sentido amplo. Segundo Leon Duguit o serviço público era toda atividade ou organização prestada pelo Estado e fiscalizada pelos governantes. (2011, p. 99). No Brasil, esse conceito é adotado por Mário Masagão quando ele considera como serviço “toda atividade que o Estado exerce para cumprir os seus objetivos” (1968, p. 252). Ao longo da história, a evolução do tema, principalmente, quanto às funções do Estado sofreram grandes mutações, e, com isso os elementos que compõem o conceito de serviço público não apresenta uma unanimidade na sua definição. Trata-se, na verdade, de uma expressão que admite mais de um sentido. No Estado Liberal surgiram as primeiras noções de serviços públicos combinadas com aqueles três essências elementos distintos. O primeiro considera o elemento Subjetivo, a pessoa jurídica prestadora da atividade ou do serviço público, seria aquele prestado pelo Estado. O segundo elemento refere-se ao material, ou seja, é a prestação continua dos administrados, em geral, de utilidade ou comodidades materiais (como água, luz, telefone, transporte coletivo etc.), mas fruível singularmente pelos administrados. Essas atividades são prestadas pelo Estado como próprias, por satisfazer a coletividade nas suas necessidades básicas. Por fim, temos o elemento formal, isto é, a submissão ao regime jurídico. Vale ressaltar, será o serviço público exercido sob regime de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum. Com isso percebemos a dificuldade da doutrina em conceituar, unanime, o serviço públicos. Como subsídio, e para estudo comparativo, convém apontar o conceito firmado por alguns estudiosos. HELY LOPES MEIRELLES denomina de serviço público “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado.” (BRASIL, 2011, p. 364).  MARIA SYLVIA DI PIETRO considera o serviço como "toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente de direito público". (Brasil, 2011, p. 103). CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, a seu turno, considera serviço público: “[…] toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo”. (MELLO, 2008, p. 665). Por fim, CARVALHO FILHO simplifica o conceito, considerando serviço público “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade.” (2014, p. 329). Em nosso entender, o conceito deve conter os três elementos, sejam de forma objetiva e original ou até mesmo com sensíveis diferenças do seu texto original. Com isso conceituamos serviço público toda atividade material que a lei atribuí ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com vista à satisfazer concretamente as necessidades essenciais e secundárias da coletividade, sob regime jurídico total ou parcialmente público. 3.1.2 Titularidade e Execução Deve-se distinguir execução de serviços públicos, a prestação e a titularidade, a fim de melhor compreensão do instituto. Segundo Moreira Neto a prestação tanto poderá ser executada pelo titular, denominado como direta, como pode ser delegada a terceiros, dizendo-se indireta nas formas paraestatais. (2014, p. 618). A prestação direita é aquela realizada pelos entes administrativos que além de criarem, executam o serviço; em decorrência, a Constituição positiva, explícita ou implicitamente, a competência específica, podendo ser privativos da União, exemplo, emissão de moeda, serviço postal e polícia marítima e aérea, (art. 21, VII, X e XXII), bem como dos Estados com o serviço de distribuição de gás canalizado, (art. 25, § 2º). Por fim, os Municípios com a arrecadação de tributos municipais e o transporte coletivo intermunicipal, (art. 30, III e V). Em decorrência disso a titularidade é exclusiva do ente, alhures comentado. No entanto, HELY LOPES ainda refuta a ideia de propriedade: “Pela concessão, o poder concedente não transfere propriedade alguma ao concessionário, nem o despoja de qualquer direito ou prerrogativa pública. Delega apenas a execução do serviço, nos limites e condições legais ou contratuais, sempre sujeita a regulamentação e fiscalização do concedente”. (2010, p.425). A prestação indireta é quando a execução desses serviços, dentre outros, são regulamentados através de leis, decretos e outros atos regulamentares, nos quais, garante ao prestador do serviço a executoriedade. Contudo, quando o Poder Público concede o serviço ao concessionário, apenas lhe transfere a execução; em decorrência disso mantém a plena disponibilidade sobre o mesmo, podendo explorá-lo direita e indiretamente. Nessas relações contratuais o concessionário fica adstrito ao regulamento bem como ao contrato, nos quais, poderão estabelecer direitos e deveres, principalmente, nas condições de execução. 3.1.2.1 Das Autorizações de Serviço Público Não é uma tarefa simples discorrer sobre o instituto, tendo em vista, não haver uma unanimidade na doutrina. Para Hely Lopes constitui um ato unilateral, precário e discricionário pelo qual o Poder Público, normalmente delega sua execução a particular, a fim de atender interesses coletivos instáveis ou emergência transitória. (2010, p. 445). Helena Diniz conceitua como um ato unilateral, discricionário e precário pelo qual o poder público delega apenas a execução de um serviço, para que o particular execute, predominantemente, em benefício próprio e por sua conta em risco; decorrente disso não depende de licitação. No entanto, está sujeito à fiscalização pelo poder concedente. (2011, p. 307). De fato os executores dos serviços autorizados são entes privados, nos quais, pactua com o Poder Público um ato precário de natureza econômica, pode ser revogado a qualquer tempo, se houver interesse público, sem que haja uma indenização. CARVALHO FILHO, faz uma ressalva importante: “Quando Constituída de natureza econômica com interesse, predominantemente, exclusivo do executor, não se tratar de serviço público; em decorrência disso será autorizado, ainda que traga algum benefício para um certo grupo de pessoas. Porém quando houver interesse público deverá ser executado através da concessão ou permissão” (2014, p. 451). É justamente essa distinção que alguns doutrinadores demostra ter dificuldade. Mas a Carta Magna positiva no art. 175 a prestação indireta dos serviços públicos através da permissão ou concessão esclarecendo essa dúvida. Além dessa fundamentação a Constituição reforça a ideia, no art. 21, que caberá exploração, diretamente ou mediante autorização dos seguintes serviços: “a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;” Concluímos, o serviço quando autorizado, predomina, o benefício privado na exploração, no entanto, o autorizatário, por sua conta em risco, sujeita-se à fiscalização do Poder Público. 3.1.2.2 Das Permissões de Serviço Público Embora o instituto da permissão tenha o mesmo escopo da concessão, o que os diferenciam é o grau de precariedade, ou seja, além da possibilidade de ser desfeito o contrato, a qualquer momento, fica a Administração desobrigada de indenizar o prestador do Serviço Público. Assim, as permissões representam uma forma especial da prestação indireta do serviço público. A doutrina majoritária trazida por Celso Antônio conceitua o instituto como ato administrativo unilateral, precário, intuitu personae, no qual, o Poder Concedente, através de licitação, transfere à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para executar o serviço, por sua conta em risco (2008, p. 753). Em fase disto, o instituto realça diferenças notáveis dentre as tais, descarte, a natureza jurídica da matéria, alguns doutrinadores entende ser um ato, para outros um contrato, alhures observamos a maioria dos doutrinadores aceitam o instituto como um ato devido sua precariedade; situação que o torna muitas vezes não aceito pelos concessionários, principalmente, as concessões de altos investimentos. A precariedade é um instituto não garantidor de longos prazos, o Estado – concedente alegando interesse público poderá retomar a execução, a qualquer tempo, e, ainda não reincidir os valores dispensados por parte do privado. Outra peculiaridade está relacionada ao executor, nas outras modalidades de concessão poderá ser firmado o contrato com pessoa jurídica ou consórcio de empresa, quanto a permissão só poderá ser delegado a pessoas física e jurídica, ou seja, a concessão não poderá ser realizada através de pessoa física bem como a permissão não poderá ser pactuada com consorcio de empresa.  O art. 40 regula a matéria pontuando-os ficando a cargo da Administração, quando pactuar o serviço com o concedente, qual regime contratual a ser escolhido. 3.2 DAS CONCESSÕES DE SERVIÇO PÚBLICO A palavra concessão deriva do latim concessio, que significa ato ou efeito de conceder, ação de dar a alguém a incumbência para realizar algo. Outorga é a ação ou efeito de entregar ou ceder alguma coisa. Esse instituto teve início no século XX, quando o governo dos Estados Unidos e as companhias petrolíferas firmaram contratos com caráter privado, e, segundo o BNDES, no mesmo período ainda há registros que no Oriente Médio também era usado a mesma relação contratual. Atualmente, a Constituição Brasileira emprega o termo no art. 175, classificando-o como espécie de contrato administrativo, realizado pela Administração com particulares para descentralização da prestação de serviços públicos.Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, concessão é o contrato administrativo através do qual o poder concedente delega o exercício de determinado serviço público a outrem que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta em risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo poder público, mas sob a garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral, mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço (2008, p. 696). A concessão do serviço público caberá apenas para aqueles que têm natureza privativa, sendo impossível a delegação nas atividades exclusivas do Estado. Em seus estudos Celso Antônio Bandeira refuta a ideia em destaque, em regra, o serviço público e privado é res extra commercium, o Poder Público transpassar apenas a execução do serviço, sendo sua titularidade inegociável e inamovível (2008. p.705). O art. 175 da Constituição ainda aponta outra natureza, entre os doutrinadores não existe unanimidade quanto a natureza da concessão quanto refere – se a contrato ou ato administrativo. A doutrina francesa foi responsável pelo conceito misto, ou seja, em determinado momento é um ato mas na sua formalidade corresponde a um contrato. Não obstante, suas peculiaridades são contratuais, no polo passivo o concessionário obtém o lucro no polo ativo o Estado, via de regra, busca a boa prestação do serviço. Quando a Administração pactua com o particular, alhures, as alterações são unilaterais, assegurando-lhe o princípio do equilíbrio econômico-financeiro. O Poder concedente poderá modificar as cláusulas sempre que houver interesse público, caso essas modificações acarretem alguma onerosidade ao concessionário, cabe o Estado manter a equação econômica- financeira. 3.2.1 Do Regime Jurídico da Lei nº 8.987/95 3.2.1.1 Da Obrigatoriedade da Licitação Logo no início da Lei 8.987/95, o legislador deixou expresso a obrigatoriedade da licitação, regulando o instituto na modalidade de concorrência, exceto nos serviços de telecomunicações, em que a Lei n° 9.074/95 prever também a modalidade de leilão. A obrigatoriedade do certame aplica-se a todos os entes federativos, com isso apenas poderá executar o serviço aquele concessionário que assim vencer o processo licitatório, não cabendo ao Estado o livre arbítrio. Outrossim, deverá o instituto ser regido pelos princípios da Administração elencados no caput art. 37 da Constituição Federal, e, com os princípios da Lei 8.666/2013. Diante disso, é anulável a licitação que assim violar aqueles princípios bem como ser declarada a inconstitucionalidade caso haja privilégios na escolha do candidato. Essa classificação ocorre para quem oferecer melhor vantagem na prestação do serviço, mediante edital lançado com a minuta do contrato de adesão, em anexo, ou seja, as cláusulas contratuais, anteriormente, já foram estabelecidas pela Administração, restando ao concessionário apenas aderi-lo, tendo capacidade de cumprir todo contrato por sua conta em risco. 3.2.1.2 Dos Prazos O art. 175 da Constituição Federal regula, tacitamente, o prazo do contrato a ser cumprido pelo concessionário, no entanto a lei das concessões no art. 2º inciso III bem como no art. 18º inciso I expressa a obrigatoriedade temporal que deve constar na minuta contratual. Não poderá o ente federativo, responsável pelo serviço concedido, violar esse princípio, todos devem participar da prestação se assim o quiser, na falta daquele tempo o particular ficará impedido de assim participar. Entretanto, a falta de disposição legal, expressa, quanto ao tempo máximo levou o poder concedente, discricionariamente, estipulá-lo levando em conta os valores investidos e o lucro a ser percebido pelo concessionário. É inviável ao particular desprender valores consideráveis quando não houver por parte da Administração Pública uma garantia para obter uma contraprestação. Outro prazo importante que deve constar no contrato é o de sua prorrogação, a Lei n°8.987 permite o Estado-concedente cessando o tempo da prestação do serviço prorrogá-lo, fundamentando de forma técnica e administrativa essa então necessidade. Sendo essa fundamentação insuficiente ou até mesmo negligenciada acarretará anulação do contrato. 3.2.1.3 Da Política Tarifária A política tarifaria é matéria de cunho constitucional (art. 175, III), porém a lei específica regulamenta o instituto de forma objetiva pontuando os detalhes, tendo em vista ser aquela a principal fonte de remuneração do concessionário. Embora o prestador poderá obter outras formas de contra prestação, não esquecendo que a natureza tarifaria é de preço público, ou seja, não precisa de lei para constituí-la nem pode sofre alterações exorbitantes para não haver enriquecimento ilícito por parte do prestador. Na concessão existem dois pilares, de um lado está o Poder Público exigindo uma boa prestação do serviço delegado, doutro outro lado está o concessionário assim o executando através dos vultuosos valores dispendidos; dessa relação contratual nasce a obrigação, ou seja a direito de receber por parte do executor, na pessoa do usuário, o montante tarifário. Essa contra prestação mantém o princípio do equilíbrio-financeiro ajustado inicialmente. 3.2.2 Tipologia das Concessões de Serviço Público Pelos contornos do instituto as concessões estão divididas em dois blocos, assim sendo: concessões comuns instituídas pela lei n. 8.987 de 13.2.1995, composta por duas modalidades, sendo a 1ª elencada no art. 2° inciso II caracterizando a concessão simples, e, o inciso III a 2ª concessão de serviço público precedida da execução de obra pública. Do outro lado estão as concessões especiais reguladas no ordenamento jurídico pela lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e, assim como as comuns, estão divididas em duas modalidades as concessões especiais, subdividem-se em duas categorias sendo uma denominada de concessões patrocinadas e a outra concessões administrativas, ambas elencadas, respectivamente, no art. 2º, parágrafos 1° e 2°, a diferencia entre as modalidades consistem na contraprestação, ou seja, as concessões simples, não disponibiliza nenhuma prestação monetária ao concessionário, ficando a cargo do usuário na forma de tarifa ou até mesmo o particular na exploração do serviço que lhe foi concedido, porém nas concessões especiais o Estado-concedente tem o dever de oferecer ao prestador uma determinada contrapartida pecuniária. Depois de muitas discussões da matéria tornou mais fácil a compreensão das diversas espécies citadas, a delegação negocial do serviço público é assunto muito extenso e rico em detalhes, por isso após a realização dessa sistematização do instituto discorreremos de forma mais minuciosa, para que assim haja um melhor entendimento. 3.2.2.1 Das Concessões Comuns A Lei 8.987/95 logo de início obteve o cuidado de regular a referida modalidade, para não distanciamos desse costume, destacaremos os seguintes tópicos, 3.2.2.1.1 Das Concessões Simples Carvalho Filho denomina o dispositivo como concessão clássica, segundo os termos normativos além do serviço, o poder concedente, delega a execução da obra pública (2014, p. 374). É unanime a doutrina extrair do art. 2, inciso II o conceito legal, portanto, parece favorável refuta a ideia destacando que a modalidade, de fato, é o contrato administrativo, através do qual a Administração Pública, mediante licitação, na modalidade de concorrência, concede à pessoa jurídica ou consorcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta em risco e por prazo determinado. 3.2.2.1.2 Das Concessões de Serviço Precedida da Execução de Obra Pública Expressa no art. 2, inciso III, nada mais é que um ajuste contratual do Estado- concedente com o particular, sendo esse pessoa jurídica ou consorcio de empresas, com o escopo de executar um serviço público, portanto precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, mediante licitação, na modalidade de concorrência, porém o concessionário deve provar sua capacidade para realização do objeto da concessão, bem como, ficando por sua conta em risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado. 3.2.2.2 Das Concessões Especiais do Serviço Público – Parcerias Público-Privadas O legislador institui outra forma de concessão do serviço público subdividido em duas modalidades, embora alguns doutrinadores usem essa nomenclatura, existem fortes discordâncias quanto à denominação desse instituto. Discorreremos sobre as então espécies regulamentada pela Lei nº 11.079/2004. Em geral, o assunto vem ganhando destaque no Brasil, regulamentada em 30 de dezembro de 2004, parece o tanto vantajoso para Administração Pública firma esse tipo de contrato, a referida Lei conceitua a matéria no art. 2ª como sendo um contrato administrativo da concessão na modalidade patrocinada ou administrativa. Embora a lei específica é recente, a Constituição no art. 22, inciso XXVII já previu a então competência da união em legislar sobre a licitação e contratação em qualquer modalidade-competência concorrente. De fato, as muitas obrigações estatais tornar impossível sua eficiência, consequentemente, surgiu a descentralização com o escopo de torna a Administração menos inchada. Justamente, essa realidade levou a Inglaterra constituir inicialmente a matéria no mundo, e, até os dias atuais tem influenciado as nações como Irlanda, Portugal bem como o Brasil. Assim sendo o instituto nada mais é que um ajuste entre o público e o privado tendo esse interesse de investir seus próprios recursos na prestação do serviço, no fornecimentos de bens ou até mesmo na prestação de obras, mediante contraprestação financeira da Administração Pública, além do compartilhamento dos riscos e lucros entre as partes. Destarte, as duas modalidades que norteia esse instituto, a concessão patrocinada caracteriza-se pela junção de duas fontes pecuniárias, sendo uma feita através da tarifa paga pelo usuário e a outra realizada pelo poder público ao privado caracterizando uma parceria. Já a concessão administrativa o concedente é usuário direito ou indiretamente do serviço sendo ele responsável pelo próprio pagamento. O art. 2º § 4º da referida lei veda qualquer parceria inferior a 20 milhões de Reais, bem como o tempo mínimo não poderá ser inferior a 05 anos e o máximo 35 anos, comprovado a necessidade é aceitável, pelo Poder Concedente, uma prorrogação. O referido artigo regula como objeto da parceria apenas o serviço, havendo uma parceira que não trate sobre desse objeto caberá nulidade pelo órgão fiscalizador. O certame além de estar em conformidade com a Lei 8.666/93, e obedecer às disposições contidas na Lei 8.987/95, nas Parcerias Públicas dever ser fundamentado nos art. 10 a 13 da Lei n° 11.079/2004. Embora o legislador mantivesse o processo licitatório na modalidade de concorrência, o então ordenamento regulamentou algumas peculiaridades, dentre as tais: o objeto devendo está previsto no Plano Plurianual onde será realizado o contrato, bem como deverá existir um prévio estudo técnico do impacto causado pela obra ao meio ambiente, a fim de obter a licença ambiental. Os critérios de julgamento além daqueles já previstos na Lei das Concessões Simples, no art. 15, inciso I e V, deverá ser levado em consideração os do art. 12, da Lei das PPP’s, e havendo necessidade o edital disponibilizará inversão das fases de habilitação e julgamento. 3.2.2.2.1 Das Concessões Administrativas  Dentre as várias espécies de parceria entre os setores público e privado, descarte, a concessão administrativa. Regulamentada pelo § 2º da Lei nº 11.079/2004, no qual, a Administração Pública celebra uma parceria com o privado na execução de obra ou fornecimento e instalação de bens, sendo a própria Administração Pública a usuária direta ou indireta. 3.2.2.2.2 Das Concessões Patrocinadas Diferentemente, das concessões administrativas são as patrocinadas. Nessa modalidade está adicionada a cobrança de tarifas ao usuário, a contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, quando envolver a concessão de serviços públicos ou de obras públicas, ambos, regulamentados na Lei nº 8.987/1995. 4 DAS CONCESSÕES PORTUÁRIAS 4.1 HISTÓRICO DAS CONCESSÕES PORTUÁRIAS Segundo Alice Serpa, doutora em Direito e Políticas Públicas, para entender o instituto faz-se necessário contextualizar o conceito e a configuração do instituto nos diferentes momentos históricos, tendo em vista, as mutações sofridas da figura em análise. A Revolução Francesa, no século XVII, mais precisamente no ano de 1789, com o Estado Liberal deu origem as primeiras prestações de serviços públicos por particulares. A ideia seria um Estado mínimo e a sociedade civil máxima; decorrente disso caberia ao Estado intervir apenas nos direitos individuais com o escopo de assegurar a ordem pública e não intervir na economia e a sociedade civil regular o mercado com liberdade e igualdade. Diante desse novo paradigma estatal, em meados do século XIX, começaram a surgir sérias reações, algumas até dirimidas no Conselho de Estado Frances, contra esse modelo estatal, ante as consequências danosas ao crescimento econômico do Estado, o proletariado começou a viver em extrema pobreza decorrente do fracasso dos pequenos empresário, diante da força comercial dos grandes empresários. Com isso, após a Segunda Guerra Mundial surgi o novo Estado Social (Welfare State), também conhecido como Estado do Bem-estar, com essa modalidade estatal nasce a ideia de igualdade entre as pessoas, e para isso o Estado deveria intervir na ordem econômica e social ajudar aquela classe que vivia em extrema pobreza, ou seja, o Estado deveria se preocupar com o interesse público e deixar de lado a velha ideia de individualismo trazida pelo Estado Liberal. Todavia, com o passar dos anos, a sociedade começar a perceber as negativas desse novo Estado. Dentre as tais, a falta de viabilidade decorrente da burocracia na prestação dos serviços, as excessivas regulações, o estabelecimento de monopólios estatais e a participação estatal no capital de empresas industriais e comerciais. Contudo, essas negativas trouxeram sérias consequências ao Estado, até mesmo na sua liberdade individual. Tal crescimento estatal na intervenção da vida social deixou-o sem viabilidade, inchado, e, gerou sua grave ineficiência na prestação de serviços básicos que acabou impulsionado a crise dos anos 70. Com isso, surgiu a ideia de Estado Democrático de Direito e com ele o interesse público da humanização e a valorização da existência digna. Nada mais justo que obter uma liberdade em conjunto com a dignidade social para toda sociedade. Segundo Serpa, essa nova modalidade estatal nasceu com a perspectiva de desburocratizar o Estado e enxugar a estrutura administrativa, alhures, inchada:  “Desenvolve-se, então, a concepção da necessidade de desburocratizar o Estado e enxugar a estrutura administrativa com a devolução ao setor privado de tarefas de caráter econômico e da prestação de serviços de atendimento às demandas sociais. No entanto, esse retorno do pêndulo não é mera reprodução do modelo estatal adotado quando do Estado Liberal. Agregam-se mecanismos de gestão, de controle, acompanhamento e de regulação do Estado, com vistas a que os serviços e atividades sejam prestadas de forma a contemplar a justiça social e integração de todas as camadas da sociedade. Passa-se, pois, ao modelo do Estado Subsidiário”. (BRAGA, 2013). A doutora ainda enfatiza que novo modelo assenta suas origens no princípio da solidariedade, formulado no final do século XIX e consolidado no século XX na Doutrina Social da Igreja: “(…) referido princípio limita a intervenção estatal na medida em que atribui à sociedade, através dos indivíduos e de suas associações, o exercício de atividades que visem à realização dos direitos individuais. Ao Estado cabe fomentar, fiscalizar, regular essas tarefas e só lhe é dado executá-las diretamente quando a iniciativa privada for deficiente.” (BRAGA, 2013) Do outro lado, o Estado Democrático de Direito, foi acrescentada a ideia de Estado Subsidiário, ou Estado Regulador, ou seja, caberá ao particular, conforme sua capacidade, a execução das atividades de cunho social tais como saúde: educação, cultura, pesquisa, assistência e cultura, e as atividades de cunho econômico (comerciais, financeiras e industriais), em que o Estado só poderia exercer de modo supletivo a iniciativa particular, ou seja, quando o particular não agisse ou o fizesse de forma insatisfatória. Com isso, o tamanho do Estado diminui, os custos são reduzidos, há uma melhor viabilidade nas atividades antes burocratizadas. Ademais, essas atividades deveram ser fiscalizadas pelo Poder Estatal, pois o Estado Democrático de Direito, com base seu instituto subsidiário, não está isento da intervenção. É o que assegura Bruno Rossi em seu belíssimo artigo, caberá ao Estado exercer as atividades sociais e econômicas que porventura a iniciativa privada não venha desenvolver, ou que as desenvolva de modo insatisfatório. (2009). Segundo Rossi, essa nova roupagem estatal trouxeram três marcantes características, quais sejam, a forte prática de privatizações, o crescimento das já referidas técnicas de fomento, e por fim, as várias ferramentas de parcerias celebradas entre o setor público e o privado. Essas características, no Brasil, foram muito fortes na década de 90, sobretudo, a redução do Estado no cenário econômico.  Paralelo a essa evolução estatal, está à origem das concessões portuárias no mundo. A então invasão, brutal, da Inglaterra ao território chinês deu grande evasão as concessões portuárias, no entanto, todas de cunho obrigatório. A cultura milenar chinesa sempre conservou uma visão xenófoba, o conhecimento chinês não eram trocados com os ocidentais que se impressionavam com as questões civilistas, as ruas asfaltadas, as obras arquitetônicas, a tipografia, o acesso aos livros, o alto índice de alfabetização, a arquitetura, a organização social e, contudo as atividades comerciais. A expansão marítimo-comercial europeia abriu o contato dos chineses com as culturas ocidentais. Quando os brancos chegaram ao litoral chinês, em meados dos séculos XVI e XVII, tentaram obter junto aos imperadores concessões comerciais, porém sempre muitos cautelosos em não facilita o comercio internacional, apenas concederam o Porto de Cantão. Muito embora as atividades comerciais eram bastantes incentivadas devido os altos lucros obtidos através do impostos cobrados. Com a conquista da índia pela Companhia Inglesa das Índias Orientais, o cenário econômico começa a mudar. No século XVIII, os agentes e os mercadores britânicos assumem 80% do comercio exterior da China, e, com a ajuda da sua fortaleza bélica, expandiram no litoral chinês, introduzindo seu principal produto, o ópio, estimulando o vício entre a população. Apesar de proibida pelas autoridades imperiais, a droga, produzida sob domínio inglês na região de Bengala, Índia, entrava na China com a conivência de funcionários corruptos que recebiam em troca prata, seda, a porcelana, o então chá e até mesmo as mercadorias chinesas. A situação foi ganhando grandes destaques, a ponto das autoridades chinesas tentarem negocia com os representantes britânicos, no entanto, não obtiveram êxito, em 1839, o então imperador decretou o fim do tráfico. Com o fim da ilegalidade comercial os chineses lançaram ao mar todo estoque de ópio, existente no principal porto de entrada dos produtos ingleses. Com essa inesperada reação, os ingleses reagiram e bombardearam o Cantão, e outros centros populacionais ao sul do rio Yang Tsé: tinha início a Guerra do Ópio, um dos episódios mais vergonhosos da história contemporânea, na chamada Primeira Guerra do Ópio, entre 1839 a 1842. Com toda superioridade bélica e com o forte domínio do comercio exterior da China, apenas restou às autoridades manchus assinar o Tratado de Nanquim em 29 de agosto de 1842, dando fim a guerra. Segundo Voltaire Schilling, o acordo tratava dos seguintes pontos: “(…) a abertura de cinco portos (Cantão, Fuzhou, Xiamen, Ningbo e Shangai), a entrega a ilha de Hong Kong em caráter perpétuo e uma indenização aos traficantes expropriados por Lin Zexu, no valor de 6 milhões de liang de prata, além disso pagam mais 12 milhões aos ingleses como despesa de guerra”. (2008) Todo esse domínio britânico estimula outras nações a atacarem o litoral chinês resultando em outras duas grandes. Com o fim da 2º Segunda Guerra do Ópio, em junho de 1858, o Tratado de Tianjim, um tratado múltiplo, com a Grã-Bretanha, Rússia, E.U.A. e a França, obrigou o estabelecimento de legações estrangeiras em Pequim, além da abertura de mais 10 portos chineses ao comércio internacional ( Niuzhuang, Dengzhou, Tainan, Danshui, Chaozhou, Qiongzhou, Hankou, Jiujiang, Nanjing e Zhenjiang) bem como o livre trânsito dos estrangeiros, particularmente dos missionários cristãos, pelo interior do país e a livre navegação dos barcos de guerra. Por fim fixou uma indenização de guerra a ser paga à Inglaterra e à França (4 milhões de onças de prata à primeira e 2 milhões à segunda). Ainda no início do século 19 nos Estados Unidos e nos países do Oriente Médio surgiu um novo sistema. No entanto, ao longo do tempo esse novo sistema sofreu algumas mudanças nos seus instrumentos contratuais. As Companhias Petrolíferas (Oil Companies – “OC) firmavam contratos com o Estado em caráter privado e sem qualquer intervenção ou fiscalização estatal. Na verdade, poucas obrigações, excetuando a contraprestação ao Estado pela outorga, e ainda assim a um custo baixo, recaíam sobre as OCs concessionárias daquele período. Por exemplo: “(i) as O Cs não tinham metas de investimento para perfuração, tampouco de produção: (ii) o poder concedente não tinha mecanismos de intervenção ou fiscalização; (iii) as áreas de concessão eram extraordinariamente grandes e com prazos de exploração longos; e (iv) os pagamentos de royalties, na maioria das vezes, eram calculados sobre o volume ou peso do petróleo e não sobre o valor de mercado”. (BRASIL, 2008). Por causa dessas relações de desequilíbrio onde as vantagens excessivas conferidas às OCs em detrimento o do Poder Público no Oriente Médio, o modelo contratual sofreu grandes mudanças jurídicas para estabelecer uma nova ordem de equilíbrio nessas relações. A saber: “[…] os prazos contratuais, à extensão das áreas concedidas e à forma de remuneração pela extração do petróleo, com participação no lucro da atividade, por via de royalties calculados sobre o preço de mercado ou em espécie.” Por fim, a origem das concessões no mundo tem registros muito singulares. De fato, os Tratados Desiguais contribuíram bastante para tal instituto, bem como, as concessões no Oriente Médio. Atualmente, as concessões são bem diferentes do seu início. O instituto ampliou e ganhou novas regulamentações necessárias para dirimir os conflitos que surgem ou até mesmo as necessidades apresentada pelas partes. 4.2 DO MODELO BRASILEIRO PARA CONCESSÕES PORTUÁRIAS  A navegação marítima ou fluvial sempre fez parte do desenvolvimento do homem. Desde a antiguidade o homem utilizasse da navegação, seja ela marítima ou fluvial, para exploração e descobrimento de ‘novos mundos’, seja para o transporte das riquezas encontradas nestes ou também para meios de transportes. Partindo desse princípio surge a necessidade da atracagem das embarcações, justamente, nesse momento adentra a importância do principal protagonista: o sistema portuário. O desenvolvimento portuário brasileiro surgiu com a chegada dos portugueses no território, o que antes eram instalações rudimentares, atualmente, são grandes complexos portuários e terminais especializados existentes ao longo de toda costa. Durante a colonização, o porto era utilizado apenas para transportar imigrantes vindos da Europa bem como a maior parte das mercadorias comercializadas entre os países e entre as localidades internas. Porém com as diversas modificações legais, e, um processo de modernização e da alternância entre controle governamental, e incentivo à participação privada resultou no atual sistema portuário. A única relação comercial do Brasil se resumia com Portugal, principalmente, depois das descobertas de iguarias e riquezas. Sendo o país a principal fonte de certas mercadorias, a saber: pau-brasil; o cotidiano do comercio português tornou agitado, os países aliados também estavam sendo beneficiados. No entanto, Portugal não conseguia satisfaze a crescente demanda das nações amigas, em especial dos ingleses, iniciou a pressão à Portugal em abri os portos. Em 28 de janeiro de 1808, D. João, sob essa pressão, promulgou a Carta Regia abrindo os portos às nações amigas. Embora ainda de forma restrita e precária, inicia-se aqui a inserção do país no cenário de comércio internacional, incialmente com o comércio de matérias primas como o ouro, madeira e, o trafego de escravos. Conforme descrevem De Oliveira e Recúpero, com o fim do período colonial e a instituição da liberdade econômica internacional do império brasileiro, as trocas internacionais do Brasil, principalmente com a Inglaterra, apresentavam-se crescente, o que fez proliferar, ao longo da costa brasileira e vias internas navegáveis, a figura dos ancoradouros sob o regime de permissão. Com isso o então D. Pedro I criou, em 1810, os postos alfandegados os quais tinham o escopo de tributar as mercadorias movimentadas como forma de monopólio da corte. Porém os portos brasileiros ainda eram muito precários em comparação a estrutura portuária da Europa, com isso D. Pedro I, substitui o regime de permissão para o de concessão que já previa as regras para incentivar a implantação de obras e desenvolvimento portuários e assim poder participar mais ativo no mercado internacional. Os benefícios do comercio internacional começam a se destacar, e, em 1864, o Barão de Mauá pretendia explorar a Cabotagem costeira e o então comercio através da Companhia de Estabelecimento da Ponta da Areia, localizada no porto de Niterói. Era de lá que os seus navios destinados à cabotagem na costa brasileira, como também de linhas para o Atlântico Sul, América do Norte e Europa faziam suas operações de mercadorias. A influência política do Barão levou o governo em 1869 a decretar a lei nº 1.746, também conhecido como “Lei das Docas”, tinha como objetivo edita a primeira lei de concessão de portos com duração de 90 anos à iniciativa privada com juros de 12% ao ano, além de desenvolver a ferrovia São Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí além de fomentar a modernização e o desenvolvimento do comércio internacional, incentivando/facilitando, em especial, o comércio de café. Com uma elevada taxa de juros, em 1886, a Lei 3.314 reduziu o prazo para 70 anos e a taxa de tributos para 6% ao ano. Já no período republicano, em 1888, a concorrência para a privatização dos portos fora aberta e o grupo liderado por Cândido Graffé e Eduardo Guinle obteve autorização para explorar as operações do porto de Santos bem como administrá-lo. O cenário começa a mudar os trapiches e as pontes deram lugar aos 260 metros de cais permitindo a atracação de navios com caladas maiores. Iniciava o período de privatização na exploração portuária nos portos organizados através da então constituída, Companhia Docas de Santos. Para continuar crescendo, em 1890 a 1913, o Brasil necessitou construir portos modernos e ferrovias para melhorar a logística bem como aumentar o volume da exportação de açúcar, carnes, tabaco e outras commodities. Esses investimentos durantes décadas funcionaram em seu caráter econômico e liberal. No entanto, o governo apenas fiscalizava, mas não desenvolvia diretrizes governamentais voltadas ao desenvolvimento regional/nacional, e com a simples abertura da exploração portuária a iniciativa privada, o período foi marcado pelo grande acúmulo de riquezas por entes privados, sem contra partida significativa em investimentos de expansão e/ou melhorias da infraestrutura portuária existente. Durante o período de 1910 a 1934, foi caracterizado pelo início da nacionalização do problema portuário com a centralização das tomadas de decisões, principalmente, na revolução de 30 com movimento estatizante, no qual, os portos passaram a ser controlados pelo Estado. Em 1934 o “Estado Novo” modificou as atividades portuárias, a falta de diretrizes para o desenvolvimento portuário fizeram surgir uma série de decretos (nº. 24.447, 24.508, 24.511 e 24.599), definindo o espaço, as instalações, as atribuições nos portos organizados, os serviços portuários e regulou a utilização das instalações portuárias da época, respectivamente, além de autorizar a concessão de obras de melhoramento dos portos e a exploração do respectivo tráfego ao setor privado. Segundo Hélio Lobo ainda no mesmo ano foi promulgado o decreto n. 24.324, de 01 de junho de 1934, do Ministério da Fazenda, estabelecendo novas bases e porcentagens para a cobrança das taxas de armazenagem. Após esses inúmeros decretos a ditadura militar tirou o foco dos investimentos estatais na estrutura portuária, e, começou a investir apenas em segurança pública. O Estado não tinha como objetivo o aumento de movimentação de mercadoria nem avanços tecnológicos das operações portuárias, para tornar o porto um fator de desenvolvimento. Com isso no ano de 1966 o Decreto de nº 5 formalizou o conceito do terminal privativo, permitindo a construções ou explorações das instalações portuárias, desde que a exploração se fizesse para uso dos embarcadores ou terceiros. Ao longo do tempo ditatorial, o Estado entende que deve intervi o máximo possível na economia, e, em 1975, cria a PORTOBRÁS, uma “holding” que representava o interesse do governo em centralizar atividades portuárias, de fato, era uma empresa pública vinculada ao Ministério de Transportes com a finalidade de realizar atividades relacionadas com a construção, administração e exploração dos portos e das vias navegáveis interiores, exercendo a supervisão, a orientação, o controle e a fiscalização sobre tais atividades. A PORTOBRÁS explorava os portos através de subsidiárias, as Companhias Docas, tendo também assumido a fiscalização das concessões estaduais e, até mesmo, dos terminais privativos de empresas estatais e privadas, através de uma legislação ora paternalista e autoritária, uma política incorreta, e, a ausência de um processo de modernização nas atividades portuárias, aumentando muito, com isso, a burocracia nos portos. O Estado se tornou inchado e sem menor possibilidade de viabilizar serviços básicos, diante desse novo cenário o Presidente Fernando Collor, em 1990, foi obrigado a sancionar a Lei nº 8.029 dissolvendo a PORTOBRÁS, e com isso, de acordo com determinação do Ministério dos Transportes, os portos passaram a ser administrados diretamente pelas Companhias Docas. Inicialmente, a situação resultou em um certo “embaraço administrativo” devido a dependência causada pela centralização das atividades. Restou ao Poder Estatal aprovar a Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, conhecida como Lei de Modernização dos Portos. Dispõe o regime jurídico sobre a exploração dos portos, estabelecendo um novo marco legal para o setor e buscando a descentralização da administração, assim como a participação da iniciativa privada na atividade portuária (BRASIL, 1993). Esse novo cenário das privatizações portuárias, buscou com a lei torna os portos mais ágeis e competitivos frente ao comércio internacional através de contratos ou arrendamento, restando ao governo apenas a administração própria e a responsabilidade de Autoridade Portuária. Com a Reforma do Aparelho Estatal, a função regulamentadora do Poder Público tornou-se mais fortalecida, restando-lhe a função fiscalizatória na prestação dos serviços realizados por terceiros. A centralização administrativa deu lugar às concessões regulamentadas pela Lei nº 8.987/95: “Art. 1o As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, e, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos. Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: I – poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão; II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”; (BRASIL, 1995). Da mesma forma, previu a Lei nº 9.074/95: “Art. 1o Sujeitam-se ao regime de concessão ou, quando couber, de permissão, nos termos da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, os seguintes serviços e obras públicas de competência da União: […]  VI – estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não instalados em área de porto ou aeroporto, precedidos ou não de obras públicas.” (BRASIL, 1995). Com a modernização do setor portuário, as operações passaram a ser realizadas pela iniciativa privada, no intuito de tornar a estrutura portuária menos burocrática e mais produtiva. Sem dúvida foi um grande avanço, mas as falhas na sua implantação e descumprimento de princípios permitiram os problemas que ainda temos hoje. Tentando resolver esses problemas e proporcionar um real avanço no setor portuário, a Presidência da República aprova em 06 de dezembro de 2012 a Medida Provisória nº 595 com as seguintes mudanças: “As concessões e contratos de terminais seriam realizados por quem cobrava o menor preço para transportar a maior quantidade de carga; não haveria cobrança de outorga; os contratos de concessão teria prazo de 25 anos, renováveis por mais 25 anos; bem como não havia distinção entre terminais de uso público e de uso privativo; não foram mencionados os conceitos de "carga própria" e "carga de terceiros”; adotou gestão centralizada; por fim utilizou o critério geográfico para distinguir os terminais: se estão dentro ou fora dos limites de um "porto organizado".” (BRASIL, 2012). Essa medida causou um alvoroço entre as classes interessadas, no caso dos sindicatos, a MP 595 estabelece que a empresa privada que operar terminais fora da área do porto público poderá usar como referência o acordo coletivo que tiver com a categoria econômica preponderante da empresa. (BRASILl, 2013), ou seja, terminais privados poderão contratar trabalhadores pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sem a intermediação do Órgão Gestor da Mão de Obra (OGMO). Segundo Mário Teixeira essa mudança contraria interesses dos trabalhares portuários, independente de local, dentro ou fora do porto organizado, são portuários enquadrados na categoria profissional diferenciada. (BRASIL, 2013). Dentre as emblemáticas trazidas pela MP destaca-se a gestão administrativa centralizada contrariando o modelo mundial. Todos os segmentos envolvidos na administração deixaram de ser corporativista e tornou-se individual, exemplo, os planos e projetos são todos centralizados em Brasília, o CAP (Conselho de Autoridade Portuária) passou ser apenas consultivo. Segundo Sérgio Aquino a falta de modernização das administradoras portuárias, o excesso de intervenientes, estão entre os principais motivadores para parte dos problemas que ainda temos nos portos brasileiros. Com o objetivo de viabilizar as emblemáticas, a MP resultou em imensos gargalhos logísticos e burocracias administrativas percebidas frente ao comercio internacional. A Medida Provisória trouxe muitas discursões das classes interessadas, de um lado trabalhadores da Guarda Portuária de outro as autoridades portuárias, questionavam a diminuição de suas competências em relação à SEP/PR e à ANTAQ. Além dos arrendatários muitos se sentiram prejudicados pelas determinações da referida MP, uma vez que ela obrigava a licitação de diversas áreas que estavam com contratos vencidos ou vincendos, contrariando os interessados no prolongamento desses arrendamentos. Após o período de vigência da MP foi convertida em Lei de nº 12.815/15 conhecida como a nova Lei dos Portos, de fato, surgiu o marco regulatório portuário com alguns vetos e muita polêmica a ser discutida. Os principais vetos presidenciais são descritos a seguir: “a) Art. 2º, VIII e alíneas: foi excluída a definição de “terminal indústria”, tipo de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado e explorada mediante autorização.” O objetivo desse veto era acabar com a distinção entre carga própria e de terceiros, e, com isso aumentar a competitividade escoando as mercadorias portuárias. “b) Art. 5º, § 1º: este dispositivo previa a prorrogação automática dos contratos de concessão e arrendamento. “ Com o veto as prorrogações deixam de ser automáticas e os contratos de concessão e arrendamento ficam sem prazo definido. Caso o poder concedente entenda a necessidade de uma recondução contratual, caberá a ele avaliar a conveniência e a oportunidade sem prejudicar a capacidade de gestão. “c) Art. 56, caput e parágrafo único: esses dispositivos previam a prorrogação de contratos de concessão e arrendamento celebrados antes da Lei n. 8.630/1993.” Com isso os diversos contratos que já estavam vencidos e outros que estavam vincendos foram obrigados a abrir espaços para novas licitações aumentando a concorrência no setor. “d) Art. 69: esse artigo previa que concessões e permissões mencionadas na Lei n. 9.074/95, ainda vigentes, poderiam ser prorrogadas até atingir o prazo de 25 anos e prorrogado por 05 anos.” O veto não permitiu a prorrogação desses contratos no intuito de possibilitar novas concessões e tornar o sistema portuário mais competitivo. Embora, a Lei 12. 815/13 estabeleça um modelo de administração centralizador na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e na Secretaria Especial dos Portos, ambas localizadas em Brasília, trazem dificuldades para as diligências regionais. O marco regulatório determinou regimes jurídicos distintos para terminais portuários localizados dentro e fora do porto organizado bem como a exploração de ambos. A saber: de um lado, a concessão do porto organizado como um todo; de outro lado, o arrendamento de áreas dentro do porto organizado. (FARRANHA, 2015, p.95). Justamente essas mudanças conceituais e administrativas ainda causam instabilidade no setor, principalmente, por parte da iniciativa privada. 5 CONCLUSÃO Analisando todo o conteúdo apresentado, conclui-se que o sistema portuário brasileiro representa um dos grandes desafios econômicos para o desenvolvimento nacional. Observamos que ao longo da história pouco se pensou na modernização do setor, com isso a estrutura ainda é ineficiente, somada a uma legislação confusa, acrescida de uma diferença na qualidade dos preços e serviços mundiais. O porto tem uma relação forte com o desenvolvimento de um país, pois os maiores países comerciais do mundo possuem portos muito bem desenvolvidos e controlados pelas autoridades competentes, logo sem dúvida isto é algo que deve ser seguido pelo Brasil. Realizamos um estudo minucioso das estruturas internacionais, de fato, comparando os sistemas portuários mundiais, o Brasil ainda tem muito que evoluir, as melhorias devem ser significativas, exemplo o complexo portuário do continente asiático tem mostrado a cada ano porque está no topo do ranking, embora, eles precisam lidar com a questão geográfica, um dos grandes fatores negativos para os é o tamanho do porto, todavia os altos investimentos na tecnologia portuária muda essa realidade. Os serviços são bem definidos, e, devem funcionar de forma articulada, evitando gargalos, filas enormes de caminhões bem como atraso na logística. Por isso que o mundo está sendo invadido com os produtos asiáticos, afinal, o bom escoamento das mercadorias tem sido um dos desafios vencidos. Podemos atribuir o atraso no desenvolvimento econômico aos rumos tomados pelas autoridades ao longo da história. Em determinado momento os portos eram a menina dos olhos do Poder Público, mas houve épocas que tudo estava abandonado, a prioridade eram as guerras, as armas e a ditatura. Aquilo que tinha sido investido outrora foi deixado de lado, ou melhor, sob a administração de grupos de exploradores. Deve-se ressaltar que, a tentativa de modernização do setor trouxeram inúmeras leis especificas. Destarte, a Lei de Modernização dos Portos, um novo marco institucional para o sistema portuário brasileiro, no qual, impulsionou ao movimento, na década de 90, o plano nacional de desestatização. O que parecia bom trouxe desconforto, principalmente, quanto à questão conceitual; o que de fato é um porto? Onde se localiza o porto organizado? Qual a melhor modalidade de concessão? Qual a função real de cada funcionário portuário? E suas proteções trabalhistas? Sem esquece do impacto causado a natureza? Diante de tantos questionamentos, somada a necessidade do setor de alcançar melhores índices no desenvolvimento econômico, em dezembro de 2013, foi promulgada a Lei de nº 12.815 no sentido de modernizar a atividade portuária, principalmente, nas concessões administrativas. O que parecia ser um novo rumo da história portuária brasileira, de fato, tornou-se mais um ponto obscuro na história do setor, com ênfase, nas modalidades de concessões, o prazo, a forma de realização além da centralização nas tomadas de decisões administrativas. Uma visão panorâmica, o novo marco regulatório está longe de significar um aprimoramento de gestão portuária afinal a centralização da administração pública já está mais que provada sua inviabilidade, justamente, essa situação precisa ser superada a fim de tornar o ambiente menos burocrático possível, sem gargalhos e descentralizados. É importante compreender que a referida lei continua com as mesmas deficiências causadas pela Lei nº 8.630/93, a mudança legislativa, de fato, não mudou muita coisa, e, em certas questões apenas mudou de problema. É importante compreender que não se pode analisar o porto de uma forma isolada, a atividade portuária exige a integração de todos no intuito de alcançar melhores índices econômicos. As mudanças legislativas e executivas devem com responsabilidade e destreza trazer novas perspectivas de investimentos junto à iniciativa privada. O particular é parte importante nas relações portuárias são eles responsáveis em movimenta a economia nacional/internacional com seus inúmeros contêineres; O Estado Democrático de Direito sabe bem a importância da parceria público/privada bem como da fiscalização das agências reguladoras, cabe ao Estado está presente com sua soberania descentralizada a fim de viabilizar as atividades portuárias, e, com isso alcançar melhores índices na economia mundial. Por fim, outro aspecto relevante para esse avanço é a necessidade do fortalecimento institucional das agências reguladoras, principalmente, a contingente de servidores com formação adequada e remuneração compatível com a complexidade dessas tarefas, para que haja agilidade nas atividades portuárias e um escoamento satisfatório nas mercadorias. É preciso encontrar respostas para essas e outras questões que continuam a gerar controvérsias no setor.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/das-concessoes-de-infraestruturas-portuarias-no-brasil-uma-analise-critica-da-lei-12-815-2013/
Regime de dedicação exclusiva dos servidores de agências reguladoras
As agências reguladoras são entidades autárquicas de natureza especial e gozam de autonomia perante a chefia da Administração central. O advento do modelo de Estado regulador significou a quebra do liame de unidade no interior da Administração Pública e, portanto, das estruturas tradicionais, fundadas em vínculos de subordinação hierárquica. Esse estudo visa a identificar em que medida a independência necessária ao exercício das funções regulatórias de uma agência importa a autonomia de sua gestão. Atualmente, a orientação geral emanada da SRH/MP, enquanto órgão central SIPEC, tem caráter normativo e abrange o pessoal civil do Poder Executivo. Em 2010, a SRH/MP e a CONJUR/MP se manifestaram no sentido da impossibilidade de exercício de qualquer outra atividade, permanente ou provisória, pelos servidores ocupantes de cargos efetivos, requisitados, ocupantes de cargos comissionados e dirigentes das agências reguladoras federais, ressalvadas as exceções constitucionais já existentes e legais que venham a ser criadas. Nesse contexto, pretende-se examinar o grau de autonomia das entidades reguladoras perante o Poder Executivo central, notadamente quanto à gestão dos servidores. Por conseguinte, em análise pragmática, será avaliado se, de fato, a lei instituiu regime de dedicação aos servidores das agências reguladoras.
