categoria
stringclasses
25 values
titulo
stringlengths
4
39
subtitulo
stringlengths
28
75
texto
stringlengths
0
29.3k
data
stringlengths
21
21
link
stringlengths
58
148
tributario
Opinião
Ribeiro Brazuna: Lançamentos complementares de ITBI
Já se vai mais de um ano desde que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tema Repetitivo nº 1.113, fixou as seguintes teses: a)  a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b)  o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do CTN); e c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente. Sem prejuízo de críticas ou elogios que possam ser feitos à decisão vinculante, é preocupante observar como ela vem sendo aplicada por certos municípios, que vêm efetuando lançamentos complementares sobre fatos geradores do ITBI já apreciados pelo Poder Judiciário. É disso que trataremos no presente texto. O Recurso Especial nº 1.937.821-SP, no qual foi julgado o Tema nº 1.113, teve origem no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 2243516-62.2017.8.26.0000. No IRDR, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) fixou a tese jurídica de que o ITBI deve "ser calculado sobre o valor do negócio jurídico realizado e, se adquirido em hastas públicas, sobre o valor da arrematação ou sobre o valor venal do imóvel para fins de IPTU, aquele que for maior, afastando o valor de referência". Feita a leitura do acórdão estadual, constata-se que o TJ-SP: (i) considerou o valor venal arbitrado para o ITBI como uma ameaça à segurança jurídica e à legalidade tributária; (ii) autorizou o uso do valor venal do IPTU como base de cálculo do ITBI; e (iii) ao final, decidiu que, entre o valor do negócio jurídico realizado e o valor venal do IPTU, o ITBI deveria recair sobre o maior montante. Em voto divergente, manifestou-se o inconformismo com "utilizar o valor venal do IPTU para fins de incidência do ITBI com a discricionariedade, inclusive, de se optar por aquele que se revelar maior, ou seja, o valor venal da transação ou do IPTU". No entanto, reconheceu-se que, estando o município "vinculado ao valor ajustado pelas partes", poderia então, na forma do artigo 148, do CTN, "utilizar o devido processo legal para determinar a base de cálculo levando em consideração o valor de mercado", caso entenda que o valor declarado pelas partes "não reflete a realidade". Fato é que, no contexto do TJ-SP, um sem-número de decisões tornaram-se definitivas, julgando ações ajuizadas por compradores de bens imóveis que pretendiam afastar o valor arbitrado para o ITBI e recolher o imposto com base no valor da transação. Nessas demandas, é possível encontrar decisões determinando o pagamento do ITBI: (i) com base no valor de referência do IPTU, por ser este maior que o da transação; (ii) com base no valor da transação, por ser esse superior ao de referência do IPTU; (iii) sobre o valor da transação, por ser esse merecedor de fé; ou (iv) afastando-se os valores de referência do ITBI e do IPTU, para que o sujeito passivo utilize livremente o valor declarado na escritura. Em muitos casos, a discussão judicial é acompanhada do depósito do tributo controvertido, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário no curso da ação e que, ao final, é convertido em renda do município e parcialmente levantado pelo contribuinte. No julgamento do Recurso Especial nº 1.937.821-SP, o STJ iniciou a sua análise a partir da modalidade de lançamento à qual ITBI e IPTU estariam sujeitos. Considerou-se que o primeiro imposto, em razão do artigo 38, do CTN, e do núcleo material do fato gerador descrito no artigo 35, somente comportaria lançamento por declaração ou por homologação.  E isto porque, ao se tratar de tributo incidente sobre um negócio jurídico que nasce de um acordo de vontades, deveria ter por base o valor venal do bem objeto desse negócio. Sendo assim, o lançamento de ofício seria, na prática, impossível para o ITBI, "pois o fisco não tem como possuir, previamente, o conhecimento de todas as variáveis determinantes para a composição do valor do imóvel transmitido, in concreto". Já o IPTU, por incidir sobre a propriedade, poderia ser lançado de ofício a partir da planta genérica aprovada pelo legislativo municipal, levando em conta aspectos mais amplos e objetivos, tais como a localização, metragem do imóvel, tipo de edificação, antiguidade da construção etc. Dadas tais diferenças, seria impossível a vinculação da base de cálculo do ITBI com a estipulada para o IPTU, "mesmo como piso de tributação". Pelos mesmos motivos, o STJ entendeu inviável que o ITBI fosse calculado sobre um valor de referência previamente estabelecimento, pois, nesse caso, o município estaria realizando "o lançamento de ofício do imposto, o qual, todavia, está indevidamente amparado em critérios que foram por ele escolhidos e que apenas revelariam um valor médio de mercado, de cunho meramente estimativo, visto que despreza as peculiaridades do imóvel e da transação que foram quantificadas na declaração prestada pelo contribuinte, que, como cediço, presume-se de boa-fé". Afirmou que a adoção de um valor de referência como base de cálculo do ITBI, com inversão do ônus da prova para o contribuinte, subverteria a lógica do artigo 148, do CTN, resultando "em arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo". Portanto, para que as regras do CTN fossem preservadas, concluiu o STJ que: (i) presume-se como valor venal aquele que tiver sido informado pelo contribuinte como praticado na transação; e (ii) a presunção pode ser afastada mediante a aplicação do artigo 148, isto é, "desde que instaurado o procedimento administrativo próprio, em que deverá apurar todas as peculiaridades do imóvel (benfeitorias, estado de conservação, etc.) e as condições que impactaram no caráter volitivo do negócio realizado, assegurados os postulados da ampla defesa e do contraditório que possibilitem ao contribuinte justificar o valor declarado" (g.n.). Desde o julgamento do Tema nº 1.113, então, alguns municípios vêm efetuando lançamentos complementares de ITBI sobre transações cuja tributação foi discutida perante o Judiciário, com decisão transitada em julgado, o que, na maioria dos casos, afronta a garantia do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição, e os artigos 337, inciso VII, § 4º, e 502 e seguintes, do CPC.  E isto mesmo à luz dos temas nº 881 e 885, do STF[1]. A medida mostra-se também incompatível com o artigo 148, cuja aplicação o STJ quis preservar, dentro do contexto para o qual o lançamento por arbitramento foi previsto no CTN.  Ademais, não raro, esses lançamentos complementares também afrontam o artigo 149, especialmente à regra do seu parágrafo único, combinada com o artigo 156, inciso VI. Quanto à coisa julgada, lembre-se que, quando procura o Judiciário para tratar do tema ora discutido, o contribuinte busca normalmente resolver uma incerteza jurídica objetiva, conforme os artigos 19, inciso I, e 20, do CPC: afinal, qual é a base de cálculo a ser utilizada para determinar o quantum debeatur da obrigação tributária? O valor de referência do ITBI, o do IPTU ou o valor efetivo da transação? Pode buscar o tribunal, ainda, apenas para se proteger da imposição tributária baseada em qualquer um desses valores de referência, assegurando o livre exercício do seu direito a apurar e recolher o imposto com base no valor declarado na escritura de transmissão do imóvel. Quando o sujeito passivo tiver procurado o Judiciário para resolver a incerteza sobre o quantum debeatur, obtendo decisão final a esse respeito, esse julgamento não poderá ser descumprido, nem tampouco relativizado à luz do Tema nº 1.113/STJ.  E isso será ainda mais verdadeiro se a ação tiver sido garantida por depósito do tributo controvertido, cuja conversão em renda do município é fator de extinção do crédito tributário, na forma do artigo 156, inciso VI, do CTN. Nessa situação, não há a menor possibilidade de revisão posterior do lançamento, seja na forma do artigo 148, seja na do artigo 149, pois, conforme o parágrafo único desse segundo dispositivo, "a revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública". Resolvida a incerteza jurídica quanto ao valor da obrigação tributária, será essa a declaração judicial que transitará em julgado e que constituirá a coisa julgada, lembrando-se que, conforme o artigo 504, do CPC, não fazem coisa julgada: (i) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; e (ii) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença. Decidida a lide, os efeitos da imutabilidade da coisa julgada implicam que nenhum juiz decidirá novamente as questões já julgadas na lide, salvo se se tratar de relação jurídica de trato continuado[2], ou nos demais casos previstos em lei, notadamente no artigo 966, do CPC. Será impossível haver nova discussão sobre a mesma obrigação tributária e, consequentemente, lançamento complementar, se a anterior decisão judicial houver determinado o pagamento do ITBI com base no valor: (i) de referência do IPTU, por ser este maior do que o da transação; (ii) da transação, por ser esse superior ao valor de referência do IPTU; ou (iii) da transação, por se ter evidenciado ser esse merecedor de fé. Além do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição, e das regras dos artigos 337, inc. VII, § 4º, e 502 e seguintes, do CPC, a revisão do lançamento nessas hipóteses é impossível porque: (i) se decidido pelo recolhimento do ITBI sobre o valor de referência do IPTU, por ser este maior do que o da transação, o lançamento já terá sido realizado com um valor arbitrado unilateralmente pelo município e merecedor de fé, segundo a própria decisão transitada em julgado.  Assim, não se amoldará à hipótese do artigo 148, do CTN, nem à situação tratada no tema nº 1.113; (ii) quando se tiver decidido pelo pagamento sobre o valor da transação, por ser esse superior ao de referência do IPTU, estará o Judiciário recalibrando a base arbitrada unilateralmente pelo município, atribuindo-lhe a mesma confiabilidade que impossibilitaria o arbitramento naquela primeira situação.  A coisa julgada também impedirá a revisão do lançamento, independentemente dos motivos e da verdade dos fatos envolvidos, conforme artigo 504, do CPC; e (iii) se o quantum debeatur for declarado pelo Judiciário como devido sobre o valor da transação, por se ter evidenciado ser esse merecedor de fé, com ainda mais razão não haverá espaço para a revisão pelos artigos 148 e 149, do CTN.  Nessa situação, também se aplicará a causa de extinção do crédito tributário prevista no artigo 156, inciso X, do CTN. A única hipótese para a qual se mostraria aceitável a revisão do lançamento, mediante aplicação do Tema nº 1.113, seria aquela em que a decisão judicial anterior, transitada em julgado, tiver apenas e tão somente afastado a imposição dos valores de referência do ITBI e do IPTU, permitindo que o sujeito passivo utilize livremente o valor declarado na escritura como base de cálculo para o recolhimento do tributo. Nessa situação, verificável em decisões de caráter estritamente mandamental e com conteúdo declaratório negativo limitado a afastar o uso daqueles valores de referência, o sujeito passivo terá então garantido, pelo Judiciário, apenas o seu direito de realizar o lançamento do ITBI por homologação, constituindo o crédito tributário com base na informação que ele próprio fornecerá à autoridade tributária, por sua conta e risco. Ao assim fazer, o sujeito passivo assumirá o ônus de suportar a revisão do lançamento, a autoridade fiscal venha a entender que: (i) está comprovada a omissão ou a inexatidão de que trata o artigo 149, inciso V, do CTN; ou (ii) são omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo, conforme artigo 148. Novamente, porém, vale lembrar do impeditivo do artigo 149, parágrafo único, combinado com o artigo 156, inciso VI, do CTN: caso tenha havido a garantia do débito por depósito integral da dívida, com a sua conversão em renda ao final da lide, de modo algum será possível a rediscussão do lançamento e tampouco o lançamento complementar. Afinal, mesmo na hipótese residual em que a ação não tiver sido proposta com objeto declaratório, propriamente dito, a aceitação da garantia para fins do artigo 151, inciso II, do CTN: (i) implicará o reconhecimento de que ela corresponde ao "montante integral" do débito, assim se reconhecendo o quantum debeatur da obrigação tributária; e (ii) transformará a resolução da lide, com conversão do depósito em renda, em causa definitiva de extinção do crédito tributário, conforme artigo 156, inciso VI, do CTN. Não custa recordar que, na limitada hipótese em que o lançamento realizado pelo contribuinte puder ser revisto, haverá de se observar o due process do artigo 148, do CTN, o que requer, conforme decidido no Tema nº 1.113, que seja "instaurado o procedimento administrativo próprio, em que deverá apurar todas as peculiaridades do imóvel (benfeitorias, estado de conservação, etc.) e as condições que impactaram no caráter volitivo do negócio realizado, assegurados os postulados da ampla defesa e do contraditório que possibilitem ao contribuinte justificar o valor declarado" (g.n.). Por isso, competirá à autoridade fiscal: (i) demonstrar, mediante o exame das "condições que impactaram no caráter volitivo do negócio", que o valor da transação não é merecedor de fé; (ii) identificar as particularidades do negócio pela ótica das partes envolvidas; (iii) examinar as peculiaridades do imóvel, comparando-o a bens que apresentem as mesmas características; e (iv) não arbitrar o valor com base em critérios apenas objetivos, relacionados à localização e ao tamanho do imóvel, pois esses já são os elementos levados em conta nas tabelas de referência do ITBI e do IPTU, afastadas pelo Tema nº 1.113. Em conclusão: (i) não pode haver lançamento complementar do ITBI quando o quantum debeatur da respectiva obrigação tributária houver sido solucionado em ação judicial anterior, com decisão transitada em julgado, pois, além dos impeditivos do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição, e dos artigos 337, inciso VII, § 4º, e 502 e seguintes, do CPC, o pagamento do ITBI terá sido realizado sobre uma base declarada como merecedora de fé pelo Judiciário; (ii) excepcionalmente, o lançamento complementar poderá ocorrer se a decisão transitada tiver apenas afastado a imposição do ITBI com base nos valores de referência do IPTU e do ITBI, deixando o sujeito passivo livre para efetuar o lançamento por homologação, declarando o valor da transação por sua conta e risco; (iii) nesse caso, a autoridade administrativa deverá "instaurar do procedimento administrativo próprio" do artigo 148, do CTN, atenta às particularidades objetivas e subjetivas da situação, conforme orientado no Tema nº 1.113; e (iv) a revisão será impossível, no entanto, se a ação anterior tiver se encerrado com a conversão de depósito judicial em renda do Município, tendo em vista o artigo 156, inciso VI, do CTN, e o impedimento do artigo 149, parágrafo único. [1] Afinal, em causas envolvendo o ITBI, o STF deixou bastante clara a impossibilidade de relativização ou revisão da coisa julgada. [2] O que não é o caso, conforme temas nºs 881 e 885/STF.
2023-09-01T10:21-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-01/ribeiro-brazuna-lancamentos-complementares-itbi
tributario
Opinião
Caio Shimoda: Benefício fiscal a 'pequenas' startups de IA
A influência da tecnologia sobre o Direito A nossa Constituição é expressa quanto ao dever do Estado brasileiro em promover a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação (PDI). É competência concorrente da União, estados e Distrito Federal legislar sobre ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação (artigo 24, IX, CRFB). Além disso, o artigo 218, caput, CRFB, dispõe que "o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação", sendo a lei o veículo normativo apropriado para apoiar e estimular as empresas que invistam em pesquisa e criação de tecnologia em nosso país (artigo 218, §4º, CRFB). É certo, também, que exercer essa competência implica em gastos e, sabendo que os recursos públicos são limitados, o dever extraível dos referidos dispositivos constitucionais pode ser graduado a depender das circunstâncias fáticas que envolvem o texto normativo. Essa realidade, inevitavelmente, acarreta a adoção de uma escolha por parte daqueles que detêm a atribuição para aplicar o dinheiro público. No plano fático, presenciamos uma inovação tecnológica disruptiva conhecida como digitalização. Esse fenômeno é capaz de produzir alterações sociais tão intensas quanto a impressão tipográfica e a industrialização – estas marcadas por influenciarem fortemente a segunda metade do último milênio. A digitalização provoca, atualmente, a crescente transformação digital de quase todas as áreas da vida humana, sobretudo nas esferas da economia, política, cultura e da comunicação pública e privada. Nesse contexto, são a inteligência artificial (IA), big data, algoritmos, blockchain e robótica os conceitos-chave que caracterizam o desenvolvimento técnico contemporâneo. Analisando em específico a IA, trata-se de uma tecnologia absolutamente disruptiva apta a produzir impactos extraordinários na forma como vivemos. As mudanças já são perceptíveis por intermédio das mudanças de paradigmas, especialmente nas relações pessoais e na produção industrial. Essa tecnologia é ramificada na robótica, nos reconhecimentos de voz e de imagem, no aprendizado de máquina (machine learning) e no processamento de linguagem natural. Porém, em geral, de acordo com Wolfgang Hoffmann-Riem, a IA pode ser traduzida como o "[...] esforço de reproduzir digitalmente estruturas de decisão semelhantes às humanas, ou seja, de projetar um computador de tal forma e, em particular, de programá-lo usando as chamadas redes neurais de tal forma que possa processar os problemas da maneira mais independente possível e, se necessário desenvolver ainda mais os programas utilizados"  [1]. Não obstante o avançado nível técnico exigido, a IA já está bastante difundida em nosso cotidiano, muito em razão do desempenho de empresas estrangeiras, como as norte-americanas e as chinesas. Os exemplos passam pelas redes sociais, bancos, segurança digital, transporte, reconhecimento facial e, até mesmo, por seu emprego na agricultura e na medicina. Diante dessa realidade, devemos adotar como premissa que as novas tecnologias exercem influência cabal sobre o mundo jurídico. Como exposto por Ricardo Campos, não devemos mais compartilhar da ideia tradicional de que apenas o Direito, através de suas sanções, interfere nas condutas sociais, mas que, também, a própria evolução dos novos meios de comunicação social afeta, sobremaneira, a própria compreensão do Direito [2]. Por isso, tendo em vista a exponencial relevância da IA para toda e qualquer sociedade contemporânea, o dever estatal anteriormente referido no artigo 218, caput, CRFB, necessita ser interpretado como fundamental. O baixo nível de investimentos brasileiros em PDI Mas, além de fundamental, o dever do Estado em promover a PDI demonstra-se urgente quando nos debruçamos sobre as deficiências do Brasil em termos de investimentos em IA [3]. Quando comparado ao aporte realizado por outros países nessa mesma espécie de tecnologia, a realidade se torna ainda mais evidente. Assim, por exemplo, em 2019, enquanto o Brasil investiu apenas 1 milhão USD em startups que buscam inovar em IA, a China investiu 45 milhões USD e os EUA investiram 224 milhões USD nesse mesmo modelo de negócio.[4] Outra pesquisa demonstra que o Brasil contabiliza com apenas 26 startups de IA, enquanto o Reino Unido conta com 245, Israel com 362, China com 383 e os EUA com 1.393 startups de IA.[5] É importante destacar o escasso investimento brasileiro em IA através do exemplo das startups [6], porquanto são consideradas verdadeiros motores para a PDI de um país. Segundo Yuen Ping Ho, Po Kam Wong e Erkko Autio, geralmente inovações bem-sucedidas no mercado foram frutos de atuação das startups de alto-crescimento, as quais são responsáveis por um grande aumento de produtividade e de criação de empregos na localidade onde exercem suas atividades [7]. Mas como alterar esse panorama brasileiro de escassez em investimentos nas searas da PDI? Parece ser interessante para todo e qualquer país, sobretudo para o Brasil, a busca pelo aprimoramento do ambiente de investimentos no que diz respeito às startups que atuam em IA – em especial, para aquelas consideradas de pequeno porte, como definido pela Lei Complementar nº 123 de 2006. Obviamente, as startups consideradas de pequeno porte, num primeiro momento, não são responsáveis por grandes impactos no desenvolvimento da tecnologia e da economia de um país. Porém, acreditamos que o objetivo que deva ser almejado é justamente o crescimento dessas empresas, a fim de revelar ideias lucrativas e inovadoras – inclusive em IA – que promovam relevante impacto socioeconômico. Nesse contexto, foi elaborada a Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), cujos objetivos, para o que nos interessa, são promover investimentos sustentados em pesquisa e desenvolvimento em IA, remover barreiras à inovação em IA, assim como estimular a inovação e o desenvolvimento da IA brasileira em ambiente internacional [8]. Em relação às startups brasileiras de IA, a Ebia aponta a alta carga tributária como um dos principais desafios a ser enfrentado [9]. A OCDE recomenda a reforma do regime de tributação indireta, bem como a consolidação de impostos sobre o consumo nos níveis estadual e federal em um único imposto sobre valor adicionado, que tenha uma base ampla e restituição integral de valor adicionado pago na forma de insumos [10]. A E-Digital destaca os principais desafios para as startups no Brasil: a ausência de trabalhadores qualificados, sobretudo de programadores de computador; a burocracia e a demora para abertura e liquidação de empresas; e, especialmente, a complexidade da legislação tributária [11]. A complexidade do nosso sistema tributário é e sempre foi alvo de ataques por aqueles que buscam compreender a economia brasileira. Mas, de acordo com Tacio Lacerda Gama, inexiste relação de causa e efeito entre o fator complexidade e desenvolvimento econômico. Existem países com ótimo índice de desenvolvimento econômico e humano que convivem com sistemas tributários complexos. Da mesma forma, há países com baixos índices de desenvolvimento e com sistemas simples.[12]. Benefícios fiscais para as "pequenas" startups de IA Mas, sem tocar em cláusula inalterável da nossa Lei Maior, o direito tributário ainda guarda importante ferramenta que permite a promoção de finalidades extrafiscais por intermédio do incentivo de condutas. Trata-se dos benefícios fiscais. O referido instrumento detém um enorme potencial para fomentar a PDI. Percebe-se que, desde a Lei n° 8.661/93, passando pela Lei n° 11.077/04 (Lei da Informática) e terminando na Lei n° 11.196/05 (Lei do Bem), a ideia de pontuais concessões de incentivos fiscais foi substituída pela estratégia de abrangência de todos os setores econômicos que invistam em PDI. Não obstante a visível evolução no que diz respeito ao cumprimento do dever expresso no artigo 218, caput, CRFB, acreditamos que ainda é possível avançar em três pontos: (1) sem retirar o caráter abrangente da Lei do Bem, estender os benefícios para as startups; (2) não condicionar o gozo dos incentivos fiscais apenas para as empresas optantes do lucro real; e (3) criar benefícios apropriados para outros regimes tributários [13]. O Projeto de Lei n°4.944/20, de autoria da deputada federal Luisa Canziani (PSD-PR) e de relatoria do deputado federal Vitor Lippi (PSDB-SP), foi aprovado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados. A proposta visa alterar a Lei do Bem para, entre outras mudanças, ampliar o seu alcance para as startups, assim como definida pelo Lei Complementar n° 182 de 2021 (Marco Legal das Startups). Entretanto, pouco ou nada adiantará a ampliação subjetiva da referida lei, se não for viabilizado o aproveitamento dos benefícios fiscais para as startups que adotem outros regimes tributários que não somente o lucro real, bem como caso não seja instituído incentivos fiscais adequados para cada um desses regimes. Em outras palavras, limitar o gozo dos benefícios tributários apenas para os optantes do regime do lucro real significa excluir grande parte das empresas potenciais em PDI. Especificamente no que diz respeito às startups de IA, sabe-se que, geralmente, as pequenas empresas não adotam o regime do lucro real. Ao contrário, empregam os regimes do lucro presumido, simples nacional ou até mesmo o Inova Simples, regime tributário criado pela Lei Complementar nº 167/2019, que inaugura a figura da Empresa Simples de Inovação. Sobre a ampliação dos beneficiários tributários, o relatório 2020c da OCDE nos aponta o exemplo bem-sucedido da França, responsável por conceder crédito tributário às empresas que investem em pesquisa, que pode ser deduzido do imposto corporativo devido. Desde 2013, esse programa foi ampliado para cobrir determinados investimentos em inovação realizados por pequenas e médias empresas (PMEs) [14]. Certamente a expansão dos incentivos fiscais para as "pequenas" startups de IA deve ser algo aplicável ao Brasil, até mesmo em razão do que foi estabelecido por nosso constituinte: o dever ao Estado brasileiro de, em nome do princípio da isonomia, lançar mão de tratamento jurídico diferenciado às empresas de pequeno porte, inclusive na seara tributária (artigo 146, III, "d", e artigo 179, ambos da CRFB). Em conclusão, a medida adotada para ampliar os benefícios fiscais da PDI, mormente no âmbito de IA, parece ser extremamente positiva para o fomento à inovação na área da tecnologia e, consequentemente, para o cumprimento do dever constitucional disposto no artigo 218 da CRFB. Sabe-se que, atualmente, grande parcela da capacidade de inovação em tecnologia no mundo passa pelas empresas denominadas de startups. Sendo assim, criar um ambiente propício para o crescimento das startups através da ampliação dos benefícios fiscais, principalmente para as pequenas empresas, aparenta ser um passo decisivo para o desenvolvimento da tecnologia e da economia do Brasil. [1] HOFFMANN-RIEM, Wolfgang. Teoria geral do direito digital: transformação digital: desafios para o direito. Trad. Italo Fuhrmann. Rio de Janeiro: Forense, 2021. pág. 14. [2] CAMPOS, Ricardo. Metamorfoses do direito global: sobre a interação entre direito, tempo e tecnologia. São Paulo: Contracorrente, 2022. pág. 323. [3] O Instituto de Aplicação do Tributo (IAT) contribuiu de forma essencial para o tema através do seu Projeto n. 01/2017, sobretudo ao analisar as leis de incentivo a programas de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI). Disponível em: https://www.institutoiat.org/projeto-1-2017. Acesso em: 19/1/2023. [4] The AI Startup Landscape. Disponível em: https://uk.rs-online.com/web/generalDisplay.html?id=did-you-know/ai-startup-landscape. Acesso em: 21/01/2023. [5] Statista. Disponível em: https://www.statista.com/statistics/942657/global-ai-startups-by-country/. Acesso em: 21/01/2023. [6] Para a nossa legislação, parte que nos interessa em razão dos seus efeitos jurídicos, são consideradas startups "[...] as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados" (art. 4º da Lei Complementar n 182 de 2021). [7] Wong P.K. Ho Y. P. and Autio E. Entrepreneurship, innovation and economic growth: Evidence from GEM data. Vol. 24. Small Business Economics, 2005. pág. 338. [8] BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Estratégia brasileira de inteligência artificial: Ebia. Brasília: MCTI, 2021. pág. 7. Disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/transformacaodigital/arquivosinteligenciaartificial/ebia-documento_referencia_4-979_2021.pdf. Acesso em: 23/01/2023. [9] Ibidem, pág. 9. [10] OCDE (2018b), Getting Skills Right: Brazil, Getting Skills Right, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264309838-en. OCDE (2019a), Going Digital: Shaping Policies, Improving Lives, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264312012-en. Acesso em: 20/01/2023. [11] OECD (2020), A Caminho da Era Digital no Brasil, OECD Publishing, Paris, pág. 184. Disponível em: https://doi.org/10.1787/45a84b29-pt. Acesso em: 22/01/2023. [12] LACERDA GAMA, Tacio. Normas de Interpretação no Direito Tributário: uma proposta dialógica para interpretação, argumentação e fundamentação na sociedade em rede. Tese (Livre-docência). Curso de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), São Paulo, 2022. pág. 44. [13] Conquanto o art. 18 da Lei do Bem permita às microempresas e às empresas de pequeno porte se beneficiarem indiretamente de alguns dos benefícios retratados na lei, é certo que a medida está longe do ideal. [14] OCDE (2020c), SME and Entrepreneurship Policy in Brazil 2020, OECD Studies on SMEs and Entrepreneurship, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/cc5feb81-en. Acesso em: 21/1/2023.
2023-09-01T06:32-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-01/caio-shimoda-beneficio-fiscal-pequenas-startups-ia
tributario
Se não vai por bem...
Para tributaristas, MP distorce tratamento de incentivos de ICMS
Ao que tudo indica, a vitória fiscal que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve em julgamento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em abril foi insuficiente para aumentar a arrecadação tributária a contento. Tanto que, na noite de quinta-feira (31/8), foi publicada a Medida Provisória 1.185/2023, que distorce e burocratiza o tratamento dado aos incentivos de ICMS às empresas. Essa conclusão é de advogados tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Para eles, o governo ignorou parte do que foi decidido pelo STJ sob o rito dos recursos repetitivos ao endurecer as regras dos benefícios fiscais concedidos pelos estados, obrigando as empresas a rever suas projeções tributárias. Como fica Na prática, não mais haverá a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As empresas serão tributadas, mas poderão apurar crédito fiscal sobre os valores recebidos para implantar ou expandir empreendimento econômico. Ainda assim, só terão direito a esse crédito quando essa implantação ou expansão já estiver concluída e desde que se habilitem previamente na Secretaria Especial da Receita Federal. A MP também exige que o ato concessivo da subvenção seja anterior à data de implantação ou de expansão do empreendimento. E, ao revogar duas normas relativas ao tratamento tributário das subvenções de ICMS — o artigo 1º, parágrafo 3º, inciso IX, da Lei 10.833/2003 e o artigo 1º, parágrafo 3º, inciso X, da Lei 10.637/2022 —, a MP ainda estende a inclusão desses valores na base de cálculo de PIS e Cofins. O artigo 8º da MP traz uma série de limitações à apuração do crédito fiscal, que poderá ser usado na compensação com débitos próprios, vincendos ou vencidos, relativos a tributos federais, ou ressarcido em dinheiro, a partir do 48º mês seguinte. E como era A mudança é relevante porque, em abril, a 1ª Seção do STJ esclareceu, com base na legislação vigente, que tais benefícios fiscais poderiam ser excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL, desde que atendidas algumas exigências, descritas na Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/2014, que foi totalmente revogado. Em suma, os valores de subvenção de ICMS precisariam ser registrados em conta de reserva de lucros e poderiam ser usados para absorção de prejuízos ou aumento de capital social, mas não para situações que lhes confiram a qualidade de lucro ou renda. O STJ ainda decidiu que o contribuinte não precisaria comprovar que tal estímulo fiscal foi concedido para implantação ou expansão de empreendimento econômico, nem que foi usado dessa forma. O resultado foi uma vitória para o governo porque a alternativa era fixar que benefícios fiscais do ICMS são sempre excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL, replicando a mesma solução que o STJ deu, em 2017, à questão dos créditos presumidos de ICMS. E o STJ? Para João Eduardo Cipriano, do escritório Miguel Neto Advogados, a edição da MP representa uma volta ao passado ao reavivar a discussão sobre tributação das subvenções, segregadas entre investimentos e custeio, mas com uma nova roupagem: crédito fiscal de subvenção para investimento. "Na prática, as subvenções, que são registradas como receitas na demonstração do resultado das empresas, não serão mais excluídas do cálculo do lucro real. Em contrapartida, gerarão um crédito fiscal de 25% sobre o valor da subvenção (alíquota cheia do IRPJ) para os contribuintes previamente habilitados, e que poderá ser compensado com outros tributos federais ou ressarcido. Ou seja, primeiro se tributa, e depois se concede o crédito", criticou o advogado. Luciano Inocêncio, do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, acredita que a MP buscou alcançar a parcela de benefícios fiscais que foi abarcada pelas teses fixadas pelo STJ e que passará a ser tributada a partir de 2024. "A MP visou claramente a mitigar os efeitos da perda sofrida pela União na referida decisão." Outro que vê na ação do governo uma reação ao que foi decidido pelo STJ é Luis Gustavo Meziara, do VBD Advogados. "A MP 1.185 revoga os dispositivos legais que regram atualmente a não tributação por IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, entre eles o artigo 30 da Lei nº 12.973/14." Segundo Gustavo de Toledo Degelo, do Briganti Advogados, a sensação é de que o governo desconsiderou parte da decisão proferida pelo STJ no que se refere à necessidade de observância dos requisitos legais impostos pela legislação para se beneficiar da exclusão da subvenção para investimento da base de cálculo de IRPJ e CSLL. "Parte do que foi decidido passa a ficar sem efeito prático", apontou ele. Degelo chama a atenção para uma consequência importante para o contribuinte causada pelo novo tratamento tributário conferido às subvenções de ICMS. "Diante da impossibilidade de dedução do recolhimento do IRPJ, os resultados das empresas poderão ser impactados." Ana Lucia Marra, do Machado Associados, afirma que a MP esvazia toda a jurisprudência do STJ porque revoga a legislação ordinária que serviu de base para essa construção normativa. "O benefício ficará extremamente restrito e inaplicável a grande parte dos projetos já em operação. Certamente, demandará das empresas a revisão de suas projeções tributárias para 2024." Pela frente Pelo mesmo motivo, Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, do Candido Martins Advogados, alerta para a importância de acompanhar a eventual aprovação da MP no Congresso, uma vez que as empresas já se organizaram e se planejaram em um cenário que ficará totalmente distorcido a partir de 2024. "Não fosse só isso, a MP permite a tributação dos benefícios fiscais estaduais, por exemplo, trazendo mais um capítulo para a guerra fiscal e um desrespeito ao princípio federativo, e, claro, provavelmente causará um fomento ao contencioso administrativo judicial dentro dos inúmeros questionamentos que surgirão." Diogo Olm Ferreira, do VBSO Advogados, destaca que a possibilidade de crédito fiscal prevista na MP é restrita a subvenções para investimento que cumpram requisitos específicos. "As subvenções para investimento passarão a ser tributadas, mas haverá a possibilidade — apenas para alguns contribuintes — de receber o crédito fiscal. Aparentemente, essa troca está sendo proposta como mais um mecanismo de aumento da arrecadação." Já Maira Madeira, da banca Abe Advogados, enxerga que a MP editada pelo governo promove conceituações e restrições em relação à questão dos benefícios fiscais de ICMS, diante de um julgamento confuso por parte do STJ. "A MP traz burocracia para que a Receita analise quem vai se beneficiar dos créditos e traz limitação em relação aos cálculos do que pode ou não ser aproveitado." De acordo com Liz Marília Vecci, do Terra e Vecci Advogados, o governo promove insegurança jurídica, colocando em xeque as conquistas da Lei Complementar 160/2017. "O único ponto positivo dessa MP é que aumenta as chances de êxito dos contribuintes sobre as cobranças de fatos geradores passados."
2023-09-02T08:49-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-02/tributaristas-mp-distorce-tratamento-incentivos-icms
tributario
Trânsito em julgado
Receita deve mudar data em sistema para corretora habilitar créditos
Ao compreender que o órgão reconhece como incontroverso o ponto de discussão, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) concedeu tutela de urgência em favor de uma corretora de câmbio para que a Receita Federal altere a data do trânsito em julgado em seus sistemas para possibilitar que a empresa habilite créditos acolhidos em 2015. Naquele ano, a empresa teve reconhecido o direito de excluir algumas verbas de caráter indenizatório da base de cálculo das contribuições previdenciárias e do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT). A União contestou a decisão à época. Em segundo grau, a sentença foi sobrestada para aguardar o julgamento de recurso em repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (RE 576.967/PR – Tema 72, com relação às verbas salário maternidade; atestado médico/licença/auxílio doença; prêmios, gratificações e bônus; e férias gozadas). Ocorre que, enquanto tentava habilitar os créditos, a Receita Federal contestava a data de trânsito em julgado parcial, alegando prescrição. Em uma sequência de pedidos, a corretora tentou administrativamente, sem sucesso, a alteração do trânsito em julgado. Diante dessa situação, a empresa entrou com um mandado de segurança. Ao analisar o caso, a desembargadora federal Renata Lotufo compreendeu que, em virtude dos erros sistêmicos, a empresa ficou impossibilitada de transmitir declarações de compensação para prosseguimento dos trâmites administrativos. "Em informação prestada pela autoridade agravada nos autos originais, não há divergência quanto a data informada pela agravante, pelo que se conclui que o ponto é incontroverso. Deste modo, está presente o requisito da verossimilhança da alegação, sendo assim é de ser acolhida a pretensão", disse a magistrada. Ficou determinado que a Receita Federal altere a data do trânsito em julgado em seus sistemas de 11/11/2011 para 21/10/2021, como estava registrado anteriormente no processo. A corretora de câmbio foi representada na ação pela advogada Carina Chicote, do escritório Natal & Mansur. Clique aqui para ler a decisão Processo 5006167-53.2023.4.03.6100
2023-09-03T12:30-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-03/receita-mudar-data-sistema-corretora-habilitar-creditos
tributario
Processo Tributário
Processo administrativo: canal para redução de litigiosidade
Repisando a problemática do volume de demandas que ocupam o Judiciário, evidenciado no estudo encomendado pelo CNJ [1], bem como nos relatórios e número de projetos produzidos pela Comissão de Juristas [2], resta claro que a redução das demandas judiciais não encontra solução em um único ponto. Os estudos apontam a execução fiscal como principal causa do acúmulo de processos judiciais, sem distinguir a origem da dívida, se tributária ou não. Ainda que nesta coluna a atenção esteja voltada às patologias de natureza tributária, não se pode deixar de destacar que a análise das causas do afogamento do Judiciário precisa ser aprofundada de modo a identificar a natureza do crédito que se busca ver realizado nas execuções fiscais, para evitar conclusões e soluções apressadas. Certo é que toda melhoria tendente a reduzir a judicialização é bem-vinda, e não por outra razão que as medidas alternativas de solução de conflitos vêm ganhando cada vez mais espaço e atenção dos potenciais litigantes. Nesse contexto e por isso, reputa-se que a Comissão de Juristas voltou boa parte de sua atenção ao aperfeiçoamento de instrumento já conhecido e posto à disposição para solução de conflitos tributários: o processo administrativo tributário. Demonstrando que a melhoria nas regras de condução do processo administrativo tributário será útil para concretizar a redução da busca do Judiciário como único meio de resolução de conflito entre fisco e contribuinte. A padronização dos procedimentos nos processos administrativos das diferentes esferas da Federação é medida simples que colabora com o seu aperfeiçoamento. Tome-se como exemplo a padronização dos prazos, providência essa que trará mais segurança acerca do tempo em que eventual impugnação ou recurso administrativo deve ser apresentado, evitando, assim, que o contribuinte seja surpreendido, aqui ou ali, com a impossibilidade de revisão do ato administrativo pelo decurso do tempo hábil. Em nossa opinião, outro ponto capaz de otimizar o processo administrativo como importante instrumento de solução de litígio não judicial, guarda relação com a concretização da busca pela verdade material e o formalismo moderado, prestigiando o dever institucional de a arrecadação se dar nos estritos limites constitucionais e legais, bem como a cooperação entre fisco e contribuinte. Neste ponto é salutar rememorar que o objetivo precípuo do processo administrativo é solucionar o conflito entre o fisco e o contribuinte, mediante provocação da autoridade administrativa para revisitar seu ato e, com isso, fomentar o controle de legalidade do crédito tributário — aqui considerado tanto o lançamento do tributo quanto a imposição de multa, objeto de auto de infração. A verdade material ganha relevância, ante seu objetivo de buscar a maior precisão possível sobre os eventos ocorridos no mundo fenomênico e a aplicação da legislação tributária, conformando-se a ideia de verdade material o meio pela qual a administração pública busca solucionar "seu próprio conflito" sem a necessidade da intervenção do Poder Judiciário. A citada busca pela verdade material recai sobre a análise das provas e, também nesse ponto, o processo administrativo pode ser aperfeiçoado. Privilegiar a produção da prova, ainda que ao custo de provocar alguma dilação temporal e procedimental no curso do processo, certamente resultará numa relação de confiança e cooperação entre fisco e contribuinte. A admissão de provas em mais de uma etapa do procedimento do processo administrativo pode evitar a formação de crédito tributário viciado, passível de questionamento na via judicial. Nesse mesmo sentido, a realização de uma diligência pode oferecer maior segurança quanto à certeza do crédito tributário. Ganham com isso, tanto o fisco, como o contribuinte. Oportuno, nesse tocante, considerar a sugestão [3] de criação de câmaras periciais, ou seja, "núcleos privados que prestariam o serviço tal qual os que seriam prestados pelas câmaras de arbitragem, mas restrito à emissão de laudos técnico-periciais". Faz-se, portanto, conveniente privilegiar o instrumento capaz de solucionar o conflito em ambiente administrativo, fomentando a produção de prova e superando a complexidade de sua produção ou eventual deficiência probatória na defesa do sujeito passivo. Prestigiar a verdade material é colocar a certeza do crédito tributário como principal objetivo do processo administrativo, mitigando a análise da defesa do sujeito passivo que pode se mostrar defeituosa para garantia de seu direito. Um exemplo simples (e extremo) é capaz de evidenciar a importância do processo administrativo como instrumento de solução do conflito mitigador de judicialização. Tome-se a presunção de omissão de receitas tributáveis decorrente da falta de escrituração de documento de aquisições. A simples comprovação de que os documentos estavam, de fato, tempestivamente registrados nos livros próprios, é suficiente para atestar a improcedência da cobrança e desconstituir o crédito tributário. Ainda que a prova venha a ser apresentada em diversa oportunidade, é ela capaz de certificar que o crédito tributário deve ser desconstituído. Inadmitir a análise dessa prova por não ter sido apresentada no momento apropriado culminará na judicialização, sendo que o resultado da demanda poderia se dar em ambiente administrativo. É de se concluir que o aperfeiçoamento do processo administrativo — instrumento do direito material tributário [4] —, privilegiando a busca pela verdade material, notadamente no que tange à produção e admissão das provas, é mais um dos muitos caminhos que deverão ser seguidos com o intuito de reduzir a judicialização e concretizar o pilar efetividade do CPC/2015, ainda que na esfera administrativa. [1] Insper: Contencioso Tributário no Brasil 2020, referência 2019. Disponível em: https://www.insper.edu.br/wp-content/uploads/2021/01/Contencioso_tributario_relatorio2020_vf10.pdf, acessado em 08.08.2023. [2] Ato Conjunto 1/2022 do Senado e do Supremo Tribunal Federal. [3] Sobre o tema, recomendamos a leitura do texto de Paulo Cesar Conrado, nesta coluna: CONRADO, Paulo Cesar. Câmara pericial para lides tributárias factualmente complexas. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jul-30/processo-tributario-camara-pericial-lides-tributarias-factualmente-complexas, acessado em 10.07.2023. [4] A linguagem constitutiva do conflito tributário é, sob certa óptica e, portanto, linguagem verdadeiramente “reconstitutiva” do direito tributário. Por isso, processo tributário é instrumento do direito; por isso, é instrumento do instrumento. Mais: se o processo tributário (re)constitui o próprio direito tributário, é uma sua partícula: não é processo, simplesmente, é o próprio direito tributário, especificamente vertido em contingencial linguagem patológica. CONRADO, Paulo Cesar. Processo Tributário, 3ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012. pp. 1-2.
2023-09-03T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-03/processo-tributario-processo-administrativo-canal-reducao-litigiosidade
tributario
Grandes temas, grandes nomes do Direito
Empresário quer segurança jurídica para se programar, diz Ometto
Independentemente do projeto político executado pelos diferentes governos — sejam eles estatizantes ou privatistas, arrecadadores ou não —, o que importa de fato, para a iniciativa privada, é que haja segurança jurídica no país, segundo o empresário Rubens Ometto. Diretor e sócio-controlador do Grupo Cosan, conglomerado com atuações em combustíveis, energia e logística, Ometto falou sobre o assunto em sua participação na série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem publicando desde maio. Na entrevista, Ometto defendeu que o debate sobre a privatização de estatais como forma de impulsionar a economia não toca no ponto que realmente interessa ao empresariado. "Há essa disputa, hoje, sobre se deve haver privatização ou estatização. Em alguns segmentos (deve haver privatização), sim. Mas o que o Estado deveria fazer, e não se trata aqui de atribuir culpa a um ou a outro governo, é dar segurança jurídica para que as regras não mudem no meio do jogo", disse. O mesmo vale para a política monetária, por exemplo. Assim, tão importante quanto diminuir a taxa de juros é proporcionar estabilidade, sobretudo no campo das normas, "para que a base em que estamos pisando não mude e para que, assim, o empresário possa se programar", disse o fundador da Cosan. Para ele, eventuais erros no planejamento de uma empresa são parte do jogo. Por outro lado, adverte Ometto, não é admissível que essas falhas sejam provocadas por regras que mudam de um governo para o outro. "Então, isso é algo que o governo precisa garantir. Mas eu vejo que há uma sede de arrecadação — e o arcabouço fiscal é calcado em cima do aumento de arrecadação. Só que isso precisa ser feito de maneira muito consciente, sem mudar o passado e a segurança jurídica sobre o que estava combinado", concluiu Ometto. Clique aqui para assistir à entrevista ou veja abaixo:
2023-09-04T16:45-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-04/empresario-seguranca-juridica-programar-ometto
tributario
Justiça tributária
Tributação do estoque de recursos dos fundos de investimento
Foi editada a Medida Provisória 1.184, de 28/8/23, para modificar a tributação dos rendimentos dos fundos de investimento, considerados como uma comunhão de recursos, constituídos sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza (artigo 1.368-C, Código Civil). O tributo em foco é o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), que poderá ser considerado como definitivo ou antecipado (artigo 16, MP 1.184). Não vou tratar da tributação rotineira desses fundos, concentrando as atenções na tributação de seu estoque, isto é, do montante acumulado que estava sujeito a uma forma de tributação, que foi modificada pela referida MP. O ponto central sob análise é seu artigo 11, ao estabelecer que "os rendimentos apurados até 31 de dezembro de 2023 nas aplicações nos fundos de investimento que não estavam sujeitos, até o ano de 2023, à tributação periódica nos meses de maio e novembro de cada ano e que estarão sujeitos à tributação periódica a partir do ano de 2024, com base nos artigo 2º ou artigo 10, serão apropriados pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023 e ficarão sujeitos ao IRRF à alíquota de 15%". Eis o ponto: o montante acumulado, isto é, o estoque de recursos, pode ter sua base de cálculo apurada pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023, para futura tributação? A análise passa pelos seguintes argumentos, independente de outros que possam surgir no debate que se avizinha: vigência, eficácia, irretroatividade e anterioridade. A vigência dessa norma está regulada pelo artigo 27 da referida medida provisória, que, como é habitual, menciona que ela entrará em vigor na data de sua publicação. Todavia, seus dois incisos estabelecem diferentes momentos para sua produção de efeitos (um dos sentidos de eficácia). O inciso I do art. 27, MP 1.184, determina que a produção dos efeitos (eficácia) será imediata "em relação aos artigo 12, artigo 13 e aos §3º e §4º do artigo 14". O que estabelecem esses artigos? O artigo 12 prevê a possibilidade de tributação reduzida, caso o pagamento desse estoque ocorra antecipadamente. O artigo 13 trata da hipótese dos fundos que se extinguirão antes de novembro de 2024. E os §§ 3º e 4º do artigo 14 regulam hipótese de fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundos que venham a ocorrer até 31 de dezembro de 2023. O inciso II do artigo 27 determina que a produção dos efeitos (eficácia) ocorrerá a partir de 1º de janeiro de 2024 em relação aos demais dispositivos. O atento leitor ou leitora já observou que o artigo 11 não está excepcionado no inciso I, do artigo 27, sobre ele incidindo a regra geral do inciso II. Ou seja, a norma que estabelece a tributação do estoque de recursos é o artigo 11, acima transcrito, cuja eficácia está expressamente diferida para 1º de janeiro de 2024, em razão do que dispõe o inciso II do artigo 27, da MP 1.184. Qual valor servirá de base de cálculo para incidir 15% de IRRF estabelecido pelo artigo 11? O texto estabelece que esse valor deverá ser "apropriado pro rata tempore até 31 de dezembro de 2023". Aqui estão os efeitos retroativos do artigo 11, pois, mesmo que a tributação do estoque venha a ocorrer em momento futuro, isto é, seja apurada a partir de janeiro de 2024, essa norma determina que a base de cálculo seja apurada tomando por base valores passados, isto é, pro rata de 2023. Os efeitos aqui determinados estão retroagindo, o que infringe duas normas: o princípio constitucional que proíbe a cobrança de tributos "em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado" (artigo 150, III, "a", CF), e o artigo 27, II, da MP 1.184, que determina a produção de efeitos a partir de 1/1/24. Não se trata de anterioridade plena ou mitigada (artigo 150, III, "b" e "c"), mas de violação ao princípio que impede a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os instituiu — princípio da irretroatividade (artigo 150, III, "a", CF). Nesse sentido, é inconstitucional a tributação do estoque de recursos tal qual delineada pela MP 1.184. Qual seria a base de cálculo correta, para que não houvesse a infringência normativa acima apontada? A que vier a ser apurada a partir de 1/1/24, adotando-se a nova regra geral para a incidência de IRRF estabelecida pela MP 1.184. Exposto o entendimento jurídico que entendo aplicável ao caso, cabem ainda breves palavras sobre os extremos. É simplesmente inconcebível a hipótese cogitada por alguns radicais operadores de mercado de que esse estoque de recursos devesse permanecer tributado sob a regra anterior, pois é pacífico que não há direito adquirido a determinado regime jurídico, em especial no que se refere à incidência tributária. Por outro lado, existe quem entenda essa interpretação injusta, pois beneficiará os super ricos, como a imprensa definiu os titulares desses fundos. Gostemos ou não, essa é a ordem jurídica existente e que deve ser obedecida até que seja alterada pelos canais competentes. O respeito à lei é que nos torna civilizados e pode dar segurança jurídica a cada qual na convivência social. Respeito na elaboração da norma e em seu cumprimento.
2023-09-04T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-04/tributacao-estoque-recursos-fundos-investimento
tributario
Opinião
Maria Carolina Sampaio: A nova tributação de fundos
Foi publicada no último dia 28 de agosto a Medida Provisória nº 1.184, que altera a legislação tributária aplicável aos fundos de investimento, especialmente quanto aos fundos fechados. Nos termos da norma, os fundos de investimento passarão a ter como regra geral a incidência periódica do come-cotas, independentemente da sua constituição como condomínios abertos ou fechados (excluídos os fundos com legislação específica e regimes próprios, tais como FIP-Infra, FI-Infra, FII e Fiagro). Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) foram tratados na nova regra geral, com come-cotas, mas em entrevistas e palestras, representantes da equipe do governo, responsável pelas alterações, afirmaram ser possível um diálogo e eventualmente uma alteração da norma, neste ponto. Os regimes, sistemáticas e alíquotas atuais, aplicadas aos diferentes tipos de fundos de investimento, serão mantidas (tabela regressiva para fundos de renda fixa; 15% em FIA etc.). Alguns fundos sujeitos à legislação específica também podem ficar sujeitos ao come-cotas, caso não atendam ao critério de "entidade de investimento', que passa a ser introduzido na legislação tributária. Serão considerados fundos qualificados como "entidade de investimento" para fins tributários, a princípio, aqueles que tiverem estrutura de gestão profissional, no nível do fundo ou de seus cotistas, quando organizados como fundos ou veículos de investimentos, no Brasil ou no exterior, representada por agentes ou prestadores de serviços com poderes para tomar decisões de investimento e desinvestimento de forma discricionária, com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos, na forma a ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional – CMN. Estão sujeitos a esta regra os: Os Fundos de Fundos (FICs) não estarão sujeitos ao come-cotas, desde que mantenham na carteira investimento mínimo de 95% em fundos "entidade de investimento". Na reorganização de fundos de investimento, como regra geral, serão tributadas a partir de 1/1/2024 todas as reorganizações, com exceção daquelas envolvendo, exclusivamente, FIAs, FIPs e ETFs (exceto ETF RF), bem como em relação aos fundos de investimento sujeitos a regime próprio previstos em legislação especial (artigo 23 da MP). Contudo, a MP acaba por prever que já haveria a incidência de IRRF na fusão, cisão, incorporação ou transformação de fundos de investimento em 2023, exceto quando: (I) o fundo objeto da operação não esteja sujeito à tributação periódica nos meses de maio e novembro no ano de 2023; e (II) a alíquota a que seus cotistas estejam sujeitos no fundo resultante da operação seja igual ou maior do que a alíquota a que estavam sujeitos na data imediatamente anterior à operação. Entendemos que esta previsão pode ser objeto de questionamentos, na medida em que não há base legal, atualmente, para a tributação em caso de reorganização de fundos de investimento. A tributação pelo Imposto de Renda de reorganizações de fundos de investimento pode ainda sofrer questionamentos em decorrência da ausência de disponibilidade da renda. A MP traz ainda a possibilidade de que cotistas pessoas físicas residentes no Brasil possam antecipar, ainda em 2023, a tributação sobre o estoque de rendimentos apurados até 31/12/2023 (pendente de necessidade de aprovação da MP ainda em 2023, o quanto antes) dos fundos qualificados como entidade de investimento, à alíquota de 10% (que poderá ser alterada no Congresso), observados o seguinte: Aqueles que não realizarem a opção serão tributados integralmente, no primeiro come-cotas de 2024 (maio/24), com parcelamento em até 24 meses, atualizado pela Selic. Os recursos para recolhimento do IRRF, em ambos os cenários, deverão ser fornecidos pelos cotistas aos administradores, podendo o administrador do fundo dispensar o aporte de novos recursos. Vale observar que cotistas de FIA e FIP não qualificados como entidade de investimento também poderão aderir à opção pela antecipação do recolhimento, à alíquota de 10%; Observe-se, ainda, que a tributação do estoque de rendimentos pela sistemática do come-cotas poderá ser objeto de discussão judicial, considerando a ofensa ao princípio da irretroatividade tributária, nos termos da jurisprudência do STF (ADIN 2588). Para FII e Fiagro as regras de isenção dos rendimentos passar a prever como critérios não apenas a necessidade das cotas dos FIIs e Fiagros estarem admitidas à negociação exclusivamente em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado, mas também que tais cotas sejam efetivamente negociadas nesses ambientes; e o número mínimo de cotistas passa de 50 para 500. Por fim, a MP estabelece que a regra tributária passe a ser aplicada às classes de cotas, e não aos fundos de investimento (observando conceitos da nova regulamentação de fundos de investimento, aplicáveis a partir de abril/2024); e que o usufrutuário seja considerado como o beneficiário dos rendimentos para fins tributários, ainda que ele não seja o proprietário da cota.
2023-09-04T07:09-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-04/maria-carolina-sampaio-tributacao-fundos
tributario
Contas à Vista
Oportunidade perdida na revisão do regime de austeridade
No último dia 30 de agosto foi editada a Lei Complementar nº 200, que teve por finalidade instituir "regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico, com fundamento no artigo 6º da Emenda Constitucional nº 126, de 21 de dezembro de 2022, e no inciso VIII do caput e no parágrafo único do artigo 163 da Constituição; e altera a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)". À luz do artigo 9º da Emenda 126/2022, o advento do aludido diploma normativo implicou a revogação do teto de despesas primárias dado pela Emenda 95/2016. Tal circunstância trouxe, durante a tramitação do PLP 93/2023 (que deu origem à LC 200/2023), severos constrangimentos para a possibilidade de uma reflexão ampliada sobre a inépcia das estratégias de ajuste fiscal estritamente focados na contenção de despesas primárias. Muito embora a agenda do Executivo federal tenha tentado deslocar parcialmente o foco do ajuste fiscal, para que fosse pautado — em maior ou menor medida — o esforço de aprimoramento da gestão das receitas tributárias; aludida mudança não só tem sido empreendida de maneira muito discreta e lenta, como também está condicionada, desde o seu nascedouro, à revisão dos pisos constitucionais em saúde e educação. Eis a razão pela qual há mais continuidade do que ruptura hermenêutica no modo como foi concebida essa nova rodada de regime de austeridade fiscal. Seus pressupostos seguem alicerçados em meta de resultado primário e em limite relativamente linear de despesa primária (independentemente dos desafios legados pelo contexto pós-pandemia). A bem da verdade, a margem legalmente autorizada para expansão da ação governamental comporta níveis de oscilação muito estreitos e dependentes da arrecadação estatal. Conduzida como uma espécie de reforma incremental em face do teto e, antes dele, em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal e à desvinculação de receitas da União, a LC 200/2023 deixou de pautar a reflexão qualitativa sobre como custear suficiente e intertemporalmente o conjunto das obrigações que perfazem o tamanho constitucionalmente necessário do Estado brasileiro. A tônica primordialmente contracionista de tais agendas de ajuste fiscal não está interessada em aprimorar o planejamento governamental, nem almeja prevenir a ocorrência de passivos judicializados, tampouco se preocupa com a existência de filas de espera no acesso a direitos fundamentais que têm a natureza jurídica de despesa obrigatória (seja na seara assistencial, seja na previdenciária). Subsiste uma apriorística e ontológica interdição à possibilidade de demandar melhor ação estatal se tal empreitada, porventura, implicar concomitantemente expansão de despesa primária. Em face da relação dívida pública do governo geral e produto interno bruto (DBGG/PIB), o pressuposto conceitual do que seria "regime fiscal sustentável" enviesada e necessariamente passa pela contenção e, se possível, redução do numerador, sem que jamais seja questionada a longa trajetória de estagnação do denominador, o que tem empobrecido a população brasileira em valores médios ao longo dos últimos 40 anos. Eis o contexto em que a realidade brasileira muito se assemelha com aquilo que Yanis Varoufakis, em seu livro "Adultos na sala", chamou de "prisão da dívida", uma vez que regras fiscais se sucedem em renovadas exigências de austeridade fiscal que retroalimentam a iniquidade social e a estagnação econômica, sem que os problemas basilares sejam efetivamente enfrentados e saneados. Nessa obra, Varoufakis descreve as rodadas de negociação do recém-eleito governo de Alexis Tsipras (partido Syriza), no primeiro semestre de 2015, com os credores internacionais da Grécia, principalmente a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). Segundo o autor, o auge dramático da crise grega se deu com o plebiscito de 5 de julho de 2015, no qual os cidadãos tiveram a oportunidade de expressar sua opinião sobre as políticas econômicas e fiscais que estavam sendo negociadas com os credores internacionais. A rejeição de um novo ajuste da dívida do governo grego com a Troika se sagrou vencedora, mas pouco tempo depois foi francamente deixada de lado e descumprida pelo mesmo governo que havia convocado aquela consulta popular. Teria havido, de certa forma, uma mera manipulação da opinião pública para que a convulsiva rejeição às medidas de austeridade e às condições impostas pelos credores pudesse ser formalmente canalizada e logo adiante descartada. As regras fiscais impostas pela Troika ao governo grego, muito embora sejam um exercício assimétrico e exógeno de poder dos credores internacionais, parecem trazer consigo uma dimensão semelhante de leitura moral da noção de "austeridade fiscal". Para os ortodoxos que autodenominam como "Adultos na sala", os cidadãos trariam para o ciclo democrático demandas que os políticos, de forma supostamente irresponsável e infantil, seriam incapazes de gerenciar. Regras draconianas de ajuste fiscal seriam necessárias para resguardar a garantia de "sustentabilidade" da dívida pública, ainda que os diversos e subsequentes acordos de renegociação se revelassem, no contexto europeu do pós-crise de 2008, francamente inexequíveis. Voltando à realidade brasileira, tal como os cidadãos gregos tragicamente imersos na prisão da dívida com a unificação da política monetária em torno do euro, as promessas civilizatórias da Constituição de 1988 supostamente precisariam ser interditadas como francamente infantis e, portanto, suscetíveis de serem relegadas ao estágio de pura e simples inexecução. Desse modo, nosso país experencia — há mais de três décadas — um crônico tensionamento entre estabilização monetária, de um lado, e efetividade dos direitos sociais inscritos no pacto constitucional civilizatório, de outro. Tal contexto explica porque regras fiscais contracionistas têm sido superpostas ao longo do tempo, para impor um prolongado e alegadamente inevitável regime de austeridade fiscal, o qual se renovaria em rodadas cada vez mais gravosas de exigências normativas, ainda que essas acabassem se revelando como fortemente indutoras de estagnação econômica e de iniquidade social. Assim como as negociações entre o governo grego e a Troika literalmente expuseram a inexistência de compromisso com qualquer filtro de legitimidade democrática; a revogação do teto de despesas primárias, tal como empreendida pela Lei Complementar 200/2023, revela igualmente uma oportunidade perdida de revisão do regime de austeridade fiscal. Na condição de ex-Ministro das Finanças do seu país, Varoufakis descreve como, ao longo do tempo, a Grécia ficou presa em uma série de acordos e emendas que superavam os ajustes anteriores em termos de exigências de austeridade. Isso criou um ciclo onde as medidas de austeridade aumentavam a pressão sobre a economia e a sociedade gregas, muitas vezes levando a uma estagnação econômica. O livro "Adultos na sala" traz o testemunho vívido de como negociações de ajuste fiscal frequentemente ocorriam em um contexto em que as vozes dos cidadãos gregos eram limitadas, levando a uma perda de densidade democrática. Tal como o Brasil, a Grécia tem estado sobrecarregada com elevados encargos de sua dívida, o que retroalimenta e agrava suas crises econômico-sociais. No contexto da Lei Complementar 200/2023, o questionamento acerca das despesas financeiras também teria sido relevante, a despeito de sequer ter vindo à tona, como deveria, caso tivesse havido uma real e efetiva preocupação com a noção de "trajetória sustentável da dívida", na forma do inciso VIII do artigo 163 da Constituição brasileira. Fato é que, ao longo do tempo, a austeridade fiscal — tratada como um fim em si mesmo — enseja um círculo vicioso de desigualdades crescentes, em que resta limitado o acesso da maioria da população a serviços públicos de qualidade, algo tido como inevitável pelos "Adultos na sala" que prescindem de balizas democráticas e pouco se importam com preceitos constitucionais civilizatórios. Além disso, a austeridade também tende a enfraquecer a democracia, uma vez que as escolhas orçamentárias são frequentemente feitas em detrimento do debate público e do envolvimento dos cidadãos. Tal como começa a se evidenciar com mais clareza no Brasil, a partir do debate da tributação sobre fundos exclusivos e offshores, a concentração de riqueza no topo da sociedade traz severas implicações na esfera política. O poder econômico concentrado pode influenciar a política de maneira desproporcional, levando a decisões que favorecem os interesses dos mais ricos em detrimento da maioria. Isso agrava o risco de uma erosão da democracia, onde a representação e a participação efetiva dos cidadãos podem ser comprometidas. Enfrentar a desigualdade, restaurar a confiança na democracia e encontrar maneiras de equilibrar os interesses dos agentes superavitários da economia com as necessidades sociais dos cidadãos mais vulneráveis são questões cruciais que muitos países estão tentando abordar, sem que tenham sido obtidos quaisquer avanços dignos de registro. Aliás, esse é talvez o desafio mais premente das democracias em todo o mundo desde o desvendamento da extrema desigualdade pelas crises de 2008 e da Covid-19. Cumpre reconhecer que políticas econômicas e sociais são altamente complexas e muitas vezes são moldadas por uma variedade de fatores políticos, econômicos e sociais. O debate sobre essas questões continua sendo uma parte central das discussões políticas em muitos lugares, à medida que as sociedades buscam encontrar um equilíbrio entre a eficiência econômica e a justiça social. É preciso questionar, porém, que as condutas de tomar a austeridade como um fim em si mesmo e de apenas resguardar a primazia do controle inflacionário são escolhas políticas que tendem a favorecer os mais ricos no conflito distributivo e, com isso, potencialmente são capazes de mitigar a democracia. Dito de forma ainda mais direta, a austeridade monetarista induz e acaba por legitimar a plutocracia. Seja na crise da dívida da Grécia, seja no cipoal de regras fiscais que se sucedem freneticamente no Brasil, as políticas de austeridade geralmente envolveram cortes nos gastos públicos e, em alguns casos, aumento de impostos incidentes primordialmente sobre os mais pobres. Essas medidas historicamente afetaram desproporcionalmente os cidadãos de baixa renda, ao mesmo tempo em que preservaram os interesses dos mais ricos. Ao longo do tempo, tal padrão de austeridade fiscal acentuou as desigualdades econômicas, concentrando ainda mais a riqueza nas mãos de uma extremamente reduzida e poderosa elite econômica. Vale lembrar também que a redução dos gastos públicos tende a impor cortes nos serviços públicos, como saúde, educação e assistência social. Os mais ricos têm recursos para acessar serviços privados de alta qualidade, enquanto os mais pobres, via de regra, permanecem presos em sistemas públicos subfinanciados e cada vez mais precários. Todas as dimensões acima expostas explicam por que consideramos que a LC 200/2023, ao deixar de debater estruturalmente o regime de austeridade fiscal, incorreu no mesmo erro do plebiscito de julho de 2015 na Grécia. Ambos os eventos históricos representaram uma espécie de desperdício de oportunidade em pautar o peso desproporcionalmente alto das despesas financeiras sobre o orçamento público de cada qual dos países em decorrência dos encargos da dívida pública. Com isso, houve, mais uma vez, o adiamento da reflexão coletiva sobre o conflito distributivo por meio de regras fiscais francamente ineptas e temporalmente datadas. Contudo, há um limite para essa estratégia de apenas postergar o problema, mediante novas rodadas de renegociação da Grécia com a Troika ou mediante sucessivas regras fiscais, sejam elas colocadas dentro ou fora da Constituição brasileira. A austeridade, quando percebida como injusta, tende gerar descontentamento social e político. Em termos internacionalmente observáveis, tal percepção evolui para protestos, manifestações e até mesmo ocasiona o puro e simples enfraquecimento da confiança nas instituições democráticas. O descontentamento resultante pode ter implicações na estabilidade política e social, como aliás, o Brasil tem experenciado desde as manifestações de junho de 2013, que acabaram se deteriorando ao ponto de culminarem em absurdas tentativas de erosão democrática, tal como as empreendidas em 8 de janeiro deste 2023. Em última análise, quando políticas de austeridade levam a uma crescente concentração de riqueza e poder nas mãos de uma elite econômica, isso pode minar a própria essência da democracia. Uma democracia saudável deve ser caracterizada pela representação equitativa dos interesses de todos os cidadãos, e a concentração de poder econômico excessiva pode corroer essa representação. Não há como ocultar tanto cinismo fiscal por meio de regras superpostas para postergar esse impasse indefinidamente... Como uma espécie de criança rebelde, Varoufakis denunciou a iniquidade grega em seu livro ora recomendado. Nossa insolência infantil aqui nos permite formular a indagação nuclear que a LC 200/2023 deixou de empreender em torno da relação entre juros desproporcionalmente altos e tributação aviltantemente regressiva no Brasil. Qual a relação entre ambos? Seriam faces da mesma moeda? Como muitos são os países imersos em situação de interdição fiscal das suas instituições democráticas e das suas balizas constitucionais civilizatórias, "Adultos na sala" é uma obra que merece ser trazida como alerta reflexivo, inclusive para a recém-editada LC 200/2023 no Brasil... Afinal, até quando suportaremos pueril e ingenuamente a renovação de engodos fiscais que tendem a erodir nosso pacto social de 1988 e a comprometer a nossa tão frágil democracia?