Direito Administrativo
1. Introdução A lei n. 8112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, veda o exercício de “quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho”, conforme estabelece o inciso XVIII, do artigo 117. No âmbito das agências reguladoras, a proibição parece significar que os servidores de agências reguladoras devem abster-se de exercer atividades de conteúdo regulatório alheias às funções relativas ao cargo ocupado. Com efeito, os trabalhos desenvolvidos no seio das agências demandam imparcialidade incompatível com qualquer espécie de comprometimento com o setor regulado, à exceção do vínculo entre fornecedor e consumidor. O fundamento dessa vedação está, antes de tudo, na responsabilidade ética do servidor. Em princípio, tal compreensão parece não obstar a realização de qualquer outra atividade remunerada, pública ou privada, se alheia ao contexto regulatório e não coincidente com o horário de trabalho. Não obstante, em 2010, a Superintendência de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – SRH/MP exarou Nota informativa[1] com a seguinte conclusão:  “Isso posto, encontra-se pacificado no âmbito deste Ministério o entendimento de ser vedado aos servidores do quadro de pessoal, aos requisitados, aos ocupantes de cargo em comissão e aos dirigentes das Agências Reguladoras o exercício de outras atividades profissionais, seja na iniciativa privada ou pública, exceto os casos de acumulação de cargos previstos pela Constituição Federal de 1988, devendo-se providenciar, se constatados indícios de descumprimento de tais proibições, as apurações necessárias em conformidade com o art. 143 da Lei n. 8.112/90, aplicando-se, de acordo com a gravidade da(s) infração(ões) a(s) penalidade(s) prevista(s) no(s) art(s). 129, 130 e seu § 2°, 132 ou 134 da Lei n. 8.112/1990, conforme determina o    § 2° do art. 23 da Lei n. 10.871/2004”. Na mesma linha, a Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – CONJUR/MP editou Parecer[2] em que concluiu o seguinte: “Por todo o exposto, acolhemos o entendimento da Secretaria de Recursos deste Ministério, pela manutenção da interpretação pela impossibilidade do exercício de outras atividades profissionais pelos servidores ocupantes de cargos efetivos, requisitados, ocupantes de cargos comissionados e dirigentes da ANS, ressalvadas as exceções constitucionais e as que porventura venham a ser estabelecidas em lei.” A conclusão alcançada no Parecer se encontra lastreada nos seguintes argumentos: “o artigo 23 da Lei n. 10.871, de 20 de maio de 2004, ao fazer referência aos deveres e proibições previstos na Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e ao se utilizar da expressão “além dos”, apontaria no sentido da imposição de regime mais severo aos servidores sob sua regência, entendimento que defluiria da leitura do artigo 23, II, c, ao acrescer às proibições elencadas na Lei n. 8.112/90 a do exercício de outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei; a opção legislativa, no caso, foi de submeter os servidores lato sensu das agências a um regime de dedicação exclusiva, pois, em que pese a ausência de menção expressa na lei à “dedicação exclusiva”, os dispositivos sob exame, na forma como estruturados, impõem a vedação ao exercício de outras atividades profissionais; a razão para a tal “dedicação exclusiva” seria a “prevalência do interesse público”; a vedação contida no artigo 36-A da Lei n. 10.871/2004 alcançaria não apenas as atividades regulares, mas qualquer atividade, ainda que exercida em caráter esporádico; o regime dos artigos 23, II, c, e 36-A da Lei n. 10.871/2004 não pode inviabilizar o exercício do direito subjetivo à acumulação de cargos prevista no artigo 37, XVI, da Constituição Federal de 1988; havendo compatibilidade de horários, também seria possível a acumulação com os cargos políticos de vereador e de vice-prefeito; e por fim, o artigo 5°, IX, da Constituição Federal de 1988 garante “a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, razão pela qual tais atividades não são passíveis de limitação pela norma infraconstitucional, devendo-se observar, na esfera federal, o que disposto no artigo 117, XVIII, da Lei n. 8.112/90.” Em resumo, a SRH/MP e a CONJUR/MP se manifestaram no sentido da impossibilidade de exercício de qualquer outra atividade, permanente ou provisória, pelos servidores ocupantes de cargos efetivos, requisitados, ocupantes de cargos comissionados e dirigentes das agências reguladoras federais, ressalvadas as exceções constitucionais e legais já existentes e que venham a ser criadas. A razão para essa impossibilidade seria a leitura dos artigos 23, II, c, e 36-A da Lei n. 10.871/2004 e a percepção de que, por razões de “interesse público”, os servidores das agências reguladoras devem se submeter ao regime de dedicação exclusiva. Ante o exposto, em um primeiro passo, pretende-se analisar se a SRH/MP, porque órgão central do SIPEC, detém competência para exarar opinião sobre os servidores das agências reguladoras em caráter substitutivo ao posicionamento das próprias agências. Para tanto, importa realizar um exame acerca do grau de autonomia das entidades reguladoras perante o Poder Executivo central, notadamente quanto à gestão dos servidores. Em seguida, será analisado se, de fato, os servidores das agências reguladoras se submetem a regime de dedicação exclusiva. Nesse ponto, almeja-se analisar os artigos 23, II[3], c, e 36-A[4] da Lei n. 10.871 de 20 de maio de 2004, que tratam das vedações aos servidores das agências reguladoras.  Tais dispositivos serão examinados a partir de uma contextualização interpretativa, tendo em conta a natureza das atividades exercidas pelos servidores de agências reguladoras, bem como a necessidade de independência em relação ao setor regulado. 2.  O advento do modelo regulatório e a mudança de paradigma da Administração Pública As agências reguladoras começaram a ser instituídas no Brasil na esteira no processo de reposicionamento do Estado na economia, o que envolveu também o redimensionamento de sua estrutura. No modelo de Estado que veio a ser implantado, comumente chamado de modelo regulador, a característica principal é a diminuição do tamanho do Estado e a alteração da forma de atuação na ordem econômica: em vez da absorção (atuação direta), o Estado atua economicamente por meio da direção (atuação indireta). No modelo regulador, a propriedade é estatal apenas no núcleo estratégico e nas atividades exclusivas do Estado. No outro extremo – no setor de bens e serviços para o mercado –, a produção é realizada pelo setor privado. A escolha do modelo de agências reguladoras teve por fim conferir o sinal aos investidores externos de que a condução da economia brasileira ocorreria com base em critérios técnicos, alheios à política partidária. Como afirma Binenbojm (2008, p. 253), “era preciso vender o Brasil como um bom negócio, garantindo aos investidores a manutenção dos contratos celebrados e o direito de propriedade”. Para tanto, houve a desfragmentação do modelo piramidal de Administração Pública, dominante no continente europeu desde o século XIX e transplantado para o Brasil. No modelo piramidal, o chefe do Poder Executivo possui amplos poderes de intervenção sobre todos os órgãos administrativos. Para Binenbojm (2008, p. 243), “a lógica de tal regime era baseada na responsabilidade política dos governantes, frente ao parlamento ou diretamente ao povo, pelas ações e omissões administrativas, na medida em que se encontravam habilitados a dirigir, orientar, supervisionar ou controlar as respectivas estruturas da burocracia estatal.” De acordo com o modelo piramidal, a unidade administrativa representaria “verdadeiro instrumento do princípio democrático e em favor da legitimação da Administração Pública”, já que o chefe do Poder Executivo, eleito pelo povo ou pelo Parlamento, conforme o sistema de governo, exerceria controle político sobre os órgãos administrativos (BINENBOJM, 2008, p. 244). As autoridades ou agências independentes quebram o vínculo de unidade no interior da Administração Pública, pois a sua atividade passa a situar-se em esfera jurídica externa à de responsabilidade política do governo. Com efeito, a doutrina brasileira costuma apontar que a criação de agências reguladoras independentes representa um rompimento com o modelo piramidal de Administração Pública. Isso se daria por força do elevado grau de autonomia das agências em relação ao chefe do Poder Executivo – quando comparado com os órgãos administrativos e mesmo com as autarquias. Embora integrantes da estrutura estatal, elas são dotadas de peculiaridades que as distinguem das entidades administrativas tradicionalmente observadas nos países de tradição continental. Desde a década de 1970, figuras semelhantes às agências reguladoras começaram a surgir nos países europeus como “autoridades administrativas independentes”, apesar de a criação de muitas visarem a fins peculiares.  Em todos os casos, contudo, “o surgimento dessas entidades autônomas retrata a concepção de que as competências regulatórias não podem ser mantidas na órbita das estruturas estatais tradicionais”. O exercício das competências a elas definidas requer autonomia e independência, o que ensejaria seu distanciamento da influência direta dos órgãos executivos e legislativos (JUSTEN FILHO, 2002, p. 51). Caracterizadas por um grau reforçado da autonomia política de seus dirigentes em relação à chefia da Administração central, as autoridades independentes de fato rompem o modelo tradicional de recondução direta de todas as ações administrativas ao governo (decorrente da unidade da Administração). Passa-se, assim, de um desenho piramidal para uma configuração policêntrica. (BINENBOJM, 2008, p. 245). O rompimento com o modelo piramidal conduz à busca de uma nova legitimação para a atuação das agências, legitimação, essa, que seria encontrada no procedimento. Aragão (2006, p. 341) afirma que a idéia de independência de entes da Administração Pública frente ao chefe do Poder Executivo representa uma mudança de paradigma que possui reflexo na legitimação democrática da sua atuação. De fato, as agências reguladoras normalmente gozam de independência orgânica frente à Administração central, que se caracteriza basicamente pela estabilidade de seus dirigentes e pela ausência de controle hierárquico. Portanto, as agências reguladoras estão isentas de controle hierárquico a ser exercido pelo chefe do Poder Executivo. Nessa esteira, Justen Filho (2002, p. 331) sustenta que a utilização do termo “agência” visa a acentuar a consagração, em nível constitucional, de uma estrutura organizacional dotada de autonomia, visando a propiciar o desempenho de funções estatais com proteção contra influências políticas, econômicas e sociais, sem vínculo de subordinação hierárquica, como garantia contra o exercício das competências inerentes aos demais poderes. Apesar de todo o aparato doutrinário a sustentar a defesa da autonomia ou independência das agências reguladoras, é importante ter presente que tais entes terão o tanto de autonomia que o ordenamento jurídico lhes haja dado. As agências reguladoras são autarquias especiais sobretudo porque a lei que as constitui possui previsão expressa que celebra um maior grau de independência do que as autarquias tradicionais. Essa ‘especialidade’ não decorre da opinião do intérprete, mas sim dos atributos extraordinários que a cada uma dessas pessoas de Direito Público são positivamente outorgados em lei. A natureza especial da autarquia decorre, então, das peculiaridades que de fato lhe são outorgadas pelo legislador e que lhe garantam um maior grau de independência. Mas fato é que a maioria dos diplomas legislativos vigentes apenas define as agências reguladoras como autarquias especiais, mas não expressa em que consiste essa qualidade, sendo necessária a análise dos demais dispositivos para que a questão seja esclarecida. (CUÉLLAR, 2008, p. 80). 3. Autonomia gerencial das agências e interpretação normativa da SRH/MP No que toca especificamente à gestão dos servidores, o artigo 13 da Lei n. 10.871, de 20 de maio de 2004, prevê que compete às agências reguladoras “administrar os cargos efetivos de seu quadro de pessoal” (inciso I) e “editar e dar publicidade aos regulamentos e instruções necessários à aplicação desta Lei” (inciso III). Observa-se desses dispositivos que o Estado brasileiro tomou a decisão política de conferir relativa autonomia às agências reguladoras na gestão de seus servidores, afastando parcialmente a participação do Poder Executivo central. Não obstante, importa registrar que a Procuradoria-Geral Federal da Advocacia Geral da União – AGU possui entendimento diverso.[5] Segundo a entidade, as previsões insculpidas nos incisos I e III do artigo 13 da Lei n. 10.8471, de 2004, não conferem autonomia às agências reguladoras quanto à gestão de pessoal. Nesse contexto, o dispositivo aludido asseguraria tão-somente gestão operacional, titularizada por todos os demais entes da Administração Pública. O fundamento dessa interpretação está no fato de as agências reguladoras integrarem a Administração Pública. Sustenta-se, nessa esteira, que a inexistência de subordinação hierárquica estaria adstrita às suas decisões técnicas, relacionas ao setor regulado, e não alcançaria qualquer outra área. Assim, no concernente às demais decisões, as agências deveriam se submeter às regras gerais aplicáveis à Administração. Nesse diapasão, a AGU sustenta que “excetuando-se o setor regulado, as agências são indiferenciadas, nada têm de especial”, “são agências reguladoras; nunca agências auto-reguladas”. Ademais, nos termos do artigo 17, parágrafo único, da Lei n. 7.923, de 12 de dezembro de 1989, a orientação geral emanada do órgão central do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – SIPEC tem caráter normativo e abrange o pessoal civil do Poder Executivo. “Art. 17. Os assuntos relativos ao pessoal civil do poder Executivo, na Administração Direta, nas autarquias, incluídas as em regime especial, e nas fundações públicas, são da competência privativa dos Órgãos integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal – Sipec, observada a orientação normativa do Órgão Central do Sistema, revogadas quaisquer disposições em contrário, inclusive as de leis especiais. Parágrafo único. A orientação geral firmada pelo Órgão Central do Sipec tem caráter normativo, respeitada a competência da Consultoria-Geral da República e da Consultoria Jurídica da Seplan.” O SIPEC foi instituído pelo Decreto n. 67.326, de 5 de outubro de 1970, e agrega todas as unidades organizacionais incumbidas das atividades de administração de pessoal da Administração direta, das autarquias e das fundações públicas. As funções básicas do SIPEC são classificação e redistribuição de cargos e empregos, recrutamento e seleção, cadastro e lotação, aperfeiçoamento e edição de legislação de pessoal, conforme disposto no artigo 2°[6] do decreto mencionado. Atualmente, nos termos do artigo 35, I[7], do Decreto n. 7.063, de 13 de janeiro de 2010, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento é o órgão central do SIPEC. Como órgão central do SIPEC, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento possui “competência normativa em matéria de pessoal civil no âmbito da administração federal direta, das autarquias, incluídas as de regime especial, e das fundações públicas” (artigo 35, I, do Decreto n. 7.063, de 2010), assim como também lhe cabe “propor a formulação de políticas e diretrizes para a gestão de recursos humanos referentes (…) aos benefícios do servidor no âmbito da administração federal direta, autárquica e fundacional” (artigo 35, II, do Decreto n. 7.063, de 2010). Assim é que, quanto à gestão de pessoal, argumenta-se que as agências reguladoras nada se distinguiriam das demais autarquias. Sua atuação estaria restrita à definição de meros padrões operacionais (normas procedimentais) com vistas à execução de suas atividades fins. Tal entendimento tem o mérito de primar por um tratamento isonômico no âmbito da Administração Pública. Em verdade, a descentralização de gestão pode implicar o risco de um desequilíbrio administrativo, em razão da coexistência de interpretações unilaterais conflituosas, ou até mesmo ensejar a concessão de privilégios infundados. Ocorre que, como demonstrado alhures, a independência das agências reguladoras é fundamental ao adequado exercício de suas competências. Marques Neto (2005, p. 72) identifica duas espécies de independência de que devem se revestir as agências: a orgânica e a administrativa. A independência orgânica refere-se ao exercício das atividades-fim da agência. Mas também é essencial sua independência administrativa ou de gestão, que objetiva garantir meios para a apropriada atuação do regulador. Trata-se de dotar o ente regulador de “recursos e instrumentos para exercer suas atividades sem necessidade de recorrer ao poder central”. Dessa forma, a independência administrativa e a orgânica detêm conteúdos distintos, mas se complementam particularmente porque “a independência orgânica será inviabilizada se o órgão regulador não possui mecanismos que assegurem independência na sua gestão” (MARQUES NETO, 2005, pp. 72 a 76) Veja-se, portanto, que a independência orgânica requer a existência de independência administrativa. Assim, parece controverso admitir a independência das agências reguladoras com relação às decisões que tocam o setor regulado, mas recorrer à estrutura hierárquica tradicional para os demais assuntos. Em diversos aspectos as atividades meio e fim se complementam e, por vezes, até se confundem. A questão do regime de dedicação exclusiva para os servidores de agências reguladoras parece ser exemplo dessa interação. Como destacar a competência das agências para decidir a respeito de questões centrais relativas aos servidores com base no argumento de que se trata de decisão alheia ao setor regulado? Ora, qual o teor das atividades desempenhadas pelos servidores de agências reguladoras, senão regulação? Sendo assim, parece razoável que as agências detenham autonomia para decidir a respeito da exclusividade ou não do regime de seus servidores, notadamente quando há diploma legal atribuindo-lhes tal competência. Como se viu, dissociar atividade-meio de atividade-fim nem sempre é factível no cenário das agências reguladoras. Com a devida vênia a entendimentos distintos, admitir a independência orgânica das agências, mas afirmar genericamente sua sujeição hierárquica à Administração central em matérias alheias ao setor regulado parece ser o esforço infértil de conjugar a proposta de um novo modelo a respostas assentadas em composições tradicionais. O advento do modelo regulatório trouxe novos desafios, que exigem, por sua vez, soluções criativas e compatíveis com a mudança de paradigma. Como outrora salientado, o desenho piramidal da Administração Pública converteu-se em uma configuração policêntrica (BINENBOJM, 2008, p. 245) que não pode ser ignorada. Nesse contexto, e considerando que as agências reguladoras possuem (i) competência para administrar os cargos efetivos de seu quadro de pessoal e para editar os regulamentos necessários à aplicação da Lei n. 10.871, de 2004[8], e (ii) fonte de recursos própria, as orientações emanadas pela SRH/MP, enquanto órgão central do SIPEC, não lhe podem ser aplicadas automática e acriticamente. Note-se que a aplicação de normas editadas pela SRH/MP, enquanto órgão central do SIPEC, é possível caso a agência reguladora não exerça sua competência normativa. No entanto, caso o faça, o que se observa das disposições legais mencionadas é que as regras editadas pelas agências reguladoras terão prevalência, em relação aos seus servidores, sobre as regras editadas pela SRH/MP. As normas editadas pelo órgão central do SIPEC poderão ser aplicadas em caráter complementar ou subsidiário, mas não substituir disposição expressa constante de regulamento, expedido com amparo legal, por dada agência reguladora. O que deve ficar claro, então, é que se observam duas faixas de competência legalmente definidas: a da SRH/MP, enquanto órgão central do SIPEC, e a das agências reguladoras. Assim, em relação a sistema de pessoal, as agências reguladoras, no exercício da competência de administração dos cargos efetivos de seu quadro de pessoal, não necessitam estar estritamente vinculadas às normas oriundas da SRH/MP, podendo editar normas em sentido diverso. É importante registrar que o artigo 35, I, do Decreto n. 7.063, de 2010, que define a SRH/MP como órgão central do SIPEC, exatamente em razão de sua natureza infralegal, não invalida essa conclusão, a qual foi alcançada por meio de análise de dispositivos legais. Há que se realizar a leitura do decreto, portanto, a partir do contexto das agências reguladoras e das normas de natureza legal a respeito de sua autonomia, e não o inverso. A mesma conclusão deve ser trazida para a interpretação de normas legais relacionadas a servidores. Isso porque não existe fundamento dogmático-jurídico para que as interpretações de normas lançadas pela SRH/MP prevaleçam sobre as interpretações de normas realizadas pelas agências reguladoras. Ou seja, não foi atribuída legislativamente à SRH/MP a competência privativa, com exclusão das agências reguladoras, para interpretar a Lei n. 10.871, de 2004, pelo que não existe razão para que posicionamento externado pela SRH/MP se aplique automaticamente às agências reguladoras. Firmado o entendimento de que as interpretações normativas realizadas pela SRH/MP, em matéria de pessoal, não têm precedência em relação às realizadas diretamente pelas agências reguladoras, cabe pontuar que deve ser rechaçada a aplicação automática da interpretação realizada por meio da Nota Informativa n. 98/2010/COGES/DENOP/SRH/MP. No ponto, e no exercício da competência para gerir os cargos efetivos de seu quadro de pessoal (artigo 13, I, da Lei n. 10.871, de 2004) e para editar as instruções necessárias à aplicação da Lei n. 10.871, de 2004 (artigo 13, III, da mesma lei), as agências reguladoras podem (e devem) exercer interpretação normativa em matéria de pessoal, ainda que tal interpretação venha a conflitar com interpretação precedente realizada pela SRH/MP. Aliás, caso haja conflito de interpretações, no âmbito de cada agência reguladora deverá prevalecer a interpretação realizada por sua Diretoria colegiada. 4. Servidores de agências reguladoras e regime de dedicação exclusiva Antes de se analisar a aplicação de regime de dedicação exclusiva aos servidores das agências reguladoras, cumpre tecer algumas breves considerações sobre a natureza de suas atividades. Na jurisprudência, quando da análise do pedido de concessão de medida cautelar na ADI n. 2.310, o Ministro Marco Aurélio considerou que as decisões das agências reguladoras devem estar “[…] imunes a aspectos políticos, devendo fazer-se presente, sempre, o contorno técnico. É isso o exigível não só dos respectivos dirigentes – detentores de mandato –, mas também dos servidores […], que, juntamente com os primeiros, hão de corporificar o próprio Estado nesse mister da mais alta importância, para a efetiva regulação dos serviços.” Nessa ADI, contestava-se, entre outros pontos, a qualificação de emprego público, e não de cargo público, atribuída aos servidores das agências reguladoras, o que foi considerado inconstitucional pelo Ministro Marco Aurélio em sede cautelar. Sobre esse ponto, o Ministro Marco Aurélio considerou que a atividade no âmbito de agências reguladoras deveria ser desenvolvida por servidores ocupantes de cargos públicos, amparados por todos os direitos e submetidos a todos os deveres do regime estatutário. Na visão do Ministro Marco Aurélio, os servidores das agências reguladoras corporificam o próprio Estado e, por isso, não podem se submeter a qualquer regime jurídico, mas ao regime jurídico estatutário, que seria próprio às chamadas carreiras de Estado. Observe-se, abaixo, o trecho do voto do Ministro Marco Aurélio: “Em suma, não se coaduna com os objetivos precípuos das agências reguladoras, verdadeiras autarquias, embora de caráter especial, a flexibilidade inerente aos empregos públicos, impondo-se a adoção da regra que é a revelada pelo regime de cargo público, tal como ocorre em relação a outras atividades fiscalizadoras – fiscais do trabalho, de renda, servidores do Banco Central, dos Tribunais de Contas, etc.” A preocupação manifestada pelo Ministro Marco Aurélio quando da análise do pedido de medida cautelar da ADI n. 2.310 também vem se revelando presente na doutrina, não exatamente na mesma medida, mas certamente na mesma direção. De fato, a doutrina tem se ocupado, já há bastante tempo, com o tema da captura das agências reguladoras, seja pelo governo, seja pelos setores regulados. Stigler (2004) desenvolveu a tese de que a falta de legitimidade democrática das agências possibilitaria a captura pelos setores regulados. Com base em dados econômicos da regulação da Interstate Commerce Commission (ICC), afirma que, em regra, a regulação é adquirida pela indústria regulada, além de concebida e operada em seu benefício. As razões seriam múltiplas, tais como a natural identificação entre agências reguladoras e entes regulados, ou mesmo o interesse dos reguladores de um dia irem ou retornarem para os entes regulados (fenômeno conhecido como “revolving door”). Na mesma linha, Posner (2004) afirma que as características básicas dos serviços públicos de infraestrutura e transporte público nos EUA podem ser explicadas não exatamente pela teoria da captura, mas pela teoria segundo a qual a regulação é estruturada para conceder benefícios a grupos de consumidores politicamente efetivos, o que se dá às custas de grupos desorganizados, em sua maioria também de consumidores. Assim, existe um certo consenso de que, em se tratando de regulação, sempre há grande risco de captura do ente regulador por interesses concentrados e fortes de segmentos econômicos em detrimento dos interesses difusos e frágeis da sociedade (MANETTI, 2007)[9]. Daí a necessidade de serem estabelecidos eficazes mecanismos de prevenção e de controle sobre as suas atividades. Em relação às medidas preventivas relacionadas à captura, deve-se ter constante preocupação em se oferecer segurança e independência ao conjunto de servidores. Assim é que, em relação à garantia de independência dos servidores, revela-se natural a imposição de restrições à manutenção de qualquer tipo de vínculo com as empresas integrantes do setor regulado, com exceção da relação entre consumidor e fornecedor. Do ponto de vista pragmático, portanto, as restrições a serem impostas aos servidores das agências reguladoras devem ter uma finalidade bastante clara: garantir a independência em relação ao setor regulado. Exatamente nessa medida é que se justificam restrições adicionais às já aplicáveis à generalidade do serviço público. Nessa esteira, não existirá qualquer sentido na restrição imposta ao servidor de agência reguladora quando a sua independência não esteja em risco. Ou seja, o impedimento imposto ao servidor atuante em agência reguladora não poderá representar um fim em si mesmo, mas deve se prestar a garantir sua independência e imparcialidade. Esse, portanto, é o contexto interpretativo para a leitura das normas que tratam dos impedimentos aos servidores das agências reguladoras. Os dispositivos da Lei n. 10.871, de 2004 que tratam das vedações aos servidores das agências reguladoras e que interessam à análise se encontram nos artigos 23, II, c, e 36-A. “Art. 23. Além dos deveres e das proibições previstos na Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, aplicam-se aos servidores em efetivo exercício nas Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta Lei:[…] II – as seguintes proibições: […] c) exercer outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei; […] Art. 36-A.  É vedado aos ocupantes de cargos efetivos, aos requisitados, aos ocupantes de cargos comissionados e aos dirigentes das Agências Reguladoras referidas no Anexo I desta Lei o exercício regular de outra atividade profissional, inclusive gestão operacional de empresa ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei.” (Incluído pela Lei nº 11.314 de 2006) O que se nota, primeiramente, é que ambos os dispositivos impedem o exercício de outra atividade profissional pelos servidores de agências reguladoras, inclusive gestão operacional de empresa, ou direção político-partidária, excetuados os casos admitidos em lei. A diferença de um dispositivo para outro é que o artigo 36-A acrescenta a palavra regular à expressão exercício de atividade profissional. De toda sorte, tendo o dispositivo do artigo 36-A sido incluído pela Lei n. 11.314, de 3 de julho de 2006, caso se visualize contradição em relação a qualquer dispositivo da Lei n. 10.871, de 2004, deve sobre ele naturalmente prevalecer. Nessa esteira, cabe analisar se a disposição constante do artigo 36-A institui, para os servidores das agências reguladoras, regime de dedicação exclusiva, o qual impediria até mesmo o desempenho de atividade de ensino em entidades públicas e privadas. Em análise literal do dispositivo, cabe notar que nele não se institui claramente regime de dedicação exclusiva. De fato, não se pode extrair dos vocábulos ali postos comando inequívoco de instituição de regime proibitivo do desempenho de toda e qualquer atividade, seja pública, seja privada. A instituição de regime de dedicação exclusiva, por constituir medida especialmente restritiva da liberdade do servidor, veio, historicamente, acompanhada de certas cautelas, como se passa a demonstrar, bem como associada a um fundamento pragmático para a sua instituição. O Decreto n. 94.664, de 23 de julho de 1987, por exemplo, em seus artigos 14 e 15, ao tratar do regime de trabalho dos professores da carreira de Magistério Superior, possibilitou, em primeiro, a opção pelo regime de dedicação exclusiva. Em segundo, disciplinou o que seria a dedicação exclusiva: impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada. E, ao fim, possibilitou que o regime de dedicação exclusiva contemplasse algumas exceções (artigo 14, § 1°). “Art. 14. O Professor da carreira do Magistério Superior será submetido a um dos seguintes regimes de trabalho: I – dedicação exclusiva, com obrigação de prestar quarenta horas semanais de trabalho em dois turnos diários completos e impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada; II – tempo parcial de vinte horas semanais de trabalho. § 1º No regime de dedicação exclusiva admitir-se-á: participação em órgãos de deliberação coletiva relacionada com as funções de Magistério; participação em comissões julgadoras ou verificadoras, relacionadas com o ensino ou a pesquisa; percepção de direitos autorais ou correlatos; colaboração esporádica, remunerada ou não, em assuntos de sua especialidade e devidamente autorizada pela instituição, de acordo com as normas aprovadas pelo conselho superior competente. § 2º Excepcionalmente, a IFE, mediante aprovação de seu colegiado superior competente, poderá adotar o regime de quarenta horas semanais de trabalho para áreas com características específicas.” Quando da instituição de regime de dedicação exclusiva para os professores da carreira de Magistério Superior, teve-se o cuidado de traçar disciplina exaustiva a respeito de seu conteúdo. Não se tem dúvida de que o regime de dedicação exclusiva tem benefícios inquestionáveis para o desempenho da função de professor, que seria a completa imersão no meio acadêmico, com a finalidade de se estimular a produção científica. De modo diferente, em relação aos servidores das agências reguladoras, não se consegue extrair do artigo 36-A da Lei n. 10.871, de 2004, disposição inequívoca tendente à instituição de regime de dedicação exclusiva, assim entendido como impedimento do exercício de qualquer outra atividade remunerada, pública ou privada. Também não se visualiza conteúdo mínimo do que seria a tal dedicação exclusiva aplicada aos servidores das agências reguladoras. Observa-se, de modo genérico, apenas a vedação ao exercício regular de outra atividade profissional. Seria possível identificar, então, vedação ao exercício regular de outra atividade profissional com regime de dedicação exclusiva? A resposta é negativa. Eis as razões. Em análise pragmática, deve-se pontuar que a instituição da dedicação exclusiva não contribuiria para a garantia da independência dos servidores das agências reguladoras frente aos setores regulados. É que a vedação de prestação de serviços às empresas reguladas já se presta a tal fim (vedação contida no artigo 23, II, “a”, da Lei n. 10.871, de 2004). Portanto, não se visualiza fundamento prático para a instituição da dedicação exclusiva. Deve-se ter presente, ainda, que nem as atividades atribuídas aos juízes e aos representantes do Ministério Público da União se encontram sob a restrição da dedicação exclusiva. De fato, o artigo 36 da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979, a conhecida Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN, veda aos magistrados apenas (i) o exercício de comércio ou a participação em sociedade comercial, e (ii) o exercício de cargo de direção ou técnico de sociedade civil, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe, e sem remuneração. A Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993, a seu turno, veda aos membros do Ministério Público da União o exercício (i) da advocacia, (ii) do comércio, (iii) de outra função pública, salvo uma de magistério, e (iv) atividade político-partidária. Ora, se aos juízes, membros de um dos Poderes da República, e aos membros do Ministério Público da União, que representam uma função do Estado por excelência, não é imposto o regime de dedicação exclusiva como forma de garantir a sua independência, também não se visualiza razão para se impor, por meio de interpretação, tal regime aos servidores que desempenham suas atividades nas agências reguladoras. Não se consegue identificar, portanto, que o tal regime de dedicação exclusiva aplicado aos servidores das agências reguladoras venha a atender ao interesse público[10], consoante afirmado pela CONJUR/MP[11]. Veja-se que também a Procuradoria-Geral Federal da Advocacia Geral da União faz referência ao interesse público ao sustentar que a autonomia gerencial das agências reguladoras restringe-se a aspectos meramente operacionais. Segundo a entidade, “não é possível pensar de outra forma”, uma vez que “a Administração e o interesse público são unos”[12]. Em verdade, falar em interesse público, em contexto aberto, não contribui para a análise da questão, visto que não existe método objetivo de definição do que seja o interesse público (SHAPIRO, 1988, p. 5)[13]. O paradigma segundo o qual o interesse público se contrapõe aos interesses privados, motivo pelo qual deve predominar sobre estes, tem raízes históricas.  O individualismo renascentista, que pregava a prevalência dos interesses privados, parece haver ensejado, à época seguinte, o entendimento de que a negação desses interesses significaria alcançar o interesse comum. Assim, adotou-se de modo generalizado o pressuposto do interesse público como uno, exclusivo, singular, que em cada situação concorre com os interesses privados. Trata-se de premissa “de oposição, de embate, de afirmação pela negação, segundo o qual a consagração do interesse público se oporia essencialmente aos interesses privados e, destarte, somente se efetivaria a partir de algum sacrifício ou restrição de interesses dos particulares” (MARQUES NETO, 2002, p. 82). Entretanto, parece possível uma formulação aberta e indeterminada de interesse público (embora também singular), com função de legitimação, que permita que o paradigma apresente-se “seguro e elástico, justo e compassivo, socialmente eficaz e moralmente eqüitativo”, conseguindo equilibrar “as intrincadas relações entre o individual e o coletivo (…) entre a liberdade de cada cidadão e as exigências de natureza coletiva” (FARIA apud MARQUES NETO, 2002, pp. 86 e 87). Enfim, não se pode pressupor que exista interesse público em impor regime de dedicação exclusiva aos servidores das agências reguladoras. Tampouco do artigo 36-A da Lei n. 10.871, de 2004, pode-se inferir a imposição do regime. Qual o significado, então, da norma ali posta? Como já mencionado, a norma constante do artigo 36-A da Lei n. 10.871 deve ser lida diante do contexto interpretativo. Assim, o exercício de outra atividade profissional deve estar vedado quando vier a comprometer negativamente o desempenho independente das funções regulatórias pelo servidor. Em sentido inverso, deve-se permitir que os servidores das agências desenvolvam suas potencialidades e maximizem seus ganhos financeiros sem que sua independência em relação ao setor regulado seja colocada em risco. Nesse contexto é que a vedação ao exercício regular de outra atividade profissional do artigo 36-A da Lei n. 10.871, de 2004 deve ser vista como conceito jurídico indeterminado, a ser desdobrado mediante o exercício do poder regulamentar, que, no caso, se encontra atribuído às próprias agências reguladoras. A propósito, nada mais transparente para o exercício desse poder regulamentar do que a realização de um procedimento plural, no qual os servidores e a sociedade possam se manifestar a respeito. Essa sim parece ser uma solução condizente com o modelo de Estado regulador e a atual configuração policêntrica da Administração Pública.