2023-09-05T10:27-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-05/contas-vista-lc-2002023-oportunidade-perdida-revisao-regime-austeridade
tributario
Opinião
Ives Gandra: Transformação do Carf em órgão arrecadador
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) mandou o seu projeto de orçamento para o Congresso considerando que, com a mudança na lei (PL 2.384/2023), permitirá que o voto do presidente do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) será o que valerá em caso de empate — dois votos e não um voto só, pois é um voto de qualidade — e, com isso, pretende arrecadar até R$ 59 bilhões. O que me entristece, na fala do ministro Haddad  — que eu respeito, temos relação desde a época que ele era assessor da prefeita Marta Suplicy (SP), tendo dado palestras, inclusive, no Conselho Superior de Direito, que eu presido — , e o que me impressiona é a forma como ele falou, como mandou, a forma como foi mudado que, na minha opinião, tem duas falhas fundamentais. A primeira é que transforma o Carf não num órgão de julgamento justo, de procurar a justiça tributária, de fazer justiça entre o contribuinte e o Fisco. Mas num órgão de arrecadação. O que vale dizer, quando há empate, significa uma dúvida enorme, vai valer o voto daquele que é fiscal para que se possa ter a arrecadação. O que menos importa é a justiça tributária. O que mais importa é ter dinheiro em caixa. Quando, na verdade, toda a luta que se faz — desde que comecei a discutir direito tributário, há 65 anos, desde que nós tivemos o Relatório Newmark para, na União Europeia, definir o seu regime tributário, desde a Royal Commission Taxation, do Canadá, quando se discutiu quais eram as funções fundamentais da política tributária, que era fazer justiça tributária, transformar o Carf não num tribunal de julgamento justo, mas num tribunal para decidir a favor da Receita  — dando um peso de duas vezes ao presidente, que é sempre um agente fiscal. É evidente não compreender qual é a função da revisão administrativa, do processo administrativo fiscal. Esse é o aspecto em relação ao espírito que levou a essa alteração. E o segundo aspecto, esse, a meu ver, é o mais grave. Os pais do direito tributário — aqueles que fizeram o direito tributário, aqueles que compuseram o Código Tributário Nacional, aqueles que redigiram a Emenda Constitucional nº 18, aqueles que introduziram o sistema tributário que nós não tínhamos antes, Rubens Gomes de Sousa, Carlos da Rocha Guimarães, Aliomar Baleeiro, todos aqueles que foram, realmente, os pais do direito tributário — puseram, no Código Tributário Nacional, o artigo 112, dizendo o seguinte: num caso de dúvida para a decisão entre uma discussão contribuinte/fisco, tem que prevalecer a interpretação mais favorável ao contribuinte. E o Código Tributário tem eficácia de lei complementar. Portanto, estão mudando uma lei complementar por meio de uma lei ordinária, dizendo que, em caso de dúvida, tem que prevalecer a vontade do fisco, e não como manda o CTN, como manda uma lei de hierarquia superior à lei ordinária, que condiciona a lei ordinária, que é o Código Tributário Nacional, e que, no caso de dúvida, incidisse a favor do contribuinte e não a favor do Fisco. O que vale dizer, a meu ver, é uma evidente ilegalidade nessa lei ordinária que o Congresso acaba de aprovar. Por meio de lei ordinária, estão modificando o Código Tributário Nacional, dizendo, em caso de dúvida, porque se tem quatro votos de um lado e quatro votos de outro, eu tenho dúvida. E daí um deles passa a ser o superior julgador, porque a sua posição valerá duas vezes, e não um voto só. Então, apesar de ser quatro a quatro, fica cinco a quatro, e um tem o valor de dois. Portanto, me parece que temos uma violação ao CTN. Na minha opinião,  primeiro, o projeto transforma o Carf não num tribunal de justiça tributária, mas num tribunal apenas de arrecadação fiscal. Segundo lugar, fere, a meu ver, o Código Tributário Nacional, que manda que, no caso de dúvida, tem que se decidir a favor do contribuinte, artigo 112, e não a favor do Fisco.
2023-09-05T09:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-05/ives-grandra-transformacao-carf-orgao-arrecadador
tributario
Território Aduaneiro
Aprovado o PL do voto de qualidade: abriu-se a caixa de Pandora?
Semana passada foi aprovado o Projeto de Lei (PL) sobre o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o qual parece tecido por linhas que misturam a sabedoria prospectiva de Prometeu, os desatinos de Epimeteu e as surpresas trazidas pela primeira mulher na mitologia grega. O voto de qualidade, que já estava presente em decretos há mais de sete décadas [1], foi introduzido em norma de estatura legal em 2008, no artigo 25, § 9º, do Decreto no 70.235/1972, que determinava que incumbe aos presidentes das turmas (conselheiros fazendários) o voto decisivo em caso de empate nos julgamentos do Carf [2]. Doze anos depois, em um panorama político ultraliberal, a Lei nº 13.988, no seu artigo 28, afastou a aplicação do voto de qualidade no caso de determinação e exigência do crédito tributário, prescrevendo nessa hipótese decisão favorável ao contribuinte. Vale lembrar que, nos termos do Parecer SEI nº 6.898/2020/ME, o voto de qualidade continuava sendo aplicado às multas aduaneiras. Já no início do novo governo, foi aprovada a Medida Provisória no 1.160, de 12 de janeiro de 2023, que restabeleceu no seu artigo 1º, o voto de qualidade no Carf. Essa medida provisória perdeu a vigência em 15 de junho de 2023. Em 5 de maio de 2023, foi apresentado em regime de urgência o Projeto de Lei nº 2.384/2023, restabelecendo o voto de qualidade e também conduzindo outras criaturas. O PL foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 7 de julho de 2023, e, no dia 30 de agosto, o Senado o aprovou. Neste momento, aguarda-se a sanção presidencial. Relendo o documento, além do voto de qualidade, deparamo-nos com as estranhas criaturas, sejam corujas ou jabutis, que restarão libertadas com a sanção presidencial. Vamos nos concentrar em uma disposição que passou quase despercebida e envolve matéria aduaneira. Trata-se do artigo 2º do PL, que introduz o artigo 14-B no Decreto 70.235, de 1972. Peço aqui licença ao leitor, mas nesse caso, excepcionalmente, é necessária a citação desse novel artigo, para que então tenhamos condições de analisá-lo: "Art. 2º O Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, passa a vigorar com as seguintes alterações: 'Art. 14-B. No caso de determinação e exigência de crédito tributário ou aplicação de penalidade isolada que abranja operação ou atividade previamente autorizada por órgão regulador, o litígio que envolva controvérsia jurídica entre a autoridade fiscal ou aduaneira e o órgão regulador será submetido, de ofício ou mediante requerimento do sujeito passivo, à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF), nos termos do art. 36 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Parágrafo único. A submissão do litígio à CCAF é considerada reclamação, para fins do disposto no inciso III do caput do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional)" Esse artigo não constava do texto original do PL apresentado pelo governo e foi aprovado sem despertar maiores atenções. Com intuito de trazê-lo ao debate, comentarei alguns aspectos que me parecem preocupantes, tomando a perspectiva da matéria aduaneira. Como se sabe, a resistência do sujeito passivo ao crédito tributário ou à penalidade isolada lançados pela autoridade fiscal ou aduaneira federal não se caracteriza como um conflito entre órgãos da administração, tratando-se de uma relação jurídica entre o particular e a própria União, titular do crédito tributário. A mediação a que se refere o artigo 36 da Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, é aplicável especificamente a "conflitos que envolvam controvérsia jurídica entre órgãos ou entidades de direito público que integram a administração pública federal". O escopo dessa mediação é exatamente resolver divergências no seio da administração pública. Ou seja, realizada a mediação, obtém-se harmonização e mais eficiência dentro da administração pública federal. Como corolário, espera-se o decréscimo dos conflitos da administração com os particulares e também a redução do volume de ações judiciais. Cabe observar, contudo, que a mediação prevista no artigo 36 da Lei nº 13.140, de 2015, não foi concebida para ser aplicada diretamente a conflitos entre a administração pública e particulares e nem para suspender a exigibilidade de obrigações dos particulares enquanto a controvérsia entre órgãos da administração não for dirimida. Ademais, um terceiro em relação a essas controvérsias, um particular, não deveria ter legitimidade para instaurar o procedimento de mediação entre órgãos da administração. Contudo, o novo dispositivo legal não esclarece se está estendendo a mediação também para conflitos entre a administração pública e particulares, no caso de conflitos que constituem créditos tributários e penalidades, direitos indisponíveis do Estado. Talvez a leitura esperada fosse que o dispositivo estaria criando a legitimidade do particular interessado para provocar mediante reclamação o procedimento de mediação entre órgãos públicos federais e estaria criando também uma nova possibilidade de suspensão do crédito tributário em relação a esse particular, até que a divergência entre os órgãos fosse resolvida pela AGU. Dessa interpretação, soem problemas jurídicos. Não haveria que se falar de um conflito ou prestação resistida entre o fisco e algum órgão regulador, como a Anvisa, por exemplo. Esse conflito não existe, pois cada um atua dentro do campo legal de sua competência e a aplicação da legislação que envolva crédito tributário compete exclusivamente ao fisco. Muito possivelmente, a ideia de aplicação dessa mediação no que pertine à matéria aduaneira tenha sido concebida para envolver questões sobre a classificação fiscal de mercadorias. Todavia, a classificação fiscal no Brasil deve ser realizada com observância da Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (acordo internacional assinado e incorporado ao sistema jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo nº 71, de 11 de outubro de 1988, e pelo Decreto nº 97.409, de 22 de dezembro de 1988), bem como com observância ao regramento do Mercosul. Especificamente, a classificação fiscal de mercadorias se fundamenta nas Regras Gerais para a Interpretação do Sistema Harmonizado da Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, nas Regras Gerais Complementares do Mercosul, nas Regras Gerais Complementares da Tipi, nos pareceres de classificação do Comitê do Sistema Harmonizado da Organização Mundial das Aduanas e nos ditames do Mercosul, e, subsidiariamente, nas Notas Explicativas do Sistema Harmonizado. Ademais, as classificações das mercadorias contidas nos pareceres da OMA, que são traduzidos e internalizados por ato do secretário da Receita Federal do Brasil, são de observação obrigatória [3]. Mister ter presente que a aplicação das normas de interpretação do Sistema Harmonizado e das Nomenclaturas nele baseadas é um procedimento muito específico e técnico. Por isso, tanto no Brasil como no exterior, as consultas sobre classificação são resolvidas por autoridades públicas tributárias e aduaneiras, que possuem o conhecimento necessário para a aplicação das referidas normas, de caráter internacional. No caso do Brasil, a competência para determinar a classificação fiscal para efeito de lançamento de tributos federais ou multas pertinentes é da autoridade da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB), nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional (lei complementar), cabendo a este órgão, inclusive, responder a consultas sobre essa classificação, nos termos dos artigos 48 e 50 da Lei nº 9.430, de 1996. No caso de divergência entre os países sobre a classificação de uma mercadoria no Sistema Harmonizado, elas são solucionadas mediante consulta ao Comitê do Sistema Harmonizado da Organização Mundial das Aduanas (OMA), que conta com representantes da RFB. Dessarte, a classificação fiscal deve ser determinada pela autoridade competente com observância das regras internas e internacionais. Não se coaduna com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil que, no caso de divergência de classificação entre a RFB e outros órgãos (que, diga-se, não possuem competência para classificar mercadorias no Sistma Harmonizado, limitando-se sua atuação à concessão de licenças e autorizações) [4], essa questão seja resolvida por meio de mediação da Advocacia-Geral da União. Retomando o texto do novo artigo sob escrutínio, ele indica que, no caso de divergência entre o entendimento da RFB e de outros órgãos da administração pública que envolva crédito tributário ou multa isolada, a questão pode ser levada à mediação da Advocacia-Geral da União. O que, conforme indicamos, parece configurar um grande imbróglio jurídico, com proporções internacionais. O parágrafo único do mesmo artigo aprofunda essa situação, pois determina que a submissão, de ofício ou pelo particular, à AGU do litígio será considerada reclamação, aplicando-se a suspensão do crédito tributário prevista no artigo 151, III, do Código Tributário Nacional. Cabe observar que essas regras introduzidas pelo PL trouxeram uma incoerência para dentro da lei de mediação, pois não se fez referência ao artigo 38 da Lei nº 13.140, de 2015. É este artigo que disciplina especificamente os conflitos que envolvam a RFB ou créditos inscritos em dívida ativa da União, veiculando requisitos mais rígidos para proteger os recursos públicos. Conforme o artigo 38 da Lei nº 13.140, de 2015, a opção do órgão ou entidade pela mediação da AGU implica renúncia ao direito de recurso ao Carf. O mesmo artigo 38 não permite que os conflitos sobre créditos tributários com particulares sejam submetidos à mediação da AGU. Não se admite, da mesma forma, que sejam levados à mediação conflitos sobre créditos tributários que envolvam empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias que atuem em regime de concorrência. Ademais, segundo artigo 38 da Lei nº 13.140, de 2015, se a mediação resultar em redução ou cancelamento do crédito tributário, dependerá de manifestação conjunta do advogado-geral da União e do ministro da Fazenda. Nesse contexto, é de se concluir que o artigo 2º do PL afronta garantias ao crédito tributário previstas na própria lei de mediação. Por sua vez, o artigo 151, III, do CTN dispõe que as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo administrativo tributário, suspendem a exigibilidade do crédito tributário. Contudo, vimos que o novo artigo prevê a possibilidade de que divergência entre órgãos da administração federal seja apresentada à AGU com pedido de mediação, de ofício ou pelo particular (terceiro afetado pelo entendimento dos órgãos administrativos). Nesse sentido, a reclamação do particular e menos ainda a submissão de ofício têm o condão de transformar o procedimento de mediação em um rito de processo administrativo tributário no qual o particular seja parte. Ou seja, o artigo 2º do novo PL tentou criar um novo caso de suspensão de exigibilidade do crédito tributário, inserindo-o expressamente no Decreto 70.235, de 1972, como uma hipótese de processo administrativo tributário, apesar de sua natureza ser de um procedimento de mediação entre órgãos da administração pública federal conduzida pela AGU. Conforme jurisprudência consolidada no STF [5], as causas de suspensão do crédito tributário previstas no artigo 151 do Código Tributário Nacional constituem uma lista taxativa ou numerus clausus, somente sendo possível incluir novas hipóteses mediante previsão em lei complementar. Por fim, se fossem superados todos os problemas atinentes ao artigo em análise e se entendesse pela sua constitucionalidade e aplicabilidade, ele não alcançaria todos os casos de divergência de classificação, v.g., para efeito de imposição de direitos antidumping e nem em direitos compensatórios, por não configurarem tais direitos crédito tributário ou multa isolada. Ainda na saga de Prometeu e de Epimeteu, voltemo-nos à Pandora, primeira mulher segundo a mitologia grega e esposa de Epimeteu, mas nos concentremos na esperança, que foi o que restou. Mantenhamos esperança de que o processo administrativo tributário seguirá guiado por regras que tragam justiça, celeridade, equidade e que não afrontem a Carta Magna, nem o ordenamento internacional. [1] O Decreto 16.580/1924, que criou o Primeiro Conselho de Contribuintes, estabeleceu que o órgão teria cinco membros, não havendo ainda previsão para o voto de qualidade. A estrutura paritária para os Conselhos surge apenas no Decreto 24.036/1934 ("Reforma Aranha"), com a consequente instituição do voto de qualidade, proferido pelo presidente do colegiado (art. 175). [2] Sobre o assunto, sugiro remissão ao artigo "Voto de qualidade e as decisões em matéria aduaneira no Carf sob escrutínio" (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2023-jan-31/artx-territorio-aduaneiro-voto-qualidade-decisoes-materia-aduaneira-carf>. Acesso em: 2 set. 2023. [3] Nesse sentido o Parecer Normativo Cosit/RFB Nº 6, de 20 de dezembro de 2018. [4] Sobre esse tema, remete-se ao recente artigo desta ConJur "O 'Febeapá' em matéria de classificação de mercadorias" (Disponível em <https://www.conjur.com.br/2023-jul-18/territorio-aduaneiro-febeapa-materia-classificacao-mercadorias>. Acesso em: 4 set. 2023. [5] Conforme AgRg na MC 16.107/RS, rel. ministro Luiz Fux, 1ª Turma, julgado em 17/11/2009, DJe 4/12/2009,
2023-09-05T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-05/territorio-aduaneiro-aprovado-pl-voto-qualidade-abriu-caixa-pandora
tributario
Contribuinte fantasma
Prova de assunção do encargo não vale em caso de incompetência
Para haver restituição de imposto, o artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN) exige que o contribuinte demonstre ter assumido o encargo financeiro do pagamento do tributo. Mas tal previsão não se aplica aos casos em que a repetição de indébito se baseia na incompetência tributária para o recolhimento do imposto. Com esse entendimento, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) afastou tal exigência e determinou a devolução do ISS pago por uma empresa à Prefeitura de Porto Alegre. Os valores serão apurados na fase de liquidação de sentença. A empresa, sediada em Caxias do Sul (RS), presta serviços de emissão de laudos e exames médicos com exclusividade para um cliente localizado na capital gaúcha. Ela acionou a Justiça buscando a declaração de qual município é competente para cobrar o ISS. A sentença declarou a competência de Caxias do Sul. Nos últimos cinco anos, devido ao receio de execução fiscal, a empresa pagou o ISS para ambos os municípios. Por isso, também pediu a devolução do imposto pago à prefeitura incompetente para recolhê-lo. No entanto, o juízo de primeiro grau negou tal direito, pois a autora não comprovou que o custo do imposto não foi repassado ao tomador no preço do serviço. Após recurso, a desembargadora Lúcia de Fátima Cerveira, relatora do caso no TJ-RS, explicou que a regra do artigo 166 do CTN é "dirigida ao contribuinte do imposto a ser restituído". A magistrada ressaltou que a autora sequer pode ser chamada de contribuinte do ISS perante a Prefeitura de Porto Alegre. O erro em informar sua atividade e recolher o tributo indevidamente "não a transforma em contribuinte". Segundo a relatora, a exigência da lei não se aplica ao caso concreto, pois "a repetição do indébito não está fundada em erro na determinação da alíquota aplicável ou no cálculo do montante do débito". A empresa autora foi representada pelo advogado Ramiro Gomes von Saltiel, do escritório Bueno e Lacerda Advogados Associados. Clique aqui para ler o voto da relatora Processo 5008015-85.2017.8.21.0010
2023-09-05T07:51-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-05/prova-assuncao-encargo-nao-vale-incompetencia
tributario
Opinião
Bandeira e Barradas: Limite temporal da compensação de créditos
O recolhimento de tributo indevido ou em montante maior que o devido representa o ingresso, nos cofres públicos, de recursos subtraídos do contribuinte de forma ilegítima, obrigando o ente tributante a promover a imediata devolução do indébito, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado. Não raro, entretanto, o particular se vê obrigado a recorrer ao Poder Judiciário para obter o reconhecimento da existência do indébito tributário a que faz jus, sendo que, uma vez obtido êxito na investida, poderá optar por reaver os montantes a cuja recuperação faz jus por meio de precatório ou por compensação administrativa. Caso opte pela compensação, o contribuinte precisará se submeter a uma série de requisitos elencados em Instruções Normativas editadas pelo órgão fazendário, dentre as quais a observância do prazo máximo de cinco anos, contados a partir do trânsito em julgado da decisão que declara determinada cobrança indevida, para que empregue o crédito em encontros de contas na esfera administrativa. Com efeito, é que o que consta do artigo 106, caput, da IN RFB 2.055, de 8 de dezembro de 2021, atualmente incumbida de disciplinar a compensação de créditos tributários federais, bem como de pronunciamentos do órgão consultivo fazendário, que se posicionam, de forma expressa, pela impossibilidade de o contribuinte dar continuidade às compensações, caso não logre exaurir o crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado nesse ínterim (vide Solução de Consulta Cosit nº 239, de 19 de agosto de 2019 e o Parecer Normativo nº 11, de 19 de dezembro de 2014). Entendemos, contudo, que a limitação temporal em apreço não se sustenta, tendo em vista a disciplina legal acerca da matéria, bem como a interpretação que lhe vem sendo conferida pela mais abalizada jurisprudência pátria, à luz dos princípios que regem as relações tributárias. Vejamos: Estabelece o artigo 168, caput, do CTN, que, para as hipóteses de pagamento indevido tuteladas no artigo 165, o direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contado a partir de diferentes marcos temporais ali previstos, dentre os quais o trânsito em julgado da decisão judicial que reconhece o indébito. A partir da interpretação desses regramentos, extraímos a conclusão de que cabe ao contribuinte, no quinquênio subsequente ao trânsito em julgado de decisão desta natureza, apresentar seus créditos às autoridades fiscais, declarando seu propósito de empregá-los em encontros de contas voltados à quitação de débitos próprios, mediante transmissão da primeira Declaração Eletrônica de Compensação — DComp com o detalhamento do montante a que faz jus. Em outros termos, compete-lhe, no prazo em análise, dar início aos procedimentos compensatórios, restando afastada, a partir da adoção desta providência, a possibilidade de consumação da prescrição desse direito, uma vez que a configuração do instituto, como é de amplo conhecimento, pressupõe o decurso de determinado prazo aliado à inafastável inércia do titular do direito. Por outro lado, compelir o particular a esgotar o crédito a que tem direito num determinado período carece de razoabilidade! Isto porque a impossibilidade de esgotamento do crédito pode decorrer de fatores completamente alheios à vontade ou controle do seu detentor, a exemplo da queda no desempenho das suas atividades produtivas, capaz de comprometer a percepção de faturamento/lucro e, em consequência, a apuração de débitos alusivos a tributos federas suficientes para lhe fazer face, ou ainda das crescentes restrições impostas pela RFB à realização de encontros de contas, dentre as quais mencionamos, a título ilustrativo, o óbice à compensação de débitos de estimativa do IRPJ e da CSLL (vide artigo 74, §3º, IX, da Lei nº 9.430/96). Certamente em atenção a parâmetros de justiça e de razoabilidade é que não há, no ordenamento jurídico vigente, norma legal fixando prazo máximo para o aproveitamento de créditos reconhecidos pelo Poder Judiciário, diante do que se conclui que as INs RFB que fixam limite dessa natureza extrapolaram o poder regulamentar que lhes é próprio, incorrendo, desta forma, em violação ao artigo 100, I, do CTN. Além disto, cumpre observar que a referida IN RFB 2.055/2021 expressamente admite a possibilidade de compensação, sem limitação temporal, de créditos que tenham sido objeto de anterior pedido de restituição apresentado dentro do quinquênio subsequente ao seu nascedouro (vide artigo 67, parágrafo único). Nesta hipótese, portanto, o próprio ente fazendário federal entende que estaria afastado o perecimento do direito à utilização do montante. Ocorre que todo crédito, para que se afigure compensável, deve ser passível de restituição ou de ressarcimento, conforme disposto no artigo 74, caput, da Lei nº 9.430/96, havendo, nesse compasso, textual advertência, no bojo do artigo 76, VII, da festejada IN RFB 2.055/2021, no sentido de que é vedada e será considerada não declarada a compensação que tiver por objeto (...) o crédito que não seja passível de restituição ou de ressarcimento. Deste modo, considerando que um crédito objeto de anterior pedido de restituição pode ser utilizado indefinidamente, até o seu completo exaurimento, sobressai absolutamente injustificado e atentatório ao primado da isonomia conferir tratamento díspar e mais restritivo a um crédito igualmente passível de restituição, ainda que na esfera judicial, devidamente pleiteado via procedimento de compensação administrativa, em sede de DComp que contemple seu detalhamento. Com base em todo esse manancial jurídico-argumentativo, entendemos verdadeiramente respaldada a concepção de que, uma vez iniciados os procedimentos de compensação de determinado crédito oriundo de decisão judicial transitada em julgado — e, deste modo, afastada a inércia que pudesse levar à configuração da prescrição do direito de lhe conferir adequado emprego —, sua utilização deverá ser permitida até que o credor seja capaz de lhe conferir integral vazão, sem a imposição de qualquer limite temporal. Nesse sentido, sinalizamos a existência de decisões da 2ª Turma do STJ, proferidas nos anos de 2014 e 2015, de acordo com as quais o prazo do art. 168, caput, do CTN é dado ao particular credor para pleitear a compensação, e não para realizá-la integralmente. Observamos que este entendimento está refletido, também, em precedente da 1ª Turma da Corte Superior, do ano de 2018, o qual, ainda que à luz de contexto fático distinto, deixou evidente tal concepção, utilizando, inclusive, como razão de decidir, o conteúdo de um dos precedentes acima mencionados. Detectamos, ainda, decisões monocráticas mais recentes, que, inclusive, se reportam aos mesmos julgados da 2ª Turma de que tratamos acima, para concluir que o contribuinte dispõe de cinco anos para iniciar a compensação, contados do trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu o direito ao crédito, não havendo, uma vez iniciada a compensação, prazo máximo para a sua finalização. Neste contexto, os Tribunais Regionais Federais vêm adotando idêntico posicionamento, merecendo destaque decisões transitadas em julgado em suas esferas, oriundas dos TRFs da 1ª e 4ª Região. Diante deste panorama jurisprudencial, nos parece que vem ganhando força a tese de que o prazo quinquenal contado a partir do trânsito em julgado é dado ao contribuinte para que inicie os procedimentos de compensação mediante emprego do crédito reconhecido pelo Poder Judiciário, não estando obrigado, contudo, a esgotar o montante nesse mesmo ínterim. E muito embora inexista, até o momento, julgados vinculantes sobre o tema, fato é que a incursão em debate dessa natureza se apresenta como um dos caminhos possíveis para os contribuintes que, mesmo já havendo enfrentado uma verdadeira "via crucis" processual no intuito de obter o reconhecimento do direito à repetição do indébito tributário, precisarão, ainda, retornar ao Poder Judiciário no intuito de ver assegurada a satisfação integral do crédito a que fazem jus.
2023-09-06T20:31-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-06/bandeira-barradas-limite-temporal-compensacao-creditos
tributario
Consultor Tributário
Regime especial é mandatório para as profissões regulamentadas
Na nossa última coluna, intitulada "Às sociedades profissionais, um regime adequado", demonstramos que, apesar de a PEC da reforma tributária, em trâmite no Senado, ter previsto extensa lista de atividades para as quais será criado um regime específico de tributação — mercado financeiro, planos de saúde, parques de diversão, empresas imobiliárias, hotéis, restaurantes, bares, entre outras —, as profissões regulamentadas, que, exclusivamente em razão das suas especificidades, foram, desde sempre, submetidas a tratamento diferenciado, não foram contempladas pelo projeto com a previsão de que seriam elegíveis a um regime tributário que as tratasse adequadamente. Em seguida à nossa coluna, houve algumas manifestações isoladas, não contrariamente ao constrangedor tamanho daquela lista e aos itens que a compunham, mas adversas à óbvia conclusão de que, em havendo exceções, as profissões regulamentas teriam necessariamente de ser as primeiras contempladas. Os argumentos trazidos nessas manifestações, longe de nos convencerem, reforçaram ainda mais as nossas conclusões, razão pela qual resolvemos, por mero amor ao debate, retornar ao tema uma vez mais.  Restringiremos a nossa abordagem a dois aspectos que nos pareceram merecedores de serem retomados, para torná-los ainda mais claros: - a exatidão dos fundamentos que levaram o principal autor da reforma de 1965, Rubens Gomes de Sousa, a entender que os autônomos e as sociedades profissionais deveriam ser submetidos a um regime de tributação fixa pelo Imposto sobre Serviços (ISS); e - a natureza falaciosa do argumento de que as sociedades profissionais que atuarem no meio da cadeia não sofrerão qualquer prejuízo ou aumento de carga tributária, tendo em vista que as novas incidências serão integralmente repassadas aos tomadores dos respectivos serviços. Mas, antes de adentrarmos o exame desses dois aspectos, vale frisarmos que esses problemas tributários que decorrerão da reforma, caso aprovado o projeto na forma em que está, dizem respeito não somente aos escritórios de advocacia, como parecem sugerir aquelas manifestações isoladas a que nos referimos acima, mas a todas as sociedades que tenham por objeto profissões regulamentadas (médicos, dentistas, engenheiros, arquitetos, contadores etc.). São todas sociedades que se sujeitam a um mesmíssimo tratamento tributário — e não privilégio —, que lhes impõe o pagamento do ISS fixo, em razão exclusivamente das suas especificidades, entre elas a de serem pessoalmente responsáveis pelos serviços que prestam, o que as diferencia de uma tinturaria, por exemplo, em que somente a pessoa jurídica responde por malpractice, e não os executores dos serviços em si. É verdade que os advogados são os que mais se posicionam em relação a essa matéria e os que normalmente representam as demais profissões nesse debate. Mas isso decorre exclusivamente das suas especialidades, que lhes permitem ver, com mais clareza, a absoluta irrazoabilidade e a ganância fiscal tsunâmica com que aquelas sociedades serão tratadas com as novas regras. Feita essa ressalva, vamos agora abordar os dois tópicos que planejamos discutir. Primeiro tópico: A plena exatidão e constitucionalidade do regime especial atribuído há 55 anos às sociedades profissionais. Quanto a esse aspecto, há que se ter de início em mente que o maior defensor dessa regra foi, nada mais, nada menos, que Rubens Gomes de Sousa, um dos maiores e mais relevantes doutrinadores de Direito Tributário que este país já conheceu. Esse estupendo jurista foi o principal autor intelectual do anteprojeto do qual resultou a Emenda Constitucional 18/1965 e o Código Tributário Nacional, esses sim, consubstanciadores de uma reforma com "R" maiúsculo, que, de forma disruptiva e inédita, introduziu na nossa legislação um efetivo Sistema Tributário Nacional, extremamente inovador e atual para a época. Não estamos querendo com isso dizer que Gomes de Sousa esteja imune à prática de equívocos.  Claro que não! Estamos tão somente trazendo à mesa a ponderação de que a crítica às suas teorias deve ser sempre feita, tendo-se em mente a envergadura doutrinária, curricular e histórica desse jurista. Mas como, enfim, surgiram as regras de tributação fixa do ISS? O ISS, como se sabe, substituiu o antigo Imposto sobre Indústrias e Profissões (IIP), cuja base de cálculo se evidenciava imprecisa e permitia a sobreposição entre as competências tributárias dos municípios e da União Federal, que, na Constituição Federal (CF) de 1946, associavam-se à tributação da renda, do consumo de mercadorias e das atividades comerciais. O IIP foi criado na CF de 1891, com a sua competência originalmente outorgada aos Estados (posteriormente, transferida aos municípios). Sim, ao examinar essa evidente sobreposição, o STF, equivocadamente (com a devida e máxima vênia), posicionou-se, naquela prisca era e em relação ao tributo que vigia à época (IIP), pela inexistência de vícios que tornassem imprópria essa dupla incidência do IIP e de tributos como o Imposto de Renda (IR) sobre a mesma base. Foi exatamente em razão de esse entendimento do STF não se coadunar com a melhor doutrina (da época e atual [1]), que, visando justamente "impedir a reprodução dos vícios econômicos e jurídicos que tornam imperativa a revisão total da situação existente", a EC 18/65 alterou a CF de 1946, para substituir o IIP pelo ISS, de forma a sanar aqueles e outros vícios decorrentes da tributação sobre as indústrias e profissões. É o que se verifica com clareza da seguinte passagem do Anteprojeto para Reforma da Discriminação Constitucional de Rendas, elaborado pela Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda em 1965, nos termos da Portaria n. GB-30, de 27 de janeiro de 1965: "(...) Dentre as diferentes bases de cálculo ensaiadas para o imposto de indústrias e profissões, subsistiu como praticamente a única, por ser a um tempo a mais produtiva e a mais fácil de administrar, o chamado 'movimento econômico', que outra coisa não é, entretanto, senão a receita bruta da atividade tributada. Mas, com isso, o imposto de indústrias e profissões converteu-se numa duplicação do imposto federal sobre a renda, em sua forma mais primária e antieconômica, ou mesmo numa espécie de 'adicional' do imposto estadual de vendas e consignações. É comum, com efeito, o caso de Municípios, dentre os menos desenvolvidos, e portanto menos aptos para manter uma administração fiscal eficiente, cobrarem, a título de imposto de indústrias e profissões, simplesmente uma porcentagem do montante pago ao Estado, pelo mesmo contribuinte, sobre o total bruto de suas vendas. (...) Por essa razão, a Comissão entende que o imposto de indústrias e profissões converteu-se num exemplo flagrante daquela interpenetração dos campos tributários privativos, a que de início fez referência, exacerbando assim os defeitos inerentes à sua condição de tributo falho de base econômica real, pois o mero exercício de qualquer atividade – que configura o seu fato gerador – justificará, quando muito, uma presunção de capacidade contributiva, mas nunca fornecerá a medida dessa capacidade. Justifica-se, por isso, a propositura de sua substituição por um imposto sobre serviços, campo não diretamente coberto por qualquer dos outros impostos previstos na Emenda 'B', e adequadamente utilizável pelo Município, mas, ainda assim, sob as limitações previstas no parágrafo único do art. 16, e destinadas a impedir a reprodução dos vícios econômicos e jurídicos que tornam imperativa a revisão total da situação existente." (IBRE. Reforma da discriminação constitucional de rendas (anteprojeto) v. 6. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas/Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, 1965, p. 32-34 – grifos nossos) Com fundamento nesse racional, desde a sua criação até os dias atuais, o ISS incide sobre o preço do serviço prestado, mas, também desde o início, sempre ressalvou-se dessa regra a prestação de serviços realizadas sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte. Estabeleceu-se, neste caso, que o imposto deveria (como ainda deve) ser calculado com base em "alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço e outros fatores pertinentes, não compreendida nestes a renda proveniente da remuneração do próprio trabalho". A razão de ser desse dispositivo, repita-se, foi eficientemente resumida por Rubens Gomes de Sousa [2], um dos autores do anteprojeto que deu origem ao CTN, da seguinte forma: "(...) A finalidade da ressalva era, evidentemente, evitar que o ISS viesse a confundir-se com o imposto de renda [3] sobre honorários ou salários, como acontecia com o antigo imposto de indústrias e profissões". Posteriormente, como todos também sabem, por meio do art. 9º, parágrafo 3º, do DL 406/68, essa regra foi estendida às sociedades de profissões regulamentadas, tendo em vista que, como já dito, os seus sócios respondem pessoalmente pelos serviços que prestam. Essas sociedades são, na verdade, mero agrupamento de profissionais liberais que se utilizam das pessoas jurídicas que as compõem como instrumento pelo qual prestam serviços, assumindo responsabilidade pessoal por tudo que fazem. Por isonomia, portanto, a tributação fixa foi estendida às sociedades profissionais. A constitucionalidade desse regime especial foi abençoada em, pelo menos, duas ocasiões pelo STF: (a) na primeira, no RE 236.604-PR, por onze votos a zero — repetimos, por onze votos a zero — o tribunal deixou absolutamente clara a sua posição de que esse tratamento é condizente com as especificidades das sociedades profissionais e não configura privilégio nem benefício fiscal, tendo, portanto, sido recepcionado pela CF de 1988, por não ferir qualquer dos seus princípios, inclusive o que veda isenções heterônomas; (b) na segunda, no RE 940.769 , por sete votos a um, a mais alta Corte derrubou todos os cerceamentos inconstitucionais criados por lei municipal para que as sociedades profissionais fizessem jus à tributação fixa; entre eles, destacou-se aquele, o mais esdrúxulo de todos, de que as sociedades que tivessem sido organizadas sob o formato societário de limitada (Ltda.) não fariam jus à tributação diferenciada. Também no Congresso, projetos de lei (PLs) apoiados e incentivados pelos municípios propuseram a revogação expressa dos dispositivos ora examinados (exemplo desses PLs foram aqueles dos quais resultaram a lei complementar (LC) 116/03, a LC 157/16 e a LC 175/20, fora outros, avulsos, que não foram convertidos em lei). Em todos esses casos, a matéria foi discutida nas várias comissões que compõem ambas as casas legislativas, e o artigo 9º, §§1º e 3º se manteve, até hoje, em pleno vigor.  Na LC 116/03, inclusive, revogaram-se todos — todos — os dispositivos do DL 406/68 que tratavam da incidência do ISS, menos o acima referido, que dispunha sobre a tributação fixa. Ainda assim, os municípios tentaram incrivelmente sustentar a revogação tácita desse dispositivo sobrevivente, o que foi rechaçado com veemência pelas duas turmas do STJ. Vê-se, portanto, que esse regime especial de tributação concedido às sociedades profissionais resistiu, durante 55 anos, a todos os tipos de críticas e ataques sem fundamento — como os que estão ocorrendo agora — e sobreviveu, com o apoio expresso tanto dos mais altos tribunais do país (STF e STJ) quanto do Legislativo. Indiscutível, portanto, a sua constitucionalidade e adequação. E esse fato faz com que voltemos a afirmar que, se houver qualquer exceção às regras de incidência criadas pelo projeto em trâmite no Senado, a relativa às sociedades profissionais terá que vir em primeiro. Segundo tópico: A natureza falaciosa do argumento de que as sociedades profissionais não sofrerão qualquer aumento de carga porque gerarão créditos aos seus clientes. Os que costumam tentar suavizar o brutal aumento de carga tributária que as sociedades profissionais sofrerão com a implantação da nova tributação do consumo usualmente argumentam que as que atuam no meio da cadeia não sofrerão qualquer aumento de carga tributária, porque as novas incidências serão, por meio de créditos, integralmente repassadas aos seus clientes, tomadores dos respectivos serviços. Essa linha de argumentação demonstra absoluta falta de vivência por parte de quem a sustenta, inclusive sobre a forma como se dá o dia a dia da prestação de serviços por sociedades profissionais. A preocupação com a dicotomia entre a teoria e a prática é absolutamente mandatória quando se está diante da elaboração de novas normas constitucionais. Mais ainda quando essas normas mudam de forma disruptiva a tributação de um subsetor de serviços que é de suma importância para a economia nacional e se posiciona entre os que mais empregam no país. Não é razoável imaginar que os costumeiros tomadores dos serviços prestados pelas sociedades profissionais (compostas por engenheiros, arquitetos, contadores, administradores etc.), mesmo que se creditem do valor dos novos tributos a serem criados, aceitem de bom grado o aumento de fluxo financeiro que advirá das novas regras. Os que imaginam ser isso possível certamente não têm — talvez pelas funções que exerçam (acadêmicos, funcionários públicos etc.) — a experiência de como se dá, na prática, a negociação de honorários profissionais entre prestadores de serviços e seus clientes. Somente isso justificaria alguém imaginar crível que bastará um contato com o tomador do serviço para lhe dizer que, a partir de tal data, o preço usual será acrescido de 27% a 33% (como chegam a estimar alguns), que já estará tudo certo. Para os desavisados, e com fundamento em quase quatro décadas de profissão, informamos que o que esses clientes dirão é que esse aumento de fluxo não será admissível, e que o excesso deverá ser inserido na margem dos prestadores, de forma a que o valor total a ser pago seja o mais próximo possível do que se pagava antes. Isso, para não falar da competição predatória que surgirá daí por parte daqueles menos bem posicionados no mercado, que aceitarão até assumir como custo o valor integral do tributo, para atrair novos clientes. Há que se entender que as negociações de honorários entre prestadores e tomadores de serviços em regra ocorrem para diminuí-los, e não para aumentá-los. E que a pressão econômica regularmente exercida pelas grandes empresas sobre os profissionais no momento da fixação dos seus preços encontrará forte amparo no incremento do fluxo financeiro decorrente do vertiginoso aumento nominal das alíquotas que essa reforma propiciará para os prestadores de serviços. Note-se que nem estamos nos referindo a situações em que o downside será muito mais agravado, como, por exemplo, as prestações a pessoas físicas consumidoras finais dos serviços (que não terão o que fazer com créditos), exportadores (cujos créditos serão, no máximo e com sorte, reembolsados pelo Estado, sabe-se lá quando) e, no caso da advocacia, os honorários de sucumbência (situação em que não há a quem os créditos serem repassados).  São todas situações em que haverá aumento de tributação "na veia"! Enfim, tudo acima foi dito com o único objetivo de demonstrar que, se há críticas a serem feitas — e há muitas —, que os esforços sejam direcionados ao debate das demais exceções previstas na PEC, que, com fundamentações fantasiosas, foram contempladas para atender especificidades que, no caso, não existem. E não despendidos na resistência ao ingresso das sociedades profissionais nesse rol, já que, na verdade, são as mais merecedoras dessa atenção. Temos de debater todos os aspectos que propiciem uma reforma tributária que esteja efetiva e exclusivamente focada na eliminação dos reais entraves do sistema atual.  Deve-se, também, de forma republicana, garantir que a redução da carga tributária de alguns setores não seja feita às custas de outros que, historicamente, sempre representaram o maior sustentáculo econômico deste país. [1] SOUSA, Rubens Gomes de. O Imposto sobre Serviços e as Sociedades Prestadoras de Serviços Técnicos Profissionais. Revista de Direito Público 20/1972, p. 64; TORRES, Ricardo Lobo. Parecer inédito não publicado, de 02.10.2003, apud REZENDE, Condorcet; BRIGAGÃO, Gustavo; SOUZA, Alisson Carvalho. A base de cálculo do ISS devido pelas sociedades profissionais. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). ISS na lei complementar n. 116/2003 e na Constituição. São Paulo, Manole, 2004. p. 413; ATALIBA, Geraldo. Estudos e Pareceres de Direito Tributário. São Paulo: RT, 1978, Vol. I, p. 116-117; BARRETO, Paulo Ayres. Das alterações promovidas pela Lei do Município de São Paulo nº 17.719/2021 no regime de ISS das sociedades profissionais. In: Questões Polêmicas do Regime Tributário do ISS das Sociedades Profissionais. Alexandre Evaristo Pinto; Gustavo Brigagão; e Paulo Ayres Barreto (Coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2022, p. 371; GRECO, Marco Aurélio. ISS de sociedades de advogados e a Lei nº 12.719, de 26 de novembro de 2021, do Município de São Paulo. In: Questões Polêmicas do Regime Tributário do ISS das Sociedades Profissionais. Alexandre Evaristo Pinto; Gustavo Brigagão; e Paulo Ayres Barreto (Coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2022, pp. 413-429; SCAFF, Facury Scaff. Alexandre Evaristo Pinto; Gustavo Brigagão; e Paulo Ayres Barreto (Coords.). Da análise da constitucionalidade do art. 13 da Lei nº 17.719, de 26 de novembro de 2021, do Município de São Paulo, que alterou a base de cálculo do ISS das sociedades de advogados. Questões Polêmicas do Regime Tributário do ISS das Sociedades Profissionais. São Paulo: Quartier Latin, 2022, pp. 389/411. [2] SOUSA, Rubens Gomes de. O Imposto sobre Serviços e as Sociedades Prestadoras de Serviços Técnicos Profissionais. Revista de Direito Público 20/1972, p. 64. [3] Referida preocupação com a invasão de competências também marcava, por exemplo, a redação original do art. 71 do CTN, com a competência dos municípios em subsidiariedade, para tributar, exclusivamente, o"serviço que não configure, por si só, fato gerador de imposto de competência da União ou dos Estados".
2023-09-06T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-06/consultor-tributario-regime-especial-mandatorio-profissoes-regulamentadas
tributario
Direto do Carf
O PL do Carf: uma análise crítica das alterações no PAF
Nos últimos dias, foi aprovado o PL nº 2.384/23 (PL do Carf). Com o endosso da casa legislativa, o projeto vai para sanção presidencial, razão pela qual nos parece ser o momento adequado de fazer uma análise crítica do texto aprovado. Em nossa análise, iremos focar nas regras que alteram o processo administrativo fiscal (PAF) e pretendemos apresentar sete aspectos que nos parecem problemáticos. 1) O artigo 1º desse PL reestabelece o voto de qualidade do presidente de Turma como critério de resolução dos empates nos julgamentos no Carf. Não obstante, pode levar a relevantes discussões derivadas. O PL não apenas revoga o artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, com seu artigo 17, II, mas também afirma expressamente que no empate o resultado será "proclamado" na forma do §9º do artigo 25 do Dec. 70.235/72, retomando essa regra. A primeira discussão derivada disso diz respeito à relação entre o art. 19-E e o art. 25, §9º, citados acima: há muito sustentamos que o primeiro operou uma revogação tácita do segundo, por regular todo o seu âmbito de aplicação, dando solução jurídica distinta e com ele incompatível [1], e a redação do PL nº 2.384/23 vem corroborar nossa hipótese. Caso as duas regras coexistissem em uma relação de especialidade, como defendido pela PFN e pela Portaria ME nº 260/2020, bastaria que se revogasse a disposição (pelo artigo 17, II, do PL) para o artigo 25, §9º, retomasse sua eficácia sobre todos os casos. Por outro lado, caso tivesse havido uma revogação total do artigo 25, §9º, não bastaria a simples revogação do 19-E para que o voto de qualidade fosse restabelecido, pois o ordenamento brasileiro não aceita a figura da repristinação de lei revogada, por força do artigo 2º, §3º da Lindb [2]. Verba cum effectu sunt accipienda: o artigo 1º do PL do Carf vem exata e expressamente reestabelecer a força normativa da disposição tacitamente revogada, paralelamente à revogação do art. 19-E, corroborando o que sustentamos há muito — de que teria se operado uma revogação total do artigo 25, §9º —, e renovando o ensejo da contestação retroativa quanto à aplicação da ilegal Portaria ME nº 260/2020. O segundo ponto diz respeito a prorrogar a confusão da sistemática do voto de qualidade com a "proclamação do resultado", estratagema utilizado pela administração para, a pretexto de regular essa etapa do procedimento (cuja única função é dar publicidade formal ao resultado e marcar a preclusão do direito de os julgadores alterarem seus votos [3]), criar restrições ilegais por meio de portarias "regulamentadoras". O voto de qualidade não é proclamação do resultado, mas sim da contagem de votos no julgamento, na condição de "voto de desempate" do presidente, para daí ser proclamado o desfecho do julgamento. Confundir essas duas questões é abrir margem para novas tentativas de criativas de "regulamentações" por parte do Ministério da Fazenda! 2) O artigo 2º do PL inclui o §9º-A no artigo 25 do Decreto 70.235/72, que exclui as multas e cancela a representação fiscal para fins penais, na hipótese de julgamento "resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade". Em primeiro lugar, o dispositivo é excessiva e equivocadamente amplo, pois não especifica se se refere ao empate quanto ao mérito do caso, ou a quaisquer outras matérias passíveis de julgamento, como admissibilidade, responsabilidade, solidariedade, majoração de multas, juros etc. Na sua literalidade, bastaria um empate do colegiado sobre a qualificação de uma multa para que fosse toda ela excluída, a despeito de não haver empate quanto ao mérito do caso. Ou bastaria um empate quanto à tempestividade do recurso para se afastar as multas, a despeito do colegiado sequer ter se debruçado sobre o mérito da discussão! Ou pior: caso se vote, por maioria, a eliminação da qualificação da multa, ainda restaria a multa base de 75%, mas caso empate, a totalidade da multa será eliminada! Caberia então ao contribuinte lutar para convencer alguns conselheiros a mudarem de posição, em busca dos préstimos do resultado pelo voto de qualidade? Esse exemplo só ilustra os problemas que decorrem dessa péssima redação. Em sendo aplicado o dispositivo literalmente, há um evidente excesso e uma supressão desproporcional do interesse público relacionado aos créditos cobrados, o que põe em xeque a validade da regra. Outro possível desdobramento seria contrapor-se ao alcance aberrante por meio de criação de atos infralegais "regulamentares", que decerto poderão ser questionados quanto à sua legalidade. A má redação do texto o coloca entre a cruz e a espada. Em segundo lugar, a referência ao cancelamento da representação fiscal para fins penais nos parece desprovida de efeitos práticos relevantes. Engana-se quem entende que esse dispositivo será um óbice à persecução penal por crimes tributários, ou que afetaria de alguma forma processos penais em andamento no âmbito judicial [4], por ignorar a natureza e função desse ato. Como já definido pelo STF na ADI nº 1.571-1 [5], a representação fiscal é mera notitia criminis, a ser enviada ao MP depois do encerramento do processo administrativo, não sendo necessária, nem suficiente, para a propositura da ação penal, por meio da apresentação da denúncia (e.g. HC 81.611). Os crimes contra a ordem tributária são de ação penal pública incondicionada, podendo o seu titular propô-la independente de qualquer manifestação da administração pública, sem prejuízo da solicitação de cópia dos processos, ou mesmo do monitoramento, com cooperação da PGFN, do andamento de casos, aguardando o encerramento dessa etapa. 3) O artigo 2º do PL incluiu o §12º no artigo 25, para assegurar ao "procurador do sujeito passivo a realização de sustentação oral". Em se tratando de um procedimento contencioso que envolve a participação tanto de contribuintes (representados por seus patronos ou não) como de procuradores da Fazenda Nacional, parece-nos ferir a isonomia e a paridade de armas a outorga de uma garantia apenas a um dos lados da contenda, sem assegurá-la a todos os "litigantes em processo administrativo", nos contornos do contraditório estabelecido no artigo 5º, LV, da CF/88. 4) Incluiu-se o §13º no artigo 25, para estabelecer o dever dos órgãos do contencioso administrativo de observar as súmulas de jurisprudência editadas pelo Carf Aqui peca-se por ter ficado aquém do que deveria. O dispositivo se omite ao restringir o seu alcance apenas aos órgãos de julgamento: caso a sua finalidade fosse de uniformizar entendimentos e práticas na Administração, deveria então ter abrangido inclusive a Receita Federal no alcance vinculante das súmulas. Por outro lado, praticamente todas as súmulas do Carf já são dotadas de efeitos vinculantes sobre toda a administração tributária federal, por força de Portarias MF, expedidas com base na competência do artigo 87, I e II da CF/88, c/c artigo 75 do Ricarf, o que reduz sobremaneira seus efeitos práticos — mas possui o mérito de tirar essa vinculação do âmbito de discricionariedade do Ministro da Fazenda. 5) O artigo 2º do PL cria o artigo 25-A do Decreto nº 70.235/72, que estabelece, em caso de voto de qualidade, a faculdade do "contribuinte" de pagar o principal do crédito (remanescente) no prazo de 90 dias, com a exclusão dos juros de mora, em até 12 parcelas mensais. Além disso, ele poderá utilizar prejuízo fiscal e base negativa de IRPJ e CSLL dele ou de outras pessoas jurídicas e sociedades controladas ou controladoras, direta ou indiretamente, independente do ramo de atividade. Há um primeiro problema, evidente, de alcance da regra pela sua má-redação. O legislador não se atentou à dicotomia terminológica básica "contribuinte/sujeito passivo", vindo a repetir o mesmo erro da redação do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02. Não poderia o responsável optar pelo pagamento da dívida de que é corresponsável, com o benefício legal? Parece-nos que sim. Mas em se tratando de benefício fiscal, com efeito de exclusão de crédito tributário, haveria que se observar o artigo 111 do CTN, estabelecendo uma evidente controvérsia. Além disso, qual o marco para contagem do prazo de 90 dias? A data do julgamento, da disponibilização do acórdão ou da ciência do contribuinte? O dispositivo é lacônico, mormente por se referir à resolução do julgamento, e não ao encerramento do processo — momentos distintos. Mas o segundo problema é mais grave. Há um problema fundamental de coerência legislativa. Ofende-se diretamente o postulado do legislador coerente que determina que, ao tomar uma decisão legislativa fundamental a respeito da oneração ou desoneração de contribuintes, estabelecendo critério de diferenciação entre eles, o legislador deverá seguir de modo coerente com aquele critério quando haja a mesma justificativa [6] (que, no caso, se relaciona ao estabelecimento de sanções premiais para o adimplemento), sob pena de afronta ao Estado de Direito. Esse postulado, ensina Tipke, é decorrência do próprio princípio da igualdade, que exige do legislador a manutenção de uma consistência valorativa entre as decisões tomadas sucessivamente, mantendo a coerência entre elas [7]. Explico-me: o legislador estabeleceu no artigo 138 do CTN que na denúncia espontânea se exclui a responsabilidade por penalidades. Indo além, no artigo 6º da Lei nº 8.218/91, criou um mecanismo redutor escalonado de multas, para estimular o contribuinte ao adimplemento do crédito tributário lançado. Dá-se desconto de 50% se o pagamento se der no prazo de 30 dias da notificação do lançamento (ou 40% se parcelarem); 30% se for quitado no prazo de 30 dias da decisão de primeira instância (ou 20% se parcelarem) — aplicando-se esse percentual também para processos que foram objeto de recurso de ofício e chegaram ao Carf e CSRF (SCI Cosit nº 01/2021). O PL do Carf cria um benefício para o pagamento espontâneo àquele que litiga até o Carf, e perde pelo voto de qualidade, que supera até mesmo as vantagens de se fazer uma denúncia espontânea, ofendendo a lógica básica que deve orientar esse tipo de política fiscal: aquele que paga espontaneamente não pode estar em uma situação pior que quem litiga até a última instância possível e perde. A incoerência com as escolhas pretéritas do legislador é ostensiva, e gera um verdadeiro estímulo ao litígio. Lembremos que o STF recentemente consignou no RE 607.642 [8] que a legislação do PIS/Cofins está em processo de inconstitucionalização, "decorrente da ausência de coerência e de critérios racionais e razoáveis das alterações legislativas que se sucederam no tocante à escolha das atividades e das receitas atinentes ao setor de prestação de serviços que se submeteriam ao regime cumulativo da Lei nº 9.718/98". A corte deixou claro, para além de qualquer dúvida, que a coerência legislativa é uma exigência constitucional e um possível parâmetro de controle de constitucionalidade do produto da atividade do legislador. Um terceiro problema é a ausência de uma "data de corte do vínculo" para a consideração das pessoas jurídicas, controladas ou controladores, que poderão utilizar seus prejuízos fiscais para a quitação das dívidas. Isso permite que o contribuinte, em sendo malogrado em sua defesa, procure por empresas inativas, com saldos de prejuízos acumulados, para sua aquisição (normalmente com pesados deságios) e utilização para pagamento do tributo, ampliando ainda mais a sua vantagem. O efeito prático disso será a criação de um mercado de empresas com prejuízos fiscais, para fins de pagamento de tributos. 6) O artigo 25-A, §9º, estabelece que no prazo de 90 dias para "opção pelo adimplemento" o contribuinte, apesar de ter perdido, poderia obter certidão de regularidade fiscal (CND). Ora, à luz do 206 do CTN, ou o artigo 25-A criou um "prazo de vencimento renovado triplo" para o contribuinte que litigou (e perdeu), em uma óbvia ofensa à isonomia tributária e contrariando a lógica de que o vencimento se conta da notificação do lançamento (artigo 160 do CTN), ou está criando hipótese de suspensão de exigibilidade por esse prazo, se imiscuindo em matéria que deveria ser objeto de lei complementar. De uma forma ou de outra, o dispositivo apresenta problemas evidentes de validade, além de premiar, ainda mais o litigante sucumbente. 7) Por fim, uma provocação: na hipótese de o contribuinte perder por voto de qualidade em uma Câmara Baixa, em uma matéria que sabidamente a CSRF julgaria desfavorável por maioria, certamente ele não teria interesse em apresentar um REsp, pois já conta com a exoneração das multas e demais vantagens. Nesse contexto, poderia a PFN apresentar um REsp para que a matéria seja apreciada pela CSRF? Por um lado, parece-nos haver um inequívoco interesse processual recursal, tendo em vista que a decisão por voto de qualidade gerou uma sucumbência para o erário, relativamente às multas exoneradas. Por outro, há a questão da necessidade de comprovação da divergência para que o recurso seja admitido. Para esse tipo de situação, bastaria apresentar um caso análogo, que tenha sido julgado desfavorável por maioria de votos (com manutenção da multa) para que esteja demonstrada a divergência? Isso adicionaria ao exame de divergência, tipicamente qualitativo, uma camada quantitativa, que passaria pelo exame do teor das votações, pelo impacto que agora terão sobre o conteúdo do crédito? Não temos uma resposta — ainda — para essa questão, mas nos parece que é um debate que precisará ser enfrentado. Em arremate, fica claro que o PL nº 2.384/23 altera drasticamente o processo administrativo fiscal. Em nossa opinião, e à luz das considerações apresentadas acima, para pior, se considerado sob uma perspectiva de técnica jurídica, isonomia e coerência da legislação. Com a vindoura sanção, as regras devem entrar em vigor e a partir daí teremos as múltiplas controvérsias que delas surgirão — algumas das quais tentamos antecipar aqui. Em um derradeiro exercício de futurologia, duvidamos que os problemas se encerrem nos sete pontos acima elencados. [1] RIBEIRO, Diego Diniz; DANIEL NETO, C. A.. A ilegalidade das restrições estabelecidas pela Portaria ME n. 260/2020 ao desempate pró-contribuinte no Carf. In: As conquistas comunicacionais no Direito Tributário atual. São Paulo: Noeses, 2022, p. 365-392. [2] "Art. 2º (...) § 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência." [3] A proclamação do resultado é um ato meramente declaratório e vinculado à votação da turma, perfectibilizando o ato administrativo singular, mas de formação colegiada, que é a decisão da Turma. [4] E.g., https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/07/5107623-pl-do-carf-e-aprovado-e-haddad-vence-de-novo-entenda.html [5] ADI 1.571, relator(a): Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/2003. [6] ÁVILA, Humberto. "O postulado do legislador coerente e a não-cumulatividade das contribuições", p. 179. [7] TIPKE, Klaus. "Princípio da Igualdade e Ideia de Sistema no Direito Tributário", p. 518-519. [8] RE 607642, relator(a): Dias Toffoli, Tribunal Pleno, Repercussão Geral, julgado em 29/6/2020.
2023-09-06T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-06/direto-carf-pl-carf-analise-critica-alteracoes-paf
tributario
Não é comigo
Posse indireta de imóvel não gera obrigação tributária, decide TJ-SP
A posse de um bem só gera a obrigação de pagar tributos quando é qualificada pelo animus domini (posse com intenção de ser dono), de modo que a incidência de imposto deve ser afastada nos casos em que essa propriedade é exercida em caráter precário, como ocorre na alienação fiduciária. Esse foi o entendimento adotado pela 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para dar provimento a um agravo de instrumento contra a decisão que negou exceção de pré-executividade a uma imobiliária em processo de execução fiscal.  No recurso, a imobiliária pediu o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva, já que a empresa nunca foi proprietária do imóvel, sendo apenas credora em operação cujo bem foi dado como garantia. Também sustenta que nos termos do artigo 27, §8º, da Lei 9.514/97, a responsabilidade tributária no caso de alienação fiduciária de bens imóveis é exclusivamente do fiduciante.  Ao analisar o caso, a relatora, desembargadora Beatriz Braga, explicou que o artigo 23 da Lei 9.514/97 estabelece que nos casos de alienação fiduciária de imóvel ocorre o desdobramento da posse entre o credor fiduciário (posse indireta) e o fiduciante (posse direta).  ''O credor fiduciário somente responderá pelo pagamento de tal rubrica a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem, situação que não se apresenta, pois a instituição bancária apenas detém a posse indireta do bem como forma de garantia do financiamento imobiliário assumido pelo devedor'', resumiu a julgadora.  Diante disso, ela votou pelo reconhecimento da ilegalidade passiva da imobiliária e condenou o município de São José do Rio Preto a pagar os honorários advocatícios dos representantes da empresa.  Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, que atuou no caso em questão, explica que ele está inserido em um tema de grande relevância, que está sendo julgado sob o rito dos repetitivos.  ''O Tema 1.158, intitulado 'Definir se há responsabilidade tributária solidária e legitimidade passiva do credor fiduciário na execução fiscal em que se cobra IPTU de imóvel objeto de contrato de alienação fiduciária', tem despertado debates acalorados no âmbito jurídico'', afirmou.  Clique aqui para ler a decisão Processo 2101209-75.2023.8.26.0000
2023-09-06T07:48-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-06/posse-indireta-imovel-nao-gera-obrigacao-tributaria-decide-tj-sp
tributario
Opinião
Thaiane Correa: Exclusão da CFEM da base do PIS/Cofins
A Constituição, em seu artigo 20, inciso IX prevê que os recursos minerais, inclusive o subsolo, são bens da União. A sua exploração, no entanto, não é exclusiva do ente público. Isso porque, no §1º do mesmo dispositivo a Carta Constitucional assegura à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios a participação no resultado da exploração da atividade de exploração dos recursos minerais, mediante o recebimento de uma compensação financeira. A referida compensação foi positivada no ordenamento jurídico brasileiro mediante a edição das Leis nº 7.990/89 e 8.001/1990, por meio das quais se instituiu a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), sendo obrigados ao seu pagamento pessoas físicas ou jurídicas que sejam: (1) o titular dos direitos minerários que exerça atividade de mineração; (2) o primeiro adquirente de bem mineral extraído sob o regime de permissão de lavra garimpeira; (3) o adquirente de bens minerais arrematados em hasta pública; ou (4) exerça, a título gratuito ou oneroso, a atividade de exploração de recursos minerais com base nos direitos do titular original. Qual seria, então, a natureza jurídica dessa compensação financeira sob a égide da Constituição Federal de 1988? Instado, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a matéria por meio do Recurso Extraordinário nº 228.800/DF, no qual a Corte Suprema brasileira assentou que a CFEM não possui natureza jurídica de tributo, não lhe sendo aplicáveis, por conseguinte, as disposições do Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional) do Título VI (Da Tributação e do Orçamento) da Constituição. Fixou-se, no julgado, que a compensação financeira constitui receita patrimonial da União Federal. Ela é, por conseguinte, um royalty auferido pelo ente público em decorrência da exploração financeira, por entes privados, de bens que constitucionalmente integram o patrimônio da União, no caso, os recursos minerais. Tem-se, então, que a titularidade originária desses valores é do ente público, e não do particular que explora os recursos minerais. A CFEM é, desta forma, uma receita da União. Cabe questionar, a partir da sistemática jurídico-tributária brasileira, se seria cabível que esses valores recolhidos a título de royalties por essas pessoas jurídicas poderiam enquadrar-se no conceito constitucional de faturamento ou de receita bruta, sobretudo para fins da sua inclusão/exclusão na base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins, conforme inteligência firmada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Tema 69, Recurso Extraordinário nº 574.706/PR, no qual se fixou a seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”. Isso porque, na ocasião, a Corte compreendeu que o PIS/Cofins possui como base de cálculo as receitas das pessoas jurídicas. Isto é, aqueles valores que correspondem, de forma efetiva, ao acréscimo patrimonial da empresa. Neste sentido, numerários que são meros ingressos e que, portanto, não podem assim ser considerados, não devem ser incluídos na base de cálculos das contribuições previstas no art. 195, I, “b” da Constituição Federal. Destaca-se, no ponto, que os valores recolhidos a título de CFEM sequer podem ser considerados como integrantes do patrimônio da pessoa jurídica, e muito menos como um custo operacional decorrente do desempenho da atividade econômica, da maneira como foi compreendido pela Suprema Corte no caso concernente às taxas de cartão de crédito, Recurso Extraordinário nº 1.049.811/SE, no qual fixou a tese de que “É constitucional a inclusão dos valores retidos pelas administradoras de cartões na base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS devidas por empresa que recebe pagamentos por meio de cartões de crédito e débito”. Isso porque, de acordo com o entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, a CFEM é uma receita patrimonial originária da União. Sendo a CFEM receita da União, por consequência, ela não pode ser simultaneamente considerada como receita da empresa. Ou ela possui uma natureza jurídica ou outra. Diante deste cenário, infere-se que estes valores apenas transitam pela contabilidade das empresas que exploram recursos minerais, eis que sua titularidade originária é do ente federal. É em razão disso que a CFEM deve ser excluída da base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins, podendo aqueles que estão sujeitos ao seu pagamento, inclusive, requerer a restituição dos valores indevidamente pagos nos cinco últimos anos.
2023-09-07T17:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-07/thaiane-correa-exclusao-cfem-base-piscofins
tributario
Opinião
Lucas Teixeira: Transaciona SP, restrições e desafios
No momento em que a conformidade tributária é um tema de importância crescente, o denominado Transaciona SP, formalizado através do Projeto de Lei nº 1.245/2023, foi apresentado pelo Governo do Estado de São Paulo no último dia 15 de agosto. O PL estabelece requisitos e condições para que a Procuradoria Geral do Estado realize transação resolutiva de litígio para créditos de natureza tributária ou não, inscritos em dívida ativa. Apesar da promessa de estabelecer um cenário jurídico propício à conformidade fiscal, com o objetivo de aliviar a carga financeira de contribuintes que possuem débitos inscritos em dívida ativa, na prática, suas disposições podem comprometer a sua efetividade e acessibilidade. O Transaciona SP apresenta um modesto avanço no que diz respeito à utilização de créditos acumulados e de ressarcimento de ICMS, inclusive na hipótese de Substituição Tributária — ICMS-ST, e de créditos líquidos, certos e exigíveis, consubstanciados em precatórios decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado e não mais passíveis de medida de defesa ou desconstituição para compensação da dívida tributária principal de ICMS, multa e juros, limitada a 75% do valor do débito.  Mas há uma série de limitações que definem os critérios essenciais para a qualificação dos contribuintes e débitos a serem aceitos no âmbito do programa de transação. Isso pode representar um obstáculo à participação de uma parcela substancial de contribuintes. Barreiras legais e um histórico prévio de inadimplência são fatores que podem restringir a adesão. Fica evidente que a tentativa da PGE em modelar o Projeto de Lei nº 1.245/2023, espelhando-se com base na Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020, que introduziu a transação de débitos fiscais em âmbito federal (Transação Tributária Federal), não teve sucesso. A comparação entre o Transaciona SP e a Transação Tributária Federal revela a razão da falha: enquanto o segundo se destaca pela sua flexibilidade e adaptabilidade, permitindo a renegociação de débitos federais com poucas restrições, o primeiro se conta com uma rigidez que limitou seu alcance e eficácia na atração de contribuintes e na recuperação de valores substanciais para os cofres estaduais. A transação tributária federal, com sua abordagem mais inclusiva, proporciona a todos os contribuintes a oportunidade de negociar termos e condições de pagamento de débitos e oferece uma gama mais ampla de possibilidades para os contribuintes, em um prazo de até 120 meses. Já o Projeto de Lei nº 1.245/2023, nas modalidades de Transação por Adesão do Contencioso de Pequeno Valor e Transação por Adesão no Contencioso Tributário de Relevante e Disseminada Controvérsia Jurídica, restringe aos contribuintes um prazo máximo de quitação de seus débitos em 60 meses.  Tais modalidades, embora benéficas, pedem uma avaliação crítica. Sobre a Transação por Adesão no Contencioso de Pequeno Valor, emerge uma questão: apesar de sua eficácia potencial em aliviar os sistemas judiciários e administrativos, é imperativo que a definição de "pequeno valor" seja realista e imparcial, pois assim evita a inclusão indevida de casos de maior complexidade ou impacto. Além disso, a simplificação do processo não deve comprometer a qualidade da resolução dos litígios. Em paralelo, a Transação por Adesão no Contencioso Tributário de Relevante e Disseminada Controvérsia Jurídica, em princípio, pode propiciar uma solução mais ágil e econômica para litígios prolongados. Mas é essencial que os critérios de elegibilidade e os termos da transação sejam estabelecidos com clareza para prevenir arbitrariedades na seleção dos casos ou na concessão de vantagens. Há ainda inquietações quanto à possibilidade de tratar contribuintes em situações análogas de maneira desigual, suscitando percepções de inequidade. É vital abordar questões críticas, pois a supervisão rigorosa, a implementação transparente e o feedback dos contribuintes constituem elementos essenciais para assegurar a efetividade e a justiça dessas abordagens. É preciso avaliar se a abordagem restritiva adotada no projeto é a mais apropriada para atingir os objetivos de conformidade fiscal. A inclusão de uma gama mais ampla de débitos, independentemente de seu grau de complexidade de recuperação, pode proporcionar uma solução mais equitativa e inclusiva, refletindo um compromisso com a realidade diversificada dos contribuintes
2023-09-07T15:15-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-07/lucas-teixeira-transaciona-sp-restricoes-desafios
tributario
Dinheiro de volta
Restituição administrativa de indébito deve seguir precatórios
Não cabe restituição administrativa de indébito tributário por meio de mandado de segurança, uma vez que esse ressarcimento deve obedecer ao regime de precatórios, conforme estipulado pelo artigo 100 da Constituição Federal. Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento a um recurso extraordinário (com repercussão geral) impetrado pela União a fim de reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que havia reconhecido a possibilidade do pagamento desses indébitos por via administrativa, ou seja, sem que fosse observado o regime de precatórios. No processo de origem, uma empresa impetrou mandado de segurança contra o delegado da Receita Federal no porto de Santos (SP) para suspensão da cobrança da taxa de utilização do Sistema Integrado do Comércio Exterior (Siscomex) aos moldes da Portaria MF 257/11. A autora da ação também pediu a restituição administrativa dos valores indevidamente recolhidos nos cinco anos anteriores. Em primeira instância, assim como no TRF-3, o pedido foi julgado procedente, reconhecendo-se "o direito da impetrante à compensação dos valores indevidamente recolhidos a esse título desde o quinquênio anterior à data da impetração (...) e devidamente comprovados perante a autoridade administrativa". A empresa argumentou que "não há que se falar em precatório como único formato para a restituição do indébito, notadamente porque a proteção ao erário já está garantida, pela análise pelo Poder Judiciário". A presidência do TRF-3 admitiu que havia controvérsia em relação à jurisprudência e que mais de 280 processos envolviam, à época do informe, esse tema. "Evidente, ainda, a repercussão jurídica, econômica e social do tema, a ultrapassar os interesses subjetivos do processo e a ensejar o pronunciamento desta Corte, com base no art. 1.035 do Código de Processo Civil, de modo a uniformizar a aplicação da jurisprudência e obstar a profusão de recursos, com a replicação desnecessária de decisões idênticas sobre a mesma temática", escreveu a ministra Rosa Weber, presidente do STF e relatora do caso. Para Rosa, o TRF-3 divergiu da jurisprudência do Supremo ao concluir que a empresa tinha direito à restituição administrativa do indébito nos autos de mandado de segurança, ignorando, assim, o regime de precatórios. Ela reafirmou a tese já implementada pelo STF em outros julgados (ARE 1.387.512 e RE 1.388.631) e propôs o seguinte enunciado, confirmado pelos demais ministros: Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do art. 100 da Constituição Federal". A decisão foi unânime — os ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia não se manifestaram.  Clique aqui para ler o acórdão RE 1.420.691
2023-09-07T08:48-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-07/restituicao-administrativa-indebito-seguir-precatorios
tributario
Opinião
Carlos Chitão: Prescrição intercorrente na execução fiscal
Conforme a doutrina clássica, o instituto da prescrição consiste na perda da pretensão ocasionada pela inércia do seu titular por período legalmente previsto para tanto. No âmbito do direito tributário, o Código Tributário Nacional (CTN) prevê, em seu artigo 156, V, ser hipótese de extinção do crédito tributário (o que a diferencia, inclusive, da prescrição civil, pois nesta última não há extinção, e sim sua transmutação em obrigação natural). Para os fins que se prestam o presente artigo, anota-se que há duas espécies de prescrição no âmbito tributário: a prescrição ordinária tributária (também chamada de material tributária) e a prescrição intercorrente tributária (ou chamada de processual tributária). Analisemos de forma autônoma tais previsões. Em relação à prescrição ordinária tributária, verifica-se que é tratada pelo artigo 174 do CTN, impondo à Fazenda Pública o prazo de cinco anos, que flui da data de constituição definitiva do crédito, para o ajuizamento da correspondente ação de execução fiscal. Pela pertinência, vejamos o inteiro teor do dispositivo, inclusive de seu parágrafo único, que prevê hipóteses de interrupção da contagem: "Artigo 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; II - pelo protesto judicial; III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor." [1] Por seu turno, em relação à prescrição intercorrente tributária, seu tratamento é dado pelo artigo 40 da lei de execuções fiscais (Lei nº 6.830/1980 — LEF). De acordo com tal previsão legal, há uma sistemática a ser obedecida: se não for localizado o devedor ou não forem encontrados bens passíveis de penhora, o juiz deve suspender a execução. Vencido o prazo de um ano de tais eventos, sem que haja notícia de bens penhoráveis, deve o juiz encaminhar o feito para arquivamento. Só depois de transcorridos cinco anos, o juiz declarará a prescrição intercorrente. Confiramos o teor do referido dispositivo e seus de parágrafos: "Artigo 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. §1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. §2º - Decorrido o prazo máximo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. §3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. §4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. §5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda." [2] Entretanto, embora a previsão de prescrição intercorrente tributária tenha tido por escopo a concretização dos princípios da segurança jurídica (na vedação à eternização de conflitos) e da razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII, da CF/88), houve vozes que sustentaram sua inconstitucionalidade, mormente por ofensa à reserva constitucional do tema ao âmbito das leis complementares, conforme o disposto no artigo 146, III, b, da Carta Magna. Vejamos sua redação: "Artigo 146. Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: [...] b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários" [3]. No ponto, primeiramente quanto à prescrição ordinária, registro que embora o CTN (Lei nº 5.172/66) seja formalmente lei ordinária, é remansoso o entendimento de que apresenta status de lei complementar. Tal cenário ocorre pelo fato de que, quando de sua edição, a Constituição da época (1946) sequer previa a existência das leis complementares, tampouco — por óbvio — sua necessidade para tratar da temática tributária. Assim, a recepção do CTN com status de lei complementar ocorreu desde a edição da Constituição Federal de 1967, segundo a qual, em seu artigo 19, §1º, previa-se que "Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário". Tal condição persiste sob a égide da Constituição de 1988, conforme redação do precitado artigo 146. No entanto, em diferente cenário se encontra a previsão da prescrição intercorrente tributária, pois prevista em lei ordinária (Lei nº 6.830/1980 — LEF) em relação a qual não se estendeu o status de lei complementar dado ao CTN. Logo, as correntes que sustentam a inconstitucionalidade partem da premissa de violação formal do texto constitucional, pois tendo a Carta Magna reservado o tratamento do tema ao âmbito das leis complementares — provavelmente para a garantia de maior uniformidade e de menor flexibilidade ao tema — não haveria como o instituto ser previsto em lei ordinária, ocasionando sua inconstitucionalidade ou, ao menos, sua inaplicabilidade no âmbito tributário. Nesse sentido, o egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua Corte Especial, no julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 0004671-46.2003.404.7200, deu guarida a tal corrente. Vejamos e ementa do referido julgamento: "TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ARTIGO 40 DA LEI Nº 6.830/80. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACOLHIDA EM PARTE. 1. Tanto a Constituição de 1967 como a de 1988 conferiram apenas à lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário, nas quais se insere a prescrição. 2. A Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) foi recepcionada como lei complementar pelas Constituições de 1967 e 1988. Em seu artigo 174, cuidou exaustivamente da prescrição dos créditos tributários, fixando prazo de cinco anos e arrolando todas as hipóteses em que este se interrompe. Não tratou, porém, acerca da suspensão do lapso prescricional. 3. Não poderia o artigo 40 da Lei nº 6.830/80 instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, invadindo espaço reservado pela Constituição à lei complementar. 4. Da interpretação conjunta do caput e do § 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, depreende-se que o início do prazo prescricional intercorrente apenas se dá após o arquivamento, que, de acordo com o parágrafo segundo do mesmo artigo, é determinado após um ano de suspensão. Assim, em primeiro lugar, não corre prescrição no primeiro ano (artigo 40, caput) e, em segundo, chega-se a um prazo total de seis anos para que se consume a prescrição intercorrente, o que contraria o disposto no CTN. 5. Acolhido em parte o incidente de argüição de inconstitucionalidade do §4º e caput do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 para, sem redução de texto, limitar seus efeitos às execuções de dívidas tributárias e, nesse limite, conferir-lhes interpretação conforme à Constituição, fixando como termo de início do prazo de prescrição intercorrente o despacho que determina a suspensão (artigo 40, caput). (TRF4, ARGINC 0004671-46.2003.4.04.7200, CORTE ESPECIAL, relatora LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, D.E. 14/09/2010)" [4]. Veja-se que aquela Corte Regional adotou, como razões de decidir, o fundamento de que a instituição de prescrição intercorrente tributária é matéria afeta à reserva constitucionalmente prevista para leis complementares, restringindo a aplicação do prazo ânuo de suspensão, previsto no artigo 40 da LEF, às execuções fiscais que tenham por objeto a cobrança de dívida ativa não tributária. No mesmo sentido da inconstitucionalidade, embora de forma crítica ao julgado daquela Corte, vejamos o escólio de Marcelo Polo: "Comecemos pelo argumento da reserva de lei complementar para a regulação da prescrição intercorrente em matéria tributária. Aqui a questão é muito simples. Ora, se o legislador ordinário não pode prever um prazo de suspensão da prescrição — que é como o TRF4 interpreta o §2º em conjunto com o §4º, também não poderia, a toda evidência, criar o instituto da prescrição intercorrente. Assim o TRF4 arguiu seletivamente a inconstitucionalidade do §4º para declarar inconstitucional a suspensão do prazo prescricional (o menos) e não a criação de uma nova espécie de prescrição em matéria tributária (o mais) pela Lei nº 11.051/04. Esse contra-argumento só é superado por quem defende que, em verdade, a prescrição intercorrente é instituto que se extrai diretamente do CTN, não tendo sido criado pela jurisprudência e ora positivado pela Lei nº 11.051/04. Ocorre que é induvidoso que o CTN apenas criou e regulou (dispondo sobre as causas suspensivas e interruptivas) a prescrição ordinária, não a prescrição intercorrente. Daí a ausência, em tudo óbvia, de regra que disponha sobre o prazo de suspensão de uma espécie de prescrição — a intercorrente – que simplesmente não é prevista no CTN. O TRF4 percorreu esse raciocínio ao considerar que, na ausência de previsão de causa suspensiva da prescrição intercorrente no CTN, não se pode atribuir ao §2º uma tal condição. Não podemos concordar com essa conclusão, justamente porque parte de uma premissa equivocada, a de que o instituto da prescrição intercorrente tem assento no CTN" [5]. No ponto, visando a sanar a celeuma constitucional instaurada, o Supremo Tribunal Federal afetou ao rito da repercussão geral, conforme decisão do Plenário Virtual de 22/04/2011, o recurso extraordinário nº 636.562/SC, gerando o Tema 390/STF, cujo título era "Reserva de lei complementar para tratar da prescrição intercorrente no processo de execução fiscal". Em 17/02/2023, mais de dez anos após aquela decisão reconhecendo a repercussão geral, a Corte Suprema, na Sessão Virtual do Tribunal Pleno, julgou o mérito daquele recurso extraordinário, fixando a seguinte tese: "É constitucional o artigo 40 da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais LEF), tendo natureza processual o prazo de um ano de suspensão da execução fiscal. Após o decurso desse prazo, inicia-se automaticamente a contagem do prazo prescricional tributário de cinco anos". Os fundamentos para tanto, conforme se extrai do voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, perpassam por algumas premissas. Dentre elas, destacou o relator que, pelos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal, há uma necessidade de que "as demandas sejam solucionadas em um tempo razoável". Ademais, fez referência ao Relatório Justiça em Números 2022, do CNJ, segundo o qual "Os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 35% do total de casos pendentes e 65% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 90%". Em relação a tais pontos, conclui que a prescrição intercorrente tributária serve a uma política judiciária de não eternização dos conflitos judiciais. Entretanto, o fundamento mais importante, para os fins que se prestam o presente artigo, diz respeito à manifestação daquela Corte quanto à (des)necessidade de tratamento do tema por lei complementar. Em seu voto condutor, acolhido à unanimidade, o ministro concluiu não haver inconstitucionalidade, pelo contrário. Partindo da premissa de que a prescrição intercorrente é matéria de direito processual — e não material — o seu tratamento por lei ordinária nacional atenderia ao previsto no artigo 22, I, da CF/88, que prevê a competência da União para tanto. Pela importância, colaciono excerto do teor daquele julgamento, no ponto em que analisada a temática da (des)necessidade de tratamento do tema por lei complementar: "A despeito de a introdução da prescrição intercorrente tributária ter sido feita por lei ordinária, entendo que não há vício de inconstitucionalidade. Nesse caso, o legislador ordinário se limitou a transpor o modelo estabelecido pelo artigo 174 do CTN, adaptando-o às particularidades da prescrição verificada no curso de uma execuçãofiscal. Em verdade, o tratamento dado ao tema por meio de lei ordinária nacional atende ao comando do artigo 22, I, da CF/1988, porquanto compete à União legislar sobre direito processual. Tal competência garante, assim como o artigo 146, III, do CF/1988, a uniformidade do tratamento da matéria em âmbito nacional e, por conseguinte, a preservação da isonomia entre os sujeitos passivos nas execuções fiscais em todo o País. Tampouco se pode dizer que o prazo de suspensão de um ano deveria estar previsto em lei complementar. Trata-se de mera condição processual para que haja o início da contagem do prazo prescricional de cinco anos, de modo a ser possível constatar uma probabilidade remota ou improvável de satisfação do crédito tributário. Em outras palavras, cuida-se de um intervalo temporal razoável fixado por lei dentro do qual o credor deve buscar bens para submissão à penhora. Não seria consistente com o fim do feito executivo que, na primeira dificuldade de satisfação do crédito, se iniciasse a contagem do prazo prescricional. O legislador, por isso, instituiu o prazo de um ano como o período para que se caracterize a situação processual necessária para o início da fluência da prescrição intercorrente. Trata-se, portanto, de um pressuposto dessa espécie de prescrição. Essa natureza jurídica afasta o prazo de um ano da exigência do artigo 146, III, b, da CF/1988. Vale dizer: como requisito processual, deve ser disciplinado por lei ordinária nacional (artigo 22, I, da CF/1988). Não se está aqui a negar a necessidade de compatibilização entre o Código Tributário Nacional — lei complementar que trata de norma gerais de direito tributário — e a Lei de Execução fiscal – lei ordinária de índole procedimental. O artigo 40 da LEF não extrapola o dispositivo constitucional, porque, ao estabelecer o marco inicial para a prescrição intercorrente, apenas prevê um marco processual para a contagem do prazo, sem que deixe de observar o prazo de cinco anos, estabelecido no CTN [6]. Desse modo, sedimentado o entendimento pelo Supremo Tribunal Federal, a discussão perde sua relevância prática no exercício da função judicante, porque tal decisão configura aquilo que a doutrina processualista classifica como precedente qualificado de observância obrigatória. A ver se seguirá a florescer no âmbito acadêmico a corrente que defendia posição em sentido contrário, em eventual movimento contramajoritário ao precedente. [1] BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. [2] BRASIL, Lei nº 6.830 de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. [3] BRASIL, Constituição Federal de 1988. [4] TRF4, Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 0004671-46.2003.404.7200, relatora desembargadora Luciane Amaral Corrêa Munch, Corte Especial. D.E. 14/09/2010. [5] CHUCRI, Augusto Newton. Execução Fiscal Aplicada: análise pragmática do processo de execução fiscal. Coordenador João Aurino de Melo Filho, autores Augusto Newton Chucri et al. 7. Ed. Rev. Ampl. e Atual. Salvador: JusPODIVM, 2018. p. 746-747. [6] STF, Recurso Extraordinário nº 636.562/SC, relator desembargador Luís Roberto Barroso, Tribunal Pleno. Julgado em 17/02/2023.
2023-09-07T06:11-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-07/carlos-chitao-prescricao-intercorrente-execucao-fiscal
tributario
Opinião
Marcelo Castro: Reforma, profissionais liberais e curva de Laffer
É consenso que a reforma tributária é necessária para que o sistema seja simplificado tornando-se, consequentemente, mais eficiente a arrecadação. No entanto, mais efetividade não pode, nem deve, ser sinônimo de aumento da carga tributária. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, as alíquotas previstas para o IBS e a CBS deverão ser fixadas entre 25,45% e 27%, o que para muitos setores, especialmente o de serviços, representará extraordinário agravamento dos encargos fiscais. De acordo com a teoria criada pelo economista Arthur Laffer, nem sempre o aumento da alíquota de determinado tributo resulta em maior arrecadação pelo Estado. De fato, segundo o que se denominou como a teoria da curva de Laffer, o aumento da alíquota de um determinado tributo não possui relação proporcional direta com o aumento de arrecadação, podendo, em determinado ponto, a receita apurada pelo Estado vir a sofrer um revés ante o aumento demasiado dos impostos. Ainda de acordo com a teoria, existe um limite para que a majoração da carga tributária, com aumento progressivo de alíquotas, resulte em aumento da arrecadação, atingindo o ponto máximo da curva de Laffer (ponto de equilíbrio). Em contrapartida, o aumento demasiado da tributação pode afetar a oferta e a demanda na economia, fazendo com que a linha da curva passe de ascendente para descendente (queda na arrecadação), formando uma parábola, em decorrência da diminuição da demanda, afetando a produção pelas empresas ou a prestação de serviços pelos profissionais, com queda da taxa de emprego e aumento de sonegação. Dito isso, tem-se que com a PEC 45/2019 aprovada pela Câmara dos Deputados busca-se, sem sombra de dúvidas, a simplificação da tributação sobre o consumo, embora ainda a depender de futura lei complementar com sua regulamentação, com a instituição, nos moldes do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), do Imposto sobre Bens e Consumo (IBS), que aglutinaria o ICMS e o ISS, assim como a criação da  Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao IPI; PIS/Cofins; e, PIS/Cofins – Importação. Ambos serão não-cumulativos, permitindo, portanto, o desconto de créditos pela incidência dos tributos nas etapas anteriores da cadeia para apuração do saldo devedor a ser recolhido, evitando-se a chamada tributação em cascata e tornando o sistema economicamente mais justo. Todavia, pela proposta aprovada os serviços prestados por profissionais liberais como advogados, dentistas, arquitetos, médicos e outros (que atende precipuamente à classe média), serão tributados pelo IVA (IBS e CBS). Ocorre que a carga tributária a ser suportada por esses profissionais poderá vir a triplicar em comparação ao que hoje vigora. Isto porque a alíquota máxima do ISS é de 5% para este tipo de serviço, que também está sujeito à incidência do PIS e da Cofins pelo regime cumulativo (sem direito a créditos), cujas alíquotas somadas ficam em 3,65%, o que resulta em uma tributação de 8,65%. Com a PEC, o mesmo serviço passaria a ser tributado pela CBS, sendo permitido, como proposto, abater créditos pela incidência do mesmo tributo em etapas anteriores à prestação do serviço para desconto do saldo do imposto a ser recolhido. Ocorre que, ao contrário da indústria e comércio, o prestador de serviço não tem valor a abater do IBS e da CBS por ele devido pelo ônus suportado nas etapas anteriores à sua prestação, tal como ocorre com a aquisição de insumos utilizados em produtos industrializados, dentre outras situações. No entanto, as empresas industriais e comerciais tomadoras de serviços serão estimuladas a contratar sociedades civis constituídas para prestação de serviços porque terão direito aos respectivos créditos de IBS e CBS incluídos no preço. Ao passo que as optantes pelo Simples serão prejudicadas pelo fato de que a carga fiscal sobre elas incidente é menor e o crédito gerado será menor, desinteressando sua contratação pela indústria e o comércio por razões de natureza econômica. O aumento da carga tributária para o setor de serviço na escala pretendida acarretará aumento do preço pelo repasse do custo, com reflexo na perda de competitividade, originando demissões e fechamento de sociedades e, sem dúvida, com impacto na arrecadação, porquanto, o vértice da curva de Laffer se comportará de forma a apresentar trajetória descendente. Não é pela tributação de serviços prestados por profissionais liberais no padrão pretendido que haverá incremento da arrecadação ou a sua manutenção no percentual hoje existente em relação ao PIB. Ao contrário, poderá haver decréscimo e causar efeitos nefastos em parcela da população que tem poder de compra, o que impacta o comércio e a indústria, setores estes que tem condições para incrementar a arrecadação com impulso econômico gerado pelo novo sistema tributário pretendido. Espera-se que essa distorção gerada pelo aumento da carga tributária sobre prestadores de serviços seja devidamente calibrada no Senado. É imperiosa a instituição de regime especial de tributação para os prestadores de serviços decorrentes das atividades desempenhadas pelos profissionais liberais, fazendo-se justiça social pelo tratamento isonômico com os setores já contemplados. A serem mantidas as estimativas pretendidas por certo que, em relação ao setor de serviços, a arrecadação pretendida irá por água abaixo porquanto, ultrapassado será o "ponto de equilíbrio" da Curva de Laffer, comprometendo todos os esforços até agora despendidos em prol de uma reforma tributária equânime e tão desejada. 
2023-09-08T21:15-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-08/marcelo-castro-reforma-profissionais-liberais-curva-laffer
tributario
Opinião
Freitas e Leite: Natureza jurídica da contribuição para o Senar
Com o julgamento no STF do Tema n° 801 da repercussão geral, que entendeu pela constitucionalidade da incidência da contribuição destinada ao Senar sobre a receita bruta relativa à comercialização da produção rural, acabou-se por emergir uma nova questão sobre tal contribuição: a natureza jurídica da contribuição para o Senar. Essa questão é muito relevante, pois tem reflexo se a contribuição estaria sujeita à imunidade sobre as receitas decorrentes de exportação, prevista no artigo 149, §2°, inciso I da CRFB/88; já que, se a contribuição para o Senar tiver natureza jurídica de contribuição social geral, a receita decorrente da exportação será imune; se tiver natureza jurídica de contribuição de interesse de categoria profissional ou econômica, como entende o Senar e a União, a receita decorrente de exportação não estará imune. A discussão do Tema n° 801 era relativo à base de cálculo da contribuição, ou seja, a natureza jurídica da contribuição constituiu um obter dictum no julgamento. Os ministros Dias Toffoli e Fachin externaram o entendimento de que a natureza jurídica da contribuição para o Senar é de contribuição social geral. O Senar e a União, em embargos de declaração, defendem que a natureza jurídica da contribuição é de interesse de categoria profissional ou econômica. O Carf, ao enfrentar a questão da imunidade da receita de exportação do produtor rural em relação à incidência da contribuição ao Senar, entendeu duas vezes, nos acórdãos 2401-010.241 e 2201-010.532, que a contribuição ao Senar, na comercialização da produção rural com o mercado externo, é devida, não lhe sendo aplicável a imunidade prevista no artigo 149 da Constituição da República, por possuir natureza jurídica de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas. Todavia, apenas o acórdão n° 2201-010.532, com este entendimento, foi prolatado após a decisão do STF no Tema n° 801. Na mais recente oportunidade de tratar do tema, o Carf, em seção de julgamento da 4ª Câmara, ao julgar o processo n° 11060.003427/2009-18, entendeu, fazendo menção ao obter dictum do STF, que a contribuição ao Senar tem natureza jurídica de contribuição social geral, concluindo que "a imunidade das receitas de exportação guarda respeito ao princípio do destino, de índole constitucional, e as contribuições destinadas ao Senar incidentes sobre a receita da exportação, por força da natureza jurídica adiantada nos votos do Tema 801, devem ser excluídas da base de cálculo do lançamento". O ministro Dias Toffoli foi preciso ao entender que a contribuição tem natureza jurídica de contribuição social geral. Em seu voto, o ministro expôs que: "ainda nesse contexto, observe-se que o fato de as atividades realizadas pelo Senar estarem direcionadas, em boa medida, aos trabalhadores rurais e, nesse sentido, impactarem a categoria dos empregadores rurais não transforma a contribuição em discussão em contribuição do interesse de categoria econômica. Nesse sentido, a relação entre esse tributo e seus efeitos na categoria econômica é apenas reflexa, diferente do que ocorre, por exemplo, com a antiga contribuição (compulsória) sindical patronal. Note-se que a relação entre essa antiga tributação e o interesse da categoria econômica era inequivocamente direta. Afinal, ela era destinada ao sistema sindical dos empregadores, o qual atua no interesse dos empregadores". No caso da contribuição social para o Senar, a finalidade é promover o desenvolvimento da aprendizagem rural, oferecendo cursos e treinamentos aos trabalhadores rurais, visando aprimorar suas habilidades e conhecimentos. Dessa forma, fica evidente que a contribuição tem um caráter social e está relacionada ao interesse público. Ao analisarmos a natureza jurídica da contribuição social para o Senar, podemos afirmar que se trata de uma contribuição social geral, uma vez que possui uma finalidade social ampla, não vinculada exclusivamente ao interesse das categorias profissionais ou econômicas. A contribuição ao Senar destina-se ao custeio das suas atividades de "organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural". Com essa destinação ampla dos recursos provenientes da contribuição, é evidente que a finalidade primordial da contribuição não consiste em proteger o interesse da categoria dos empregadores rurais, mas sim em conferir recursos especificamente para o ensino profissional e o serviço social direcionados aos trabalhadores rurais. A primeira turma do STF já enfrentou especificamente essa questão e julgou favoravelmente ao contribuinte, todavia, a decisão não foi proferida com repercussão geral. Trata-se do julgamento do agravo interno no ARE n° 1.369.122. Veja-se: "DIREITO TRIBUTÁRIO. SEGUNDO AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONTRIBUIÇÃO AO SENAR. FINALIDADE ABRANGIDA PELA ORDEM SOCIAL. DESTINAÇÃO AO CUSTEIO DE AÇÕES E SERVIÇOS PERTINENTES AO TÍTULO VIII DA CF/1988. NATUREZA DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL GERAL. INCIDÊNCIA QUE NÃO DEVE RECAIR SOBRE AS RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. 1. A instituição da contribuição ao Senar se destina ao custeio das suas atividades de “organizar, administrar e executar em todo o território nacional o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural”. Dessa forma, a finalidade primordial da contribuição não consiste em proteger o interesse da categoria dos empregadores rurais, mas sim em conferir recursos especificamente para o ensino profissional e o serviço social direcionados aos trabalhadores rurais, com vistas ao atendimento dos objetivos do art. 203, III, da Constituição Federal. 2. A contribuição ao SENAR deve ser enquadrada entre as contribuições sociais gerais, vez que instituída com a finalidade de custear ações e serviços pertinentes ao Título VIII da CF/1988 (“Da Ordem Social”). 3. Como consequência, por ser uma contribuição social geral, a referida incidência não deve recair sobre as receitas decorrentes de exportação, sob pena de violação direta ao art. 149, § 2º, I, da Constituição. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível, na hipótese, condenação em honorários advocatícios (art. 25, Lei nº 12.016/2009 e Súmula 512/STF). 5. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE 1.369.122 AgR-segundo, Relator(a): ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, julgado em 25/04/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 02-05-2023 PUBLIC 03-05-2023)" Tendo em vista a repercussão que a matéria tem tomado, é bem provável que o STF tenha que decidir pelo rito da repercussão geral. O precedente do Carf é relevante para que se inicie uma mudança no entendimento do órgão administrativo, aplicando-se o entendimento do STF, ainda que se tratando de obter dictum no Tema n° 801, e do julgado específico da primeira turma no ARE 1.369.122.
2023-09-08T13:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-08/freitas-leite-natureza-juridica-contribuicao-senar
tributario
Opinião
Francisco Guaitolini: Não cumulatividade do ICMS e o Arla 32
O tema da não cumulatividade, atualmente, vem sendo amplamente difundido por meio dos debates que circundam a reforma do sistema tributário nacional. Afinal, um dos objetivos da reforma do texto constitucional é justamente alcançar a "não cumulatividade plena" por meio do IBS e da CBS. Contudo, no presente artigo, pretendemos analisar a não cumulatividade ainda sob a ("velha") perspectiva do ICMS. Mais precisamente no que concerne ao aproveitamento de créditos de ICMS em relação à aquisição do fluido automotivo Arla 32. Aqueles que trabalham com o ICMS no seu dia a dia sabem que o imposto estadual é não cumulativo, ou seja, permite a compensação do valor que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores. Esse contorno conferido ao ICMS tem origem diretamente no texto constitucional (artigo 155, § 2º, inciso I), sendo a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) o veículo normativo responsável por sistematizar o creditamento e a compensação em relação ao imposto. Ao disciplinarem a não cumulatividade em suas respectivas alçadas, os Estados não podem limitar o direito dos contribuintes aos créditos de ICMS, por estarem jungidos às linhas mestras postas pela Constituição Federal e pela Lei Kandir. Sucede que, ao longo das últimas décadas, têm sido recorrentes as discussões envolvendo a vedação ao aproveitamento de diversos créditos de ICMS que, a princípio, seriam de direito dos contribuintes. Uma dessas discussões diz respeito ao óbice apresentado por alguns Estados ao aproveitamento de créditos de ICMS sobre o fluido automotivo Arla 32. O Arla 32 é definido pela Instrução Normativa nº 23/2009, do Ibama, como "uma solução composta por água e uréia em grau industrial, com presença de traços de biureto e presença limitada de aldeídos e outras substâncias". A utilização do fluido visa controlar a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) no gás de escapamento dos veículos com motores a diesel, de modo a reduzir a emissão de poluentes. Desde 2012, por força dos limites de emissão de poluentes estabelecidos pela Resolução Conama nº 403/2008, os veículos pesados produzidos no país contam com o Sistema de Redução Catalisadora (SCR), sendo obrigatório o uso do agente redutor líquido de óxido de nitrogênio. Dessa forma, além de despesas correntes com combustível, lubrificantes e pneus, as empresas prestadoras de serviço de transporte também necessitam abastecer suas frotas com o Arla 32, que, em média, é consumido juntamente com o diesel, numa proporção de 5% em relação ao combustível. Por estar intimamente ligado à prestação do serviço de transporte, e em consonância às normas ambientais de emissão de poluentes, a utilização do Arla 32 não deveria gerar maiores complexidades no que diz respeito ao aproveitamento de créditos de ICMS quando da sua aquisição. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo entende ser legítimo o aproveitamento, como crédito, do valor do ICMS relativo à entrada de insumos utilizados na prestação de serviço de transporte intermunicipal e interestadual iniciada em São Paulo, como o Arla 32 (Resposta à Consulta Tributária 27.975/2023, publicada no Diário Eletrônico em 7/7/2023) [1]. Acontece que outros estados, na contramão do entendimento sedimentado pelo fisco paulista, vêm limitando o aproveitamento de créditos de ICMS sobre o Arla 32, ao arrepio da regra da não cumulatividade. O estado do Espírito Santo, por exemplo, por meio da sua Secretaria da Fazenda, emitiu o Parecer Consultivo 041/2017, assumindo ser ilegítimo o aproveitamento de créditos de ICMS na aquisição de Arla 32. Conforme se dessume do referido parecer, os itens que possibilitariam o crédito de ICMS estão taxativamente previstos no RICMS-ES, não cabendo interpretação extensiva a outros produtos não especificados. Em que pese a listagem dos produtos que dão direito ao crédito de ICMS na prestação de serviço de transporte facilite a identificação destes por parte dos contribuintes, fato é que a não cumulatividade não pode ter seu alcance limitado por uma suposta "taxatividade". Sobretudo porque o desenvolvimento tecnológico faz surgir novos itens essenciais (ou obrigatórios) para a execução do serviço de transporte, como ocorre em relação ao Arla 32. Nesse contexto, diante da incorreta conformação dada à não cumulatividade pelos Estados (seja por meio de textos legais ou através interpretações consolidadas em portarias e pareceres), surge para os contribuintes o direito de buscar a tutela jurisdicional hábil a assegurar o direito ao crédito na aquisição do Arla 32. A propósito, merece destaque a sentença proferida pela 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que reconheceu o Arla 32 como "[...] um produto necessário ao desempenho do veículo o que o desqualifica como material de uso e consumo do estabelecimento (pela própria definição de estabelecimento), qualificando-se como insumo da atividade, sendo injustificável, sob todos os aspectos, a vedação imposta pelo Estado do Espírito Santo ao creditamento de ICMS" [2]. Assim, tendo em vista a iminente reforma do sistema tributário nacional, espera-se que o final da "vida útil" do ICMS seja marcado por uma mudança de paradigma, para que a não cumulatividade passe a ser efetivamente respeitada até os últimos dias do imposto estadual. [1] No mesmo sentido: Resposta à Consulta Tributária 27854/2023/2023, publicada no Diário Eletrônico em 23/06/2023. [2] Processo nº 0008397-79.2020.8.08.0024
2023-09-08T11:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-08/francisco-guaitolini-nao-cumulatividade-icms-arla-32
tributario
Opinião
Nasarét e França: Reforma tributária e Imposto Seletivo
A reforma tributária (PEC 45/2019), aprovada na Câmara dos Deputados, segue para o Senado. O clima é de aprovação célere, expectativa ressaltada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao dizer que está de bom tamanho o Senado aprovar até outubro [1]. Porém, apesar do clima de tranquilidade quanto à aprovação, é crucial ressaltar a existência de um ponto preocupante na matéria da Reforma, que é o modo como o Imposto Seletivo (IS) está contemplado na Proposta de Emenda à Constituição, uma norma aberta, que possibilita inúmeros jogos de interpretação, além de possíveis usos indevidos do imposto, fugindo de sua própria natureza. Cabe, além disso, expor como o Imposto Seletivo ou propostas semelhantes estão prescritas nos demais ordenamentos estrangeiros de modo que seja possível entender a viabilidade de sua aplicação. No texto apresentado na PEC, o relator expõe que "o modelo (a Reforma) é complementado pela criação de um imposto seletivo federal, que incidirá sobre bens e serviços geradores de externalidades negativas, cujo consumo se deseja desestimular". Nesse ínterim, convém deixar claro que a ideia do imposto seletivo não é recente, um imposto extrafiscal capaz de tributar aquilo que é potencialmente prejudicial à saúde remonta às leis suntuárias e aos sin taxes. As leis suntuárias foram normas prescritas para reduzir o consumo de bens socialmente inaceitáveis à época, apesar de não terem natureza de imposto, se aproximam na tentativa de incentivar o desuso de produtos malvistos pela sociedade medieval. Em verdade, ao que parece, a ideia do legislador é a criação de um tributo semelhante aos sin taxes, ou impostos do pecado, que existem em diversos países [2], visando explicitamente reduzir o consumo de determinados bens prejudiciais à saúde individual e coletiva [3]. Por outro lado, o IS, apresentado pelo texto da reforma tributária, se distingue do imposto do pecado por possuir um caráter generalista, graças ao modo como o texto normativo o qualifica: "Art. 154, III: – impostos seletivos, com finalidade extrafiscal, destinados a desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos." (NR) Nota-se que essa abertura do texto constitucional possibilita tanto tributar aquilo que pode causar externalidades negativas à saúde e ao meio ambiente, como informado pelo relator na proposta de emenda, quanto para tributar o que é essencial para se ter uma vida digna, como a energia elétrica. Nesse sentido, conforme Alexandre Barcik, Flávio Augusto Dumont Prado e Rayan Felipe Sartorino [4], é notável a preocupante e real possibilidade da incidência do tributo sobre a energia elétrica, bem tido como essencial para a garantia do mínimo existencial, inclusive reconhecido pelo próprio STF no RE 714.139 (Tema 745) [5], em que se definiu a inconstitucionalidade de aplicação de alíquotas sobre operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação maiores em comparação com as operações em geral, tendo em vista o argumento de que a energia elétrica é um bem essencial e, por isso, seguiria a tributação dos demais itens essenciais, a qual é diferenciada e reduzida. No artigo supracitado, os autores informam que, com a nova escrita do artigo 155 da CF, já modificado pela PEC, somente o ICMS, o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o Imposto Seletivo e o IBS podem incidir sobre a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país. Desse modo, infere-se que é razoável enfatizar a ideia de que sim, é possível futuras incidências do IS na energia elétrica, ou seja, em bens essenciais. Ora, como é possível considerar simultaneamente a existência de um bem que é essencial e ao mesmo tempo prejudicial à saúde? Em outras palavras, diante do conceito aberto da norma, seria possível a incidência do imposto seletivo inclusive sobre bens essenciais como a energia elétrica e telecomunicações. Nessa percepção, se a energia elétrica pode possuir, então, nocividade tal qual o tabaco, como ficam os demais serviços e produtos essenciais? Defensivos agrícolas, cruciais para o agronegócio, um dos setores fundamentais da economia brasileira... como ficará a tributação? Há riscos da incidência de imposto seletivo sobre esse negócio? Quais os impactos na cadeia de produção e como isso afetaria a aquisição de alimentos? Essas e outras perguntas devem ser expostas ao Senado para que haja um trato profundo quanto às possíveis ramificações do uso do Imposto Seletivo. De certo, será repassado ao consumidor final. Ademais, além da questão do conceito aberto, urge expor outros problemas que podem surgir com a criação do Imposto Seletivo da forma prescrita na PEC, porquanto a incidência do IS em produtos potencialmente nocivos, como o álcool e tabaco, pode não ter o efeito extrafiscal esperado, qual seja: a diminuição do consumo e venda. Se, por um lado, há casos indicando a diminuição do consumo com a sobretaxação, a exemplo da Colômbia, em que a tributação sobre o pacote de cigarro triplicou de 2016 para 2018, com aumento de 4% a cada ano após 2018, possibilitando uma redução de 34% no consumo.[6][7]. Por outro lado, o Brasil, apesar das políticas de tributação sobre o cigarro, lida com um forte contrabando, o qual representa aproximadamente 30% das vendas de tabaco no território nacional [8], mostrando que, talvez, a elevada carga tributária sobre o tabaco não seja o melhor caminho de controle. Nesse contexto, é válido questionar se tributar carregadamente produtos maléficos à saúde, com efeitos viciantes, levam, realmente, ao desuso, ou se na verdade, dificultam a possibilidade de se garantir o mínimo existencial - condições financeiras básicas para custear alimentação, saúde e educação, por parte de quem utiliza os bens nocivos. Marcus de Freitas Gouvêa, Procurador da Fazenda Nacional, evidencia em seu artigo "Questões Relevantes Acerca da Extrafiscalidade no Direito Tributário" [9] que a alta carga tributária sobre produtos prejudiciais à saúde pode, curiosamente, não reduzir o consumo. Tendo em vista a realidade, o que ocorre é a mera arrecadação por parte do Estado, visto que, segundo o autor, "a sociedade quer continuar consumindo e produzindo cigarros e bebidas, de tal maneira que o mercado desses produtos torna-se inelástico o bastante para anular os efeitos desejados da tributação exacerbada". Em síntese, a ideia central do Imposto Seletivo, ao que parece, é corrigir externalidades, que para o Estado, são negativas. Ocorre que esse ideal, por muitas vezes, pode ter um efeito adverso. Tributar essas externalidades apenas com o intuito social de diminuir o consumo, pode, ao invés de fomentar o ajuste comportamental de acordo com os valores morais da sociedade, prejudicar o contribuinte, que abdica de outros consumos teoricamente essenciais e prejudica seus rendimentos reais [10]. O Estado pode estar criando um problema ainda maior, já que não corrigiria as exterioridades supostamente negativas e ainda violaria o princípio da capacidade contributiva, já que o ônus será repassado ao consumidor e, como se sabe, os mais prejudicados são os consumidores de baixa renda. Ou seja, "se se pretender como política fiscal a exploração de consumos inelásticos, pelo seu potencial financeiro e eficiência econômica, estar-se-á a caminhar na construção de um Leviatan que ataca os contribuintes aí onde sabe que não podem se defender" [11]. Como já ressaltado, o IS, pelo arcabouço descrito na PEC, será um imposto indireto que pode criar uma ilusão fiscal. Se por um lado, mostrará ao consumidor que o governo está preocupado com a saúde e meio ambiente, ao taxar as empresas que exploram ramos potencialmente nocivos, por outro, cria um imposto "invisível" para o contribuinte, já que a transferência do ônus a ele e a ausência de transparência pode fazer com que o contribuinte final não tenha consciência do efetivo desembolso, sobretudo de bens que são essenciais, como energia elétrica e telecomunicações. É de se ressaltar que tal situação faz com que a extrafiscalidade seja ineficaz e promove apenas a realocação da renda do contribuinte e que, por vezes, onera os mais pobres e não diminui o consumo. Portanto, a criação do Imposto Seletivo, com seu conceito aberto, nos moldes propostos pela PEC 45/2019, deve ser analisada com muita parcimônia, sob pena de inviabilizar o efeito extrafiscal desejado, e sim, na verdade, criar uma ilusão fiscal. Caberá ao Senado uma análise mais detida dos reais efeitos que a instituição do referido tributo causará na economia brasileira e na população, que, conforme informado, certamente terá o ônus repassada a ela. [1] Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/08/11/se-o-senado-aprovar-reforma-tributaria-ate-outubro-esta-de-bom-tamanho-diz-haddad.ghtml [2] A União Europeia, por meio da Diretiva 92/83/CEE, instituiu um modelo impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas para os Estados-membros. Nessa proposta, a Diretiva possibilita uma tributação proporcional à quantidade de álcool da bebida. Já o Brasil adota políticas diversas quanto ao cigarro, há a política do preço mínimo, a qual prescreve o menor preço necessário para o cigarro, em que valores abaixo tornam o produto ilegal, há, também, a tributação prescrita pela Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, em que, em seu art. 14, estipula que os cigarros contendo tabaco, de fabricação nacional ou importados não feitos à mão, são sujeitos à tributação de 45% sobre o preço de venda. A Coreia do Sul aplica uma taxa de KRW 3,323 por pacote de cigarro. [3] Disponível em: https://www.bankrate.com/taxes/what-is-sin-tax/ [4] BARCIK, Alexandre. PRADO, Flávio Augusto Dumont; SARTORINO, Rayan Filipe. A reforma tributária e o Imposto Seletivo: potencial ameaça à conta de luz. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/a-reforma-tributaria-e-o-imposto-seletivo-potencial-ameaca-a-conta-de-luz/ [5] Tese aprovada: "Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços." [6] Disponível em: https://www.who.int/news-room/feature-stories/detail/countries-share-examples-of-how-tobacco-tax-policies-create-win-wins-for-development-health-and-revenues [7] Disponível em: https://tobacconomics.org/files/research/606/UIC_Colombia-Illicit-Trade-Fact-Sheet_v1.4.pdf [8] PAES, Nelson Leitão. Uma análise ampla da tributação de cigarros no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, n. 48, 2021. P. 14 [9] "Já se mostra quase uma unanimidade entre os estudiosos que a tributação elevada do cigarro e das bebidas alcoólicas não reduz o consumo desses bens. Portanto, a medida que se propunha extrafiscal exerce, praticamente, apenas efeitos arrecadatórios. Ocorre que a sociedade quer continuar consumindo e produzindo cigarros e bebidas, de tal maneira que o mercado desses produtos torna-se inelástico o bastante para anular os efeitos desejados da tributação exacerbada." -  GOUVÊA, Marcus de Freitas. Questões relevantes acerca de extrafiscalidade no direito tributário. 2005. [10] RIBAS, Juliana Rodrigues. Os Impostos do Pecado e a Ilusão Fiscal. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-7119 [11] VASQUES, Sérgio, 1999 apud RIBAS, Juliana Rodrigues. Os Impostos do Pecado e a Ilusão Fiscal. ANIMA: Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR - Brasil. Ano VII, nº 13, jan/jun 2015. ISSN 2175-
2023-09-08T09:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-08/nasaret-franca-reforma-tributaria-imposto-seletivo
tributario
Direito do Agronegócio
Funrural, exportação e cooperativas: imunidade das receitas?
Este artigo é uma singela homenagem ao 5º Congresso Nacional de Direito Agrário, ocorrido em Londrina (PR), nos dias 23 a 25 de agosto, com a organização da Ubau (União Brasileira dos Agraristas). Como é de conhecimento, nossa Constituição, no artigo 149, § 2º, inciso I[1], consagra a imunidade nas receitas decorrentes de exportação para as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico. Entre as contribuições sociais, temos a contribuição previdenciária e o RAT sobre a "receita bruta proveniente da comercialização" da produção do produtor rural pessoa física à alíquota, respectivamente, de 1,2% e 0,1%, nos termos do artigo 25, da Lei n. 8.212/91 (denominado "Funrural"), em substituição à contribuição sobre a folha (artigo 22, I e II). Trata-se, portanto, de contribuição social incidente sobre a receita da comercialização da produção rural, o que lhe torna totalmente aplicável a imunidade das receitas de exportação, seja direta ou indireta, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal no Tema 674 (RE 749.244) e ADI nº 4.735.[2]-[3] Atualmente, a Instrução Normativa n. 2110/2022, nos artigos 148 a 150 disciplina, em sede infralegal, tais operações destinadas ao exterior quanto à imunidade (não incidência) e o Funrural.[4] Apesar do texto constitucional e dos precedentes vinculantes firmados pelo Supremo Tribunal Federal reconhecerem a imunidade nas receitas de exportação, direta ou indireta, quanto ao Funrural, persistem diversas divergências sobre o tema, como é o caso das operações onde o produtor rural pessoa física entrega seu produto à cooperativa, a qual realiza uma exportação indireta, utilizando-se de uma empresa comercial exportadora (ECE) ou trading companie. A Receita Federal não reconhece a possibilidade de imunidade quanto à receita auferida pelo produtor rural pessoa física nesta operação, sustentando a incidência do Funrural e a necessidade de retenção pela cooperativa de referida contribuição, conforme se pode comprovar pela recente Solução de Consulta COSIT 149, de 24 de julho de 2023 (DOU 28/7/2023): "Contribuições Sociais Previdenciárias. INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA PREVIDENCIÁRIA ENTRE PRODUTOR RURAL E COOPERATIVA. EXPORTAÇÃO INDIRETA VIA TRADING COMPANY. OPERAÇÃO MERCANTIL REALIZADA PELA COOPERATIVA, POR ENVOLVER A COMPRA DOS PRODUTOS DO ASSOCIADO E A VENDA DESTES A TRADING. INAPLICABILIDADE, NA ESPÉCIE, DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PROFERIDAS NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4.735/DF E NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 759.244/SP, COM REPERCUSSÃO GERAL, CONCERNENTES À IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NAS EXPORTAÇÕES INDIRETAS. O valor despendido por cooperativa, ainda que a título de adiantamento, destinado ao pagamento de produtos diretamente a produtor rural pessoa física associado, por ocasião da entrega destes em depósito, com vistas à sua ulterior exportação através de trading company, corresponde a uma operação mercantil, e não a ato cooperativo propriamente dito, pelo que fica a cooperativa obrigada a reter e recolher, por sub-rogação, a contribuição previdenciária devida pelo cooperado, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. De modo que a imunidade prevista no art. 149, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, alcança a contribuição previdenciária devida pelo produtor rural pessoa física, referida no art. 25, inciso I, da Lei nº 8.212, de 1991, apenas no caso de existência real e efetiva de ato cooperativo. As situações que envolvem tais operações comerciais realizadas entre cooperados e cooperativas não foram especificamente enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal nas decisões proferidas na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.735/DF e no Recurso Extraordinário nº 759.244/SP (este último concernente ao Tema 674 da repercussão geral, que tratou da contribuição previdenciária prevista no art. 22-A da Lei 8.212, de 1991, cujo sujeito passivo é a agroindústria), invocadas pela consulente, que versam sobre a imunidade tributária nas operações de exportação indireta. O alcance do conceito de ato cooperativo ainda está pendente de julgamento em sede do Recurso Extraordinário nº 672.215/CE (Tema 536). Dispositivos Legais: Constituição, art. 149, § 2º, inciso I; Lei nº 5.172, de 1966 (Código Tributário Nacional), art. 118; Lei nº 5.764, de 1971, art. 79; Lei nº 8.212, de 1991, arts. 12, inciso V, alínea "a" , 15, 22, incisos I e II, 22-A, 25, incisos I e II, e §§ 3º e 13 a 16, e 30, incisos III e IV; Instrução Normativa RFB nº 971, de 2009, arts. 175 e 184; Instrução Normativa RFB nº 1.975, de 2020; Instrução Normativa RFB nº 2.110, de 2022, arts. 148, 149, 150, 153 e 159; Parecer PGFN/CAT nº 1.724, de 2012; Nota Cosit nº 64, de 2008." Em nossa visão este posicionamento não é o mais adequado, seja do ponto de vista do propósito do texto constitucional no sentido de buscar a exoneração das exportações — princípio do destino (arigo 149, § 2º, I, CF) —, como também ao não dar o tratamento adequado ao ato cooperativo (artigo 146, III, "c", CF). Como primeiro aspecto, é preciso compreender que a imunidade tributária neste caso está relacionada ao objeto (produto), sendo objetiva e não subjetiva, de tal sorte que se há exportação daquele bem elaborado pelo produtor rural, por meio de uma cooperativa, com auxilio de uma trading ou ECE, não nos parece adequada referida restrição, sobretudo, ao se reconhecer que este instituto deve ser interpretado de forma finalística. E, neste sentido, não há dúvida que o produto foi exportado, concretizando exatamente o propósito do texto constitucional, razão pela qual a receita do produtor decorreu da exportação, de tal sorte que se trata de operação imune, impedindo-se a retenção do Funrural e RAT pelas cooperativas. De outro lado, esta solução de consulta incorre em outro equívoco ao não reconhecer que o ato praticado entre um produtor rural pessoa física associado (cooperado) e a cooperativa não seria cooperativo. Ora, o artigo 79 da Lei nº 5.674/71 preceitua que são atos cooperativos "os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais", esclarecendo, expressamente, em seu respectivo parágrafo único que ele "não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria". O produtor associado ao entregar (mesmo mediante fixação de preço a ser repassado) para a cooperativa está, naturalmente, praticando um ato com esta para a consecução de seus objetivos sociais, configurando ato cooperativo típico, o que não configura comercialização, aspecto fundamental para a hipótese de incidência do Funrural. Se esta primeira operação entre produtor e cooperativa — ato cooperativo típico — não configura operação de mercado ou compra e venda, não haveria comercialização capaz de gerar a incidência do Funrural e sua respectiva retenção. Mas, mesmo que se entenda, em tese, como uma compra e venda, não deixa a cooperativa, em referida operação, de representar uma mera mandatária destes associados, a fim de viabilizar o objetivo comum da união de tais pessoas. Equivale dizer: a cooperativa em referida operação é um mero instrumento ou meio para viabilizar a exportação dos produtos produzidos pelos produtores rurais associados. Daí porque, em nossa visão, a intermediação entre o produtor rural que entrega seus produtos à cooperativa, a qual, em proveito comum de seus associados, concretiza a venda ao exterior por meio de uma trading companie ou ECE, não desnatura a finalidade do texto constitucional quanto à imunidade tributária, configurando uma modalidade de exportação indireta. Portanto, referida SC é ilegal e inconstitucional, por não cumprir o texto constitucional e os precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal. Aliás, esta concepção de que a cooperativa é mera mandatária, já levava o Carf a reconhecer que estas operações configuravam exportação direta, permitindo a imunidade mesmo antes do posicionamento do STF:                                      "CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. CONTRIBUIÇÃO SUBSTITUTIVA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO. COOPERATIVA. SUBROGAÇÃO. A Cooperativa fica sub-rogada na obrigação do empregador rural pessoa física e do segurado especial, de que tratam, respectivamente, a alínea "a" do inciso V e o inciso VII do art. 12 desta Lei nº 8.212, de 1991, na condição de responsável, em relação à retenção e ao recolhimento da contribuição substitutiva, prevista no art. 25 do citado diploma legal. COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. EXPORTAÇÃO REALIZADA POR INTERMÉDIO DE COOPERATIVAS. IMUNIDADE A norma imunizante contida no artigo 149, §2º, I, da Constituição Federal, exclui da abrangência tributária as receitas decorrentes de exportação. Se os produtos adquiridos pela Recorrente foram efetivamente exportados, por meio da cooperativa adquirente da produção, constata-se que as receitas não se submetem à exigência da contribuição previdenciária por força da norma imunizante prevista no art. 149, §2°, I, da Constituição." [5] Por fim, afirma a solução de consulta que o Supremo não analisou a operação envolvendo cooperativas nos precedentes vinculantes, no entanto, como é de conhecimento, as razões de decidir, que devem ser levadas em consideração, sendo irrelevante o sujeito (produto rural ou agroindústria) pois a imunidade é objetiva. E, neste ponto, as razões de decidir quanto à imunidade objetiva relacionadas às receitas de exportação pretendem, com clareza meridiana, exonerar o produto ou mercadoria enviada ao exterior dos tributos, nada mais que isso. Equivale dizer: devemos exportar produtos e não tributos, tal qual o Funrural/RAT, daí porque, a receita decorrente da exportação há de ser imune. Comprovando que as razões de decidir permitem aplicar o precedente da imunidade nas receitas de exportação indireta à operação onde o produtor rural entrega à cooperativa que realiza o envio ao exterior por meio de trading companie ou ECE, vejamos recente decisão do próprio STF reconhecendo esta possibilidade: "Direito tributário. Agravo interno em embargos de declaração em recurso extraordinário. Imunidade do art. 149, § 2º, I, da CF. Aplicação às exportações indiretas feitas por cooperativa. 1. Ao manter a incidência da tributação na hipótese em análise, o acórdão recorrido terminou por divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, ao apreciar o Tema 674 da RG, fixou a seguinte tese de julgamento: “[a] norma imunizante contida no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição da República alcança as receitas decorrentes de operações indiretas de exportação caracterizadas por haver participação negocial de sociedade exportadora intermediária”. 2. O poder de tributar deve considerar a comercialização feita pela cooperativa, e não a transferência entre o cooperado e a cooperativa. Nesse contexto, por se tratar de uma operação que tem por objeto a exportação, ainda que de maneira indireta, é de rigor a incidência da imunidade prevista no texto constitucional." [6] Percebe-se, assim, que a alegação da Receita em Solução de Consulta de que o STF não analisou referida operação a fim de aplicar a imunidade nas exportações não é procedente. Possível, assim, concluir no sentido de que a Solução de Consulta Cosit nº 149/2023, é inconstitucional e ilegal, uma vez que contraria claramente o artigo 149, § 2º, I, da Constituição e precedentes vinculantes do Supremo, sendo cabível a imunidade nas receitas de exportação nas operações realizadas pelo produtor rural pessoa física associado em face das cooperativas, que enviam ao exterior tais produtos por meio de ECE ou tradings companies, inexistindo base jurídica para a retenção do Funrural e RAT. [1] - “Art. 149. (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...) I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”. [2] “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS EXPORTAÇÕES. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. EXPORTAÇÃO INDIRETA. TRADING COMPANIES. Art.22-A, Lei n.8.212/1991” (RE 759244, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-071  DIVULG 24-03-2020  PUBLIC 25-03-2020); “CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS E DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. ART. 170, §§ 1º e 2º, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (RFB) 971, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2009, QUE AFASTA A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA PREVISTA NO ARTIGO 149, § 2º, I, DA CF, ÀS RECEITAS DECORRENTES DA COMERCIALIZAÇÃO ENTRE O PRODUTOR E EMPRESAS COMERCIAIS EXPORTADORAS. PROCEDÊNCIA.(ADI 4735, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-071  DIVULG 24-03-2020  PUBLIC 25-03-2020). [3] Sobre o tema: CALCINI, Fábio Pallaretti. Tributação no Agronegócio. Londrina: THOTH, IBDA, CONJUR, 2023. p. 239-242; 302-307. [4] “Seção III. Da Exportação de Produtos. Art. 148. As contribuições sociais previdenciárias de que trata este Capítulo não incidem sobre as receitas decorrentes de exportação. (Constituição Federal, art. 149, § 2º, inciso I; e STF, ADI nº 4.735/DF, de 2020) Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica à contribuição devida ao Senar, por se tratar de contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas.” [5] - CARF, 2ª Seção, Ac. 2401005.598, 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária, j.  3 de julho de 2018. [6] STF, RE 850113 ED-AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 03/04/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 04-04-2023  PUBLIC 10-04-2023.