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Segurança pública:administração gerencial e meritocracia
Administração pública tem evoluído e atualmente pauta-se entre outros postulados, nos termos do art. 37 da Constituição Federal, pelo principio da eficiência o qual preconiza o emprego de menor custo para que se alcance maiores resultados possíveis. É sabido que um servidor motivado torna-se mais produtivo, mais criativo e feliz no desempenho de suas atribuições junto à instituição. Para tanto, é interessante que se crie programas de incentivos, estabeleça-se metas e objetivos a serem perseguidospelos servidores. Assim sendo, é imprescindível o reconhecimento em virtude de sua desenvoltura profissional na quantidade e qualidade dos resultados alcançados na prestação do serviço público. Com efeito, fomentar a motivação pessoal e profissional do policial além deixa-lo satisfeito, torna-o um colaborador e motivador de sua equipe de trabalho.
Direito Administrativo
1 Introdução Incialmente será analisada a base jurídica que respalda a atividade administrativa e a atuação do administrador público, enfatizando as relações entre Administração Pública e seus Agentes Públicos e entre ambos e os administrados, acoletividade. Como se verá, o presente artigo analisa a administração pública gerencial e seus resultados com base na meritocracia de seus agentes e gestores, tendo por objetivo demonstrar o surgimento de melhores resultados com a motivação pessoal, profissional e institucional do servidor, principalmente no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco – PMPE. Diante disso, o direito Administrativo que rege a Administração Pública será analisado sob o enfoque moderno, ocasião em que se toma ênfase o princípio constitucional expresso da eficiência o qual representa constitucionalmente um novo modelo de gerir a coisa pública: denominado de Administração Gerencial ou Gestão por Resultados. A Administração Gerencial tangida pela flexibilização dos princípios norteadores da administração pública, reorganiza a estrutura administrativa e viabiliza maior liberdade ao administrador para com menor custo produzir mais com qualidade.Ou seja, concede-se um espaço maior de decisão para que o administrador planeje o que vai fazer, como fazer e verifique o resultado desejado, controlando todo o processo,possibilitando-o corrigir erros e alcançar o interesse público de maneira efetiva e satisfatória. No sentido de melhor compreender esse novo modelo de administrar será apresentada uma sucinta abordagem sobre a evolução dos modelos de Administração Pública: Patrimonialista, Burocrático e Administração Gerencial. Por fim, o estudo se afunilará para análise da meritocracia entendida como um “sistema de incentivo” constituído, em tese, por recompensas e sanções, nos contornos da Administração Gerencial. 2 Direito administrativo Na concepção moderna de Direito Administrativo em consonância com o princípio constitucional da eficiência capitulado no caput do art. 37 da CF/88, pode ser entendido como um conjunto de normas e princípios que regulam as relações entre administração e seus agentes e entre ambos e os administrados – coletividade, buscando os fins pretendidos pelo Estado, ou seja, o interesse público. Assim, conforme Alexandrino(2010) o Direito Administrativo é “um ramo de direito público autônomo que disciplina e gerencia a organização e o exercício das atividades do Estado voltadas para a satisfação do interesse público”.Com esse entendimento, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo traçam o conceito de Direito Administrativo aduzindo ser: “O conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturação e ao funcionamento das pessoas e órgãos integrantes da Administração Pública, às relações entre esta e seus agentes, ao exercício da função administrativa, especialmente às relações com os administrados, e à gestão dos bens públicos, tendo em conta a finalidade geral de bem atender ao interesse público”[1]. No mesmo pensamento é a lição de Jose dos Santos Carvalho Filho que frisa as relações jurídicas de caráter interno e externo: “O Direito Administrativo, com a evolução que o vem impulsionando contemporaneamente, há de focar em dois tipos fundamentais de relações jurídicas: uma, de caráter interno, que existe entre as pessoas administrativas e entre os órgãos que as compõem; outra, de caráter externo, que se forma entre o Estado e a coletividade em geral”[2]. Assim, o Direito administrativo tem por objeto definir os pressupostosque devemnortear a atuação da Administração Pública, tanto nas relações jurídicas de direito público como nas relações jurídicas de direito privado. Quando atuar nesta estará despida das prerrogativas públicas.Porém, quando se persegue o interesse público reveste-se dos princípios da indisponibilidade do interesse público e supremacia do interesse público. Em termos práticos, o Direito Administrativo rege, dentre outros: I Contrato de locação entre administração e um particular, ex.: locação de viaturas policial; II. A relação entre Administração Direta e Indireta, ex.: Supervisão de suas Autarquias, Empresas Públicas, Sociedade de Economia Mista. Cite-se o DETRAN; Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil; III. A relação entre Administração e seus agentes público estatutários – servidores públicos aprovados em concurso de provas e provas e títulos para provimento dos cargos públicos; IV. A relação entre a Administração e seus empregados públicos cujo vinculo funcional é contratual, sujeitos à Consolidação das Leis do Trabalho – CTL. Das diversas relações existentes reguladas pelo Direito Administrativo cabe enfatizar, nessa concepção moderna, o principio da eficiência expresso na constituição o qual direciona a atuação da Administração Pública a primar pela qualidade do serviço público prestado ou posto a disposição da coletividade, bem como pela otimização dos recursos de modo a expressar resultados efetivosmaiores possíveis com menor custo. 2.1 Fontes do direito administrativo Não há, no Brasil, codificação do direito administrativo em um único documento. Na verdade, ele encontra-se disperso tanto na Constituição como em leis infraconstitucionais. Nesse contexto, pode-se afirmar que o direito administrativo tem 05 (cinco) fontes principais: a lei (latu sensu), a jurisprudência, a doutrina, os costumes e os princípios gerais do direito. A Lei é a principal fonte do Direito Administrativo, fonte primária, em razão do princípio da legalidade que rege a atuação do Estado. Na palavra Lei inclui-se: a Constituição – normas e princípios, Leis Complementares, Leis Ordinárias, Leis Delegadas, Medidas Provisórias, Decretos e demais atos normativos editados pela Administração Pública, nos limites e de acordo as Leis. A jurisprudência consubstanciada nas reiteradas decisões judiciais no mesmo sentido, principalmente as súmulas vinculanteseditadas pelo Supremo Tribunal Federal – STF de observância obrigatória pelos demais órgãos do poder judiciário e Administração Pública Direta e Indireta, seja em âmbito federal, estadual ou municipal.Doutrina, fonte secundária, representada pelos entendimentos dos estudiosos do Direito sobre diversos assuntos. Não tem valor vinculante, mas orientam a edição de Leis e decisões judiciais e administrativas.Costumes Sociais e Administrativos. O costume social constitui-se em regras de conduta uniformes não escritas praticadas reiteradamente pela coletividade a qual entendem como de observância obrigatória. Como é o caso da fila para atendimento em algum estabelecimento. Já o costume administrativo ou praxe administrativa é a prática reiterada de determinado ato administrativo, sem previsão normativa expressa, por agentes administrativos. Fonte secundária, pode gerar direitos para os administrados[3].Como exemplo de praxe administrativa cite-se a permuta de serviço entre policiais numa unidade policial da PMPE – Polícia Militar de Pernambuco.Os Princípios Gerais do Direito podem ser expressos ou implícitos, tem conteúdo indeterminado, variado e impregnado de abstração. Traças os parâmetros da atuaçãoadministrativa. Não há hierarquia entre princípios; eles orientam a aplicação das regras jurídicas. Dentre outros, cite-se o principio do dever de indenizar se causar dano a outrem, ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza[4]. Os vários ramos jurídicos se inter-relacionam, preponderando um ou outro a depender do fato a ser regulado. Dentre todos os ramos de Direito o Direito Administrativo tem maior proximidade com o Direito Constitucional. Pois, na Constituição encontram-se os princípios expressos e implícitos que regem a Administração Pública (art. 37), as normas sobre servidores públicos (arts. 39 a 41), a relevância da fundamentação das decisões para ser exercido controle dos atos administrativos, contraditório e ampla defesa dos subordinados e administrados, bem como ao Direito Processual (art. 5º, LV), da responsabilidade extracontratual do Estado (37,§6º), dentre outros[5].Com o Direito Penal o ponto de contato figura os crimes contra administração pública, o conceito de funcionário público e as normas penais em branco a serem completadas pelo direito administrativo. Nesse ultimo caso, tem-se a lei 11.343/06 – lei de drogas. As drogas estão definidas na portaria 344SVS do executivo. 2.2Sistemas Administrativos Extrai da lição de Marcelo Alexandrino que, sistema administrativo é o meio adotado pelo Estado para controlar os atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados por seus agentes em todas as esferas e em todos os poderes. Tem-se o sistema inglês e o francês. O sistema inglês também conhecido unidade de jurisdição aponta o judiciário como único responsável para dizer o direito de forma definitiva, como força de coisa julgada diante dos litígios administrativos ou particulares. Esse sistema é o adotado no Brasil – art. 5º, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”.Impende destacar que, em regra, qualquer litígio pode ser apreciado pelo poder judiciário, mesmo que já esteja sendo apreciado em âmbito administrativo, para ser verificada a legalidade do ato, anulando os atos ilegais. Isso não impede que a própria administração faça o controle de legalidade de seus atos. No sistema francês, de dualidade de jurisdição ou contencioso administrativo há dois poderes competentes para dizer o direito de forma definitiva diante do caso concreto. Tem-se a jurisdição administrativa – resolver questões de matéria administrativa e a jurisdição judicial – resolver demais litígios[6]. 2.3Controle Interno e Externo Controle administrativo é o meio disposto pelo ordenamento jurídico para que a própria administração pública, o poder judiciário, o poder executivo e o povo possam fiscalizar a atuação administrativa. O controle interno é exercido dentro de um mesmo poder; seja em decorrência da hierarquia entre os órgãos eentre administrados superiores e subordinadosrespectivamente ou por um órgão especifico como as corregedorias. Esse controle pode haver entre administração direta e administração indireta – controle finalístico ou supervisão administrativa. O art. 74 da Constituição Federal vigente legitima esse controle, estabelecendo um rol exemplificativo mínimo, conforme descrito abaixo: “Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de governo interno com a finalidade de: I Avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II. Comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III. Exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem dos direitos e haveres da União; IV. Apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.” Como visto, no âmbito da PMPE tem-se a ouvidoria e a corregedoria como órgãos de fiscalização da legalidade da atuação administrativa e policial. Além do mais, qualquer pessoa pode representar perante o poder público contra ilegalidade ou abuso de poder. Lei 4898/64. O controle externo é exercido por um Poder sobre os atos administrativos executados por outro Poder.Como a sustação pelo Legislativo de ato praticado pelo Executivo que extrapolem o Poder Regulamentar. No que tange aos atos praticados no âmbito da PMPE, em regra, esse controle é realizado pelo Ministério Público Estadual[7] e pelo Poder Judiciário quando submetidos a sua apreciação. Os atos discricionários também podem ser apreciados pelo Judiciário para verificar se foram praticados dentro do limite da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Quanto ao controle de legalidade seja interno ou externo leciona Hely Lopes Meireles citado por Carvalho Filho que o princípio da legalidade “implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas”. Assim, a atividade administrativa tem como pressuposto a atividade legisferante.Esse controle de legalidade também pode ser feito pela própria administração conforme acentua as súmulas do pretório excelso – STF: “473 – A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. 346 – A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”. Frise-se que a própria administração, atuando no controle interno, pode controlar seus atos de duas maneiras: anulando quando ilegais ou revogando quando inoportunos ou inconvenientes. Todavia, o judiciário exerce o controle externo do ato, atuando apenas no que for referente à legalidade. Vale lembrar a garantia constitucional – reclamação ao STF, à disposição dos administrados no caso de inobservância de súmulas vinculantes. Reza o art. 103 – A, §3º, que: “§ 3.º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”. (grifou-se).    Desse modo a atuação da administração tem guarida também nas decisões judiciais, principalmente decisões de tribunais reiteradas no mesmo sentido sobre matéria já apreciada e decididas. Pelo Princípio da Impessoalidadeo administrador dever atuar sempre buscando o interesse público, tratando todos que estejam na mesma situação de maneira igual. O agente público não pode atuar visando satisfazer interesse próprio, mas a finalidade da lei sob pena de cometer desvio e abusar do poder que dispõe, sendo assim,invalidadoé o ato praticado. Nesse contexto, a impessoalidade guarda estreita relação com a isonomia e a finalidade pública. Em razão do Principio da Moralidade o administrador deve pautar-se pela boa fé, pela conduta ética e moral jurídica, pela lealdade e honestidade, os bons costumes e os deveres de uma boa administração. Os atos administrativos devem ser probos sob pena de responsabilidade do agente. A lei 8429/92 disciplina a atuação do administrador tipificando a falta de probidade e cominando respectiva sanção.A depender da falta do agente, podem ser praticados atos que causam prejuízo ao erário, que fere princípios constitucionais-administrativos e geram enriquecimento ilícito. Para tanto, a lei comina sanção– aplicadas,isolada ou cumulativamente, independente da responsabilidade administrativa, civil ou penal -, de perda de bens, indisponibilidade dos bens e ressarcimento, suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, multa e proibição de contratar com o poder público ou receber incentivos fiscais ou creditícios[8].Em defesa da moralidade administrativa o cidadão dispõe, entre outros, do instrumento processual ação popular[9]. No âmbito da PMPE, entre outros, tem-se o estatuto e o código de ética que regulam a atuação dos policiais militares que tenham repercussão perante a instituição castrense. Principio da Publicidade viabiliza o controle da atuação administrativa pelos administrados a Constituição Federal estatuiu em seu texto esse principio pelo qual todos os atos devem ser amplamente divulgados. A transparência da atuação do administrador possibilita aos administrados inferi a legalidade, a eficiência e o interesse público.Aponta Carvalho Filho que esse princípio pode ser efetivado por meio de diversos instrumentos posto a disposição dos administrados, entre eles, o direito de petição (art. 5º, XXXIV, “a”, CF/88), o direito de obter certidões (art. 5º, XXXIV, “b”, CF/88) e pela ação administrativa ex-officio de divulgação de informação de interesse público (lei 12.527/11). Casos esses instrumentos não sejam eficazes socorre-se das ações autônomas; mandado de segurança (art.5º, LXIX, CF/88) e Habeas Data (art. 5º, LXXII, CF/88). O Princípio da Eficiência acrescentado ao texto constitucional pela emenda constitucional nº 19/98 entendida como reforma do terceiro setor preconiza a qualidade dos serviços públicos. Nessecaminhar, foi traçada uma nova maneira de gerir a coisa pública em titulada de “administração gerencial”. Diante disso, foca-se nos resultados, maior liberdade de atuação do administrador para produzir o máximo com menor custo possível, sem perder a qualidade desse resultado. Diante dessa flexibilidade, visa também a excelência no atendimento ao cidadão demonstrado pela celeridade e presteza, maior rendimento funcional e, ainda, evitar desperdícios de dinheiro público. Ensina Carvalho Filho que “a eficiência não se confunde com a eficácia nem com a efetividade”. A eficiência está para o modo como a atividade administrativa é desempenhada pela administração. A eficácia diz respeito aos meios e instrumentos com os quais os agentes se utilizam para alcançar os fins pretendidos pela lei. E por fim, a efetividade está relacionada com os resultados alcançados. Assim, deve haver um equilíbrio entres esses institutos de modo que a efetividade seja, sempre que possível, alcançada e, assim, direcione os dois primeiros para que não haja na atuação eficiência e eficácia desprovida de efetividade.Alguns Princípios Implícitos que merecem ser destacado por balizar a prática de atos administrativos são os Princípios da Proporcionalidade, da Razoabilidade e do Bom Senso, da Segurança Jurídica e da Continuidade do Serviço Público que também orientam a atuação da administração pública. 3 Modelos de administração pública A Administração Pública tem evoluído em sua própria autoadministração para acompanhar as mudanças externas que implicam transformação interna no rumo de dinamizar-se com as inovações. Ela deixa de ser estática, preponderando à atividade fim em prol da atividade meio.No século XIX juntamente como Estado Liberal surge a administração burocrática para conter os abusos da administração patrimonialista. Todavia, não foi o ideal devido o preciosismo da forma burocrática de controle que impedia o alcance dos resultados almejados pela sociedade em ascensão. Daí, surge um novo modelo de administrar a coisa pública buscando os fins sociais desejados pela sociedade, chamada de administração gerencial ou de gestão por resultados. Ensina o professor Carlos Ramos que essa evolução histórica da administração pública não abandona totalmente os modelos remotos. Na verdade os três modelos: Patrimonialista, Burocrática e Gerencial se inter-relacionam de alguma forma, mas atualmente prepondera a administração gerencial. Administração patrimonialista é marcada pela confusão entre o patrimônio público e o patrimônio privado do governante. Na maioria das vezes não se conseguia distinguir qual era o patrimônio de um ou do outro. O governante agia como se a coisa pública fosse dele. Esse modelo é característico dos regimes absolutistas – chefes rei ou monarca.Comenta o professor que era evidente as corrupções e o nepotismo. Com efeito, esse tipo de governo pauta-se em prol de poucos em detrimento de muitos. Administração Burocrática teve seu apogeu no Estado Liberal no intuito de combater as consequências advindas da administração patrimonialista – ter a coisa pública como própria. Nesse viés, vislumbra uma espécie de “administração controle”, ou seja, dar-se ênfase aos procedimentos e formalidades para evitar o nepotismo e a confusão patrimonial – enriquecimento indevido à custa da administraçãopública e consequentemente prejuízo ao erário e aos interesses da sociedade. Há um controle prévio indicando como dever ser a atuação do administrador. Na Administração Gerencial ou gestão por resultados mantem o profissionalismo, provimento de cargos por concurso público, planos de cargo e carreiras, publicidade, imparcialidade, legalidade, moralidade, razoabilidade, segurança jurídica, motivação, entre outros.A estrutura organizacional administrativa é orientada para a flexibilização da gestão e objetivos bem definidos, fundamentada no principio da confiança e da participação dos envolvidos no processo decisório. A qualidade do serviço prestado a população é envolvido pela permanente capacitação e qualificação profissional. 4 Meritrocacia no serviço público Na PMPE, esse modelo de administrar, ganhou destaque nos últimos oito anos de governo. Houve planejamento estratégico com estabelecimento de metas para alcançar determinado resultado. Instituído o CVLI – grupos dos crimes vitais letais intencionais,foi estabelecida a meta de redução de 12% ao ano na ocorrência desses crimes em relação ao índice de violência atingido pelo país. Em virtude desse planejamento consta implantado o ‘sistema de incentivos’ com a alteração da lei de promoção de praças e oficiais[10]. A administração gerencial tem na meritocracia seu caminhar primordial para alcançar os resultados pretendidos pela administração pública. Assim, as atividades administrativas foram aos poucos atenuando a burocracia e preponderando a meritocracia, focada em incentivos de agentes públicos para maior produtividade. O estimulo a competição por prêmios ou recompensas pela criatividade e maior resultado alcançado constitui-se num sistemas de incentivos, impulsionando o agente público a promover-se pelo mérito de suas ações. Assim, administração gerencial tenta alcançar seus fins levando o agente a envolver-se em uma espécie de meritocracia. Nesse sentido acentua Carlos Ramos que: “O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadãocliente, do controle por resultados, e da competição administrada”. Lembra o autor que nessa estrutura organizacional “é essencial à descentralização e a redução dos níveis hierárquicos”. Com efeito, justifica-se a flexibilização dos princípios administrativos tendentes à flexibilização da gestão e da divisão de tarefas e funçõespara adequação tanto aoambiente interno quanto ao externo, como acentua os estudos da “administração clássica” de Frederick Taylor e Henri Fayol. Assim, tem-se a permitir, num primeiro momento, a separação entre quem planeja, dirige e executa, mas em seguida inter-relacionando-as visando melhor controle e alcance nos resultados desejados. Nessa empreitada para atingir os objetivos traçados pela administração entra os estudos sobre a motivação do comportamento humano,pode-se apontar os aspectos psicológicos e sociais e não apenas levando em conta a motivação econômica como apontava a doutrina de Taylor e Fayol.Essa abordagem comportamental bem definida pela Teoria das Relações Humanas cujo precursor Elton Mayo, reconhece o comportamento humano como fator de suma importância no aumento da produtividade de uma organização ou da administração pública, bem como na qualidade do serviço prestado. Os resultados expressivos podem ser oriundos da interação social entre os servidores dentro da administração; os agentes públicos passam a entender o objetivo ou metas alcançados como resultado do esforço de todos, da Unidade/órgão, da equipe; entre as equipes surge um comportamento padrão avaliado e reavaliado pela própria equipe para se ajustar as normase aos sistemas de recompensas e sanções; há disposição entre os administrados à inovação e ao aperfeiçoamento. Mas esses fatores podem ser mais ou menos explorados a depender de quem está à frente das equipes, dos órgãos e da administração. A postura do administrador enquanto motivador, líder é praticamente decisiva no direcionamento do comportamento dos servidores para atingir metas e objetivos, ou seja, o interesse público. É importante que toda estrutura estratégica: planejamento, metas, missão, execução, controle, seja representada em cronogramas e apresentadas aos administrados, para que acompanhem os resultados de seus esforços individuais e coletivos e melhor entendam como “caminhar”.Isso, os faz entender as correções, erros e em que aspecto precisam melhorar. Nesse passo, os “sistemas de incentivos”: recompensas e sanções pelo desempenho laboral/funcional na PMPE, meritocracia,alinha-se ao sistema racional-legal. Pois, a administração pública é regida e norteada em sua atuação por normas jurídicas – regras e princípios. Assim, a liberdade concedida ao administrador e a flexibilização da gestão encontra limites no ordenamento jurídico: como na Constituição Federal e Leis Infraconstitucionais – estatuto dos servidores, lei de promoção, lei de organização dos serviços gerais, código de ética e demais portarias e regulamentos atinentes aos policiais e ao funcionamento da administração pública.Como exemplo cite-se o art. 65 da 11.817/00 ao prever que a recompensa é o reconhecimento dos bons serviços prestados pelo policial militar à corporação. É o caso, por exemplo, de dispensa do serviço por prisões em flagrantes.Especificando o tema, o art. 66, da mesma lei, traz um rol exemplificativo do que são recompensas, além de outras formas semelhantes previstas em leis e regulamentos. “Art. 65. As recompensas constituem reconhecimento dos bons serviços prestados pelo militar. Art. 66. Além de outras previstas em leis e regulamentos especiais, são recompensas militares: I_o elogio; II_as dispensas do serviço; e III a dispensa da revista do recolher e do pernoite, para as praças e alunos dos cursos militares a eles destinados. Art. 67. O elogio pode ser individual ou coletivo.(…) § 9º Os elogios individuais, para efeito de classificação, reclassificação e melhoria de comportamento, previstos no Título IV, deste Código, serão concedidos nas seguintes categorias e valores: Bravura: ação destacada de coragem do militar, no cumprimento do dever, que, descrita inequivocamente, tem valor para anular os efeitos de pena aplicada de prisão; Ação Meritória: ação de caráter excepcional que destaque o militar com risco da própria vida, entre os seus pares, tem valor para anular os efeitos de pena aplicada de detenção; e Ato de Serviço: ação de caráter excepcional que destaque o militar entre seus pares, tem valor para anular os efeitos de medida administrativa autônoma.(…). Art. 68. As dispensas do serviço, sempre expressamente justificadas, podem ser: I – dispensa total do serviço, que isenta de todos os trabalhos da OME, inclusive os de instrução; e II – dispensa parcial do serviço, quando isenta de alguns trabalhos que devem ser especificados na concessão; (…).”(grifo-se). Em outro viés, o art. 28 elenca as sanções a que estão sujeitos os policiais militares. Quais sejam: “Art. 28. As penas disciplinares militares a que estão sujeitos os militares estaduais,segundo o estabelecido na Parte Especial deste Código, são as seguintes: I – repreensão; II – detenção; III – prisão; IV – licenciamento a bem da disciplina; e V – exclusão a bem da disciplina. § 1º Poderão ser aplicadas, alternativa ou cumulativamente com as penas disciplinares previstas neste artigo, as seguintes medidas administrativas: I – cancelamento de matrícula em curso ou estágio; II – afastamento do cargo, função, encargo ou comissão; III – movimentação da OME; IV – suspensão da folga, para prestação compulsória de serviço administrativo ou operacional à OME; e V – suspensão de pagamento, no soldo, dos dias faltados, injustificadamente, e interrupção, compatível à contagem do tempo de serviço, conforme disposto em legislação própria.” (grifou-se). Preceitua a portaria interministerial SDH/MJ nº 02/10 inserida da legislação da PMPE pelo convênio nº157/2012 SENASP/ MJque todos os atos de superiores hierárquicos, dentre outros, sobre escalas de serviço, lotação e transferências sejam motivados e fundamentados. (principio da legalidade e impessoalidade). “34) Garantir que todos os atos decisórios de superiores hierárquicos dispondo sobre punições, escalas, lotaçãoe transferências sejam devidamente motivados e fundamentados.”(grifou-se). Nota-se que os postulados ou princípios que norteiam Administração Pública podem ser flexibilizados em prol da administração gerencial, mas não excluídos.A moralidade administrativa deve ser mantida em todos seus termos para legitimação da atuação administrativa. Os critérios pertinentes às recompensas e sanções devem ser objetivos e previamente cominados em leis (latu sensu) e jamais deixados ao mero subjetivismo do administrador. Velando, assim, pela legalidade e imparcialidade.A motivação e a fundamentação das decisões administrativas que causa repercussão na esfera jurídica do administrado ou do agente público se fazem necessárias estarem presente em todo ato administrativo dessa natureza. Nos dizeres de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO[11]: “Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes públicos não são “donos” da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora de tais interesses. (…).” A vista disso, as regras castrense consubstanciada na hierarquia e disciplina militam a precedência hierárquica como direito do policial a ser observada quando do efeito de determinadas decisões administrativas. Cite-se a remoção do servidor e a escala de serviço que devem ser fundamentada e publicada para alcançarem efeitos práticos legítimos. Portaria Normativa PMPE nº 150.A publicidade do ato administrativo e o acesso à informação pelo administrado asseguram a transparência e a legitimidade da gestão. Com isso, toda recompensa advinda de mérito do servidor deve ser publicada para que todos tenham conhecimento e possam exercer algum interesse ou fiscalizar as recompensas meritórias. A meritocracia há de ser contornada pelos princípios constitucionais da Razoabilidade e Proporcionalidade. Segundo o emérito professor José Dos Santos Carvalho Filho[12], “o princípio da razoabilidade tem que ser observado pela Administração à medida que sua conduta se apresente dentro dos padrões normais da aceitabilidade”.Quanto à proporcionalidade, o mesmo autor preleciona que a finalidade deste princípio é a de “conter atos, decisões e condutas dos agentes públicos que ultrapassem os limites adequados, com vistas ao objetivo colimado pela Administração, ou até mesmo pelos Poderes constituídos do Estado”. Diante do estudo ora exposto, pode-se dizer que a meritocracia guarda estreita relação com a discricionariedade ou maior liberdade do administrador em guarida na Administração Gerencial. Contudo, essa liberdade de atuação para alcance de maior efetividade ou resultados desejados encontra limites legais os quais extrapolados devem ser corrigidos pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário mediante o controle externo. Nos precisos dizeres de CÁSSIO SCARPINELLA BUENO[13]: A “discricionariedade” não pode ser empregada como um escudo que protege a administração pública do controle jurisdicional.Não é porque se diz que determinado ato – ou determinados modelos de ato – é discricionário que, imediatamente, afasta-se a possibilidade de seu controle judicial. Há sempre e inexoravelmente necessidade de o magistrado verificar se aquele ato é mesmo discricionário, e mesmo sendo discricionário se todos os limites, todos os princípios que norteiam toda e qualquer atuação administrativa foram atingidos, foram perseguidos, isto é, se aquele ato encontra-se mesmo, verdadeiramente, no interior da moldura, como uma opção definitivamente válida a cargo do administrador público. Somente quando o magistrado verificar que o ato administrativo amolda-se às opções predispostas ela norma jurídica é que não poderá exercitar qualquer espécie de controle com relação ao ato administrativo porque falece ao magistrado e ao Poder Judiciário como um todo, competência. Conclusão Assim sendo, da Administração Gerencial não está apartada dos postulados burocráticos legais necessários ao andamento e controle da atuação administrativa, eles apenas foram flexibilizadospara que a gestão administrativa possa dinamizar-se internamente, adequando-se às exigências externas da economia globalizada e ser efetivado o interesse da coletividade com qualidade.O controle antes prévio das atividades meio foi deslocado para posteriori inferindo nos resultados – atividade fim, ou seja, após a atuação do administrador este deve prestar contas à sociedade e aos órgãos/entidades responsáveis pelo controle, fiscalização e responsabilização, do que lhe foientregue para gerir, como geriu e se atingiu o objetivo esperado. Dentre a dinâmica interna, é inegável que a administração pública deve facilitar a permanente qualificação técnica e profissional dos agentes públicos para que seja prestado serviço público de qualidade aos administrados.Os critérios de incentivos,tangidos pela meritocracia, alinhados nos contornos da Administração Gerencial, para serem legítimos, devem, previamente, estarem previstos ou apoiados no ordenamento jurídico. Dessa forma, observa-se que a meritocracia ou sistema de recompensas e sanções objetiva influenciar no comportamento do agente público para estimulá-lo a alcançar resultados maiores e melhores.
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Prioridade à obtenção de títulos de direitos minerários e o prazo decadencial do direito de anulá-los
Resumo : Este artigo refere-se aos erros de consideração cometidos pela Administração ao atribuir o direito de prioridade ao requerente não prioritário de título de direitos minerários objetivando determinada área. Neste caso, o respectivo título outorgado é anulável, se a sua nulidade for pleiteada, por qualquer interessado, até um ano após a data da sua publicidade no Diário Oficial da União – D.O.U., prazo decadencial do direito de fazê-lo.