2023-09-08T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-08/direito-agronegocio-funrural-exportacao-cooperativas-imunidade-receitas
tributario
Opinião
Leonardo Roesler: Análise dos impactos do arcabouço fiscal
Após meses de negociação, a Câmara dos Deputados aprovou o chamado arcabouço fiscal. O texto passou pelo Senado e, após as mudanças propostas pelos parlamentares, retornou para a análise dos deputados. Com 379 votos a favor e 64 contra, a Câmara acolheu parte das alterações do Senado. Essas mudanças propostas pelos senadores e mantidas pelos deputados excluem da nova regra fiscal o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o Fundo Constitucional do Distrito Federal. Esse último foi muito comemorado pela bancada do Distrito Federal. Em uma análise sob o prisma jurídico e à luz dos princípios constitucionais de equidade e eficiência na gestão pública, a proposta governamental que busca delimitar o crescimento econômico através do arcabouço fiscal apresenta nuances significativas. É fundamental reconhecer que a implementação de mecanismos fiscais que objetivam a estabilidade econômica está alinhada com as prerrogativas constitucionais de manter a ordem econômica e a responsabilidade fiscal. No entanto, a exclusão de certas despesas, como as relativas ao Fundeb e ao Fundo Constitucional do DF, das diretrizes desse novo regime fiscal, pode levantar questionamentos sobre a universalidade e isonomia das regras. Por um lado, essas exclusões poderiam ser justificadas pela natureza essencial dos serviços prestados por tais fundos, especialmente no contexto da educação básica e da manutenção da ordem no Distrito Federal. Por outro, a isenção de determinadas despesas pode suscitar debates acerca de possíveis privilégios ou desequilíbrios na distribuição dos recursos públicos. A proposta, ao substituir o atual teto de gastos por novas metas fiscais, pode impactar na confiança dos agentes econômicos, tanto internos quanto externos, na gestão fiscal do país. Portanto, é de suma importância que quaisquer mudanças sejam comunicadas de maneira transparente e que exista um diálogo robusto entre os Poderes Executivo, Legislativo e os demais stakeholders envolvidos. Em relação ao impacto da proposta, é fundamental analisar tanto a busca pela estabilidade econômica quanto a necessidade de garantir a equidade, a previsibilidade e a transparência no gerenciamento dos recursos públicos. Do ponto de vista jurídico-econômico, o arcabouço fiscal pode trazer diversas consequências e desafios ao empresariado e a economia como um todo. Primeiramente, é notório que um aumento da carga tributária pode impactar diretamente a liquidez das empresas, principalmente daquelas de menor porte, cujas margens de lucro tendem a ser mais reduzidas. Este cenário poderia culminar em problemas de fluxo de caixa, dificultando o cumprimento de obrigações financeiras e tributárias e, em casos mais extremos, resultando em insolvência. Adicionalmente, sob o prisma do investimento, uma carga tributária mais onerosa pode atuar como um desincentivo à realização de novos aportes por parte de investidores nacionais e internacionais. A atratividade de um país enquanto destino de investimentos muitas vezes está vinculada à sua estrutura tributária, e um ambiente percebido como menos hospitaleiro em termos fiscais pode repercutir na diminuição do fluxo de capital. Ao onerar mais as empresas, os custos adicionais podem ser repassados ao consumidor final, resultando em produtos e serviços mais caros, o que, por sua vez, pode levar a uma diminuição da demanda. Do ponto de vista jurídico, a implementação de novas cargas tributárias ou a majoração das existentes deve respeitar os princípios constitucionais tributários, tais como capacidade contributiva, isonomia e vedação ao confisco. A não observância destes princípios pode gerar um ambiente de litigiosidade, com o ingresso de ações judiciais por parte dos contribuintes, buscando a declaração de inconstitucionalidade ou a modulação dos efeitos de tais medidas tributárias. Juridicamente falando, a majoração de tributos encontra limitações expressas na Carta Magna. O princípio da anterioridade, previsto no artigo 150, III, "b" da Constituição, estabelece que a criação ou majoração de tributo só pode produzir efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o final do exercício financeiro anterior. Ademais, o princípio da vedação ao confisco, também previsto no artigo 150, IV, serve como baliza à capacidade contributiva, impedindo que a tributação seja utilizada de forma confiscatória. Estes são apenas dois exemplos dentre uma série de princípios e normas que balizam a atividade tributante do Estado, e que, não raro, são objeto de controvérsias judiciais. A vinculação do teto de gastos ao crescimento da receita primária introduz uma variável de imprevisibilidade no cenário econômico brasileiro, que pode repercutir diretamente na capacidade das empresas de elaborar planejamentos a longo prazo. Percebe-se que, ao subordinar os gastos públicos à evolução das receitas, introduz-se um elemento de volatilidade fiscal que pode afetar diretamente o ambiente de negócios. Esse cenário, ao flutuar conforme a performance econômica do país, pode ocasionar variações tanto em políticas de investimento público quanto em estratégias tributárias, fatores estes que têm reflexo direto nas operações e projeções empresariais. As empresas, ao considerarem esse novo arcabouço, deveriam ponderar em situações onde as receitas primárias se mostrem insuficientes, é plausível que haja movimentos por parte do governo visando aumentar a arrecadação, seja por meio da criação de novos tributos ou majoração dos existentes. Empresas devem, então, se preparar para cenários de carga tributária crescente, buscando estratégias de planejamento tributário eficientes. A nova dinâmica de vinculação dos gastos ao desempenho das receitas primárias demanda das empresas uma postura proativa de análise, adaptação e planejamento, sempre respaldada por uma assessoria jurídica especializada, capaz de guiar as decisões empresariais diante dos desafios e oportunidades que esse cenário apresenta. Os diferentes setores da sociedade podem sentir os impactos de maneira variada. O empresariado, em particular, pode enfrentar desafios ao tentar antever a postura fiscal do governo em um horizonte de médio a longo prazo. Para o cidadão comum, a limitação dos gastos públicos pode se traduzir em restrições em áreas fundamentais como saúde, educação e infraestrutura. Já para o setor financeiro e investidores, a volatilidade pode representar tanto riscos quanto oportunidades, dependendo da capacidade de cada ator em antecipar movimentos e se adaptar ao cenário proposto.
2023-09-09T13:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-09/leonardo-roesler-analise-impactos-arcabouco-fiscal
tributario
Sem limite
Juiz anula efeitos de instrução da Receita sobre crédito tributário
No ordenamento jurídico brasileiro, a única previsão legal que limita a utilização de crédito tributário é o artigo 168 do Código Tributário Nacional, o qual impõe ao contribuinte o prazo de cinco anos para que ele dê entrada em pedido de compensação, e não para utilizá-lo. Dessa forma, é ilegal a limitação estabelecida pelo artigo 106 da Instrução Normativa RFB 2.055/2021, que fixou em cinco anos o prazo para exaurimento do aproveitamento de créditos oriundos de decisões judiciais definitivas. Com esse entendimento, o juízo da 1ª Vara Federal de Santo André (SP) proibiu a Receita Federal de inviabilizar a compensação tributária obtida judicialmente por uma indústria nos autos de três mandados de segurança. A empresa alega que as decisões proferidas nos mandados a autorizaram a excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Essa autorização levou a indústria a pedir a habilitação de tais créditos perante a Receita Federal, mas o órgão invocou a instrução normativa para negar a compensação. Segundo a Receita, a empresa excedeu o prazo de cinco anos estabelecido pela IN RFB 2.055/21 para o exaurimento de créditos tributários reconhecidos judicialmente. A empresa recorreu, mas teve o pedido de liminar indeferido. Em mandado de segurança cível, a indústria alegou que continuava autorizada a obter as compensações até o esgotamento integral do crédito tributário judicial, já que não existe lei que imponha a utilização desse valor em cinco anos. O que há, prosseguiu a defesa, é a determinação do artigo 168 do CTN, que prevê que o contribuinte deve apresentar seu pedido de compensação no prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado da ação, devendo, consequentemente, utilizar tais valores até o seu esgotamento, independentemente do tempo que levar para isso. Ao analisar o pedido, o juízo federal em Santo André deu razão à recorrente. Segundo o juiz, o artigo 168, caput, do CTN estabelece o prazo para pleitear a compensação, e não para encerrá-la. Por isso, continuou ele, "não existe regra legal estipulando tempo máximo para a finalização da compensação, de forma que a limitação imposta pelo art. 106 da IN RFB 2.055/21 é ilegal". "Assim, enquanto houver crédito poderá ser realizada a compensação", escreveu o julgador, que listou precedentes do Superior Tribunal de Justiça em decisões nesse sentido. O responsável pela defesa da indústria foi o advogado Gustavo de Toledo Degelo, do escritório Briganti Advogados. MS Cível 5001587-96.2023.4.03.6126
2023-09-09T12:13-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-09/juiz-anula-efeitos-instrucao-receita-credito-tributario
tributario
Fila infinita
Para tributaristas, Supremo burocratiza repetição de indébito
Ao exigir que a repetição de indébito tributário reconhecida judicialmente obedeça ao regime de precatórios, conforme estipulado pelo artigo 100 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal burocratiza o procedimento e impõe ao contribuinte a solução mais morosa e incerta. Essa é a conclusão de tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento por meio do Plenário Virtual. A solução, tomada sob o regime da repercussão geral, vincula todos os tribunais e juízes do país. O julgamento do STF tratou da repetição de indébito tributário — o direito que o contribuinte possui de pleitear a recuperação total ou parcial dos valores pagos de forma indevida ou duplicada ao Fisco, independentemente da modalidade do pagamento. No caso julgado, uma empresa percebeu que vinha sendo erroneamente cobrada dela uma taxa de utilização do Sistema Integrado do Comércio Exterior (Siscomex). Então, ajuizou mandado de segurança para suspender a cobrança e ter de volta os valores pagos nos últimos cinco anos. A sentença foi julgada procedente. A discussão que se manteve foi a forma como os valores seriam devolvidos: se por restituição administrativa ou por precatórios. Vale a pena? A restituição administrativa é a forma mais rápida de receber o dinheiro. Nela, basta ao contribuinte fazer o pedido pelo site da Receita Federal, com a comprovação do direito mediante documentação. Essa medida é prevista tanto no artigo 66, parágrafo 2º, da Lei 8.383/1991 quanto no artigo 74 da Lei 9.430/1996. Essa possibilidade é controversa na jurisprudência brasileira porque entraria em conflito com o artigo 100 da Constituição Federal, que estabelece que o pagamento do indébito tributário reconhecido judicialmente seja consagrado via precatórios. Nesse segundo caso, o pedido entra em uma fila, que é definida pela data de expedição do título judicial, a natureza do crédito e a prioridade de quem vai receber. O recebimento é afetado também pela limitação anual imposta pelo Congresso para o pagamento dos precatórios. Com a decisão do Supremo, o caminho natural para receber o dinheiro passa a ser a fila dos precatórios. Há ainda outra opção, nem sempre viável: a de compensar o indébito no pagamento de outros tributos federais, medida também autorizada por lei. Agora piorou Para Bárbara Romani, advogada do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados, a tese do STF faz com que o contribuinte fique sempre na incerteza do momento em que vai receber os valores pagos indevidamente, uma vez que eles podem levar anos para serem incluídos na fila do pagamento de precatórios. "Ele será obrigado a ajuizar a ação de cumprimento de sentença ou a ação de cobrança (no caso de mandado de segurança) para expedição do precatório, que pode demandar um tempo considerável para ser finalizada, uma vez que deverá ser submetida à análise do crédito, muitas vezes envolvendo questões técnicas que poderiam ser facilmente analisadas na esfera administrativa", explica ela. Na análise de Abdul Nasser, sócio do Schuch Advogados, o cenário criado a partir da decisão do Supremo equivale a um "empréstimo compulsório" sem base legal, já que qualquer cobrança ilegal em discussão precisará aguardar o trânsito em julgado da ação, além de enfrentar a fila dos precatórios e o risco de moratória. Ele destaca que, em alguns casos, o índice de correção é o da poupança, o que representa perda efetiva de valor. Por outro lado, o advogado explica por que o mandado de segurança era o instrumento adequado para resolver o problema "Em regra, tem natureza declaratória e não constitutiva. O questionamento do lançamento por homologação declarado ilegal impede a constituição do crédito, sendo a compensação administrativa um instrumento adequado para esse tipo de ajuste, dando a agilidade que a mecânica do processo administrativo tributário exige para não lesar o contribuinte." Dylliardi Alessi, advogado da banca Peccinin e Alessi Advocacia, afirma que o mercado operava em uma notória insegurança jurídica, diante da falta de uniformidade com que o tema era tratado pelos tribunais. Ele é outro a destacar as dificuldades criadas pela adoção do rito dos precatórios. "A partir de agora, todos os processos que envolvem indébitos tributários se submeterão ao regime de precatórios. Apesar de seguir a posição já dominante do STF, o reflexo é negativo aos contribuintes, porquanto fixou-se a interpretação mais morosa e burocrática." Já Fernanda Lains, sócia do Bueno Tax Lawyers, avalia que a interpretação do STF é necessária por seguir o que determina claramente a Constituição Federal em seu artigo 100, fechando a porta para aqueles contribuintes que pretendiam furar a fila dos precatórios por meio da restituição administrativa. "Vale chamar atenção ao fato de que essa decisão não resolve uma outra questão imposta pelas alterações no sistema processual civil datadas de 2015: a possibilidade de execução da decisão proferida em mandado de segurança nos próprios autos para que daí nasça o precatório. Precisaremos aguardar as cenas dos próximos capítulos." RE 1.420.691
2023-09-09T08:49-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-09/advogados-stf-burocratiza-repeticao-indebito-tributario
tributario
Opinião
Guilherme Lima: Tributação dos prêmios de apostas on-line
Nos últimos anos, as apostas esportivas on-line se popularizaram no país, tornando-se verdadeira "mania" entre os brasileiros, fenômeno que pode ser explicado principalmente pela expansão da internet e acesso facilitado aos aplicativos de apostas por meio de smartphones, que hoje representam à grande maioria das apostas realizadas no mercado [1]. Diante da ausência de informações confiáveis e precisas sobre o setor, não se sabe ao certo o valor que esse mercado movimenta atualmente no Brasil, mas segundo dados do portal BNLData, estima-se um faturamento total de R$ 12 bilhões só em 2023, aumento de 71% (setenta e um por cento) em relação ao R$ 7 bilhões de 2020 [2]. O crescimento exponencial do setor não poderia ser ignorado pelo Estado, que através da Lei Federal nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018 [3], instituiu no artigo 29, a modalidade lotérica denominada aposta de quota fixa, que consiste em "um sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico". Em outras palavras, o apostador já possui previamente a definição do valor do prêmio em caso de acerto do evento esportivo escolhido, isto é, será determinado através da multiplicação pelo fator de cotação no ato da efetivação da aposta. Com efeito, por se tratar de acréscimo patrimonial, os prêmios obtidos com apostas esportivas, estão sujeitos ao pagamento de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), independentemente de denominação [4] [5] ou regulação do setor. Esse último aspecto vem causando dúvidas entre os apostadores, principalmente depois da edição da MP nº 1.182 [6], de 24 de julho de 2023, que altera a Lei Federal nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018, e disciplina a exploração das apostas de quota fixa pela União [7], visando regulamentar o setor através da criação de uma série de mecanismos para facilitar a fiscalização, evitar manipulações de resultados, fraudes e coibir a sonegação fiscal. É importante destacar que à tributação dos prêmios em dinheiro obtidos em loterias encontra-se prevista no artigo 14 da Lei Federal nº 4.506, de 30 de novembro de 1964 [8]: "Art. 14. Ficam sujeitos ao impôsto de 30% (trinta por cento), mediante desconto na fonte pagadora, os lucros decorrentes de prêmios em dinheiro obtidos em loterias, mesmo as de finalidade assistencial, inclusive as exploradas diretamente pelo Estado, concursos desportivos em geral, compreendidos os de turfe e sorteios de qualquer espécie, exclusive os de antecipação nos títulos de capitalização e os de amortização e resgate das ações das sociedades anônimas." Essa questão foi inclusive objeto de análise pela Receita Federal do Brasil, em Solução de Divergência nº 9 — Cosit/2012 [9], onde se diferenciou a tributação do IRPF sobre prêmios recebidas em forma de bens e serviços, daquela distribuído em dinheiro, ocasião em que foi proferida a seguinte orientação sobre o tema: "tratando-se de concursos de prognósticos desportivos e concursos desportivos em geral, compreendidos os de turfe, o imposto sobre a renda incide exclusivamente na fonte, à alíquota de 30% (trinta por cento) [...]". Além disso, o artigo 56 da Lei Federal nº 11.941, de 27 de maio de 2009 [10], definiu que a partir de 1º de janeiro de 2008, o IRPF sobre prêmios obtidos em loterias incidirá apenas sobre o valor do prêmio em dinheiro que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do Imposto de Renda da Pessoa Física. Para que não restassem dúvidas sobre a incidência do IRPF sobre os prêmios pagos em dinheiro em decorrência de apostas de cotas fixas, o artigo 31 da Lei nº 13.756/18, preservado pela MP nº 1.182/2023, reforçou que, sobre os ganhos obtidos com prêmios de loteria de apostas de quota fixa incidirá imposto de renda na forma prevista no artigo 14 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, observado para cada ganho o disposto no artigo 56 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Na verdade, conforme informado pelo Ministro da Fazenda, por volta de 70% (setenta por cento) dos prêmios obtidos por meio de apostas esportivas on-line são inferiores ao valor que ultrapassa a faixa de isenção prevista no artigo 56 da Lei nº 11.941/ 2009 [11]. Isso significa que a grande maioria dos apostadores não precisa pagar imposto de renda sobre os seus ganhos, beneficiando-se da isenção em relação a cada prêmio obtido nas apostas [12]. Em consequência disso, os valores de prêmios superiores à R$ 2.112 devem ser oferecidos à tributação do IRPF, sob uma alíquota de 30%, retido exclusivamente na fonte pelo agente operador [13] e repassado ao Fisco na data do pagamento, não integrando, assim, a base de cálculo do regime anual de tributação (Dirpf). Essa medida visa concentrar a tributação sobre valores mais elevados, em atenção aos princípios da capacidade contributiva e progressividade do IRPF, excluindo a responsabilidade do contribuinte diante da ausência de retenção e recolhimento do imposto. Por outro lado, em caso de prejuízos oriundos de outras apostas, não existe a possibilidade de compensação, visto que na retenção exclusiva na fonte, ocorre o encerramento da obrigação tributária pelo próprio pagamento do tributo, ao contrário do regime de retenção por antecipação, onde o valor pode ser utilizado para abater o montante do IRPF final pago ao longo de um período determinado. O contribuinte, por sua vez, apesar de não possuir obrigação de calcular e pagar o tributo, deve informar que ocorreu a retenção de imposto de renda na fonte, declarando na ficha de Rendimentos Sujeitos à Tributação Exclusiva na Declaração de Ajuste Anual do IRPF, relativo ao ano exercício correspondente [14]. Nesse caso, apesar de não integrar o cálculo do Ajuste Anual é importante constar essa informação na Dirpf, tendo em vista que representa uma variação de patrimônio. Com relação a alíquota, o legislador optou por aplicar a técnica da extrafiscalidade devido aos custos sociais que podem surgir por ocasião da regulamentação do mercado, como por exemplo, problemas patológicos associados à dependência em apostas esportivas [15], que pode ocasionar elevação de gastos no sistema público de saúde. Essa preocupação, inclusive, encontra-se prevista no §1º do artigo 33, da MP nº 1.182/2023: "[...] § 1º O agente operador da loteria de aposta de quota fixa promoverá ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, por meio da elaboração de códigos de conduta e da difusão de boas práticas, na forma estabelecida em regulamentação do Ministério da Fazenda. [...]". Por essa perspectiva, o Estado deve tributar em patamares mais elevados atividades consideradas supérfluas ou não essenciais à vida humana, estimulando ou inibindo condutas para atingir determinada finalidade de natureza social, econômica, ambiental, entre outras previstas na Constituição [16]. Sendo assim, a despeito do que vem sendo informado pela mídia em geral, a tributação sobre os prêmios em dinheiro de apostas esportivas não é novidade no Brasil, contudo, com edição da MP nº 1.182/2023, existe a expectativa da regularização efetiva do setor, aumentando o monitoramento, controle e fiscalização por parte do Estado e, por consequência, reduzindo a possibilidade da fonte pagadora deixar de efetuar a obrigação de retenção e recolhimento do IRPF, que somados aos outros tributos previstos na legislação, possui potencial de arrecadação entre R$ 3 bilhões a R$ 6 bilhões em 2024 [17]. [4] Art. 4º, I, do Código Tributário Nacional: Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; [...] Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em 25/08/2023.
2023-09-10T15:16-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-10/guilherme-lima-tributacao-premios-apostas-on-line
tributario
Elas por elas
Troca de carta de fiança por seguro-garantia não exige acréscimo
A substituição da carta de fiança bancária pelo seguro-garantia em execução fiscal não necessita de acréscimo de 30% sobre o valor da dívida. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou pedido feito em recurso pelo Ibama. O órgão é credor de um débito de R$ 6,2 milhões, devidamente inscrito em dívida ativa. O devedor, um banco, inicialmente ofereceu carta de fiança bancária no valor de R$ 6,7 milhões. Depois, solicitou a substituição por seguro-garantia, mas sem acréscimo de 30%. As instâncias ordinárias autorizaram a substituição, por entender que a carta de fiança e o seguro-garantia são instrumentos equivalentes para assegurar o feito executivo, não havendo prejuízo ao exequente no deferimento do pleito de substituição. Ao STJ, o Ibama apontou ofensa ao artigo 656, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 1973. A norma diz que a penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro-garantia judicial, desde que acrescida em 30% do valor do débito. Relator da matéria, o ministro Francisco Falcão observou que o artigo 656 do CPC de 1973 regula uma situação distinta da apresentada nos autos, pois não se trata de substituição da penhora. No caso, a garantia original oferecida foi a carta de fiança bancária. Além disso, a Lei de Execução Fiscal equiparou o oferecimento da fiança bancária à apresentação inicial de seguro-garantia em seu artigo 9º, inciso II. E o parágrafo 3º diz que a garantia do feito executivo pode ser uniformemente alcançada por depósito em dinheiro, fiança bancária, seguro-garantia e penhora. Por fim, a Portaria 440/2016, editada pela Advocacia-Geral da União para regulamentar as condições de aceitação da fiança bancária e de seguro-garantia pela Procuradoria-Geral Federal, fixou que é indevida a exigência de acréscimo de 30% sobre o valor da dívida. "Seja pela previsão normativa contida em lei (artigo 9º da Lei 6.830/1980), seja em decorrência de regulamentação editada pela própria Advocacia-Geral da União (Portaria 440/2016), é visível a fragilidade da presente insurgência recursal", concluiu o ministro Falcão. Com isso, ele aplicou a Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual é inadmissível o recurso quando a deficiência na sua fundamentação não permite a exata compreensão da controvérsia. O recurso, portanto, não foi conhecido pela 2ª Turma do STJ. A votação foi unânime. Clique aqui para ler o acórdão REsp 1.887.012
2023-09-10T14:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-10/troca-carta-fianca-seguro-garantia-nao-exige-acrescimo
tributario
Opinião
Jorge e Alves: Reforma e a classificação fiscal de mercadorias
O texto da reforma tributária aprovado na Câmara dos Deputados (PEC nº 45/2019) extingue o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS em prol da instituição da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e do Imposto Seletivo (IS), com o objetivo de promover a simplificação da tributação sobre o consumo. O pressuposto da reforma é que a CBS e o IBS tenham uma alíquota única, ressalvada a possibilidade de fixação, em alguns casos, de uma redução de 60% ou 100% (ou isenção); e que o IS incida sobre a produção, comercialização ou importação de determinados bens e serviços, tidos como prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos da lei que o instituirá, sem limitações quanto ao número de alíquotas. Diante disso, é da maior relevância debater o impacto desse projeto de reforma sob a ótica da classificação fiscal de mercadorias. Isso porque a proposta em debate carrega uma certa ambivalência em torno da questão. De um lado, ela tem o potencial de reduzir significativamente o contencioso relativo ao tema, especialmente em relação ao IPI (que seria extinto). Por outro lado, ela pode ensejar novas discussões em relação aos bens sujeitos às alíquotas reduzidas da CBS e do IBS, ou sujeitos à incidência do IS. Ademais, diversas discussões hoje existentes sobre as operações de importação e, em menor grau, de exportação, permanecerão. A classificação fiscal de mercadoria é baseada no Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (SH). Trata-se de um sistema composto por seis dígitos, que segrega os produtos com base em suas características, composição, destinação, seguindo uma ordem numérica crescente de participação humana na criação do bem — indo do produto menos para o mais sofisticado — que é atualizada a cada cinco anos pela Organização Mundial das Aduanas (OMA). Esse sistema é base para a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), utilizada no bloco para questões relacionadas ao comércio exterior, e para a Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi), ambas compostas por 8 dígitos, dos quais os 6 primeiros correspondem à codificação do Sistema Harmonizado. Diante do iminente fim do IPI, e, por consequência, da Tipi e de suas múltiplas alíquotas, é de se esperar que a simplificação prometida pela reforma atenue as discussões de classificação fiscal. Ao prever a fixação de uma alíquota de referência para o IVA dual, ainda que com algumas exceções, a reforma poderá reduzir o contencioso administrativo e judicial em relação às controvérsias de classificação e consequente diferença de tributos, com o desincentivo a planejamentos tributários visando a reclassificação de um produto para um código que traga uma alíquota reduzida. Um clássico exemplo é o de um chocolate, cuja alíquota de IPI era de 5% por ser considerado bombom, mas que, após sua reclassificação para wafer, passou a ser zero. Aqui, vale o destaque de que a mudança de classificação não depende unicamente da embalagem ou do nome comercial dado ao produto, sendo imprescindível a alteração de sua composição. Com a redução a zero do IPI a partir de 2027, esse planejamento tributário sequer seria necessário, já que não traria vantagens fiscais. Por outro lado, a previsão de redução da alíquota do IBS e da CBS para dispositivos médicos, medicamentos, produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura, insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal poderá atrair novos litígios. Isso porque é provável que a legislação infraconstitucional traga taxativamente as NCMs que estarão sujeitas à alíquota reduzida, com o potencial de discussão do enquadramento de determinados produtos para fins de aproveitamento da menor carga tributária. Tome-se, mais uma vez como exemplo, a controvérsia já analisada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre a classificação do produto conhecido como "leite de rosas". Naquela oportunidade, a Receita Federal defendia que o produto era uma loção embelezadora, enquanto o contribuinte o enquadrava como desodorante, cuja NCM é diferente. A partir da análise da composição do produto, que continha um antisséptico inibidor do crescimento de bactérias e fungos, o Carf entendeu que essa era a característica essencial do leite de rosas, o que denotaria sua natureza de desodorante, embora também possuísse propriedades destinadas ao cuidado da pele. Trazendo essa discussão para o contexto da reforma, é possível que produtos desse tipo, uma vez classificados como desodorante, sejam enquadrados como um produto de higiene pessoal, com uma menor carga tributária. Não bastasse isso, o IS também poderá gerar controvérsias. O tributo integrará a base de cálculo do IBS e da CBS, sendo que o formato atual da redação do dispositivo não sinaliza se sua alíquota será única ou específica para cada produto. Aqui, também é provável que a legislação traga um rol taxativo de quais bens estarão sujeitos à incidência do imposto (e, conforme o caso, a sua respectiva alíquota), tomando como base a sua classificação fiscal. Imagine-se, por exemplo, que a NCM referente às armas esteja sujeita à incidência desse imposto. Contudo, discute-se judicialmente se "granadas de efeito moral" — artefatos de tecnologia não letal — devem ser classificadas como artigos de pirotecnia ou em NCM relativa a bombas e granadas. No primeiro caso, estariam fora da incidência do imposto, ao passo que, se consideradas como armas, poderiam estar dentro do campo de incidência do imposto. Além dos desafios acima, a classificação fiscal continuará sendo objeto de controvérsias específicas nas operações de comércio exterior. A um, porque a NCM continuará relevante para a determinação da alíquota do Imposto de Importação (II), não abrangido pela PEC nº 45/2019, e que ainda traz inúmeras alíquotas diferentes para as mercadorias existentes. Assim, litígios relacionados à classificação fiscal e à consequente diferença de II ainda representarão grande parcela do contencioso aduaneiro. Destaque-se que as alíquotas do Imposto de Importação são baseadas na Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC) e, assim como a NCM, dependem de negociações internacionais para sua modificação, de modo que a PEC nº 45/2019 sequer poderia ser o instrumento adequado para regular eventual simplificação. A dois, porque as exigências decorrentes de reclassificações fiscais de mercadorias não se restringem à diferença de tributos entre um produto e outro, atendendo também ao controle aduaneiro. A correta classificação nas operações de comércio exterior é relevante para fins regulatórios, determinando, por exemplo, a exigência de anuência de órgãos como Anvisa, Ibama, Inmetro e Exército para a importação ou exportação de determinados produtos. Tal aspecto é imprescindível para o controle sanitário, ambiental e de segurança dos bens em circulação no país e não pode ser simplificado por meio de um tratamento único a todas as mercadorias importadas ou exportadas. Hoje, o mero erro de classificação enseja a cobrança da multa de 1% sobre o valor aduaneiro da mercadoria por declaração inexata, independentemente da existência de tributos ou de impactos sobre licenças de importação, ainda que se conteste se tal penalidade não deveria ser aplicada apenas em casos de erros reiterados ou de intenção fraudulenta. Por fim, e considerando que a PEC nº 45/2019 prevê a manutenção de regimes aduaneiros especiais, a classificação fiscal poderá continuar sendo relevante para a utilização ou descaracterização de alguns regimes específicos (caso, por exemplo, do Repetro-Sped). A PEC nº 45/2019 traz alterações significativas e tem como pedra de toque a simplificação e uniformização da tributação sobre o consumo. Ainda assim, as controvérsias de classificação fiscal continuarão presentes no contencioso, sobretudo porque as exigências fiscais nascem de divergências relacionadas ao enquadramento da mercadoria — e isso provavelmente não deixará de existir nem mesmo no sistema tributário mais simplificado.
2023-09-10T13:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-10/jorge-alves-reforma-classificacao-fiscal-mercadorias
tributario
Processo Tributário
STF, precedente, coisa julgada e os efeitos retroativos
Uma das discussões mais polêmicas deste ano envolveu as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos recursos extraordinários nº 949.297 e nº 955.227 — Temas 881 [1] e 885 [2] respectivamente. Tomados como precedentes vinculantes, uma vez que julgados com o reconhecimento de repercussão geral da matéria, neles foi fixada a tese de que as decisões do STF em controle concentrado (ação direta de inconstitucionalidade ou declaratória de constitucionalidade) ou difuso (via recurso extraordinário com repercussão geral) sustam os efeitos futuros da coisa julgada formada em ações que tenham como objeto relações jurídicas de trato continuado [3]. Ao contrário do que foi amplamente divulgado, a discussão não girou em torno da flexibilização da coisa julgada propriamente dita, a qual, de fato, no caso concreto e consoante o entendimento manifestado pelo STF, foi preservada. Em nossa opinião, a questão posta para apreciação nos referidos recursos versou sobre os limites da aplicação de precedentes vinculantes formados nos tribunais superiores. Isto se confirma porque o julgamento desse assunto somente foi conhecido e analisado pelo STF quando demonstrado que se tratava do "impacto de um precedente proferido pelos tribunais superiores em decisões judiciais transitadas em julgado", ou seja, matéria constitucional. A anunciada ideia de "flexibilização da coisa julgada" é algo que já se encontrava presente normativamente, conforme assegurado no código de processo civil de 2015 pelas vias da ação rescisória (artigo 966), da impugnação rescisória ao cumprimento de sentença contra a fazenda pública (artigo 535) ou da ação revisional (artigo 505, inciso I). Desta forma, a decisão do STF apenas fixou parâmetros sobre o impacto da decisão em controle de constitucionalidade sobre os efeitos prospectivos decorrentes de decisão transitada em julgado em relações jurídicas de trato continuado. Contudo, o ponto de relevante objeção trata dos efeitos dos julgamentos vinculantes, sobre matéria tributária em si (ante o objeto desta coluna), nos casos individuais. Isto porque, foi reconhecido que o entendimento manifestado pelo STF acerca da (in)constitucionalidade teria o mesmo efeito de uma regra-matriz de incidência tributária nova e, por isso, concluiu-se que a decisão do STF deve respeitar os princípios da irretroatividade e anterioridade anual e/ou nonagesimal, conforme a espécie do tributo analisado. Embora os acórdãos proferidos nos referidos recursos extraordinários tenham enunciado de modo claro os efeitos prospectivos da decisão, ainda permanece dúvida sobre a necessidade de ajuizamento de ação rescisória para desconstituir o resultado da decisão transitada em julgado, uma vez que a constitucionalidade do tributo específico discutido foi reconhecida no ano de 2007 — lembre-se: o caso tratou da exigência de CSLL. Partindo do que sugere a manifestação do STF respeitados os princípios da anterioridade e irretroatividade, a CSLL passou a ser exigível daqueles contribuintes que tinham coisa julgada em seu favor? Seria necessário o ajuizamento de ação rescisória para afetar o período entre a formação da coisa julgada e a manifestação do STF em 2007? Quando começaria a contar o prazo de dois anos: do trânsito em julgado da decisão proferida no processo individual, do julgamento sobre a (in)constitucionalidade do tributo ou do trânsito em julgado desse julgamento no STF? Pois bem, ao proferir o julgamento dos Temas 881 e 885, os ministros entenderam pela não modulação dos efeitos da decisão proferida e apontaram a aplicabilidade do artigo 535, § 8° do código de processo civil ao caso, aplicando o entendimento pacificado na tese do Tema 360 [4] em sede de repercussão geral, o qual confirmou a constitucionalidade do artigo 535, §5° do CPC, que permite mecanismo rescisório para arguir inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou fundado em aplicação/interpretação da lei ou ato normativo tido pelo Supremo como incompatível com a Constituição em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. Já o referido artigo 535, § 8° do CPC estabelece que se a decisão proferida pelo STF for posterior ao trânsito em julgado da decisão na ação individual, sua rescisão supõe a propositura de ação rescisória em "prazo contado da decisão proferida pelo Supremo". Ocorre que, conforme manifestação do ministro Luiz Fux durante o julgamento do Tema 881 do STF, somente seria possível o ajuizamento de ação rescisória fundada em declaração de inconstitucionalidade de modo a retroagir os efeitos da decisão, se e somente se, a decisão de inconstitucionalidade surgir dentro do prazo bienal da decisão transitada em julgado, uma vez que não existe rescisória atemporal. Em suas palavras [5]: "O que a comissão entendeu foi que essa decisão de declaração de inconstitucionalidade deveria vir no prazo bienal, porque senão teríamos uma ação rescisória atemporal. Veja que a interpretação é equivocada, tanto que o Ministro Gilmar já anunciou que não concorda com esse dispositivo, porque ele daria chance à Fazenda, a qualquer momento que for declarada a inconstitucionalidade, daqui a 20 anos, de promover a rescisória. Entretanto, não é isso que diz a lei. A lei diz que, se a decisão de inconstitucionalidade surgir nesse prazo bienal da rescisória, aí efetivamente poder-se-ia propor uma ação rescisória fundada nessa declaração de inconstitucionalidade. Porque a lei não previa uma ação rescisória atemporal. Não é isso. Não teria nem lógica". Em complemento, o ministro Luiz Fux apontou que, assim como se dá com as leis, apesar da eficácia expansiva do precedente vinculante, seus efeitos não podem retroagir, como, em nossa opinião, deu-se com a manifestação firmada no julgamento dos Temas 881 e 885, tendo em vista que o STF reconheceu a constitucionalidade da cobrança de CSLL em 2007 e a definição sobre o impacto do precedente vinculante restou definido apenas em 2023 (16 anos depois!). É possível constatar que a discussão pode colocar em risco a segurança jurídica e a expectativa de direitos assegurados judicialmente quando se passa a admitir a exigência de tributos referentes a um passado que o contribuinte acreditava estar estabilizado normativamente. Por isto a importância do julgamento dos embargos de declaração opostos pelos amicus curie contra o acórdão proferido no recurso extraordinário 949.297/CE (Tema 881/STF), a fim de estancar a obscuridade incorrida no julgamento, com o objetivo de se esclarecer a questão da eficácia efetivamente prospectiva ao julgado. A referida questão merece detido cuidado por parte do STF para descontinuar a exacerbada litigiosidade que rege as relações entre fisco e contribuinte, bem como concretizar os pilares do CPC/2015 da estabilidade, efetividade, cooperação, consensualidade e desjudicialização. Resta à comunidade jurídica aguardar a decisão dos embargos de declaração do STF, incumbido de prestar os devidos esclarecimentos a respeito das delimitações temporais das manifestações em controle de constitucionalidade sobre decisões individuais com trânsito em julgado em todo o âmbito nacional. Em suma, agora a árdua tarefa do STF é "desvelar" o quebra cabeça do conceito de irretroatividade e a necessidade, ou não, de ajuizamento de ação rescisória com o objetivo de retroagir os efeitos de decisão proferida pelo STF, observado o prazo bienal contado da decisão transitada em julgado proferida no processo individual (artigo 975 do CPC) ou do trânsito em julgado do acórdão em controle de constitucionalidade (artigo 535, § 8º do CPC). A necessidade de tal definição é, não temos dúvida, consequência direta do tempo que se leva para definir as questões tributárias neste país. [1] Tema 881: "Limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado". [2] Tema 885: "Efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade sobre a coisa julgada formada nas relações tributárias de trato continuado". [3] O caso concreto se refere a hipótese de contribuinte que obteve decisão judicial transitada em julgado em seu favor, pela via de em ação individual, afastando seu dever de recolher a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), no qual restou reconhecida a inconstitucionalidade da lei federal n° 7.689/1988 que instituiu essa contribuição. Contudo, em 2007, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 15/DF, o STF declarou a constitucionalidade da referida lei. [4] Tema 360:: São constitucionais as disposições normativas do parágrafo único do art. 741 do CPC, do § 1º do art. 475-L, ambos do CPC/73, bem como os correspondentes dispositivos do CPC/15, o art. 525, § 1º, III e §§ 12 e 14, o art. 535, § 5º. São dispositivos que, buscando harmonizar a garantia da coisa julgada com o primado da Constituição, vieram agregar ao sistema processual brasileiro um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças revestidas de vício de inconstitucionalidade qualificado, assim caracterizado nas hipóteses em que (a) a sentença exequenda esteja fundada em norma reconhecidamente inconstitucional, seja por aplicar norma inconstitucional, seja por aplicar norma em situação ou com um sentido inconstitucionais; ou (b) a sentença exequenda tenha deixado de aplicar norma reconhecidamente constitucional; e (c) desde que, em qualquer dos casos, o reconhecimento dessa constitucionalidade ou a inconstitucionalidade tenha decorrido de julgamento do STF realizado em data anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. [5] Fls. 3 do inteiro teor do acórdão proferido no julgamento do Recurso Extraordinário 949.297/CE (Tema 881 do STF).
2023-09-10T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-10/processo-tributario-stf-precedente-coisa-julgada-efeitos-retroativos
tributario
Opinião
Mariana Dias: Perda da pretensão punitiva em crimes tributários
Recentemente, em Plenário Virtual ocorrido nos dias 04 a 14 de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.273 e decidiu, por unanimidade, pela constitucionalidade dos artigos 67 a 69 da Lei nº 11.941/2009 [1] e do artigo 9º, §§1º e 2º, da Lei nº 10.684/2003 [2]. Os referidos artigos preveem a obrigatoriedade da suspensão da pretensão punitiva estatal em razão do parcelamento dos tributos e da extinção da punibilidade do agente caso seja realizado o pagamento integral do débito parcelado. Nesse contexto, a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada no ano de 2009 pela Procuradoria-Geral da República, que argumentou que os mencionados dispositivos estariam em dissonância com os princípios da justiça, equidade e proporcionalidade, especificamente com os artigos 3º, I a IV, e 5º, caput, da Constituição Federal, que preconizam, in verbis: "Artigo 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (...) Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". Sob esta ótica, sustentou que as normas questionadas não protegem o sistema essencial para a arrecadação tempestiva e esperada dos recursos, favorecendo os indivíduos que não fazem o pagamento no momento e do modo correto. Ademais, alegou que, sem o efeito intimidador da pena, estaria comprometida a arrecadação de tributos e contribuições previdenciárias e, por consequência, o objetivo do Estado brasileiro de construir uma sociedade justa, fraterna e igualitária. Tais argumentos, entretanto, não condizem com a realidade dos fatos. Conforme acertadamente decidiu o STF, a previsão de suspensão da pretensão punitiva e extinção da punibilidade por ocasião, respectivamente, do parcelamento e do pagamento integral do débito não apenas não frustra os objetivos da República previstos no texto constitucional, como contribui para a sua concretização. Resta cristalino que o legislador, ao redigir as Leis nº 11.941/2009 e 10.684/2003, optou pela política arrecadatória em detrimento da aplicação das sanções penais, o que guarda conformidade com os princípios que a Procuradoria-Geral da República objetivou proteger com o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Primeiramente, o pagamento dos débitos tributários e, consequentemente, a arrecadação de recursos pelo Estado, garante os objetivos fundamentais previstos no artigo 3º, I a IV, da Constituição Federal, possibilitando 1) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; 2) a garantia do desenvolvimento nacional; 3) a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como redução das desigualdades sociais e regionais; e 4) a promoção do bem de todos, sem qualquer discriminação. Nesse ponto, ressalta-se que é comum que os devedores não tenham condições de arcar com o débito de forma integral e imediata, de modo que o parcelamento se torna um meio para alcançar o recolhimento dos tributos pelo Estado e, ainda, possibilitar que pequenos e médios empresários permaneçam no mercado, livres de dívidas tributárias e, ainda mais importante, de ações penais em seu desfavor. Em segundo lugar, a intervenção penal deve ocorrer tão somente quando absolutamente necessária, isto é, quando não houver outros meios e ramos do Direito para proteção dos bens jurídicos. Acerca do tema, leciona o doutrinador Luiz Regis Prado: O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade decorrente das ideias de necessidade e de utilidade da intervenção penal, presentes no pensamento ilustrado, estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais. Nesses termos, a intervenção da lei penal só poderá ocorrer quando for absolutamente necessária para a sobrevivência da comunidade — como ultima ratio legis —, ficando reduzida a um mínimo imprescindível. E, de preferência, só deveria fazê-lo na medida em que for capaz de ter eficácia [3]. Na mesma perspectiva, Claus Roxin explica que a intervenção mínima do Direito Penal deriva do princípio da proporcionalidade, que, por sua vez, deriva do Estado de Direito Constitucional [4]. Vê-se, dessa maneira, que a preferência do legislador na arrecadação tributária em substituição à aplicação da sanção penal, como, por exemplo, da pena privativa de liberdade, está em harmonia com o princípio da proporcionalidade. Isto porque, conforme mencionado durante o julgamento da ADI nº 4.273, não basta analisar a proporcionalidade puramente sob a ótica da proibição de proteção deficiente, sendo indispensável o exame através do outro extremo, qual seja, a proibição do excesso. No caso, a opção do legislador de suspender e, posteriormente, extinguir a punibilidade do agente em razão do pagamento integral do débito mostra-se suficiente e adequada para proteger o bem jurídico tutelado pelos tipos penais contra a ordem tributária, o qual, a nosso ver, se pauta na arrecadação tributária. Não é outro, aliás, o entendimento de Heloísa Estellita Salomão, vejamos: "A arrecadação tributária, porém, entendida como instrumento de formação de receita pública e de consecução e implemento das metas socioeconômicas definidas na Constituição, através da percepção dos tributos instituídos e cobrados em conformidade com as normas e valores constitucionais, representa um valor superindividual, com relevância constitucional e indiretamente reconduzível à pessoa humana, tendo aptidão, portanto, para a sua tutela mediante o emprego da sanção penal, ou seja, sob o ângulo do merecimento de pena" [5]. Acerca do tema e especificamente quanto à impossibilidade de se empregar a sanção penal automaticamente, a doutrinadora segue explicando: "Não se deve descurar, porém, de que o merecimento de pena é insuficiente, por si só, para fundamentar o emprego da sanção penal na tutela do bem jurídico-penal. Impõe-se, ainda, que se comprove a necessidade de pena, isto é, a comprovação da insuficiência de outras espécies de sanção na proteção do bem, e a danosidade social da conduta que se extrai da concorrência da gravidade acentuada do ataque (ameaça ou lesão) a um bem jurídico-penal" [6]. O Estado não deve, portanto, se valer de sanção mais gravosa se o adimplemento da dívida se mostra suficiente para proteger o bem jurídico tutelado, a fim de se evitar o excesso de proteção e de meios utilizados para tal. Por sua vez, a suspensão da pretensão punitiva devido ao parcelamento do débito é uma hipótese de extrema importância para garantir que não somente aqueles que tenham condições para fazer o pagamento integral de forma imediata sejam alcançados pela possibilidade de extinção de punibilidade, mas também aqueles que não possuem condições financeiras para arcar com os referidos custos, mas se prontifiquem a pagá-lo a curto, médio ou longo prazo, excluindo-se o prejuízo estatal. A rigor, se a persecução penal por si só não resolve o problema da sonegação fiscal, os dispositivos legais no bojo da ADI são, em muitos casos, instrumentos de grande valia para o alcance da justiça fiscal e da arrecadação tributária. Nesta toada, o STF, ao decidir acerca da constitucionalidade da suspensão e da perda da pretensão punitiva em razão do parcelamento e pagamento integral do débito, precisou se questionar acerca do que seria melhor para os interesses do Estado, o ônus de mais um encarcerado e/ou processado criminalmente por uma dívida que pretendia pagar, ou o recebimento do valor devido, ainda que a curto, médio ou longo prazo? Conforme entendimento exarado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.273, o pagamento do débito tributário é muito mais útil para a sociedade do que a mera penalização do devedor. Diante do exposto, diferentemente do pretendido pela Procuradoria-Geral da República, é evidente que a decisão colegiada do STF no que tange à constitucionalidade da suspensão e da perda da pretensão punitiva em razão do parcelamento e pagamento integral do débito para crimes tributários se encontra em consonância com os objetivos fundamentais da República e com os princípios da proporcionalidade, igualdade e mínima intervenção do Direito Penal, sendo de grande valia para a jurisprudência nacional. [1] Artigo 67. Na hipótese de parcelamento do crédito tributário antes do oferecimento da denúncia, essa somente poderá ser aceita na superveniência de inadimplemento da obrigação objeto da denúncia. Artigo 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1o e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos artigos 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os artigos 1o a 3o desta Lei, observado o disposto no artigo 69 desta Lei. Parágrafo único. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. Artigo 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no artigo 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. [2] Artigo 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos artigos 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. §1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. §2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. [3] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral: artigos 1º a 120. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. E-book. [4] ROXIN, Claus. Derecho penal: parte general: fundamentos, la estrutura de la teoria del delito. Tradução e notas por Diego-Manuel Luzón Peña; Miguel Díaz y Garcia Conllendo; Javier de Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997. p. 65-66. [5] SALOMÃO, Heloísa Estellita. A tutela penal e as obrigações tributárias na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 188. [6] SALOMÃO, Heloísa Estellita. A tutela penal e as obrigações tributárias na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 188-189.
2023-09-10T07:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-10/mariana-dias-perda-pretensao-punitiva-crimes-tributarios
tributario
Opinião
Carlos Chitão: Embargos à execução em caso de fiança bancária
Previsto dentre as garantias creditícias em favor da Fazenda Pública, o processo de execução fiscal, regido por lei específica — Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal), prevê uma série de garantias e privilégios processuais ao ente público, visando à satisfação do crédito regularmente inscrito em dívida ativa. Dentre tais privilégios, destaca-se a previsão de que só será cabível embargos à execução após a garantia do juízo (artigo 16, § 1º, da LEF), o que não guarda similaridade nas execuções comuns. No ponto, a despeito de já haver jurisprudência relativizando tal imposição (a exemplo do decidido no REsp 1.487.772-SE, caso "comprovado inequivocadamente que o devedor não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo" [1]), para os fins que se prestam o presente artigo, trabalharemos com a regra geral de que a garantia do juízo é pressuposto de admissibilidade dos embargos à execução fiscal. Aliás, em relação aos embargos, a doutrina há muito se pacificou no sentido de que, embora apresente incontestável ligação instrumental com a execução fiscal de que decorre, a sua natureza jurídica é de ação de conhecimento, proposta com o fim de se opor à demanda executiva em curso, sendo a defesa por excelência em tal procedimento (embora caiba, a teor da Súmula 393 do STJ, a exceção de pré-executividade, a qual não será abordada no presente estudo). Pois bem, vencidas tais premissas iniciais, analisemos a questão acerca do prazo legalmente previsto — 30 dias — para o oferecimento dos embargos à execução fiscal, especialmente quanto aos termos iniciais da contagem. Para tanto, valho-me da redação do artigo 16 da LEF: "Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: I - do depósito; II - da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia; (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014) III - da intimação da penhora" [2]. De maior relevo para a finalidade do artigo, cingiremos a análise quanto aos marcos iniciais previstos nos incisos II e III, porque, segundo a redação legal, apresentam diferentes tratamentos, embora se constatem divergências interpretativas na sua aplicação no cotidiano prático no âmbito do Poder Judiciário. Inicialmente, nota-se que, na sua redação originária de 1980, o artigo 16, II, da LEF previa apenas a modalidade "fiança bancária", sendo que o cabimento do "seguro garantia" fora incluído apenas com a Lei nº 13.043 de 2014 (BRASIL, 2014). Inclusive, previamente à inclusão da nova modalidade, havia jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que não reconhecia seu cabimento (a exemplo do decidido no REsp 1.508.171-SP, no sentido de que "A jurisprudência do STJ, em atenção ao princípio da especialidade, era no sentido do não cabimento, uma vez que o art. 9° da LEF não contemplava o seguro-garantia como meio adequado a assegurar a Execução Fiscal" [3]). Ademais, no panorama atual, a discussão acerca das modalidades não apresenta grande relevância, porque superada pela precitada lei que incluiu tal previsão. Entretanto, entrando no cerne do presente trabalho, constata-se uma problemática acerca do início da contagem do prazo para a apresentação dos embargos à execução fiscal em se tratando da garantia do juízo prevista no artigo 16, II, da LEF, seja fiança bancária, seja seguro garantia. Tal problemática surge a partir da redação expressa do inciso (II) em comento, especialmente da sua leitura conjugada com o seu inciso posterior (III). No caso do segundo inciso, o prazo teria seu início na "juntada da prova" da fiança bancária ou do seguro garantia, enquanto que, no terceiro inciso, o termo inicial previsto seria a "intimação" da penhora. Ora, primae face, não parece que a norma quis igualar o termo inicial de tais modalidades da garantia de juízo, caso contrário o teria feito. Assim, em interpretação literal, é possível afirmar que, no segundo inciso, o dia do começo da contagem do prazo é o da juntada da respectiva garantia aos autos da execução, independente de qualquer outro ato processual posterior. Ao caso do terceiro inciso, por seu turno, deveria ser obedecido, previamente, o rito procedimental da penhora e, apenas com sua concretização e posterior intimação do executado, teríamos o dia do começo do prazo para os embargos. Entretanto, dada a importância da temática para a prática forense, porquanto é questão atinente à tempestividade dos embargos, verifica-se que algumas varas especializadas de execução fiscal, em seu cotidiano, passaram a unificar o tratamento de ambos incisos, prevendo a redução a termo de penhora daquelas garantias previstas no inciso segundo, o que, invariavelmente, instaurou a celeuma acerca de qual seria o termo inicial da contagem dos embargos à execução fiscal. A questão foi analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, que apresentou oscilações de entendimento, conforme bem apontado por Humberto Theodoro Júnior: "A orientação que predominou no STJ, durante algum tempo, era no sentido de que, no caso de depósito e de fiança, que são atos de iniciativa do executado, 'a lei não se refere à intimação', de sorte que o prazo corre do próprio depósito ou da data da juntada da carta de fiança; 'efetuado o depósito judicial do numerário em nome do exequente, a partir dali conta-se o prazo para embargar, independentemente de lavratura de termo de nomeação, desnecessário para o caso'. 'O prazo para oposição dos embargos do devedor se conta a partir do depósito, e não da juntada do respectivo comprovante dos autos (Lei n. 6.830/80, art. 16, I)'. Depois de grande controvérsia interna, a interpretação do art. 16, I, da Lei n. 6.830/80, acabou sendo dada pela Corte Especial do STJ, nos seguintes termos: “Feito depósito em garantia pelo devedor, deve ser ele formalizado, reduzindo-se a termo. O prazo para oposição de embargos inicia-se, pois, a partir da intimação do depósito”. Já anteriormente, a mesma tese fora consagrada pela 1ª Seção do STJ. Portanto, mesmo não havendo, in casu, termo de penhora, porque a garantia por depósito do valor da execução não representa uma penhora na sistemática da LEF, ainda assim, a garantia tem de ser documentada no processo; e é do termo que a documenta que o executado deve ser intimado, fluindo dessa intimação o prazo para oposição de embargos. Essa orientação é definida pela Corte Especial do STJ. Entendendo que da intimação da penhora deve constar, expressamente, a advertência do prazo para o oferecimento dos embargos. Essa interpretação está longe de se manter pacífica no próprio STJ, pois a 2ª Seção tem entendimento firmado após o decidido pela Corte Especial (EREsp 1.062.537/RJ), no sentido de que, in casu, o prazo para embargos deverá ser iniciado na data em que efetuado o depósito judicial. Procedente, portanto, a advertência de que a exigência de termo, feita pela Corte Especial do STJ, se justifica quando haja penhora, não quando a execução fiscal seja garantida por depósito judicial de iniciativa do próprio executado, caso em que não teria sentido adotar uma solenidade processual para intimar a parte de ato que ela mesma praticou" [4]. Dada sua recorrência e ausência de uniformidade, o tema segue sendo apreciado no âmbito dos Tribunais, nos quais se constata, ao menos no egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, uma dissonância de entendimentos. Vejamos. Conferindo interpretação literal à aplicação do dispositivo, verifica-se o seguinte precedente daquela da Primeira Turma daquela Corte Regional: "EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. SEGURO GARANTIA. TEMPESTIVIDADE. Nos termos do artigo 16, II, da Lei nº 6.830, de 1980, o prazo para oposição dos embargos inicia-se na data da juntada aos autos da prova do seguro-garantia" [5]. Entretanto, igualmente se constata a existência de julgado em sentido oposto, conforme excerto da 2ª Turma daquela corte: "TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. SEGURO GARANTIA. INDISPENSABILIDADE DA LAVRATURA DO TERMO DE PENHORA. O oferecimento de seguro garantia não dispensa a lavratura do termo de penhora e posterior intimação do executado acerca do ato, momento a partir do qual passará a fluir o prazo para oposição dos embargos. Precedentes" [6]. Com a ressalva de entendimento pessoal, no sentido de que deve prevalecer a interpretação literal do dispositivo, não cabendo ao intérprete igualar o tratamento a casos em que a própria norma apresentou diferentes termos iniciais, tenho que, na maioria dos casos práticos, a solução sequer perpassa por tal dicotomia. Explico. Tal celeuma, como regra, só tende a ocorrer pela praxe da vara especializada. Nas varas em que o entendimento é o da contagem a partir da juntada, desde já tal prazo deve ser aberto à parte. Naquelas em que se considera necessária a prévia lavratura do termo de penhora e posterior intimação do executado, a partir de então deverá contar o prazo (embora, conforme já acima ressaltado, pareça-me mais seguro ao causídico seguir a literalidade da norma). O grande problema surge quando, por situações de alteração de competência interna de instrução e julgamento — como, por exemplo, redistribuição de competência no âmbito da Justiça — a execução fiscal e respectivos embargos passam a ser analisados por magistrado distinto, o qual, por convicção jurídica interna, tem entendimento contrário ao seu antecessor em relação ao termo inicial. A exemplo, pensemos na hipótese de que, tramitando perante o juízo A (que entende por termo inicial a intimação da penhora do seguro garantia), a parte opõe os embargos à execução fiscal contando seu prazo a partir de tal intimação. Redistribuídos os feitos por, a exemplo, equalização processual, passam a tramitar perante o juízo B (que entende, em interpretação literal, que o termo é a juntada da prova, e não a intimação da penhora do seguro garantia). Questiona-se: é razoável que o juízo B reconheça por intempestivos os embargos apresentados? Pois bem, conforme já acima adiantado, tenho que, para casos tais, a solução sequer deve perpassar pela divergência existente na jurisprudência, bem pelas posições dos hipotéticos magistrados dos juízos A e B. A meu sentir, tal contexto fático-jurídico — que não raras vezes ocorre de fato — deve ser solucionado pela aplicação dos princípios regentes do processo civil contemporâneo, mormente pelo da boa-fé processual e da necessidade de proteção da confiança legítima. Quanto ao tema, vejamos a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: "A boa-fé pode ser reconduzida à segurança jurídica, na medida em que é possível reduzi-la dogmaticamente à necessidade de proteção à confiança legítima — que constitui um dos elementos do princípio da segurança jurídica — e de prevalência da materialidade no tráfego jurídico. Como elemento que impõe tutela da confiança e dever de aderência à realidade, a boa-fé que é exigida no processo civil é tanto a subjetiva como a objetiva. Ao vedar o comportamento contrário à boa-fé, o Código de 2015 impõe especificamente a necessidade de boa-fé objetiva. Comporta-se com boa-fé aquele que não abusa de suas posições jurídicas. São manifestações da proteção à boa-fé no processo civil a exceptio doli, o venire contra factum proprium, a inalegabilidade de nulidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício do direito. Em todos esses casos há frustração à confiança ou descolamento da realidade, o que implica violação ao dever de boa-fé como regra de conduta. A exceptio doli é a exceção que tem a pessoa para paralisar o comportamento de quem age dolosamente contra si. O venire contra factum proprium revela a proibição de comportamento contraditório. Traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Age contraditoriamente quem, dentro do mesmo processo, frustra a confiança de um de seus participantes. A inalegabilidade de vícios formais protege a boa-fé objetiva na medida em que proíbe a alegação de vícios formais por quem a eles deu causa, intencionalmente ou não, desde que por aí se possa surpreender aproveitamento indevido da situação criada com a desconstituição do ato. A supressio constitui a supressão de determinada posição jurídica de alguém que, não tendo sido exercida por certo espaço de tempo, crê-se firmemente por alguém que não mais passível de exercício. A supressio leva à surrectio, isto é, ao surgimento de um direito pela ocorrência da supressio. O tu quoque traduz a proibição de determinada pessoa exercer posição jurídica oriunda de violação de norma jurídica por ela mesma patrocinada. O direito não pode surgir de uma violação ao próprio Direito ou, como diz o velho adágio do common law, equity must come with clean hands. A ideia de desequilíbrio no exercício do direito revela, em seu conjunto, o despropósito entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados. Três são as manifestações do exercício desequilibrado do direito: o exercício inútil danoso, a ideia subjacente ao brocardo dolo agit qui petit quod statim redditurus est e a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular do direito e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem. A ausência de boa-fé pode levar, conforme o caso, à ineficácia do ato processual contrário à boa-fé, à responsabilização por dano processual e inclusive à sanção pecuniária. Todos os participantes do processo devem comportar-se de acordo com a boa-fé: partes, advogados, membro do Ministério Público, da Defensoria Pública e juiz. Também aqueles que participam apenas episodicamente do processo também estão sujeitos ao dever de boa-fé processual. O pedido e a sentença devem ser interpretados, ademais, conforme a boa-fé (arts. 322, § 2.º, e 489, § 3.º, do CPC)" [7]. Transmutando para aquele caso hipotético: foi em observância à conduta do juízo A que a parte embargante opôs os embargos no prazo que o fez, partindo de uma interpretação legítima de boa-fé e confiança na conduta do magistrado condutor do feito, guiando-se pelos marcos temporais apresentados pelo próprio órgão judicante. Seria violador de tais princípios a conduta do juízo B, embora partindo de determinação da norma, no sentido de reconhecer a intempestividade dos embargos, ainda que encontrando esteio em uma das correntes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no qual igualmente não há uniformidade. Se assim proceder, haverá verdadeira punição ao embargante por conduta processual baseada na prévia posição do magistrado, ofendendo claramente a boa-fé processual, especialmente na vertente da proteção à confiança legítima. Assim, para que tal cenário não tenha recorrência, entendo que deve se impor a previsão da interpretação literal da norma, não cabendo ao intérprete igualar o tratamento em circunstâncias não previstas pelo legislador. Entretanto, persistindo a existência de duas correntes na prática forense das diversas varas especializadas em execução fiscal, a questão deve ser analisada muito mais pelos princípios da boa-fé processual e na proteção da confiança legítima, ressalvado, é claro, a constatação de conduta de má-fé pelo então embargante. [1] STJ. REsp 1.487.772-SE, rel. min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em 28/05/2019, DJe 12/06/2019. [2] BRASIL, Lei nº 6.830 de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. [3] STJ. REsp 1.508.171-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/03/2015, DJe 06/04/2015. [4] JÚNIOR, Humberto T. Lei de execução fiscal. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786553620209. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553620209/. Acesso em: 26 ago. 2023. [5] TRF4, AC 5001323-24.2020.4.04.7204, relator Rômulo Pizzolatti, 2ª Turma, juntado aos autos em 13/4/2021. [6] TRF4, AG 5013498-94.2021.4.04.0000, relator Francisco Donizete Gomes, 1ª Turma, juntado aos autos em 18/6/2021. [7] ARENHART, Sérgio Cruz. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado. 3ª ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 161-162.
2023-09-11T19:24-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-11/carlos-chitao-embargos-execucao-fianca-bancaria
tributario
Opinião
Rodrigo Pires: Áreas destinadas à mineração e apuração do ITR
Iniciado o mês de setembro, ganha importância a transmissão de uma das principais obrigações instrumentais tributárias dos detentores de imóveis rurais, qual seja, a Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (DITR). Para 2023, a Instrução Normativa RFB nº 2.151/2023 definiu que a DITR deve ser apresentada até 29 de setembro de 2023 pela internet, por meio do Programa ITR 2023. Embora a apuração do ITR mereça profundos comentários em seus diversos aspectos, limitaremos nossa análise, neste momento, ao correto tratamento das áreas destinadas à mineração na apuração desse imposto. A correta apuração desse imposto é especialmente importante para o setor mineral, na medida em que, em regra, essas atividades tendem a ser exercidas em áreas rurais. A análise da regra matriz de incidência do ITR, extraída da Lei nº 9.393/1996, deixa claro que área aproveitável, que determina o Grau de Utilização/alíquota do ITR, é tão somente aquela passível de exploração agrícola, pecuária, granjeira, aquícola ou florestal. Além disso, há expressa determinação de que as áreas de que tratam as alíneas do inciso II, do § 1º, do artigo 10 (áreas não tributáveis) sejam consideradas inaproveitáveis, inclusive aquelas imprestáveis para a atividade rural. Nesse contexto, uma vez que, por sua própria natureza, as atividades de pesquisa e lavra mineral impedem que a terra seja utilizada para qualquer outro fim, é nítido que tais áreas devem ser tratadas como inaproveitáveis, para fins de cálculo do Grau de Utilização do imóvel e, consequentemente, determinação da alíquota do imposto. Além de inaproveitáveis — o que impacta a alíquota do ITR —, as áreas destinadas a atividades de pesquisa e lavra mineral também são imprestáveis para a produção rural, por sua própria natureza, que inviabiliza o exercício de qualquer atividade rural. Sendo imprestáveis para a atividade rural, as áreas de mineração não são tributáveis, resultando na necessidade de sua exclusão da apuração do imposto. Transcreve-se abaixo a redação dos dispositivos da Lei nº 9.393/1996 pertinentes à qualificação das áreas aproveitáveis, efetivamente utilizadas e tributáveis: "Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior. § 1º. Para os efeitos de apuração do ITR, considerar-se-á: II - área tributável, a área total do imóvel, menos as áreas: c) comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, declaradas de interesse ecológico mediante ato do órgão competente, federal ou estadual; IV - área aproveitável, a que for passível de exploração agrícola, pecuária, granjeira, aqüícola ou florestal, excluídas as áreas: b) de que tratam as alíneas do inciso II deste parágrafo. V - área efetivamente utilizada, a porção do imóvel que no ano anterior tenha: c) sido objeto de exploração extrativa, observados os índices de rendimento por produto e a legislação ambiental." Não bastasse a redação dos dispositivos da Lei nº 9.393/1996, especificamente para a mineração, deve ser observado o disposto no art. 8º do Decreto-Lei nº 57/1966, recepcionado pela Constituição como Lei Complementar, segundo o qual a área rural destinada a atividades de pesquisa e lavra mineral é inaproveitável para fins de lançamento do ITR: "Art 8º Para fins de cadastramento e do lançamento do ITR, a área destinada a exploração mineral, em um imóvel rural, será considerada como inaproveitável, desde que seja comprovado que a mencionada destinação impede a exploração da mesma em atividades agrícolas, pecuária ou agro-industrial e que sejam satisfeitas as exigências estabelecidas na regulamentação dêste Decreto-Lei." Sendo qualificadas como inaproveitáveis, as áreas rurais destinadas à pesquisa e lavra mineral, inclusive a extensão das benfeitorias e instalações vinculadas a essas atividades, devem (1) ser excluídas no cálculo do Grau de Utilização do imóvel, de forma a proporcionar a redução das alíquotas do ITR; e (2) ser deduzidas da área tributável, reduzindo também a base de cálculo do imposto rural, uma vez que, nos termos da Lei nº 9.393/1996, há uma correlação entre a imprestabilidade e a inaproveitabilidade. Logo, todas as áreas qualificadas como imprestáveis também serem caracterizadas como inaproveitáveis para a atividade rural, conforme dispõe o artigo 10, § 1º, II, "c", c/c V, "b", daquela lei. Porém, a RFB entende de forma diversa, exigindo que as áreas destinadas à mineração sejam consideradas como tributáveis e, ao mesmo tempo, não aproveitadas, majorando a alíquota e a base de cálculo do tributo. Ao exigir essa declaração também para as áreas de mineração, o Fisco desconsidera a existência do artigo 8º do Decreto-Lei nº 57/1966, que deve ser interpretado conjuntamente com a Lei nº 9.393/1996 (interpretação sistemática), sobretudo por se tratar de norma mais específica, já que versa expressamente sobre o tratamento das áreas de mineração no cômputo das alíquotas e da base de cálculo do ITR. Para regulamentar a Lei nº 9.393/1996, foi editado o Decreto nº 4.382/2002, cujo artigo 18, III, c/c artigo 27, restringiu o conceito de atividade extrativa — considerada como efetivamente utilizada — apenas à atividade extrativa vegetal: "Art. 18. Área efetivamente utilizada pela atividade rural é a porção da área aproveitável do imóvel rural que, no ano anterior ao de ocorrência do fato gerador do ITR, tenha (Lei nº 9.393, de 1996, art. 10, § 1, inciso V, e § 6): III - sido objeto de exploração extrativa, observados, quando aplicáveis, os índices de rendimento por produto a que se refere o art. 27 e a legislação ambiental. (...) Art. 27. Área objeto de exploração extrativa é aquela servida para a atividade de extração e coleta de produtos vegetais nativos, não plantados, inclusive a exploração madeireira de florestas nativas, observados a legislação ambiental e os índices de rendimento por produto estabelecidos em ato da Secretaria da Receita Federal, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola (Lei nº 9.393, de 1996, art. 10, § 1, inciso V, alínea "c", e § 3)". No mesmo sentido dos dispositivos supracitados, o art. 26, da Instrução Normativa SRF nº 256/2002, dispõe que apenas é atividade extrativa válida, para cálculo do ITR, aquela voltada ao extrativismo vegetal. Ademais, o seu art. 30, II, expressamente qualificou as áreas ocupadas com jazidas ou minas, exploradas ou não, como áreas não utilizadas: "Art. 30. A área não utilizada pela atividade rural corresponde ao somatório das parcelas da área aproveitável do imóvel que, no ano anterior ao de ocorrência do fato gerador do ITR, não tenham sido objeto de qualquer exploração ou tenham sido utilizadas para fins diversos da atividade rural, tais como: II - áreas ocupadas por jazidas ou minas, exploradas ou não". Além disso, tanto o Decreto nº 4.382/2002 (artigo 15), como a Instrução Normativa SRF nº 256/2002 (artigo 14, parágrafo único), expressamente condicionam a validade das áreas imprestáveis para a atividade rural à obtenção de declaração, do órgão competente, que diga que essas áreas são de interesse ecológico — o que não se aplica a áreas de mineração: Decreto nº 4.382/2002: "Art. 15. São áreas de interesse ecológico aquelas assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, que (Lei nº 9.393, de 1996, art. 10, § 1, inciso II, alíneas "b" e "c"): I - se destinem à proteção dos ecossistemas e ampliem as restrições de uso previstas nos incisos I e II do caput do art. 10; ou II - sejam comprovadamente imprestáveis para a atividade rural". Instrução Normativa SRF nº 256/2002: "Art. 14 . São áreas de interesse ecológico aquelas assim declaradas mediante ato do órgão competente, federal ou estadual, que: I - se destinem à proteção dos ecossistemas e ampliem as restrições de uso previstas para as áreas de preservação permanente e de reserva legal; ou II - sejam comprovadamente imprestáveis para a atividade rural. Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso II, as áreas comprovadamente imprestáveis para a atividade rural são, exclusivamente, as áreas do imóvel rural declaradas de interesse ecológico mediante ato específico do órgão competente, federal ou estadual". Ou seja, no que tange à apuração do Grau de Utilização do imóvel, a regulamentação dada à Lei nº 9.393/1996 impede que as áreas de mineração sejam consideradas efetivamente utilizadas, portanto, produtivas; e, ao mesmo tempo, também veda a sua exclusão da área aproveitável do imóvel. Por outro lado, uma vez que, nos termos do Decreto nº 4.382/2002 e da Instrução Normativa SRF nº 256/2002, não é possível a qualificação das áreas destinadas a atividade de mineração como imprestáveis — ante a imprescindibilidade da declaração de interesse ecológico —, tais áreas devem compor a área tributável (base de cálculo) do ITR. Esse entendimento foi oficializado pela Receita Federal do Brasil por meio da Decisão nº 195, de 18 de agosto de 1998: "ASSUNTO: Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR EMENTA: As áreas destinadas à exploração mineral (minas, lavras, jazidas, lagoas de rejeitos, oficinas, etc) são consideradas pela legislação do ITR como componentes da Área Tributável e da Área Aproveitável do imóvel, mas não como componentes de sua Área de Utilização Limitada." Outra restrição, introduzida pela Instrução Normativa SRF nº 256/2002, consiste na vedação da dedutibilidade, na apuração da alíquota do ITR, das áreas ocupadas com benfeitorias que não estejam vinculadas à atividade rural propriamente dita (artigoa 15 e 16). É dizer, as benfeitorias ligadas à atividade de mineração não são admitidas como dedutíveis na apuração das áreas não aproveitáveis. Acrescente-se à posição restritiva do Fisco que a DITR está parametrizada de forma a considerar as áreas destinadas à atividade mineral como necessariamente não utilizadas. Logo, não é possível informá-las como áreas efetivamente utilizadas (exclusivo para as áreas de exploração extrativa vegetal), tampouco como áreas não aproveitáveis, para fins de cálculo do Grau de Utilização. Por fim, não é possível exclui-las da área tributável (exclusivo para as áreas imprestáveis para a atividade rural que tenham sido declaradas de interesse ecológico), para fins de apuração da base de cálculo. Diante desse cenário, a única forma de excluir as áreas destinadas à mineração da base de cálculo do ITR é judicializando a matéria. Por se tratar de discussão exclusivamente de direito, os contribuintes têm utilizado o Mandado de Segurança como veículo processual, que é célere e não possui risco sucumbencial. Judicialmente, a despeito de os Tribunais terem enfrentado a matéria em poucas oportunidades [1], os contribuintes vêm obtendo amplo sucesso em decisões liminares [2] e sentenças [3]. Em regra, reconhece-se a vigência e aplicabilidade do artigo 8º do Decreto-Lei nº 57/1966. Além disso, vem sendo reconhecido que a exigência da Receita Federal viola a progressividade do ITR e a isonomia, ao exigir alíquotas maiores de contribuintes que estão atendendo à vocação mineral da terra e cumprindo a função social da propriedade rural. Assim, permite-se a exclusão das áreas destinadas à mineração, inclusive todas as benfeitorias, da apuração do ITR. A decisão cujo trecho segue abaixo é clara nesse sentido: "3. Diante do exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA postulada apenas para reconhecer à autora o direito de excluir as áreas destinadas à mineração, assim entendidas as destinadas efetivamente à pesquisa e lavra mineral, bem como áreas ocupadas com benfeitorias e instalações necessárias ao exercício da mineração, no cômputo das alíquotas e da base de cálculo do imposto territorial rural, mediante a sua não inclusão na área aproveitável (cálculo do grau de utilização) e na área tributável (que afeta a base de cálculo), na declaração do imposto sobre a propriedade territorial rural de 2016, e respectivo pagamento que ocorrerá até 30/9/2016, ficando ressalvada a fiscalização pela Receita Federal para verificação da extensão da área efetivamente utilizada na atividade minerária e considerada inaproveitável." (Autos nº 0057452-87.2016.4.01.3800) — (grifos do original) Diante disso, é importante que as companhias do setor mineral avaliem e revisem suas DITRs, para verificar se as áreas destinadas à mineração estão majorando indevidamente a apuração do ITR, em razão do entendimento ilegal adotado pela Receita Federal. [1] AC 0022324-29.1999.4.01.3500 / GO, Rel. JUIZ FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, 5ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.324 de 23/10/2013 [2] MS nº 1013195-59.2017.4.01.3400 e MS nº 1000329-92.2017.4.01.3311 [3] Ação Ordinária nº 0028513-41.2013.4.01.3400
2023-09-11T16:15-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-11/rodrigo-pires-areas-destinadas-mineracao-apuracao-itr
tributario
Justiça Tributária
Cost-sharing e as novas regras de preços de transferência
Meus últimos textos tiveram por objeto as questões relacionadas à reforma tributária proposta por meio da PEC nº 45, nos quais examinamos os princípios listados no que poderá vir a ser o novo § 3º do artigo 145 e o imposto seletivo, que se pretende incluir no inciso VIII do artigo 153, ambos da Constituição Federal. Contudo, sabe-se bem que esses não são os únicos temas tributários que foram alterados nos últimos meses, ou que estão em vias de modificação. Muito pelo contrário, parece que de uma hora para a outra não há matéria fiscal que não esteja sob a mira do legislador. Neste artigo focaremos em uma questão específica de uma das reformas recentes da legislação tributária: o tratamento fiscal de reembolsos em contratos internacionais de compartilhamento de custos e despesas e os potenciais impactos da alteração das regras brasileiras de preços de transferência [1]. Os contratos de compartilhamento ou rateio de custos ou despesas, conhecidos internacionalmente como cost-sharing agreements, são uma prática muito comum na gestão de grupos empresariais, doméstica ou internacionalmente. Em linhas gerais, em um contrato dessa natureza temos uma entidade centralizadora que suporta custos e despesas comuns, o que beneficia diversas entidades de um mesmo grupo econômico — embora não haja restrições a rateios entre pessoas jurídicas não relacionadas. Como esses custos e despesas são, por natureza, das entidades participantes, para a centralizadora tais pagamentos devem ser entendidos como "pagamentos feitos por conta e ordem de terceiros" que serão posteriormente reembolsados. Exatamente por essa característica particular de cuidar de custos e despesas incorridos por conta e ordem de terceiros, é que os contratos de compartilhamento devem atender a algumas características específicas, que passamos a comentar. A exigência de contrato escrito Os contratos de compartilhamento de custos e despesas são contratos atípicos que não têm regulamentação própria no Direito Privado brasileiro. Por esta razão, e considerando principalmente que esses contratos têm como requisito mais importante a previsão de critérios objetivos e razoáveis de rateio, é comum se mencione como uma condição de validade que sejam estabelecidos por meio de instrumento formal. É verdade que não há objeção a contratos verbais no Direito Contratual pátrio. Nada obstante, dada a especificidade dos contratos de que estamos cogitando, parece haver sentido na premissa de que devam ser formalizados documentalmente pela entidade centralizadora e a(s) participante(s). O critério de rateio Como apontamos no item anterior, é possível que a exigência de contrato escrito esteja diretamente relacionada com a obrigatoriedade de previsão, entre as partes, de critérios objetivos e razoáveis para o rateio dos custos e despesas. Um critério de rateio é considerado objetivo quando ele é passível de verificação por um auditor independente. Por outro lado, ele será razoável quando houver congruência entre o critério e o custo ou despesa compartilhados. Por exemplo, se as entidades estiverem rateando custos de atividades de recursos humanos, por exemplo, o número de empregados de cada pessoa jurídica será um critério objetivo e razoável. Ele é objetivo, porque auditável, e razoável, porque diretamente relacionado à natureza do gasto. O compartilhamento é de atividades-meio, não de atividades-fim Outro requisito comumente estabelecido para os contratos de compartilhamento de custos e despesas é que ele alcance atividades-meio, e não atividades-fim. Atividades-meio são atividades acessórias e instrumentais desenvolvidas internamente para a realização da atividade empresarial da pessoa jurídica. Elas não geram receita para a entidade, mas viabilizam à pessoa jurídica a realização de suas atividades e a auferir receitas. A inexistência de margem de lucro O último elemento essencial de um contrato de compartilhamento de custos e despesas é que a entidade centralizadora recobre os valores pagos por conta de terceiros — as demais entidades participantes — por seu valor de custo. Com efeito, vimos que um contrato de compartilhamento está baseado na premissa de que uma das empresas centralizará a realização de atividades que beneficiarão uma ou mais entidades do mesmo grupo econômico. Mencionamos que, nesse caso, estamos diante da realização de atividades-meio, que a centralizadora não exerce empresarialmente. Ora, assim sendo, é da natureza desse tipo de contrato que o reembolso reflita exatamente o montante incorrido pela centralizadora em benefício das demais. Essa é uma das características que ressalta o caráter "não empresarial" desses contratos, uma vez que certamente se referem a atividades que a entidade centralizadora não exerce para auferir receitas. Um contrato de compartilhamento de custos e despesas não é um contrato de prestação de serviços Tendo em conta os comentários anteriores, um aspecto atualmente incontroverso na doutrina é que o contrato de compartilhamento de custos e despesas não se caracteriza como um contrato de prestação de serviços. A primeira característica desses contratos, como vimos, é que as entidades envolvidas estão, de fato, se associando para arcar conjuntamente com custos e despesas comuns. Trata-se de um contrato de caráter nitidamente associativo. Esse traço associativo é uma decorrência de duas características principais dos contratos de compartilhamento: o fato de abrangerem apenas atividades-meio e a ausência de qualquer margem de lucro ou cobrança pela atividade de centralização. Com efeito, a natureza instrumental das atividades de contratação centralizada, que não fazem parte do objeto social ou da atividade empresarial da centralizadora, afasta o contrato de compartilhamento de custos e despesas da prestação de serviços no contexto de uma relação empresarial. É pacífico na doutrina que contratos de prestação de serviços são onerosos e sinalagmáticos, sendo que estas não características típicas dos compartilhamentos, em que cada participante tem apenas e tão somente que suportar o seu próprio custo, nada pagando para a centralizadora ou qualquer outra entidade participante. Nesse sentido, Edvaldo Brito, em nota de atualização à obra de Orlando Gomes, ressalta que "o contrato de prestação de serviço é oneroso. Se gratuito o serviço prestado, ter-se-á doação ou contrato atípico".[2] No mesmo sentido, Gustavo Tepedino e Paula Greco Bandeira afirmam, de forma categórica, que o contrato de prestação de serviços "trata-se de contrato bilateral ou sinalagmático, vez que as obrigações assumidas pelo prestador de serviços encontram sua causa jurídica naquelas contraídas pelo tomador. Vale dizer: há vínculo de interdependência entre o serviço a ser prestado e a obrigação de pagar a remuneração pelo tomador" [3]. Essa característica dos contratos de prestação de serviços é ressaltada, de maneira reiterada, pela doutrina civilista [4]. Esse aspecto se conecta com o fato de que contratos de compartilhamento de custos e despesas não devem incluir margem de lucro, sob pena de se tornarem contratos de prestação de serviços. Vê-se, assim, que um contrato de compartilhamento de custos e despesas não equivale a um contrato de prestação de serviços, por lhe faltar uma característica essencial: a onerosidade. O compartilhamento não envolve a remuneração da entidade centralizadora dos custos e despesas. A pessoa jurídica que exerce este papel no grupo não está prestando serviços para as demais, mas sim coordenando o pagamento por custos e despesas comuns. A controvérsia sobre a tributação das remessas de reembolso nos contratos internacionais de rateio Há significativa controvérsia sobre a incidência dos tributos exigidos na importação de servidos quando do pagamento crédito, entrega, emprego ou remessa [5], para o exterior, de reembolsos decorrentes de contratos e compartilhamento de custos e despesas. Temos defendido que, em relações de rateio não ocorrem os fatos geradores do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), da Cide-Remessas, do PIS-Importação, da Cofins-Importação e do Imposto sobre Serviços (ISS). De fato, a entidade centralizadora, quando paga por custos e despesas que beneficiam as pessoas jurídicas participantes, está realizando pagamentos por conta e ordem de terceiros. Dessa forma, quando ela recebe reembolso pelos valores pagos, ela não tem um acréscimo patrimonial¸ mas sim uma recomposição patrimonial. Portanto, não há como se cogitar da incidência do IRRF sobre reembolso de despesas caracterizadas como meras recomposições patrimoniais, ou seja, que visem apenas e tão somente possibilitar que o centralizador retorne à sua posição econômica inicial, sem qualquer aumento ou incremento patrimonial. Em relação à Cide-Remessas, ao PIS-Importação, à Cofins-Importação e ao Imposto ISS, todos esses tributos têm uma característica em comum: a consumação de seus fatos geradores depende da identificação de uma prestação de serviços. Como já pontuamos, contratos de compartilhamento de custos e despesas não são contratos de prestação de serviços. Faltam-lhes alguns elementos. Em primeiro lugar, vimos que estamos tratando de atividades-meio de suporte, que sequer integram o objeto da entidade centralizadora e não são desempenhadas empresarialmente. Ademais, considerando que a onerosidade é caraterística intrínseca aos contratos de serviços, os contratos de compartilhamento são a sua antítese. Com efeito, contratos de compartilhamento de custos e despesas são, em essência, contratos de pagamento por conta e ordem de terceiros. A entidade centralizadora não faz mais do que pagar um custo ou despesa de terceiros e recuperar os recursos empregados em tal pagamento por conta e ordem. Trata-se de uma operação de soma zero. É um típico reembolso caracterizado como uma recomposição patrimonial. Consequentemente, o que se verifica é que o pagamento do reembolso à entidade centralizadora, em um contrato de compartilhamento de custos e despesas, não materializa os fatos geradores da Cide-Royalties, do PIS/Cofins-Importação e do ISS. A tributação do reembolso para o exterior não é pautada pela aplicação das regras de preços de transferência A falta de uma disciplina legal dos contratos de compartilhamento de custos no Brasil gerou o que consideramos um desvio na análise desta matéria: a importância exagerada dada aos Transfer Pricing Guidelines da OCDE. Com efeito, sabemos que tais diretrizes da OCDE têm capítulos dedicados a serviços intragrupo e contratos de contribuição de custos [6], os quais influenciaram as soluções de consulta editadas pela Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal (Cosit), desde a Solução de Consulta Cosit nº 8/2012, até a Solução de Consulta Cosit nº 276/2019. Nada obstante, e esse nos parece ser o pecado original dessas soluções de consulta, a caracterização de contratos de compartilhamento de custos nos Transfer Pricing Guidelines da OCDE é irrelevante para fins de determinação da incidência dos tributos aos quais no referimos anteriormente. De fato, a consumação do fato gerador do IRRF, da Cide-Remessas, do PIS-Importação, da Cofins-Importação e do ISS é completamente alheia ao que as aludidas diretrizes da OCDE disciplinam para fins de sua aplicação, devendo se pautar pela análise dos dispositivos contratuais, à luz do Direito Privado brasileiro, dos fatos efetivamente praticados e pela interpretação da legislação de regência dos referidos tributos. Essa conclusão preliminar já antecipa nossa posição a respeito da relação das novas regras brasileiras de preços de transferência e o tema da tributação de reembolso para não residentes feito no contexto de contratos de compartilhamento de custos e despesas. Segundo vemos, as disposições da Lei nº 14.596/2023 (Lei 14.596) não tem qualquer conexão com a incidência, ou não, dos aludidos tributos sobre tais reembolsos. A Lei 14.596 disciplinou duas categorias relevantes para nossos comentários neste breve texto: os serviços intragrupo (artigos 23 e 24) e os contratos de compartilhamento de custos (artigo 25). A terminologia utilizada pela lei é confusa. De fato, o que na prática brasileira se convencionou chamar de "contratos de compartilhamento de custos", aparece na Lei 14.596 sob a denominação de "serviços intragrupo". De outra parte, os contratos a que a lei se refere como "contratos de compartilhamento de custos" é tratado, na prática brasileira e nos Transfer Pricing Guidelines da OCDE, como "contratos de contribuição de custos". Essa terminologia descasada da prática brasileira e das diretrizes da OCDE tende a gerar confusões. Contudo, o mais importante é que não confundamos a disciplina específica referente ao controle de preços de transferência com regras gerais que de alguma maneira sejam aplicáveis amplamente como se de regras gerais de Direito Tributário se tratasse. A própria Lei 14.596, ao definir o termo "prestação de serviço", em seu artigo 25, § 1º, estabeleceu, explicitamente, que aquela definição presta-se "para fins do disposto nesta Lei". Ou seja, não se trata de uma definição aplicável para além dos restritos limites das regras de preços de transferência. Nessa linha de ideias, o fato de a Lei 14.596 se referir ao contrato atípico de compartilhamento de custos como prestação de serviços intragrupo e tratar os contratos de contribuição de custos como contratos de compartilhamento, cria alguma confusão terminológica — o que, de fato, acontece — mas não serve para alterar a realidade jurídica. A inclusão de margem de lucro Como vimos, um aspecto central para a defesa de que reembolsos no âmbito de contratos de compartilhamento de custos não são renda e não refletem uma prestação empresarial de serviços é o fato de serem cobrados sem margem de lucro. Tendo em conta o foco específico deste artigo, não nos parece que haja qualquer alteração decorrente das novas regras brasileiras de preços de transferência. Afinal, a inexistência de margem na importação não gera excesso de dedutibilidade no Brasil. A questão fica por conta da legislação de preços de transferência do outro país, que pode exigir a cobrança de margem sobre a recuperação de custos para a entidade brasileira. Conclusão O tema desta coluna talvez seja complexo e multifacetado demais para os restritos limites de um artigo como o presente. De toda forma, acreditamos ter apresentado os principais aspectos que nos levam a concluir que as alterações promovidas nas regras brasileiras de preços de transferência não devem ter qualquer impacto na controvérsia sobre a tributação de reembolsos no contexto de contratos de compartilhamento de custos. Esta matéria está longe de ser pacificada pelos órgãos julgadores, administrativos ou judiciais. Contudo, as novas regras de preços de transferência não devem ter relevância na solução desta controvérsia. [1] Já examinei esse tema mais detalhadamente em outras publicações. Ver, por todos: ROCHA, Sergio André. Parecer. Contrato de compartilhamento de custos entre matriz americana e filial situada no Brasil. Tributação dos reembolsos para o exterior. Revista Fórum de Direito Tributário. Belo Horizonte, n. 121. Jan.-fev. 2023, p. 163-191. [2] GOMES, Orlando. Contratos. 27 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 307. [3] TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson; BANDEIRA, Paula Greco. Fundamentos de Direito Civil Volume 3: Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 290. [4] Ver: DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 36 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 315; RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p. 592; VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 526. [5] Para simplificação, adiante nos referiremos apenas a "pagamentos" para o exterior. [6] OECD. OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Paris: OECD, 2022. p. 313-355.
2023-09-11T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-11/justica-tributaria-cost-sharing-novas-regras-precos-transferencia
tributario
Opinião
Maria Eduarda Kormann: Imposto sobre herança vai aumentar?
A aprovação da primeira fase da reforma tributária (ou seja, da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/19) pela Câmara dos Deputados gerou grande repercussão e rendeu muitas discussões cujo propósito era o de detalhar o novo imposto de bens e serviços (IBS) e a contribuição sobre bens e serviços (CBS), substitutos do ICMS e ISS e do PIS e Cofins, respectivamente. Superado o frenesi inicial com o alegado marco histórico, fato é que a PEC nº 45/19 segue em tramitação no Senado, de modo que não há quaisquer certezas sobre o tema até o presente momento. De todo modo, caso a PEC venha a ser aprovada, para além da mudança nos impostos sobre o consumo, ela poderá impactar os tributos sobre o patrimônio, como é o caso do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD). É dizer, a reforma tributária, por meio da PEC nº 45/19, poderá desde logo afetar a tributação do patrimônio das famílias, em que pese a divulgação majoritária desta primeira fase da reforma como se restrita ao consumo fosse. Em relação ao ITCMD, as principais mudanças consistem 1) na inclusão do inciso VI no artigo 155 da Constituição que torna impositivo o comando de que as alíquotas do imposto sejam progressivas em razão do valor da transmissão ou da doação e 2) na autorização para que os estados passem a cobrar o imposto sobre doações realizadas por residente no exterior e sobre heranças deixadas por falecido no exterior ou inventários processados no exterior, mesmo que pendente a edição de lei complementar sobre a matéria (tal qual previsto no artigo 16 da PEC em comento). Ambas as previsões, portanto, tendem a impactar diretamente as famílias que pensam ou planejam realizar o planejamento sucessório e patrimonial. Hoje, nove estados da federação nacional, dentre os quais Paraná e São Paulo, ainda adotam alíquotas fixas para o ITCMD, sendo estas alíquotas inferiores ao teto fixado na Resolução do Senado nº 9/1992. Nos termos da Resolução vigente, a alíquota a ser fixada em lei estadual, poderia ser progressiva até o máximo de oito por cento. A reforma proposta, contudo, altera a faculdade então vigente para impor aos estados o dever de estabelecer alíquotas progressivas para o tributo, de modo que — especialmente nos estados que hoje adotam alíquota fixa inferior à máxima — a mudança legislativa tende a resultar no aumento do ITCMD. Vale lembrar que em dez estados, como é o caso do Rio de Janeiro e de Santa Catarina as alíquotas atuais já chegam ao máximo permitido pela Resolução vigente. Não obstante, em paralelo à reforma tributária, o Projeto de Resolução do Senado nº 57/2019, de autoria de Cid Gomes, propõe o aumento da alíquota máxima do ITCMD para o patamar de dezesseis por cento, o que pode levar ao aumento generalizado do tributo em território nacional. O projeto em questão foi apresentado pelo Senador com a justificativa de "atenuar o atual quadro de dificuldades financeiras por que passam os governos subnacionais". A justificativa do projeto apenas menciona o princípio da capacidade contributiva — segundo o qual os impostos devem ser graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte — de modo subsidiário, deixando flagrante a atual saga arrecadatória do Estado como principal motivador da pretensa reforma.    Projetos como este reforçam a percepção de que a janela para aproveitar as alíquotas atuais de ITCMD está se encerrando para aqueles que buscam evitar custos desnecessários ao cogitar de doações e demais transmissões patrimoniais. Outra mudança prevista na PEC nº 45/19 consiste em fixar a competência para recolhimento do ITCMD na unidade da federação onde era domiciliado o falecido, ao se tratar da transmissão de bens móveis, afastando, assim, a prerrogativa de escolha de alíquota mais favorável pelo contribuinte que, hoje, em regra, pode definir o local de processamento do inventário extrajudicial e, com isso, escolher alíquota que lhe seja mais favorável. Por fim, a PEC afasta a incidência do ITCMD sobre as transmissões e as doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos, incentivando, assim, a transferência patrimonial para estas instituições.
2023-09-12T21:33-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-12/maria-eduarda-kormann-imposto-heranca-aumentar
tributario
Interesse coletivo
Supremo autoriza MG a negociar com programa de transparência fiscal
Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso para autorizar o estado de Minas Gerais a prosseguir as negociações para aderir ao Programa de Acompanhamento e Transparência Fiscal (PATF). A decisão se deu no julgamento de ação cível originária. A liminar, concedida em julho por Barroso, vice-presidente do STF, então no exercício da presidência do tribunal, também proibia a União de bloquear recursos estaduais para o pagamento da dívida de R$ 16,4 bilhões e de tomar medidas como a inscrição do estado em cadastro de inadimplentes. Na ação, o governo mineiro alegou que a União estava impedindo sua adesão ao programa, condição necessária para o refinanciamento das dívidas, porque, na data limite, a lei estadual autorizativa ainda não havia sido aprovada (a norma só foi editada sete dias depois). Em voto em sessão virtual, o relator da ação, ministro Nunes Marques, acolheu os argumentos da liminar e considerou razoável a superação do prazo, em razão do curto período entre a data limite e a aprovação da lei local autorizativa. Ele também levou em conta os prejuízos que a aplicação estrita do prazo limite ocasionaria para as finanças estaduais, convertendo-se em perdas para a população. Com informações da assessoria de imprensa do STF. ACO 3.646
2023-09-12T08:51-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-12/supremo-autoriza-mg-negociar-programa-transparencia-fiscal
tributario
Território Aduaneiro
Remessas internacionais: democratizando a globalização
O tema das remessas internacionais ganhou um lugar de destaque no comércio internacional e nos fluxos de mercadorias pelas fronteiras [1]. As mudanças relativas ao tema foram tão rápidas quanto volumosas e consistentes. Alguns aspectos ajudam a explicar o fenômeno, especialmente a partir dos anos 2000: a) digitalização e utilização de novas tecnologias (com redução dos custos de transação e redução do número de intermediários); b) adoção de novos modelos de negócios no mundo digital (v.g., modelo tipo plataforma); c) internet banda larga; d) massificação de soluções de finanças digitais (via fintechs, que permite pagamento em reais de fornecedores estrangeiros); e) logística eficiente e cada vez mais rápida, com rastreamento da carga e devoluções eficientes (em muitos casos); f) mudança do comportamento do consumidor (confiança nas compras digitais e entrega física); g) massificação do uso de apps e smartphones; h) pandemia (com efeitos no isolamento social); i) estímulo às boas práticas e conformidade. Esses aspectos provocaram a facilidade de acesso a produtos e serviços (serviços não é o tema desse artigo) de origem planetária. Antes, a globalização era marcada por grandes importadores e exportadores. Mais recentemente, uma pessoa física pode se tornar importadora ao comprar uma mercadoria estrangeira em uma plataforma. A globalização chegou ao chão de fábrica. O mesmo processo de democratização da globalização também chegou aos pequenos negócios, que podem fazer exportações via plataformas, sem investimento em marketing digital. O marketing digital é caro e pode inviabilizar os pequenos negócios. No modelo de negócio do tipo plataforma, os pequenos podem expor e vender seus produtos, pagando apenas comissão às plataformas. O modelo de negócio do tipo plataforma cresceu tanto que até cunhou uma nova expressão: a economia baseada em plataforma (platform-based economy). As plataformas facilitam as transações, colocam em contato comprador e vendedor, reduzem custos, geram efeitos de escala e de rede. Possibilitaram uma nova avenida de oportunidades de negócios no mundo digital. E a regulação, via normas jurídicas, vem procurando conformá-las ao ordenamento posto. Alguns temas sobre tributação são deliberadamente evitados, como a moratória da OMC sobre direitos aduaneiros em transmissões eletrônicas (bens intangíveis), que já completa 25 anos, envolvendo a não tributação de serviços, como streaming e OTT (plataformas de vídeos e jogos, v.g.). Sobre o comércio de bens tangíveis, originários de transações eletrônicas, esse é o tema desse artigo, do qual passamos a discorrer. Alguns dos problemas associados passam pelo fracionamento do envio dos pedidos, dados incompletos ou imprecisos, falsa declaração de valor e de conteúdo, baixo percentual de preenchimento de DIRs (Declarações de Importação de Remessas) e comércio de mercadorias falsas ou contrafeitas [2]. As aduanas de todo o mundo passaram a lidar com um crescente número de pessoas físicas na qualidade de importador, em negócios do tipo B2C (business to consumer), em contraposição ao tradicional B2B (business to business). A gestão de risco no B2B é bastante aprimorada, com o histórico das operações, de produtos e firmas importadoras e exportadoras. No B2C, surge um mundo novo de desafios regulatórios e de controles. A discussão desse tema é global. No Brasil, a primeira regulação (ainda em vigor) sobre remessas pode ser visualizada no Decreto-Lei no 1.804, de 3/9/1980, que dispõe sobre a tributação simplificada das remessas postais internacionais. Esse decreto instituiu o RTS (Regime de Tributação Simplificada) para a cobrança do imposto de importação (II) sobre bens contidos em remessas postais internacionais. O Decreto menciona a classificação genérica dos bens e define que o II não poderá ser superior a 400%. É importante lembrar que em 1980 não se falava de comércio eletrônico e o decreto cobria a remessa não originária de comércio. Já com a Portaria MF no 156, de 24/06/1999 (em vigor), estabeleceu-se que a isenção do imposto de importação ocorreria desde que o remetente e o destinatário fossem pessoas físicas, definindo-se o valor de até US$ 50 para sua aplicação. Esse valor é chamado também de de minimis, que se refere ao valor aduaneiro máximo, abaixo do qual as mercadorias podem ser processadas pela aduana com isenção de impostos e com procedimentos mínimos de liberação formal [3]. Na prática, o de minimis está associado à categorização aduaneira, um procedimento para reduzir os custos de desembaraço, muito apreciado pelas pequenas empresas como um limite para a facilitação do comércio [4]. Posteriormente, com a Instrução Normativa RFB no 1.737, de 15/9/2017, foram definidos os termos remessa postal internacional (permutados por empresas de ECT ou operadores designados, e ECT com operadores não designados) e remessa expressa internacional (transportadas por empresas de serviço expresso porta a porta — couriers). A informação se a remessa é expressa ou postal é obrigatória na DIR. A IN RFB no 1.737 foi alterada recentemente pelas IN RFB no 2.124, de 2022, e pela IN RFB no 2.146, de 2023, responsáveis por relevantes novidades na normatização do tema. Até o dia 28/6/2023, o Brasil não possuía uma legislação sobre comércio eletrônico internacional. No dia 29/6/2023, foram publicadas a Portaria MF no 612 e IN RFB no 2.146 regulando o tema e criando um programa de conformidade aduaneira para remessas internacionais, chamado de Programa Remessa Conforme (PRC) [5]. Pela primeira vez é mencionada a importação de bens adquiridos por meio de empresa de comércio eletrônico. O artigo segundo da Portaria MF no 612/2023 prevê a redução a 0% para a alíquota do imposto de importação incidente sobre os bens integrantes de remessa postal ou de encomenda aérea internacional — remessas expressas, no valor de até US$ 50, destinados a pessoa física, tendo por origem pessoa física ou jurídica, desde que a empresa de comércio eletrônico seja parte do PRC. De acordo com a nova legislação, empresa de comércio eletrônico é aquela, nacional ou estrangeira, que utilize plataformas, sites e meios digitais de intermediação de compra e venda de produtos, por meio de solução própria ou de terceiros [6]. Dessa forma, na hipótese de não adesão ao programa, vale a regulação anterior em que não existe isenção para compras por pessoas físicas originárias de comércio eletrônico internacional (ou cross-border e-commerce), ou seja, não há que se falar em de minimis de US$ 50, exceto na remessa postal internacional de pessoa física para física. O ICMS incide, em regra, sobre todas as importações, sejam aquelas beneficiadas pelo de minimis, ou aquelas sujeitas ao regime de tributação simplificada (RTS)  — artigo 99, RA/09 —, cujo valor limite é de US$ 3.000, incidindo nesse caso a alíquota de 60% de II e aplicando-se isenção do IPI, do Pis e da Cofins. Com as novidades decorrentes do PRC, os estados também publicaram o Convênio ICMS no 81/2023, autorizando que todos eles adotem alíquota de 17% sobre tais operações. O artigo 12 da IN RFB no 2.124, alterado pela IN RFB no 2.146, define que a empresa de courier, a ECT e as empresas de comércio eletrônico certificadas no Programa Remessa Conforme estão obrigadas a (dentre outros deveres): (I) manter sigilo das suas operações e das informações relativas aos remetentes e destinatários; (VIII) disponibilizar à RFB acesso por meio de consulta aos seus arquivos, inclusive informatizados, para controle de remessa; (XIII) retirar a remessa de importação do recinto alfandegado após o registro do desembaraço dela no Siscomex Remessa, no caso de empresa habilitada na modalidade comum; (XIV) entregar a remessa de importação ao destinatário somente após o pagamento do II e das multas, se devidos, no caso da ECT e da empresa habilitada na modalidade especial. Dessa forma, a DIR deverá ser feita de forma antecipada para as empresas que aderirem ao Remessa Conforme. A DIR antecipada tem a vantagem de maior exatidão dos dados, da informação dos valores dos tributos devidos (II e ICMS) já retidos pela ECT ou pelo courier, a correta descrição da mercadoria ou bens contidos na remessa, a quantidade de volumes que a compõem, dentre outras informações. Essa prática visa coibir os principais problemas associados às remessas no país, quais sejam (1) qualidade dos dados, (2) preenchimento da DIR per se, (3) exatidão dos dados reais com os declarados e (4) recebimento de produtos ilícitos, que ameacem a segurança da sociedade. A respeito das previsões do PRC, em relação às empresas de comércio eletrônico cobrarem antecipadamente o valor do II e do ICMS do destinatário que adquire mercadorias através de suas plataformas, ficando com o dever de repassar esses valores para o responsável pelo registro da DIR no Siscomex Remessa (art. 20-B, I, "b", IN RFB no 1.737/17), não vemos, com o devido respeito às opiniões em contrário, alterações do sujeito passivo da obrigação tributária, tampouco que se tenha instituído aí regime de substituição tributária, ou tenha havido invasão de competência tributária dos estados pela União Federal. Vemos um programa voluntário, com objetivo de estímulo à conformidade e melhores práticas, permitindo que o contribuinte (destinatário da remessa) adiante, espontaneamente, o valor que só será devido quando, e se, o fato gerador do II e do ICMS se concretizar. Se não houver registro da DIR, não ocorrendo o fato gerador do II, tampouco o desembaraço aduaneiro, e, pois, o do ICMS — importação, por qualquer motivo que seja, os valores a tais títulos adiantados pelo destinatário deverão ser devolvidos, sob pena de enriquecimento sem causa da empresa de comércio eletrônico ou de quem os tenha recebido. Caso o destinatário não queira realizar o adiantamento dos tributos poderá utilizar empresas que não sejam beneficiárias do PRC, mantendo a sistemática vigente, recolhendo os tributos após o registro da DIR, conforme previsto nos artigos 36, 60 a 62, da IN RFB no 1.737/17 [7]. De acordo com a IN RFB no 2.146/23 poderão ser certificadas no PRC as empresas que possuam contrato firmado com a ECT ou com empresa de courier. A DIR terá um tratamento diferenciado no despacho aduaneiro de importação quando for registrada no prazo de até 2 horas antes do horário previsto para a chegada ao país do veículo transportador, no caso de remessas expressas, ou 48 horas antes, quando se tratar de remessas postais; e quando houver a retenção dos valores destinados ao pagamento dos tributos devidos na operação e ela for informada pela ECT ou empresa de courier no Siscomex Remessa. O tratamento diferenciado compreende maior celeridade e previsibilidade nas operações, assegurando-se: a) parametrização antecipada da DIR; b) processamento prioritário do despacho; c) redução do percentual de seleção para canais de conferência aduaneira. Desta forma, o PRC passa a contribuir para o aprimoramento da qualidade dos dados, dos controles, a melhor alocação dos recursos humanos e tecnológicos da gestão de risco da RFB, estimula boas práticas, contribui para a correta arrecadação tributária e para reduzir a entrada de mercadorias proibidas. Com isso, o Brasil passa a adotar um modelo de arrecadação (para os aderentes ao PRC) do tipo intermediário. Com relação aos modelos de arrecadação utilizados para o controle e tributação do comércio eletrônico internacional, destacam-se os seguintes modelos (OECD, 2015) [8]: a) Tradicional: controles e tributação pela aduana de entrada de mercadorias no país de destino; b) Baseado no vendedor: o vendedor recolhe os impostos e repassa para a aduana do país de destino; c) Baseado no comprador: o comprador recolhe os impostos diretamente no país de destino; d) Intermediário: as plataformas cobram os tributos e repassam para a aduana do país de destino (esse é o modelo adotado pela aduana brasileira no âmbito do PRC). Por fim, destaque para duas disposições da IN RFB no 1.737/17 dirigidas às empresas de comércio eletrônico, ECT e couriers por lhe indicarem relevante obrigação. Elas deverão (a) dispor de programa de conformidade com a legislação aduaneira que inclua apuração regular de erros e apresentação da respectiva estratégia de saneamento (artigo 12, XI) e (b) comprometerem-se com a conformidade tributária e aduaneira, e com o combate ao descaminho e ao contrabando, em especial, à contrafação (artigo 20-B, IV). Como se vê, aquelas empresas partícipes do ecossistema pujante do comércio eletrônico internacional necessitam, com urgência, estruturarem seus programas internos de compliance aduaneiro, promovendo auditorias, criando comitês, elaborando instruções de trabalho, promovendo treinamento e capacitação de suas equipes, visando adotarem e manterem as melhores práticas. Isso não se aplica apenas àquelas que pretendem obter e usufruírem do selo Remessa Conforme, mas a todas. Na medida em que várias se certificarem, as demais tendem a ser mais fiscalizadas, devendo portanto, se autoavaliarem para se precaverem, evitando serem o joio, ao invés de fazerem parte da meda de trigo. [1] Sobre o tema, artigos da coluna: de Fernanda Kotzias, publicado em 31/5/2022 (link), de Fernando Pieri, publicado em 25/4/2023 (link) e de Leonardo Branco, publicado em 25/7/2023 (link). Também na ConJur, de autoria de Thális Andrade, em 20/7/2023 (link). Ver ainda: CHAVES, Daniela Lacerda. E-commerce Crossborder: dificuldades e alternativas para o exercício do adequado controle aduaneiro, in PEREIRA, Cláudio Augusto Gonçalves e REIS, Raquel Segalla, coord. Ensaios de Direito Aduaneiro II. São Paulo: Tirant lo blanch, 2023, p. 314-330. [2] Segundo dados do Balanço Aduaneiro de 2022 da RFB, por remessa postal — via ECT, foram registradas 3.410.824 DIR, responsáveis pela importação de 176.276.519 volumes, com valor de US$ 245 milhões, FCA/FOB. Através da remessa expressa — via courier - foram registradas 1.665.078 DIR, para o volume de 2.389.949, totalizando um valor FOB/FCA de US$ 253 milhões (link). [3] TAVENGERWEI, Rutendo (2018). Using Trade Facilitation to Assist MSMEs in E-Commerce in Developing Countries. Journal of International Economic Law. [4] LATIPOV, O., MCDANIEL, C., SCHROPP, S. (2017). The de minimis threshold in international trade: The costs of being too low. The World Economy. [5] A legislação aduaneira e tributária brasileira vem incorporando programas de conformidade de adesão voluntária e com contrapartidas que beneficiam os aderentes. O pioneiro e bem sucedido foi o Programa OEA (2014). Na sua esteira, vieram o PNMA — Programa Nacional da Malha Aduaneira (2020), o CONFIA (2022) e, agora, o PRC — Programa Remessa Conforme (2023). [6] Artigo 2º, XVI, IN RFB no 1.737/17. [7] Sobre o ponto, concordamos com o entendimento de Leonardo Branco (link), discordando, respeitosamente, da posição externada por Thális de Andrade (link). [8] OECD (2015) Addressing the tax challenges of the digital economy. Action 1. Final Report 2015, OECD/G20 Base Erosion and Profit Shifting Project, PECD Publishing, Paris
2023-09-12T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-12/territorio-aduaneiro-remessas-internacionais-democratizando-globalizacao
tributario
Contas à Vista
Fundeinfra e outros fundos assemelhados nos 35 anos da CF
Uma das normas financeiras mais importantes da Constituição de 1988 é o artigo 167, IV, que prevê o princípio da não-afetação, que consigna a Liberdade do Legislador Orçamentário, ao estabelecer que o legislador eleito (membros do Poder Legislativo e chefe do Poder Executivo) possa dispor de uma massa de recursos arrecadados para fazer frente ao plano de governo e às políticas públicas durante seu mandato. Exatamente por isso é que tais recursos não são afetados a órgãos, fundos ou despesas específicas, devendo a receita estar liberada para a execução dos planos de governo dos representantes eleitos. Há um sentido de proteção financeira intertemporal nessa norma, que comporta as exceções normativamente previstas. Ou seja, a regra geral é a não-afetação, também conhecida por não-vinculação. Ocorre que o mesmo inciso que consagra em sua parte inicial o princípio da liberdade do legislador orçamentário, instituindo a não-afetação de impostos a despesa, fundo, órgão ou função, estabelece diversas ressalvas excepcionando seu comando geral, que demonstram não ser completa tal Liberdade, pois são ressalvados: (1) O rateio federativo (repartição do produto da arrecadação) dos impostos a que se referem os artigos 158 e 159; (2) A vinculação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde (artigo 198, §2º) e para manutenção e desenvolvimento do ensino (artigo 212); (3) A priorização de recursos para realização de atividades da administração tributária, como determinado, pelo artigo 37, XXII; (4) A afetação para a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no artigo 165, §8º, bem como o disposto no §4º desse artigo; além (5) do artigo 218, §5º, que traz exceções à não-afetação do artigo 167, IV, ao permitir que os entes federados intermediários (estados e Distrito Federal) vinculem parcela de sua receita orçamentária para financiar duas diferentes atividades: a de ensino e a de pesquisa científica e tecnológica, desenvolvidas por entidades públicas de fomento. O STF já decidiu que a afetação de impostos a fundos específicos é inconstitucional por violar o artigo 167, IV CF, em diversas situações. Colacionam-se, dentre outros, casos relatados pelo ministro Eros Grau, ADI 1.750, em 2006, relativamente ao financiamento de esportes no DF; ADI 3.576, ministra Ellen Gracie, julgada em 2006, sobre norma do estado do Rio Grande do Sul que criou o Fundo Partilhado de Combate às Desigualdades Sociais e Regionais naquele Estado; ministro Gilmar Mendes, ADI 2.529, julgado em 2007, referente ao financiamento da cultura no estado do Paraná; Agravo regimental no RE com Agravo 665.291, ministro Roberto Barroso, relativo a norma do município de Tupandi, no estado do Rio Grande do Sul, que vinculava quota-parte de ICMS para aplicação em saúde, declarada inconstitucional em 2016; ADI 553, ministra Cármen Lúcia, julgada em 2018, acerca do Fundo para o Desenvolvimento de Pequenas e Médias Empresas do estado do Rio de Janeiro; ADI 3.550, ministro Dias Toffoli, julgada em 2019, que previa a concessão de créditos tributários de ICMS como contrapartida ao Fundo de Aplicações Econômicas e Sociais do estado do Rio de Janeiro. Discrepa desse rol a ADI 7.363-MC, de 2023, relativamente a um fundo do estado de Goiás (Fundeinfra). O ministro Dias Toffoli havia concedido a liminar sustando a vinculação da arrecadação determinada pela lei goiana, tomando por base a infringência ao artigo 167, IV. Ao submeter sua decisão ao referendo do Plenário, o ministro Edson Fachin liderou a divergência sob o argumento da falta de fumus boni juris, posição que se tornou majoritária, vencidos os ministros Dias Toffoli (relator original), Roberto Barroso e André Mendonça. A peculiaridade distintiva no presente caso, que o faz ser divergente dos anteriores, diz respeito ao fato de que este fundo implica em majoração da carga tributária, enquanto nos demais houve sua redução. Naqueles houve declaração de inconstitucionalidade, e no Fundeinfra foi negada a tutela liminar por ausência de fumus boni juris relativamente ao artigo 167, IV, CF. O paralelo utilizado pelo ministro Edson Fachin foi o Fundersul, ADI 2.056, relatada pelo ministro Gilmar Mendes em 2007, na qual lei do estado de Mato Grosso do Sul havia conservado sua presunção de constitucionalidade ao instituir diferimento condicionado de ICMS, mediante o pagamento de certa contribuição que não foi considerada como tributo, assim, afastada do âmbito de incidência do artigo 167, IV. Constata-se que nem sempre o STF perquire a espécie tributária para estabelecer a inconstitucionalidade do vínculo. Em 2007 foi declarada inconstitucional lei do estado de Santa Catarina, RE 218.874, ministro Eros Grau, pela qual eram vinculados superávits arrecadatórios do ICMS para reajuste de vencimentos de servidores públicos, despregando a vinculação dos conceitos formais de Direito Tributário. Situação semelhante ocorreu no julgamento da ADI 6.045, ministro Marco Aurélio, em 2020, referente ao estado de Roraima, tendo sido declarada inconstitucional norma que buscava vincular ao Poder Judiciário estadual saldos orçamentários positivos. O mesmo se verificou na ADI 1.759, relativa ao estado de Santa Catarina, ministro Gilmar Mendes, na qual se declarou inconstitucional a vinculação de "parte da receita do estado", mesmo que através de Emenda Constitucional estadual, destinada a programas de desenvolvimento do setor primário da economia. Em todos esses casos o STF considerou inconstitucional a norma estadual por violação ao artigo 167, IV, CF, embora a vinculação não fosse diretamente referida à arrecadação dos impostos, mas ao superávit arrecadatório ou a saldos orçamentários positivos, que pode ocorrer sobre diversas formas, através de receitas tributárias de taxas ou de receitas patrimoniais. Os julgamentos na ADI 6.045, no RE 218.874 e na ADI 1.759 contrastam com a posição majoritária do STF no julgamento da ADI 7.363-MC (Fundeinfra), pela qual se busca a natureza tributária da exação para determinar o liame vinculativo da receita a um fundo. Recentemente, em agosto de 2023, o ministro Luiz Fux proferiu um voto na ADI 7.382, considerando inconstitucional a Lei nº 3.617/2019, do estado do Tocantins, que instituiu o Fundo Estadual de Transporte (FET), relacionando, dentre as razões, que "a exação consubstancia tributo, porquanto compulsória, estando sujeita às limitações constitucionais ao poder de tributar". O ministro criou um tópico específico para distinguir a contribuição do FET/TO para a do Fundeinfra/GO, mencionando que, no caso de Tocantins "cuida-se de 'contribuição no âmbito do ICMS', destinada a fundo de infraestrutura estadual, exigida como condição para a fruição de incentivos e benefícios fiscais e/ou regime especial de fiscalização e técnica de arrecadação (ICMS-ST)". Afirmou que o caso de Goiás "decorre da fruição de um regime especial de controle de exportação", enquanto o de Tocantins possui "compulsoriedade inequívoca", pois todos os "contribuintes que promovam operações de exportação estão submetidos ao pagamento da contribuição ao fundo estadual, sem qualquer opção", o que caracterizaria essa cobrança como um tributo. Data máxima venia ao entendimento exposto pelo ministro Fux, a distinção efetuada entre o Fundeinfra e o FET não resiste a um exame mais detido sob a ótica do artigo 167, IV, CF. Existem outros fundos assemelhados, que merecem redobrada atenção como o Fethab, do estado de Mato Grosso (ADI 6.420), e o Fundo de Equilíbrio Fiscal (Feef) e Fundo Orçamentário (FOT), do estado do Rio de Janeiro (ADI 5.635), ainda sob o escrutínio do STF. Em todos esses casos, a análise do artigo 167, IV, CF é de crucial importância, e a jurisprudência do STF tem sido errática ao longo desses 35 anos de vigência constitucional. Urge melhor delimitar sua interpretação para que possa haver mais segurança jurídica. Observe-se ainda que este assunto possui correlação direta com o artigo 19 da PEC 45-A, da Reforma Tributária do consumo. Em tempo: Parte desta análise compõe o texto "O art. 167, iv (não-afetação), em 35 anos da Constituição de 1988", constante da obra coletiva denominada "35 anos da Constituição da República Federativa do Brasil", organizada por Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Álvaro Ricardo de Souza Cruz, que será lançada no dia 4 de outubro no STF. Livro oportuno, que vale conferir na íntegra.
2023-09-12T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-12/contas-vista-fundeinfra-outros-fundos-assemelhados-35-anos-cf
tributario
Opinião
Lucas Wanderley: Considerações sobre a MP 1.185/2023
Após o julgamento pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no âmbito do Tema Repetitivo nº 1.182 [1], poderia se imaginar que o futuro reservaria aos contribuintes um cenário de maior estabilidade e segurança jurídica em relação à tributação federal sobre os incentivos fiscais de ICMS. Naquela ocasião, as seguintes teses foram fixadas pela 1ª Seção da Corte Superior: "1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros — da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (artigo 10, da Lei Complementar nº 160/2017 e artigo 30, da Lei nº 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. 2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros — da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. 3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§4º e 5º ao artigo 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu §2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico." Em relação ao crédito presumido de ICMS, o STJ firmou a tese que o benefício é uma concessão definitiva e irrecuperável de valores ("grandeza positiva"), de modo que a incidência de IRPJ/CSLL ofende o pacto federativo. Assim, ratificou a orientação anterior constante em Embargos de Divergência (EREsp nº 1.517.492) acerca da não incidência de IRPJ/CSLL sobre estes valores, independentemente de qualquer condição. No que tange aos demais benefícios fiscais de ICMS, a Corte Superior destacou que, diferentemente do crédito presumido, os valores são postergados ("grandeza negativa") para momento distinto da cadeia de circulação de mercadorias. Logo, afastar a incidência de IRPJ/CSLL constituiria, a priori, uma hipótese de isenção heterônoma. Logo, pelo julgamento do STJ, para os outros tipos de incentivos fiscais (redução de base de cálculo, isenção, diferimento etc) em regra há a tributação do IRPJ e CSLL, apenas sendo permitida a exclusão dos valores da base de cálculo do IRPJ e CSLL caso sejam observados os requisitos previstos em lei no art. 30 da Lei 12.973/2014: constituição de reserva e posterior aumento de capital social, bem como a comprovação que a subvenção foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico. Embora o mencionado julgamento tenha versado especificamente sobre o IRPJ e a CSLL, os incentivos fiscais de ICMS seguem a mesma lógica no que tange ao PIS e a Cofins, pois, desde que concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público, podem não ser incluídos na base de cálculo das contribuições apuradas sobre a sistemática não cumulativa, nos termos da expressa previsão do inciso X do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002 e inciso IX do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003 [2]. Sem prejuízo das discussões doutrinárias quanto ao teor do julgamento e as suas repercussões práticas, é indubitável que a estabilização jurisprudencial decorrente do julgamento em sede de recursos repetitivos trouxe mais segurança jurídica em relação ao tema, sendo possível aos contribuintes mensurarem o impacto dos benefícios fiscais estaduais em relação à carga tributária federal. Após alguns meses, provavelmente insatisfeito com o impacto arrecadatório decorrente do julgamento do STJ, o Governo Federal lançou mão da Medida Provisória nº 1.185/2023, que produzirá efeitos a partir do dia 01/01/2024, modificando toda a sistemática de tributação dos incentivos. O primeiro ponto a ser destacado na MP nº 1.185/2023 é que haverá a revogação do disposto no artigo 30 da Lei 12.973/2014, bem como o inciso X do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002 e inciso IX do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003, que trazem a previsão de exclusão das subvenções concedidas para implantação ou expansão do empreendimento econômico da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Em substituição à sistemática exclusão da base de cálculo dos tributos, os valores das subvenções passarão a representar créditos fiscais de subvenção para investimento, limitados ao IRPJ e seu adicional, que serão utilizados mediante PER/DCOMPs a serem apresentados. Nota-se, de proêmio, o inevitável aumento da carga tributária, já que sobre o benefício fiscal haverá a incidência de 1,65% de PIS, 7,6% de COFINS e 9% da CSLL, antes excluídos da base de cálculo, podendo ser aproveitados os créditos fiscais exclusivamente em relação ao IRPJ. Além disso, a Medida Provisória trouxe as seguintes condições para o aproveitamento dos créditos de IRPJ em relação às subvenções: 1) Os benefícios fiscais devem ser decorrentes de ato concessivo anterior à data de instalação ou expansão do empreendimento econômico e, além disso, devem estabelecer, expressamente, as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica (artigo 4º da MP nº 1.185/2023); e 2) Os créditos apenas poderão ser utilizados caso haja a conclusão da implantação ou expansão do empreendimento econômico (artigo 7º, inciso I da MP nº 1.185/2023). Provavelmente as condições acima elencadas aprofundarão o contencioso tributário em relação à matéria, já que o Carf e o Judiciário passarão a discutir a adequação fática de cada ato concessivo e a efetiva utilização dos benefícios fiscais para conclusão da implantação ou expansão do empreendimento econômico. Outro ponto de destaque é que os créditos apenas poderão ser utilizados após a entrega da ECF na qual esteja demonstrado o direito creditório e a partir do ano subsequente ao reconhecimento das receitas das subvenções (artigo 10 da MP nº 1.185/2023). Na prática, a alteração representa o aproveitamento dos créditos a partir de 2025 e, consequentemente, um maior valor de IRPJ a pagar já no ano de 2024 (além da majoração da CSLL, PIS e Cofins já citada anteriormente). O novo regramento estabelece como data limite de aproveitamento do crédito fiscal aquelas receitas reconhecidas até 31/12/2028 (artigo 8º, inciso VI da MP nº 1.185/2023). Essa limitação aparenta se alinhar com a reforma tributária (PEC 45) em tramitação no Senado, a qual estabelece, até o momento, uma transição gradual do ICMS e ISS para o IBS, de modo que a partir de 2029, os tributos atuais e os benefícios fiscais correspondentes sofrerão reduções a cada ano, até 2032, com extinção em 2033. É alvissareiro destacar aos contribuintes que gozam de crédito presumido de ICMS, contudo, que as modificações trazidas pela MP nº 1.185/2023 são inaplicáveis a este tipo de benefício, exceto se houver uma mudança de entendimento jurisprudencial trazida futuramente pelo STF no âmbito do Tema nº 843. Isto porque, pela ratio do julgamento do STJ firmada em sede de Recursos Repetitivos, a não inclusão dos créditos presumidos na base de cálculo do IRPJ e CSLL é decorrente do princípio constitucional do Pacto Federativo (artigo 150, VI, "a", da CF/88). Conforme acima esclarecido, de acordo com a conclusão a que chegou a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, mostra-se irrelevante a discussão a respeito da revogação dos dispositivos legais para inauguração de uma nova sistemática, pois esta discussão é infraconstitucional, enquanto o fundamento em relação à exclusão do crédito presumido encontra-se albergado na Carta Magna. Claro que não se pode desprezar o risco de a Receita Federal aplicar os critérios previstos na MP nº 1.185/2023 também em relação aos créditos presumidos de ICMS. Contudo, os contribuintes terão subsídios jurídicos consistentes, com fundamento na jurisprudência consolidada do STJ, para afastar as eventuais cobranças. Por fim, não há dúvidas que, em relação aos demais tipos de benefícios fiscais, acaso mantida a atual redação da Medida Provisória nº 1.185/2023 pelo Congresso, surgirão diversas controvérsias em relação ao tema que certamente serão objeto de futuro debate. [1]  REsp 1945110/RS e REsp 1987158/SC [2]  Sobre a constitucionalidade da tributação do PIS e da Cofins em relação aos incentivos fiscais de ICMS, está pendente de julgamento o Tema nº 843 do STF, de relatoria do ministro André Mendonça.