Direito Administrativo
1. Introdução O art. 11, caput e alínea “a”, do Código de Mineração1, em redação dada pela Lei 6.403/19762, assim dispõe sobre o direito de prioridade à obtenção de título de direitos minerários (grifos do autor) : “Art. 11 – Serão respeitados na aplicação dos regimes de Autorização, Licenciamento e Concessão: a) o direito de prioridade à obtenção da autorização de pesquisa ou do registro de licença, atribuído ao interessado cujo requerimento tenha por objeto área considerada livre, para a finalidade pretendida, à data da protocolização do pedido no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atendidos os demais requisitos cabíveis, estabelecidos neste Código;” Essa regra refere-se aos regimes de Autorização, Licenciamento e Concessão, mas, a ela estão também sujeitos os regimes de Permissão de Lavra Garimpeira e de Registro de Extração, criados após a edição da Lei 6.403/19762, que lhe deu redação. Se assim não fosse, uma área poderia ter múltipla oneração, se requerida sob diferentes regimes de aproveitamento de substâncias minerais, tornando impossível o controle de áreas oneradas pelo DNPM. A regra, todavia, não se aplica ao regime de Licenciamento, na situação a que se refere o inciso III do art. 18 do Código de Mineração1.  Neste caso, o direito de prioridade será garantido ao requerente de registro de licença a partir da data da expedição da respectiva licença municipal, desde que o requerimento do seu registro seja protocolizado no DNPM dentro do prazo de 30 dias contados a partir desta data. Se protocolizado após a mesma, o requerimento ficará sujeito à regra geral do direito de prioridade estabelecida no supracitado art. 11 do Código de Mineração1.. 2. Erros de consideração sobre a prioridade, admitidos na Lei Viu-se que o direito de prioridade à obtenção do título de direitos minerários é atribuído àquele que requerer área considerada livre na data da protocolização do requerimento no DNPM. Esta regra admite, tacitamente, o cometimento de erros na atribuição do direito de prioridade, já que área “considerada” livre envolve subjetividade e pode não corresponder, objetivamente, a área livre. Contudo, tratando-se de determinação da Lei, é válido o título de direitos minerários outorgado pela Administração eivado de erros de consideração sobre a situação da área requerida, embora a sua vigência fique sujeita à condição resolutiva da anulação do título, dentro de prazo fixado na Lei. Esses erros podem advir da incorreta localização da área requerida, quando do controle de áreas oneradas realizado pelo DNPM, ou da indevida consideração sobre a ordem cronológica dos requerimentos de títulos de direitos minerários que pleiteiam uma mesma área, ou parte dela, e consequente atribuição do direito de prioridade àquele cujo requerimento foi protocolizado posteriormente a outro(s), resultando no indeferimento deste(s) embora prioritário(s) em relação àquele.. Mesmo que a outorga do título de direitos minerários decorra de erro do administrador sobre a localização de respectiva área requerida, ou sobre a ordem cronológica de protocolização do requerimento que o pleiteou, o título prevalecerá vigente, caso a sua nulidade não for declarada oportunamente, administrativa ou judicialmente. Vale observar que a nulidade de títulos de direitos minerários outorgados com infringência de dispositivos do Código de Mineração1 é determinada no caput do art. 66 deste Código1. O § 1º, alínea “a”, do citado artigo anuncia que a anulação será promovida ex officio nos casos de imprecisão intencional da definição de áreas de pesquisa ou lavra, e o § 2º, que “Nos demais casos, e sempre que possível, o DNPM procurará sanar a deficiência por via de atos de retificação”. Todavia, a outorga de cada um destes títulos é ato administrativo de interesse tanto da Administração quanto do respectivo titular e, por isto, a sua anulação deve ser decidida no devido processo legal, conforme declarado no acórdão proferido no RE nº 158543-9, valendo citar a seguinte pare da sua ementa :    “Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular.” A respeito da anulação ou modificação do alvará de autorização de pesquisa especificamente, assim está declarado na ementa do acórdão proferido, pela Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no processo MAS 2002.34.00.003264-2/DF : “2. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, ‘o Alvará de Autorização de Pesquisa confere direitos e obrigações ao seu titular, assumindo o caráter de ato vinculado, pelo que não pode ser cancelado ou modificado, por ato unilateral da Administração, sem a observância do devido processo legal, com a garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa (Constituição Federal, art. 5°, inciso LIV)’” (AC 2001.34.00.014469-0/DF, Rel. Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro, Sexta Turma, e- DJF1 de 28/10/2008). Desse modo, ainda que a outorga do título de direitos minerários decorra de imprecisão intencional da definição de áreas, situação mencionada no § 1º, alínea “a”, do art. 66 do Código de Mineração1 e que caracteriza má-fé do agente do DNPM na localização de área titulada, sua anulação deverá ser objeto de decisão no devido processo legal, mesmo porque a má-fé não pode ser presumida, devendo ser provada. . Evidentemente, esse procedimento não é exigido em situações nulas de pleno direito, a exemplo daquela referente a título outorgado com erros que o descaracterizam, tais como o nome do titular e/ou da área titulada diferentes do nome do requerente e/ou da área objetivada no respectivo requerimento, ou daqueloutra pertinente a título outorgado em área já titulada, que não pode prevalecer em detrimento do outro preexistente. 3. Decadência do direito de anular o título minerário e implementar a condição resolutiva da titulação. A anulação do título de direitos minerários deverá, portanto, ser objeto de decisão no devido processo legal, com a garantia constitucional do contraditório e ampla defesa ao(s) interessados(s).  Mas, a anulação deverá ser pleiteada dentro de um ano, contado a partir da publicidade da outorga do título no D.O.U., prazo decadencial do direito de fazê-lo, nos termos do art. 66, caput e § 3º. do Código de Mineração1, quais sejam (grifos do autor) :   “Art. 66 – São anuláveis os Alvarás de Pesquisa ou Decreto de Lavra quando outorgados com infringência de dispositivos deste Código.  […] § 3º – A nulidade poderá ser pleiteada judicialmente em ação proposta por qualquer interessado, no prazo de 1 (hum) ano, a contar da publicação do Decreto de Lavra no Diário Oficial da União.” A referência exclusiva da Lei ao Decreto de Lavra (hoje, Portaria de Lavra), com omissão do Alvará de Pesquisa, deve ser debitada a descuido do legislador, já que ambos os títulos são mencionados no caput do supracitado art. 66, que anuncia a sua matéria. Demais disso, o art. 103, caput e § 3º, do Regulamento do Código de Mineração – RCM3 repete o art. 66, caput e § 3º, do Código1 regulamentado, acrescentando-lhe as Autorizações de Pesquisa omitidas e substituindo a referência ao Decreto de Lavra por menção a Concessões de Lavra. De resto, considerando que todos os títulos de direitos minerários têm natureza jurídica de concessão de direito real de uso de propriedade pública, instituto de que trata o art. 7º do Decreto-Lei 271/19674, em redação dada pela Lei 11.481/20075, a regra da decadência, anunciada no art. 66, caput e § 3º, do Código de Mineração1 e complementada no art. 103, caput e § 3º, do seu Regulamento3, atingirá todos. Assim, a decadência do direito da Administração de anular títulos de direitos minerários não é de cinco anos, prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/19996, pois, em face de matéria minerária, esta Lei tem caráter geral, prevalecendo, no caso, o prazo decadencial de um ano, contado a partir da publicidade da outorga do título no D.O.U., fixado no § 3º do art. 66 do Código de Mineração1, lei especial da matéria (lex especialis derrogat legi generali). O dispositivo, repita-se, decreta a impossibilidade do Poder Judiciário declarar a nulidade dos citados títulos após decorrido este prazo decadencial. A Administração Pública também deve respeito a esse prazo, ou seja, após o seu decurso são inconstitucionais as decisões administrativas de anular títulos de direitos minerários que geraram direitos e obrigações aos seus respectivos titulares. Vale lembrar que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal7 proclama que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” e, desse modo, estando o Poder Judiciário impedido de declarar a nulidade do título de direitos minerários, após um ano contado a partir da publicação da sua outorga no D.O.U., quando decai o direito de pleitear a sua nulidade em juízo, a Administração, a fortiori, também estará impedida de fazê-lo. Caso contrário, estaria dotada de poderes de julgamento legalmente excluídos da alçada do próprio Poder Judiciário. A esse respeito, o PARECER/PROGE Nº 233/20018 declara : “[…] o art. 66 do Código de Mineração encontra-se harmonizado com o espírito das leis de direito mineral que, reconhecendo a importância da mineração para o desenvolvimento sócio econômico nacional, cuidou de garantir a estabilidade do minerador para exercer suas atividades […]” “[…] anteriormente à publicação da lei 9784, a AGU, em analisando processo a respeito de direito minerário, firmou entendimento de que o prazo prescricional ora debatido era de 01 ano – PARECER 04/93.” A Doutrina é concordante a respeito da revisão de decisões administrativas, a exemplo do entendimento do insigne Celso Antônio Bandeira de Mello9 que, em seu brilhante “Curso de Direito Administrativo”, assim se refere à revisão de decisão da Administração : “Nas hipóteses em que se trate de rever uma anterior decisão sua, haver-se-á de entender, caso não haja outro prazo estabelecido, que o prazo decadencial jamais excederá àquele correspondente ao da prescrição da ação judicial de que disporia. Pois é óbvio que o termo prescritivo da ação destina-se precisamente a proporcionar a estabilização das situações jurídicas.” Também a douta Maria Sylvia Zanella Di Prieto10, na sua magistral obra “Direito administrativo” esclarece : “Desse modo, prescrita a ação na esfera judicial, não pode mais a Administração rever os próprios atos, quer por iniciativa própria, quer mediante provocação, sob pena de infringência ao interesse público na estabilidade das relações jurídicas.” 4. Conclusões Caso o título de direitos minerários tenha sido outorgado com erro(s) de consideração sobre a situação da área requerida, ou sobre a ordem cronológica da protocolização de requerimentos de títulos destes direitos objetivando uma mesma área, ou parte dela, sua vigência ficará sujeita à condição resolutiva da nulidade do título outorgado. Tal nulidade poderá ser pleiteada, por qualquer interessado dentro do prazo de um ano, contado a partir da publicidade da outorga do título no D.O.U., nos termos do art. 66, § 3º, do Código de Mineração1, complementado pelo art. 103, § 3º, do seu Regulamento3, prazo decadencial do direito do fazê-lo. O pleito da nulidade deverá ser objeto da ação judicial a que se refere o art. 66, § 3º, do Código de Mineração1, ou declarada em decisão exarada no processo administrativo de que trata o art. 68 deste Código1, instaurado ex officio ou mediante denúncia comprovada, desde que a sua instauração seja publicada no D.O.U. antes do vencimento do supracitado prazo decadencial.. Por conseguinte, aquele que se julgar prejudicado em face de errônea consideração sobre a localização de área pleiteada em requerimento de título de direitos minerários, ou da ordem cronológica de protocolização de requerimentos destes títulos envolvendo tal área, deverá pleitear a anulação do título eventualmente outorgado na mesma, mediante a interposição da ação judicial e/ou do recurso administrativo cabíveis. Deverá fazê-lo com presteza, pois, o direito não protege negligentes (dormientibus non succurrit jus) É oportuno observar que, se o requerimento de título de direitos minerários for indeferido ou a área nele pleiteada for reduzida, a área requerida e/ou a parte que lhe foi retirada, em face desta redução, poderá(ão) ficar livre(s), ser(em) requerida(s) por um terceiro e a este ser outorgado título de direitos minerários contemplando a(s) mesma(s). Neste caso, este título cristalizar-se-á como direito adquirido deste titular, se a sua nulidade não for oportunamente pleiteada e formalmente declarada. Se anulação do título de direitos minerários for pedida na via administrativa, o peticionário deverá ficar atento ao decurso do prazo decadencial do direito de pleiteá-la e, diante da proximidade do seu vencimento sem a adoção da medida administrativa que garanta a decisão do pedido, que é a publicidade no D.O.U. da instauração do processo administrativo de nulidade do título, ao qual se refere o art. 68 do Código de Mineração1, deverá propor, para garanti-la, a ação de que trata o art. 66, § 3º, do citado Código1.
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Perspectivas para o processo administrativo brasileiro
A presente obra aborda o processo administrativo brasileiro sob a visão do Estado Democrático do Direito dirigindo-se a atualizar o seu conceito e aplicá-lo de forma mais ampla até para reduzir demandas judiciais em que os entes federativos figurem como partes em processos judiciais de modo que o referido instrumento jurídico ganhe mais relevo com relação ao que se vê atualmente. Além disso será conduzida de forma menos radical possível mas sempre apoiada em argumentos de autoridades jurídicas uma vez que transformações devem ser conduzidas de forma paulatina de modo que quiçá cheguemos ao sistema dual de jurisdição igualmente ao que ocorre no sistema francês onde o Conselho do Estado Francês tem independência jurisdicional para tornar imutável objeto litigioso em que a Fazenda Pública seja parte acrescendo ao seu conteúdo inovadoras perspectivas acerca da finalidade do processo administrativo sempre objetivando emoldurá-lo às novas necessidades da sociedade hodierna. Ademais será explicitado o emprego do processo administrativo no campo prático da Administração Pública muitas das vezes tema este tormentoso para os estudantes de direito em especial àqueles que não tenham tanto traquejo nesta seara sem se esquecer é claro de sua interligação com o processo judicial havendo incorporação de institutos jurídicos típicos de demanda judicial e ainda trazendo à baila fundamentos que explanem o seu nascedouro até a sua aplicação nos casos concretos. Conclui definindo a sua importância para atuação da Administração Pública bem como apontando as vantagens de se eleger o processo administrativo em detrimento do processo judicial de modo a facilitar à sua aplicação e consequentemente atenuar os inúmeros processos que atolam o judiciário brasileiro.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O tema a ser tratado são as perspectivas do processo administrativo brasileiro. Trata-se de um assunto que se caracteriza como habitual e provecto, e, ao mesmo tempo, instigante e hodierno para os operadores do direito. Revelando-se como uma das matérias que mais provocam celeumas na comunidade jurídica e traz consigo peculiaridades intertemporais.  O processo administrativo é um instrumento jurídico que a Administração Pública se utiliza como mecanismo de legitimação democrática, pois se repele a prática que, outrora, as fazendas públicas se enveredavam, qual seja, de externar sua vontade administrativa por simples atos administrativos, os quais se caracterizam por serem atos unilaterais de vontade sem a possibilidade de participação dos interessados em influenciar a vontade administrativa, fatos estes que remontam a períodos absolutistas, nos quais a vontade do rei não poderia ser contestada e nem influenciada pelos administrados. Acresça-se ainda que com as transmudações de razões ideológicas, no qual o Estado Liberal sede espaço para o Estado Intervencionista, tornou-se o Poder Público uma figura ativa na sociedade, restando, como consequência, exigências de ajustamento de condutas dos particulares, isto é, passou-se ao agravamento de limitações às liberdades públicas, o que, de fato, evidenciaram-se maiores atuações do Estado sobre a esfera jurídica dos administrados. Hodiernamente, o processo administrativo vem sofrendo inúmeras mudanças, seja no campo legislativo, seja no modo de interpretação realizado pelo judiciário brasileiro, de maneira que o supracitado instrumento mereça um olhar mais atualizado, interligando com os institutos do processo judicial, a fim de que se coadune com a nova sistemática do Direito Administrativo moderno e supra as necessidades da sociedade com relação aos fatos que perturbem o bem-estar social. O presente trabalho irá analisar o processo administrativo não só sob suas feições peculiares, mas também combiná-lo com institutos do direito comparado, tanto nos aspectos metodológicos quanto epistemológicos, de modo a encontrar novos caminhos para os operadores do direito. Outrossim, trará à baila as últimas interpretações dos Tribunais Superiores e as novas normas promovidas pelo legislativo acerca desse mecanismo. Pode-se dizer que o processo administrativo brasileiro se consagrou como atividade administrativa obrigatória, pois, diante de uma Constituição de feições garantista e dirigente, ganha-se força a participação e a colaboração dos administrados na função administrativa, de modo a concretizar a soberania popular. Até porque, o Constituinte Originário indicou o “processo” para os três poderes, como corolário da tríplice partição dos Poderes, nos quais teremos: ao Poder Legislativo (processo legislativo), ao Poder judiciário (processo judicial) e ao Poder Executivo (processo administrativo), isto decorrente da função típica e principal de cada um dos referidos Poderes. Também proporá uma análise desarraigada do formalismo do Direito, tratando o processo administrativo como instituto a ser modificado, como foi, paulatinamente, desde a sua criação no período de antanho, bem como será analisada a possibilidade de se chegar ao contencioso jurisdicional dual, semelhante ao que ocorre no sistema francês, o que exigiria reforma do Constituinte em razão do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Desta forma, é digna de continuidade a sua crescente evolução. 1. CONCEITO E ORIGEM DO PROCESSO ADMINISTRATIVO O conceito de processo administrativo é um tema controvertido na doutrina pátria e estrangeira, embora se espraie por ser uma questão mais tangenciada a uma discussão acadêmica sem quaisquer reflexos no campo prático, cabe ao presente trabalho apontá-lo para encontrar melhor posicionamento ideológico acerca do referido instrumento. Existem duas correntes sobre processo administrativo, uma de concepção restrita, a qual acaba por restringir o campo de atuação do processo administrativo, de modo a aplicá-lo tão-somente diante de litigiosidades entre a Administração Pública e administrados ou servidores públicos; ao revés, não existindo litígio, será denominado como ato de “simples expediente”, tal entendimento é perfilhado pelos professores Hely Lopes Meirelles e Lúcia Valle Figueiredo, que denominam de processo administrativo propriamente dito caso exista direito controvertido apto a obrigar a aplicação dos princípios constitucionais do processo administrativo, entre os quais, encontram-se o contraditório e ampla defesa, assim se posiciona: “quando estivermos diante do processo administrativo, em sentido estrito (com conotação de litigância ou acusação), teremos, também, os princípios da função administrativa e, ainda, princípios peculiares do tipo que se desenvolver – portanto, princípios do processo civil ou do processo penal.”[1] Por outro lado, subsiste a corrente majoritária, com a qual se concorda, que tem concepção ampla no conceito de processo administrativo cujo sentido se extraí posicionamento que se amolda ao ideário de Constituições de feições garantista, como a nossa, de modo a concretizar o Estado Democrático de Direito e, via de consequência, subsista uma processualização no campo de atuação da Administração Pública na quase totalidade de suas manifestações. “A vantagem em se defender essa visão ampla do processo administrativo é trazer para todas as manifestações de desempenho da função administrativa importantes garantias para os administrados, encartadas, sobretudo, pela maior visibilidade na atuação estatal. Trata-se de mudança que objetiva superar o que os autores denominam ‘visão apertada’, na qual o indivíduo não tem lugar, a não ser que o próprio Estado permita, ou seja, em que há exclusividade no exercício da atividade administrativa dentro de ma estrutura burocrática impermeável, arredia a sugestões e ancorada na crença da infalibilidade”.[2] Também criticam o entendimento da corrente de acepção restrita, no que tange ao conceito de processo administrativo, os professores Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, que assim dispõem: “Não é defensável distinguir dois graus ou modelos de processo administrativo: um primeiro, composto pelos processos não revisivos, não sancionatórios, não punitivos, para os quais não seria aplicável, na íntegra, a pauta constitucional e axiológica deduzida, uma espacialidade em que a Administração desenvolveria as etapas sem publicidade, motivação, contraditório etc.; e um segundo grau ou modelo, constituído por processos revisivos, sancionatórios, punitivos, para os quais – aí, sim, e só então – impostergáveis e publicidade, a fundamentação etc”. [3]    De modo mais objetivo, assim sintetiza o Professor Carlos Ari Sundfeld: “uma lei geral de processo administrativo não regula apenas os chamados processos administrativos em sentido estrito, mas toda a atividade decisória da administração, sem exceções.”[4] No entanto, vale ressaltar que mesmo a corrente de concepção ampla entende que será determinante o processo administrativo para atos que possam ocasionar reflexos na esfera jurídica de terceiros, isto é, não cabe a instauração de processo administrativo para atos meramente ordinatórios, de mero expediente administrativo, muito comum sua materialização ser transmitida por circulares, comunicações, entre outros; o que se caracterizam, mais precisamente, de surtirem efeitos dentro do próprio bojo das repartições públicas. Outrossim, ainda existe a celeuma acerca da terminologia desse instrumento, isto é, denomina-se de “processo administrativo” ou “procedimento administrativo”, sendo debate meramente acadêmico e que, quase a totalidade da doutrina administrativista, aceita como correta o termo “processo”, e não procedimento, uma vez que este é o rito e aquele é a própria concatenação de atos, bem como pelo fato de a própria Constituição Federal em seu artigo 5º, LV, referir-se expressamente o vocábulo “processo administrativo” Como bem explana o jurista Edmir Netto de Araújo: “Assim como a lei é o resultado de vários atos encadeados em sequência lógica em direção a esse objetivo (processo legislativo); da mesma forma como a sentença é o resultado do processo judicial, também o ato administrativo é o resultado de um processo (em sentido lato) administrativo, intergrado por seus vários passos.”[5] E arremata, o célebre jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, em breve síntese sobre o assunto: “Por conseguinte, cada ato cumpre uma função especificamente sua, em despeito de que todos coparticipam do rumo tendencial que os encadeia: destinarem-se a compor o desenlace, em um ato final, pois estão ordenados a propiciar uma expressão decisiva a respeito de dado assunto, em torno do qual todos se polarizam.”[6] Embora tais divergências doutrinárias acerca do conceito e terminologia do processo administrativo não chegam a afetar o seu campo prático de aplicação, tem mais sentido em estudá-los até para averiguar o perfil ideológico dos doutrinadores pátrios, de modo a ampliar ou não a incidência da instauração do processo administrativo, assim como para conduzir novas diretrizes a serem perseguidas pela Administração Pública, pois, como já dito, a concepção ampla de processo administrativo configura instrumento de legitimação democrática, de modo a trazer os indivíduos junto à Administração Pública e corroborar com maior intensidade na busca da verdade material, que é de essencial importância na atividade administrativa. Desse modo, o processo administrativo deve ser visto como mecanismo imprescindível aos indivíduos, não podendo ser restringido a objetos litigiosos, deve ser empregado, com todas as consequências e aplicações próprias dos princípios do processo administrativo (que será analisado por este trabalho no tópico seguinte), aos processos não litigiosos, como: consulta fiscal; consulta pública; audiência pública, o que traz maior segurança jurídica às decisões que serão tomadas pela Administração Pública. “Diante deste fenômeno do agigantamento do Estado e, mais do que isto, do agigantamento da Administração, que passou a intervir avassaladoramente na vida de cada cidadão, a resposta adequada e natural para impedir-lhe o amesquinhamento e buscar preservar, o quanto possível, o equilíbrio entre ambos teria de ser o asseguramento da presença do administrado no circuito formativo das decisões administrativas que irão atingi-lo. Com isto também se enseja maior descortino para as atuações da Administração, pois esta agirá informada, também, pela perspectiva exibida pelo interessado, o qual pode acender luzes prestantes para avaliação mais completa do assunto que esteja em causa”.[7] Com isso, registra-se um enfoque dinâmico da função administrativa, nos quais são substituídas configurações de simples atos administrativos para a materialização de atividades administrativas, consoante bem ensina o jurista Marçal Justen Filho: “A função administrativa se manifesta dinamicamente como o desenvolvimento de um conjunto ordenado de atividades, exigindo uma estrutura organizada e permanente de bens e de pessoas. A satisfação das necessidades coletivas, que justifica a atribuição de competências extraordinárias ao Estado e a institucionalização da própria função administrativa, exige essa estrutura material de bens e esse conjunto de pessoas. Mais ainda, a função administrativa apenas é executada de modo satisfatório na medida em que se traduza numa seqüência ampla de ações ordenadas de modo a produzir as providências abstratas e as utilidades materiais adequadas”.[8] O processo administrativo tem como origem a contenção de Poder, fruto de teorias e ideologias próprias da ideia de constitucionalismo, que tem como base de pensamento e se ergue sobre o princípio do governo limitado, ou seja, assegura a limitação do Poder com fins garantísticos, equilibrando assim o relacionamento entre liberdade e autoridade. Essa possibilidade de intermediação dos indivíduos na formação da vontade estatal é inerente ao próprio sentido de um sistema constitucional que alberga o regime de Estado Democrático de Direito, rompendo-se “com a exclusividade da direção do Estado no exercício da atividade administrativa e representa a contenção do poder pessoal das autoridades públicas.”[9] Por outras palavras, o processo administrativo é instrumento jurídico de democracia que conduz a mitigação de formas impositivas e unilaterais do Poder Público, de modo que os administrados venham a ter participações ativas nos resultados proferidos pela Administração Pública, pois não só contribuem para esse desiderato como também se reivindicam rumos autênticos de interesse público, ou seja, haverá verdadeira gestão social na atividade administrativa. Todavia, o processo administrativo não erige apenas como forma de limitação do Poder Público, igualmente, serve como mecanismo para materializar o próprio poder hierárquico (processos disciplinares sobre seus servidores) e poder de polícia (sancionatório a todos administrados), pois ele se instaura de ofício pela Administração Pública como condição de validade dos atos administrativos punitivos, o que configura exercício de controle da Administração Pública. Como bem pondera o Professor José dos Santos Carvalho Filho: “O poder que tem a Administração de estabelecer suas diretrizes, suas metas, suas prioridades e seu planejamento para que a atividade administrativa seja desempenhada da forma mais eficiente e rápida possível. Nesse ponto, não se pode perder de vista que o único alvo da atividade administrativa tem que ser o interesse público, e, sendo assim, é este mesmo interesse que estará a exigir o controle da Administração, não somente em sede de legalidade, mas também no que diz respeito aos objetivos a serem alcançados através da função de gerir os negócios da coletividade.”[10] Até porque a ideia de Poder vem ao seu lado o Dever (poder-dever), fato este que condiciona o exercício dos poderes da Administração Pública, dentre eles, encontra-se a necessidade de instauração de processo administrativo, assegurando ao destinatário do ato os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e moralidade administrativa (julgador imparcial). Denota-se que o regime jurídico administrativo submete-se a duas bipolaridade que se completam num verdadeiro “freios e contrapesos”, quais sejam, prerrogativas e sujeições, conforme ensina a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Ao mesmo tempo em que as prerrogativas colocam a Administração em posição de supremacia perante o particular, sempre com o objetivo de atingir o benefício da coletividade, as restrições a que está sujeita limitam a sua atividade a determinados fins e princípios que, se não observados, implicam desvio de poder e consequente nulidade dos atos da Administração”.[11] No Brasil, as sanções a serem aplicadas pela Administração Pública devem ser precedidas de processo administrativo, conforme determina os incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal, a não ser que a restrição à liberdade pública do indivíduo seja de tamanha urgência que com fim de não lesionar e se tornar inúteis os interesses maiores da coletividade seja praticado o ato administrativo sancionatório (ex. demolição) de imediato, havendo o exercício do contraditório a posteriori (diferido). “Se o ato sancionatório de polícia não tiver propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir as provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legalidade, devendo ser corrigido na via administrativa ou judicial. Como se trata de processo acusatório, deve reconhecer-se a incidência, por analogia, de alguns axiomas consagrados no âmbito do Direito Penal e Processual Penal.”[12] Não obstante esses preceitos serem de observância obrigatória quando o poder de polícia era visto como instrumento de manutenção da ordem pública, onde traduzia imposições de restrições aos indivíduos e que, por isso, seria indiscutível a determinação de instauração de processo administrativo para assegurar a defesa do suposto infrator. Esse conceito perdeu finalidade unívoca, eis que, com a nova visão do poder de polícia como instrumento para proteção de direitos fundamentais, ganhou-se novos ares, via de consequência, o processo administrativo, o qual almeja a objetivos prestacionais, através do direito de petição dos administrados, instaura-se para promoção dos direitos fundamentais como corolário do Estado Democrático de Direito. Valendo-se da lição do professor Marçal Justen Filho que revelou em seu livro um caso famoso, conhecido como “arremesso de anões”, em que o Conselho do Estado Francês se deparou para ser julgado e esta Corte Administrativa acabou por exarar um valioso precedente jurisdicional, senão vejamos: “Uma discoteca promovia uma espécie de ‘competição’, consistente em ‘arremesso de anões à distância’. Não havia risco à integridade física dos interessados, os quais se prestavam a participar da atividade mediante remuneração. A municipalidade proibiu a atividade, invocando o poder de polícia. O Conselho de Estado reconheceu que o poder de polícia é orientado, também, à proteção da dignidade da pessoa humana”.[13] Diante desse novo enfoque do poder de polícia juntamente com a participação ativa dos administrados junto à Administração Pública, no qual se instrumentaliza através do processo administrativo, vê-se que houve uma evolução social no modo em que os indivíduos incitam o Poder Público a praticar atos, seja para serem beneficiados – como pelas denominadas sanções premiais, cujo exemplo se tem com a chamada “denúncia espontânea” estabelecida no âmbito dos processos administrativos fiscais (artigo 138 do Código Tributário Nacional) -, seja para cessarem condutas violadoras, recompondo-se o administrado ao regime da legalidade – é o que ocorre com os denominados Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) – que se originam de um processo administrativo. Foi o que observou o mesmo jurista citado acima: “A Administração Pública passou a emitir providências de polícia de modo concertado com os particulares. Assim, não são incomuns acordos de regulação ou cessação de condutas, em que o particular se compromete a adotar certas providências ou a cessar determinadas práticas e, em contrapartida, a Administração Pública restringe ou delimita suas decisões derivadas da competência de poder de polícia.”[14] Cabe configurar por ilustrações a evolução do processo administrativo que acompanhou o próprio desenvolvimento das teorias e ideologias de movimentos constitucionalistas, observando que tal comparativo foi percebido pelo autor do presente trabalho, sendo que não, necessariamente, vinculam-se no mesmo período, mas se interligam por ideologias que concretizam valores da dignidade da pessoa humana. Demonstra-se num crescente que se impõe, aos gestores público, a programarem políticas públicas sem necessidade de intervencionismo do Poder Judiciário, o qual, alhures, será rebatido no presente trabalho, que se apoiará na imprescindibilidade de uma jurisdição administrativa. É o que se vislumbra: Destarte, o instituto do processo administrativo pode se alinhar com os movimentos constitucionais, em especial quanto ao aspecto de garantidores dos direitos fundamentais, conforme se vê o conceito de tal ideologia e sua respectiva evolução: “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.”[15] E continua o Professor da Faculdade de Direito de Coimbra, diferenciando constitucionalismo antigo do moderno: “Constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos […]. Constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos ou consuetudinário, alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder.”[16] Já o conceito de neoconstitucionalismo, assegurada pela doutrina da efetividade, é muito bem seguida pelo professor Luís Roberto Barroso, que assim se explica: “De base pós-positivista e voltadas para a fundamentalidade material da norma. Entre nós – talvez diferentemente do que se passou em outras partes -, foi a partir do novo patamar criado pelo constitucionalismo brasileiro da efetividade que ganharam impulso os estudos acerca do neoconstitucionalismo e da teoria dos direitos fundamentais.”[17] 2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS AO PROCESSO ADMINISTRATIVO Não há como indicar a evolução do mecanismo jurídico: processo administrativo, sem precisar os principais princípios constitucionais aplicados a ele. O presente trabalho norteará, tão-somente, em relação a alguns dos princípios aplicáveis ao processo administrativo, pois a doutrina administrativista revela numerosos princípios, não havendo unanimidade acerca de quais sejam. Neste caso, serão pincelados aqueles em que não haja discussão quanto a sua exigência, eis que extraídos do próprio texto constitucional. Com a Constituição Federal de 1988, o processo administrativo ganhou novos ares democráticos, que até então não se via em Constituições pretéritas, notadamente quanto às exigências do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, além é claro de incorporar instrumentos do direito alienígena, como, por exemplo, o exercício do controle social sobre atividades administrativas. Até porque, a finalidade do processo administrativo é proporcionar melhores condições para Administração Pública em buscar decisões que se amoldem ao interesse público, dentre os quais, encontra-se o exercício de atuações legítimas, isto é, dentro da legalidade ou, melhor dizendo, de acordo com a doutrina contemporânea, atuar em prol do princípio da juridicidade. A professora Odete medauar nos ensina as finalidades do processo administrativo numa linha trajetória em favor da Administração Pública e outra sob o ângulo dos administrados, conforme dispõe: “O processo instituído implica organização racional da edição de muitos atos administrativos. Sistematizam-se, desse modo, várias atividades. Sob o ângulo da Administração, representa meios de simplificar práticas, pois não se pode pedir a cada servidor que invente a cada questão que surge, todas as medidas que devam ser dotadas. Para o administrado, permite o conhecimento do modo de exercício de funções administrativas, em contraste, assim, com funções não processualizadas, cujo modo e exercício dificilmente se dá a conhecer. A colaboração dos sujeitos e o conhecimento do modo de atuação administrativa, decorrentes do esquema processual, facilitam o controle por parte da sociedade, do Poder Judiciário e de todos os outros entes que fiscalizam a Administração”.[18] Todavia, antes de serem especificados os princípios que recaem sobre o tema do presente trabalho, necessário se faz advertir o conceito e o alcance de aplicação dos princípios, os quais, até pouco tempo atrás, eram utilizados só como instrumento de interpretação e supridores de lacunas legislativas. Com o surgimento da corrente pós-positivista, evoluiu-se a concepção de princípios, tornando-os espécies normativas juntamente com as regras, a diferença entre ambos se reflete ao modo de aplicação, pois, conforme palavras do jurista alemão, Robert Alexy, que se tornou ditado corrente na comunidade jurídica, ‘os princípios são verdadeiros mandados de otimização’ e podem ser aplicados em diferentes graus, enquanto que as regras se aplica a máxima do “vale ou não vale” entre elas, além de não existir aplicação em diferentes graus, ou seja, devem ser cumpridas exatamente como elas estabelecem. Consoante bem informa o professor português da Universidade de Lisboa, Jorge Miranda: “Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio Direito positivo); também eles – numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas e absolutizantes das fontes legais – fazem parte do complexo ordenamental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão-somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e em normas-regras.”[19] Há de se destacar que os princípios exercem o papel de ordenarem o Direito, eis que do conjunto do ordenamento jurídico é que se extraem os princípios, isto é, são verdadeiros baluartes informadores das concepções seguidas por um determinado ordenamento jurídico. Nesse sentido, os princípios têm o reconhecimento de explicar e fundamentar a validade e efetividade de uma norma-regra, pois se esta dissociar do próprio plexo do ordenamento jurídico restará vaticinada para sua invalidade. Também é o que ensina o professor Jorge Miranda: “O direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de actos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto significativo, e não conjunção resultante de vigência simultânea; implica coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; projecta-se em sistema; é unidade de sentido, é valor incorporado em norma. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor projecta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos.”[20] 2.1. DEVIDO PROCESSO LEGAL O princípio do devido processo legal emerge do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Hodiernamente, existe a concepção substancial e formal do devido processo legal, sendo que a acepção substancial está relacionada aos processos jurídicos de emissão de comandos normativos, denotando limitação no seu exercício com a aplicação dos denominados postulados normativos de aplicação de normas, quais sejam, razoabilidade e proporcionalidade. Já a concepção formal, que é objeto do presente trabalho, refere-se à necessidade de se observar os trâmites estabelecidos pelos preceitos legais, antes do Poder Público afirmar sua posição diante de um caso concreto, possibilitando assim a participação dos indivíduos na formação da melhor decisão a ser tomada pelo Estado. Portanto, o princípio do devido processo legal é expressão dos princípios da legalidade e do Estado Democrático de Direito. Assim afirma a professora Fernanda Marinela: “Por tais razões, tendo em vista a ligação substancial entre o devido processo legal e o Estado Democrático de Direito, eis que um Estado não pode ser de direito e muito menos democrático se não confere ao cidadão os instrumentos necessários ao exercício dos mais diversos direitos, sejam eles coletivos ou individuais, que a Lei Fundamental consagra. É evidente que o Estado, entendido na sua mais abrangente acepção, está adstrito à observância dos preceitos inerentes ao devido processo legal, pois este não constitui uma mera faculdade, mas sim um dever, uma regra imperativa”.[21] Nesse passo, qualquer atuação da Administração Pública que venha a repercutir negativamente na esfera jurídica do indivíduo, cabe, em respeito ao princípio do devido processo legal, a instauração prévia de processo administrativo. Evoluindo a própria concepção do sistema, adverte o professor José dos Santos Carvalho Filho, que o devido processo legal dever ser aplicado tanto no processo administrativo litigioso quanto no processo administrativo não litigioso, nesse ponto ele diz: “Em relação ao processo administrativo, o princípio do devido processo legal tem sentido claro: em todo o processo administrativo devem ser respeitadas as normas legais que o regulam. A regra, aliás, vale para todo e qualquer tipo de processo, e no caso do processo administrativo incide sempre, seja qual for o objeto a que se destine. Embora se costume invocá-lo nos processos litigiosos, porque se assemelham aos processos judiciais, a verdade é que a exigência do postulado atinge até mesmo os processos não litigiosos, no sentido de quês nestes também deve o Estado respeitar as normas que sobre eles incidam”. [22] Tema de elevada importância no direito previdenciário e que havia consigo grande celeuma na jurisprudência pátria é o desfazimento de ato administrativo que concedeu o benefício previdenciário da aposentadoria ao administrado, mas, no exercício da autotuela, a Administração Pública acabava por anular o referido benefício em razão da ilegalidade do ato que o concedera. Indagava-se se em virtude do ato ilegal o Poder Público de imediato poderia revogar o benefício de aposentadoria, até porque os pagamentos ali realizados terem natureza alimentar, de modo que se insiram na qualidade de verbas irrepetíveis; ou, pelo contrário, em prol dos princípios da boa-fé e da confiança legítima, a Administração Pública deveria instaurar previamente o processo administrativo, à luz do devido processo legal, assegurando a participação do interessado na formação da vontade estatal. O Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre esse caso e concluiu em favor do princípio do devido processo legal, senão vejamos: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. LEI N. 2.271/94 DO ESTADO DO AMAZONAS. LEI INCONSTITUCIONAL. EFEITOS. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. ART. 37, CAPUT, DA CB. ATO ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO. INTERESSES INDIVIDUAIS. DEVIDO PROCESSO LEGAL. 1. Este Tribunal firmou entendimento no sentido de que os proventos regulam-se pela lei vigente à época do ato concessivo da aposentadoria, excluindo-se do desconto na remuneração as vantagens de caráter pessoal. É plausível a tese do direito adquirido. Precedente. 2. Embora a lei inconstitucional pereça mesmo antes de nascer, os efeitos eventualmente por ela produzidos podem incorporar-se ao patrimônio dos administrados, em especial quando se considere o princípio da boa-fé. 3. Para a anulação do ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais é necessária a instauração do devido processo legal. Precedente. Agravo regimental a que se nega provimento.”[23](grifo nosso) Nota-se que, em tese, houve colisão entre os princípios da indisponibilidade do interesse público e da legalidade, em um dos lados, e, do outro, os princípios do devido processo legal e da confiança legítima. Nesse caso, a Suprema Corte acabou por, num juízo de sopesamento de valores constitucionais, preponderar em favor dos dois últimos princípios supracitados, consoante a técnica de ponderação ensinada por Robert Alexy.  2.2. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão previstos no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que assim dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Percebe-se que ambos (processo administrativo: litigioso ou não) decorrem do princípio do devido processo legal na sua acepção formal, pois se caracterizam pela possibilidade dos indivíduos utilizarem todos os meios de defesa admitidos em direito dentro de um processo administrativo, a fim de acrescentar na formação de vontade da Administração Pública, o qual será bem aceito por esta, até porque ela se envereda na busca da verdade material. O contraditório é instrumento indispensável em países que adotam o modelo do Estado Democrático de Direito, “reconhece-se que o contraditório é a democracia no processo, que consiste no direito à participação, o que se opera com a realização de tal regra. Esse princípio deve ser visto como manifestação do exercício democrático de um poder.”