2023-09-13T19:16-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-13/lucas-wanderley-consideracoes-mp-11852023
tributario
Opinião
Rodrigo Chaves: Exigibilidade do ITCMD no processo de inventário
Enquanto no Direito Penal vigora o princípio "mors omnia solvit" (a morte resolve tudo), em direito das sucessões não é bem assim. A experiência mostra que, com a morte do inventariado, divergências familiares por vezes eclodem, dando início a litígios que podem durar uma eternidade. O processo sucessório não raro serve de palco para brigas entre irmãos, entre ex-cônjuge e atual companheiro(a), sucessor legítimo versus herdeiro testamentário, sem falar no filho desconhecido que se apresenta à família ainda no velório, anunciando a uma plateia perplexa que o inventário ganhará um novo litisconsorte. Nesse ambiente, digamos, não muito amigável, uma trégua improvável só costuma ocorrer quando entra cena um "inimigo" comum: a Fazenda Pública. Isso porque o Direito Tributário se ocupa do tema com notável pragmatismo. Nos termos do artigo 192 do CTN, "nenhuma sentença de julgamento de partilha ou adjudicação será proferida sem prova da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio, ou às suas rendas". O evento morte, portanto, é o momento apropriado para uma "faxina tributária". Além do ITCMD, todos os demais débitos tributários devem ser quitados antes que os herdeiros tomem posse dos bens. Do ponto de vista de política tributária, a norma é salutar: a pressa dos herdeiros é poderosa aliada para a extinção de empoeiradas execuções fiscais de IPTU, IPVA e de outros tantos tributos que o de cujus deixou no fim da fila dos boletos. Pode-se dizer que o inventário é uma espécie de deadline — com perdão pelo trocadilho — para que se promova um acerto de contas com o Fisco, atestando a veracidade da frase atribuída a Benjamin Franklin, segundo a qual há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. Parte dessa certeza, entretanto, foi abalada em 2016 com a entrada em vigor do atual CPC, na medida em que, ao tratar do arrolamento sumário [1], o artigo 659, § 2o excepcionou a regra do artigo 192 do CTN, permitindo a lavratura do formal de partilha ou da carta de adjudicação sem o prévio aval da Fazenda Pública, que será intimada para "lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos porventura incidentes (...)". Como visto, há uma clara antinomia entre os dispositivos do CPC e do CTN. A tendência inicial da jurisprudência foi a de estender ao máximo o alcance da norma processual, desobrigando os herdeiros de comprovar a regularidade tributária do espólio, de forma ampla, o que provocou uma avalanche de recursos por parte das Fazendas Públicas estaduais e do Distrito Federal. Acompanhamos de perto o tema no Distrito Federal, atuando na equipe de procuradores e demais servidores que militavam no contencioso tributário em matéria sucessória, a qual foi responsável pela elaboração das teses que, posteriormente, deram ensejo à afetação da matéria à sistemática dos recursos repetitivos (REsp 1.895.826-DF e 1.896.526-DF, DJe de 17/11/2020). A tese fazendária, em linhas gerais, é a de que, nos termos do artigo 146, III, "b", da Constituição, compete exclusivamente à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre crédito tributário, o que inclui suas garantias e privilégios (artigos 183 a 193 do CTN). Assim, lei ordinária não poderia se sobrepor ao disposto em lei complementar para afastar as garantias de que dispõe a Fazenda Pública para recebimento de seus créditos. Esse também era o entendimento manifestado pelo STJ em hipóteses semelhantes [2]. Nessa linha de raciocínio, a compatibilização entre a norma tributária e a processual deveria ser feita, quando muito, permitindo-se a prolação da sentença homologatória da partilha independentemente do aval fazendário, nos termos da lei processual, mas condicionando a entrega do formal de partilha e alvarás à prova de quitação dos tributos, conforme dispõe o artigo 192 do CTN. Esse foi, inclusive, o entendimento de Maria Berenice Dias logo após a entrada em vigor do CPC/2015, assinalando que "o não pagamento dos tributos não impede a homologação da partilha, somente a expedição dos formais ou alvarás" [3]. Após mais de dois anos e centenas de recursos interpostos, com outros milhares de processos suspensos no país até a definição da controvérsia — o STJ bateu o martelo no fim de 2022, fixando, no Tema 1.074, a seguinte tese: "No arrolamento sumário, a homologação da partilha ou da adjudicação, bem como a expedição do formal de partilha e da carta de adjudicação, não se condicionam ao prévio recolhimento do imposto de transmissão causa mortis, devendo ser comprovado, todavia, o pagamento dos tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas, a teor dos arts. 659, § 2º, do CPC/2015 e 192 do CTN" (REsp 1.896.526/DF, relatora ministra Regina Helena Costa, 1ª Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 28/10/2022). A solução foi salomônica. No arrolamento sumário, dispensa-se o prévio recolhimento do ITCMD, mas, em contrapartida, persiste a validade da exigência de quitação dos demais tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas. O alentado voto da relatora, cuja leitura recomendamos, interpreta o art. 192 de forma restritiva, defendendo a tese de que ele não se refere ao ITCMD, mas somente “à exigência de pagamento de [outros] tributos concernentes aos bens do espólio e às suas rendas”. Ousamos discordar, embora a questão já esteja definitivamente julgada. Doutrina e jurisprudência anteriores ao novo CPC eram concordes em ressaltar que o artigo 192 do CTN versava sobre garantia abrangente, incluindo o ITCMD e todos os demais tributos devidos pelo espólio. José da Silva Pacheco, há mais de três décadas, já assinalava que a exigência legal "não se restringe à prova de quitação do imposto de transmissão causa mortis, predial ou territorial. Vai mais longe, porque se dirige à prova de pagamento de todos os demais impostos devidos pelo espólio à Fazenda Pública do Município, do Estado ou da União Federal, inclusive em relação a executivos fiscais em aberto" [4]. Aliás, o próprio STJ, ao decidir o Tema nº 391, ainda sob a égide do CPC/1973, entendeu que, em observância ao artigo 192 do CTN, se impunha "o sobrestamento do feito de arrolamento sumário até a prolação do despacho administrativo reconhecendo a isenção do ITCMD" — o que deixa claro que a norma tributária impedia, sim, a entrega do formal de partilha antes da definição sobre a exigibilidade do imposto de transmissão [5]. De todo modo, o julgamento do Tema 1.074 não solucionou todas as controvérsias tributárias no processo de inventário. A título de exemplo, cite-se o parcelamento administrativo. O artigo 192 do CTN utiliza o termo quitação, que é hipótese de extinção do crédito tributário (artigo 156, I, CTN), ao passo que o parcelamento é hipótese de mera suspensão de sua exigibilidade (artigo 151, VI, CTN). Por isso, entendemos que não basta que os débitos estejam parcelados. As diversas leis federais e estaduais sobre Refis, por exemplo, preveem que a opção pelo parcelamento implica a manutenção das garantias oferecidas na execução fiscal até que sobrevenha a efetiva quitação das parcelas [6]. No inventário, entretanto, a jurisprudência tem se mostrado vacilante [7], não havendo decisões recentes do STJ sobre o assunto. Outro tema em aberto é a conversão do rito, para arrolamento sumário, aos "48 minutos do segundo tempo". Se um inventário era inicialmente litigioso e se tornou amigável, ou se havia menor impúbere e este atingiu a maioridade, parece razoável admitir a conversão, ante o superveniente atendimento aos requisitos legais. Em alguns casos, entretanto, o que se tem visto é apenas a mudança do nome do procedimento na sentença, sem a observância dos requisitos para a adoção do procedimento simplificado. Por fim, é preciso mencionar que o artigo 192 do CTN, ao falar em "tributos relativos aos bens do espólio e às suas rendas", abarca também aqueles devidos pelo inventariado como corresponsável tributário (v.g., administrador de sociedade empresarial). Não é incomum que o inventariado deixe um passivo milionário a título de ICMS, ISS, PIS, Cofins etc., cujo pagamento é exigível do espólio, nos termos dos artigos 1.997 do CC, 619 do CPC e 131, II e III, do CTN. Recente precedente do TJDFT, posterior à fixação da tese no Tema 1.074, corretamente afastou a pretensão dos herdeiros fundada em equivocada interpretação do artigo 192 do CTN [8]. Discussões doutrinárias à parte, a definição do Tema 1.074 deixou um recado claro ao Fisco: o crescimento exponencial dos lançamentos administrativos exige que o Estado preste um serviço mais célere e eficiente ao contribuinte, tanto administrativa quanto judicialmente, sob pena de ver a arrecadação cair de forma drástica à medida que se acumulam as intimações para lançamento do tributo. Por outro lado, a dispensa irrestrita do prévio pagamento do ITCMD, ao contrário do que sugere o senso comum, pode ser prejudicial não apenas à Fazenda Pública. Os empecilhos à arrecadação do ITCMD pelo modelo atual podem servir de combustível à tentadora e recorrente ideia de os Estados promoverem mais uma investida no bolso do pagador de impostos. Como dizia Margaret Thatcher, no fim das contas, não existe dinheiro público, apenas o dinheiro do contribuinte. E isso, gostemos ou não, também é tão certo como a morte. [1] Sobre os diferentes procedimentos sucessórios previstos no CPC, vide: inventário judicial (arts. 610 a 658); arrolamento comum (arts. 664 a 667); e arrolamento sumário (arts. 659 a 663). [2] Entre outros: AgRg no REsp 1143326/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, 3ª Turma, DJe 30/04/2012; REsp 681.402/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Turma, DJ 17/09/2007, p. 211; REsp 25.028/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, 2ª Turma, DJ 13/05/1996, p. 15542. [3] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões [livro eletrônico], São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2015, 3ª edição em e-book baseada na 4ª edição impressa. [4] PACHECO, José da Silva. Inventários e Partilhas na Sucessão Legítima e Testamentária, 12. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1988, p. 483. [5] REsp 1.150.336/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09/08/2010, DJe de 25/08/2010. [6] Nesse sentido, vide art. 3º, § 3º, da Lei n. 9.964/2000. [7] No TJDFT, citem-se, entre tantos: contra a possibilidade de entrega do formal de partilha: Acórdão 1177446, 07221564220188070000, Relator: Desa. Leila Arlanch, 7ª Turma Cível, DJe 18/6/2019; a favor: Acórdão 1383984, 07237672520218070000, Relator: Des. Eustáquio de Castro, 8ª Turma Cível, DJe 16/11/2021. [8] Acórdão 1728194, 07057859220218070001, 3ª Turma Cível, Relatora Desa. Maria de Lourdes Abreu, DJe 25/07/2023.
2023-09-13T15:26-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-13/rodrigo-chaves-exigibilidade-itcmd-processo-inventario
tributario
Opinião
Seixas e Destruti: IBS e CSB e operações com bens imateriais
Diz-se que um gato que tenha sido escaldado cria aversão a qualquer tipo de água, mesmo que esta seja fria e inofensiva. Se os contribuintes brasileiros fossem equiparados aos felinos, não seria nenhum exagero afirmar que eles já foram escaldados nas mais altas temperaturas. É justamente por isso que, por mais que a aprovação da Emenda Aglutinativa do Plenário à PEC. 45/2019 pela Câmara dos Deputados tenha sido um importante avanço para o Sistema Tributário Nacional, há alguns pontos que já têm gerado debates entre os aplicadores do direito, e merecem ser analisados com cautela.   Neste breve artigo, e a fim de contribuir com os possíveis ajustes no texto da reforma, destacamos um ponto que pode gerar algumas inquietudes: uso da terminologia "bens imateriais" na definição do fato gerador do Imposto e da Contribuição sobre Bens e Serviços (IBS e CBS). Como se sabe, o atual texto da reforma tributária é uma combinação da PEC 45/2019, do deputado Baleia Rossi, e da PEC 110/2019, do senador Davi Alcolumbre. Ambos os projetos previam originalmente que os fatos geradores do(s) novo(s) tributo(s) seriam as "operações com bens e serviços", assim como as operações com "intangíveis", a "cessão ou licenciamento de direitos", as "locações" (incluídas pela PEC 110/2019) e as "importações". O texto aprovado em 07.7.2023, contudo, prevê que o IBS e a CBS incidirão "sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços". Dentre as diversas questões que podem surgir dessa previsão, uma bastante pertinente nos parece ser: qual será o alcance da expressão "bens imateriais"? Este curioso termo surgiu pela primeira vez no Substitutivo apresentado pela Comissão Mista Temporária da Reforma Tributária formada em 19/2/2020. O texto elaborado por membros de ambas as Casas não seguiu para apreciação do Congresso Nacional por extinção do prazo regimental, mas diversos de seus elementos foram incorporados aos substitutivos das PECs originais, inclusive a definição do fato gerador transcrita acima. Conforme o parecer de Plenário produzido pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o objetivo da redação adotada seria estabelecer uma "base ampla, alcançando o consumo de todos os bens e serviços que existem ou que venham a existir, independentemente [da sua classificação]". Em outras palavras, o objetivo seria alcançar uma ampla gama de atos econômicos e, desse modo, mitigar futuros questionamentos sobre a constitucionalidade da cobrança. Ocorre que, a nosso ver, a expressão "bens imateriais" pode gerar um novo contencioso caso o Senado não venha a esclarecer seus limites quando revisar o texto da reforma tributária. A título de exemplo, levantamos três questões iniciais sobre o futuro conceito de bens imateriais. O objetivo dessas provocações é destacar a importância de uma definição precisa do fato gerador do IBS e da CBS para que fiquem claros os parâmetros de elaboração da legislação complementar. 1) Bens imateriais incluem ou não direitos? Um primeiro ponto que chama a atenção refere-se à inclusão dos "direitos" na categoria de "bens imateriais". Em princípio, a regra matriz de incidência do IBS e da CBS alcança operações com "bens materiais e imateriais, inclusive direitos" (artigo 156-A, §1º, inciso I). Essa mesma redação é utilizada nos incisos que tratam da importação (inciso II) e da tomada de crédito (inciso VIII). Entretanto, o inciso que faz referência à manutenção de créditos na exportação não contém a expressão "inclusive direitos" (inciso III). Qual seria a razão para essa omissão? Uma leitura contextualizada do texto aprovado pela Câmara dos Deputados diria que os "direitos" fazem parte do rol de "bens imateriais", haja visto o uso da palavra "inclusive" após a vírgula. Isto é, em princípio, não seria necessário repetir a expressão “inclusive direitos” no inciso III para garantir a manutenção dos créditos apurados pelo contribuinte em operações de cessão, licenciamento, transferência ou venda de direitos a contrapartes estrangeiras, pois o inciso III asseguraria esses créditos em operações com "bens imateriais". Entretanto, sabemos bem que a análise sistemática nem sempre baliza a aplicação do direito tributário no Brasil, de forma que as autoridades fiscais poderiam alegar que a ausência da palavra "direitos" no inciso III indicaria, na verdade, uma intenção do legislador de impedir que os contribuintes mantenham os créditos apurados nas operações de exportação baseadas na exploração de direitos. Uma mudança simples na redação do texto pelo Senado garantiria mais segurança aos contribuintes.  2) O conceito de bens imateriais poderá incluir ativos monetários e financeiros? Como dito, a Comissão Mista parece ter substituído o termo "intangíveis", presente nas versões originais das PECs 45/2019 e 110/2019, pela expressão "bens imateriais", adotada nas propostas posteriores. Segundo o Pronunciamento Contábil 04 (CPC), os únicos bens incorpóreos não compreendidos no conceito de "ativo intangível" são os "ativos monetários", como caixa ou aplicações financeiras de curto prazo. Até mesmo os ativos financeiros, que possuem um tratamento contábil próprio, podem ser classificados como intangíveis em muitos casos. Assim, fica a dúvida: teria o Congresso pretendido deixar uma brecha para permitir a tributação de, digamos, "bens financeiros" por meio do IBS e da CBS no futuro? Dois pontos são relevantes nesse aspecto. Primeiro, lembramos que o texto original da PEC 110/2019 incorporava o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) na CBS. Nesse contexto, a substituição do termo "intangíveis" por "bens imateriais" teria algum sentido, pois poderia afastar controvérsias quanto à incidência da contribuição sobre transações financeiras, como operações de câmbio ou aplicações financeiras de curto prazo. Entretanto, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados não alcança o IOF de nenhuma forma, de modo que a substituição pode não ter mais sentido no conjunto do texto que segue agora para o Senado. Segundo, no projeto de reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados, os ganhos decorrentes de operações financeiras sujeitos à incidência do IBS e da CBS estão listados no rol taxativo do artigo 10 da Emenda Aglutinativa e deverão ser tributados conforme regime especial a ser estabelecido por lei (futuro artigo 156-A, § 5º, V, "b" da CF/88)[1]. Logo, e considerando especialmente que o artigo 10 classifica essas operações como "serviços financeiros", não como "bens", nos parece que a substituição do já conhecido termo "intangíveis" por "bens imateriais" é, digamos... imaterial. Ainda assim, não se pode descartar a possibilidade de o conceito de "bens imateriais" ser utilizado para alcançar outros ganhos financeiros decorrentes de operações não previstas no artigo 10. Atualmente, vale lembrar, as receitas financeiras estão sujeitas ao regime cumulativo do PIS e da Cofins à alíquota combinada de 4,65%, ou seja, inferior à padrão de 9,25%. Contudo, na hipótese do IBS e da CBS incidirem também sobre ganhos financeiros para além daqueles decorrentes das operações previstas no artigo 10, não haveria fundamento constitucional para respaldar a aplicação de alíquota reduzida como existe hoje. Assim, aguardar a definição da legislação complementar nessa hipótese não parece uma alternativa viável, cabendo ao Senado se posicionar sobre o tema. 3) Qual o papel da definição de bens imateriais que já existe na Constituição brasileira? Por fim, vale também notar que o termo "bens imateriais" já é empregado pela Constituição de 1988. Conforme o artigo 216 da Carta Maior, o patrimônio cultural brasileiro é formado por bens materiais e imateriais que fazem referência à identidade, à ação ou à memória de grupos nacionais. Segundo o referido artigo, os bens imateriais podem englobar "formas de expressão", "modos de criar, fazer e viver", "criações científicas, artísticas e tecnológicas", dentre outros. Ora, é no mínimo inquietante que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados empregue uma expressão já definida pela própria Constituição e de forma tão ampla. A definição de um conceito específico para fins tributários será fatalmente necessária, especialmente considerando que a acepção de bens imateriais prevista no artigo 216 inclui elementos coletivos e/ou sem valor econômico. E caso esse conceito não venha a ser delimitado pelo Senado, uma nova fronteira de disputa surgirá em torno da legislação complementar. Em resumo, parece-nos que o uso de uma nova terminologia para definir o fato gerador do IBS e da CBS (bens imateriais ao invés de intangíveis) transfere para a legislação complementar a competência constitucional de definir o campo de incidência desses tributos. Essa delegação pode ensejar um novo conjunto de controvérsias perante o STF, especialmente se a exação vier a invadir outras competências tributárias ou carecer de coerência jurídica interna. Alguns dirão que ainda é muito cedo para antever se a mudança trará efeitos práticos positivos, no entanto, no atual momento, é fundamental que os termos contidos na proposta sejam depurados e trazidos ao debate, para se evitar a geração de novos contenciosos desnecessários, indo na contramão de um dos principais intuitos da reforma tributária, que é a simplificação do sistema e a consequente redução do contencioso fiscal. Como se diz por aí, gato escaldado tem medo de água fria. [1] Estão compreendidas pelo artigo 10 as seguintes operações financeiras: (a) operações de crédito, câmbio, seguro, resseguro, consórcio, arrendamento mercantil, faturização, securitização, previdência privada, capitalização, arranjos de pagamento, operações com títulos e valores mobiliários, inclusive negociação e corretagem, e outras que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos; (b) outros serviços prestados por entidades administradoras de mercados organizados, infraestruturas de mercado e depositárias centrais, e por instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na forma de lei complementar.
2023-09-13T12:25-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-13/seixas-destruti-ibs-csb-operacoes-bens-imateriais
tributario
Direto do Carf
Ressarcimento do saldo credor da escrita fiscal do IPI
Em artigo publicado nesta coluna em 29/4/2020 tratamos das idas e vindas da evolução jurisprudencial a respeito do direito à correção monetária do ressarcimento do saldo credor da escrita do IPI [1]. Na coluna de hoje, por sua vez, abordaremos outro aspecto dessa saga: a do direito à obtenção do ressarcimento do saldo credor da escrita do IPI, escriturado por transporte de períodos anteriores, direito esse garantido aos contribuintes sem nenhuma limitação pelo artIGO 11, da Lei nº 9.779/99[2], mas que vem sendo sistematicamente negado pela Administração Tributária, agora com o aval da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf. Aliás, é sobre esse recente posicionamento da CSRF que iremos nos debruçar. Antes, todavia, convém contextualizar o tema sob análise. Com o advento do artigo 11, da Lei nº 9.779/99 o legislador ordinário ampliou o alcance do princípio da não cumulatividade do IPI[3], passando a conferir aos contribuintes desse imposto não só o direito de transportar o saldo credor de escrita para os períodos seguintes para fins de abatimento com os débitos gerados por operações futuras[4], mas também o direito de compensar esse saldo credor com outros tributos ou de obter seu ressarcimento em espécie, observadas as normas expedidas pela Receita Federal. A regulamentação do artigo 11 da Lei nº 9.779/99 foi objeto inicialmente do disposto nos seguintes prescritivos: art. 14 da IN  210/2002; art. 16 da IN 460/2004; art. 16 da IN 600/2005; art. 16 da IN 900/2008; art. 21 da IN 1.300/2012; art. 40 da IN 1.717/2017; e, finalmente, art. 43 da IN 2.055/2021[5], atualmente em vigor. Em nenhuma dessas Instruções Normativas existe ou existiu texto expresso no sentido de impedir que os contribuintes obtenham o ressarcimento em dinheiro do saldo credor que foi escriturado no trimestre-calendário objeto do pedido de ressarcimento em virtude de transporte de trimestres anteriores. Não há qualquer restrição normativa nesse sentido. A jurisprudência do Carf, tanto no âmbito das câmaras baixas como no âmbito da CSRF vinha reconhecendo, de forma majoritária, o direito ao ressarcimento do saldo credor de escrita acumulado transportado de trimestres anteriores ao trimestre de referência do pedido de ressarcimento, conforme, exemplificativamente, decidiram os Acórdãos 3403-003.574[6], de 25/02/2015; 3401-008.374[7], de 21.10.2020; 9303-005.881[8], de 19.10.2017; 9303-007.144[9], de 11.07.2018; e 9303-007.910[10], de 24.01.2019. A CSRF, contudo, deu uma guinada nesse posicionamento consolidado e a partir do Acórdão 9303-007.148[11], de 11.07.2018, passou a negar o direito expressamente previsto no artigo 11, da Lei nº 9.779/99, com a seguinte ementa: ESCRITA FISCAL. SALDO CREDOR ACUMULADO. TRIMESTRES CALENDÁRIO ANTERIORES. MANUTENÇÃO DO CRÉDITO. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO OU RESSARCIMENTO. VEDAÇÃO LEGAL. Admite- se a manutenção, na escrita fiscal, do crédito de IPI remanescente de outros trimestres-calendário e sua utilização para dedução de débitos do IPI de períodos subsequentes da própria empresa ou da empresa para a qual o saldo for transferido. Contudo, apenas o saldo credor correspondente ao crédito básico escriturado no mesmo trimestre-calendário pode ser objeto de pedido de ressarcimento/compensação. É interessante notar que o sobredito acórdão julgou matéria inexistente naqueles autos, uma vez que pretensamente teria reformado o Acórdão 3402-004.071, que em momento algum tratou do direito ao ressarcimento do saldo credor de escrita transportado de períodos anteriores. A decisão contida no Acórdão 3402-004.071 se limitou a declarar o direito do contribuinte a pleitear, em um único documento formal (PER), saldos credores apurados em mais de um trimestre-calendário, em face de o PER ter sido transmitido antes do advento da IN SRF 728/2007, que estabeleceu a limitação no sentido de que cada PER só poderia se referir ao ressarcimento de saldo credor correspondente a um trimestre calendário. Apesar de o Acórdão 9303-007.148 ter julgado matéria estranha à controvertida na decisão que pretendeu reformar, ele vem sendo citado como fundamento dos julgados que o sucederam sem que haja um maior senso crítico acerca desse ponto, como ocorre, por exemplo, no Acórdão 9303-008.675[12], de 16.05.2019, cujo trecho do voto condutor segue abaixo: (...) No mérito, esta Turma enfrentou a mesma questão em julgamento realizado em 11/07/2018, tendo sido o Acórdão nº 9303-007.148 assim ementado: ESCRITA FISCAL. SALDO CREDOR ACUMULADO. TRIMESTRESCALENDÁRIO ANTERIORES. MANUTENÇÃO DO CRÉDITO. POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO OU RESSARCIMENTO. VEDAÇÃO LEGAL. Admite-se a manutenção, na escrita fiscal, do crédito de IPI remanescente de outros trimestres-calendários e sua utilização para dedução de débitos do IPI de períodos subsequentes da própria empresa ou da empresa para a qual o saldo for transferido. Contudo, apenas o saldo credor correspondente ao crédito básico escriturado no mesmo trimestre calendário pode ser objeto de pedido de ressarcimento/compensação. Transcrevo o Voto Vencedor do ilustre Conselheiro Andrada Márcio Canuto Natal, que adoto como razões de decidir (...). Outra nota de destaque, é que na mesma sessão de julgamento do dia 11.07.2018 a CSRF veiculou os Acórdãos 9303-007.144[13] e 9303-007-148[14] imaginando que estava julgando a mesma matéria, mas com resultados diametralmente opostos, pois no primeiro Acórdão reconheceu, por unanimidade de votos, o direito de o contribuinte obter o ressarcimento do saldo credor formado por transporte de saldos credores de períodos anteriores e, no segundo julgado, negou esse direito por voto de qualidade. Não obstante, existe ainda um outro sério problema nesse atabalhoado overruling[15]. Ao se comparar a composição da CSRF quando dos julgamentos retratados nos Acórdãos n. 9303-007.144 e 9303-007.910, favoráveis ao aproveitamento de saldo credor, com a composição desse mesmo órgão quando da veiculação do Acórdão n. 9303-007.148, restritivo ao aproveitamento de saldo credor, não se observa sequer uma única mudança na composição daquele órgão julgador [16]. É bem verdade que a mudança de pessoas em um determinado órgão julgador não deve ser fundamento hábil a justificar um overruling, mas o mínimo que se espera nessa situação é que o julgador que venha a alterar seu posicionamento justifique essa guinada[17], já que seu posicionamento para uma dada matéria, como expressão das manifestações do órgão julgador no qual ele está inserido, se sujeitam aos deveres de estabilidade, coerência e integridade (artigo 926 do CPC). Logo, a alteração do posicionamento pessoal de um julgador também implica, em última análise, mudança de uma posição institucional, o que demanda — repita-se — um pesado ônus argumentativo [18]. Por fim, existe ainda outro problema, inclusive para fins de conhecimento de recursos especiais interpostos pela Fazenda Nacional nessa questão. Isso porque, o Acórdão Carf nº 9303-007.148, que vem sendo tratado como pretensamente representativo da posição restritiva da CSRF, foi veiculado em 11/7/2018. Acontece que o Acórdão nº 9303-007.910, proferido pela mesma CSRF e permissivo em relação ao uso de saldo credor de IPI, é de 24.01.2019, ou seja, posterior e antagônico àquele que vem sendo indevidamente tratado como representativo da posição consolidada da CSRF para a matéria. Em verdade, o Acórdão CARF n. 9303-007.148 é uma decisão anacrônica, já que superado por entendimento posterior em sentido contrário daquele mesmo órgão, o que impede, inclusive, que lhe seja atribuído o status de paradigma para fins de interposição de recurso especial [19]. Como se vê, a saga do direito ao ressarcimento do saldo credor de escrita gerado por transporte de períodos anteriores ainda está longe de ser pacificada no Carf, cabendo aos contribuintes a dura missão de apontar não só os equívocos da interpretação das Instruções Normativas, desconectadas das normas de hierarquia superior que pretenderam regulamentar; mas também as diferenças entre ressarcimento de saldo credor acumulado na escrita por transporte de trimestres anteriores de cumulação de saldos credores de mais de um trimestre no mesmo PER e, ainda, essa preocupante e inexplicável alteração da jurisprudência do tribunal, pautada pelo reconhecimento de recursos especiais julgados com base um acórdão "paradigma" anacrônico e, portanto, inservível para essa função.   [1] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-29/direto-carf-jurisprudencia-carf-pedidos-ressarcimento-ipi. Acessado em 04.09.2023. [2] Art. 11.  O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. [3] CF/88, art. 153, IV, § 3º: Compete à União instituir impostos sobre (...) IV – produtos industrializados (...) § 3º - O imposto previsto no inciso IV (...) II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; (...). [4] Lei nº 4.502/64, art. 27: Quando ocorrer saldo credor de impôsto num mês, será êle transportado para o mês seguinte, sem prejuízo da obrigação de o contribuinte apresentar ao órgão arrecadador, dentro do prazo legal previsto para o recolhimento, a guia demonstrativa dêsse saldo. [5] Art. 43. Na hipótese de remanescerem, ao final do trimestre-calendário, créditos do IPI passíveis de ressarcimento depois de efetuadas as deduções e transferências admitidas na legislação, a pessoa jurídica poderá requerer à RFB o ressarcimento do saldo credor ou utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a tributos administrados pela RFB. § 1º São passíveis de ressarcimento ou de compensação somente os créditos do IPI escriturados no trimestre-calendário de referência do pedido de ressarcimento, observado o disposto no § 2º. § 2º Podem compor o saldo credor passível de ressarcimento ou de compensação somente: I - os créditos do IPI relativos a entradas de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem para industrialização; II - os créditos presumidos do IPI, como ressarcimento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, previstos na Lei nº 9.363, de 1996, e na Lei nº 10.276, de 2001, excluídos os valores recebidos por transferência da matriz; e III - os créditos presumidos do IPI de que tratam os incisos III a VIII do caput do art. 12 do Decreto nº 7.819, de 2012, nos termos do art. 15 do referido Decreto, excluídos os valores recebidos por transferência da matriz. § 3º Os créditos presumidos do IPI a que se refere o inciso II do § 2º poderão ter seu ressarcimento requerido ou sua compensação declarada à RFB somente depois da entrega, pelo estabelecimento matriz da pessoa jurídica, do Demonstrativo do Crédito Presumido (DCP) do trimestre-calendário de apuração. [6] Conselheiro Relator Antonio Carlos Atulim. [7] Conselheira Relatora Fernanda Vieira Kotzias. [8] Conselheiro Relator Demes Brito. [9] Conselheira Relatora Vanessa Marini Cecconello. [10] Conselheiro Relator Luiz Eduardo de Oliveira Santos. [11] Conselheiro designado para o voto vencedor Andrada Márcio Canuto Natal. [12] Conselheiro Relator Rodrigo da Costa Pôssas. [13] Conselheira Relatora Vanessa Marini Cecconello. [14] Conselheiro designado para o voto vencedor Andrada Márcio Canuto Natal. [15] A qualificação crítica ao pretenso overruling praticado pela CSRF é aqui designada porque, em verdade, para que de fato essa guinada configurasse a superação de um precedente, ela demandaria um pesado ônus argumentativo, a ser justificado por mudanças de caráter econômico e/ou político e/ou social e/ou jurídico relevantes, que implicasse a configuração de um outro contexto para a questão. Não é o caso, já que não há uma linha sequer no citado Acórdão n. 9303-007.148 a fundamentar tal superação. [16] Em todos os casos referidos a CSRF era composta pelos seguintes Conselheiros: Andrada Márcio Canuto, Tatiana Midori Migiyama, Luiz Eduardo de Oliveira Santos, Demes Brito, Jorge Olmiro Lock Freire, Érika Costa Camargo Autran, Vanessa Marini Cecconello e Rodrigo da Costa Pôssas. [17] Ressalte-se que mantiveram seus posicionamentos inalterados os Conselheiros representantes dos contribuintes (Tatiana M. Migiyama, Demes Brito, Érika C. C. Autran e Vanessa M. Cecconello), pelo direito ao uso do saldo credor, bem como um Conselheiro representante do fisco (Jorge O. L. Freire), pela impossibilidade de transposição do saldo credor. [18] Aqui cabem todas as críticas já tecidas em outro texto nosso a respeito da inexistência de um modelo metodologicamente adequado de precedentes no âmbito do CARF: ConJur - A jurisprudência do Carf e a inexistência de modelo de precedentes. Acessado em 04.09.2023. [19] Na linha da Súmula n. 83 do STJ (Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.)
2023-09-13T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-13/direto-carf-ressarcimento-saldo-credor-escrita-fiscal-ipi-saga-continua
tributario
Opinião
Alexandre Herlin: A subvenção para investimentos sumiu
Após décadas de debates e controvérsias em torno da amplitude do conceito da expressão subvenções para investimentos e dos seus efeitos tributários, o governo federal simplesmente decidiu colocar um ponto final no assunto, a pretexto de eliminar a insegurança jurídica e a litigiosidade. Para isso, no contexto de uma enxurrada de tentativas de modificações e reformas na legislação tributária (consumo, renda, investimentos no Brasil e no exterior, processo administrativo tributário, cumprimento de obrigações acessórias etc), editou a Medida Provisória nº 1.185/2023: a) por um lado, revogando o tratamento tributário que até então vinha sendo dispensado às referidas subvenções, que permitia, sob determinadas condições, a exclusão desses valores do lucro líquido, para fins de determinação do IRPJ e da CSLL; e b) por outro, instituindo um novo modelo, de curta duração, consubstanciado na fruição de crédito fiscal a ser apurado pela pessoa jurídica subvencionada que se habilitar para tanto, mediante a observância de alguns requisitos e procedimentos. Da análise dos requisitos e procedimentos para a fruição do referido crédito fiscal, constata-se que, na realidade, materializou-se significativo aumento no impacto tributário do recebimento desse tipo de subvenção, para fins de IRPJ e CSLL. O primeiro ponto é que, para se fazer jus ao crédito fiscal, a subvenção deverá ter por objeto a efetiva implantação ou expansão de empreendimento econômico, na qual existam condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica subvencionada. Esse requisito já exclui automaticamente do direito à fruição do crédito fiscal qualquer outro benefício fiscal que não possua essa característica específica, restringindo o conceito de subvenção para investimento até então consagrado, sobretudo em relação aos incentivos de âmbito estadual. Tal redução de escopo, vale destacar, distancia-se também da interpretação dada à matéria pelo Superior Tribunal de Justiça, quer no que diz respeito à violação do pacto federativo, no que diz respeito aos benefícios estaduais ou municipais, quer no que se refere à própria extensão do conceito de subvenção para investimento. Outro aspecto que salta aos olhos é que o mencionado crédito fiscal será concedido levando-se em conta apenas o IRPJ, dando a entender que o valor a ser apurado a esse título será inferior à economia obtida a partir da exclusão das subvenções do lucro líquido, para fins de determinação do IRPJ e da CSLL. Isso torna-se ainda mais claro quando se constata que, na apuração do crédito fiscal, serão incluídas apenas as receitas de subvenção que tenham sido computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Ou seja, enquanto os valores correspondentes à subvenção devem ser computados na base de cálculo de ambos os tributos (IRPJ e CSLL), o crédito fiscal será apurado em relação a apenas um deles (IRPJ). Ainda na apuração do crédito fiscal, somente poderão ser computadas as receitas de subvenção reconhecidas após a conclusão da implantação ou da expansão do empreendimento, de modo que as receitas de igual natureza que porventura venham a ser reconhecidas antes desse momento, segundo o regime de competência, não darão direito ao referido crédito. E, por fim, na apuração do aludido crédito, não poderão ser computadas as receitas reconhecidas após 31/12/2028, isto é, a partir de 1/1/2029, extinguir-se-á definitivamente esse direito, de modo que eventuais receitas de subvenção auferidas a partir dessa data deverão ser oferecidas à tributação, sem qualquer exclusão, crédito ou desconto. O crédito fiscal outorgado nesse curto prazo de validade poderá ser objeto de compensação, com débitos próprios, relativos a tributos e contribuições administrados pela Receita Federal, ou de ressarcimento em dinheiro. Nesse ponto, vale destacar que (1) tais pedidos deverão ser formalizados após a entrega da ECF, que ocorre apenas em meados do ano-calendário seguinte, e (2) não sendo possível a compensação, o ressarcimento se dará no quadragésimo oitavo mês contado da referida entrega. Ou seja, a utilização desse crédito fiscal não será fácil, nem rápida, e se processará muito tempo depois de o "beneficiário" ter submetido as receitas de subvenção à tributação pelo IRPJ e pela CSLL. Vê-se, portanto, que a adoção dessa medida não eliminará a insegurança jurídica, nem a litigiosidade tributária, descortinando, por outro lado, o real interesse que lhe é subjacente de produzir aumento na arrecadação tributária.
2023-09-13T07:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-13/alexandre-herlin-subvencao-investimentos-sumiu
tributario
Opinião
José Gimenes: Atrasos do STF geram bolsões de precatórios
A chamada crise dos precatórios carrega uma conta atual de R$ 270 bilhões, a ser paga pelo poder público, e poderá alcançar R$ 700 bilhões em 2026, segundo estimativas. Entre as ações judiciais contra a União com risco de derrota, mais de 60% são questões tributárias, que já foram estimadas em mais de R$ 1,4 trilhão, com possibilidade de geração de mais precatórios. Para comparação da grandeza, o orçamento federal da saúde para 2023 é R$ 146 bilhões. Entre as grandes demandas tributárias contra a União destacam-se a "tese do século", exclusão do ICMS da base cálculo do PIS e da Cofins, com impacto estimado no orçamento público acima de R$ 300 bilhões, entre restituições via precatório e compensações. Depois vêm as ações judiciais envolvendo crédito de insumos no PIS e Cofins, com impacto estimado acima de R$ 200 bilhões. Mesmo que os números acima sejam estimativas exageradas, o problema do pagamento dos precatórios (e compensações) é certo, imenso, crescente e complexo, uma tragédia nacional em andamento, envolvendo União, estados e municípios. O Executivo e Legislativo federal vêm apresentando e debatendo soluções possíveis, como limites anuais para pagamento de precatórios, exclusão dos precatórios do teto de gastos (ou das chamadas despesas primárias) e até  parcelamento para pagamento dos precatórios. Um ponto central, o principal causador dessa tragédia nos pagamentos públicos, entretanto, não tem sido lembrado e considerado para enfrentamento do problema: a demora exagerada do STF para decidir questões de abrangência nacional, especialmente tributárias e previdenciárias, que têm forte impacto nos orçamentos públicos, gerando grandes ondas de expectativas jurídicas e, quando vencido o poder público, bolsões monstruosos de precatórios (ou compensações). O exemplo máximo da ruinosidade causada pela demora do STF é a da chamada "tese do século", acima mencionada, que, mesmo com modulação em favor do Fisco, gerou um bolsão de restituições estimado acima de R$ 300 bilhões. Este processo ficou girando nos escaninhos do STF por muitos anos. Chegou ao STF em dezembro de 2007 e foi julgado somente em 2017, com embargos de declaração julgado em setembro 2021, portanto, 14 anos de demora (RE 574.706/PR). Entre dezenas de casos, mais dois exemplos: crédito de insumos no PIS e Cofins, com impacto estimado de R$ 200 bilhões, chegou ao STF em 2014 e foi julgado somente em novembro de 2022, com trânsito em julgado em fevereiro de 2023  (RE 841.979); ICMS Seletividade, alíquota maior para telecomunicações e energia elétrica, começou na Justiça de Santa Catarina com ação contra lei estadual de 1996, chegou ao STF em 2012 e só foi julgado em dezembro de 2021 (RE 714.139/SC). É direito da sociedade reagir contra aumentos e mudanças nos tributos, buscando reconhecimento de inconstitucionalidades, realizando uma necessária e salutar impugnação democrática. O que é anormal e nocivo é o STF demorar muitos anos para julgar o caso, as vezes décadas, gerando monumentais expectativas jurídicas, milhares de ações judiciais repetitivas pelo país afora, disputados filões jurídicos, acumulações bilionárias de possíveis créditos e, depois, severas dificuldades para o orçamento público. Nestes casos, o tamanho da dívida a ser paga pelo poder público é diretamente proporcional à demora do STF para julgar a causa. Em alguns, a quantia é tão elevada que passa a ser argumento financeiro para modulação (redução) dos efeitos da decisão. Caso o STF tivesse julgado essas grandes controvérsias em prazos razoáveis, máximo de 1 ou 2 anos, cumprindo a exigência constitucional de eficiência e a urgência da modernidade que estamos inseridos, a situação dos pagamentos públicos seria muito diferente, além da segurança e confiança jurídica decorrente para todo o sistema legal. O julgamento rápido pelo STF também permitiria ao Fisco, em caso de derrota, reformular logo a tributação combatida e manter o necessário equilíbrio do orçamento público. Deve ser bem destacado que esse disparate não ocorre por falta de compromisso ou responsabilidade dos honoráveis ministros do STF, mas por conta  de um problema estrutural maior, exatamente o modelo absurdamente concentrador de competências processuais impostas à nossa Suprema Corte, que acaba recebendo mais de 70 mil processos por ano, funcionando como corte constitucional, recursal e até instrutória em alguns casos, estranhíssimo arranjo na comparação com suas congêneres, impossibilitando o julgamento rápido das causas de maior importância para a nação, especialmente questões tributárias de grande abrangência e grave impacto financeiro. Outro ponto pouco debatido e considerado é a maldade e injustiça em relação aos consumidores, os contribuintes de fato dos tributos embutidos nos preços dos produtos e serviços. Os contribuintes de direito, empresas fornecedoras dos produtos e serviços, enquanto debatem a validade dos tributos por décadas, em quatro instâncias, até chegar ao STF, cobram dos clientes, consumidores finais, embutidos nos preços, o tributo impugnado. Entretanto, quando recebem as restituições milionárias acumuladas, via precatório ou compensações, não devolvem a parte dos consumidores, desatendendo o sentido do artigo 166 do CTN e Súmula 546 do STF.       Temos então uma situação duplamente trágica e injusta, provocada pelo modelo altamente concentrador de competências no STF e consequentes atrasos exagerados no julgamento de questões nacionais importantes: o problema do pagamento, via precatório ou compensação, provocando graves crises nos orçamentos públicos e a transferência de riquezas retiradas da economia popular, de milhões de consumidores, contribuintes de fato, para poucos contribuintes de direito, grandes  empresas, gerando enriquecimentos duvidosos. O STF não pode agasalhar essa disfuncionalidade, mais de uma década, muitas vezes duas, para resolver controvérsia tributária nacional e consequente acumulação de créditos bilionários. O STF precisa buscar caminhos e ferramentas eficientes para enfrentar essa distorção estrutural, passando certamente por forte redução de sua competência processual. Não bastasse, tem ainda a possibilidade de agravamento dessa crise vexatória. Está em andamento no Parlamento um novo arcabouço tributário nacional, com grandes mudanças e inclusive criação de novos tributos. Após aprovação, a nova legislação certamente será escrutinada e impugnada com dezenas de alegações de inconstitucionalidade, a serem resolvidas pelo STF. A continuar esse modelo demorado de solução, essa tragédia se repetirá, ainda com mais gravidade,  para as próximas duas ou três gerações. A sociedade precisa cobrar dos poderes constituídos um acertamento nesse destempero judicial, para o bem do Brasil.
2023-09-13T06:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-13/jose-gimenes-atrasos-stf-geram-bolsoes-precatorios
tributario
Opinião
Morad e Freire: Mais um capítulo na história das subvenções
Em conjunto com outras medidas para aumento da arrecadação, o governo federal editou a Medida Provisória (MP) nº 1.185, publicada em 31/8/23, com efeitos a partir de 1º/1/2024 (se convertida em lei ainda em 2023). A MP dá novo tratamento às subvenções concedidas pela União, estados, Distrito Federal e municípios, introduzindo, caso convertida em lei, um novo cenário jurídico sobre o tema, sobretudo, conforme se verá, por passar a tributá-las pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, com a revogação dos artigos em sentido contrário a partir de sua vigência, garantindo apenas um anacrônico crédito fiscal de IRPJ. No contexto dos incentivos e benefícios fiscais de ICMS, antes da MP, o tema vinha sendo tratado da seguinte forma: o artigo 30 da Lei nº 12.973/14, com redação dada, em parte, pela Lei Complementar (LC) nº 160/17, dispunha que as subvenções para investimento, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, desde que registradas em reserva de lucros, não seriam computadas na determinação do lucro real. Posteriormente, com o intuito de encerrar a insegurança jurídica que pairava sobre o tema, foi aprovada a LC 160/17, que introduziu o §4º no artigo 30 da Lei 12.973/14 para assegurar que os incentivos e benefícios fiscais de ICMS seriam considerados subvenções para investimento, vedando-se a exigência de outros requisitos não previstos no artigo. Em síntese, ao equipar todos os incentivos e benefícios fiscais de ICMS às subvenções para investimento, não mais haveria que se falar na incidência do IRPJ e da CSLL sobre ditos valores (desde que observados os requisitos legais). Diante das infindáveis discussões sobre o tema, o STJ julgou, em 26/04/2023, o Tema Repetitivo nº 1.182. Na ocasião, aplicando a jurisprudência histórica daquela Corte (EREsp 1.517.492/PR), reconheceu a exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL pela violação ao Pacto Federativo (impossibilidade de a União tributar políticas fiscais dos Estados), bem como que, no contexto do artigo 30 da Lei 12.973/14, não se exige a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos para que a exclusão ocorra, resguardando à Receita o direito de fiscalizar a utilização dos valores para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento. Atualmente aguarda-se julgamento de embargos de declaração. Assim que finalizado o julgamento do repetitivo, o Ministério da Fazenda comemorou um suposto êxito governamental, o que abriria caminho para o alcance de sua meta fiscal. No entanto, contraditoriamente, editou a MP 1.185/23, a qual, pela sua Exposição de Motivos, é crítica à introdução do §4º no artigo 30 da Lei 12.973/14, que teria causado distorções tributárias, com impactos negativos para a arrecadação federal. Dito de outra forma, a MP veio justamente com a intenção de encerrar a equiparação de todos os incentivos e benefícios fiscais de ICMS às subvenções para investimento (não sujeitas à incidência do IRPJ e CSLL por força do §4º do artigo 30 da Lei 12.973/14), por expressamente discordar de tal dispositivo e para evitar perda de arrecadação de cerca de R$ 80 bilhões ao ano, conforme sua Exposição de Motivos. A grande novidade, portanto, é que, a partir de 1º/01/2024, caso convertida em lei, as subvenções de todos os entes federados, ao contrário do que ocorria até então, estarão sujeitas às incidências do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, independentemente de sua modalidade, haja vista que a MP não cita em nenhum momento, ainda que exemplificativamente, quais seriam essas subvenções. Aliás, em coletiva de imprensa realizada em 1º/09/2023, o Secretário da Fazenda adiantou que a MP abrange créditos presumidos de ICMS, o que vai de encontro ao entendimento do STJ no Tema Repetitivo nº 1.182. Como uma espécie de atenuação à incidência, a MP dispõe que as subvenções para investimento passam a gerar "créditos fiscais" de IRPJ passíveis de ressarcimento em dinheiro ou compensação com tributos administrados pela Receita. Os créditos corresponderão ao produto das receitas de subvenção e da alíquota do IRPJ, inclusive a alíquota adicional, isto é, o crédito fiscal está limitado ao montante subvencionado e à alíquota do IRPJ (25%), não abrangendo a CSLL. Sobre os créditos fiscais, poderão ser beneficiárias pessoas jurídicas habilitadas perante a Receita, desde que 1) o ato concessivo da subvenção seja anterior à data de implantação ou de expansão do empreendimento econômico e 2) o ato concessivo da subvenção estabeleça, expressamente, as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou expansão do empreendimento econômico. A habilitação será indeferida caso não atendidos os requisitos e será cancelada caso a pessoa jurídica deixe de atendê-los, podendo a Receita realizar a avaliação periódica das subvenções. O crédito será apurado na ECF do ano-calendário do reconhecimento das receitas de subvenção, sendo que somente poderão ser computadas receitas de subvenção relacionadas com a implantação ou expansão do empreendimento econômico (excluindo-se a parcela que superar este valor), desde que reconhecidas após a sua conclusão e do protocolo do pedido de habilitação. Não poderão ser computadas as receitas não relacionadas com as despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas à implantação ou expansão do empreendimento, tampouco a parcela das receitas que superar o valor das subvenções concedidas, das receitas não computadas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, das receitas decorrentes de incentivos do IRPJ e do próprio crédito fiscal decorrente de subvenção para investimento. No mais, as receitas reconhecidas após 31/12/2028 não gerarão créditos fiscais. Acerca das regras de apuração, nota-se que, para a MP, não importa o montante subvencionado, mas, sim, o custo do empreendimento, resultando no incremento do IRPJ sem o respectivo crédito da totalidade da quantia subvencionada. Desse modo, o crédito fiscal de IRPJ perde, em princípio, o seu sentido, pois apenas seria juridicamente válido se anulasse o efeito da incidência sobre todo o montante subvencionado, dada a ausência de natureza jurídica de "renda" da totalidade da renúncia fiscal do ente federado. A propósito da utilização do crédito, a MP dispõe que o pedido de ressarcimento e declaração de compensação serão recepcionados após a entrega da ECF que demonstre o direito creditório e a partir do ano-calendário seguinte ao do reconhecimento das receitas de subvenção. Se não for objeto de compensação, a Receita efetuará o ressarcimento apenas no 48º mês contado do pedido de ressarcimento. O exemplo a seguir demonstra a perigosa lógica da MP: se dada subvenção é concedida em 2024, mas o empreendimento é finalizado em 2027, a pessoa jurídica, além de pagar IRPJ, CSLL, PIS e Cofins durante todos esses anos, só poderá se valer do crédito do IRPJ a partir de 2028, após a entrega da ECF em julho. Em outras palavras, o crédito fiscal do IRPJ é anacrônico sob diversas perspectivas: 1) depende de um processo prévio de habilitação da pessoa jurídica perante a Receita, cujos prazos e regras para tanto são até agora desconhecidos, 2) é condicionado à conclusão da implantação ou expansão do empreendimento, 3) o pedido de ressarcimento e a declaração de compensação só serão recepcionados após a entrega da ECF demonstrando o direito ao crédito e 4) a partir do ano-calendário seguinte ao do reconhecimento das receitas de subvenção. Nesse novo cenário, a partir de 1º/1/2024, não mais será necessária constituição de reserva de incentivos fiscais, ao contrário do que ocorria à luz do artigo 30 da Lei 12.973/14. Como resultado, a introdução das incidências do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins levará a um incremento de ao menos 18,25% da carga tributária, somadas as alíquotas desses tributos na determinação do lucro real com a exclusão do crédito do IRPJ. Ocorre que, como dito, no Tema Repetitivo nº 1182, o STJ definiu que os créditos presumidos de ICMS (e similares) não se sujeitam à incidência do IRPJ e da CSLL pela violação ao Pacto Federativo. Em que pese a ausência de trânsito em julgado, é pouco provável que o racional do referido julgado seja revisto, sem contar a possibilidade de o tema subir ao STF em sede de repercussão geral, principalmente os das violações ao Pacto Federativo e aos conceitos de "renda" e "lucro" tratados na Constituição (que inibem a incidência dos tributos federais sobre "renúncias fiscais" ou "transferências patrimoniais" dos entes federados). Igualmente, no Tema de Repercussão Geral nº 843, ainda pendente de julgamento, o STF discutirá a constitucionalidade da incidência do PIS e da Cofins sobre os créditos presumidos de ICMS a partir do conceito de "receita", sendo que, em meados de 2021, o julgamento chegou a ser finalizado em pauta virtual de forma favorável ao contribuinte, todavia, houve pedido de destaque e o feito voltará a julgamento de forma presencial. Esse julgamento, naturalmente, poderá impactar também o IRPJ e a CSLL. Isso significa que a MP "nascerá" em confronto com o entendimento do STJ quanto aos créditos presumidos de ICMS (e similares), pois o seu racional não se limita ao cenário da Lei 12.973/14, bem como poderá confrontar o julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 843 pelo STF. Quanto ao cenário jurídico anterior à MP, adicionam-se os seguintes comentários: a eventual conversão da MP, dada a sua vigência a partir de 1º/01/2024, naturalmente, não prejudica em nada autos de infração e eventuais contenciosos administrativo e judicial relativos ao período anterior ao seu advento, tendo, pelo contrário, o condão de favorecer as discussões ao contribuinte quanto a este período, sobretudo pela sua intenção deliberada, expressa na Exposição de Motivos, de encerrar, a partir de então, a não sujeição das subvenções para investimento aos tributos federais. Assim, valida-se, mesmo que indiretamente, que os incentivos e benefícios fiscais de ICMS não necessariamente vinculados aos projetos de ampliação ou expansão de empreendimentos econômicos, à luz do então vigente artigo 30 da Lei 12.973/14, alterado pela LC nº 160/17, podem ser excluídos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, em sintonia com o posicionamento atual do STJ no Tema Repetitivo nº 1182. Quanto ao cenário jurídico posterior à MP, adicionam-se os seguintes comentários: contribuintes com decisão judicial favorável afastando a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS (e similares) pela violação ao Pacto Federativo, ainda que ajuizadas anteriormente ao seu advento, poderão refletir acerca da não sujeição às alterações da MP quanto a esta modalidade de subvenção, a depender da causa de pedir, pedido e andamento de cada ação judicial ou, eventualmente, judicializar o tema preventivamente. Ainda quanto ao cenário jurídico posterior à MP: os projetos subvencionados já aprovados sob a égide do artigo 30 da Lei 12.973/14, alterado pela LC 160/17, diante da equiparação das subvenções para custeio às subvenções para investimento, levando-se em conta a sua expectativa de não sujeição às incidências do IRPJ e da CSLL, em princípio, não deveriam se sujeitar ao novo regramento da MP, dada a orientação geral até então vigente (legislação e jurisprudência), sob pena de violação aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da não-surpresa. O mesmo poderia se dizer sobre PIS e Cofins, cuja MP revoga os artigos das Leis nos 10.637/02 e 10.833/03 que excluíam as subvenções de sua base de cálculo. Adicionalmente, há outra potencial inconstitucionalidade da MP em questão, na medida em que esta revoga a equiparação legal, via lei complementar, de todos os incentivos e benefícios fiscais de ICMS às subvenções para investimento, excluídas, até então, se observados os requisitos legais, das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Isso porque, é questionável acima de tudo a urgência da edição da MP, uma vez que, conforme sua Exposição de Motivos, a urgência estaria presente pelo alinhamento aos padrões internacionais, às normas de responsabilidade fiscal e à finalidade de estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico. Esses argumentos, ainda que possam justificar a relevância da MP, não revelam a sua urgência, razão pela qual o Congresso, nos termos do §5º do artigo 62 da Constituição, deveria realizar, negativamente, o juízo prévio de sua admissibilidade, o que poderia se dar também perante o STF, que tem admitido o controle de constitucionalidade pela ausência dos requisitos constitucionais de relevância e urgência (ADI 7.232). No mais, embora o STF já tenha decidido que poderia lei ordinária revogar lei complementar, o mesmo Supremo já afirmou que "é vedado ao Poder Executivo editar medida provisória que disponha sobre matéria reservada à lei complementar" (ADI 7.232). Nesse contexto, ao revogar dispositivo inserido no ordenamento jurídico por meio da LC 160/17, editada com o propósito de dirimir conflito de competência em matéria tributária entre União e estados, está-se diante de matéria reservada à lei complementar, nos termos do artigo 146, I, da Constituição, o que inibe a sua revogação via lei ordinária. Portanto, não há dúvidas de que a MP 1.185/23 majora abrupta e demasiadamente a carga tributária das pessoas jurídicas que se valem das subvenções como forma de auxiliar na viabilização da sua atividade empresarial, ainda que o STJ, independentemente da norma tributária infraconstitucional que trate do tema, tenha afastado as incidências do IRPJ e da CSLL sobre créditos presumidos de ICMS (e outros similares) pela violação ao Pacto Federativo, e esteja pendente de definição as incidências do PIS e da Cofins sobre estes mesmos créditos presumidos de ICMS, o que poderá, indiretamente, gerar impactos para todos os incentivos e benefícios fiscais de ICMS pela violação aos conceitos de "renda", "lucro" e "receita", fomentando, mais uma vez, a judicialização, inclusive quanto à revogação de norma introduzida via lei complementar (para encerrar conflito de competência) por medida provisória.
2023-09-14T19:14-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-14/morade-freire-capitulo-historia-subvencoes
tributario
Opinião
Bruno Guimarães: O Fisco, quando perde, fura a bola
No último dia 31 de agosto foi publicada a MP nº 1.185, que traz importantes inovações no que diz respeito ao tratamento tributário a ser conferido a benefícios fiscais de ICMS e a subvenções de investimento recebidas por contribuintes. Contudo, antes de se analisar o que são tais inovações, mostra-se salutar uma breve recapitulação sobre o assunto, para fins de melhor compreensão não somente do que mudou, mas também o porquê de o governo federal querer mudar o tratamento da matéria. Em 2017 foi publicada a LC 160. Tal diploma legal tinha como grande foco tratar do problema da guerra fiscal entre estados, mas acabou versando, também, a respeito de outro importante tema: o tratamento fiscal a ser dado aos benefícios fiscais de ICMS. Assim, alterou a redação do artigo 30, da Lei 12.973/14, dispondo que todos os incentivos/benefícios fiscais de ICMS teriam natureza jurídica de subvenção para investimentos, para fins de exclusão do lucro real, desde que observados os requisitos expressos trazidos por aquele dispositivo de lei, sendo vedada a imposição de qualquer outro requisito adicional (como aqueles previstos no Parecer Normativo Cosit 112/78, até então, cobrados pelo Fisco Federal). Portanto, criou-se uma ficção jurídica, no sentido de equiparar incentivo/benefícios fiscais de ICMS a subvenções para investimento, no que diz respeito aos respectivos reflexos na apuração do Imposto de Renda, desde que respeitados os requisitos estabelecidos pela novel legislação: o registro dos valores subvencionados em conta patrimonial de reserva de lucros/reserva de incentivos fiscais. A grande questão é que a Receita Federal não se contentou com a nova legislação e a superação das demais exigências que, historicamente, impunha aos contribuintes no que diz respeito ao tratamento fiscal, para fins de tributação sobre o lucro, relativamente a subvenções para investimento. Assim, seguiu exigindo uma série de controles e comprovações que transbordavam das condicionantes legais, a saber (repete-se): o registro dos valores subvencionados em conta patrimonial de reserva de lucros/reserva de incentivos fiscais. Em síntese, o Fisco defende que cabe a verificação se os incentivos/benefícios de ICMS foram efetivamente concedidos para expansão ou implantação de empreendimentos econômicos, haja vista que esta seria uma condição constante do caput do artigo 30, da Lei 12.973/14. Portanto, além do requisito contábil (de natureza formal), seria necessário perquirir da efetiva aplicação dos respectivos valores, mediante comprovações e demonstrações outras que não apenas o referido registro contábil. O tema gerou muitas discussões no Carf, tanto em suas turmas ordinárias quanto na sua Câmara Superior, tendo prevalecido o entendimento dos contribuintes, no sentido de que a LC 160/17, ao modificar o artigo 30, da Lei 12.973/14, afastou a competência do Fisco para perquirir quaisquer outros requisitos que não apenas aquele constante da própria lei, referente à exigência de registro contábil específico. Não apenas isso, mas a questão também foi decidida favoravelmente aos contribuintes pela 1ª Seção do STJ, quando do julgamento do Tema Repetitivo 1.182. Na oportunidade, decidiu-se que tais benefícios fiscais poderiam ser excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL, desde que atendidas algumas exigências, descritas na LC 160/17 e no artigo 30 da Lei 12.973/14, afastando-se a necessidade de comprovação que tal estímulo fiscal foi concedido para implantação ou expansão de empreendimento econômico. Acontece que o Fisco, quando perde, fura a bola. Eis o contexto da MP nº 1.185, que estabelece uma série de exigências para que subvenções para investimento possam não mais ter tratamento próprio via IRPJ, mas sim sejam compensados ou ressarcidos. Assim, não somente as exigências sustentadas pelo Fisco passam a ser exigidas via medida provisória, como também há uma total modificação na sistemática dos reflexos tributários das subvenções para investimento, tornando a situação dos contribuintes ainda pior. Implementa-se agora a exigência dos requisitos sempre defendidos pela Receita, no sentido de necessidade de demonstração de que as ditas subvenções para investimento foram efetivamente utilizadas para fins de implantação ou expansão do empreendimento econômico (artigo 1º e 2º). Ainda, institui-se a exigência de uma habilitação do contribuinte junto à Receita (artigo 3º), exigindo-se não somente que a subvenção seja anterior à implantação ou expansão, mas também que a sua lei concessiva estabeleça, expressamente, "as condições e contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico" (artigo 4º). Não se pode deixar de referir que, não raras vezes, leis estaduais concessivas de benefícios fiscais de ICMS não contam com tal tipo de descrição, o que obviamente é consabido por todos e, agora, explorado legislativamente como forma de restringir os seus efeitos benéficos aos contribuintes. Ademais, as subvenções para investimento não mais impactarão na apuração do IRPJ das empresas, mas passam a conceder um crédito fiscal que serve para fins de compensação tributária ou ressarcimento em dinheiro, mas que somente poderá ser aproveitado após a entrega da ECF "na qual esteja demonstrado o direito creditório" (artigo 9º e 10). Logo, as subvenções para investimento deixam de importar para fins de apuração do lucro tributável, servindo agora como um crédito a ser aproveitado de maneira futura, eis a ECF costuma ser entregue pelos contribuintes por meados do ano-calendário subsequente ao da respectiva apuração fiscal. Os demais artigos trazem um regramento a respeito da forma de cálculo do crédito fiscal de subvenção para investimento e suas formas de aproveitamento, mas é no artigo 15, IV, que consta seu maior golpe: a revogação do artigo 30, da Lei 12.973/14, que previa a equiparação de incentivos/benefícios fiscais de ICMS a subvenções para investimento. Assim, não somente se tem uma postergação e burocratização do aproveitamento tributário de subvenções para investimento, como também uma efetiva restrição, na medida em que se extingue a equiparação de incentivos/benefícios fiscais de ICMS a subvenções para investimento. Ou seja, a MP 1.185 encerra uma discussão que o Fisco vinha perdendo, estabelecendo à canetada exigências até então inexistentes em textos legais, restringindo, postergando e burocratizando algo que vinha sendo reconhecido em favor dos contribuintes. Mas não para por aí. Depois de ter perdido o jogo, houve por bem não deixar que ninguém mais jogue, extinguindo a ficção de equiparação dos benefícios fiscais de ICMS à figura da subvenção para investimentos. A postura é típica de um "dono da bola" mimado que, ao perder, vai embora e ninguém mais pode jogar.
2023-09-14T15:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-14/bruno-guimaraes-fisco-quando-perde-fura-bola
tributario
Opinião
Opinião: Incidência imediata dos pisos em saúde e educação
Há cerca de duas semanas os pisos federais em saúde e educação voltaram a ser regidos pelos artigos 198 e 212 do texto permanente da Constituição. Isso ocorre por força do artigo 9º da Emenda nº 126, de 21 de dezembro de 2022, que determinou a imediata revogação do artigo 110 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (inserido sob o marco do Teto de Despesas Primárias), a partir da sanção da Lei Complementar nº 200, de 30 de agosto de 2023 (mais conhecida como Novo Arcabouço Fiscal). Ao invés da mera garantia de correção monetária do quanto aplicado no exercício anterior, foi retomado o dever de a União aplicar em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) o patamar mínimo de 15% da sua receita corrente líquida (RCL), à luz do artigo 198 da CF. Em igual medida, foi restabelecido o dever de aplicação mínima em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) de montante equivalente a 18% da receita de impostos da União, conforme prescreve o artigo 212 da CF/1988. Destaca-se que o artigo 110 do ADCT não havia revogado os pisos em saúde em educação fixados pelos artigos 198 e 212 da Constituição, apenas suspendera sua incidência no período de 2018 a 2036. Uma vez revogada a regra do teto de despesas primárias, voltou a valer imediatamente o texto permanente da CF, donde resta afastada qualquer suspeita apressada de que haveria um indevido efeito repristinatório nessa seara. Muito embora a sanção da LC 200/23 tenha revogado imediatamente o Teto, o Executivo federal tem suscitado a possibilidade de consultar o Tribunal de Contas da União (TCU) acerca da transição de regime fiscal da execução orçamentária em andamento, em busca da postergação da incidência dos artigos 198 e 212 da CF para 2024. Quem defende tal adiamento alega que o artigo 12 da LC 200/23 teria estendido os limites individualizados do teto até o final de 2023 e que haveria suposta dificuldade de o governo federal requantificar as dotações em ASPS e MDE no último quadrimestre do ano, diante do incremento da arrecadação verificada ao longo do presente exercício. Como os pisos são porcentuais incidentes sobre a receita, eles tenderiam a reduzir a margem fiscal disponível para as demais políticas públicas. A bem da verdade, ambas as argumentações são frágeis, seja porque pretendem subordinar os artigos 198 e 212 da CF a regras infraconstitucionais, seja porque contingentemente relativizam apenas para a União o regime jurídico dos pisos em saúde e educação. Todos os entes da federação são obrigados a acomodar as demais políticas públicas ao cumprimento dos pisos, monitorando eventuais ajustes na estimativa da arrecadação para que sejam incorporados, dinâmica e periodicamente, no fluxo das despesas sanitárias e educacionais — embora exista o risco de que os demais entes federados decidam seguir o precedente da União, o que seria juridicamente lastimável. Esse, aliás, é o comando expresso do parágrafo único do artigo 23 da Lei Complementar nº 141/2012 em relação ao piso em ASPS, bem como do §4º do artigo 69 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em relação ao piso em MDE. Tampouco cabe — na atual transição de regime dos pisos (com a revogação artigo 110 do ADCT e a retomada dos artigos 198 e 212 da CF) — invocar soluções aplicadas em transições anteriores. O presente contexto se distingue do quanto apreciado no Acórdão TCU nº 1.048/2018-Plenário, onde foi analisada a transição de regime do piso federal em saúde, até então regido pela Emenda nº 86/15, para o piso determinado pelo Teto. Naquela ocasião, o TCU debateu algo específico e datado. Discutiu-se se a revogação do artigo 2º da Emenda 86, empreendida pelo artigo 3º da Emenda 95 (Teto) produziria efeitos imediatos e impactaria a execução orçamentária dos últimos 15 dias de 2016. O arranjo dado pela Emenda nº 86/15 foi trocado pela garantia de mera correção monetária ao longo da vigência vintenária do "Novo Regime Fiscal" da Emenda 95 (Teto de Despesas Primárias). O referido Acórdão do TCU sedimentou a aplicação do piso federal em saúde de 13,2% da RCL em 2016 e 15% da RCL em 2017, de modo que, a partir de 2018, passaria a haver correção monetária sobre a base de cálculo de 2017 e assim sucessivamente em relação aos exercícios posteriores, enquanto o Teto vigorou. Tal entendimento do TCU acabou sendo validado nos autos da ADI 5.595, onde, em decisão apertada do STF (6 votos a 5), foi negada a procedência do pleito de inconstitucionalidade dos arts. 2º e 3º da EC nº 86. Não se pode confundir o cenário de 2023 com o de 2016. Agora não há qualquer dúvida razoável a ser esclarecida acerca do imediato restabelecimento dos gastos mínimos fixados em bases proporcionais à RCL federal já durante o exercício financeiro em curso, pois é patente a revogação do teto de despesas primárias e a plena vigência dos pisos de saúde e educação previstos anteriormente na CF, embora faltem quatro meses para o encerramento do exercício. Tanto pelo prisma jurídico, quanto sob o foco estritamente fiscal, a implícita proposta de conferir ultratividade ao artigo 110 do ADCT – mediante mera interpretação administrativa e, portanto, sem a promulgação de uma nova emenda constitucional – fere a Separação de Poderes e ofende a CF. Nesse sentido, deve-se observar a decisão do Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade da Súmula 277 do TST e das decisões judiciais que reconheciam o princípio da ultratividade de acordos e convenções coletivas no âmbito trabalhista. Não cabe ao Executivo federal realizar tal fuga hermenêutica para que seja adiada para 2024 a transição determinada pelo constituinte derivado no final de 2022. Para ocorrer assim, seria necessário que constasse da lei complementar prevista no artigo 9º da Emenda 126, que foi editada em 30 de agosto passado — na qual não consta tal diferimento. Caso o Congresso quisesse diferir a incidência dos pisos em saúde e educação como proporção da arrecadação da União para o próximo exercício financeiro, teria indicado tal opção de forma literal no bojo da Emenda nº 126/22; bem como teria claramente conferido ultratividade ao artigo 110 do ADCT, como fez com os limites individuais de despesa primária na forma do art. 12 da LC nº 200/23. A revogação da regra transitória que previa mera correção monetária dos deveres de gasto mínimo em saúde e educação opera efeitos imediatos e prospectivos, restabelecendo imediatamente a plena vigência dos pisos inscritos no texto permanente da CF/1988. Obedecendo os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tão caros ao STF, espera-se que o restabelecimento dos pisos conforme o texto permanente da CF ocorra imediatamente após a sanção da LC nº 200, relativamente ao último quadrimestre do ano de 2023. Descabido será adiar a incidência dos artigos 198 e 212 da Constituição para 2024, tampouco é possível propor que o cômputo dos pisos como porcentuais da receita federal retroaja a janeiro de 2023. Tal compreensão parte, dentre outras normas, do artigo 2º da Lindb. O fato é que o orçamento de 2023 foi aprovado pelo Congresso ocupando toda a grande margem fiscal dada pela Emenda nº 126, ou seja, sem espaço para o restabelecimento dos pisos — o que estava correto, pois adequado à norma então vigente (o Teto dado pela EC 95), que foi expressamente revogada pela EC 126, a partir da edição da LC 200. Logo, com a mudança constitucional — destaca-se: constitucional — não pode vigorar lei que não atenda aos pisos de educação e saúde, devendo ser aplicada a norma constitucional de forma proporcional ao quadrimestre em curso, e não retroativa a 1/1/2023. A atual transição precisa ajustar o fluxo da programação orçamentária e financeira no último quadrimestre do ano (1º de setembro até 31 de dezembro) para torná-lo constitucional. Estima-se um impacto de cerca de R$ 6 bilhões no orçamento federal que deve ser absorvido primordialmente em favor do piso em saúde. Muito há por ser feito em relação ao aprimoramento qualitativo dos pisos em saúde e educação, mas negar-lhes os recursos constitucionalmente vinculados é a forma mais abusiva de encerrá-los em um círculo vicioso de precarização fiscal, baixo apreço social pelos correspondentes serviços públicos, aumento da demanda pelos seus congêneres serviços privados e desvios que impedem a consecução dos respectivos planos setoriais. Só com saúde e educação fortes e para todos é que se poderá reconstruir esse país. Afinal, aludidos direitos fundamentais têm uma posição preferencial na CF, dentre os Desca (Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), não só por serem os únicos com prescrição de piso de recursos públicos, como também por serem essenciais à realização dos objetivos do artigo 3º da CF.
2023-09-14T10:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-14/opiniao-incidencia-imediata-pisos-saude-educacao
tributario
Encontro de contas
Fazenda não deve compensar saldo de ICMS ao lavrar auto de infração
A utilização de crédito de ICMS para compensação do tributo devido é uma possibilidade a ser exercida pelo contribuinte no momento do lançamento por homologação. Assim, não é possível impor ao Fisco que faça esse encontro de contas no momento do lançamento de ofício. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial de um laboratório farmacêutico que tentava anular um auto de infração lavrado pela Fazenda de São Paulo pelo não pagamento de ICMS no valor de R$ 1,8 milhão. Segundo o contribuinte, o Fisco paulista deixou de considerar que ele tem R$ 20 milhões em créditos de ICMS aptos a serem compensados em sua escrituração contábil. A alegação é que a decisão administrativa feriu o princípio da não cumulatividade. É plenamente possível usar esse crédito para compensar a cobrança futura de ICMS, desde que isso seja feito dentro do prazo de cinco anos da data de emissão do respectivo documento fiscal. O que se discutiu, no caso, foi uma possível ampliação das formas admitidas para essa compensação. O direito à compensação pode ser exercido no lançamento do ICMS por homologação, quando o próprio contribuinte calcula o tributo e antecipa o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, a quem caberá homologar esse ato. Se o contribuinte não declara o fato gerador do ICMS, o lançamento por homologação é substituído pelo lançamento de ofício, em que o agente fiscal calcula o montante devido. No caso, isso ocorreu pela lavratura de um auto de infração por falta de pagamento, com imposição de multa. Para a empresa, caberia ao Fisco paulista, no momento de lavrar o auto de infração, perceber que ela tinha crédito suficiente para abater a totalidade do que não recolheu a título de ICMS. Essa possibilidade já foi admitida pelo STJ, em precedente da 2ª Turma (REsp 1.250.218). Para as instâncias ordinárias, no entanto, esse encontro de contas é uma tarefa do contribuinte, que pode ou não exercê-la no momento oportuno. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concluiu que não há qualquer dever da administração fazendária de fazer essas contas. Essa interpretação foi referendada por unanimidade de votos na 1ª Turma. Relator, o ministro Gurgel de Faria observou que cabe somente ao contribuinte escolher o momento para compensação dos créditos de ICMS e quais deles serão efetivamente aproveitados. Se a empresa não exerce essa faculdade no momento oportuno, não pode fazê-lo retroativamente. "Concluo, assim, que o direito de crédito somente pode ser exercitável no âmbito do lançamento por homologação", afirmou o relator. Consequências Na visão do ministro Gurgel de Faria, é simplesmente impossível o Fisco considerar eventual saldo credor de ICMS no lançamento de ofício do imposto. Isso porque a análise feita depende da validade das declarações e dos documentos apresentados pelo contribuinte quando da ocorrência do fato gerador. "Se cada vez que o Fisco não homologar a apuração e o pagamento do imposto for necessária a investigação de toda a documentação fiscal relacionada com os créditos do contribuinte, o objeto da fiscalização será aumentado em muitas vezes, inviabilizando, na prática, o exercício do mister da administração tributária", explicou ele. Essa questão prática também foi levada em conta no voto-vista da ministra Regina Helena Costa, que classificou o lançamento por homologação como instrumento de praticabilidade para pagamento do ICMS, pois simplifica e racionaliza a atividade administrativa. Para ela, adotar a disciplina do lançamento por homologação também para os casos de lançamento de ofício resultaria na redução significativa desses benefícios e implicaria salvo-conduto para uma atuação descompromissada com a cultura de conformidade fiscal. Uma empresa que possui créditos de ICMS, por exemplo, não precisaria se preocupar com a falta de pagamento do tributo no futuro ou com obrigações tributárias acessórias, pois caberia ao próprio Fisco afastar essas irregularidades em prol de uma compensação que o próprio contribuinte não fez quando teve a oportunidade. "Ademais, caso a medida pleiteada se tornasse a regra, os direitos da empresa recorrente de parcelar o débito, buscar a transação e utilizar posteriormente o saldo, observado o prazo decadencial, seriam atingidos", concluiu a ministra. Clique aqui para ler o acórdão AREsp 1.821.549
2023-09-14T08:47-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-14/nao-cabe-fazenda-compensar-saldo-icms-lavrar-auto-infracao
tributario
Opinião
Bernardo Rocha: Antecipação dos efeitos da tutela recursal
Em julgamento no último dia 3 de agosto, a 14ª Câmara de Direito Público confirmou a antecipação da tutela recursal, e reformou decisão que negou a tutela de urgência para suspender a exigibilidade de ITBI incidente sobre a operação de integralização de imóveis ao capital social de holding sem receita operacional. Para a câmara julgadora, a ausência de receita operacional da empresa durante os três anos subsequentes à integralização de imóveis ao capital social não afasta a imunidade do ITBI, na medida em que sequer exerceu qualquer atividade imobiliária. Nos termos do artigo 156, §2º, I, da Constituição, não há incidência de ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, exceto se a atividade preponderante for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. O CTN, ao regulamentar a matéria por meio dos artigos 36, I e 37, §§1º e 2º, estabeleceu que não há incidência do tributo sobre a realização de capital social e, ainda, definiu que haverá atividade preponderante "quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente" decorrer de transações imobiliárias, o que deve ser apurado "levando em conta os três primeiros anos seguintes à data da aquisição" quando se tratar de empresa recém constituída. Dessa forma, com a lavratura do auto de infração pelo município de São Paulo sobre a realização de capital social no primeiro ano de existência da holding, que não auferiu qualquer receita operacional nos anos subsequentes, o contribuinte ajuizou ação anulatória visando o cancelamento dos débitos, que, diante da negativa da concessão da tutela de urgência, interpôs agravo de instrumento julgado procedente pelo TJ-SP sob o fundamento de que a autuação "ter se dado com base em mera presunção do Fisco, não se justificando, para tanto, a inexistência de receita operacional". O tribunal afastou, ainda, o entendimento do município de que a ausência de receitas operacionais desvirtua a finalidade da imunidade tributária, uma vez que a mera (e eventual) inatividade, por si só, não afasta a imunidade do ITBI, posto que se trata de uma indevida interpretação extensiva da legislação tributária por parte do Fisco. A decisão é exemplificadora por se tratar de holding patrimonial sem receita operacional nos primeiros anos de existência, o que por vezes ocasiona na incorreta exigência do ITBI pelo Fisco sobre a integralização do capital social.
2023-09-15T16:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-15/bernardo-rocha-antecipacao-efeitos-tutela-recursal
tributario
Opinião
Reginaldo Albuquerque: Distribuição de royalties deve ser justa
A distribuição de royalties de petróleo, além de seguir a lei, precisa ser justa e coerente. É inadmissível que algumas cidades litorâneas, especialmente de Rio de Janeiro e São Paulo, banhadas pelo mesmo oceano, não sejam classificadas entre os principais beneficiários de royalties, em detrimento de seus vizinhos, que criaram fundos soberanos para administrar o alto volume de recursos, como é o caso de Niterói e Maricá (RJ). Em São Paulo, as linhas do IBGE deixam Ubatuba fora da zona de produção principal de petróleo (ZPP), enquanto cidades vizinhas, com litoral menor, chegando até o Rio de Janeiro, estão na mesma ZPP. É o caso de se questionar o sentido da norma de distribuição que contempla 15 vizinhos e exclui uma cidade banhada pelas mesmas águas.  Isso é a degeneração da técnica pela ausência de bom senso. No Rio, Mangaratiba, com vasto litoral, que ficou sem confrontação com a produção de petróleo, em consequência das "linhas burras" do IBGE. Elas consideram porções territoriais de Angra dos Reis como última linha do litoral, em detrimento de Mangaratiba. Magé, São Gonçalo e Guapimirim — além de Mangaratiba e São Francisco de Itabapoana — também não foram consideradas na zona de produção principal. O litoral fluminense tem 25 cidades. Qual a razão de se excluir cinco? O IBGE briga com a geografia e se amarra no critério equivocado de que as águas internas da baía não pertencem ao oceano. De onde são então? Nada justifica não aplicar o mesmo critério para todos os municípios do litoral. As interpretações da lei que contrariam o princípio da isonomia devem ser barradas, em nome do equilíbrio na distribuição dessa receita. O STF já corrigiu o IBGE nas linhas divisórias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, dando ao Paraná royalties que eram devidos à Santa Catarina. O IBGE acerta, mas também erra. O importante é se corrigir. O próprio IBGE percebeu seu erro histórico de interpretação no caso do litígio entre São Sebastião e Ilhabela.   Não é o caso de entrar no discurso pouco técnico de se distribuir royalties para cidades distantes do litoral, sem qualquer relação com a indústria do petróleo, mas não se pode permitir o desequilíbrio nos critérios para distribuição entre municípios de praia, na região de exploração petrolífera, que cria cidades riquíssimas ao lado de vizinhos paupérrimos.
2023-09-15T15:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-15/reginaldo-albuquerque-distribuicao-royalties-justa
tributario
Direito do Agronegócio
PIS/Cofins e o crédito do frete na aquisição para o agronegócio
Na cadeia do agronegócio, muitos insumos utilizados no processo produtivo estão exonerados do PIS/Cofins, havendo casos de alíquota zero ou mesmo suspensão. A discussão, ainda não pacificada, tendo idas e vindas, diz respeito à possibilidade ou não do crédito no regime não cumulativo do PIS e Cofins quanto ao serviço de transporte — frete — nas aquisições de insumos não tributados. À luz da não cumulatividade prevista no texto constitucional (artigo 195, § 12) e concretizada em lei, a partir da previsão de direito ao crédito do insumo e também do frete (artigo 3º, II e IX, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003), é possível em nossa visão a tomada do crédito. Uma inicial interpretação do artigo 3º, IX, da Lei nº 10.833/2003 poderá levar à equivocada afirmação de que inexiste crédito de frete na entrada de produtos (aquisição), mesmo que o ônus seja do adquirente, uma vez que o texto legal faz menção à venda. Não há dúvida de que este posicionamento interpreta de forma isolada e literal o inciso IX, deixando de revelar a adequada amplitude do texto normativo. A legislação deve ser interpretada de maneira sistemática, levando em consideração, portanto, todo o ordenamento jurídico, razão pela qual o inciso IX, forçosamente, há de ser analisado à luz da não-cumulatividade, bem como dos demais dispositivos da Lei nº 10.833/2003, sobretudo, incisos I e II do artigo 3º, expressamente mencionados pelo inciso IX. Mais do que isso, a interpretação deve se atentar à finalidade do texto normativo, permitindo que este cumpra seu desiderato, sem contradição e incoerência. Tais ponderações iniciais são relevantes para se afirmar que há plena viabilidade do crédito quanto ao pagamento do frete na aquisição, quando o adquirente assume o ônus, o que é incontroverso no caso concreto, inexistindo questionamento. Isto porque: (1) - a interpretação há de ser feita à luz da não-cumulatividade; (2) - a legislação permite o crédito quando o frete estiver relacionado à venda de mercadorias ou aquisição de insumos; (3) - não existe previsão legal vedando o crédito de maneira que as restrições devem ser interpretadas de modo literal e estrito; (4) - existe explícita pretensão no texto normativo para se reconhecer, no regime não-cumulativo, o crédito para venda de mercadorias e insumos, seja na entrada ou saída; (5) - excluir o crédito de frete pelo simples fato de se alterar quem assume o ônus do serviço (vendedor ou adquirente) é uma interpretação incoerente, diante da finalidade da legislação; (6) - cabe analisar o contexto jurídico e fático, levando em consideração a complexidade da operação, eis que, a partir do transporte, indispensável à obtenção da mercadoria para venda ou insumo (bem ou serviço), permite-se a continuidade do processo produtivo por meio da revenda ou utilização para realizar um serviço ou elaborar um produto a ser comercializado. O frete pago pelo adquirente na compra de mercadoria ou de insumos não deixa de ser um custo, de maneira que a avaliação de toda a operação e sua complexidade impõe o crédito em tais hipóteses, até mesmo como forma de concretizar verdadeiramente a não-cumulatividade. Bem por isso, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que [1] "na apuração do valor do PIS/Cofins, permite-se o desconto de créditos calculados em relação ao frete também quando o veículo é adquirido da fábrica e transportado para a concessionária — adquirente — com o propósito de ser posteriormente revendido". Neste sentido, ainda, de longa data, temos julgamentos firmados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf): "CRÉDITO DA COFINS NÃO-CUMULATIVA. SERVIÇO DE FRETE NA AQUISIÇÃO DE INSUMO. POSSIBILIDADE. Como o custo com frete compõe o valor da despesa na aquisição de insumo, ele deve fazer parte do cálculo do crédito da Cofins não-cumulativa, nos termos do art. 3o, inciso II, da Lei nº 10.833/2003" [2]. Para que seja possível o crédito do frete nas operações de aquisição (entrada), cumpre observar as seguintes condições: (1) - ser uma operação para aquisição de bens para (re)venda ou insumos (bens ou serviços) utilizados na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda (no caso concreto a grãos, fertilizantes, entre outros — insumos da requerente); (2) - o pagamento deve ser assumido pelo adquirente; (3) - o serviço deve ser tributado; (4) - prestado por pessoa jurídica domiciliada no Brasil. Deste modo, ficaria somente a discussão a respeito do crédito ser possível ou não pelo fato de que os insumos transportados não gerariam este direito de modo que o "acessório segue o principal". Em síntese: o frete acompanha a sorte do bem ou insumo para se constatar a viabilidade do crédito? Acreditamos que não. A partir do momento que se nota a relevância e essencialidade do frete no processo produtivo do adquirente, por transportar bens para revenda ou insumos (hipótese em discussão no caso), tem-se a confirmação de que este serviço se caracteriza também como insumo, independentemente da forma de tributação do que se transporta. Daí porque, cabe ao contribuinte, a partir desta constatação, verificar somente se o serviço realizado de transporte está sujeito ao pagamento de tais contribuições e, por conseguinte, apurar o montante do crédito nos moldes da legislação. Bem por isso, o fato de a mercadoria ou insumo não ser tributada, ter alíquota reduzida ou majorada, ou suspensão, ou mesmo estar regido por situações de crédito presumido [3], não implica na impossibilidade do crédito ou mesmo alteração da apuração do montante [4]. Perante o Carf, o tema não é novo, sendo possível citar de forma exemplificativa recente decisão reconhecendo o direito ao crédito do frete, dada a sua natureza autônoma: "FRETES COMPRAS PRODUTOS NÃO TRIBUTADOS. POSSIBILIDADE. Os fretes pagos na aquisição de produtos integram o custo dos referidos insumos e são apropriáveis no regime da não cumulatividade do PIS e da Cofins, ainda que o produto adquirido não tenha sido onerado pelas contribuições. Trata-se de operação autônoma, paga à transportadora, na sistemática de incidência da não-cumulatividade. Sendo os regimes de incidência distintos, do produto (combustível) e do frete (transporte), permanece o direito ao crédito referente ao frete pago" [5]. Por sua vez, também houve reconhecimento neste sentido pela Câmara Superior do Carf: "CRÉDITOS. DESPESAS COM FRETE (AUTÔNOMO). NÃO CUMULATIVIDADE AQUISIÇÃO DE INSUMOS. ALÍQUOTA ZERO. SUSPENSÃO. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO HAJA VEDAÇÃO LEGAL. O inciso II do artigo 3o das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, que regem as contribuições não cumulativas, garante o direito ao crédito correspondente aos insumos, mas excetua expressamente a aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição (inciso II do § 2o do art. 3o). Tal exceção, contudo, não invalida o direito ao crédito referente ao frete pago pelo adquirente dos produtos sujeitos à alíquota zero ou com suspensão, desde que o frete tenha sido efetivamente onerado pelas contribuições, e que não haja vedação leal a tal tomada de crédito. Sendo os regimes de incidência distintos, do insumo adquirido e do frete a ele relacionado, permanece o direito ao crédito referente ao frete pago a pessoa jurídica, na situação aqui descrita" [6]. Portanto, há precedentes relevantes que reconhecem o direito ao crédito do frete em tais hipóteses. Por fim, para não restar dúvida do direito ao crédito o próprio fisco chegou a explicitar este direito pela Instrução Normativa nº 2.121/2022, em seu artigo 176: "Art. 176. Para efeito do disposto nesta Subseção, consideram-se insumos, os bens ou serviços considerados essenciais ou relevantes para o processo de produção ou fabricação de bens destinados à venda ou de prestação de serviços (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, caput, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, caput, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21). § 1º. Consideram-se insumos, inclusive: (...) XVIII - frete e seguro relacionado à aquisição de bens considerados insumos que foram vendidos ao seu adquirente com suspensão, alíquota 0% (zero por cento) ou não incidência;   XIX - frete e seguro relacionado à aquisição de máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado de que trata o inciso I do caput do art. 179 quando a receita de venda de tais bens forem beneficiadas com suspensão, alíquota 0% (zero por cento) ou não incidência;"  Ora, esta prescrição do artigo 176, § 1º, XVII e XIX, da Instrução Normativa nº 2.121/2022, somente explícita um direito que já estava vigorando desde o advento do regime não cumulativo de PIS/Cofins. Não se nega que houve a revogação (julho/2023) de referidos incisos, no entanto, como é cediço, a Instrução Normativa não cria, muito menos restringe, direitos, dada a necessidade de respeitar ao princípio/regra da legalidade. Bem por isso, somente explicita (declara) direitos existentes, de tal modo que a revogação em nada altera o direito ao crédito do frete na entrada, que já existia antes de referidas alterações, sendo somente uma confirmação. Vejamos também precedente favorável citando a instrução normativa pelo Carf, por sua Câmara Superior: "FRETES NA AQUISIÇÃO DE INSUMOS TRIBUTADOS COM ALÍQUOTA ZERO OU ADQUIRIDOS COM SUSPENSÃO DO PIS E DA COFINS. CREDITAMENTO. POSSIBILIDADE. IN RFB Nº. 2.121/2022. É possível o aproveitamento de créditos sobre os serviços de fretes utilizados na aquisição de insumos não onerados pelas contribuições ao PIS/COFINS. Inteligência do art. 176, XVIII, IN RFB nº. 2.121/2022" [7]. Em suma: há possibilidade do crédito de frete — serviço de transporte — nas aquisições de insumos sem tributação (alíquota zero, isenção, suspensão, não incidência). [1] - STJ, REsp 1215773/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2012, DJe 18/09/2012.; Vale lembrar que antes deste precedente havia decidido o Superior Tribunal de Justiça que: O art. 3º, IX, da Lei 10.833/2003 restringe o creditamento ao frete na operação de venda de mercadoria, não contemplando o transporte da entrada dos produtos no estabelecimento industrial” (STJ, REsp 1237707/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 01/04/2011). [2] - CARF, 3ª Seção, AC. 3401-001.896, 4ª Câmara, 1ª Turma, j. 18/07/2012. Cf. CARF, 3ª Seção, AC. 3301-00.980, 3ª Câmara, 1ª Turma, j. 07/07/2011; CARF, Ac. 3402-002.881, j. 28/01/2016. [3] Por exemplo: arts. 8º e 9º da Lei n. 10.925/2004. [4] Naturalmente, se advier alguma lei expressa em sentido contrário, daí em tese é possível a restrição ou modificação na apuração do crédito. [5] - CARF, 3ª Seção, Ac. 3401-011.736, j. 27/06/2023. Cf. CARF, 3ª Seção, Ac. 3401-010.662, j. 27/09/2022. [6] - CARF, CSRF, 3ª Seção, Ac. 9303-013.973, j. 12/04/2023. No mesmo sentido: “NÃO CUMULATIVIDADE. CRÉDITOS. FRETE NA AQUISIÇÃO DE INSUMOS TRIBUTADOS À ALÍQUOTA ZERO. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. Os fretes de aquisição de insumos que tenham sido registrados de forma autônoma em relação ao bem adquirido, e submetidos a tributação (portanto, fretes que não tenham sido tributados à alíquota zero, suspensão, isenção ou submetidos a outra forma de não-oneração pelas contribuições) podem gerar créditos básicos da não cumulatividade, na mesma proporção do patamar tributado. No caso de crédito presumido, sendo o frete de aquisição registrado em conjunto com os insumos adquiridos, receberá o mesmo tratamento destes. No entanto, havendo registro autônomo e diferenciado, e tendo a operação de frete sido submetida à tributação, caberá o crédito presumido em relação ao bem adquirido, e o crédito básico em relação ao frete de aquisição, que também constitui “insumo”, e, portanto, permite a tomada de crédito (salvo nas hipóteses de vedação legal, como a referida no inciso II do § 2o do art. 3o da Lei 10.833/2003).”(CARF, CSRF, Ac. 9303-013.859, j. 16/03/2023); Cf. ainda: CARF, CSRF, Ac. 9303-013.669, j. 14/12/2022; CARF, CSRF, Ac. 9303-013.578, j. 18/11/2022. [7] - CARF, CSRF, Ac. 9303-013.950, j. 12/04/2023.
2023-09-15T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-15/direito-agronegocio-piscofins-credito-frete-aquisicao-agronegocio
tributario
Opinião
Santos e Gimenes: Estrangeiras na alienação societária
A tributação dos ganhos de capital auferidos na alienação de participações societárias, a despeito de regulamentada há décadas, permanece suscitando controvérsias nos tribunais administrativo e judiciais. O tema ganha contornos ainda mais incertos quando o adquirente é residente no exterior. Uma das controvérsias existentes sobre o assunto — e que aqui se pretende analisar — diz respeito à base de cálculo do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e a influência (ou não) da variação cambial (positiva ou negativa) sobre sua apuração. A legislação brasileira estabelece a equiparação do tratamento fiscal dos ganhos de capital auferidos por residentes brasileiros e não residentes ("empresas estrangeiras"). Isto é, nos termos do artigo 18 da Lei nº 9.249/95, o ganho de capital auferido por residente ou domiciliado no exterior será apurado e tributado de acordo com as regras aplicáveis aos residentes no Brasil. Trazendo maior esclarecimento sobre o alcance do referido dispositivo, a Instrução Normativa SRF nº 208/2002 estabeleceu em seu artigo 26 que "a alienação de bens e direitos situados no Brasil realizada por não-residente está sujeita à tributação definitiva sob a forma de ganho de capital, segundo as normas aplicáveis às pessoas físicas residentes no Brasil". Pelos citados dispositivos, nota-se que o Brasil optou por adotar o modelo de tributação pela fonte de produção [1], de modo que é devido o IR sobre o ganho de capital contanto que o bem ou direito alienado esteja localizado no território brasileiro, ainda que o adquirente não seja aqui residente. Tal situação também implicou no questionamento sobre a atribuição da responsabilidade pelo pagamento do imposto, em especial nas hipóteses em que o adquirente não está localizado no Brasil. Nesse sentido, o artigo 26 da Lei nº 10.833/03 [2] e o artigo 21, §4º, inciso II, da Instrução Normativa RFB nº 1.455/2014 atribuem ao procurador do adquirente estrangeiro a responsabilidade pelo recolhimento do Imposto de Renda sobre o ganho de capital. De modo geral, pode-se dizer que a consequência direta da equiparação do tratamento fiscal é a redução da alíquota do imposto de renda sobre o montante do ganho de capital, a ser determinada a partir da tabela progressiva de 15% a 22,5%, nos termos do artigo 21 da Lei nº 8.981/95 e também do artigo 21 da Instrução Normativa da RFB nº 1455/2014. Convém ressaltar que caso o beneficiário seja residente em país com tributação favorecida, a alíquota aplicada será de 25%, nos termos do artigo 47 da Lei n° 10.833/03. Base de cálculo Custo de aquisição e alienação, e a problemática da tributação da variação cambial Do ponto de vista conceitual, o ganho de capital será determinado pela diferença positiva entre o valor da alienação e o custo de aquisição do bem ou direito, nos termos do artigo 3º, §2º, da Lei nº 7.713/88 e mais recentemente pelo artigo 26, §1º, da IN SRF nº 208/2002. Nesse contexto, a definição da escolha da moeda, estrangeira (por exemplo, o dólar americano) ou nacional (real) é relevante. Diversas empresas questionam qual moeda deveria ser utilizada na determinação do custo de aquisição e de alienação, bem como qual seria o momento da conversão cambial, para fins de definição do ganho de capital tributável pelo imposto de renda no Brasil. Verifica-se que o principal suporte legal veio, em um primeiro momento, com a publicação da Portaria MF nº 550, de 03 de novembro de 1994. Nesse contexto, os artigos 2º e 3º da referida Portaria, que exercem fundamental delimitação e orientação sobre o tema, dispõem o seguinte: "Artigo 2º O ganho de capital corresponderá à diferença positiva, apurada em moeda estrangeira, entre o valor da alienação, redução do capital ou liquidação e o custo de aquisição da participação societária. §1º Para efeito de determinação do ganho de capital a que se refere este artigo, o valor de alienação, redução de capital ou liquidação deverá ser convertido em moeda estrangeira, tomando-se por base a taxa de câmbio fixada para venda, no dia da operação, ou na data do balanço de encerramento da empresa, no caso de liquidação. §2º Consideram-se como custo de aquisição os valores em moeda estrangeira constantes dos itens Investimento e Reinvestimento do certificado de registro de capital estrangeiro emitido pelo Banco Central do Brasil, observado o disposto no art. 5º desta Portaria. Artigo 3º A base de cálculo será determinada mediante a conversão do ganho de capital para reais, com base na taxa de câmbio fixada para venda no dia da operação." Extrai-se que a solução dada pela referida Portaria é no sentido de que o ganho de capital corresponderá à diferença positiva, apurada em moeda estrangeira (dólar dos Estados Unidos), entre o custo de aquisição e o valor de alienação. Posteriormente, tal solução foi acolhida pelo artigo 24 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001. Raphael Assef Lavez interpretou a situação da seguinte forma: "A solução dada pela Portaria MF nº 550/94 foi acolhida pelo artigo 24 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, o qual, por disciplinar o regime das pessoas físicas residentes, igualmente é aplicável aos não residentes por força do artigo 18 da Lei nº 9.249/95. De acordo com o dispositivo, tratando-se de bens e direitos adquiridos com recursos originariamente auferidos em moeda estrangeira, o ganho de capital corresponderá à diferença positiva, em moeda estrangeira, entre o custo de aquisição e o valor de alienação. Após, confrontados os valores, a diferença será convertida para reais na data da operação de alienação – ou seja, a variação cambial do custo de aquisição não estaria sujeita à tributação." [3] Assim,  o valor de alienação deveria ser convertido em moeda estrangeira com base no câmbio fixado para venda no dia da operação. Após confrontados os valores, a diferença seria convertida para reais na data da operação de alienação. A consequência da adoção da referida metodologia é o afastamento dos impactos decorrentes da variação cambial na composição do ganho de capital. Entendimento da Receita Federal do Brasil A Receita Federal tem exigido a inclusão da variação cambial do custo de aquisição no cálculo do ganho de capital auferido por residentes no exterior ("empresa estrangeira"), ainda que as ações (ou participações societárias) tenham sido adquiridas com recursos originalmente em dólares. Sobre o assunto, a RFB se posicionou, inicialmente, por meio da Solução de Consulta DISIT/SRRF nº 79/07 [4] e, posteriormente, por meio da Solução de Consulta Cosit nº 88/2017: "Cabe ao adquirente, empresa incorporadora das ações, a retenção e o recolhimento do imposto de renda devido sobre o ganho de capital obtido na operação de incorporação de ações, sob o código 0473, quando da aprovação definitiva da operação de incorporação de ações. O imposto será calculado sobre o ganho de capital obtido, que corresponde à diferença positiva entre o valor das ações emitidas pela empresa incorporadora no Brasil em reais e o custo de aquisição em reais das ações transferidas pela pessoa, física ou jurídica, residente ou domiciliada no exterior." Segundo tal entendimento, o ganho de capital será determinado pela diferença positiva entre o valor de alienação (em reais) e o custo de aquisição (em reais) do bem. O resultado é a aplicação sobre o custo duas taxas de câmbio distintas, pela inclusão da variação cambial no cálculo do ganho de capital. Entendimento do Carf Embora o tema tenha sido analisado poucas vezes no âmbito do Carf, pode-se dizer que tem prevalecido o entendimento de que a variação cambial não deve ser computada na apuração do ganho de capital auferido por residentes no exterior. Entre as decisões favoráveis, destacamos o Acórdão nº 2201-002.765 [5] (publicado em 26/2/2016): "Correta a aplicação de duas formas de atualização do custo de aquisição para fins de apuração de ganho de capital de domiciliados no Exterior, quando, na alienação de participação societária, restar comprovado que somente parcela do investimento alienado foi adquirida em moeda estrangeira e está devidamente registrada no Bacen, sendo, assim, passível de correção cambial. À parcela adquirida em moeda nacional aplicável tão somente a correção monetária até 31/12/95. (...)." Neste caso, em suma, é possível verificar que para cada hipótese de operação de aquisição (seja em moeda estrangeira ou nacional), o contribuinte terá formas diferentes de cálculo e apuração do ganho de capital, inclusive quando parte do custo de aquisição se deu em moeda estrangeira e parte em reais, por exemplo. A partir do voto do relator, o conselheiro Heitor de Souza Lima Junior, é possível extrair que se tratam de procedimentos notoriamente excludentes: "ou se apura o custo de aquisição em moeda nacional, ou, alternativamente, se apura o mesmo em moeda estrangeira, restringindo-se este último procedimento aos bens ou direitos adquiridos com rendimentos originariamente auferidos em moeda estrangeira". Para se chegar a tal conclusão, o relator utilizou os termos da Portaria MF nº 550/1994 e assim interpretou: "(...) onde se determina que, para bens ou direitos adquiridos com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira, o custo do bem ou direito será computado em moeda estrangeira, com o ganho de capital também sendo computado em moeda estrangeira e somente então se realizando a conversão para reais, utilizando-se os valores do em moeda estrangeira constantes do Registro Bacen como prova;". O correto registro dos valores em moeda estrangeira (valores de aporte/investimentos de capital) evidencia-se como de suma importância não apenas para composição do custo de aquisição, mas também para demonstração como prova ("documentação hábil e idônea" [6]), em caso de fiscalização. O Acórdão nº 2402-006.884 (publicado em 28/02/2019) também tratou das regras de custo de aquisição, na hipótese de alienação de participação societária no Brasil por pessoa jurídica (alienante) domiciliada no exterior. "Para apuração do ganho de capital auferido pelas pessoas jurídicas não residentes, na alienação de participação societária de investidas no Brasil, adquiridas por pessoa jurídica residente País, aplicam-se as mesmas regras que disciplinam a tributação de pessoas físicas, a teor do disposto na legislação tributária específica sobre operações dessa natureza. O valor do ganho de capital é obtido pela diferença entre o preço de alienação e o custo de aquisição comprovado, nele computados os aportes de capital realizados pela investidora domiciliada no exterior, em moeda estrangeira, registrados no Banco Central do Brasil e convertidos em moeda nacional nos termos da legislação de regência." Neste caso, um dos mais recentes sobre o tema, por meio de decisão unânime, a 2ª Turma Ordinária do Carf negou provimento ao recurso da Autoridade Fiscal, mantendo-se o entendimento favorável ao contribuinte. A partir do voto da conselheira Renata Toratti Cassini, é possível verificar a utilização dos termos da mencionada Portaria MF nº 550/94. Assim, apesar da inexistência de jurisprudência definitiva sobre o assunto em âmbito administrativo (e também no Poder Judiciário [7]) é possível concluir que o entendimento prevalente do Carf é no sentido de que, nas alienações de participação societária de empresa brasileira detida por sociedade estrangeira em moeda estrangeira, a apuração do ganho de capital poderá ocorrer em moeda estrangeira, sendo posteriormente convertido para reais com base na cotação de venda do dia da operação. Neste cenário, a problemática da tributação da variação cambial estaria resolvida, pois quando o custo de aquisição do bem ou direito é mantido em moeda estrangeira, afastam-se os impactos decorrentes da variação cambial (positiva) no cômputo do ganho de capital. Entretanto, o alerta que fica é que a Receita tem exigido a inclusão da variação cambial do custo de aquisição no cálculo do ganho de capital auferido por residentes no exterior, determinando a contraposição do custo de aquisição em reais e também do valor de alienação, em reais. [1] Nesse sentido: LAVEZ, Raphael Assef. Tributação de Residentes no Exterior (Operações Inbound). E-book - Fipecafi, p. 20. [2] Posteriormente também com o artigo 26 da Lei n° 10.833/2003 que estabelece que "o adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente sobre o ganho de capital a que se refere o artigo 18 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que alienar bens localizados no Brasil". [3] LAVEZ, Raphael Assef. Tributação de Residentes no Exterior (Operações Inbound). E-book - Fipecafi, p. 22. [4] "Solução de Consulta DISIT/SRRF nº 79/07. Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF). Ementa: PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA (AÇÕES)-Adquirida de Pessoas Jurídicas Domiciliadas no Exterior. APURAÇÃO. O ganho de capital corresponde à diferença positiva, em Reais, entre o valor de alienação e o custo de aquisição, se possível a sua comprovação. Na impossibilidade de sua comprovação, o custo de aquisição deve ser apurado com base no capital registrado no Banco Central do Brasil ou igual a zero. Quando os valores de alienação e aquisição forem expressos em moeda estrangeira, devem ser convertidos em dólares dos Estados Unidos da América e, em seguida, em Reais, pela cotação do dólar fixada pelo Banco Central do Brasil, para compra (alienação) e para venda (aquisição). (...)". [5] No mesmo sentido, Acórdão nº 9202-004-304, publicado em 20/07/2016. [6] Cf. artigo 23, §§1º e 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.455/2014. Até a edição da IN RFB nº 1662/2016, a comprovação do custo de aquisição de investimentos de pessoas jurídicas domiciliadas no exterior em empresas nacionais poderia ser feita através dos valores registrados em sistema especificamente criado para esse fim no Banco Central do Brasil (v. Carf, Acórdão nº 2402-010.846, 4ª C. 2ª Seção de Julgamento, j. 02/01/2023). [7] Inexistência de jurisprudência formada perante o Poder Judiciário, não tendo sido identificados até a data da elaboração do presente artigo precedentes sobre a matéria nos tribunais superiores (STJ ou STF).
2023-09-15T07:09-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-15/santose-gimenes-estrangeiras-alienacao-participacao-societaria
tributario
Opinião
Afonso e Castilhos: Normatização das finanças públicas
As matérias financeira e tributária são detalhadamente tratadas pela Constituição brasileira vigente, tanto no que diz respeito à diversidade de conteúdo como à quantidade de normas, o que nos permite afirmar que são temas intensamente normatizados, mas, nem por isso, menos conturbados. Diante da abundância de constitucionalização do regramento das finanças públicas do país, sem contar uma intensa remissão de matérias para leis complementares, seria inevitável resultar que a miríade de normas, ora aplicadas, ora por regulamentar, nem sempre primam pela coerência e integração. Essa legislação compreende o próprio corpo da Carga Magna, leis complementares, leis ordinárias e resoluções do Senado, sem contar as normas administrativas expedidas por ministérios, em particular pela Secretaria do Tesouro Nacional O excesso de normativos esparsos e, não necessariamente harmônicos entre si, sobretudo em assunto de reconhecida aridez, acaba por gerar maior dificuldade de compreensão e apreensão do conteúdo das finanças públicas, prejudicando ações que considerem a simetria do arcabouço normativo. Neste contexto de excessiva constitucionalização das matérias fiscais, é preciso se refletir e debater mais sobre o efeito nas relações entre os Poderes da República. Quanto mais o Poder Legislativo delibera em torno de uma matéria (seja qual for) por intermédio de atos legais de hierarquia superior (no sentido de exigirem quóruns mais qualificados para decisão no Congresso), ainda que a pretexto de dar maior eficácia e segurança na aplicação do que se aprovou, muitas vezes se pode estar: de um lado, a reduzir drasticamente o espaço do Poder Executivo para formular e sobretudo para executar políticas públicas (notadamente nas áreas econômica e social), e, de outro, a aumentar e mesmo a transferir a decisão final sobre o alcance e a natureza da medida ao Poder Judiciário, especialmente a sua Corte maior, porque qualquer e mínima questão se torna passível de questionamento sobre sua constitucionalidade e, sobretudo, porque proliferam dúvidas e conflitos com o excesso de normas e a imprecisão de suas redações. A transparência também é outro valor afetado, na medida em que, quanto mais retalhada e dispersa for a normatização, maiores as dificuldades de conhecimento do todo e de chances de antinomias dentro do sistema. Crescem, portanto, as possibilidades de produção de atos normativos eivados de equívocos, com potencialidade de geração de círculos viciosos, e diminui-se a possibilidade de maior controle sobre eles. Isto para não falar na falta de coerência e de harmonia entre princípios e regras previstos em atos legais de diferentes espécies e datas. Autoridades e servidores responsáveis pela aplicação e execução de tais regras vez por outra se deparam diante de tais dúvidas, quanto não conflitos, e muitas vezes suas ações e decisões são paralisadas, quando não são paralisadas, as vezes espera de consultas aos órgãos de consultoria ou de controle, as vezes para sempre. Para conhecer que seja esse imenso cipoal de normas legais sobre finanças públicas, foi realizado um levantamento, que estes dois autores participaram com outros colegas. O trabalho resultou na recente publicação pela Fipe da USP do Texto Para Discussão nº 19, sob título Diagnóstico sobre a Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil  (disponível aqui). Trata-se de um estudo inédito que levantou as normas legais vigentes, a serem regulamentadas e atualmente propostas, com objetivo de posteriormente se mapear as incoerências, lacunas e contradições das normas constitucionais e legais sobre finanças públicas do país. Como se vê, é um convite ao debate e ao trabalho de revisitar a normatização da matéria fiscal. A pesquisa exaustiva (330 páginas), ora publicada pela Fipe/USP, foi estruturada em três partes: 1) levantamento e análise das normas constitucionais e infraconstitucionais relativos às finanças públicas; 2) levantamento e análise da legislação vigente e, no caso das normas ainda não regulamentadas, dos principais projetos de lei complementar em tramitação no Congresso; e 3) revisão bibliográfica recente, sobretudo internacional, acerca de instituições e regras fiscais e propostas para consolidação fiscal. Ao levantar as normas que versam sobre finanças públicas na Constituição, a pesquisa dividiu os dispositivos em normas de aplicabilidade imediata; normas que já foram regulamentadas; normas carentes de regulamentação; normas com efeito indireto no impacto das finanças públicas e normas de Direito Tributário, permitindo o estabelecimento de um quadro geral sobre o estágio das determinações constitucionais em torno da matéria. Além disso, tem sido contumaz o uso das leis anuais de diretrizes orçamentárias como uma espécie de tampão para cobrir as lacunas da falta de regulamentação, sobretudo do processo orçamentário (que passaria pela revisão da Lei nº 4.320 de 1964). Opinamos que seja inapropriado movimento de incluir em seu corpo assuntos que pela envergadura do conteúdo e pela necessidade de maior sobrevida, deveriam estar insertos em leis complementares, conforme veremos no exemplo a seguir. O levantamento da normatização da matéria fiscal mostra um paradoxo, se as vezes se pode apontar um excesso no número de nomas e sobretudo no seu detalhamento, em especial na Constituição, de outro existem importantes e várias lacunas de leis complementares, ou que sequer foram votadas, como a que deve definir regras gerais do orçamento e da contabilidade para todos os governos, ou que não foram implementadas em sua plenitude — caso notório da LRF, em que até não se completou a aplicação de sua sistemática de controle e revisão do endividamento público federal, o tratamento das contas públicas e a premiação da boa gestão. Por isso, o texto publicado pela Fipe/USP não apenas identifica o que está em vigor, como também mapeou as principais propostas em tramitação no Congresso sobre as finanças públicas. O levantamento das normas pode ser a base para um passo seguinte, em que se discuta e eventualmente se adotem providências, inclusive legislativas, para melhor harmonizar e sistematizar tais regras. Mais no sentido jurídico do que econômico, se poderia denominar tal empreitada de consolidação fiscal. Uma hipótese até poderia ser a criação de um Código de Finanças Públicas [1]. Cabe reconhecer que esse caminho, tanto teria vantagens, como de forçar a sistematização, de instigar a consistência entre regras e de oferecer maior segurança no conhecimento e na aplicação da legislação, quanto desvantagens, de significar um fim em si mesmo e remar na contramão da tendência da descodificação do Direito que privilegia as leis especiais e os microssistemas jurídicos.   Enfim, seja qual for o caminho que se trilhe para a consolidação fiscal, acreditamos que um possível e importante ponto de partida possa ser o texto para discussão da Fipe, "Diagnóstico sobre Constitucionalização das Finanças Públicas no Brasil". Já passou a hora de se promover a sua reunião e integração não parece ser o ponto de dissenso, mas sim, o como fazê-lo. [1] AFONSO, José Roberto; RIBEIRO, Leonardo Cezar. Um Novo Código Fiscal como Proposta de Reconstrução da Governança.  Disponível em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/1832>. Acesso em: 19 jul. 2022.
2023-09-15T06:33-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-15/afonso-castilhos-normatizacao-financas-publicas-brasil
tributario
Opinião
Betina Grupenmacher: Cooperativas na reforma tributária
A reforma tributária, objeto da PEC/45, está na iminência de ser votada no Senado e, a despeito de sua aprovação ser quase certa, o seu texto tem sido alvo de severas e merecidas críticas. Pessoalmente, acredito que não precisamos de uma reforma tributária, o atual Sistema Constitucional Tributário, embora extremamente analítico, é harmônico e bem arquitetado; é necessário apenas simplificar o ICMS, o PIS e a Cofins, tributos cujo nível de complexidade é extremamente prejudicial às atividades dos agentes econômicos, incrementando custos de compliance e absorvendo tempo que poderia ser empregado na produção de bens e na prestação de serviços. De qualquer forma, a sociedade clama por uma reforma e, se assim é, esta é a oportunidade de fazer os ajustes necessários no atual texto constitucional, simplificando os referidos tributos, reduzindo a onerosidade do sistema e, principalmente, estabelecendo normas tendentes à realização de justiça fiscal com vistas ao incremento da justiça social, pois este é sem dúvidas o mais grave problema que acomete a sociedade, qual seja o elevado nível de pobreza e miserabilidade e a insegurança alimentar que alcança as famílias que se encontram nestas condições. É certo que a tributação não vai por si só resolver o problema das desigualdades sociais no Brasil, mas agregada à adoção de políticas públicas de redistribuição de oportunidades, de programas efetivos de transferência de renda, entre outras providências, o problema será certamente mitigado. É fato que a reforma tributária tem muitos pontos negativos, tais como a agressão ao pacto federativo, pois atribui à União prerrogativa para disciplinar tributos da competência dos Estados e Municípios, por meio de lei complementar nacional — cabendo aos entes federativos, por lei ordinária, apenas fixar as respectivas alíquotas e disciplinar seu processo administrativo ­—, além de conferir ao Conselho Federativo prerrogativa para decidir sobre arrecadação e administração do IBS (imposto que vai unificar o ICMS e o ISS). Há ainda várias outras inconsistências, entre elas as acanhadas mudanças relativas à justiça fiscal decorrentes da criação de regimes especiais de tributação para setores que prescindem de redução em sua carga tributária. A renúncia fiscal perpetrada pelo chamado regime específico de tributação poderá gerar comprometimento dos cofres públicos, cujos recursos deveriam ser reservados para custear bens e serviços relacionados à dignidade da pessoa humana e de setores que efetivamente contribuem para o desenvolvimento econômico. Por outro lado, o aludido regime deveria — e não o faz — incentivar a educação desonerando atividades intelectuais, como é o caso das sociedades de profissionais. Embora a proposta de reforma tributária, de fato, mereça incisivas e abrangentes críticas, há aspectos positivos a serem destacados, como a criação do imposto seletivo e a desoneração de setores e pessoas contemplados com o regime específico de tributação, com especial destaque à tributação de cooperativas. Em relação ao imposto seletivo, sucedâneo do IPI e inspirado no excise tax e no sin tax, incidente sobre a produção, comercialização e importação de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, se os seus objetivos forem efetivamente alcançados, preservando a saúde pública e o meio ambiente, a sua cobrança será valida e positiva. Quanto aos regimes especiais de tributação, cujos termos serão definidos em lei complementar, a depender do que for previsto, como já afirmamos, poderá ser um instrumento efetivo de realização de Justiça Fiscal.  Conforme disposto no projeto de emenda constitucional, estão sujeitos aos regimes específicos de tributação: combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos — podendo a lei complementar prever alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo —, e operações contratadas pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas, para as quais será possível a previsão de não incidência da CBS. Ainda, embora um dos pilares da reforma seja a eliminação de benefícios fiscais, algumas desonerações serão mantidas e disciplinadas pela lei complementar, a exemplo da redução de 60% da alíquota sobre os serviços de educação e saúde; dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário, de caráter urbano, semiurbano, metropolitano, intermunicipal e interestadual; produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; insumos agropecuários e aquícolas; alimentos destinados ao consumo humano; produtos de higiene pessoal; além de produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais; atividades desportivas; e bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética. A par das arroladas desonerações terão ainda a alíquota reduzida em 100% para ambos os tributos IBS e CBS, a cesta básica, dispositivos médicos e de acessibilidade, produtos hortícolas, frutas e ovos; e, apenas para a CBS, serviços de educação superior (Prouni) e serviços do setor de eventos até 2027 (Perse). Há previsão também de isenção ou redução em até 100% das alíquotas para atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e de reconversão urbanística. Como afirmado merecem destaque as novas regras relativas a tributação das sociedades cooperativas, pois esclarecem qual a dimensão do regime específico a ser a elas aplicado, as quais, em razão da importância que têm para a economia nacional e, principalmente, em face de seus objetivos institucionais, justificam a dispensa de um tratamento tributário favorecido [1]. O cooperativismo se guia por valores como solidariedade, ética, democracia, liberdade, igualdade, entre outros, conforme deflui da interpretação sistemática dos artigos 1º, inciso IV; 3º; 5º, inciso XVIII; 146, inciso III, alínea "c"; 170; 174, §2º, 3º e 4º; e 187 da Constituição. Em harmonia e coerência com o disposto no artigo 3º do texto constitucional — no qual restou consignado o propósito de construção de uma sociedade livre justa e solidária —, as sociedades cooperativas devem se sujeitar a regimes jurídico-tributários especiais. Importante destacar que a previsão do "adequado tratamento tributário" ao ato cooperativo foi renovada pelo artigo 146 na reforma tributária e adaptada para indicar sua aplicação aos novos tributos [2]. Ademais, ao lado dos setores já referidos, em complemento à previsão do adequado tratamento tributário a ser dispensado às cooperativas, o projeto de reforma tributária também as inseriu no artigo 156-A, dispondo que serão destinatárias do regime tributário específico, que, para elas, será optativo, o que permitirá escolherem se querem se sujeitar ao regime geral ou ao especial de tributação. O projeto de emenda constitucional soluciona ainda o questionamento que havia em relação à definição de “adequado tratamento tributário”. Agora, em redação clara e elucidativa, a PEC/45 prevê que o ato cooperativo, tal qual descrito no artigo 79 da Lei 5.794/71 (Lei das Cooperativas), caracteriza "hipótese de não incidência tributária" [3], portanto, o adequado tratamento tributário consiste na não incidência dos novos tributos sobre o ato cooperativo. Caberá, no entanto, à lei complementar, regulamentar a referida proposição. Efetivamente, o adequado tratamento tributário é, e sempre foi, uma circunstância de não incidência, já que as atividades desempenhadas sob o "manto" do ato cooperativo não se subsumem às hipóteses de incidência previstas na Constituição Federal, na medida em que não objetivam lucro e, portanto, não revelam capacidade contributiva, como ocorre de rigor com atividades empresariais. Os atos cooperativos são, assim, destituídos de base de cálculo, o que os afasta do arquétipo constitucional dos tributos, os quais contemplam, ainda que implicitamente, a perspectiva dimensível do critério material das respectivas hipóteses de incidência tributária. Além dos benefícios próprios do ato cooperativo, outros, previstos para atividades empresarias e pessoas naturais, beneficiarão algumas formas de cooperativas, em especial aquelas dedicadas à atividade agropecuária, que também poderão se valer da não incidência de IPVA sobre aeronaves agrícolas, embarcações destinadas à pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência e, ainda, sobre tratores e máquinas agrícolas; e da não incidência sobre as operações de exportação, sendo assegurado o ressarcimento dos créditos, conforme vier a ser disciplinado por lei complementar. As cooperativas dedicadas à atividade agropecuária também foram destinatárias de benefícios fiscais, tais como a alíquota zero para os produtos da cesta básica, a serem definidos na lei complementar; redução de 60% sobre produtos e insumos agropecuários e, conforme anteriormente exposto, alimentos destinados ao consumo humano. Ainda, o produtor rural pessoa física ou jurídica com renda anual inferior a 3.6 milhões de reais não estará sujeito à incidência do IVA, podendo, no entanto, optar por ser contribuinte, submetendo-se à regra geral. Merece referência a possibilidade de concessão de crédito presumido ao adquirente de produtos de agricultor não contribuinte, nos termos da lei complementar. As cooperativas de crédito e operadoras de plano de saúde também poderão se submeter aos regimes específicos de tributação, especialmente em relação aos serviços financeiros e aos planos de assistência à saúde, com alterações nas alíquotas, nas regras de creditamento e na base de cálculo. Embora a reforma tributária como um todo padeça de mecanismos efetivos de justiça fiscal, em relação ao tratamento tributário dispensado às sociedades cooperativas, a depender do que for regulamentado pela lei complementar, as novas regras são positivas e clarificam problemas de interpretação da norma constitucional que instaram o Poder Judiciário, por muitos anos, a se manifestar sobre o alcance do disposto no artigo 146 do texto constitucional. Esses temas certamente terão que ser revistos. Em relação às cooperativas, é possível, portanto, concluir que as novas regras incrementam a justiça fiscal e viabilizam a união de esforços para o bem comum nas diversas espécies de sociedades existentes, o que é fruto da união dos cooperados de todos os setores que, guiados quantos aos aspectos técnicos pela Organização das Cooperativas do Brasil, esclareceram aos formadores de opinião e responsáveis pela elaboração do "texto" sobre a importância do ato cooperativo. [1] Conforme disposto no projeto: Artigo 156-A. Lei complementar instituirá imposto sobre bens e serviços de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. [...] §5º Lei complementar disporá sobre: "[...] V – regimes específicos de tributação para: d) sociedades cooperativas, que será optativo, com vistas a assegurar sua competitividade, observados os princípios da livre concorrência e da isonomia tributária, definindo, inclusive: 1. as hipóteses em que o imposto não incidirá sobre as operações realizadas entre a sociedade cooperativa e seus associados, entre estes e aquela e pelas sociedades cooperativas entre si quando associadas para a consecução dos objetivos sociais; e 2. o regime de aproveitamento do crédito das etapas anteriores;". [2] Artigo 146. [...] III – [...] c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, inclusive em relação aos tributos previstos nos artigos 156-A e 195, V; [3] Artigo 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.