[24] Há de salientar que a doutrina costuma analisar o princípio do contraditório sob dois vieses: uma de acepção formal – que é a garantia de participação do interessado no processo administrativo (comunicação, participar de audiência, possibilidade de fazer carga dos autos, etc.) – e outro de acepção material – que é a garantia de poder influenciar na decisão a ser proferida pelo órgão administrativo julgador. Com isso, não basta a mera participação do interessado no processo, mas se exige que ele seja ouvido e que possa ter condições de influenciar no poder de decisão da autoridade administrativa julgadora, o que traduz a orientação defendida, no presente trabalho, no sentido de que o processo administrativo seja um instrumento de legitimidade democrática, olhando o interessado não como um mero “administrado” (que tem conotação de subordinação), ao revés, seja ele visto como cidadão, de modo a cooperar com a Administração Pública nas decisões a serem tomadas, porquanto o verdadeiro Poder é do povo. Já a ampla defesa é própria de Estados que se autolimitam, pois ela deve possibilitar aos interessados o máximo de mecanismos para ofertarem sua defesa, tais como: direito de vistas ao processo, direito à informação, produção de prova, direito de ter defesa técnica, etc; não podendo afastar a participação dos interessados na atividade processualística através de obstáculos ilegítimos, como exigência de arrolamentos prévios de bens para participar no processo administrativo. Prática esta muito difundida no Brasil, no qual o Supremo Tribunal Federal teve que eliminar esta atuação abusiva dos entes federativos, consoante enunciado da Súmula Vinculante nº 21, que assim define: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.”[25] Como visto, a ampla defesa acaba por se confundir com a definição do contraditório na sua acepção material, que é o poder de influência nas decisões a serem proferidas pelo órgão julgador, consoante o posicionamento da doutrina processualística moderna. É o que ensina o professor Fredie Didier Júnior:”Atualmente, tendo em vista o desenvolvimento da dimensão substancial do princípio do contraditório, pode-se dizer que eles se fundiram, formando uma amálgama de um único direito fundamental.”[26] Em atendimento aos princípios aqui relacionados, a Lei Federal nº 9.784/99, em seu artigo 3º, assegura aos administrados os seguintes direitos: “Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: I – ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;  II – ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;  III – formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente; IV – fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei”[27] Também nesse mesmo sentido a Lei do Estado de São Paulo nº 10.177/1998, em seu artigo 22, assim dispõe: “Artigo 22 – Nos procedimentos administrativos observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência de publicidade, do contraditório, ampla defesa e, quando for o caso, do despacho ou decisão motivados. § 1.º – Para atendimento dos princípios previstos neste artigo, serão assegurados às partes o direito de emitir manifestação, de oferecer provas e acompanhar sua produção, de obter vista e de recorrer. § 2.º – Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.”[28] Como já dito, a própria definição da ampla defesa ou do contraditório na sua acepção material, que é o “poder de influência”, exige a garantia de que o interessado possa deter conhecimentos jurídicos suficientes para debater em pé de igualdade com a parte contrária (paridade de armas), de maneira a intuir a autoridade julgadora para que aja de acordo com as normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto. Nesse ponto, ressoa indispensável assegurar defesa técnica para o interessado, pois a sua dispensabilidade resultam em prejuízos técnicos e, consequentemente, acaba por assumir responsabilidades que não deveriam ser determinadas. Nessa entoada, o Superior Tribunal de Justiça afirmava pela necessidade de participação de advogado constituído ou dativo no âmbito do processo administrativo, sob pena de ferir o contraditório e a ampla defesa, acarretando nulidade no processo: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. DEFESA TÉCNICA CONSTITUÍDA APENAS NA FASE FINAL DO PROCEDIMENTO. INSTRUÇÃO REALIZADA SEM A PRESENÇA DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL INOBSERVADOS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. 1. Apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído – como existe no âmbito do processo penal –, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. 2. A constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 3. O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental. Precedentes. 4. Mandado de segurança concedido para declarar a nulidade do processo administrativo desde o início da fase instrutória e, por conseqüência, da penalidade aplicada”. (grifo nosso)[29] Todavia, o Supremo Tribunal Federal consolidou jurisprudência diametralmente oposta no sentido da prescindibilidade de defesa técnica no âmbito do processo administrativo, inclusive os de índole disciplinar, tal posicionamento resultou na publicação do enunciado de Súmula Vinculante nº 5: "A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição."[30] 2.3. OFICIALIDADE No âmbito administrativo, sempre se cunhou sua diferença do processo judicial em razão da possibilidade de instauração ex officio, isto é, sem necessidade de provocação de qualquer indivíduo estranho aos quadros da administração pública, possibilitando ainda o impulso necessário do processo administrativo independentemente da vontade das partes.  Enquanto que no processo judicial, em regra, adota-se o modelo dispositivo – onde o Poder Judiciário só poderá atuar mediante instauração de processo instaurado pelas partes. A exceção é o procedimento especial do inventário e partilha, no qual o juiz poderá instaurar de ofício (artigo 989 do CPC/1973), embora esta última regra não mais se adotará com o novo CPC/2015 (artigos 615 e 616 do CPC/2015), que afastou a instauração de ofício pelo juiz no procedimento do inventário, mas inovou ao possibilitar que juiz tome a iniciativa de instauração no procedimento especial de restauração de autos (artigo 712 do CPC/2015) . Por outro lado, mesmo no processo judicial, adota-se o modelo inquisitivo, como regra, após o juiz ser inicialmente provocado, como, por exemplo, a possibilidade do juiz determinar a produção de provas ex officio, consoante leitura do artigo 130 CPC/1973 e artigo 370 CPC/2015. A própria doutrina sempre definiu o princípio da oficialidade como mecanismo de a Administração Pública agir ex officio, em todas as fases do processo administrativo, demonstrando a incorporação exclusiva do modelo inquisitivo (logicamente não afastando a possibilidade de instauração do processo pelos particulares), ou seja, não seguiu um modelo até de certa forma híbrido do processo judicial. “O princípio da oficialidade autoriza a Administração a requerer diligências, investigar fatos de que toma conhecimento no curso do processo, solicitar pareceres, laudos, informações, rever os próprios atos e praticar tudo o que for necessário à consecução do interesse público. Portanto, a oficialidade está presente: 1. no poder de iniciativa para instaurar o processo; 2. na instrução do processo; 3. na revisão de suas decisões.”[31] A Lei Federal 9784/99 em seu artigo 5º expressamente adota o princípio da oficialidade, que assim dispõe: “O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado.” Embora seja pacífico o princípio em questão no âmbito dos processos administrativos, cabe incorporar o modelo da cooperação, isto é, deve-se agregar ao princípio da oficialidade, também, o princípio da cooperação, no qual haverá um hígido diálogo processual entre os interessados e a Administração Pública durante todo trâmite do processo administrativo, o que intensifica o tratamento da ideologia aqui perseguida de que o processo administrativo é um instrumento de legitimidade democrática. Abeberando-se das lições dos processualistas judiciais, que modernamente vem indicando este novo modelo cooperativo no âmbito judicial, o professor Fredie Didier Jr. assevera no seguinte sentido: “A condução do processo deixa de ser determinada pela vontade das partes (marca do processo liberal dispositivo). Também não se pode afirmar que há uma condução inquisitorial do processo pelo órgão jurisdicional, em posição assimétrica em relação às partes. Busca-se uma condução cooperativa do processo, sem destaques a algum dos sujeitos processuais. O modelo cooperativo parece ser o mais adequado para uma democracia. […] Disso surgem deveres de conduta tanto para as partes como para o órgão jurisdicional, que assume uma ‘dupla posição’: mostra-se paritário na condução do processo, no diálogo processual, e ‘assimétrico’ no momento da decisão; não conduz o processo ignorando ou minimizando o papel das partes da ‘divisão do trabalho’, mas, sim, em uma posição paritária, com diálogo e equilíbrio. A cooperação, corretamente compreendida, em vez de ‘determinar apenas que as partes – cada uma para si – discutam a gestão adequada do processo pelo juiz, faz com que essas dele participem”.[32] Anota-se que esse novo modelo de cooperação foi expressamente incorporado pela Lei 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil) em seu artigo 6º, que assim estabelece: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”, associando-se ainda aos modelos tradicionais de organização do processo (dispositivo e inquisitivo) que continuam sendo mantidos, consoante dispõe o artigo 2º do referido diploma: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.” Com efeito, conforme explicitados alhures, deve-se acrescentar (ou melhor, agregar) os princípios da oficialidade e da cooperação na seara do processo administrativo, eis que revelará a concretização do Estado Democrático de Direito no contencioso administrativo, ainda que expressamente não se encontre nas leis procedimentais de cada ente federativo a indicação do modelo cooperativo, este exsurge do princípio da boa-fé objetiva, pois os deveres de cooperação têm desdobramentos nos deveres de lealdade, proteção e informação, além disso, a Lei Federal nº 9784/99, expressamente incorpora tais cláusulas gerais de comportamento nas relações processuais entre os administrados e a Administração Pública, artigo 2º, incisos IV, VI e VIII; artigo 3º, inciso I; e artigo 4º, incisos II e IV. 2.4. MOTIVAÇÃO O princípio da motivação é muito estudado na doutrina administrativa no campo dos atos administrativos, embora sua base legal se encontre em leis de processo administrativo dos entes federados, notadamente na lei federal nº 9784/99, em seu artigo 2º, que estabelece como um dos princípios a serem seguidos no âmbito do processo administrativo. O fato é que os atos administrativos compõe todo o processado, ou seja, o conjunto de atos administrativos concatenados ao fim decisório da Administração Pública denomina-se “processo administrativo”. Seu resultado decorre de tratamento constitucional, o qual impõe a exigência de motivação nas decisões administrativas no Poder Judiciário, que, naturalmente, reflete-se no âmbito dos demais Poderes, conforme dispõe o artigo 93, X, da Constituição Federal: “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;” Todavia, parte da doutrina, não concorda com a obrigatoriedade da motivação dos atos administrativo, “no que se refere à motivação, porém, temos para nós, com o respeito que nos merecem as respeitáveis opiniões dissonantes, que, como regra, a obrigatoriedade inexiste.”[33]" E, continua o mesmo autor, fundamentando suas razões de não se aplicar a exigência de motivação dos atos administrativos, “Por fim, é importante destacar que o art. 93, X, se situa no capítulo constitucional destinado ao Poder Judiciário. Assim, mesmo que se entenda que o texto exige de fato a motivação, a exigência envolveria apenas os atos do Poder Judiciário, sem alcançar, por conseguinte, os praticados no âmbito do Poder Executivo.”[34] Respeita-se a opinião do emérito jurista mencionado, mas não se concorda com o seu posicionamento, até porque o dever de a Administração Pública motivar os seus atos decorre diretamente do Estado Democrático de Direito, bem como para o completo exercício do interessado no campo da ampla defesa e do contraditório. Também corrobora com esse entendimento a grande maioria da doutrina do direito administrativo, com a segura palavra de todos, representados pelo jurista carioca Alexandre Santos de Aragão: “O que importa é que a motivação (e a sua publicidade) seja suficiente para possibilitar o controle sobre o ato e o debate sobre o seu conteúdo. Nesse ponto vemos a clara relação do Princípio da Motivação com o Estado Democrático de Direito, que deve sempre poder ser controlado, e com o devido processo legal e a ampla defesa, já que, sem conhecer a causa de um ato, não há como impugná-lo”.[35] 2.5. MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E IMPARCIALIDADE A moralidade administrativa é conceito de moral jurídica, e não de moral comum, pois sua condução ética é analisada de acordo com as regras de conduta erigidas da própria Administração Pública, pensando nisso, o Presidente da República baixou o decreto federal nº 1.171/1994, que disciplina o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, que, em seu anexo, foram extraídas regras deontológicas, entre as quais se preocupou em definir o conceito vago “moralidade administrativa”: “III – A moralidade da Administração Pública não se limita à distinção entre o bem e o mal, devendo ser acrescida da idéia de que o fim é sempre o bem comum. O equilíbrio entre a legalidade e a finalidade, na conduta do servidor público, é que poderá consolidar a moralidade do ato administrativo”.[36] A moralidade administrativa acaba por interligar com outros princípios de natureza igualmente constitucional: impessoalidade e imparcialidade, eis que para se observar o princípio da moralidade administrativa não basta o estrito cumprimento da legalidade que, muitas vezes, não se consolida o interesse público primário (conforme definição de Renato Alessi), pois em certos casos o que é legal – em razão de estar previsto num instrumento normativo –, não será dito como legítimo em virtude de questões dissonantes da razoabilidade e justiça. Percebe-se que o princípio da moralidade administrativa expõe a reaproximação do direito e da ética/moral, até então se enveredaram por trajetórias apartadas, aquela estudada pelas ciências jurídicas enquanto as últimas elucubradas por outras ciências (sociologia, filosofia, etc.). A necessidade de se aplicar o princípio da moralidade administrativa é de tão importância na realidade presente, pois, em decorrência da dinamicidade recorrente na sociedade, dita de massa e globalizada, as normas acabam sendo emitidas através de conceitos vagos, abertos (cláusulas gerais e conceito jurídico indeterminado). Conforme bem precisou o professor Alexandre de Moraes, declinando a verdadeira acepção de moralidade administrativa: “Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da estrita legalidade, devendo ele, no exercício de sua função pública, respeitar os princípios éticos de razoabilidade e justiça, pois a moralidade constitui, a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da administração pública”.[37] Como já dito, a moralidade administrativa se interliga, de forma muito próxima, da impessoalidade e imparcialidade, indicando assim o modo em que o agente público deve se comportar. Na impessoalidade, em virtude da própria adoção da teoria do órgão (ou da imputação) cujo comportamento do agente público, em razão de seu ofício, é sempre imputado ao Estado. Visto que, o servidor só externa a vontade estatal, até porque é mero gestor da res publica, sucedendo sua obrigação de agir com escopo de buscar a melhor forma de satisfazer o interesse público, e não se desviar para patrocinar interesses privados. Também é o que pensa o professor Gustavo Mello Knoplock: “Por outro lado, e mais nitidamente, pecebe-se que o agente público deve agir sempre de forma impessoal, imparcial, isenta, sempre buscando o bem da coletividade, e não o seu interesse pessoal. Dessa forma, a finalidade da atuação administrativa deve ser sempre o interesse público, e nunca o interesse pessoal, razão pela qual se pode dizer que o princípio da impessoalidade é também denominado de princípio da finalidade.”[38] Já a imparcialidade é inerente à competência de atuação do agente público, especialmente no âmbito de um processo administrativo, onde a controvérsia administrativa deve ser resolvida em prol do melhor interesse público e da busca da verdade real (e não meramente formal). A imparcialidade do julgador é bem definida pelo processo judicial, onde o legislador sempre se preocupou por uma atuação proba e leal do juiz, inclusive a imparcialidade é sentida tanto por circunstâncias impeditivas – esta, especialmente, é considerada de natureza de ordem pública, o que possibilita a rescisão da coisa julgada material –, quanto por situações de suspeição – embora de menor alcance se comparado aos atos impeditivos. A grande distinção é bem defendida pelo jurista Fredie Didier Jr.: “As hipótese de impedimento (art. 134 do CPC) dão ensejo à nulidade do atos, pois há uma presunção iure et de iure de que o magistrado não tem condições subjetivas para atuar com imparcialidade. É vício que pode ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição (à arguição de impedimento não se aplica o prazo de quinze dias previsto em lei para ingressar com exceção instrumental), além de poder ser reconhecido ex officio pelo magistrado. O vício é tão grave que admite, inclusive, futura ação rescisória (art. 485, II, do CPC), pois se entende que a condução de todo o procedimento fica comprometida. As hipóteses de suspeição (art. 135 do CPC) dão azo à invalidade do ato processual praticado pelo magistrado. Sucede que, neste caso, embora o magistrado possa reconhecer-se suspeito (art. 135, par.ún., do CPC), a parte tem prazo preclusivo para arguir a suspeição (quinze dias) e pedir a nulificação do ato. É que não se trata de uma presunção absoluta de parcialidade; ao contrário, por ser menos grave, sequer autoriza ajuizamento de futura ação rescisória”.[39] Porém, em ambos, objetiva-se o regular funcionamento do processo a fim de que se busque decisões justas, legítimas e seguras, proporcionando, portanto, uma melhor atuação do Poder Judiciário. Nessa entoada, maior ainda deve ser a inquietação em relação ao contencioso administrativo, pois “em tese” a Administração Pública é, ao mesmo tempo, parte e juiz, conforme bem assinala o professor Egon Bockmann Moreira: “O agente é ‘parte’ em sentido físico-material, não em relação ao conteúdo de suas decisões. […] A imparcialidade decorre do princípio constitucional do Estado Democrático de direito e é dever de todos os agentes públicos, pena de vícios intransponíveis nos atos estatais (administrativos, legislativos e jurisdicionais). Em síntese: o agente administrativo pode ser “parte”, mas o exercício do dever-poder da Administração é imparcial.”[40] A observância da atuação imparcial do agente público nos processos administrativos está bem delimitada pela Lei Federal nº 9.784/99, o qual aponta os casos de impedimento e suspeição, sendo que, no caso de impedimento, pode ocasionar sanção disciplinar do servidor que dolosamente se omite em se declarar impedido, consoante se depreende da leitura dos artigos 18 a 21 do supracitado diploma: “Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I – tenha interesse direto ou indireto na matéria; II – tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III – esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro. Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar. Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares. Art. 20. Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau. Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo.”[41] Verifica-se, portanto, que as consequências de atuação imparcial, notadamente nos casos de impedimento, são muito mais rígidas no processo administrativo se comparado ao processo judicial, eis que o servidor que conduz de forma parcial a contenda administrativa pode ser responsabilizado disciplinarmente por falta grave, inclusive, ser sancionado com pena de demissão, além do fato dos atos decisórios poderem ser declarados nulos no processo administrativo. Os juristas espanhóis (Enterría e Fernández) compartilham do mesmo entendimento: “O descumprimento deste dever de abstenção pode ensejar a responsabilidade pessoal da autoridade ou servidor público incurso em quaisquer destas situações (art. 28.5), mas a intervenção de tais pessoas no processo em questão não determina por si só a invalidade das intervenções posteriores, a menos que restar demonstrada que tal intervenção tenha podido influenciar na decisão final proferida e, obviamente, a ilicitude objetiva dessa decisão.”[42] 2.6. PROVAS LÍCITAS Como em todo processo, reconhece-se todas as provas lícitas capazes de demonstrar a verdade dos fatos, a Constituição Federal veda expressamente o uso de provas ilícitas em seu artigo 5º, inciso LVI: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”. Igualmente, e de forma específica, a Lei Federal nº 9784/99 se posiciona pela inadmissibilidade do uso de provas ilícitas no âmbito do processo administrativo (artigo 30). Em lapidar voto do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ilmar Galvão, na Ação Penal 307-3/DF, o qual proferiu uma verdadeira lição do que seria uma prova ilícita num processo, senão vejamos: “É indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço que se paga por viver-se em Estado de Direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados, ensina Heleno Fragoso, em trecho de sua obra Jurisprudência Criminal, transcrita pela defesa. A Constituição brasileira, no art. 5º, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”[43] A aversão de provas ilícitas se explica pelo fato de estarmos diante de um Estado Democrático de Direito, de maneira que ainda que reste prejudicada a busca da verdade real, não se pode admitir esse tipo de prova que tem como referência histórica período em que se governava por meio de instrumento ditatorial e absolutista. Havia uma enorme discussão acerca da possibilidade ou não da utilização de prova produzida no processo judicial para ser aproveitada no âmbito do processo administrativo. Um dos argumentos desfavoráveis é a violação do devido processo legal e do cerceamento da defesa. Já a corrente que apoiava a sua utilização se baseava no princípio da celeridade e eficiência processual. No começo a jurisprudência pátria oscilava em ora admitir e ora a não admitir, até que se consolidou no sentido de aceitar a prova emprestada, desde que respeitado o contraditório: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. PARCIALIDADE DA COMISSÃO PROCESSANTE. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. USO DE PROVA EMPRESTADA DA ESFERA CRIMINAL. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS POR AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO NA ESFERA PENAL. INOCORRÊNCIA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS CÍVEL, PENAL E ADMINISTRATIVA. PROPORCIONALIDADE DA PENA APLICADA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Consta dos documentos acostados que o impetrante foi submetido a processo administrativo disciplinar, que resultou na demissão, mediante Portaria Ministerial n. 589, de 1º/4/2014, tendo como fundamento a prática das infrações disciplinares previstas nos arts. 117, inciso IX (valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública), e 132, incisos IV (improbidade administrativa), XI (corrupção) e XIII (transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117), da Lei n. 8.112/90, de forma a sujeitá-lo à penalidade de demissão, por força do disposto no art. 132, caput, e incisos IV, XI e XIII, da referida Lei. 2. O impetrante sustenta que houve parcialidade e ofensa ao princípio da impessoalidade, pois o PAD que resultou na sua demissão teve a participação de servidores que atuaram em PAD anterior. Ficou demonstrado que não se tratou de processos administrativos que envolveram os mesmos fatos, mas da apuração de condutas distintas, embora supostamente praticadas pelo mesmo processado. O presente tema é recorrente neste Colendo Tribunal Superior, entendendo-se que, nos casos não constantes dos artigos 18 a 21 da Lei n. 9.784/99 (que trata das hipóteses de suspeição ou impedimento), deve o impetrante apresentar dados objetivos que revelem a quebra da isenção por parte da comissão processante; até porque não se pode olvidar que a atuação da Administração Pública está amparada pela presunção juris tantum de legalidade, legitimidade e veracidade. 3. Não há impedimento da utilização da prova emprestada de feito criminal no processo administrativo disciplinar, desde que regularmente autorizada, o que se deu na espécie. 4. No que diz respeito às alegadas ofensas a princípios constitucionais na escolha da penalidade de demissão, tais como os da dignidade da pessoa humana, solidariedade, segurança jurídica e proporcionalidade, deve-se salientar que o controle jurisdicional no processo administrativo disciplinar não pode implicar invasão à independência/separação dos Poderes e, portanto, centra-se na averiguação da legalidade das medidas adotadas e conformidade em geral com o direito. A aplicação dos princípios constitucionais como fundamento para anular (ou até permutar) determinada punição administrativa, infligida após regular procedimento, exige cautela redobrada do Judiciário, sob pena de transformação em instância revisora do mérito administrativo, passando a agir como se administrador público fosse, o que somente cabe aos investidos da função administrativa estatal. 5. O impetrante não realizou prova pré-constituída que tenha havido cerceamento de defesa ou violação ao contraditório, limitando-se a alegações genéricas sobre a injustiça da decisão proferida no processo administrativo disciplinar, insuscetíveis de acolhimento na via mandamental 6. Segurança denegada” (GRIFO NOSSO)[44]. O novo código de processo civil (lei nº 13.105/2015) expressamente admite a utilização de prova emprestada no âmbito de processo judicial, artigo 372 do referido diploma legal: “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.” Consolidou-se assim o entendimento dos Tribunais; logo, atualmente, aceita-se a troca de provas entre processo administrativo e processo judicial, desde que respeitado o contraditório. 2.7 VERDADE MATERIAL O princípio da verdade material decorre do próprio princípio da legalidade estampado na Constituição Federal de 1988 (art. 37, caput), sendo desdobramento do exercício da autotutela da Administração Pública, no qual busca o conhecimento verdadeiro dos fatos na fase instrutória do contencioso administrativo antes de prolatada a decisão administrativa. Ainda que o administrado se afigure inerte na questão da incumbência de ônus probatório ou de simplesmente não atender a intimação, não produzindo assim provas sobre os fatos a ele imputados. Não se aplica a regra do processo judicial, qual seja, de que incorrerá no efeito material da revelia ou de ser proferido julgamento antecipado da lide em decorrência da falta de impugnação específica. Tal entendimento, extraí-se do artigo 27 da Lei Federal 9.784/99: “O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.” Essa peculiaridade acaba por trazer mais uma diferença do processo administrativo em comparação ao processo judicial, pois “nos processos judiciais prevalece o princípio da verdade formal, pela qual o que importa são os fatos e provas constantes dos autos; o que não consta dos autos não importa.”[45] Em razão do princípio da verdade material é que se permite a reformatio in pejus diante de um recurso administrativo formulado pelo administrado, eis que, como dito, a Administração Pública se dirigi a encontrar a verdade dos fatos e a correta subsunção deles à norma jurídica que os regem, assim estabelece o artigo 64 e seu parágrafo único, da Lei Federal nº 9.784/99: “Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência. Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.”[46] Ademais, a busca da verdade material tem sido empregada para justificar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do processo administrativo, embora, atualmente, referido entendimento já vem sendo incorporado tanto pela jurisprudência quanto por novas normas difundidas pelo ordenamento jurídico brasileiro. Este assunto será esmiuçado em tópico ulterior do presente trabalho, mas o seu nascedouro foi de linha doutrinária com supedâneo no princípio da verdade material, como bem assinala o professor José dos Santos Carvalho Filho: “A busca da verdade real tem conduzido os estudiosos modernos a admitir no processo administrativo, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica (“disregard of legal emity”), de modo a atribuir-se a responsabilidade às pessoas físicas que se valem da pessoa jurídica como escudo para o cometimento de fraudes, descios e outros ilícitos. […] Incide também a mesma teoria nos processos administrativos punitivos, inclusive nos contratos administrativos e licitações, quando perpetradas fraudes pelo contratado ou interessado contra a Administração.”[47] Enfim, a busca da verdade é algo que transparece ainda mais numa Constituição fundada na ideia de Estado de Direito. Fazendo uma análise crítica com ponderações explicativas, os professores Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari enfatizam: “Como notavelmente assinalou Peter Häberle – que, modernamente, há uma verdadeira proibição constitucional da mentira, vedação tida como pilar essencial da construção de um Estado de Direito. Daí, por exemplo, as matrizes da independência do juiz e as normas de sua suspeição, as comissões parlamentares de inquérito, a exigência de imparcialidade em qualquer julgador (de todos os Poderes do Estado), as audiências públicas (de qualquer dos Poderes). Tanto maior é essa exigência da verdade quando nos defrontamos, sobretudo em nosso tempo (e – melancolicamente o dizemos – em nosso País), com a comparação inequívoca do acerto da tese de Hannah Arendt, tão personificada nas figuras dos principais e mais ostensivos e poderosos protagonistas da vida pública: ‘A verdade jamais pertenceu às virtudes políticas e a mentira sempre foi considerada como um meio lícito de fazer política.’ Por tudo isso é que a só verdade dos autos não é um limite para a decisão do processo administrativo.”[48] 3. SISTEMAS CONTECIOSOS DE PROCESSO ADMINISTRATIVO NO DIREITO COMPARADO E O NOVO PANORAMA PARA O PROCESSO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO Há diversos sistemas de controle de jurisdição para o fim de fiscalizar a legalidade dos atos da Administração Pública, os principais são: sistema inglês ou de jurisdição una; sistema francês ou dual de jurisdição, e, ainda, pode-se indicar o antigo modelo sueco na figura do ombudsman como forma de controle de legalidade. O modelo francês, onde é adotado por vários países, como a França, Itália, Argentina e Portugal, há dupla jurisdição: uma Justiça Administrativa e uma Justiça Judiciária, em ambas há imutabilidade da coisa julgada, e, uma vez decida por quaisquer delas, não poderá ser reapreciada a matéria pela outra. Há na verdade uma separação entre as competências das autoridades administrativas e judiciárias, como expressão do princípio da separação dos poderes, constituindo o fundamento da dualidade de jurisdição, entendendo que um Poder não pode intervir nas funções típicas de outro Poder, de maneira que se o caso for de natureza administrativa e, em um dos polos do litígio, afigurar-se a Administração Pública, cabe a esta decidir sobre o caso concreto. Fato este que atenua as consequências da problemática ideia do “ativismo judicial”, no qual o próprio Poder Judiciário implementa diretamente políticas públicas ao arrepio das normas de responsabilidade fiscal e orçamentárias. O emérito doutrinador José Crelella Jr. descreveu em sua obra a preocupação dos revolucionários franceses acerca da separação dos poderes, “A Revolução Francesa acreditava que, se os litígios administrativos fossem julgados pelos Tribunais Judiciários, estaria comprometida a independência da Administração, porque era voz corrente que o Poder Judiciário teria possibilidades de perturbar as operações dos corpos administrativos, como ocorrera durante a Realeza.”[49] A competência dessa Justiça Administrativa não é absoluta para decidir qualquer conflito que teve como causa de pedir relações jurídico-administrativas. Estão afastados julgamentos em que a Administração Pública se entabula em relações jurídico-privadas (ex. contratos de locação, seguro, etc.); responsabilidade penal e de cunho político de agente público, ainda que oriundos de regime administrativo. Daí, defluem as seguintes competências: “A Justiça Administrativa tem jurisdição e competência sobre alguns litígios específicos. Nunca serão, todavia, litígios somente entre particulares; nos conflitos, uma das partes é necessariamente o Poder Público. Compete-lhe julgar causas que visem à invalidação e à interpretação de atos administrativos e aquelas em que o interessado requer a restauração da legalidade quando teve direito seu ofendido por conduta administrativa. Julga, ainda, os recursos administrativos de excesso ou desvio de poder.”[50] A jurisdição administrativa na França também se assegura o duplo grau de jurisdição, onde no primeiro grau existem os Tribunais Administrativos e, em segundo grau, cabe ao Conselho do Estado Francês, órgão independente e com autonomia constitucional, isto é, não subordinado a nenhum dos Poderes existentes naquele país. Em caso de conflitos de jurisdição entre a Justiça Administrativa e a Justiça Judiciária, recai ao Tribunal de Conflitos extinguir a controvérsia. “O papel do Tribunal de Conflitos é, no sistema do contencioso administrativo, dirimir os denominados conflitos de atribuição, positivos e negativos, conflitos esses que surgem entre a Ordem Judiciária e a Ordem Administrativa.”[51] O professor Eduardo Lobo, na sua obra especializada de sistemas de jurisdição, resume o modelo francês: “Em suma, por um lado, o judiciário, julgando a Administração, estaria dominando-a; por outro lado, a Administração, exercendo função jurisdicional, estaria invadindo a área do Judiciário, além de situar-se como juiz em causa própria. Desta interpretação jurídico-constitucional, exsurge e consolida-se um aparelhamento jurisdicional especial, separado, sob ótica formal, dos tribunais judiciários comuns e da Administração ativa. Desse modo, a jurisdição administrativa, longe de ser contrária ao princípio da separação de poderes (pela ilusória percepção de que quebraria o monopólio jurisdicional da Justiça comum), pode ser considerada, ao revés, como a consequência rigorosamente lógica do princípio da separação dos poderes, a afirmação formal suprema deste princípio, ao menos na concepção francesa.”[52] Em contraponto ao sistema francês, subsiste o modelo inglês ou de jurisdição una, no qual há uma só “justiça” apta a conferir, para o caso concreto, a res iudicata, inclusive em matéria administrativa, ou seja, a decisão proferida no âmbito do processo administrativo não obsta de ser reapreciada pelo Poder Judiciário. Existe só a possibilidade de relativizar o exercício do direito de ação, o que a doutrina denominou de jurisdição condicionada, o qual não haverá interesse de agir (condições da ação) em demandar judicialmente, caso o demandante não formule um requerimento administrativo antes de manejar uma ação judicial. Têm-se, como exemplo, as seguintes ações: habeas data, ações que tenham como causa de pedir matéria desportiva, ações de repetição de indébito tributário (quando não for notória a recusa de devolução do indébito pelo fisco – conforme se entende da leitura do art. 169 do CTN) e, recentemente, originárias de construção pretoriana, as ações de concessão de benefício previdenciário, conforme segue o posicionamento extraído do portal de notícias no site do STF: “O Supremo Tribunal Federal (STF), deu parcial provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 631240, com repercussão geral reconhecida, em que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) defendia a exigência de prévio requerimento administrativo antes de o segurado recorrer à Justiça para a concessão de benefício previdenciário. Por maioria de votos, o Plenário acompanhou o relator, ministro Luís Roberto Barroso, no entendimento de que a exigência não fere a garantia de livre acesso ao Judiciário, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, pois sem pedido administrativo anterior, não fica caracterizada lesão ou ameaça de direito. Em seu voto, o ministro Barroso considerou não haver interesse de agir do segurado que não tenha inicialmente protocolado seu requerimento junto ao INSS, pois a obtenção de um benefício depende de uma postulação ativa. Segundo ele, nos casos em que o pedido for negado, total ou parcialmente, ou em que não houver resposta no prazo legal de 45 dias, fica caracterizada ameaça a direito. “Não há como caracterizar lesão ou ameaça de direito sem que tenha havido um prévio requerimento do segurado. O INSS não tem o dever de conceder o benefício de ofício. Para que a parte possa alegar que seu direito foi desrespeitado é preciso que o segurado vá ao INSS e apresente seu pedido”, afirmou o ministro. O relator observou que prévio requerimento administrativo não significa o exaurimento de todas as instâncias administrativas. Negado o benefício, não há impedimento ao segurado para que ingresse no Judiciário antes que eventual recurso seja examinado pela autarquia. Contudo, ressaltou não haver necessidade de formulação de pedido administrativo prévio para que o segurado ingresse judicialmente com pedidos de revisão de benefícios, a não ser nos casos em que seja necessária a apreciação de matéria de fato. Acrescentou ainda que a exigência de requerimento prévio também não se aplica nos casos em que a posição do INSS seja notoriamente contrária ao direito postulado.” (grifo nosso)[53] Portanto, há, no máximo, varas e seções especializadas no bojo do próprio aparelhamento do Poder Judiciário que confere competência privativa em razão da matéria para decidir litígios de conteúdo administrativo. Em suma, no sistema de jurisdição una, o Poder Judiciário conhece e decide a totalidade de litígios, seja de índole administrativa, privada, penal ou política. Bem, por isso, justifica-se a grande quantidade de processos que atolam o Poder Judiciário brasileiro, trazendo enormes prejuízos aos cidadãos que olham, cada vez mais, com desconfiança e descrédito à Justiça brasileira. Acabam, a fim de colaborar para a diminuição de processos, por empregar mecanismos jurídicos para encobrir a ineficiência do Poder Judiciário, tais como, a denominada ideologia de “Jurisprudência defensiva”, que conclui, como exemplo, que os recursos de competência dos Tribunais Superiores e, até mesmo dos Tribunais locais, sequer chegam a ser conhecidos, cujo fundamento se baseia em meros aspectos de formalidades do recurso interposto. É a situação do recurso ter sido proposto antes da publicação da decisão recorrida, isto é, chamam de recurso extemporâneo apto a ser negado conhecimento por ser considerado intempestivo. O que não traduz o próprio conceito de intempestividade, pois, entende-se por intempestividade quando há inércia de seu titular, ocorrendo assim preclusão temporal; ao revés, no recurso extemporâneo, o recorrente atua com maior diligência possível, inclusive, sabedor do conteúdo da decisão, sem delongas na espera de sua publicação, já se antecipa e recorre. Tal mecanismo – “jurisprudência defensiva”- afronta o acesso à justiça. Além de outras ferramentas igualmente violadoras do acesso à justiça, como a exigência dos Tribunais Superiores do prequestionamento explícito; a não aceitação de reclamação constitucional para destrancar recurso sobrestado no Tribunal de origem, mais precisamente nos julgamentos por amostragem, quando o caso não se evidencia identidade de questão jurídica ao recurso paradigma (não possibilita a demonstração do distinguishing ou overruling ao Tribunal Superior), só aceitando recurso de agravo interno para o próprio Tribunal de origem. Para ilustrar a estimativa crescente de processos judiciais, muito colaborado pela adoção do sistema de jurisdição una e pelo desprezo no emprego de mecanismos de autocomposição de litígios, tem-se como espelho o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, órgão judiciário brasileiro com maior número de demandas judiciais no país, conforme informações extraídas no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no tópico “justiça em números”, relatório do ano de 2013: [54] Compreende-se pelos números que cada vez mais há o aumento de processos judiciais, pois o número de casos novos no âmbito da justiça de 1º grau (4.023.387) em comparação com o número de processos baixados (3.124.894) é de quase um milhão, o que acarreta acréscimos de processos judiciais em relação a cada ano. Além disso, a taxa de congestionamento é altíssima na fase de execução, mais de 90%, onde o credor visa à própria satisfação do seu crédito. Pensando em atenuar esses números, o legislador brasileiro tem implementado normas jurídicas para tal fim, restabelecendo a importância do processo administrativo a fim de desjudicializar demandas em que o Poder Público se afigure em um dos polos. Tramita-se, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, o projeto de lei nº 1131/2015, que impõe a existência de processo administrativo prévio à inscrição da dívida ativa, isto é, além da possibilidade de se estabelecer o processo administrativo fiscal – que se realiza após a notificação do lançamento ao contribuinte – para que o crédito tributário se constitua definitivamente; haverá mais uma oportunidade ao contribuinte em se efetivar parcelamento tributário ou desconstituir o lançamento efetuado, pois, pelo referido projeto, existirá mais um processo administrativo antes de inscrever o crédito tributário na divida ativa. Reconhece-se a importância do processo administrativo para desafogar o Poder Judiciário Estadual da enorme massa de processos de execução fiscal que o assoberba, instituindo um processo administrativo prévio à inscrição da dívida ativa, o qual facilitará a solução consensual do conflito, conforme se verifica no artigo 1º do supracitado projeto de lei: “Artigo 1º – Apurado o débito tributário, antes de sua inscrição na dívida ativa, será aberto processo administrativo, em contraditório, com a notificação do devedor que, acompanhado de advogado, poderá impugnar o débito, confessá-lo ou propor a celebração de acordo. § 1º – Na busca do acordo, poderão ser utilizados a conciliação ou a mediação, por terceiros facilitadores devidamente capacitados, na forma da legislação em vigor. § 2º – Se o devedor não for localizado ou, notificado por edital, não comparecer nem se fizer representar por advogado com poderes para transigir, o processo administrativo será suspenso.”[55] Do mesmo modo, com escopo em atingir os objetivos traçados no “II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO”, estabelecido no ano de 2009, foram conferidas algumas reformas legislativas para aliviar a tarefa do Poder Judiciário, dentre as quais, e de grande apelo dos entes federados, foi a implementação de meios alternativos para satisfazer a arrecadação dos seus recursos financeiros, como o protesto, junto aos Tabelionatos, da dívida ativa da Fazenda Pública, conforme estabelecido na Lei federal nº 12.767/2012, que acresceu o parágrafo único ao artigo 1º da Lei Federal nº 9.492/1997.  A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem aceitado o emprego desse mecanismo pelos entes federados, afastando assim as alegações dos contribuintes inadimplentes de que se trata de meio coercitivo indireto de cobrança, que é repelido por tais cortes judiciais, assim assevera o ministro Herman Benjamin, relator do acórdão no REsp 1.126.515-PR: “EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”.  Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.  Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.). O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto. A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo". Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares. A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação – naturalmente adaptada às peculiaridades existentes – de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços). Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.” (grifo nosso).[56] Nesse passo, ganha-se campo o processo administrativo que cada vez mais servirá de instrumento jurídico para os cidadãos, e, quiçá, de forma paulatina, como ocorrera na França, incorpora-se, no processo brasileiro, o sistema dual de jurisdição, bastando para isso uma reforma constitucional no que tange ao artigo 5º, inciso XXXV, que preceitua o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, de modo a integrar uma Justiça Administrativa para dirimir conflitos de natureza administrativa com força de coisa julgada material. Talvez, nos moldes do Tribunal de Contas brasileiro, que congrega membros com conhecimento ímpar nas áreas das ciências: jurídicas, contábeis, econômicas, financeira e administração pública (artigo 73, inciso III, da CF), tais ciências estruturam e densificam toda atuação estatal, possibilitando decisões mais técnicas e, ao mesmo tempo, de acordo com a realidade brasileira. Corrobora, para esse feito, o sentido e o alcance do contencioso administrativo, tanto na sua acepção material quanto formal, consoante define o professor Diogo de Figueiredo: “A expressão contencioso administrativo tem duas acepções e, destarte, deve-se preceder o seu estudo de um acertamento técnico-semântico. Em sentido lato, contencioso administrativo é tomado como contenda, controvérsia, litígio envolvendo matéria administrativa, ou seja, concernente a relações jurídicas administrativas litigiosas: esta é a acepção material. Em sentido estrito, contencioso administrativo é designativo apenas da técnica de especialização da atividade administrativa para, em órgãos diferenciados da própria Administração, julgar aqueles litígios: esta é, pois, a acepção formal.”[57] Além desse fato, fortalece ainda mais a ideia de adoção de sistema de jurisdição dual em razão da experiência empírica sentida pelos juristas, especialmente para aqueles que militam na área do Direito Administrativo, eis que a grande evolução dos estudos e a criação de institutos jurídicos do Direito Administrativo se evidenciaram no sistema francês ou dual de jurisdição, principalmente pelos precedentes jurisdicionais erigidos na Corte Suprema de Justiça Administrativa na França, qual seja, no Conselho de Estado Francês, bem, por isso, seus ensinamentos foram incorporados pelos sistemas que adotaram a jurisdição una, “Importa realçar, todavia, que o sistema de unidade jurisdicional, mormente nos Estados (como o Brasil) que adotaram por irradiação, revelou-se tão flexível e compreensivo, em termos lógico-formais, que acolheu e aplica plenamente o Direito Administrativo francês, criado no sistema de jurisdição dual. Aliás, este fenômeno jurídico causa estranheza aos juristas franceses, que tendem a considerar – sem razão – o Direito Administrativo romanístico compatível apenas com o sistema francês de contencioso administrativo”.[58] Um sistema que ganha cada vez mais adeptos e, compatibiliza-se tanto com o sistema dual de jurisdição como no sistema uno de jurisdição, é o ombudsman sueco, que se caracteriza por desempenhar um verdadeiro controle social através de um representante do povo não subordinado a nenhum dos Poderes constitucionalmente estabelecidos. O controle pelo ombudsman, que é um verdadeiro “ouvidor geral do povo”, é pessoa dotada de independência e autonomia para realizar o controle interno da Administração Pública e, caso alguém o desrespeite em relação às suas observâncias, que são baseadas em normas jurídicas, cabe a ele a representação em face dos servidores faltosos, perante os tribunais competentes, a fim de perseguir responsabilidades (civil, política e penal) em detrimento dos infratores, isto é, atua como um verdadeiro legitimado extraordinário (substituto processual) em benefício de toda a coletividade. Assim explica o professor Eduardo Lobo, “O termo ombudsman, no idioma sueco, significa ‘mandatário’. Com efeito, este dispositivo do Riksdag (parlamento sueco), para ‘controlar a observação das leis pelos tribunais e funcionários, bem como acionar, perante os tribunais competentes, de acordo com as leis, aqueles que, no exercício de suas funções, hajam, por parcialidade, favor ou qualquer motivo, cometido ilegalidade ou negligenciando o cumprimento dos deveres de seus ofícios”.[59]  4. ATIVIDADE ADMINISTRATIVA PROCESSUALIZADA E INCORPORAÇÃO DE INSTITUTOS JURÍDICOS TÍPICOS DO PROCESSO JUDICIAL A nova tendência de atuação da Administração Pública será processualizar todo tipo de evento que repercute na esfera jurídica dos indivíduos (coletivamente ou isoladamente), ficando restringido o campo dos meros atos administrativo, emitidos unilateralmente pela Administração Pública, aos feitos de atos ordinatórios, de cunho interno administrativo, muito divulgados por meio de circulares, portarias, avisos e ordem de serviço. Os administrativistas modernos já se manifestam sobre essa nova roupagem em que Administração Pública deverá se comportar, conforme lições do professor Marçal Justen Filho: “O conceito de ato administrativo perdeu sua relevância como instrumento de compreensão e organização do direito administrativo. O fundamento está em considerar a atuação administrativa de modo global, não cada ato administrativo isoladamente. […] É necessário estudar o ato administrativo, mas é indispensável reconhecer que a configuração de cada ato, isoladamente considerado, é condicionada pela pluralidade de atuações administrativas. O que satisfaz as necessidades coletivas é o conjunto de ações administrativas: a atividade”.[60] No subtópico seguinte será analisado o entrelaçamento do processo administrativo e de um Estado Democrático de Direito, como forma de garantir direitos fundamentais dos indivíduos. E, nos demais subtópicos, a incorporação de instrumentos jurídicos de origem típica de processo judicial para o processo administrativo, de modo a demonstrar uma nova dinâmica que se aproxima cada vez mais o processo administrativo brasileiro do sistema francês de jurisdição. 4.1. ATIVIDADE ADMINISTRATIVA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Consiste na ideia de que a atuação estatal deve ter por finalidade não somente a busca do interesse público – acepção esta que sempre foi indicada como acertada e única pelos doutrinadores clássicos do direito administrativo – mas, agrega-se a isto, para uma abertura de participação ativa dos cidadãos, de modo a fomentar e difundir o pensamento de que a gestão pública não é só uma tarefa dos governantes, embora sejam os principais responsáveis, como também é uma incumbência de toda a coletividade. Por isso, vem à tona o modelo de accountability, que possibilita o exercício do controle social pelos verdadeiros possuidores do Poder (soberania popular), pois, congrega a obrigação dos meros detentores do Poder em observarem a transparência; prestação de contas; responsabilidades; traduzindo assim boas práticas de governança pública. Permitindo a indicação da crescente evolução no sentido funcional das atividades administrativas, o professor Diogo de Figueiredo nos ensina: “Na fase do absolutismo, prevalecia o interesse do rei, caracterizando a administração regaliana. Na fase do estatismo, passou a prevalecer o interesse do Estado, caracterizando a administração burocrática. Na fase da democracia, ascende, como prevalecente, o interesse da sociedade, caracterizando a etapa da administração gerencial de sua vontade. No Brasil, como em outros países, está em curso uma transição da administração burocrática formal para a gerencial, uma vez que, materialmente, subsistem práticas regalianas, comumente explicadas pelos sociólogos que as estudaram, como heranças culturais patrimonialistas e centralizadoras ainda não superadas”.[61] O processo administrativo é ferramenta para se consolidar o Estado Democrático de Direito, para que esta garantia não fique aos meros papéis do texto constitucional, e sim possibilite participação ativa de todos na gestão pública, resta sua divulgação e instalação de meios de acesso a toda coletividade. O conceito de Estado Democrático Direito é de difícil especificação, mas é possível ser sentida por todos. Todavia, com a missão árdua em defini-la, o professor Miguel Calmon Dantas asseverou um pequeno esboço do que seria um Estado Democrático de Direito: “O Estado Democrático de Direito é a expressão contemporânea do Estado de Direito, conferindo-lhe um sentido material e uma unidade de sentido orientada para a realização de objetivos que consubstanciam uma auto-representação da comunidade política, sendo estruturado e conformado a partir da programaticidade constitucional. O Estado Democrático de Direito é essencialmente, de acordo com o texto, e conforme exigência do contexto brasileiro, um Estado programático.”[62] Igualmente, corrobora com o entendimento de que o processo administrativo é instrumento de legitimidade democrática, de modo que os administrados participem ativamente na atividade administrativa, deixando o pensamento pretérito de decisões unilaterais de autoridade administrativa, ou seja, a Administração deixa de praticar simples atos administrativos para ampliar o seu alcance em processualizar suas atividades, a professora Odete Medauar pondera com as seguintes palavras: “Realmente a colaboração ou participação dos sujeitos no processo administrativo exerce influência no teor do resultado final. Com isso o administrado conhece melhor a Administração; esta, de seu lado, mediante fatos, provas e argumentos oferecidos pelos sujeitos, detecta melhor as situações e mais se aproxima dos administrados, propiciando abertura nas muralhas administrativas. Os vários pontos de vista, os vários argumentos, as várias interpretações dos fatos expressam a realidade do pluralismo, característico da democracia, e muito difícil de ser verdadeiramente aceito por autoridades administrativistas, apegadas, de regra, a sua própria visão unilateral das situações ou à visão do partido político a que pertencem. Por outro lado, a colaboração dos sujeitos amplia as possibilidades de controle da atividade administrativa, aspecto este também ligado à democracia.”[63] A participação do cidadão no contencioso administrativo reacende a ideia de se garantir a impessoalidade e ampliar a legitimidade, vez que favorece a aceitação das decisões administrativas pelos seus destinatários, facilitando ainda à Administração Pública alcançar melhores resultados, notadamente, no cumprimento de políticas públicas. Ademais, reassume fundamental importância na relação entre participação social e direitos fundamentais no momento em que esta participação certifica a posição de sujeito ativo assumida pelo cidadão que passa a ser não mais visto como um mero objeto ou alvo de ação administrativa, isto é, transmuda-se de administrado para cidadão. Cristalinas, nesse mesmo sentido, são as palavras do jurista Wallace Paiva Martins Júnior: “A Administração Pública tem o dever de desenvolver o processo administrativo para qualquer atividade decisória (arts. 5º, LIV e LV, e 37 da Constituição Federal), para o alcance da dúplice finalidade acima destaca. A transparência (publicidade, motivação e participação), como expressão da juridicização da Administração Pública, tende á legitimidade substancial do exercício do poder. O processo administrativo é formalidade legal e requisito indispensável à validade do ato, responsável pela democratização da atividade administrativa, garantindo a transparência e seus fins – o controle, a eficiência, a justiça, a aproximação entre Administração Pública e administrados, a renovação do modo de suas relações e a legitimidade ao uso do poder”.[64] Na mesma linha de raciocínio reafirma o jurista Alexandre Santos de Aragão: “Uma Administração com cada vez mais atribuições e poderes deve buscar meios adicionais de legitimação. A democracia pluralista não se reduz ao seu momento eleitoral-representativo. À expansão das funções administrativas deve corresponder a maior busca pela garantia da processualização. As partes, mesmo que não concordem com o ato-fim emitido, participaram do processo de sua elaboração, com o que terão maiores possibilidades de voluntariamente anuir em cumprir o que, ao final, tiver sido decidido.”[65] Conjuntamente, essa participação ativa do cidadão corrobora para ampliação da esfera pública, de modo a favorecer a transparência na Administração Pública, refletindo também na prestação do serviço público, que deve ser adequada e contínua, de suma importância para o cumprimento do princípio da eficiência. Até porque é certo que a satisfação do usuário do serviço público está relacionada não apenas à sua fruição, como também ao acesso: à informação clara e objetiva; ao direito de ser ouvido; entre outros; tais indicadores são inerentes às condições de um processo administrativo que prima pela observância do contraditório e da ampla defesa, indispensáveis para mensurar a própria eficiência da Administração Pública. Hodiernamente, há elevada crítica em relação à intervenção do Poder Judiciário no âmbito das políticas públicas, de modo a estremecer as balizas conferidas pelo Poder Constituinte Originário, pois se verificam ingerências indevidas de um Poder em detrimento de outro Poder, ocasionando abalos aos princípios constitucionais da harmonia entre os Poderes e da separação dos Poderes. Neste trabalho se invoca a concepção do sistema dual de jurisdição, a fim de se permitir a implementação de políticas públicas por Tribunais Administrativos independentes que, em decisão administrativa, demonstrará de forma incontestável comportamento omissivo da Administração Pública, impondo a ela condenações no sentido de obrigação de fazer, de maneira a afastar assim quaisquer alvoroços em relação ao princípio da separação dos Poderes. Não se quer, evidentemente, a adoção de comportamentos irresponsáveis de gestores públicos. A estes merecem reprimendas rígidas no campo civil, penal e político, conferidos e acertados pelo Poder Judiciário, como ocorre no sistema francês. No entanto, o que se vê, atualmente, é um verdadeiro descalabro realizado pelo Poder Judiciário que, muitas das vezes, motivado por espetáculo midiático, imiscui-se na própria gerência da coisa pública, de modo até a detalhar as condições em que será realizado o cumprimento das políticas públicas. Embora num primeiro momento tais decisões se revelem salutares e benquistas pela sociedade, ao passar do tempo será experimentado tratamento gravoso para o próprio bem-estar da população, eis que esvaziará o princípio basilar da igualdade material (só os mais bem informados e com condições financeiras melhores se aventuram numa demanda judicial para assegurar, por exemplo, o acesso a medicamentos de alto custo), além do fato das referidas decisões estarem desprovidas de estudos técnicos precisos, especialmente, originários da ciência da administração, o qual contempla um ciclo de políticas públicas que requer o exame detalhado nas suas cinco fases: Formação de Agenda; Formulação de Política, Tomada de Decisão; Implementação da Política Publica e Avaliação. Não custa lembrar que essa intervenção do Poder Judiciário no âmbito da gestão pública tem como base ideológica a corrente substancialista que se opõem ao ideário perseguido pelos procedimentalistas. Ambos envolvem formas de solucionar conflitos jurídicos quanto à efetividade dos direitos fundamentais. O professor Luís Roberto Barros, em breve relato, distingue o pensamento das duas correntes: “Os substancialistas manifestam sua adesão explícita a esses valores e admitem o controle do resultado das deliberações políticas que supostamente os contravenham. Já os procedimentalistas não concebem o papel do intérprete constitucional como o de um aplicador de princípios de justiça, mas como um fiscal do funcionamento adequado do processo político deliberativo.”[66] Em suma, os procedimentalistas dão apoio às representações democráticas, isto é, daqueles detentores de poderes delegados diretamente do povo: legisladores e gestores públicos. Por outro lado, os substancialistas dão maior apoio ao juiz como intérprete último dos direitos fundamentais e aplicador da justiça social. Para justificar esse ativismo judicial exarcebado, um dos maiores defensores da ideologia substancialista, que, com a máxima vênia não se concorda, o professor Lênio Streck afirma: “A corrente substancialista entende que, mais do que equilibrar e harmonizar os demais Poderes, o Judiciário deveria assumir o papel de um intérprete que põe em evidência, inclusive contra maiorias eventuais, a vontade geral implícita no direito positivo, especialmente nos textos constitucionais, e nos princípios selecionados como de valor permanente na sua cultura de origem e na do Ocidente. Coloca, pois, em xeque o princípio da maioria em favor da maioria fundante e constituinte da comunidade política”.[67] No entanto, em ambos, há um entendimento único, qual seja, assegurar as garantias das liberdades individuais e coletivas. Diante da dimensão objetivas dos direitos fundamentais, todos os Poderes Institucionais devem não só resguardarem tais direitos como também devem implementá-los por políticas públicas direcionadas à sua concreção. Percebe-se que não há total antagonismo entre os ideais das duas correntes, sendo que a grande distinção se reflete sobre qual o Poder Institucional que irá instrumentalizar os direitos fundamentais, ou seja, a diferença se baseia, em síntese, no modus operandi, isto é, está-se diante de um ativismo judicial (corrente substancialista) ou de um judicialismo de mera interpretação das normas jurídicas (sem implementação direta de políticas públicas – corrente procedimentalista). Concorda-se com a corrente procedimentalista que assegura a implementação de políticas públicas por meio de representações democráticas, inclusive através do processo administrativo, no qual, como bem defendido por este trabalho, a Administração Pública deve seguir atividade processualizada, seja no campo de restrição a direitos, seja como atividade prestadora de políticas públicas. Como bem pondera o jurista Willis Santiago, extraindo lições do filósofo norte-americano, John Rawls, para explicar a corrente procedimentalista: “A corrente procedimental pode ser estudada também pelo viés de John Rawls, em um interessante estudo sobre a discussão ética da justiça, segundo o qual a Constituição ideal seria um procedimento balizado por princípios de justiça, capaz de conformar as forças políticas responsáveis pela produção normativa”.[68] Com efeito, há uma nova abertura para o processo administrativo que deverá prestar melhores ofícios à sociedade, deve-se, definitivamente, entender que a Administração Pública sucede a galgar novas escalas, deixando para trás a fase estadista para se alcançar, de forma concreta, à fase da democracia, tudo em prol de um novo relacionamento a ser estabelecido entre o Poder Público e os cidadãos, os quais, ao fim e ao cabo, são os verdadeiros possuidores do Poder (soberania popular). 4.2. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA O instituto jurídico desconsideração da personalidade jurídica é originário do direito inglês, conhecido no direito anglo-saxônico como disregard of legal entity, remete-se historicamente a um caso julgado pela Corte Britânica, chamando o leading case de Salomon versus Salomon Co, em 1897. No Brasil sua incorporação se deu, primeiramente, por construções pretorianas, vez que não existia qualquer permissivo legal que se evidenciasse o instituto jurídico desconsideração da personalidade jurídica. Mas, em razão de fraudes perpetradas por membros de pessoas jurídicas existentes no Brasil, impulsionou-se à sua aplicação a fim de se contornar a própria pacificação social, pois, do contrário, redundariam desconfianças no próprio mercado econômico de modo a acarretar consequências gravosas para as pessoas jurídicas, prejudicando assim sua consideração legal de “sujeito de direito”. Nesse passo, passou-se a ser aplicado no âmbito do processo judicial. Inclusive, atualmente, há diversos diplomas legais que acabaram por incorporar o instituto jurídico da desconsideração da personalidade jurídica, criando-se ainda duas teorias acerca do tema: teoria maior (disciplinada no art. 50 do Código Civil) e a teoria menor (estabelecida no Código de Defesa do Consumidor – art. 28 – e no art. 4º da Lei nº 9605/1998 (direito ambiental)). A grande diferença entre tais teorias é no sentido de que na teoria maior os seus requisitos são mais extensos, necessitando a comprovação, cumulativa, da insuficiência econômica da pessoa jurídica e demonstração de prática fraudulenta de seus gestores (confusão patrimonial ou desvio de finalidade). Já na teoria menor basta a comprovação da insuficiência econômica da pessoa jurídica em adimplir com suas obrigações. Hodiernamente, tem-se aceitado a “desconsideração inversa”. Embora o instituto jurídico da desconsideração da personalidade jurídica seja de índole do direito material, sua evidência se materializa no campo procedimental. Pensando nisso, e, até para aclarar sua tramitação na seara processual e garantir o contraditório, o legislador do novo código de processo civil estabeleceu um capítulo próprio acerca do “incidente da desconsideração da personalidade jurídica” (artigos 133 a 137 da Lei nº 13105/2015). Do mesmo modo em que ocorreu no processo judicial, a desconsideração da personalidade jurídica começou a ser aplicada no processo administrativo mesmo não havendo amparo legal expresso sobre a questão, fundamentou-se a sua aceitação em razão do princípio da verdade material, que teve a chancela dos Tribunais Superiores (STF e STJ) e com decisões exaradas em acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU), conforme se examina: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. – A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. – A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. – Recurso a que se nega provimento.”[69] Há também precedente do Tribunal de Contas da União, que admite a desconsideração nas situações de fraude comprovada. Segundo noticiado no informativo nº 108: “Em caso de fraude comprovada, é possível a responsabilização não só da empresa, mas também dos sócios, de fato ou de direito, a partir da desconsideração da personalidade jurídica da instituição empresarial”[70] Diante do entendimento das Cortes aqui retratadas, o legislador pátrio veio a consolidar tais pensamentos em textos legais. A grande inovação ocorreu na Lei Federal nº 12.846/2013, apelidada de “Lei Anticorrupção”, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, que, no capítulo referente ao processo administrativo, estabeleceu em seu artigo 14, a desconsideração da personalidade jurídica, descrevendo da seguinte forma: “Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.”[71] Percebe-se que o referido diploma legal adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, pois impõem os requistos da fraude (encobrir ou dissimular prática de ato ilícito) ou confusão patrimonial. Também, no mesmo sentido, o projeto de lei nº 1131/2015, que estabelece a existência de processo administrativo prévio à inscrição da dívida ativa (em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – que, neste trabalho, já se mencionou), intensifica ainda mais tal instituto no âmbito do processo administrativo, uma vez que além de indicar sua aceitação acaba por regular o seu funcionamento ao apontar os artigos 133 a 137 do novo código de processo civil, assim dispõe: “Artigo 5º – Caso as Procuradorias ou o fisco entendam ser caso de desconsideração de personalidade jurídica, deverão seguir, no âmbito administrativo ou judicial, o procedimento criado pelo incidente contemplado nos art. 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015, no que couberem. Parágrafo único – Desconsiderada a personalidade jurídica, aplica-se aos novos devedores o disposto nesta lei.”[72] Nota-se que o processo administrativo vem ganhando espaço e incorporando institutos jurídicos típicos do processo judicial, objetivando assim atingir melhores resultados e, ao mesmo tempo, desafogar o Poder Judiciário.  4.3 MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO O Poder Geral de Cautela é mecanismo fundante do próprio exercício da atividade decisória, isto é, está dentro dos poderes implícitos a quem cabe decidir. Sua emanação é bem estudada pelos processualistas no âmbito do processo judicial. A medida cautelar serve para justamente evitar a inutilidade do processo em razão do periculum in mora agregada à probabilidade da existência do direito alegado pela parte requerente (fumus boni iuris), concedendo assim instrumentos de conteúdo satisfatório ou conservatório. No circuito administrativo, as medidas cautelares são expressões do próprio desdobramento do poder de autotutela administrativa, notadamente, a característica da autoexecutoriedade dos atos administrativos – sem necessidade de intervenção judicial – e tem por finalidade gerenciar e cumprir o interesse público, garantindo de imediato os efeitos de decisões administrativas no âmbito do contencioso administrativo. Os juristas espanhóis (Enterría e Fernández) bem assinalam a importância das medidas cautelares no campo dos processos administrativos: “A executoriedade das disposições e atos objeto do recurso contencioso-administrativo, como expressão do benefício máximo da autotutela administrativa, tem sido um dogma indiscutível desde que o processo contencioso-administrativo foi configurado como sendo meramente impugnatório e teve sua inspiração no dogma do Ministro-juiz, como um recurso de cassação, chamado a revisar ex post um ato que se entendia que devia continuar produzindo seus efeitos como obra da função administrativa de organizar e gerenciar sua própria organização e a vida social.”[73] A lei nº 9.784/99 estabelece expressamente a possibilidade de a Administração Pública adotar medidas cautelares se demonstrados os requisitos necessários, inclusive, no âmbito do processo administrativo, não se exige prévio requerimento de quaisquer das partes, podendo a autoridade administrativa conceder a medida cabível ex officio, conforme estabelece o artigo 45 do supracitado diploma: “Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado.” Também cabe cautelar para dar efeito suspensivo ao recurso administrativo interposto, pois, a regra, é a ausência do efeito suspensivo, só existindo o efeito devolutivo. Todavia, se restar demonstrado o periculum in mora, pode a autoridade administrativa conceder efeito suspensivo ao recurso administrativo (só para registrar, havendo efeito suspensivo ao recurso administrativo, será inviável a impetração do mandado de segurança – art. 5º, I, Lei nº 12.016/09), tal premissa está disposta no artigo 61 e parágrafo único, da Lei Federal nº 9.784/1999. 4.4 COISA JULGADA ADMINISTRATIVA Num sistema, como nosso, que adota o sistema inglês ou de jurisdição una, não se aceita o instituto da coisa julgada no processo administrativo, no mesmo sentido da imutabilidade da decisão em que é conferida ao processo judicial. Pelo simples fato das decisões administrativas não conter prestação jurisdicional, esta qualidade é exclusiva do Poder Judiciário. Nesse passo, a Administração Pública, no Brasil, não exerce função jurisdicional, logo, desprovida de definitividade do litígio dirimido, tendo em vista que pode ser reapreciada a matéria e, consequentemente, revertida, no âmbito de uma demanda judicial. Por tais motivos, a denominada “coisa julgada administrativa” se revela de índole endoprocessual, com reflexos só no circuito administrativo, não surtindo efeito extraprocessual em virtude da ausência da imutabilidade, isto é, não faz res iudicata. O professor Carvalho Filho, em breve relato, define o posicionamento dos autores administrativistas: “A coisa julgada administrativa, desse modo, significa tão somente que determinado assunto decidido na via administrativa não mais poderá sofrer alteração nessa mesma via administrativa, embora possa sê-lo na via judicial. Os autores costumam apontar que o instituto tem o sentido de indicar mera irretratabilidade dentro da Administração, ou a preclusão da via administrativa para o fim de alterar o que foi decidido por órgãos administrativos.”[74] No entanto, há posicionamento no sentido de que uma vez consolidada a coisa julgada administrativa, a própria Administração Pública não poderia rever a sua decisão exarada anteriormente (seja a favor ou contra aos objetivos do cidadão interessado), só cabendo à via judicial para reformar a decisão administrativa, trazendo à baila uma ideia de “imutabilidade administrativa”. Esse posicionamento teve até apoio em um precedente do Supremo Tribunal Federal (RE 23830): “Ementa: O ato administrativo é revogável. Mas a decisão do Ministro, provendo ou confirmando julgamento do Conselho de Recursos da Propriedade Industrial, é irrevogável, pela sua natureza judicante. Conceito de coisa julgada administrativa.”[75] Entretanto, para o bem da comunidade jurídica, esse posicionamento foi revisto, de modo a não existir “imutabilidade administrativa”, até porque não dotada de conteúdo jurisdicional. Já outros entendem que a coisa julgada administrativa só vincula à Administração Pública quando a decisão administrativa for favorável ao administrado, pois tal decisão administrativa não só revoga o ato administrativo anterior como também se torna irretratável o posicionamento jurídico da Administração Pública. Tudo em prol da segurança jurídica e do princípio da confiança legítima. Nesse passo, haverá uma “imutabilidade administrativa”(parcial) quando a decisão final administrativa envolver atos ampliativos à esfera jurídica dos administrados. Este entendimento é perfilhado pelos professores Celso Antônio Bandeira de Mello e Márcio Pestana, conforme, respectivamente, descrevem: “O tema diz respeito exclusivamente aos atos “ampliativos” da esfera jurídica dos administrados. O fenômeno aludido só ocorre em relação a este gênero de atos. Trata-se, portanto, de instituto que cumpre uma função de garantia dos administrados e que concerne ao tema da segurança jurídica estratificada já na própria órbita da Administração. […] Seu alcance é menos extenso do que o da coisa julgada propriamente dita. Com efeito, sua definitividade está restrita a ela própria, Administração, mas terceiros não estão impedidos de buscar judicialmente a correção do ato.[76] Realmente, caso a decisão administrativa seja desfavorável ao administrado, abrem-se as portas do Judiciário para que este, querendo, promova a rediscussão sobre a matéria anteriormente enfrentada no âmbito administrativo. De outra parte, contudo, caso a decisão seja desfavorável à Administração Pública-interessada, entendemos que não poderá, agora, bater às portas do Judiciário, pois restaria absolutamente se sentido, lógico e jurídico […].”[77] O entendimento supracitado dessa última corrente foi acatado parcialmente, eis que, no âmbito da via administrativa, realmente a Administração Pública não poderá promover a revisão do processo de forma a desfavorecer o cidadão interessado. Com efeito, a Lei Federal 9784/1999, em seu artigo 65 e parágrafo único, acaba por considerar a possibilidade de revisão da “coisa julgada administrativa”, na própria via administrativa, desde que não haja agravamento da sanção anteriormente imposta. De modo que, no processo administrativo, aceita-se a reformatio in pejus em sede recursal, mas não se reconhece essa possibilidade quando a análise se dá em revisão de processo (onde houve a ‘coisa julgada administrativa pro cidadão’), eis que, nesse último caso, a revisão ocasionará um ato que restringirá a esfera jurídica do administrado. Extraí-se a informação acima referida da leitura do supracitado preceito: “Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção”.[78] De outra parte, não se acolhe a tese jurídica dos renomados professores citados quando houver ilegalidade da decisão administrativa. Isso porque ainda que haja favorecimento da decisão administrativa que emita ato ilegal ao administrado, cabe à Administração Pública promover demanda judicial a fim de anular o seu ato (a via administrativa, como dito, não será o caminho correto – em razão da coisa julgada administrativa – a qual descabe revisão de processo que acarrete agravamento à esfera jurídica do administrado). A única ressalva, que inclusive se aplica para a via judicial, refere-se à incidência de quaisquer módulos preclusivos de pretensão (decadência; prescrição; aplicação da teoria do fato consumado). Neste último caso, restará prejudicada a anulação do ato eivado de nulidade em benefício do princípio constitucional da segurança jurídica. Tal posicionamento é seguido por vários precedentes do Supremo Tribunal Federal, são exemplos às decisões no RE-AgR-AgR 204107 e no MS 28343, conforme seguem, respectivamente: “EMENTA: Agravo regimental no agravo regimental no recurso extraordinário. Liberação de depósito efetuado na origem, em face de decisão administrativa favorável ao contribuinte. Mérito da exação pendente de discussão nesta Corte. Indeferimento mantido. 1. A decisão proferida pelo Ministério da Fazenda anulando o crédito tributário faz coisa julgada apenas no âmbito administrativo, não irradiando efeitos preclusivos ao debate da questão de direito ainda pendente de apreciação neste Supremo Tribunal Federal. 2. Se o crédito é anulado, o depósito deve ser mantido a título de cautela, haja vista a necessidade de assegurar o resultado útil da pretensão da União em caso de eventual decisão favorável à Fazenda Pública. 3. Independência, no caso, entre as instâncias administrativa e judicial, a refutar a assertiva de que o resultado do agravo regimental seria indiferente no que concerne à obrigatoriedade de restituição do valor depositado. 4. Agravo regimental não provido.”[79] No MS 28343, cabe aqui descrever as palavras do Min. Marco Aurélio, relator e redator do acórdão: “É de longa data o reconhecimento da autotutela conferida à Administração Pública, consistente no poder-dever de rever os próprios atos quando eivados de nulidade, inclusive atuando de ofício. Essa prerrogativa estende-se aos Poderes Legislativo e Judiciário, quando atuam no campo tipicamente administrativo e encontra base na incidência do princípio da segurança jurídica, que normalmente ocorre por aplicação do prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99. Na ausência de tal circunstância, ou de qualquer uma que possa ensejar a observância de outros princípios, como os da boa-fé ou da confiança legítima, descabe acolher a pretensão ante esse fundamento. À luz do exposto, tem-se que inexiste a figura da coisa julgada administrativa, seja formal, seja material. O uso da expressão pode induzir o intérprete a erro, considerado o disposto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Carta Federal. A eficácia decorrente do trânsito em julgado é predicado exclusivo das decisões judiciais formalizadas no exercício de função jurisdicional.”[80] Em síntese, a coisa julgada administrativa se verifica quando houver a exaustão da via administrativa, não impedindo sua reapreciação no âmbito judicial, logo, a definitividade do decisório administrativo é apenas relativa ou um minus jurídico, não alcançando a concepção própria de coisa julgada, eis que, no Brasil, adotou-se o sistema de controle de jurisdição una, no qual a autoridade da res iudicata ser de exclusividade do Poder Judiciário. 5. VANTAGENS EM SE OPTAR PELO PROCESSO ADMINISTRATIVO E NOVOS DESAFIOS PARA CELERIDADE PROCESSUAL O processo administrativo é um instrumento jurídico pouco utilizado pelos cidadãos brasileiros, especialmente quando comparado com outros países. Os indivíduos, na maioria das vezes, preferem judicializar a questão a discutir a matéria no circuito administrativo, seja por ignorância de cidadãos desprovidos de conhecimento mínimo das leis, seja por impulso de promover uma pendenga judicial que trará a satisfação de seu ‘ego’ por um resultado favorável, por assim dizer “ganhei a ação”. Há, por outro lado, também a ineficiência sentida por muitos órgãos administrativos que sequer viabilizam acesso à informação para população em geral, bem como, agregado a esse fato, o reconhecimento do despreparo de servidores públicos que conduzem um processo administrativo, faltando-lhes capacidade técnica, principalmente, em relação a municípios pequenos existentes pelos rincões deste Brasil. Contudo, o processo administrativo se demonstra interessante não só para os administrados como também se mostra salutar à própria Administração Pública, uma vez que poderá conduzir suas ações administrativas com escopo em colher melhores resultados. É, igualmente, o pensamento do jurista português Marcello Caetano: “O processo administrativo é, pois, não só o instrumento adequado da acção jurídica da Administração pública mas também uma garantia dada aos particulares de que as pretensões confiadas aos órgãos administrativos serão examinadas em termos de permitir soluções legalmente correctas.”[81] As vantagens são inúmeras para que o administrado se enverede ao convite do processo administrativo: – Não há necessidade de defesa técnica, embora, nos denominados processos litigiosos, recomenda-se ser assistido por causídico; – Sendo o resultado insatisfatório, não será condenado em honorários advocatícios e em custas do processo; – Será julgado por um corpo técnico, sendo que, em muitos dos litígios do processo administrativo, exigem-se maiores conhecimentos do que só a formação em Direito. É o que se observa nos processos instaurados junto aos Tribunais de Contas, processos administrativos no campo do direito ambiental, processos fiscais – onde há um elevadíssimo nível de especialização e de conhecimento técnico dos componentes dos órgãos julgadores, em que é composto por representantes da Fazenda e dos contribuintes, de forma paritária; – No âmbito tributário, a instauração de um processo administrativo ocasiona a suspensão da exigibilidade do crédito tributário; – Os prazos para os julgadores do processo administrativo são próprios, respondendo por responsabilidade administrativa no caso de atraso injustificado; – Os processos administrativos são regidos pelo princípio da informalidade, não acarretando, ao que se vê, atualmente, nos processos judiciais, a denominada “jurisprudência defensiva”; Além desses aspectos apontados em prol do cidadão (individualmente considerado), há vantagens para Administração Pública melhorar a sua gestão, que, ao final, refletir-se-á em benefícios a todos os cidadãos (coletivamente). É o pensamento do emérito jurista pátrio Celso Antônio: “O processo administrativo revela-se de grande utilidade para complementar a garantia da defesa jurisdicional porquanto, em seu curso, aspectos de conveniência e oportunidade passíveis de serem levantados pelo interessado podem conduzir a Administração a comportamentos diversos dos que tomaria, em proveito do bom andamento da coisa pública e de quem os exibiu em seu interesse. […] Concorre para uma decisão mais bem informada, mais consequente, mais responsável, auxiliando, assim, a eleição da melhor solução para os interesses públicos em causa, pois a Administração não se faz de costas para os interessados, mas, pelo contrário, toma em conta aspectos relevantes por eles salientados e que, de outro modo, não seriam, talvez, sequer vislumbrados.”[82] Hodiernamente, muito se tem falado dos novos desafios para celeridade processual, tanto em relação ao processo administrativo quanto para o processo judicial, especialmente pelo fato do legislador constitucional ter promovido reforma constitucional (EC Nº 45/2004) ao inserir o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal, que assim dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Nas palavras do Ministro da STF e professor, Gilmar Ferreira Mendes em coautoria com o professor Paulo Gustavo Gonet Branco, no seu curso de direito constitucional, asseverou: “Positiva-se, assim, no direito constitucional, orientação muito perfilhada nas convenções internacionais sobre direitos humanos e que alguns autores já consideravam implícita na ideia de proteção judicial efetiva, no princípio do Estado de Direito e no próprio postulado da dignidade da pessoa humana.[…] O reconhecimento de um direito subjetivo a um processo célere – ou com duração razoável – impõe ao Poder Público em geral e ao Poder Judiciário, em particular, a adoção de medidas destinadas a realizar esse objetivo”.[83] Pensando em concretizar o ideário do princípio da celeridade processual, administrativo e judicial, os três Poderes reuniram-se e estabeleceram “Pactos Republicanos” a fim de incrementar mecanismos em prol da celeridade processual. No espaço administrativo, ficaram assinalas, no presente trabalho, as principais ferramentas já realizadas e a realizar, objetivando a duração razoável dos processos administrativos, bem como introduziram o próprio certame administrativo para “filtrar” contendas judiciais a fim de desafogar o Poder Judiciário. Não obstante, não seja uma tarefa de fácil solução produzir institutos jurídicos em prol da celeridade processual no campo judicial, é necessário não se esquecer das garantias processuais asseguradas aos sujeitos do processo, notadamente, o contraditório e a ampla defesa, que, em muito, tem sido esquecido com o surgimento desses novos institutos. A advertência foi bem apontada pelo professor Fredie Didier Jr.: “A exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos certamente atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer o alerta, para evitar discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor. Os processos da Inquisição poderiam ser rápidos. Não parece, porém, que se sinta saudades deles.”[84] 6. CONCLUSÃO Ao longo do presente trabalho, foi estudada a origem e o conceito de processo administrativo, que é um dos instrumentos jurídicos dos mais antigos do Direito, bem como suas nuances de transformação e aplicação no perpassar do tempo. Foram ressaltadas as novas ideologias consagradas no Direito comparado e Direito pátrio, buscando a justificar a preterição de práticas autoritárias realizadas pela Administração Pública, no qual sempre se expressara por meros atos administrativos, sem qualquer participação dos interessados, características estas próprias de uma Administração regaliana e estadista. Evolui-se a concepção de atuação da Administração Pública sustentada por uma Constituição Federal que prima por um Estado Democrático de Direito, de modo que a gestão pública possa ser conduzida por instrumentos de legitimação democrática e sua vontade seja externada por uma atividade processualizada. Reconheceu-se a importância do sistema contencioso francês ou dual de jurisdição para o aprimoramento dos institutos e instrumentos jurídicos do Direito Administrativo, principalmente em relação ao processo administrativo. Conferiu-se que a enorme carga de processos judiciais suportado pelo Poder Judiciário decorre de demandas em que o próprio Poder Público seja sujeito do processo, muito ocasionado por falta de processo administrativo prévio, o qual facilita para uma “filtragem” de contenda judicial, bem como, pelo fato, do poder jurisdicional estar concentrado tão-somente nas mãos do Poder Judiciário. Possivelmente, uma pequena reforma no artigo constitucional que contempla o princípio da inasfatabilidade de jurisdição ao Poder Judiciário, viabilize o desafogamento sentido pelo Judiciário brasileiro, principalmente, transmudando-se matéria de natureza administrativa para uma “Justiça Administrativa”, nos moldes do Conselho Francês, cujo esboço dessa Corte possa ser vislumbrado no Tribunal de Contas. Esta, talvez, como já dito e reafirmado no presente trabalho, a adoção do sistema francês de jurisdição dual possa ser, num futuro próximo, a melhor das soluções para impulsionar a tão almejada celeridade processual em razões das vantagens já aqui expostas. Além disso, terminaria a celeuma acerca da possibilidade de intervenção do Poder Judiciário no tratamento de políticas públicas, que é de incumbência precípua do Poder Executivo, de maneira que, com a criação de uma Justiça Administrativa, a decisão seria de órgão administrativo, que será independente e com autonomia constitucional para obrigar o Poder Executivo a implementar políticas públicas em prol dos direitos fundamentais assegurados na Carta Magna, sopesando assim com os recursos financeiros possuídos pelo ente federado de cuja análise serão aferidos por membros com conhecimento não só na área da ciência jurídica, como também das ciências: econômica, contábil e administração. Em suma, mesmo nos ordenamentos jurídicos, como nosso, que não se enveredem pelo sistema dual de jurisdição (que é defendido por este trabalho), não devem deixar de importar conceitos e aplicação de institutos jurídicos teorizados no âmbito daqueles, até porque, conforme já abordado, a passagem de uma diretriz teórica a outra completamente distinta se realiza de forma paulatina. Não obstante, constata-se que nosso pensamento acerca do processo administrativo está em crescente evolução, pois, aos poucos, vem agasalhando institutos jurídicos fomentados por ideologias democráticas, o que vem a prestar maior solidez ao princípio da dignidade da pessoa humana cujo fundamento se encontra nas Constituições que lutam para assegurar, de forma efetiva, o Estado Democrático de Direito.
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Gestão do magistrado: ferramenta para efetivar a justiça no judiciário tocantinense
Este artigo trata da importância da Gestão do magistrado. O judiciário carece de transformar sua visão, afastando-se daquela atuação mitigada do juiz, limitada ao julgamento de processos, o que resulta, simplesmente, no abarrotamento processual, evidenciado pela morosidade, principalmente. A pesquisa aponta a necessidade de mudança na conduta do magistrado, que deverá se conscientizar do papel que exerce na justiça brasileira, para não se acomodar com a situação do judiciário, em razão da escassez de material, estrutural ou de pessoal. A gestão do magistrado é fator crucial que pode contribuir para efetivar a prestação jurisdicional, isto é, o gerenciamento do magistrado na sua unidade judicial, pautado no planejamento estratégico nacional, influencia sobremaneira para concretizar uma justiça célere, acessível e eficiente.
Direito Administrativo
Introdução O tema dessa pesquisa é a gestão do magistrado, uma ferramenta importante para efetivar a prestação jurisdicional no Poder Judiciário Tocantinense. A forma como o juiz gerencia a Unidade Judicial que esta sob sua responsabilidade influencia sobremaneira na qualidade dos serviços prestados pela justiça. Essa pesquisa se debruçou sobre o seguinte problema de pesquisa: Como a atuação gerencial do juiz em sua unidade judiciária pode contribuir para a efetividade da prestação jurisdicional jurídico pautado no planejamento estratégico nacional? Desse modo, o presente artigo científico tem por objetivo avaliar como a gestão do magistrado pode contribuir para efetivar a prestação jurisdicional, isto é, como o gerenciamento do juiz na sua unidade judicial, pautado no planejamento estratégico nacional, pode influenciar para concretizar uma justiça célere, acessível e eficiente. Inicialmente, desenvolver-se-á a presente pesquisa abordando o ingresso do juiz na magistratura, em seguida analisará o princípio da eficiência, a estrutura do judiciário nacional contemporâneo e a gestão do magistrado. Essa pesquisa se justificou pela relevância e importância do gerenciamento pelo magistrado na sua unidade judiciária para a efetividade da justiça, demonstrando que é imprescindível a sedimentação de ações gerenciais a fim de que a missão do judiciário nacional seja alcançado. .Abordar-se-á, ainda, a gerencia do juiz titular da Vara Criminal da Comarca de Miracema do Tocantins-TO, com enfoque na gestão de pessoas e processos. Posteriormente, observar-se-á como poderá ocorrer a mudança de comportamento dos juízes tocantinenses, evidenciando algumas alternativas para implantação do novel modelo de magistrado que a justiça contemporânea exige. O trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa do tipo estudo de caso, onde se apresentará os resultados das análises dos dados da pesquisa de campo realizada na Vara Criminal da Comarca de Miracema do Tocantins-TO. 1 Ingresso na carreira de magistrado O exercício da magistratura, em seus primórdios, estava ligado ao seu papel em cada momento e região, sendo utilizadas maneiras diversas para seleção dos juízes. Situação vislumbrada ainda contemporaneamente, uma vez que têm sido utilizados vários métodos na tentativa de encontrar o mais adequado quando da seleção dos juízes, contudo ineficaz, pois Dallari (2002, p. 23) acentua que “tem-se inovado procurando considerar exigências modernas, mas preservando estruturas e concepções antigas”. Assim, dentre os vários métodos de seleção de juízes, a maioria envolve a indicação e eleição, formas que demonstram fragilidade. Contudo, é sabido que o conhecimento jurídico é fator influenciante na condução da magistratura, uma vez que o juiz conduz a solução dos conflitos guiados pelo ordenamento jurídico, pelo que deve ser fator importante a ser considerado, em que pese não ser o único. A não profissionalização dos juízes pode ter conseqüências graves, inclusive de ordem prática, pois poderá se formar um espírito corporativo, juízes que vê na magistratura apenas uma forma de ganhar um bom salário.   A exigência profissional possibilita uma seleção mais adequada dos juízes e majora a possibilidade de se aprimorarem constantemente. Ademais, a honestidade deve ser também critério de avaliação para escolhas dos juízes, já que buscam a justiça.  Contudo, a forma de seleção de juízes mais eficaz, segundo análise causística, é o concurso público, cujos requisitos procuram manter a igualdade de condições de todos os candidatos que preenchem os requisitos fixados em lei,  buscando afastar qualquer privilégio e discriminação. A forma de seleção de juízes promovida por meio de concurso público é prevista na Constituição brasileira, que traça ainda os limites da atuação de cada magistrado, sendo considerado o método mais seguro para selecionar os magistrados, conforme preleciona Dallari (2002, p 27, apud ZAFFARONI et al, 2000, p. 49), senão vejamos: “É o único procedimento democrático conhecido para selecionar tecnicamente mais qualificados para qualquer função que requeira alto grau de profissionalidade. É o único método que garante o controle público e que, mesmo não assegurando o acesso dos melhores, pelos menos dá certeza de exclusão dos piores.” No Brasil, o método utilizado para seleção de juízes é concurso público e depois ingresso na carreira da magistratura, os quais são feitos por Tribunais com participação dos advogados, considerando a experiência dos candidatos, honestidade e suas personalidades. Tal método tem sido bastante vantajoso, pois não seleciona somente juízes com conhecimento técnico, mas também considera o papel social que o candidato terá quando selecionado. Desta forma, além dos conhecimentos técnicos – jurídicos, imprescindível que se escolha candidatos que desenvolverão de forma eficiente e social a magistratura, para que analisem conscientemente os casos submetidos à sua decisão, pois implicam em interesses de seres humanos. Mesmo na fase seletiva, Dallari (2002, p 28) leciona que: “O candidato tem demonstrar condições de sopesar com independência, equilíbrio, objetividade e atenção aos aspectos humanos e sociais, as circunstancias de um processo judicial, tratando com igual respeito a todos os interessados e procurando, com firmeza e serenidade, a realização da justiça.” Como visto a magistratura tem como melhor forma de seleção de juízes, o concurso público, sendo inclusive o método utilizado no Brasil, pois busca sempre selecionar candidatos que efetivarão as decisões justas e equânimes, nos conflitos sociais. 2 Princípio da eficiência No Brasil, tem-se notícia que o princípio da eficiência foi oficialmente empregado no Decreto-Lei 200, datado de 25 de novembro de 1967, o qual instituiu diretrizes para a reforma administrativa no governo militar de Castelo Branco. Não só no âmbito administrativo foi observado o princípio da eficiência, mas também na seara do Poder Judiciário, quando dentre outros julgamentos, em 1954, foi analisado o Recurso de Mandado de Segurança nº 2201, do Tribunal Pleno do Superior Tribunal Federal, vejamos parte da ementa: “O controle administrativo do ensino público permite a interferência oficial na direção dos educandários particulares, para afastar os diretores sem eficiência. Não constitui diminuição moral esse afastamento, pois nem todo cidadão ilibado tem competência para dirigir e administrar”. (BRASIL, 2010) Contudo, o princípio da eficiência foi inserido na Constituição Federal brasileira de 1988, quando da Emenda Constitucional nº 19, acrescentado, explicitamente, ao caput do art. 37. Nesse contexto, importante destacar a origem da palavra eficiência para melhor entender sua aplicação. Eficiência provém do latim da palavra efficientia, que significa ação, força, virtude de produzir um efeito.  Para Ferreira, (et El, 1975, p 501) define o principio da eficiência como “capacidade de produzir um efeito, rendimento satisfatório imputável a uma pesquisa voluntária sistemática, a eficiência de uma técnica, de um empreendimento.” Já eficiência, como princípio, para alguns doutrinadores é definido pela gestão do poder público para alcançar o fim almejado, como bem explanado por Meireles (1999, p 60). “Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.” Como se observa o princípio da eficiência está diretamente ligado com a prestação de serviços públicos, que buscam na novel ordem administrativa agir com menos burocracia, mais agilidade, transparência, qualidade e idoneidade a fim de a sociedade acredite em seus gestores. 3 O judiciário na atualidade Da análise perfunctória da atual conjuntura organizacional do Judiciário, tem-se que cabe a cada órgão, dentro dos lineamentos preestabelecidos, desenrolarem suas atividades e alcançar suas metas. Os conhecimentos, métodos e técnicas de planejamento, gestão e controle da ciência da administração são fundamentais para gestão do judiciário, pois o gerenciamento do serviço público era respaldado em técnicas utilizadas pelas práticas administrativas privadas, contudo com uma demasiada conotação conservadora. Desta maneira, a administração do judiciário estava evoluindo a passos lentos, sendo forçosa a modernização e aplicação de novas técnicas e conceitos a fim de seguir as mudanças do mundo moderno, especialmente porque os gestores do poder judiciário têm formação acadêmica em Direito e dificilmente estudam administração nos bancos de faculdade ou em qualquer outro momento da vida estudantil ou profissional, de forma que se voltam exclusivamente para a formação jurídica.    Destarte, mister aplicação de técnicas da nova administração ao poder público judiciário, considerando as diferentes realidades de cada região, ré – analisando a gestão judicial, sobrepondo os princípios da nova administração pública da eficiência e responsabilidade fiscal. Nesse sentido preleciona Medauar (2007, p 38) “As relações entre o direito administrativo e a ciência Administração tendem hoje a ser concebidos em termos de coexistência, de inter-relação, de auxílio científico mútuo, com o fim de aprimorar o conhecimento da Administração e, portanto, de buscar seu mais adequado desempenho no atendimento das necessidades da população”. O judiciário contemporâneo, exige que as atividades –meio sejam prestadas de forma coerente, abarcando as técnicas da administração privada e as novas teorias da Administração gerencial, para isso carece de autonomia administrativa e financeira. Necessário ainda acrescer o conceito de organização judiciária, dando a ela maior amplitude, pois só assim terá uma autonomia que poderá ser exercida dentro dos limites legais, permitindo a elaboração, aprovação, execução e controle de estratégia e políticas públicas.  A gestão estratégica é fundamental para o desenvolvimento de uma organização, todavia deve ser escoltado por uma administração eficiente, pois do contrário pode-se tomar um rumo divergente do, inicialmente, traçado. No Judiciário, ao se traçar um planejamento, muito fatores externos pode interferir na sua execução, pois não depende, unicamente, de sua atuação, surge a partir daí a necessidade de administração estratégica, cujos indicadores primordiais de direção são a missão. Emergem-se duas palavras de suma importância quando do planejamento estratégico, abarcados atualmente pelo CNJ: missão e metas, que consiste na visão atual do Judiciário brasileiro. Nesse contexto, o Judiciário contemporâneo teve marco inicial de sua trajetória no discurso do, então Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, quando fez uma crítica reacionária ao Poder Judiciário. Observe-se um trecho do acima referido discurso: “A homenagem significa, acima de tudo, que vivemos um tempo de mudança. Significa que estamos reafirmando em alto e bom som: é preciso recuperar o sentido de justiça para todos. É preciso voltar a acreditar que as instituições existem para servir e não para serem subalternas ao gosto daqueles que as comandam […]. É por isso que nós defendemos há tanto tempo o controle externo do Poder Judiciário. Não é meter a mão na decisão do juiz. É pelo menos saber como funciona a caixa-preta de um Judiciário que muitas vezes se sente intocável.” (2003, edição 10657) Tais declarações causaram grande repercussão no meio jurídico, motivando inclusive, ajuizamento de ação pela Associação dos Magistrados do Paraná, junto ao Supremo Tribunal Federal, por calúnia, difamação e injúria, o que não foi reconhecido pelo Ministro Gilmar Mendes, Presidente do STF, ao fundamento de que o Presidente da República não apenas tem o direito, constitucionalmente assegurado, de liberdade de expressar-se como cidadão, mas igualmente, o dever de identificar problemas e sugerir saídas, como Chefe do Poder Executivo. Diante disso, começaram as mudanças esperadas no Judiciário, que foram buscadas em caráter de urgência, a fim de alcançarem uma qualidade na prestação de serviço, rapidez, eficiência, economia, dentre outras prioridades. Tais transformações culminaram na Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que tratou sobre pontos polêmicos, tais como, duração razoável do processo, meios que garantem celeridade, recepção dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, e sobretudo, criou o Conselho Nacional de Justiça-CNJ. O CNJ foi instituído em 14 de julho de 2005, tendo como função controlar atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos Juízes. A implantação do CNJ teve função crucial no judiciário contemporâneo, mediante ações de planejamento, coordenação, controle administrativo e  aperfeiçoamento  do serviço público na prestação da Justiça. Destarte, nos seus primeiros anos, tratou apenas de diagnosticar os problemas do judiciário a fim de propor soluções, dentre as quais se cita, a criação do sistema de estatísticas para aferir qual a atual condição do judiciário e assim, desenvolver a cultura de mediação e orientação de resultados. Diante dos dados colhidos com as pesquisas judiciárias, em 18 de dezembro de 2007, o CNJ editou a resolução nº 49, que em seu artigo 1º estabeleceu obrigatoriedade que cada Tribunal deveria criar uma área responsável e competente para elaboração da estatística e plano de gestão estratégico. Após, editada a suso referida resolução, realizou-se um encontro nacional do judiciário, em 25 de agosto de 2008, na cidade de Brasília, em que se consolidou 15 objetivos estratégicos, que se tornaram as metas iniciais do judiciário. No âmbito nacional, por meio da Resolução nº 70/2009, do CNJ, criou o do Plano Estratégico Nacional objetivando implantar regras interligadas que direcionarão e orientarão as ações de todos os órgãos do Judiciário, convergindo para o aperfeiçoamento e modernização dos serviços judiciais. O planejamento estratégico do CNJ (Brasil, 2010) é composto por quinze objetivos estratégicos, 46 indicadores de resultados e oito temas (Eficiência Operacional; Acesso ao Sistema de Justiça; Responsabilidade Social; Alinhamento e Integração; Atuação Institucional; Gestão de Pessoas; Infra-estrutura e Tecnologia; e Orçamento). Apresenta ainda dez metas nacionais de nivelamento que serão aplicados em todos os Tribunais, respeitando as peculiaridades da prestação jurisdicional em cada região. Desta maneira, diversos Tribunais, sob orientação do CNJ, estão elaborando seus respectivos planejamentos estratégicos, com o escopo de programar a consecução dos serviços. O Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, em 12 de agosto de 2011, instituiu o Plano Estratégico de Tecnologia da Informação e Comunicação – PETIC, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, para o período de 2010-2014, estipulou todos os componentes para o judiciário tocantinense. Instituída normatização legal delimitando atuação, objetivos, metas e estratégias do Poder Judiciário do Estado do Tocantins, chegou-se ao Mapa Estratégico, que possui como missão garantir a cidadania através da distribuição de uma justiça célere, segura e eficaz, bem como estabeleceu visão, valores e os objetivos estratégicos, considerando a realidade do estado. Diante das considerações apontadas neste capítulo, pode-se observar que o planejamento estratégico faz com que o trabalho do judiciário seja reconhecido pela sociedade. Portanto, toda credibilidade, efetividade e desempenho estão pautados na forma organizacional da prestação jurisdicional. 3.1 A gestão do magistrado O judiciário deve prestar serviços à sociedade, julgando os casos e ele levados, garantindo um serviço acessível, rápido e efetivo. Contudo, diante do número elevado de processos represados, o juiz foi obrigado a gerenciar os processos e as pessoas, bem como organizar, planejar e avaliar os trabalhos desenvolvidos na Vara. A solução dos litígios em tempo razoável é o maior anseio da sociedade moderna, não bastando, unicamente, decisões justas, forçando o Judiciário a se desapegar de seu perfil rigoroso, conservador e formalista. Como já ressaltado, o contexto atual do Judiciário redunda-se em um exagerado volume de processos, carência de Juízes e servidores, etc. Restando ao magistrado assumir um papel profissional, por meio de um conjunto de ações de caráter administrativo, a fim de alcançar eficiência de seus atos e assim prestar um serviço satisfatório para cidadão.  No âmbito do Poder Judiciário Estadual, o referido gerenciamento é exercido pelo magistrado, que é o líder da Vara Judicial em que é titular, emergindo então, uma circunstância preocupante, pois o Juiz, na maioria das vezes, tem limitada essa capacidade, embora sejam tecnicamente preparados. O magistrado ingressa no judiciário por meio de concurso público de provas e títulos e ao entrar em exercício, será de plano lotado em uma unidade jurisdicional, o qual exercerá a jurisdição dentro das competências fixadas em lei, cuja responsabilidade maior será dar andamento às demandas ajuiazadas, por este motivo a maior parte dos juízes condicionou-se de que sua única atribuição era despachar, presidir audiências e julgar processos, não levando em conta a necessidade de um planejamento de ações administrativas, muito embora sejam responsáveis por Seções, Varas, Comarcas e até mesmo Tribunais. No Judiciário, o magistrado não assumia sua face de gestor, interagindo com muita reserva e distanciamento da comunidade, dos servidores, impedindo assim, um canal de comunicação com a população, ou seja, focando exclusivamente, na atividade-fim, esquivando sobremaneira, da atividade-meio, o gerenciamento. Até um determinado período tal figura de Juiz pode ser sustentada, todavia, o acréscimo exacerbado de processos e os problemas inerentes ao poder público, além da implantação do princípio da eficiência exigiram que o magistrado mudasse de postura, assumindo o novo caráter de gestor. Apenas, julgar não resolvia mais o problema social, pois estava criando um arquivo de processos aguardando decisões. Assim, a gestão contemporânea exige que os serviços sejam otimizados, bem como que seja efetivada a condução dos processos, por isso a necessidade do juiz que ocupe sua posição de gestor. Nesse diapasão acentua Dallari (2002, p 160/1), observe-se: “Para que o Poder Judiciário cumpra seu papel institucional para a harmonização rápida e justa dos conflitos individuais e sociais sobre direitos, impõe-se a reforma e modernização de equipamentos e métodos. E imprescindível que sejam eliminadas práticas burocráticas antigas, só mantidas pela força da inércia, racionalizando-se os procedimentos e simplificar sem prejuízo da qualidade dos resultados” O que se tem hoje no país foi alcançado com a Emenda Constitucional nº 19/98, que disciplinou sobre a gestão, trazendo aos princípios da Administração Pública, o da eficiência. Assim, para que a eficiência seja alcançada no meio jurídico, deve-se fundamentar atuação na ciência da Administração, investindo na atividade-meio para se atingir a devida e satisfatória prestação jurisdicional, por meio de planejamento, organização, direção e controle das atividades, distribuição de processos, gestão de pessoas com motivação e incentivo na busca pela produtividade e qualidade, utilizando recursos tecnológicos. Nesse contexto, preleciona Dias (2009, p 13):   “Nessa linha de raciocínio, um dos aspectos mais relevantes a ser tratado é a gestão Judiciária principalmente, no papel do juiz administrador que busca soluções eficientes e práticas na conquista da produtividade através de mecanismos inovadores, comprometimento, com a otimização de recursos públicos desburocratizando procedimentos, produzindo recursos de qualidade e gerindo pessoas comprometidas e motivadas.” Ademais, é necessário ainda que o juiz tenha em mente que não pode esperar os problemas surgirem, nem se acomodar com os modelos arcaicos de serviços jurisdicionais. Para tanto mister que o mesmo tenha excelente preparo intelectual na sua área de atuação, além da capacidade administrativa e de liderança a fim de enfrentar de forma criativa e inovadora as adversidades. Assim, o juiz deve se conscientizar e buscar aprimoramento gestacional para ofertar à população uma justiça ágil e eficiente, encontrando soluções criativas, ousadas e inovadoras capazes de combinar eficiência com custo reduzido. Nesse contexto, emerge-se o seguinte questionamento: a ineficiência da prestação jurisdicional é fruto da atuação do juiz? Certamente que não. Contudo, sua atuação pode ser fator crucial de mudança, pois o mesmo é o gestor das unidades judiciais que compõem todo o judiciário, cujos serviços são essenciais ao alcance do planejado a nível nacional. Ou seja, o magistrado é agente capaz de superar as dificuldades e conseqüentemente efetivar a prestação jurisdicional. O magistrado contemporâneo precisa de um novo perfil, a liderança e gerenciamento, pois assim, desempenhará uma gestão diferenciada, criando maneiras para driblar escassez de material e pessoal, fazendo com que a unidade judiciária que conduz execute suas ações. Portanto, cabe ao juiz- gestor do judiciário- buscar a qualidade jurisdicional, conduzir os processos de maneira efetiva, célere, inovadora, formar equipes motivadas e comprometidas com a satisfação do jurisdicionado, alcançando assim as metas impostas ao judiciário brasileiro para efetivar a justiça. 4 implantação do nóvel modelo de magistrado no judiciário tocantinese O judiciário tocantinense já teve cinco concursos públicos de provas e títulos para ingresso na magistratura, sendo o último ocorrido no ano de 2007. Possui um quadro funcional com total de 93 juízes de direito, dos quais 12 ingressaram no Judiciário tocantinense em no ano de 2008, segundo informações colhidas no quadro de antiguidade disponível no portal eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TOCANTINS, 2010). Já o principio da eficiência foi implantado no âmbito da administração pública em 1998 com a Emenda Constitucional nº 19, inserindo-o no caput do art. 37, da Constituição da República Federativa do Brasil, senão vejamos: “Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:” (Alterado pela EC-000.019-1998). (BRASIL, 2005) Da mesma forma em 2004 a EC/45 efetivou a reforma do poder judiciário, inserindo ainda no ordenamento jurídico brasileiro o principio da celeridade, no já citado art. 5º, da CF/88. Da reforma do judiciário, que buscou sobremaneira a efetividade do princípio da eficiência, decorreu a criação do Conselho Nacional de Justiça, o qual traçou novas metas, objetivos, valores e visões para a justiça por meio de planejamento e gestão estratégica. O CNJ (BRASIL, 2010) determinou ainda que os tribunais de justiça de cada região criassem seus próprios planejamentos considerando as peculiares inerentes a fim de implementar diretrizes que direcionariam e orientariam  a atuação de todo o judiciário nacional através do art. 2º, da Resolução 70/2009. Desta feita, em 09.02.2009 foi aprovado o planejamento estratégico do Poder Judiciário tocantinense (TOCANTINS, 2010) o qual tem aplicação no período compreendido entre os anos de 2010 a 2014, constituindo-se como visão: a gestão estratégica; e como valor: a presteza, economia e eficiência. Consolidando-se com a gestão de pessoas, otimização de rotinas e procedimentos nos tramites judiciais e promoção da efetividade no cumprimento das decisões. Colocadas tais premissas pode-se observar que o planejamento estratégico voltou-se para gestão de pessoas e processos como forma de efetivar a justiça. O judiciário tocantinense desde 2010 já abraçou essa visão e passou a exigir de seus magistrados essa nova postura para alcançar as metas traçadas. Assim, apesar do Tocantins ser um estado novo, o mesmo conta com mais de 87% de juízes que ingressaram na carreira antes do ano de 2005, quando criou o CNJ. Além disso, 100% dos magistrados entraram em exercício antes da implantação do planejamento estratégico nacional e estadual, que são datados, respectivamente, de 2009 e 2010. Ou seja, foram inseridos no judiciário antes da nova visão traçadas para a justiça, o que denota dificuldade dos mesmos adquirir e desenvolver habilidades gerenciais alcançando assim o sucesso da empreitada. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (BRASIL, 1979) em art. 35, III, dispõe que é dever do magistrado determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais, o que já constituía de certa maneira uma imposição ao magistrado de buscar mecanismo para dar eficiência à justiça. Na referida lei pode-se observar ainda, que além da implícita determinação de gestão de processo, havia também imposição para que o mesmo gerenciasse sua equipe, vejamos: “Art. 35 – São deveres do magistrado: IV – tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência. VIl – exercer assídua fiscalização sobre os subordinados”. (BRASIL, 1979) Assim, antes mesmo dos princípios da eficiência e celeridade ou do planejamento estratégico a responsabilidade pela efetividade da prestação jurisdicional era do magistrado. Situação também ressalvada na Lei de nº 10/96, que disciplina sobre a Organização Judiciária tocantinense, conforme abaixo se observa: “Art. 42. Compete administrativamente ao juiz de direito, titular de vara judiciária, Juizados Especiais ou seu substituto: II – como juiz de direito ou substituto: g) exercer outras atribuições administrativas de interesse dos serviços forenses que não forem conferidas expressamente ao Diretor do Fórum, ou a outro juiz de direito da comarca.” (TOCANTINS, 1996) Buscando solucionar os problemas de conhecimento especifico de gerenciamento, a ESMAT, o TJ/TO e o CNJ oferecem cursos de aperfeiçoamento para os juízes, já que a grande maioria está na carreira há muito tempo e conseqüentemente possuem mentalidade enraizada no modelo arcaico de justiça, ou seja, juiz inacessível dentro de gabinete apenas julgando os processos, conforme se observa na resolução 126/2011, do CNJ, em seu art 1º: “Art. 1º Criar o Plano Nacional de Capacitação Judicial (PNCJ), que constitui o conjunto de diretrizes norteadoras das ações promovidas pelas Escolas Judiciais brasileiras na formação e aperfeiçoamento de magistrados e servidores do Poder Judiciário, integrando-as num sistema harmônico e conjugando os esforços de cada uma, na busca do ideal comum de excelência técnica e ética da Magistratura Nacional e dos servidores da Justiça.” (BRASIL, 2011) Diante disso, o judiciário tocantinense terá como maior desafio para que o juiz desenvolva habilidades de administração gerencial a quebra de paradigmas. Sem o gerenciamento da Vara Judicial (processos/pessoas) pelo magistrado, o mesmo não poderá dar efetividade à justiça, pois proferir uma decisão nem sempre é sinônimo de prestação jurisdicional eficaz, para isso é necessário que a resposta do judiciário chegue ao jurisdicionado em tempo razoável com uma efetiva solução para seu conflito. Portanto, da pesquisa feita, pode-se observar que o maior obstáculo enfrentado pelo magistrado é a dificuldade em gerenciar a unidade judicial que está sob sua liderança, pois gestão de pessoas e processos é o caminho mais acertado  para dar efetividade à justiça. Tanto é assim, que a justiça da atualidade está pautada em planejamento e gestão estratégica. Nesse contexto infere-se que o Poder Judiciário no cenário atual possui duas situações a serem consideradas: o magistrado já inserido no judiciário com suas novas diretrizes e aquele que ainda vai ingressar na magistratura. Desta forma, observa-se que para que a justiça seja eficiente é necessário desenvolver, dentre outras ações, as que ora se destaca. Para o juiz inserido no contexto jurídico do judiciário tocantinense as ações de efetividade de justiça diferem daquelas que devem ser realizadas pelo que ainda será ingressado, pois deve atuar com as ferramentas que possui. O magistrado inserido no Judiciário contemporâneo deve atuar de forma a superar as dificuldades existentes, dentre as quais, doravante sugere-se algumas propostas de alternativas para melhoria da prestação jurisdicional pautada em suas ações como gestor.  O Juiz já inserido no judiciário que não tem conhecimento de gestão e por isso dificulta ou retarda a prestação jurisdicional, portanto, deve se relacionar com os dados estatísticos, analisando sempre sua produção e o tempo de vida do processo e das práticas dos atos processuais, contabilizando a produtividade do cartório e do gabinete. Tal ação é uma conduta eficaz para concretizar a justiça. A Resolução nº 76/2009 disciplina sobre a utilização dos dados estatísticos como ferramenta para análise crítica e meio para redefinir sua atuação, veja-se: “Art. 8º. § 1º. A análise crítica e as tendências dos dados estatísticos serão apresentadas em relatório consolidado, pela Comissão de Estatística e Gestão Estratégica, em seminário a realizar-se no segundo semestre de cada ano civil”. (BRASIL, 2010) Agindo assim, o magistrado poderá reformular ações e evidenciar onde está o maior índice de desacerto no caminho percorrido pelo processo, a fim de orientar sua equipe e melhorar a prestação jurisdicional. Importante igualmente que ao abrir um processo para dar-lhe impulso o magistrado observe as datas, a fim de analisar quando proferiu o último ato e qual período foi necessário para sua execução pelo cartório, bem como fazer comparação deste dado com o número de feito tramitando na Vara, quantos processos foram cumpridos pelos servidores, se a meta de serviço está dentro da média recomendada pelo Tribunal, bem como investigar qual e onde está a falha na execução dos trabalhos. Na lição de Santana (2007) a função básica de controle estatístico de processo e a padronização dos trabalhos são importantes para evitar as variações que ocorrem na execução dos serviços, pois o tempo, percurso, itinerário e as etapas do processo até chegar à mesa do magistrado, bem como o número de vezes que o mesmo retornou concluso até seu arquivamento, são situações que comprometem a qualidade dos serviços, o que denota a necessidade de se rever alguns métodos ou até mesmo deixá-los para trás, portanto, a estatística é uma ferramenta importantíssima no controle do processo, uma vez que possibilita a coleta de dados e formaliza a padronização dos processos que deverão ser acompanhados pelos envolvidos na prestação jurisdicional. Ademais, os processos devem ser gerenciados também no gabinete, como exemplo, um dia da semana para despachos, outro para decisão, mais um para sentenças e dois dias para realização de audiências, priorizando os feitos urgentes e mais antigos. Deve ainda o magistrado manter o controle de todos os processos que trabalhou, não deixando tal situação sob exclusivo domínio da serventia, somente, se o juiz tiver consciência do que produz poderá orientar a si mesmo e ao cartório como impulsionar os feitos de forma mais célere e eficiente. A gestão de pessoas igualmente configura um obstáculo para a prestação jurisdicional efetiva, por isso o relacionamento entre o juiz e sua equipe é fundamental para o sucesso da empreitada. O juiz deve motivar sua equipe, saber da situação pessoal e conhecer a deficiência de cada um, incentivar o aprimoramento dos conhecimentos, agir sempre com urbanidade, exigindo, direcionando e fiscalizando o trabalho desenvolvido. O juiz deve ficar adstrito à realidade do cartório e de cada servidor em especial, bem como ter uma ligação acentuada com o escrivão, que é o gerente direto do cartório. Por isso, cabe ao magistrado ter uma habilidade na gestão das pessoas, que na visão de Daft (1999, p 9) é: “A capacidade do administrador de trabalhar com e entre as outras pessoas e trabalhar eficazmente como membro de um grupo. Esta habilidade é demonstrada pelo modo como um administrador se relaciona com as outras pessoas, incluindo a capacidade de motivar, facilitar, coordenar, liderar, comunicar e resolver problemas. […] Um administrador com habilidades humanas estima as outras pessoas e é estimado por elas. […] Com a globalização e o aguçamento da diversificação da força de trabalho, as habilidades humanas se tornam ainda mais cruciais. […] Os administradores eficazes são incentivadores, facilitadores, treinadores e educadores. Eles constroem por intermédio das pessoas.” Outra alternativa que poderia ser eficaz para otimizar os trabalhos da unidade judiciário no âmbito do gerenciamento das pessoas, é a constância de reuniões entre juiz –gestor e sua equipe, com abertura para diálogo, de forma que todos pudessem expressar reclamações e propor sugestões para melhoramento da prestação jurisdicional, momento em que o juiz aproveitaria para expor suas idéias, motivando os servidores, direcionando todos à visão da Vara Judicial, traçando metas, fundamentadas no plano estratégico, para sua unidade judiciária. Nesse sentido, uma “mesa redonda” pode modificar pensamentos e situações concretas, pois o diálogo é transformador de pensamento e conseqüentemente de comportamentos. O juiz deve utilizar dessa ferramenta para adquirir a confiança, motivar sua equipe, fomenta espírito de solidariedade e responsabilidade social com os colegas e os usuários. Nesse sentido Pena e Costa (2010) explica que o fortalecimento da comunicação por meio de transparência, reuniões e encontros possibilita uma observação dos erros, acertos e correções necessárias para aprimorar os serviços no cotidiano, sendo ponto contributivo para melhorar o índice de comprometimento com as metas traçadas. O sistema de recompensa de igual forma seria uma alternativa de motivação da equipe. O magistrado deve sempre elogiar uma atitude, uma idéia ou uma postura do servidor, bem como, por exemplo, implantar um sistema de reconhecimento do funcionário do ano encaminhando para registro em seu dossiê, inclusive fazendo moção de elogio ou agradecimento por meio do site do Tribunal de Justiça a fim de dar publicidade ao bom serviço prestado, que serviria até mesmo como modelo ou incentivo para demais servidores. Não obstante, para Vieira (2008) deveria o magistrado se envolver com a população, desenvolvendo projetos sociais, promovendo palestras em escolas e universidades, falando com a imprensa sobre os problemas jurídicos locais, enfim, aproximando-se do jurisdicionado, a fim de desmistificar a visão de juiz dentro do gabinete, e conseqüentemente de uma justiça distante e parcial. Poderia ainda o juiz participar de cursos de gestão de processo e pessoas, exigindo do tribunal e das escolas da magistratura políticas de incentivo ao aprimoramento de seus conhecimentos também na área de administração.   Já para o juiz que ainda vai ingressar na magistratura algumas exigências poderiam ser reformuladas. É sabido que os bancos de faculdades não formam satisfatoriamente os profissionais, mas em suas grades curriculares poderiam ser introduzidas disciplinas sobre noções de gestão para que o futuro profissional do Direito tivesse contato com tal conhecimento já nesse momento. Contudo, a saída mais eficaz seria exigir um aperfeiçoamento na área de gestão de processo e pessoas do magistrado no período probatório, quando ainda substituto, constituindo pré-requisito para titularização a aprovação nos cursos que participou. O juiz deve ser ensinado a efetivar suas ações no processo. Para se fazer justiça é necessário mais do que técnica, é imprescindível ainda um gerenciamento eficaz. 5 Aplicação da pesquisa de campo Do estudo em questão extraiu-se que o principal problema para efetividade da justiça a ineficiência no gerenciamento dos processos e das pessoas. Assim, analisar-se-á os dados colhidos na pesquisa de campo, trazendo as práticas observadas da unidade judicial investigada, traçando a partir daí possíveis soluções para resolver a problemática da ineficiência da justiça. Perguntado se havia organização dos trabalhos na Vara Judicial em estudo, das respostas foram negativas. Contudo no mês de janeiro o juiz iniciou um processo de implantação de rotina que foram elaboradas considerando a realidade de cada servidor e da comarca. Para que a justiça seja eficiente e célere é importante ao magistrado distribuir as tarefas ressaltando as habilidades e limitações inerentes à cada membro da equipe, sobretudo, porque o servidor não se sente sobrecarregado, pois se todos realizarem as mesmas tarefas, nenhuma será desenvolvida satisfatoriamente, ou seja, se os quatros servidores do cartório atender ao público, promover os arquivamentos, cumprir os processos e emitir a correspondência, não terão resultados eficientes. Sobre a importância do trabalho em equipe Vieira (2008, p 30) diz que: “A prestação jurisdicional, em sua essência, é resultado de um trabalho de equipe. Equipe essa composta pelo juiz e por todos os servidores da sua unidade jurisdicional. Trata-se de uma típica equipe funcional, assim um grupo organizado que se reporta a um único chefe e pode ou não ser obrigado a trabalhar em conjunto, para atingir os objetivos do grupo”. Assim, mesmo sem conhecimento sobre gerenciamento de pessoas, o magistrado poderá desenvolver habilidades nessa área, demonstrando que conhece sua equipe e atua de acordo com a necessidade de cada servidor. O líder deve saber trabalhar os que estão sob sua autoridade, pois assim aproveitará as habilidades e superará as deficiências dos servidores de sua equipe. Nesse contexto, o professor Motta (1999, p 217), recomenda: “Reconhecer o valor das pessoas. Olhar sempre para as características positivas dos indivíduos, deixando-os saber o quanto são apreciados. Os indivíduos tendem a se dirigir para os lugares em que são mais queridos e reconhecidos. Recompensar, valorizar, elogiar, singularizar os funcionários frente ao público interno e externo são formas de se alcançar bom desempenho e excelência no trabalho. Respeitar e fazer as pessoas sob supervisão se sentirem importantes e honradas é um meio de se obter, em retorno, o seu respeito e a sua consideração.” Com a pesquisa observou-se ainda que o juiz não dispensava tempo necessário para uma organização dos trabalhos, contudo com a implantação da citada rotina de trabalho buscou-se celeridade e eficiência nos serviços. A rotina de trabalho é uma das soluções mais eficazes para que a justiça seja efetivada, pois por meio das rotinas de trabalho pode-se promover um gerenciamento do cartório e da equipe. Desta maneira, a rotina é instrumento capaz de organizar os trabalhos da serventia e assim buscar sair do modelo padrão de prestação jurisdicional, pois implanta a divisão de tarefas, desenvolve a preocupação com o número de feitos cumpridos por dia, com o período em que o processo fica sem impulso e com a produtividade de forma que os serviços possam ser analisados, e para em sendo necessário, reformular ações a fim de efetivar a justiça. O Conselho Nacional de Justiça, tamanha importância da implantação das rotinas de trabalho, determinou ao judiciário, por meio da Resolução 70 /2009, veja-se: “[…] desenvolver e/ou alinhavar planejamento estratégico plurianual aos objetivos estratégicos do Poder Judiciário, com aprovação no Tribunal Pleno ou Orgao Especial; capacitar o administrador de cada unidade judiciária em gestão de pessoas e processos de trabalho, para imediata implantação de métodos de gerenciamento de rotinas.” (BRASIL, 2010) Foi observado ainda com a pesquisa que mesmo com implantação da rotina, os serviços podem não alcançar a eficiência e rapidez desejada, pois a rotina não basta para mudar uma forma de trabalhar enraizada há anos na mentalidade dos servidores públicos e juízes. Com a implantação de uma nova estrutura de trabalho, situações adstritas aos servidores e ao magistrado podem ser notadas. Nesse contexto, mesmo após a implantação das rotinas de trabalho, o problema com o gerenciamento do cartório não é exaurido, pois a equipe –servidores – se identifiquem com os novos rumos do serviço, sejam motivados, conscientizados, fiscalizados e cobrados, a fim de que a mesma efetive a justiça. Benneti (1997, p 12) leciona que: “O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha de produção e o produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e a execução. Como profissional de produção é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado. É falsa a separação estanque entre as funções de julgar e dirigir o processo – que implica orientação ao cartório. O maior absurdo derivado desse nocivo ponto de vista dicotômico é a alegação que à vezes alguns juízes manifestam, atribuindo a culpa pelo atraso dos serviços judiciários ao cartório que também está sob sua superior orientação e fiscalização. Como um gerente, o juiz tem seus instrumentos, assim como um fabricante os seus recursos. São o pessoal do cartório, as máquinas de que dispõe, os impressos. É o lugar em que se trabalha; são os carimbos, as cadeiras, o espaço da sala de audiências e de seu gabinete; são a própria caneta, a máquina de escrever, o fluxo de organização do serviço e algumas coisas imateriais. O juiz é como o empresário, para o qual tudo vale para atingir a maior produção. Valem a disposição para o trabalho, a dedicação por longo horário, o bom-nome, a seriedade de comportamento no ramo de atividade e a imagem de organização o gerencia a quem procura os serviços. Tudo para o juiz é instrumento de sua jurisdição, tudo auxilia a terminar os processos, da mesma forma que, para o industrial ou o comerciante, tudo o que tem na fábrica ou loja é instrumento de sua  atividade industrial ou comercial.”   Igualmente, averiguou-se ante a pesquisa proposta que para o cartório não existia a preocupação com a produtividade, em que pese promoverem as anotações para mapas estatísticos, não tinha essa situação como prioridade.  O juiz de igual forma não estava adstrito à sua produtividade e à das demais unidades judiciais do Estado, uma vez que não dispunha de tempo para promover essa análise, pois a Vara Criminal tem um número elevado de feitos de réu presos, audiências e júris. É importante que o magistrado observe sua produção, analisando como seu trabalho e do cartório está sendo realizado, pois só assim poderá reordenar seus atos no âmbito gerencial a fim de alcançar os objetivos e metas da prestação jurisdicional. Beneti (1997, p 50) diz ainda: “O juiz deve ser encarado como um gerente de empresa, de um estabelecimento. Tem sua linha de produção e produto final, que é a prestação jurisdicional. Tem de terminar o processo, entregar a sentença e execução. Como profissional de produção é imprescindível mantenha ponto de vista gerencial, aspecto da atividade judicial que tem sido abandonado.” Questionado sobre o trabalho motivacional, extraiu-se das respostas que o magistrado motiva sua equipe apenas dando-lhes oportunidade de aprimorar os conhecimentos, pois faz questão que os servidores participem dos cursos oferecidos pelo Esmat e Tribunal de Justiça. Observou-se ainda que o juiz tem uma postura humana, pois conhece os problemas pessoais de seus servidores, contribuindo para solução dos mesmos, de forma que cada membro de sua equipe desenvolve melhor as atividades cartorárias. O juiz não faz nenhum outro trabalho motivacional. Entretanto, quando implantou a rotina, fez uma única reunião com Coffe break, ministrando palavras de entusiasmo, evidenciando o bom ambiente de trabalho no âmbito físico e emocional e mostrando à equipe a importância da organização dos serviços porque assim eles alcançariam as metas do CNJ, bem como nenhum servidor ficaria sobrecarregado. Juiz ainda ressaltou as qualidades de cada membro da equipe e sua importância para a boa execução dos serviços. Exigiu e direcionou como a prestação jurisdicional iria se desenvolver após aquela nova organização. Das respostas notou-se a importância do trabalho motivacional, pois tal postura influencia na prestação jurisdicional uma vez que uma equipe motivada tem pré-estabelecidos seus trabalhos, bem como tem a consciência da sua missão no judiciário. Para que um gerenciamento no cartório aconteça os servidores são peças fundamentais, diante disso o magistrado necessita de mudança na postura dos servidores do cartório, pois o juiz pode implantar uma nova visão, objetivos e comportamento de sua equipe e não haver nenhuma transformação. Se o magistrado reorganiza o desenvolvimento do trabalho de forma diferenciada buscando efetivar a justiça, trazendo celeridade e eficiência, e os servidores não aderem ao novel gerenciamento da serventia, de nada adiantaria o trabalho. Sobre motivação Freitas (2005, p 32) comenta que: “Hoje, mais do que nunca na história do Poder Judiciário brasileiro, o servidores têm um papel decisivo na eficiência dos serviços judiciários. Os Juízes, do Supremo Tribunal Federal à primeira instância, valem-se de servidores e até mesmo de estagiários. Ninguém ignora que a explosão de processos pós-1988 não é administrada e decidida apenas pelos magistrados, existindo um papel coadjuvante, indispensável e cada vez maior, das assessorias. Assim, motivá-los é essencial. E esta tarefa, que evidentemente não á fácil, pode – e deve – ser sempre estimulada”. Poderia ainda o magistrado fazer reuniões periódicas com sua equipe a fim de investigar as ações bem sucedidas, as que não se adequaram à realidade do cartório, ouvir as reclamações e sugestões, bem como aproveitar esse momento para falar sobre a importância da organização/gerenciamento dos trabalhos e a visão do judiciário atual, implementada pelo planejamento e gestão estratégicos do TJ/TO e do CNJ. Nessa linha, com razão Lima (2001, p 61/62) quando afirma que: “É preciso ouvir as pessoas, saber de suas expectativas, do quanto podem contribuir para a melhoria dos processos em que trabalham.Muitas  organizações, para implementar a gestão participativa, tratam logo de colocar uma caixinha de sugestões para estimular a participação de seus servidores. A experiência tem demonstrado que essa estratégia é, no mínimo, fraca, quando não distancia ainda mais os gerentes de suas equipes. (…) A grande mudança é fazer com que gerentes e gerenciados se encontrem pessoalmente e, 'olho no olho', falem dos problemas, busquem soluções e estabeleçam desafios. Essa mudança de atitude exige que os gerentes saiam de suas salas e andem pelos corredores e salas; que, independentemente do nível hierárquico, as pessoas interessadas e conhecedoras de um determinado assunto participem das reuniões de trabalho.” Segundo o magistrado entrevistados, o mesmo ainda não participou de nenhum curso, pois a Vara Criminal tem um fluxo elevado de audiência e processos com prioridade de tramitação, não restando tempo disponível para se dedicar aos cursos oferecidos. Já os servidores participam apenas de alguns cursos oferecidos, alegando ainda que quando se inscrevem para cursos ministrados á distância na própria comarca não aproveitam os mesmos de forma satisfatória, pois são interrompidos constantemente com os processos urgentes. Tal situação dificulta a efetividade da justiça e do sucesso da própria rotina de trabalho implantada pelo magistrado, uma vez que nem juiz, nem servidores têm conhecimento necessário sobre planejamento, racionalização de serviços, avaliações de ações e gerenciamento de processos e pessoas. Para resolver a deficiência proveniente da falta de gestão, a participação em cursos é fundamental para que o magistrado adquira pelos menos os conhecimentos básicos para iniciar, inovar ou aprimorar sua capacidade gerencial.  O juiz deve sair do modelo arcaico de justiça. Buscando aperfeiçoar seus conhecimentos tanto no âmbito jurídico, quanto no âmbito administrativo, pois só assim ter-se-á uma efetividade da justiça. Nesse sentido Dias (2009, p 13): “O modelo burocrático, tão valorizado pelos líderes do passado, onde o gerente atuava verticalmente, com instrumentos puramente formais e normais, obedecendo à lógica hierárquica, vem demonstrando não ser mais suficiente, pois mais do que saber o que devem fazer, as pessoas querem oportunidades de utilizar seu conhecimento, talento e competências, e para sentirem-se importantes e envolvidas na construção do futuro da organização a que pertencem. Os líderes precisam descobrir que seu papel mudou de forma significativa; como conseqüência, o comportamento precisa também mudar. O desafio crítico em que se encontram se refere ao fato de assumirem novas responsabilidades, que devem estar envolvidas não apenas para o atendimento das metas organizacionais, como também para o desenvolvimento de pessoas e novos líderes capazes de dar continuidade ao constante processo de adaptação das organizações no contexto em que se inserem.” A justiça não se faz só com decisões, realização de audiências e condução de processos, mas com uma organização dos trabalhos. É preciso que o processo seja devidamente e atempamente cumprido de forma que o jurisdicionado tenha uma resposta eficiente e realmente observe a efetividade da justiça. Indagado se a coordenação estabelecida pelo magistrado da unidade judicial influencia na prestação jurisdicional, foi respondido pelos servidores, por unanimidade, que a postura do juiz influencia na prestação jurisdicional. O magistrado afirmou de igual maneira que observa uma influencia positiva da efetividade da justiça quando trabalha mais próximo à sua equipe. Respondeu-se ainda que o gerenciamento dos processos influencia de igual forma para melhorar a prestação jurisdicional, pois os trabalhos são desenvolvidos em equipe, de maneira que o magistrado e cada servidor preocupam-se com o bom andamento da Vara. Como amplamente demonstrado na pesquisa, a gestão dos processos e das pessoas influencia na efetividade da justiça, pois todo o serviço da serventia está sob a liderança do magistrado e a forma como o mesmo gerencia o cartório influencia no resultado final da prestação jurisdicional. Assim, para que a justiça seja efetivada, cabe ao magistrado desenvolver atividades administrativas gerenciais. Dias (2009, p27), igualmente leciona: “A implementação desta realidade através da utilização de ferramentas que proporcionem produtividade no setor público e a gestão dos processos é o que se busca. O papel do juiz será fundamental para o alcance da inovação e da efetividade na condução do processo e da prestação jurisdicional brasileira. A inovação e a busca pela celeridade certamente passarão pela implementação do processo eletrônico em toda a Justiça brasileira.” A entrevista demonstra além disso que, em que pese, haver um número reduzido de feitos tramitando na unidade judiciária, existem poucos processos conclusos e aguardando cumprimento do Cartório, o que denota que o gerenciamento promovido pelo magistrado titular é eficiente e se adéqua ao novel parâmetro de juiz gestor que o Judiciário esta buscando. Desta forma, para que a justiça se efetive é fundamental que juiz e servidores trabalhem em conjunto, pois se o juiz agiliza o impulso de um processo, por exemplo, designando uma data próxima para realização de audiência, mas o cartório não cumpre os atos processuais ou oficial de justiça não é diligente para intimar as partes, de nada adiantou o serviço do magistrado. Então o magistrado deve trabalhar considerando todas as deficiências da equipe, da estrutura física e de material de expediente, planeja o trabalho de forma que sejam satisfatoriamente cumpridos, constituindo-se essa postura como outra possibilidade eficiente para efetivação da justiça. Nesse contexto salienta Vieira (2008, p 46): “Com efeito, evidencia-se que a prestação jurisdicional de determinada unidade resulta de um trabalho concatenado do magistrado com sua equipe de servidores. Conseqüentemente a celeridade da prestação jurisdicional também estará atrelada à forma como a equipe é gerenciada ou liderada pelo juiz. É certo que existem outras causas que ensejam a morosidade de uma Comarca ou Vara da primeira instância (ações de massa, inúmeras possibilidades recursais, modelo processual formalista etc.), mas inevitavelmente uma boa gestão da equipe alinhada a uma boa administração institucional de determinada esfera do Poder Judiciário Brasileiro poderia obter resultados muito positivos em relação ao problema da morosidade da prestação jurisdicional”. Perquirido sobre o cumprimento das metas do CNJ, foi respondido que as mesmas estão sendo observadas, a unidade judicial está trabalhando para que o número de processos ajuizados sejam menor que o de arquivados, além de não haver mais nenhum processo anterior ao ano de 2005 pendente de julgamento, situação que evidencia cumprimento das metas 1 e 2 do CNJ. O gerenciamento dos processos pelo Cartório é feito considerando o grau de urgência, tais como, réu preso, processos de competência do tribunal do Júri, cautelares, medidas protetivas, dentre outros. Situação, outrossim, observada pelo magistrado no impulso dos feitos. Enfim, nota-se no gerenciamento dos processos que se busca a garantia dos direitos individuais e protecionistas, outra recomendação do CNJ. Não obstante, é dada prioridade, sobretudo, nos processos cujos crimes são dolosos contra a vida ajuizados até 2007, que faz parte das metas da Estratégia Nacional de Segurança Pública (Enasp) em conjunto com o CNJ. O CNJ antes de implantar o planejamento e gestão estratégicos fez uma analise profunda da atual situação do judiciário, constatando quais as maiores deficiências e dificuldades existentes, traçando a partir de então novas metas, visões, objetivos e princípios para a justiça a fim de dar-lhe efetividade. O juiz precisa observar as metas do CNJ, uma vez que a coordenação dos trabalhos no cartório será delimitada pelo que foi imposto à todo judiciário no contexto nacional. O Conselho Nacional de Justiça já estudou todos os mecanismos administrativos essenciais à efetiva prestação jurisdicional, por isso se o juiz observar o planejamento traçado tanto pelo TJ/TO, quanto pelo CNJ, desenvolverá um gerenciamento eficaz e consequentemente resolver o problema da ineficiência da justiça. Mesmo sem conhecimento necessário sobre gestão, as metas do judiciário são fundamentos para direcionar as ações que o magistrado poderá desenvolver de plano e assim dar efetividade à justiça. Ainda a festejada autora leciona, Dias (2009, p 26): “O caminho a ser seguido pelo juiz para a busca da qualidade jurisdicional passa necessariamente pela condução do processo de maneira efetiva, criativa e inovadora, e é na gestão que, sinônimo de administração na atividade privada, busca-se o alcance das metas da organização de forma eficaz e eficiente utilizando-se de planejamento, organização, liderança e controle dos recursos disponíveis”. Como visto organizar os trabalhos da serventia considerando as metas do CNJ, motivar a equipe, participar de cursos de aperfeiçoamento na área de gestão, bem como desenvolver práticas de gerenciamento no cartório influencia na prestação jurisdicional, ou seja, é o meio mais hábil para se alcançar a tão almejada justiça célere, acessível e eficiente. 6 Alguns resultados observados com a pesquisa de campo Com a pesquisa realizada observou-se que os resultados da mesma convergem para os objetivos esperados com o estudo de caso, porquanto restou evidenciado que a gestão do magistrado, pautada no planejamento estratégico do CNJ, é um dos fatores cruciais para a efetividade da justiça. Extraiu-se, assim, que os problemas enfrentados resumem-se à falta de conhecimento sobre administração gerencial pelo magistrado, ausência de gestão dos processos e das pessoas, falta de trabalhos motivacionais, observância e consciência das metas do CNJ, e por fim falta de disposição para participar dos cursos de aperfeiçoamento nessa área oferecidos pela ESMAT, Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins e Conselho Nacional de Justiça. Desta maneira, a pesquisa sobre organização cartorária pelo magistrado foi satisfatória, pois gerenciou o cartório de forma que os trabalhos foram otimizados e os resultados finais aprimorados. Diante da grande importância do aperfeiçoamento dos magistrados, por meio da Resolução 70/2009, do Conselho Nacional de Justiça (BRASIL, 2010) determinou como meta “Capacitar o administrador de cada unidade judiciária em gestão de pessoas e de processos de trabalho, para imediata implantação de métodos de gerenciamento de rotinas”. Como explanado, a pesquisa evidenciou que seria necessário estruturar o judiciário considerando o magistrado já inserido na carreira e àquele que ainda vai ingressar. A pesquisa de outro lado, não foi satisfatória quando evidenciou que nem magistrado, nem servidores dão a devida atenção ao aperfeiçoamento, não participam dos cursos de forma satisfatória. Nesse sentido preleciona santos (2007, p 101): “A formação é fundamental, não só para o exercício das funções específicas, mas também como instrumento de sistematização e de uniformização de princípios e linhas orientadoras. A questão da formação coloca-se em vários domínios com reflexo na gestão e nos métodos de trabalho. Será reduzido o impacto positivo resultante da introdução de inovações se os agentes que as deverão executar, em especial aqueles que desempenham um papel central de coordenação ou de direcção, não forem devidamente preparados para tal”. O juiz integrante do judiciário tocantinense tem de adequar ao novo modelo de justiça conforme implantada e desenvolvida pelo CNJ, devendo aperfeiçoar-se na área de gestão, para gerenciar as pessoas e processos, buscando meios para adaptar-se e inovar o gerenciamento da unidade judicial que está sob sua liderança. Nessa linha Nalini (2006, p 169) comenta: “O juiz, individualmente considerado, deverá impregnar-se desse espírito de mudança, procurando implementá-lo em sua unidade de trabalho. Não espera que a instituição, tradicionalmente infensa a debates e participação de todos os seus integrantes – juízes e servidores – na gestão administrativa, possa assumir por ele esse desafio. Dependerá de seu esforço pessoal encontrar espaço para outras cogitações, com vistas a reformular o funcionamento do poder.” Já o magistrado ainda não participante da carreira, o problema se instala não só mais no âmbito no TJ/TO, mas, sobretudo da magistratura nacional, pois a Lei Complementar nº 35/79 disciplina a forma de titularização e promoção dos juízes. Com a mudança na legislação, alterando os requisitos para titularização e promoção, seria exigido ao magistrado que participasse em cursos de gestão, constituindo tal situação uma forma de dirimir a problemática instalada com a ausência de gerencia dos processos e pessoas, e consequentemente a ineficácia e a morosidade da justiça. A gestão do juiz assegura uma justiça efetiva com melhores resultados, maior celeridade e eficiência. Embora, o magistrado esteja enfrentando problemas para assumir sua face de gestor, essa postura é plenamente possível se o mesmo buscar tal conhecimento, seja por meio de cursos, seja por meio de ações inovadoras, com práticas já utilizadas e bem sucedidas, como é o caso das rotinas de trabalho. A mudança de postura do magistrado, o gerenciamento da Vara Judicial trará um ganho inenarrável ao jurisdicionado que é a parte mais interessada e afetada com a morosidade, complexidade, inacessibilidade e ineficiência da justiça. Explanada a importância da gestão na administração pública para otimizar os serviços, Jobim (2005, p.22), diz que a prestação jurisdicional, atividade essencial ao judiciário, deve seguir um novo caminho, o da gestão na administração pública, porquanto assim desenvolverá suas ações pautadas na missão definida, na efetividade, na eficácia, na eficiência dos serviços, envolvendo de igual forma a sociedade e o quadro funcional, bem como implementando uma visão de futuro. Portanto, para efetividade da justiça cabe ao juiz além de buscar aprimorar seus conhecimentos de gestão, o mesmo pode de imediato formular ações, tais como, desenvolver rotinas de trabalho, organizar os serviços no gabinete e cartório, motivar sua equipe, observar as metas do CNJ e planejamento estratégico do tribunal de justiça tocantinense. A presente pesquisa foi ainda muito satisfatória e alcançou seus objetivos pois dela extraiu-se que o magistrado poderá desenvolver algumas posturas para efetivar a problemática instalada com a ausência de gestão, quais sejam: fazer divisão de tarefas; analisar e acompanhar os dados estatísticos; observa tempo de vida do processo; organizar o trabalho semanal no gabinete, organizando o dia em que o ato processual que será realizado; controlar a produtividade da Vara e das demais unidades judiciais do estado com mesma classificação; relacionar-se harmoniosamente e respeitosamente com sua equipe; motivar os servidores; fazer reuniões constantes com um feed back e incremento de ações sugeridas; promover sistema de recompensas; bem como envolver-se com a população, conforme amplamente explanado no capítulo anterior. Já o Tribunal de Justiça do Tocantins em conjunto com o Conselho Nacional da Magistratura a fim de mitigar a ineficiência da justiça por meio do gerenciamento da serventia, deveria rever os requisitos para titularização e promoção dos magistrados exigindo participação em cursos de gestão para tanto a fim de solucionar o problema da morosidade e ineficiência da justiça em razão da ausência de gerenciamento. A observação in loco fundamentou as atuações sugeridas nesse trabalho, pois da pesquisa observou-se que o magistrado mudou algumas posturas na unidade judicial sob sua liderança e já obteve êxito uma vez que os serviços foram otimizados e a prestação jurisdicional teve uma maior celeridade e eficiência. Mesmo não alcançando o fim colimado pelo judiciário em sua totalidade, o caminho percorrido demonstra o sucesso da nova gestão. Desta forma, para efetivar a justiça a nível nacional, cada juiz deve assumir uma atitude diferente e inovadora, ou seja, promover, dentro de suas limitações, uma gestão das pessoas e dos processos na Vara Judicial. Do exposto, restou patente tanto com o referencial teórico, quanto com a pesquisa de campo, que o magistrado é o agente capaz de efetivar a justiça e que diante disso precisa superar as dificuldades para desenvolver atividades administrativas de gerenciamento em conjunto com a jurisdicional, já que a gestão da vara judicial é um dos meios mais eficazes na concretização de uma justiça eficiente, célere e acessível. Considerações finais O Poder Judiciário sempre foi refratário, conservador e apegado ao formalismo. Até que chegou o momento que a transformação era inevitável. Havia um exacerbado número de demandas judiciais, um déficit considerável de servidor, material e estrutura física, e a alternativa não foi outra senão, procurar meios mais adequados e eficazes de satisfazer os anseios da sociedade Assim, cabe ao Juiz desempenhar sua função gerencial, não podendo mais se limitar ao impulso de processo e a decisões nos processos de sua competência. É necessário que tenha consciência e busque capacitação para gerir a Vara que é responsável, pois precisa utilizar-se dos parcos recursos materiais, físicos e pessoais a fim de efetivar a missão do judiciário. Toda a estrutura desenvolvida pelo judiciário atual só poderá ter sucesso, se o juiz for um bom administrador de sua unidade jurisdicional. O juiz moderno deve se preocupar-se com a gestão dos processos e das pessoas que estão sob sua autoridade, exercendo um gerenciamento inovador, que planeja estrategicamente o trabalho de sua equipe, interagindo com a sociedade, realizando projetos. Portanto, da pesquisa pode-se concluir que o planejamento estratégico mostrou ser a saída mais eficiente ao bom desenvolvimento do trabalho da justiça e que os magistrados são os responsáveis pela efetivação de todas as metas traçadas para a justiça, por ser o administrador-lider de sua unidade judiciária. Se o juiz desenvolver habilidades de gestor ou mesma adaptar ações já utilizadas no judiciário em outras comarcas ou varas, gerenciando assim as pessoas e os processos, superando as dificuldades da falta de conhecimento na área, a justiça será efetivamente, acessível, célere e eficaz.
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Reposição ao erário de pagamentos indevidos
Este artigo discute a reposição ao erário em decorrência de erro ou má interpretação da Lei por parte da Administração Pública. Pretende-se, dessa forma, debater o posicionamento dos julgados no que diz respeito à reposição em decorrência de erro ou má interpretação da Lei por parte da Administração. Assim sendo, os autores Di Pietro (2012), Mazza (2011) e, principalmente Nobre Junior (2002), dentre outros, serviram de suporte para a análise de sentenças e acórdãos referente ao tema proposto. [1]
Direito Administrativo
1-Introdução Por muitos anos, a questão que envolve a devolução de importância recebida por servidor investido em cargo público de valores pago por erro da administração ou má interpretação da lei aqui no Brasil, vem provocando descontentamento aos servidores públicos e gerando ações no judiciário pleiteando a anulação do ato administrativo que determinou as devoluções. A Súmula nº 249 do TCU afirma que: “É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebida, de boa fé, por servidores ativos e inativos e pensionistas em virtude de erros escusável de interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais.” Logo se entende que os valores pagos indevidamente aos servidores na hipótese de erros da Administração não devem ser ressarcidos, desde que recebidas de boa fé, conforme a Súmula 249 ora apresentada. Desse modo, o órgão fiscalizador das contas públicas estabeleceu, na hipótese mencionada, a dispensa de reposição ao erário. Assim sendo, cabe à Administração Pública adotar tal orientação evitando, de tal modo, a discussão da matéria no Judiciário. Caso a Administração adote tal orientação não haverá desconto de valores na remuneração dos servidores e nem parcelas a serem ressarcidas. O presente trabalho discute a reposição ao erário e aponta o princípio da boa fé como um importante fator para a legitimação de um ato administrativo, principalmente no que diz respeito à necessidade de proteger a confiança do servidor na estabilidade das relações trabalhistas. Assim pretende-se pontuar as incidências de reposições em decorrência de erro ou má interpretação. Para tanto, recorreu-se a autores de renome como Di Pietro (2012), Mazza (2011) e, principalmente Nobre Junior (2002), dentre outros, assim como analisaram-se sentenças e acórdãos referente ao tema para uma melhor explanação do assunto em pauta. O princípio da boa fé veio dar mais segurança dos atos administrativos aos administrados reduzindo estes as oscilações da Administração Pública. 2- A força normativa dos princípios Os princípios Constitucionais são atualmente considerados normas jurídicas, encontrando-se na mesma posição hierárquica das regras os quais podem ser invocados para controlar a atuação do Estado. As Constituições, nos últimos dez anos do século XX, com o advento da era Pós-positivista, passaram a reforçar “a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual se assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”. (BONAVIDES, 2003,p.264 apud OLIVEIRA, 2011, p. 21). Oliveira (2011) afirma que o “traço característico do Pós-positivismo é o reconhecimento da normatividade primária dos princípios constitucionais”. A Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro estabelece que “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” com isso demonstra que o período do positivismo reconhecia os princípios somente como fonte subsidiária. Contudo essa realidade não mais prospera no ordenamento vigente. Oliveira (2011, p.22) expõe que: “, os princípios são considerados normas jurídicas primariam e devem ser levados em consideração mesmo nas hipóteses em que existam regras jurídicas sobre determinados assunto. É possível, inclusive, a declaração de inconstitucionalidade de regras legais violadoras de princípios constitucionais.” A partir dessa reflexão é possível afirmar que os atos administrativos estão sujeitos aos princípios gerais do Direito, haja vista que são normas constitucionais. 3.1-Princípios da Administração Pública 3.1.1-Conceito A Administração Pública possui princípios fundamentais que funcionam como verdadeiros alicerces de toda atividade administrativa. Nesse sentido Marcelo e Vicente (2007, p. 137) conceituam princípios como fundamentos de um sistema em que são estabelecidas suas diretrizes que conferem ao citado sistema um sentido coerente e harmonioso. Com base nesse conceito, entende-se que os princípios são normas que fundamentam um ordenamento e que consagram os valores essenciais de uma determinada sociedade. 3.1.2-Funções dos princípios A doutrina apresenta uma variedade de opiniões diferentes a respeito da função dos princípios, isso se justifica por ser impossível relacionar todas as funções desenvolvidas pelos princípios. Para Floréz-Valdés (1990) apud Nobre Junior (2002), os princípios surgiam com regularidade retraídos nos regulamentos e serviam de auxilio da lei e dos costumes, ao passo que os princípios passaram a ser previstos no texto constitucional como condição de valores fundamentais de uma sociedade. Assim, o entendimento dos princípios como tal perdeu a razão de ser daquela concepção. A partir da necessidade dos referidos princípios sofrerem ampliação, Floréz-Valdés (1990) apud Nobre Junior (2002) aponta três funções dos princípios: “fundamento da ordem jurídica, orientação do labor interpretativo e integração da insuficiência da lei”. Os princípios exercem outra função importante que é a de guiar o intérprete a encontrar o verdadeiro o significado das normas jurídicas. Os princípios encontram-se explicito e implícito no texto constitucional. 3.1.3Conflito entre princípios Quando dois princípios se fazem presente em uma mesma situação, e estes tendem a se chocar, é necessário fazer a ponderação dos valores incidentes para analisar qual princípio se sobreporá. Nesse sentido pode-se afirmar que: “Os princípios possuem uma dimensão ausente nas regras, qual seja a dimensão do peso ou importância. Desse modo, quando dois princípios se chocam, a solução de qual deles deve prevalecer no caso concreto tem de ser tomada em consideração ao peso relativo de cada um. Com isso, evita-se que um dos princípios em contradição seja alijado do sistema” (NOBRE JUNIOR, 2002, p. 51). Assim, passa-se a estudar os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da boa fé e seu emprego na reposição ao erário de valores pago indevidamente a titulo de remuneração a seus servidores. 3.1.5-Principio da legalidade O principio da legalidade é a essência do Estado de direito, pois subordina a administração Pública à vontade popular, tendo em vista que toda atuação da administração deve ser pautadas em lei. A doutrina europeia apresenta dois subprincípios do conteúdo da legalidade, o principio da primazia da lei e o princípio da reserva legal. O primeiro preceitua que os atos administrativos só podem ser praticados mediante autorização legal, e este, os atos administrativos não podem contrariar a lei (MAZZA, 2011, p.77) A lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, no artigo 2º, parágrafo único, I, determina que a atuação da Administração deve ser conforme a lei e o Direito. Mazza (2011) diz que: “A redação do dispositivo permite contemplar o que a doutrina estrangeira tem chamado de principio da juridicidade, isto é, a obrigação de os agentes públicos respeitarem a lei e outros instrumentos normativos existentes na ordem jurídica. A juridicidade é uma ampliação do conteúdo tradicional da legalidade. Além de cumprir leis ordinárias e leis complementares (lei em sentido estrito), a Administração está obrigada a respeitar o denominado bloco da legalidade. Significa dizer que as regras vinculantes da atividade administrativa emanam de outros veículos normativos, a saber: a) Constituição Federal, incluindo emendas constitucionais; b) Constituições Estaduais e Leis Orgânicas; c) medias provisórias; d) tratados e convenções internacionais; e) costumes; f) atos administrativos normativos, como decretos e regimentos internos; g) decretos legislativos e resoluções (art. 50 da CF); h) princípios gerais do direito” (MAZZA, 2011, p.77). Os princípios constitucionais devem ser observados obrigatoriamente por todos os poderes, em especial para a Administração Pública quando no exercício da função pública. 3.1.6-Principio da segurança jurídica O conteúdo do principio da segurança jurídica tem por fundamento a garantia de previsão dos atos administrativos e a estabilidade nas relações jurídicas firmadas entre esta e o particular. É importante pontuar que a própria evolução do direito faz com que haja mudanças nas interpretações das leis e estas devem acompanhar as evoluções. O que não é permitido é que tais mudanças retroajam a situações já consolidadas com base em interpretações anteriores. 3.1.7-Princípio da boa fé Apresenta-se a boa fé como um dos princípios de maior relevância da teoria geral do direito, princípio este de suma importância em qualquer ramo do direito. Paulo Lobo (1989) citado por Nobre Junior (2002,p.13) pontua bem que: “O principio da boa fé foi reafirmado em toda sua grandeza ética e histórica no direito das condições gerais… Não apenas no Direito Civil a boa fé resurge. Em quase todos os ramos do direito o principio geral é referencia obrigatória… através de cláusulas gerais, como a boa fé, a aplicação do direito retoma a realidade social, captando os valores típicos pela mediação concretizadora do Juiz…como cláusula geral, a boa fé não é princípio dedutivo, não é argumentação dialética; é medida e diretiva para a norma de decisão, da regra a aplicar no caso concreto, sem hipóteses normativas preconstituída”. 3.1.9-A boa fé e sua aplicação ao direito administrativo. A aplicação do princípio da boa fé desde seu surgimento irradiou a sua utilidade para o direito privado. Com isso houve necessidade de investigar se o referido princípio possuía incidência no Direito Público, em especial no Direito Administrativo (Nobre Júnior, 2002, p. 127). Marzuoli (1992) apud Nobre Júnior (2002) já defendia a aplicação do princípio da boa fé no Direito Administrativo: “A boa fé, mesmo se ela é uma característica das relações entre particulares, exprime uma regra de honestidade aplicável para todos, no direito privado como no direito público. A mais forte razão à aplicação deste princípio é justamente necessária quando a Administração age em posição de supremacia, a fim de conter esta ultima nos limites da razão, da equidade e da justiça”. Após grandes discussões doutrinarias a respeito da aplicabilidade do princípio da boa fé no Direito Público, precisamente no Direito Administrativo, está pacificado a sua aplicação, e segundo Nobre Junior (2002) esta justificativa “advém da sua qualidade de princípio geral do direito”. 3.1.10-A noção e a função da boa fé no direito administrativo O principio da boa fé como diz Aulete (1980) apud Nobre Junior (2002), significa correção de método, honestidade, sinceridade, autenticidade. Este princípio manifesta-se por meio de dois ângulos, no sentido objetivo e no subjetivo, apresentando uma definição clara: “A boa fé subjetiva, que significa ausência de ma fé, de intenção dolosa ou mentirosa, a ausência de consciência (defeituosa) do caráter errôneo ou ilegal de um comportamento do homem normalmente equitativo e razoável, que age tendo em conta interesses legítimos da outra parte e que tende a impor novas regras de comportamento, com vistas a obter soluções melhores, mais equitativas, mais leais e mais racionais que aquelas obtidas pela aplicação das regras jurídicas existentes. Ela consiste em esperar que a outra parte se comporte lealmente LAGASSE (1992) apud NOBRE JUNIOR” (2002). Afirma Nobre Junior (2002, p.149) que a boa fé tem valor também no direito administrativo, “ora como padrão de conduta, a exigir dos sujeitos do vinculo jurídico atuação conforme a lealdade e a honestidade (boa-fé objetiva), ora como uma crença errônea e escusável de uma determinada situação (boa- fé subjetiva)”. 4- Boa fé e a reposição ao erário: análise. É importante que haja a aplicação da boa fé na devolução de importância recebida por servidor investido em cargo público de valores pago por erro da administração ou má interpretação da lei. A Lei 8.112 de 1990 estabelece no artigo 46 os procedimentos de como serão realizados as reposições ao erário, decorrentes de pagamento indevido, cujo valor não poderá ser inferior a dez por cento da remuneração, provento ou pensão, e nos casos em que o pagamento indevido tenha ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela. Nobre Junior (2002,p.267), indaga “se a determinação de reposição configura regra de contornos absolutos, a esconder a existência de limites, ou, contrariamente, admite flexibilização”. O legislador constituinte ao tratar do instituto da reposição ao erário no Estatuto do Servidor Público, não fez qualquer referencia à boa fé ou a má fé do servidor, entretanto tais situações não pode receber tratamento igualitário, do contrario estariam sendo desprezados os princípios gerais do direito. De acordo Nobre Junior (op.cit.,p.269) a jurisprudência majoritária embora com pontos de vista contrários prestigiam a interpretação que, em razão da boa fé, está expresso a suavização da severidade que a administração tem procurado atribuir ao artigo 46 da Lei 8.112/90. Pode-se citar circunstâncias reais, dentre elas: o reconhecimento de que a Administração Pública não pode efetuar descontos na folha de pagamento dos servidores em face de alteração da interpretação da lei. Em obra voltada à interpretação do artigo 46 da Lei 8.112/90, Matos[2](1995) citado por Nobre Junior (2002. Pag 268) “é forte em insistir que, a partir do instante em que se comprova não haver o servidor cometido ato que caracterize má-fé, incabível haja desconto em seus estipêndios”. Nesse mesmo sentido foi publicada no dia 17 de setembro de 2008 a súmula 34 da AGU[3] que estabelece que “Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública”. Sobre essa matéria, recentemente o Superior Tribunal de Justiça – STJ manifestou-se no sentido da impossibilidade de reposição ao erário de valores recebidos de boa fé, o que se pode verificar no REsp[4] 1283693/SC e 124182 / PB, em que os relatores esclarecem que o artigo 46, caput, da Lei 8.112/90 deve ser interpretados com alguns temperamentos, principalmente em decorrência de princípios gerais do direito como a boa fé, e determina no caso, em sob exame, que não cabe a restituição de valores de caráter alimentar recebidos de boa fé pelo servidor em decorrência do equivoco de interpretação ou de má aplicação da lei pela administração. A Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ informa que o entendimento a respeito da matéria aqui estudada esta pacificado, com isso espera-se a redução de volumes de demandas oriundas dos tribunais de justiça dos estados e dos tribunais regionais federais. Do exposto, está superada a controvérsia que existia entre as jurisprudências que terminava por direcionar os magistrados em suas decisões que, em recente julgados, determinava a reposição ao erário os valores recebidos pelo servidor em decorrência de erro ou má interpretação da lei por parte da Administração Pública. Entretanto observou-se a existência de controvérsia no que se refere à devolução dos valores descontados da remuneração do servidor no curso do processo. Como ilustração, cita-se a decisão que se segue do Tribunal Regional Federal da primeira região em que não admite a devolução das parcelas descontas: “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECEBIMENTO DE GRATIFICAÇÃO DE PRODUTIVIDADE CONSIDERADO ILEGAL PELO TCU. DECADÊNCIA NÃO OPERADA. LEI Nº 9.784/99. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DOS DESCONTOS ADMINISTRATIVOS JÁ EFETIVADOS. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA, PARCIALMENTE PROVIDAS. (…) 5. Aplicando-se o princípio da proteção à boa-fé, permite-se que o servidor deixe de restituir aos cofres públicos aquilo que já havia recebido. Na verdade, em nome da boa-fé, afasta-se a aplicação do princípio da legalidade. No entanto, se já houve algum desconto nos contracheques dos Autores, como efetivamente ocorreu neste caso concreto, como se vê às fls. 23, 26, 30, 32, 36, a determinação da devolução de tais valores, como constou da sentença recorrida, implicaria fazer com que a Administração novamente efetuasse um pagamento indevido, com o agravante de que, dessa feita, sequer poderá o servidor alegar que estará recebendo de boa-fé, dado que já está absolutamente ciente de que não faz jus a tal recebimento. Com efeito, mostra-se inadmissível que sob o manto da proteção à boa-fé se albergue a possibilidade de enriquecimento ilícito. Assim sendo, a Administração não deverá devolver quaisquer parcelas já descontadas nos contracheques dos Autores. 6. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, a que se dá parcial provimento para excluir da condenação a devolução das parcelas já descontadas administrativamente. Diante da sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar com os honorários de seus respectivos patronos. Custas pelas partes, isenta a União.” AC N. 2003.40.00.005216-4/PI; Relatora Juiza Federal SÔNIA DINIZ VIANA (Relatora convocada): 21/01/2009. Contrária à decisão ora apresentada, aprecia-se a decisão do mesmo Tribunal que determinou a devolução das parcelas descontadas: “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO. PAGAMENTO INDEVIDO. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. BOA-FÉ DO SERVIDOR. CARÁTER ALIMENTAR. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. JUROS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS”. 1. Não cabe a reposição ao erário dos valores recebidos pelo servidor em decorrência de equívoco de interpretação ou de má-aplicação da lei pela Administração, por ter natureza alimentar e terem sido recebidos de boa-fé. 2. Os valores indevidamente descontados dos vencimentos do servidor devem ser restituídos já que, no caso concreto, não era devida nenhuma parcela a título de reposição ao erário com exigido pela Administração. 3. Juros e correção monetária na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal. 4. Honorários advocatícios majorados para 10% sobre o valor da condenação. 5. “Apelação da União, apelação adesiva do autor e remessa oficial parcialmente providas”. AC/REEXAME NECESSÁRIO N. 2005.41.00.000094-3/RO; Relator Juiz Federal MIGUEL ANGELO DE ALVARENGA LOPES (Relator Convocado): 17/10/2012. No STJ, o Ministro Humberto Martins ao julgar o AgRg[5] no Recurso Especial de nº 1.284.109- DF (2011/0225209-1- 17/04/2012), julga improcedente o pedido do autor no que tange à devolução das parcelas descontadas a titulo de reposição ao erário com o fundamento que sob o manto da proteção à boa fé se albergue a possibilidade de enriquecimento ilícito, esclarecendo que determinar a devolução de valores já descontados implicaria em novamente fazer com que a Administração efetuasse pagamento indevido. Em vias diferentes o entendimento do Ministro Herman Benjamin no AREsp em Recurso Especial de nº 136.574-CE (2012/0016514-1) julgado no STJ no dia 17 de maio de 2012, reputou correta a sentença que determinou a restituição das quantias descontadas a partir da propositura da ação. Demonstrada a controvérsia sobre a matéria é necessário fazer algumas ponderações sobre a incidência do principio da boa fé na devolução de valores que tenham sido descontados no curso do processo. Analisando a matéria em apreço, de pontos de vista diferentes, de um lado, parece ser legitimo a não devolução dos valores já descontados, por outro se deve analisar a amplitude do principio da boa fé objetiva diante do estado de consciência do servidor que acreditou na legalidade dos valores remuneratórios, ante a presunção de serem legítimos os atos praticados pela Administração Pública. Nesse sentido, o princípio da boa-fé age como formidável meio de medir a legitimidade de um ato administrativo sob a ótica da necessidade de se resguardar a confiança do administrado na firmeza das relações jurídicas com a Administração Pública, de modo que possa haver uma flexibilização do princípio da legalidade. Pontuou bem o Ministro Paulo Medina ao julgar REsp[6] nº 612101/RN ao esclarecer que os valores recebidos indevidamente pelo servidor a titulo de vencimento ou de remuneração não servem de fonte de enriquecimento como declarou a Juíza Federal Sônia Diniz Viana na apelação cível AC de nº 2003.40.00.005216-4/PI., embora no seu julgamento ela afirme serem indevidas as restituições aos cofres públicos os valores recebidos pelo servidor, mas sim, de subsidio para ele e para sua família. Considerações Finais É indiscutível o abalo financeiro ocasionado ao servidor público pela supressão dos valores pago que acreditava serem devidas, bem como com os descontos efetuados em sua remuneração, o que termina por trazer profundo desequilíbrio na renda familiar em decorrência de tais abalos financeiros ocasionados por um erro da Administração Pública, posto que, as devoluções das parcelas descontadas poderiam viabilizar uma nova readaptação da renda familiar. A posição do Ministro Paulo Medina serve de fundamento para este trabalho, uma vez que se entende que as parcelas descontadas sobre a remuneração ou vencimentos do servidor, a titulo de reposição ao erário no curso da ação, devem ser ressarcidas, por achar que não perderam seu caráter alimentar e nem constitui fonte de enriquecimento ilícito. Desta forma, se o Poder Judiciário reconhece a impossibilidade de reposição ao erário em face do princípio da boa fé, havendo parcelas descontadas no curso da ação, estas devem ser ressarcidas, uma vez que o Judiciário ao determinar a anulação do ato que determinou a reposição este por sua vez não pode mais gerar efeitos no mundo jurídico.
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