2023-09-15T06:04-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-15/betina-grupenmacher-cooperativas-reforma-tributaria
tributario
Opinião
Günther e Araujo: Licenciamento de tecnologia e PIS sobre royalties
Neste artigo trataremos da incompatibilidade do posicionamento manifestado pela Receita Federal na Solução de Consulta Cosit n° 431/2017 — que determina a tributação pelo PIS/Cofins das receitas de royalties recebidos do exterior em decorrência de contratos de licenciamento de tecnologia, por não considerá-las como receitas de exportação — e na recente Solução de Consulta Cosit nº 107/2023 — que reconhece a incidência do PIS/Cofins-Importação na remessa de royalties em contratos de licenciamento de tecnologia para o exterior, por considerá-los como prestação de serviços. A incompatibilidade, que deve resultar na não incidência de PIS/Cofins nas receitas de royalties recebidos do exterior, tem origem em recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o conceito jurídico de licenciamento e serviços. Passamos ao ponto. Em recentes decisões no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) n° 1.945/MT e 5.659/MG, o STF decidiu pela incidência do ISS nas operações com softwares, atividade prevista no item 1.05 da lista de serviços anexa à lei complementar n° 116/03, tendo, com isso, sido afastada as hipóteses de incidência do ICMS sobre o licenciamento ou a cessão do direito de uso de programas de computador. Assim, para a Suprema Corte, contratos de licenciamento passaram a ser contratos de prestação de serviços. Baseando-se nesse entendimento, a RFB alterou posicionamento anterior, revogando parcialmente a Solução de Consulta Cosit n° 303/2017, e editou a Solução de Consulta Cosit n° 107/2023, em que reconhece a incidência de PIS/Cofins-Importação sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, como contraprestação à prestação de serviços decorrentes de contratos de licenciamento, nos termos do artigo 7°, II, da Lei n° 10.865/2004 [1]: "(…) Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) IMPORTAÇÃO. SOFTWARES DE PRATELEIRA. DOWNLOAD. LICENÇA DE USO. SERVIÇOS CONEXOS. CONTRATO. PREVISÃO CONCOMITANTE DE LICENÇA DE USO E SERVIÇOS CONEXOS. INCIDÊNCIA. No contrato de licenciamento de uso de softwares a obrigação de fazer está presente no esforço intelectual, seja a aquisição por meio físico ou eletrônico, o que configura contraprestação por serviço prestado os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior como remuneração decorrente dessa adesão, incidindo a Cofins-Importação sobre tais valores, nos termos do inciso II do artigo 7º c/c o inciso II do artigo 3º da Lei nº 10.865, de 2004. A Cofins-Importação incide sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, como contraprestação à prestação de serviços decorrentes de contratos de licenciamento de uso de softwares, como a manutenção e o suporte a esses relacionados. REFORMA PARCIALMENTE A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 303, DE 2017; A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 374, DE 2017; A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 262, DE 2017; A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 448, DE 2017 E A SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA Nº 2, DE 2019." O novo posicionamento manifestado nessa solução de consulta torna evidente o conflito entre os entendimentos pela incidência de PIS/Cofins-Importação e pela incidência de PIS/Cofins em royalties recebidos do exterior. Passamos a explicar. O artigo 149, §2°, I, da Constituição [2], alterado pela Emenda Constitucional n° 33/2001, estabelece que as receitas decorrentes de exportação são imunes às contribuições sociais, dentre elas ao PIS/C, que possuem previsão no artigo 195, I, "b", da Carta Magna [3]. Dando concretude ao texto constitucional, o legislador ordinário, ao regulamentar as contribuições sociais PIS e Cofins, dispôs que as referidas contribuições sociais não incidem sobre exportação de mercadorias, bem como sobre a prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, nos termos do artigo 5°, I e II, da Lei n° 10.637/02 e do artigo 6° I e II, da Lei n° 10.833/03, respectivamente. Considerando tais dispositivos, ao responder questionamento sobre se os royalties, cuja definição se encontra no artigo 22 da Lei nº 4.506, de 1964 [4], recebidos do exterior, pelo licenciamento de software, seriam considerados receitas de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, se enquadrando, portanto, nas hipóteses de não incidência de PIS/Cofins, foi editada a Solução de Consulta Cosit n° 431/2017, nos seguintes termos: "(…) ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS. EXPORTAÇÃO. ROYALTIES. INCIDÊNCIA. Os royalties recebidos do exterior, em pagamento pelo licenciamento de tecnologia, não configuram receita de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, razão pela qual não se enquadram nas hipóteses de não incidência da Cofins previstas no artigo 6º da Lei nº 10.833, de 2003. Dispositivos Legais: Lei nº 10.833, de 2003, artigo 6º." Assim, de acordo com a Cosit ainda vigente, o posicionamento da Receita é no sentido de que os royalties recebidos do exterior em decorrência do licenciamento de software, não configuram receita de venda de mercadorias ou de prestação de serviços (exportação), atraindo, portanto, a incidência de PIS/Cofins. Por outro lado, como apontado acima, no tocante à remessa de royalties para o exterior a título de licenciamento de software, a RFB considera os royalties receita de venda e de prestação de serviços, atraindo a incidência de PIS/Cofins-Importação (Cosit 107/2023). O conflito, portanto, está no fato de a Receita ter atualizado o seu posicionamento apenas para a incidência sobre royalties pagos ao exterior (importação) e não para os royalties recebidos (exportação). Em outras palavras, se o licenciamento de software é serviço, deve haver PIS/Cofins-Importação, mas será impossível a incidência das contribuições sobre as receitas decorrentes da exportação da tecnologia. Veja-se que, por meio da Cosit nº 75/2023, a RFB também atualizou o seu entendimento para apontar que, sendo o licenciamento um tipo de serviço, empresas que apurem lucro presumido deverão considerar a presunção típica de serviços (32%) e não as presunções geais (8% para IRPJ e 12% para CSLL) para a apuração do lucro. Por questão de lógica, portanto, o conceito de licenciamento de software enquanto serviço deverá ser atualizado, também, no contexto de royalties recebidos do exterior para que estas receitas fiquem à salvo da incidência das contribuições, revogando-se o conteúdo da Solução de Consulta Cosit nº 431/2017. Assim, até que a Receita oficialmente manifeste novo entendimento e revogue a Cosit nº 431/2017, os contribuintes que recebam royalties pagos por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras estão sujeitos à tributação de tais receitas, assumindo o risco de autuação fiscal caso não o façam; a alternativa, para esses contribuintes, é avaliar o ajuizamento de medida judicial para a sua proteção contra eventual e ilegal pretensão arrecadatória da Receita. [1] Artigo 7º A base de cálculo será: (...) II - o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, antes da retenção do imposto de renda, acrescido do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza - ISS e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso II do caput do artigo 3º desta Lei. [2] Artigo 149, §2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; [3] Artigo 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (...) b) a receita ou o faturamento; [4] Artigo 22. Serão classificados como "royalties" os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como: a) direito de colhêr ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais; b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais; c) uso ou exploraçâo de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio; d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra. Parágrafo único. Os juros de mora e quaisquer outras compensações pelo atraso no pagamento dos "royalties" acompanharão a classificação dêstes.
2023-09-16T15:42-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-16/gunthere-araujo-licenciamento-tecnologia-pis-royalties
tributario
Tem que ser razoável
Exclusão de Refis por novo débito fiscal é desproporcional, decide juiz
A manutenção de empresas e pessoas físicas em programas de recuperação fiscal é de interesse do próprio Estado. De modo que a exclusão motivada por novo débito fiscal deste tipo de financiamento é desproporcional e fere o princípio da razoabilidade.  Esse foi o entendimento do juiz Avio Mozar Jose Ferraz de Novaes, da 6ª Vara Federal Cível da Bahia, para conceder liminar para determinar a reintegração do Grupo à Tarde no Programa de Recuperação Fiscal (Refis).  No caso concreto, o grupo empresarial foi excluído do Refis que pagava regularmente há 22 anos por conta de outro débito fiscal.  Ao analisar o caso, o juiz explicou que exigir da empresa que não possua débitos em aberto referente à tributos que venceram após a sua adesão ao Programa de Recuperação Fiscal é desproporcional.  “No caso dos autos, deve-se levar em consideração que a empresa impetrante, na data da exclusão, era participante do programa há mais de 22 anos, tendo procedido regularmente à grande maioria dos recolhimentos”, registrou.  Diante disso, ele determinou a reintegração da empresa ao Refis e vetou qualquer medida decorrente da exclusão anterior do programa.  A empresa foi representada pelo escritório Pimenta Advogados. Clique aqui para ler a decisão Processo 1021981-91.2023.4.01.3300
2023-09-16T14:27-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-16/exclusao-refis-debito-fiscal-desproporcional-decide-juiz
tributario
Acusações ao vento
STJ confirma trancamento de ação de fraude por denúncia genérica
A falta de individualização mínima de conduta e sem estabelecer qual seria o vínculo entre o cargo ocupado e o crime descrito torna a denúncia inepta por conta de sua generalidade.  Esse foi o entendimento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que havia determinado o trancamento de ação penal por inépcia da denúncia. No caso concreto, a ação penal foi movida pelo Ministério Público do Paraná contra pessoas que ocupavam cargo de direção em uma empresa por suposta fraude tributária. Segundo o MP, os denunciados teriam deixado de fornecer notas fiscais referentes às operações de saída do exercício de 2007 pelos denunciados, omitindo-se informações à autoridade fazendária. Ao analisar o caso, o relator, ministro Joel Ilan Paciornik, entendeu que a denúncia não descreveu, nem ao menos de forma genérica, a conduta da recorrida, tendo afirmado apenas que ela e os demais denunciados eram diretores executivos da empresa, e por isso, em razão da posição hierárquica que ocupavam, seriam os responsáveis pela fraude tributária. ''Sem a individualização mínima de conduta e sem estabelecer qual seria o vínculo entre o cargo de Diretoria então ocupado pela ora recorrida e o delito a ela imputado, no âmbito de uma empresa com cerca de 17 mil 000 funcionários em território nacional, com administração setorizada em diversas diretorias, está configurada a inépcia da denúncia pela generalidade, e, por via de consequência, a reprovável responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento pátrio'', razão pela qual a denúncia foi reconhecida como inepta.  A defesa foi feita pelos advogados Rodrigo Castor de Mattos e Raphael Ricardo Tissi, do escritório Delivar de Mattos & Castor Advogados Associados.  Clique aqui para ler a decisão. AgRg no AgRg no REsp 2038919/PR
2023-09-17T14:50-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-17/stj-confirma-trancamento-acao-fraude-fiscal-denuncia-generica
tributario
Opinião
Gabriele Borges: Tributação e atividade empresarial
A autoridade fazendária possui meios próprios para a satisfação de créditos tributários, no entanto é essencial que eles sejam utilizados dentro dos limites estabelecidos pela legislação, isto é, não ultrapassando o exercício do dever que a lei impõe aos agentes da administração tributária ao ponto de criar obstáculos que inviabilizem a atividade empresarial do contribuinte. Um exemplo claro desse comportamento arbitrário ocorre quando há o bloqueio/suspensão de notas fiscais de forma abrupta e sem a prévia instauração de um processo administrativo que garanta o contraditório e a ampla defesa. Retirar o acesso ao sistema de emissão de notas fiscais traz prejuízos imensuráveis, resultando na paralisação das operações comerciais da empresa e prejudicando o negócio como um todo (clientes, funcionários e o próprio Fisco). Torna-se evidente, nesses casos, a violação ao livre exercício da atividade econômica, previsto no artigo 170, caput, da Constituição. Essas situações têm sido objeto de numerosos processos judiciais, tanto é que o Supremo Tribunal Federal (STF) já emitiu as Súmulas n° 70, 323 e 547 relacionadas a esse tema, consolidando sua posição ao determinar que é inconstitucional interditar um estabelecimento ou a apreender mercadorias como um meio indireto de cobrança de tributos. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo entende que o bloqueio de notas fiscais, sem um processo administrativo, deve ser considerado nulo. Na apelação em Mandado de Segurança nº 1.860.806 SP 2021/0082785-0, o relator, desembargador Leonel Costa expõe que "(...) a partir do momento em que a impetrante depende da emissão das NF-e para o desenvolvimento de sua atividade empresarial, este elemento já é apto a demonstrar plausibilidade do direito invocado" [1]. Corrobora para este entendimento que obstar a realização das atividades, viola-se os princípios gerais da atividade econômica, dispostos nos artigos 170 e seguintes, da Constituição Federal. Para sanar tal medida ilegal, é viável impetrar mandado de segurança contra ato administrativo da Fazenda. É possível, inclusive, requerer um pedido liminar para que a atividade empresarial seja restabelecida antes mesmo do término do processo judicial. Para a concessão de liminar, é preciso preencher dois requisitos, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano, nos termos do artigo 7º, III, da Lei n° 12.016/2009. Portanto, é essencial que a Fazenda aja de forma equilibrada para satisfazer os créditos tributários, garantindo, dessa forma, a preservação do livre exercício da atividade econômica, conforme determina a Carta Magna. Ademais, se as empresas identificarem quaisquer restrições ilegais às suas atividades, devem procurar um advogado de sua confiança para interromper essa medida ilegal. [1] TJ-SP - AC: 10415965020218260053 SP 1041596-50.2021.8.26.0053, relator: Leonel Costa, data de julgamento: 22/4/2022, 8ª Câmara de Direito Público, data de publicação: 22/4/2022
2023-09-17T11:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-17/gabriele-borges-tributacao-atividade-empresarial
tributario
Processo Tributário
Defesa do responsável sem apuração administrativa e o STJ
Após o difundido julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.110.925/SP, que tratou da defesa de sócio presente no polo passivo da execução fiscal movida contra a empresa, vem sendo repetido o discurso no sentido da impossibilidade de apresentação de exceção de pré-executividade pelo sócio incluído inicialmente no polo passivo da execução fiscal na específica hipótese em que ele figura na certidão de dívida ativa. Como se a reiteração de um discurso pudesse transformar a realidade ou legitimar decisões judiciais. Manifestação desse quilate, todavia, em nosso sentir, parece pretender reduzir a um exclusivo cenário as diversas impropriedades que podem ser materializadas no ajuizamento das execuções fiscais, manejadas seja pela União, pelos 27 estados da federação ou pelos 5.570 municípios da federação. Cada ente, ante as peculiaridades de sua legislação, pode vir a cometer diversificadas irregularidades. Ante o objeto temático do presente artigo, destacamos a prática indevida de incluir o sócio na execução fiscal exclusivamente por figurar no contrato social da empresa. Difundindo-se referido discurso, ignora-se o escorreito procedimento a ser adotado na "aplicação" dos precedentes vinculantes.  Isto porque, a submissão de um caso a um entendimento julgado sobre essa sistemática, não pode se pautar unicamente pela análise das ementas ou dos resumos formatados sobre a denominação de temas. Pelo contrário, deve-se aplicá-las ao caso concreto mediante um cotejo analítico entre os casos e os fundamentos invocados para identificar se coincidem, ou seja, deve-se realizar o apllying. Não temos dúvida de que essa sistemática de julgamento erigida no que ficou conhecido como microssistema de precedentes vinculantes busca efetivar valores como o da segurança jurídica, conferindo substancialmente tratamento igualitário entre os jurisdicionados que se encontrem em situações semelhantes, como aduz Diego Diniz Ribeiro.  No âmbito dos executivos fiscais, a exceção de pré-executividade é meio de defesa com respaldo legal no artigo 3º, parágrafo único, da lei federal 6.830/1980, utilizado pelo sujeito passivo que pretende o reexame da imposição tributária sobre si supondo a existência de prova de plano do direito alegado.  No precedente trazido como problemática, o ministro Teori Albino Zavascki entendeu que, se houver necessidade de dilação de provas — chamado por ele de "segundo requisito" — não caberia o questionamento da responsabilidade tributária do sócio pela via da exceção de pré-executividade.  A questão que se põe é: nas hipóteses em que o sócio consta na certidão de dívida ativa e sua ilegitimidade é identificada por meio de prova pré-constituída, sem necessidade de etapa para instrução probatória? Entende Rodrigo Dalla Pria que o julgamento enunciado no Recurso Especial 1.110.925/SP julgado sob a sistemática do repetitivo trouxe uma "infeliz generalização" para se justificar a negativa de cabimento da exceção de pré-executividade, justamente porque, embora em muitos casos haja realmente necessidade de produção de provas, em outros isso não se confirma. Tome-se como exemplo o caso de sócio que, muito embora conste na certidão de dívida ativa, não participou do processo administrativo para aferição de sua responsabilidade. Hipótese em que, não se tem dúvida em afirmar, a simples juntada de sua cópia é suficiente para produção da prova de sua irresponsabilidade, afastando-se da zona de aplicabilidade do referido julgado do Superior Tribunal de Justiça.  Pragmaticamente o que se vem constatando é a prolação de decisões de primeiro grau que, sumariamente, rejeitam a exceção de pré-executividade ao verificar que o sócio excipiente consta na certidão de dívida ativa, sem minimamente confrontar o caso em julgamento com aquele julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, isto é, sem justificar o porquê da convocação do precedente vinculante. Fundamentação essa necessária, tanto para adotá-lo, quanto para afastá-lo, conforme estabelece o inciso V do § 1º do artigo 489 do Código de Processo Civil/2015. Essa prática forense (indesejável, diga-se de passagem) de pura aplicação das ementas compreende o mesmo que utilização de frases descontextualizadas, como bem equipara Mantovanni Colares, como se fosse uma "frase sem texto", advertindo ainda que é preciso "evitar que as ementas circulem fora do texto do qual fazem parte em sua origem, qual seja, o voto condutor do julgamento".   A análise do preenchimento ou não do requisito definido na ratio decidendi do julgado do Superior Tribunal de Justiça é medida que se impõe ao judiciário ao julgar casos em que o sócio esteja como responsável na certidão de dívida ativa, pois com essa omissão, aquele que injustamente está sofrendo os ônus da exigência fica desassistido pelo poder judiciário.  A limitação ao conhecimento da exceção de pré-executividade imposta de maneira indiscriminada por força da restrita leitura da ementa do julgado perpetua dupla ilegalidade ao sócio que se vê inserido numa certidão de dívida ativa (1) por não ter lhe sido oportunizado contraditório administrativo prévio somada (2) à restrição do exercício do direito de defesa sem ônus, já que está sendo direcionado a apresentar os embargos à execução fiscal depois de garantir a execução. A inclusão do sócio como responsável na certidão de dívida ativa deve supor regular processo administrativo tributário, no qual seja assegurada a ampla defesa, como bem já reconhecia o Supremo Tribunal Federal na voz do ministro Joaquim Barbosa: "Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em detrimento de qualquer categoria de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.)" Ora, o que leva à responsabilização do sócio por débito tributário da sociedade são circunstâncias que devem ser relatadas e enunciadas em linguagem competente para oportunizar o exercício do seu direito de defesa, sem a qual a inscrição em dívida ativa consagrar-se-á nula por malferimento do devido processo legal. Por isso, como afirmado, em situação desse quilate a cópia do processo administrativo materializa-se sim como prova pré-constituída eficiente para demonstrar não ter havido o contraditório e a ampla defesa e, assim, afastar a presunção de validade da certidão de dívida ativa no que toca especificamente ao sócio responsabilizado, pois lhe falta requisito essencial à constituição da responsabilidade ensejadora do crédito do fisco. E qual o instrumento cabível nessa hipótese? Não temos dúvida em responder que é a exceção de pré-executividade. Afinal, nas palavras do ministro relator: "Realmente, a exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória." O que nos faz crer, portanto, que, em não havendo atividade probatória, legitimado está o seu cabimento e a necessidade de análise de seu mérito.
2023-09-17T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-17/processo-tributario-defesa-responsavel-apuracao-administrativa
tributario
Opinião
Hélcio Reis: Denúncia espontânea em compensação tributária
A compensação é uma das hipóteses de extinção do crédito tributário prevista no inciso II do artigo 156 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo as demais o pagamento (inciso I), a transação (inciso III), a remissão (inciso IV), a prescrição e a decadência (inciso V), a conversão de depósito em renda (VI), o pagamento antecipado e a homologação do lançamento (inciso VII), a consignação em pagamento (inciso VIII), a decisão administrativa irreformável (inciso IX), a decisão judicial passada em julgado (inciso X) e a dação em pagamento em bens imóveis (inciso XI). Dentre as hipóteses supra, o pagamento tem sido, historicamente, a mais usual, podendo ela se operar via quitação de uma obrigação tributária constituída, abarcando eventuais acréscimos moratórios (multa e juros), ou por meio de antecipação sujeita à homologação, hipótese esta que, há algumas décadas, abarca a grande maioria dos tributos que vêm sendo apurados e recolhidos pelos próprios sujeitos passivos. Nos termos do artigo 161 do CTN, "[o] crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária". Em relação a outras hipóteses de extinção do crédito tributário, a sua efetividade exige a edição de lei prévia autorizativa, como nos casos de compensação, transação, remissão e dação em pagamento, conforme estipulam, respectivamente, os artigos 170, 171, 172 [1] e inciso XI do artigo 156 do CTN, acima referenciado, razão pela qual as regras específicas necessárias a sua operacionalização não se extraem apenas do próprio Código, mas, também, dos comandos a serem definidos em lei ordinária. As demais hipóteses, para se consumarem, encontram-se dependentes de eventos futuros, como o transcuro dos prazos de prescrição, decadência e de homologação tácita ou expressa da antecipação de pagamento, bem como a prolação de uma decisão administrativa definitiva ou de uma decisão judicial transitada em julgado autorizando a conversão do depósito em renda ou a consignação em pagamento. Quando da publicação, em 27 de outubro de 1966, da Lei nº 5.172 (CTN), a forma corrente e imediata de extinção de crédito tributário era o pagamento em espécie, situação essa que não mais se configura, pois, na contemporaneidade, a compensação e a antecipação de pagamento sujeita a homologação são meios usuais de extinção do crédito tributário, assim como, mais recentemente, a transação tributária. Partindo-se da jurisprudência judicial e administrativa das últimas décadas, extrai-se que parte considerável das quitações de tributos tem se dado por meio de compensação, constatação essa que, eventualmente, pode exigir, para fins de interpretação das normas tributárias a ela concernentes, uma hermenêutica atualizada, pautada nos métodos evolutivo e sistemático, dentre outros. Muitos contestarão essa possibilidade, arguindo a imperatividade de uma interpretação restritiva das normas de direito tributário, em consonância com o princípio da legalidade estrita [2] e a normatividade contida no artigo 111 do CTN [3], pois, nessa linha, tais diretrizes impedem a aplicação extensiva, analógica ou equitativa da legislação tributária. Contudo, o princípio da legalidade estrita se dirige aos entes políticos da federação no exercício da competência tributária a eles atribuída pela Constituição, impedindo-os de exigir ou aumentar tributo não estabelecido em lei ou dar subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão sem prévia lei específica. Em sentido análogo, a regra da interpretação literal prevista no artigo 111 do CTN tem destinatários específicos, muito bem delimitados, a saber: 1) suspensão ou exclusão do crédito tributário (artigos 151 e 175 do CTN); 2) outorga de isenção; e 3) dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. Além disso, o artigo 108 do próprio CTN prevê a possibilidade de aplicação da analogia e da equidade na interpretação e na integração da legislação tributária, desde que, respectivamente, não resultem na exigência de tributo não previsto em lei (§1º) ou na dispensa do pagamento de tributo devido (§2º). A suspensão do crédito tributário, em relação à qual, por força do CTN, deve-se observar a interpretação gramatical, ocorre, nos termos do artigo 151 do CTN, nos casos de: 1) moratória; 2) depósito do montante integral; 3) reclamações e recursos no processo tributário administrativo; 4) concessão de medida liminar em mandado de segurança; 5) concessão de medida liminar ou de tutela antecipada em outras espécies de ação judicial; e 6) parcelamento. Já a exclusão do crédito tributário se dá apenas em duas hipóteses: isenção e anistia (artigo 175 do CTN). Logo, a chamada interpretação literal ou gramatical prevista no CTN não tem a abrangência que vem sendo adotada em diferentes análises, pois matérias outras de natureza tributária, como, por exemplo, a própria extinção do crédito tributário ou a aplicação da lei tributária que define infrações, podem, na linha defendida neste texto, ser objeto de outras regras hermenêuticas, para além da referida interpretação literal, esta entendida como o passo inicial da interpretação das normas jurídicas; inicial, mas não única. A interpretação mais abrangente aqui defendida não exime o sujeito passivo ou a Administração tributária de demonstrar e comprovar os fatos objeto da aplicação da norma tributária, bem como de motivar a subsunção adotada, tendo como escopo, precipuamente, a busca de uma intelecção, quando possível, em consonância com o espírito da norma (sua teleologia), não amputada por uma literalidade despropositada ou desarrazoada, sem suporte na lei, conforme acima apontado. Dito isso, passemos à análise do instituto da denúncia espontânea previsto no artigo 138 do CTN, verbis: "Artigo 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração." "O objetivo da norma é estimular o contribuinte infrator a colocar-se em situação de regularidade, resgatando as pendências deixadas e ainda desconhecidas por parte do Fisco, com o que este recebe o que lhe deveria ter sido pago e cuja satisfação, não fosse a iniciativa do contribuinte, talvez jamais ocorresse".  Tal instituto encontra-se consentâneo "com a estrutura tributária incapaz de proceder à fiscalização efetiva de todos os contribuintes e que precisa, demais, estimular o cumprimento espontâneo das obrigações tributárias, seja tempestivamente, seja tardiamente", preservando-se, dessa maneira, a higidez do sistema, o que, por outro lado, não pode ser interpretado como "estímulo à inadimplência" [4]. A interpretação do artigo 138 do CTN, contudo, esbarra na adoção, pelo legislador, de referência expressa ao vocábulo "pagamento", nada dizendo, em termos gramaticais, acerca das demais formas de extinção do crédito tributário — como a compensação —, situação essa que tem levado parte importante dos intérpretes e dos aplicadores da lei à conclusão de que o instituto somente se aplica às hipóteses de quitação espontânea de tributos em espécie. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já equiparou a compensação ao pagamento para fins de aplicação da denúncia espontânea (REsp 1.375.380 e 1.136.372, por exemplo), contudo, em decisões mais recentes, o Tribunal tem acatado a tese de que o instituto somente se aplica às hipóteses de pagamento (AgInt no REsp 1798582, AgInt nos EDcl no REsp 1704799, AgInt no REsp 1720601 etc.), evidenciando-se uma guinada interpretativa cuja fundamentação não se encontra evidenciada, dado que, no conjunto normativo, nenhuma alteração veio a ocorrer que a amparasse. As decisões mais recentes do STJ justificam a não aplicação da denúncia espontânea aos casos de compensação pelo fato de que, nessa situação, "a extinção do débito estará submetida à ulterior condição resolutória da sua homologação pelo fisco, a qual, caso não ocorra, implicará o não pagamento do crédito tributário, havendo, por consequência, a incidência dos encargos moratórios". Ora, o §1º do artigo 150 do Código Tributário Nacional (CTN), artigo esse que cuida dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, também estipula que "[o] pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento", tratando-se, portanto, assim como na compensação, de uma atividade do sujeito passivo dependente de confirmação por parte da autoridade administrativa. Logicamente que, assim como ocorre nos casos em que o alegado pagamento não se confirma, inexistindo chancela da Administração tributária acerca da efetiva existência do crédito compensado, a denúncia espontânea deverá ser afastada, exigindo-se do sujeito passivo, além dos tributos não extintos, os acréscimos legais devidos (juros e multa). Dito em outras palavras, somente se acata a denúncia espontânea, via compensação, quando inexistirem dúvidas acerca da existência do direito creditório, pois, do contrário, abrir-se-iam as portas para as mais diversas "estripulias" nessa seara. Merece registro o fato de que a quase totalidade dos litígios administrativos acerca do tema restringe-se à exigência ou não da multa de mora, pois o crédito em si, pleiteado pelo contribuinte, foi totalmente reconhecido pela autoridade administrativa na origem (inexistindo, portanto, lide quanto a ele), não tendo ele sido suficiente à extinção dos débitos compensados (não previamente declarados em DCTF) em razão da inclusão, pelo Fisco, da multa de mora que o contribuinte considerara inaplicável com base na denúncia espontânea. Mudanças de interpretação também ocorreram no âmbito da Administração tributária federal, pois, por meio da Nota Técnica Cosit nº 1, de 18/01/2012, a Receita Federal havia consignado que a declaração de compensação, se atendidos os demais requisitos, podia caracterizar a denúncia espontânea, posição essa revista, em curto espaço de tempo, por meio da Nota Técnica Cosit nº 19, de 12/06/2012. No Carf, há decisões nos dois sentidos, ora acatando a compensação como veículo da denúncia espontânea (acórdãos nº 9101-003.998, 3201-006.991, 1401-003.840, 3201-010.099, 1201-005.620 etc.), ora a afastando (acórdãos nº 9303-010.569, 9303-010.570  etc.), tendo prevalecido, mais recentemente, na 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, a redução literal do instituto às hipóteses de pagamento (acórdão nº 9303-013.608, dentre outros). Tal mudança de paradigma, num contexto generalizante, tem ignorado inclusive o fato de que, em muitas das compensações utilizadas para extinguir débitos não declarados e não pagos no vencimento, as respectivas declarações se fundam em indébitos, ou seja, em pagamentos realizados no passado pelo sujeito passivo e que se evidenciaram, posteriormente, indevidos ou maiores que os devidos, situação em que a exigência literal de "pagamento" encontra-se observada para fins de aplicação da denúncia espontânea, e, o que é mais impactante, os recursos financeiros já se encontravam no caixa do Tesouro, às vezes, muito tempo antes da denúncia. Não se pode perder de vista, conforme já apontado acima, que o CTN foi editado em 1966, quando a forma de extinção do crédito tributário por excelência era o pagamento, sendo a compensação, à época, uma hipótese extintiva excepcional, pois, somente em 1991, com o advento da Lei nº 8.383 e, posteriormente, com a Lei nº 9.430/1996, que o instituto da compensação passou a ser normatizado em lei de forma ampla, sendo hoje em dia uma modalidade comum de extinção do crédito tributário. É também em razão dessa constatação que o artigo 138 do CTN não pode ser interpretado somente literalmente, devendo-se considerar, ainda, os métodos de interpretação evolutivo, lógico, sistemático e teleológico, pois, conforme já dito, o dispositivo legal visa a estimular a regularização da situação fiscal do contribuinte junto ao Fisco, antes de qualquer procedimento fiscal, recolhendo-se os tributos devidos, já vencidos, acrescidos somente de juros de mora. Há que se ressaltar mais uma vez, apesar de óbvio, que a compensação que aqui se defende como passível de aplicação da denúncia espontânea é aquela fundada em crédito devidamente comprovado e deferido pela Administração tributária, em relação ao qual já há decisão administrativa irreformável (inciso IX do artigo 156 do CTN), e não aquela simplesmente formalizada em um pedido ou declaração sem lastro, assim como se dá nas hipóteses de pagamento, de cuja comprovação não pode se esquivar o sujeito passivo. Por fim, ressalta-se que, advindo argumentos relevantes capazes de impactar a presente compreensão da matéria e, por conseguinte, a interpretação jurídica ora adotada, eventual mudança de posição será, certamente, justificada e fundamentada, tendo-se em conta o caráter dinâmico e construtivo do Direito, bem como a coerência que deve perpassar o todo o sistema jurídico. [1] Artigo 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública. (...) Artigo 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso. Artigo 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: (...) [2] Artigo 150, inciso I e §6º, da Constituição Federal. [3] Artigo 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção; III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. [4] PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 962.
2023-09-17T07:11-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-17/helcio-reis-denuncia-espontanea-compensacao-tributaria
tributario
Opinião
Leonardo Roesler: Retrocessos na volta do imposto sindical
A questão da tributação sindical no Brasil é um tema repleto de controvérsias e implicações, não apenas jurídicas, mas também sociais e econômicas. A proposta do governo de restabelecer o imposto sindical, após sua extinção em 2017, não apenas reacende o debate acerca da autonomia dos trabalhadores e dos sindicatos, mas também levanta questões significativas sobre equidade social e eficiência econômica. A projeção de faturamento do governo com a reintrodução do imposto sindical é certamente notável, porém merece um exame cuidadoso e crítico. Segundo estimativas, o novo imposto poderia subtrair cerca de R$ 14 bilhões por ano do bolso dos trabalhadores, em comparação com os R$ 3,6 bilhões retirados anualmente antes de sua abolição em 2017. Em termos fiscais, esses valores poderiam parecer atraentes para um Estado constantemente em busca de aumentar sua receita. No entanto, a pergunta que precisa ser feita é: a que custo? A proposta atual sugere uma alíquota de 1% sobre a renda anual, incluindo benefícios como o 13º salário e o terço constitucional de férias. Isso significa que o trabalhador brasileiro poderá encontrar-se em uma situação onde uma parcela significativa de seus ganhos anuais seria compulsoriamente desviada para alimentar os cofres sindicais, com consequências diretas sobre o poder de compra e, indiretamente, sobre a economia como um todo. O caráter regressivo da proposta de reimplantação do imposto sindical não pode ser negligenciado, sobretudo em um país como o Brasil, cuja estrutura social já é marcada por profundos abismos socioeconômicos. A alíquota única de 1% da renda anual, aplicável indistintamente a todos os trabalhadores, favorece um cenário onde os indivíduos de menor renda contribuem com uma proporção maior de seus recursos. Essa estrutura tributária viola o princípio da capacidade contributiva, que preconiza a tributação proporcional aos rendimentos ou ao patrimônio do contribuinte, promovendo uma distribuição mais equitativa da carga tributária. Isso entra em contradição com princípios de justiça tributária e equidade amplamente discutidos e valorizados na doutrina e jurisprudência brasileira, com decisões que destacam a capacidade contributiva e a igualdade em questões tributárias. Nesse sentido, é possível argumentar que a reimplantação do imposto sindical, nos moldes propostos, poderia enfrentar severos questionamentos judiciais, levantando dúvidas consideráveis quanto à sua constitucionalidade e viabilidade prática. É essencial considerar o alinhamento desta medida com os princípios democráticos na tributação em uma sociedade democrática. No caso do imposto sindical, o trabalhador não tem a opção de escolher sua contribuição para um sindicato, o que exclui qualquer consentimento ou participação democrática na definição dessas contribuições. Essa nova forma de imposto sindical afronta o princípio da dignidade da pessoa humana ao retirar do trabalhador o direito de decidir sobre uma parte considerável de seus rendimentos. Isso compromete as necessidades básicas e os planos de vida dos indivíduos em um esquema tributário injustamente oneroso e obrigatório. Imprescindível considerar ainda a articulação entre este imposto e outros já existentes, que oneram tanto os trabalhadores quanto os empregadores. A criação de um novo imposto, sem uma revisão da estrutura tributária brasileira, pode resultar em um efeito cumulativo que sufoca a capacidade produtiva e diminui o incentivo ao trabalho formal, afetando adversamente tanto o emprego quanto a competitividade da economia nacional. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm desempenhado papéis fundamentais na interpretação e aplicação do direito tributário e trabalhista, respectivamente. Nesse contexto, a análise das decisões dessas cortes superiores é de suma importância para entender as implicações legais e constitucionais da recriação do imposto sindical. O STF valoriza princípios constitucionais como igualdade e capacidade contributiva em questões tributárias, considerando o impacto dos tributos em diferentes grupos. O retorno do imposto sindical, por sua natureza regressiva, poderia ser analisado à luz dessas jurisprudências devido às injustiças fiscais que causa. O TST também trata da autonomia dos sindicatos e da legitimidade de suas fontes de financiamento, especialmente após a reforma trabalhista de 2017 que tornou a contribuição sindical opcional. Em geral, a jurisprudência preserva a autonomia sindical, incluindo a relativa às fontes de financiamento. Ambos os tribunais superiores têm sido cautelosos quanto à intervenção do estado em questões sindicais. A reintrodução do imposto sindical pode ser vista como uma forma de intervenção, especialmente quando impõe ônus significativos aos trabalhadores sem uma participação democrática clara na decisão. Isso poderia criar atritos adicionais com a jurisprudência atual. Os tribunais internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, podem ser relevantes neste debate. A criação de um imposto que prejudica desproporcionalmente os trabalhadores de menor renda pode ser vista como uma violação dos princípios de justiça social e direitos humanos. Isso poderia resultar em condenações em instâncias internacionais, com implicações legais e de reputação para o país. O governo poderia considerar alternativas menos onerosas e mais progressivas de financiamento, alinhadas com modelos internacionais que não comprometem a renda dos trabalhadores de forma tão direta. Isso poderia incluir, por exemplo, a promoção de formas voluntárias de contribuição, possivelmente incentivadas por benefícios fiscais, ou até mesmo um modelo de financiamento tripartite envolvendo governo, empregadores e empregados. A Alemanha oferece um modelo sindical interessante para o debate sobre o imposto sindical no Brasil, quando a escolha é pessoal dos trabalhadores, que decidem se querem ou não se filiar a um sindicato. Esse sistema respeita a autonomia do indivíduo e mantém sindicatos fortes e eficazes para representar os interesses dos trabalhadores. Além disso, a Alemanha tem a codeterminação, onde os trabalhadores têm representação em conselhos de empresas, promovendo um ambiente de trabalho mais cooperativo e equitativo. Esse modelo destaca que o foco não é apenas financiar sindicatos, mas dar aos trabalhadores uma voz ativa nas decisões das empresas, melhorando as relações de trabalho e as decisões a longo prazo. É importante notar que o sistema alemão tem mecanismos de responsabilização e transparência para garantir o uso eficiente dos recursos. A proposta de recriação do imposto sindical no Brasil ganha um novo ângulo quando observada à luz de outros modelos internacionais como os dos Estados Unidos e da Austrália. Nos Estados Unidos, a afiliação sindical é em grande medida uma questão de escolha pessoal e os sindicatos geralmente são financiados por meio de taxas voluntárias de seus membros. Este modelo incentiva os sindicatos a demonstrar seu valor aos trabalhadores, ao invés de depender de um financiamento compulsório. Esse sistema também permite uma maior flexibilidade e adaptação às necessidades específicas dos trabalhadores, melhorando a representatividade e a eficácia do sindicato. Na Austrália, o cenário é similar ao americano, onde a sindicalização é voluntária e os sindicatos devem provar sua eficácia para ganhar o suporte financeiro de seus membros. Além disso, a Austrália tem um robusto sistema de Fair Work Commissions (Comissões de Trabalho Justo) que trabalham para equilibrar as relações entre empregadores e empregados, minimizando assim a necessidade de financiamento compulsório dos sindicatos através do sistema tributário. Este modelo tem sido eficaz em manter um certo equilíbrio no poder de negociação sem impor um fardo financeiro excessivo sobre os trabalhadores. Outra questão de extrema relevância nesse contexto é a da governança e da alocação de recursos provenientes do proposto imposto sindical reabre também um capítulo particularmente sombrio em relação à gestão pública e à transparência. O modelo proposto, no qual uma porcentagem substancial do imposto é canalizada para várias entidades sindicais e outras instituições, não apenas sofre de uma falta crônica de clareza, mas também abre portas para práticas corruptas e falta de prestação de contas. Esta falta de mecanismos de governança rigorosos constitui uma falha grave que põe em risco a integridade de todo o sistema tributário. A proposta apresentada é um retrocesso flagrante em termos de transparência fiscal e boa governança. O fato de que grandes somas seriam entregues às entidades sindicais sem a necessidade de justificar seu uso efetivo é não apenas uma abdicação de responsabilidade fiscal, mas também um convite aberto à má administração. Esta estrutura vaga e indefinida é inadmissível em uma democracia moderna, onde a transparência e a prestação de contas devem ser princípios orientadores da gestão pública. Além disso, o modelo proposto oferece poucas garantias de que os recursos arrecadados seriam efetivamente usados para o benefício direto dos trabalhadores. Sem critérios claramente definidos para a alocação de recursos, os fundos podem facilmente ser desviados para fins que não servem ao bem comum ou ao empoderamento dos trabalhadores, mas sim ao fortalecimento de uma burocracia sindical já inchada e frequentemente ineficaz. Há de se considerar uma preocupação legítima de que a injeção de fundos substanciais em entidades sindicais possa distorcer os mercados trabalhistas e criar desincentivos para reformas estruturais necessárias. Em vez de promover a eficiência, a competitividade e a representação justa, tal influxo de recursos pode fossilizar estruturas sindicais obsoletas e disfuncionais, perpetuando problemas ao invés de resolvê-los. O esquema proposto de governança e destinação dos recursos do imposto sindical é fundamentalmente falho e abre caminho para numerosos abusos. Em última análise, essa proposta representa um desserviço ao povo brasileiro e mina a confiança nas instituições democráticas e em um sistema fiscal justo. Nesse sentido, é vital observar que a opção de recusar o imposto sindical por meio da assembleia não resolve o problema inerente à regressividade da taxa. A estrutura da votação não altera o fato de que a alíquota é uniforme para todos os trabalhadores, independentemente da renda, o que continuará impactando desproporcionalmente os menos abastados. Portanto, a falácia aqui é propor um mecanismo supostamente democrático como uma espécie de panaceia para questões mais profundas e estruturais. As assembleias sindicais não são necessariamente microcosmos perfeitos da democracia. Frequentemente, essas reuniões sofrem de baixas taxas de participação, influência política externa e falta de informação adequada. Isso significa que o poder decisório pode ser facilmente cooptado por um grupo pequeno e mais vocal, minando a representatividade e o consenso democráticos. A ideia de que uma assembleia possa decidir sobre a aplicação de um imposto, algo tradicionalmente reservado para o Poder Legislativo, levanta sérias questões constitucionais. Tal mecanismo subverte o princípio da separação de poderes e coloca em risco a integridade do sistema democrático como um todo. Ao permitir que uma entidade não eleitoral decida sobre questões fiscais, estamos indo contra a essência da responsabilidade fiscal e da representação democrática. É, portanto, um argumento que não deve ser levado como uma solução válida ou um atenuante para os muitos problemas inerentes à proposta de reimplantar o imposto sindical. Diante das complexidades e ambiguidades da proposta, o caminho mais prudente é descartá-la por completo e procurar alternativas mais inovadoras e justas para financiar as atividades sindicais.
2023-09-18T11:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-18/leonardo-roesler-retrocessos-volta-imposto-sindical
tributario
Opinião
João Rossi: Perdas de energia não devem integrar base do ICMS
É assente no Direito e na jurisprudência pátria que a energia elétrica é considerada mercadoria e está sujeita à incidência do ICMS. O ICMS-Energia, conforme prevê a Súmula nº 391 do STJ, tem como fato gerador o efetivo consumo (artigo 34, § 9º, do ADCT combinado com o artigo 155, II da CF/88). Em igual teor, o Supremo fixou no Tema nº 176 a tese de que a potência de energia elétrica, por si só, não é passível de incidência do ICMS, devendo esse ser cobrado sobre as operações nas quais ocorreu o efetivo consumo. Considerando as particularidades físicas envolvendo a mercadoria energia elétrica, temos que a tradição somente nascerá a partir do momento no qual ela sai da linha de transmissão e entra no estabelecimento do consumidor, passando pelo relógio medidor e sendo efetivamente consumida ou utilizada. De mais a mais, a Resolução nº 1.000/2021 da Aneel (artigos 25 e 26) é clara em eleger o relógio medidor como o limite da responsabilidade da concessionária, ou seja, a partir dele ocorre a tradição e o efetivo consumo, nascendo, portanto, o fato jurídico gerador do ICMS-Energia. Não podemos deixar de mencionar que a mesma Resolução nº 1.000/2021, em seu artigo 2º, XLIX, alínea "a", é cristalina em denominar a Tarifa de Energia (TE) como aquela na qual há o efetivo consumo, portanto, nesse caso, em se tratando de TE, o ICMS deve ser faturado sem maiores dificuldades. No entanto, uma outra tarifa nos chama a atenção, estamos falando das perdas, que são divididas em técnicas e não técnicas. Sobre as elas, temos que as mencionadas se referem à energia elétrica que foi adquirida pela distribuidora e que acabou não sendo efetivamente entregue aos consumidores. A origem dessa discrepância tem fatores distintos, um deles é físico, ou seja, é a energia que se perdeu no processo de distribuição enquanto transitava nos fios da concessionária, essa ocorre por fatores naturais, como por exemplo a energia elétrica que acaba se transformando em energia térmica nos condutores (efeito joule), perdas dielétricas e outras mais de ordem física. A essa damos o nome de técnica. Já o outro caso não tem relação alguma com as características naturais, mas sim os desvios de conduta dos seres humanos que furtam a corrente elétrica por meio da reprovável prática de "gato". Aqui nomeamos como não técnicas. No entanto, nesses dois eventos há uma celeuma jurídica instaurada no campo tributário, ora, se o ICMS-Energia tem como fato gerador o efetivo consumo (ver Súmula nº 391 do STJ), nós estamos agindo corretamente ao tributar pelo ICMS as perdas técnicas e não técnicas? Pois bem, o STJ, em 2012, já teve a oportunidade de responder a questão acima, na ocasião, a corte entendeu que "a energia elétrica furtada nas operações de transmissão e distribuição não sofre incidência de ICMS por absoluta 'intributabilidade' em face da não ocorrência do fato gerador" (STJ, REsp 1.306.356-PA, rel. min. Castro Meira, julgado em 28/8/2012). A conclusão citada nos parece bastante adequada e satisfatória, afinal as perdas, por mais que sejam cobradas parcialmente por determinação da Aneel, não aparenta englobar o fato gerador do ICMS, visto que o consumo está ausente, porque quem pagou pela perda não utilizou aquela potência que desapareceu do sistema. De mais a mais, o próprio STJ há anos vem fixando uma jurisprudência no sentido de que somente a potência de energia efetivamente consumida integra o ICMS-Energia. Parece-nos um contrassenso total a cobrança do ICMS nas perdas, ainda mais se considerarmos que o ICMS não incide sobre a potência de energia contratada e não utilizada (Tema nº 63/STJ e Tema nº 176/STF). Não é difícil localizarmos decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça invocando o Tema 176/STJ e a Súmula 391/STJ para o fim de afastar a cobrança do ICMS-Energia sobre a potência contratada e não utilizada (STJ, AgInt no RE no AgRg no Ag nº 1.074.598/SP). Também não é difícil encontrarmos nas doutrinas especializadas em Direito de Energia a orientação de que o simples pacto contratual não gera o ICMS, ora esse somente será exigido da potência efetivamente utilizada, cita-se: "Vê-se que o aspecto material do fato gerador do ICMS é a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. E a circulação se pressupõe a entrega da mercadoria, a tradição, consequentemente, no caso da energia elétrica o efetivo consumo. O valor da operação consistente em garantir a potência necessária para o consumidor não pode ser tributado pelo ICMS. (...) Segue-se a conclusão inequívoca de que somente incide ICMS sobre a energia elétrica se, de fato, estiverem presentes as circunstâncias materiais, assim entendidas a efetiva circulação da energia elétrica no estabelecimento do consumidor e o efetivo consumo, não apenas o pacto contratual de potência." (DE MELLO, Fátima I. M.Rogério Vaz. Não incidência de ICMS sobre a demanda contratada de potência e sobre as tarifas de uso dos sistemas de distribuição e de transmissão. Revista Direito de Energia & Áreas Afins, Editora: Synergia, 2020, p.251/252) Ao nosso ver, as lições e os precedentes acima, são completamente aplicáveis ao caso ora em comento, pois é impossível atribuir a empresa ou a residência o consumo da energia que se perdeu no transporte, afinal tal acontecimento se deu antes da tradição, não havendo fato gerador para o ICMS. Não podemos tratar as perdas como custo da energia consumida tal qual é tratado o adicional de bandeira tarifária, pois esse último representa um acréscimo real no valor da mercadoria efetivamente entregue. No entanto, no campo das perdas, essas sequer entregues são, o que ocorre é o repasse de uma cifra determinada pela Aneel que não tem relação alguma com a energia utilizada, afinal quem consumiu a perda? Foi o consumidor que ingressou na Justiça? Evidentemente que não. Vale argumentar que o doutrinador Roque Carrazza, possui escritos no sentido de que as perdas, sejam elas técnicas ou não técnicas, jamais poderão integrar a base de cálculo do ICMS-Energia, cita-se: "A contrario sensu, o ICMS deixa de ser devido nos casos em que a energia elétrica se perde, quer por razões físicas (vazamentos no sistema), quer por motivos de ordem criminal (furto). É que, inexistindo consumo regular, ausente está pelo menos sob a óptica do Direito Tributário qualquer operação relativa ao fornecimento de energia elétrica. Do exposto, temos que, havendo tais ocorrências, deixa de existir espaço jurídico para que se cogite, seja a que pretexto for, de nascimento de obrigação de recolher ICMS - Energia Elétrica" (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. Malheiros Editores. São Paulo. 2009. Pág. 273). No nosso entender, as lições de Carrazza são corretas, inclusive vamos além e defendemos que a partir do momento no qual tributamos o consumidor honesto e isentamos o que fez o gato, o Estado acaba não observando a pessoalidade e a capacidade contributiva, que estão no art. 145, §1º da Carta Magna. Além do mais, não nos parece condizente com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, isonomia tributária e legalidade o ato de onerar o contribuinte que segue a lei, enquanto o cidadão de má-fé e que faz o gato nada paga, sinceramente, essa decisão fiscal parece distante dos princípios basilares de Justiça. Diante do exposto, esse artigo se encerra criticando o ato das Fazendas Estaduais consubstanciado em exigir dos contribuintes o ICMS-Energia das perdas técnicas e não técnicas, pois, no nosso entendimento, não havendo o consumo regular da energia, não há o que se falar em exigência do ICMS com fulcro na Súmula nº 391/STJ, no Informativo nº 503/STJ, no Tema Repetitivo nº 63/STJ e no Tema nº 176/STF (Repercussão Geral).
2023-09-18T09:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-18/joao-rossi-perdas-energia-nao-integrar-base-icms
tributario
Justiça Tributária
Repetição de indébito não deve seguir o rito dos precatórios
O STF (Supremo Tribunal Federal) julgou em agosto o RE 1.420.691, que se transformou no Tema 1.262, tendo sido fixada por unanimidade a seguinte tese: "Não se mostra admissível a restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial, sendo indispensável a observância do regime constitucional de precatórios, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal". O trâmite foi peculiar, pois na mesma sessão de julgamento foi reconhecida a repercussão geral e julgado o mérito, o que não é usual. O caso foi relatado pela ministra Rosa Weber, revertendo o julgamento do TRF-3, que possui jurisprudência consolidada em sentido oposto, permitindo que se realize a repetição administrativa de indébito, reconhecido pela via judicial, sem a sistemática de precatórios. Na decisão foi mencionada a jurisprudência do STF a respeito e distinguido o Tema 1.262 do Tema 831, este relatado pelo ministro Fux prescrevendo que "o pagamento dos valores devidos pela Fazenda Pública entre a data da impetração do mandado de segurança e a efetiva implementação da ordem concessiva deve observar o regime de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal". A distinção se cinge ao fato de que no Tema 831/Fux se discutiu a possibilidade de restituição administrativa dos valores cobrados a maior nos cinco anos que antecederam a impetração de mandado de segurança, ao passo que no Tema 1.262/Weber, o debate se referiu ao necessário rito dos precatórios independentemente do tipo de ação interposto, impedindo a restituição administrativa dos valores reconhecidos como indevidos. Não me parece que a solução encontrada pelo Tema 1.262/Weber tenha sido a melhor, em face de uma distinção básica: o sistema de precatórios foi criado para a realização de despesas públicas fruto de decisões judiciais, o que acarretou a criação de um procedimento para inserir previsão orçamentária específica para seu pagamento, isto é, o precatório. No caso das repetições de indébito tributário a situação é diametralmente oposta, pois o dinheiro já havia ingressado nos cofres públicos, e a devolução não se caracteriza como uma despesa decorrente de ordem judicial, mas como o que realmente é: uma devolução de recursos que já haviam ingressado nos cofres públicos. Logo, não se trata de uma despesa, mas da devolução de recursos que não deviam ter sido recolhidos — daí a lógica da repetição de indébito, isto é, devolução de valores indevidamente carreados aos cofres públicos. O limite de qualquer receita tributária é o Princípio da Estrita Legalidade, o que implica em dizer que deve ser devolvido tudo que tiver sido recolhido acima do limite legal estabelecido, pois inconstitucional. Logo, identificada cobrança a maior do que a legalmente devida, o Estado deve devolver aos contribuintes, sem maiores delongas, da forma menos onerosa possível, pois estes já foram apenados com o indevido recolhimento à margem da lei. Se a decisão judicial for para ampliar o montante pago por uma desapropriação, ou pagar uma gratificação a servidor que a devesse ter recebido a seu tempo e modo, estaremos defronte a uma despesa, decorrente de ordem judicial, na qual cabe o sistema de precatórios. Sendo a decisão judicial para devolver tributo pago a maior, não cabe precatório, pois não se trata de despesa, mas de devolução, uma vez que o dinheiro ingressou irregularmente no Tesouro. Neste caso deveria até mesmo haver a imposição de multa pela conduta irregular do Fisco quando exigisse tributo indevido — claro que a multa se sujeitaria ao regime de precatórios, não o montante principal a ser devolvido. É contra a lógica jurídica estabelecer o regime de precatórios para devolver o que foi recolhido a maior. Se fosse o caso de obrigar o Estado a pagar o que não pagou, a lógica precatorial seria plenamente adequada — mas não é o que ocorre nas repetições de indébito, que se referem à devolução do que foi pago à maior. Enfim, não se trata de despesa, mas de devolução. É inadequada a lógica presente no Tema 831/Fux, pois coloca o rito processual do mandado de segurança acima do direito material. Porém a situação se torna ainda pior no caso do Tema 1.262/Weber, pois aplica a dinâmica dos precatórios para toda e qualquer repetição de indébito tributário, seja qual for a via processual eleita. O prejuízo para a ordem jurídica é enorme. Para tornar curta uma longa história, pode-se resumir a posição aqui exposta à seguinte afirmativa, quase que como uma Tese a ser discutida pelo STF: A sistemática de precatórios é indevida para a devolução de tributos que ingressaram nos cofres públicos à margem do Princípio da Estrita Legalidade, independentemente do meio processual utilizado para tanto.
2023-09-18T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-18/justica-tributaria-repeticao-indebito-nao-seguir-rito-precatorios
tributario
Opinião
Nilton André Vieira: Pena de perdimento ganha nova versão
O Direito Aduaneiro, pilar fundamental para a regulação do comércio exterior, tem se adaptado continuamente às demandas de um mundo globalizado. Uma das ferramentas mais discutidas e revisadas dentro deste campo é a pena de perdimento. A pena refere-se à sanção aplicada em casos de irregularidades graves, como contrabando, descaminho e falsificação de documentos etc. Essa penalidade culmina na perda definitiva de mercadorias, veículos ou moedas em favor da União. Antes da Lei nº 14.651/2023, recentemente publicada, o procedimento para a aplicação da pena de perdimento concedia às partes um prazo de 20 dias para contestação. Contudo, a ausência de um mecanismo de recurso na legislação anterior era uma lacuna significativa. Essa restrição era frequentemente criticada e vista como uma violação ao devido processo legal, um direito fundamental consagrado na Constituição Brasileira. O devido processo legal serve como uma salvaguarda contra ações arbitrárias ou injustas por parte do Estado. Esse princípio reforça a confiança dos cidadãos no sistema jurídico, garantindo que a privação da propriedade ocorra somente em circunstâncias legítimas e seguindo os trâmites legais apropriados. Vale ressaltar o contraste entre os conceitos de propriedade e perdimento: o direito constitucional de propriedade protege o direito individual de possuir e usar bens, enquanto a pena de perdimento, no âmbito aduaneiro, serve como mecanismo de controle e sanção, assegurando a observância das leis e regulamentos aduaneiros. Esse dilema sublinha a importância de um sistema processual administrativo que esteja em consonância com a legalidade quando se trata de perdimento de bens e mercadorias. Sob essa ótica, a Portaria MF 1.005/23, publicada em 28 de agosto deste ano, regulamenta a Lei 14.651/23. Dentre suas diversas disposições, é relevante destacar a criação do Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul), concebido como uma instância de julgamento de recursos administrativos. Embora represente um avanço significativo em direção ao devido processo legal, sua composição limita-se a representantes da Receita Federal. Esse aspecto merece reflexão. A Convenção de Quioto Revisada (CQR), um instrumento internacional criado pela Organização Mundial das Aduanas (OMA) com o objetivo de padronizar e simplificar procedimentos aduaneiros, enfatiza a importância de recorrer a uma autoridade independente da administração aduaneira em casos de indeferimento de um requerimento. A configuração atual do Cejul sugere que o Brasil pode não estar em total conformidade com as diretrizes da CQR/OMA. Essa observação ganha destaque quando consideramos que o propósito central da referida Lei é consolidar a confiança no sistema responsável pela aplicação da pena de perdimento. A adoção de sessões de julgamento não presenciais, seja por videoconferência ou em ambientes virtuais, conforme previsto no artigo 40 da Portaria MF 1.005/23, é uma inovação significativa que reflete a necessidade de adaptação ao cenário atual. É importante destacar também a Portaria RFB nº 348, de 01 de setembro de 2023, que, ao regulamentar o funcionamento do Cejul, estabelecido pela Portaria MF 1.005/23, introduz a opção de sustentação oral nas sessões de julgamento através do envio de vídeos de até dez minutos. Tais medidas, ao otimizar a logística e eliminar obstáculos geográficos, contribuem para a redução de custos e garantem maior rapidez e eficiência nos julgamentos. Além disso, a Portaria (MF 1.005/23) determinou prazos específicos, de 90 dias, para a emissão de decisões ou para a inclusão de processos em pauta, conforme descrito no artigo 41 Portaria MF 1.005/23. Estipulando um intervalo de tempo adequado para deliberações, combate-se a lentidão processual e assegura-se a celeridade na análise dos casos, favorecendo todos os interessados. A rapidez nos procedimentos, mais do que um direito das partes envolvidas, sinaliza a contemporaneidade e a capacidade de adaptação do sistema de justiça à realidade vigente. O artigo 39 da Portaria MF 1.005/23 representa um marco progressivo. Ele estabelece a obrigatoriedade de divulgar o ementário dos acórdãos no site oficial da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, democratizando e ampliando o acesso à informação. Com isso, decisões que anteriormente eram de difícil consulta agora estarão centralizadas em uma única plataforma. Essa centralização simplifica a busca e análise para contribuintes e especialistas, garantindo também uniformidade nas decisões do Cejul, ao criar um registro transparente de precedentes. A clareza nas informações não apenas reforça a confiança no sistema, mas também evidencia o comprometimento da Receita Federal em ser transparente e responsável, fortalecendo sua relação com os contribuintes. A Lei nº 14.651/2023 reflete o compromisso do Brasil em harmonizar seu direito aduaneiro aos princípios constitucionais e às orientações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ela enfatiza a importância do devido processo legal, da agilidade processual e da transparência nas decisões.
2023-09-19T21:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-19/nilton-andre-vieira-pena-perdimento-ganha-versao
tributario
Opinião
Pablo Souza: Tributação das PJs prestadoras de serviços médicos
Em época de desconfiança dos agentes econômicos quanto à sustentabilidade do arcabouço fiscal, a alta taxa dos juros definida pelo Banco Central, a diminuição do poder de compra dos brasileiros com a elevação dos preços dos produtos e serviços de uma forma geral, questões como "elevação da carga tributária" e "economia fiscal", ganham destaque. Não se fala outra coisa senão sobre a possibilidade de aumento da carga tributária para as empresas prestadoras de serviços com a atual reforma tributária que se encontra atualmente em discussão no Senado e com previsão de pauta para votação nos próximos meses. É nesse contexto que passo a tecer considerações sobre a tributação das pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos, organizadas como sociedades empresariais, que desempenham atividade com a utilização da estrutura de terceiros, que pode resultar em diminuição de custos tributários. Sobre o arcabouço legal e regulamentar do IRPJ e da CSLL, em especial os da Lei 9.249/95, nota-se que, para determinar a base de cálculo desses tributos, foi definido o percentual de 32% sobre a receita bruta auferida mensalmente pelas atividades de prestação de serviços em geral. Com exceção, das hospitalares, que devem ser aplicadas bases reduzidas, apuradas por meio da incidência de 8% e 12% sobre a receita bruta obtida por mês, para o cálculo do IRPJ e da CSLL, respectivamente. A Lei 9.249/95, no artigo 15, com redação introduzida pela Lei 11.727/08, ampliou o rol de pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos voltadas à promoção da saúde humana, passando a equiparar aos estabelecimentos hospitalares, as clínicas médicas prestadoras de serviços laboratoriais de auxílio diagnóstico e terapia, além de patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e CSLL, desde que a prestadora seja organizada como sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Assim, os prestadores desses serviços médicos, organizados em sociedade, que exercem suas atividades em conformidade com a Anvisa e que adotam o lucro presumido, devem recolher os tributos considerando, como percentuais de determinação de suas bases de cálculo, 8% para o IRPJ, e 12% para a CSLL. Todavia, a Secretaria da Receita Federal do Brasil limitando a interpretação e a aplicação da lei 9.249/95, nos incisos II e III do § 4º do art. 33 da IN RFB nº 1.700, de 14 de março de 2017 (em combinação com o seu artigo 215, caput e § 1º), dispunha que não se aplicariam os percentuais reduzidos de presunção do lucro na hipótese de "serviços prestados com utilização de ambiente de terceiro" e de "pessoa jurídica prestadora de serviço médico ambulatorial com recursos para realização de exames complementares e serviços médicos prestados em residência, sejam eles coletivos ou particulares (home care)". Num primeiro momento, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, com base na referida legislação tributária, por meio das IN SRF 480, de 14 de dezembro de 2004 e IN SRF 539, de 25 de abril de 2005, passou a exigir dos estabelecimentos assistenciais de saúde uma estrutura física para que o contribuinte pudesse usufruir do benefício fiscal de redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, exigência esta que extrapolou os limites da lei, conforme decidido pelo STJ, no julgamento do REsp nº 1.116.399 — Tema 217/STJ. Na ocasião, o STJ consolidou o entendimento de que a expressão "serviços hospitalares" deve ser entendida de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pela contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou o contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde), além de que (...) os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício. Acontece que a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a exigir novo requisito dos contribuintes a fim de conceder o benefício fiscal em comento, interpretação constante, inclusive, das IN RFB 1.234, de 11 de janeiro de 2012 e IN RFB 1.700, de 14 de março de 2017, atualmente em vigor. Em sintonia com a previsão legal, a IN RFB 1.700, de 14 de março de 2017, em seus artigos 33 e 34, estabelece que o percentual das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, para as sociedades empresárias (Sociedade Ltda. e S.A.) que atendam às normas da Anvisa (entre outras, a prestação de serviços em ambientes desenvolvidos de acordo com o item 3 — Dimensionamento, Quantificação e Instalações Prediais dos Ambientes da Parte II - Programação Físico-Funcional dos Estabelecimentos Assistenciais de Saúde da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, cuja comprovação deve ser feita mediante alvará da vigilância sanitária estadual ou municipal) e que tenham optado por serem tributadas por meio do regime do lucro presumido (regime tributário em que a empresa faz a apuração simplificada do IRPJ e CSLL), são, respectivamente, de 8% e 12% sobre a receita bruta. Contudo, extrapolando novamente o texto legal, a Secretaria da Receita Federal do Brasil passou a exigir que a prestação dos serviços se dê em ambiente de titularidade do contribuinte, considerando que, nos casos de prestação de serviços médicos em ambiente de terceiros, como hospitais, o enquadramento com base de cálculo com percentual reduzido não seria aplicável. É o caso, por exemplo, dos cirurgiões que atuam em geral no interior de hospitais, e apesar de cumprirem os requisitos expressos no artigo 15, da lei 9.249/95, com as alterações promovidas pela lei 11.727/08, vêm sendo tributados por meio do IRPJ e da CSLL, com bases de cálculo apuradas com a incidência de 32% sobre a receita bruta. Em outras palavras, com essa regulamentação, a Secretaria da Receita Federal do Brasil vinha impossibilitando que as pessoas jurídicas prestadoras de serviços médicos, a exemplo, dos cirurgiões que atuam no interior de unidades hospitalares, a despeito de cumprirem todos os requisitos expressos e taxativos nos artigos 15 e 20 da Lei nº 9.249/95, com as alterações promovidas pela lei 11.727/08, pudessem se valer do enquadramento tributário com percentuais menores e, assim, acabam sendo tributados por meio do IRPJ e da CSLL, com bases de cálculo apuradas com a incidência de 32% (trinta e dois por cento) sobre a receita bruta. Inclusive, em Solução de Consulta Disit/SRRF03 nº 3.005, de 03 de maio de 2021, a Secretaria da Receita Federal do Brasil externou esclarecimento nesse sentido ao consignar que para fins de minoração da alíquota prevista nos artigos 15, § 1º, inciso III, alínea "a", e 20 da Lei nº 9.249/1995, os serviços médicos de anestesia supostamente também deveriam ser "prestados nas próprias instalações do estabelecimento de saúde do contribuinte", o que por via oblíqua está implicitamente aplicando a restrição prevista na IN RFB 1.700, de 14 de março de 2017, na medida em que os serviços de anestesia são comumente prestados no ambiente de terceiros, mormente em intervenções cirúrgicas. Todavia, prevenindo uma avalanche de casos que possivelmente seriam levados ao Poder Judiciário, por clara ofensa aos preceitos legais e aos balizamentos definidos pelo STJ, no julgamento do REsp nº 1.116.399 — Tema 217/STJ e Tema 353/STF, (inclusive que incide o Imposto de Renda Pessoa Jurídica — IRPJ e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSSL com alíquotas reduzidas, na forma do art. 15, § 1º, III, da Lei 9.249/1995, sobre a receita proveniente da prestação de 'serviços hospitalares' (não receita bruta total da empresa), neles compreendidas as atividades de natureza hospitalar essenciais à população, independente da existência de estrutura para internação, excluídas as consultas realizadas por profissionais liberais em seus consultórios médicos), a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por intermédio do Parecer SEI nº 7689/2021/ME, externou orientação vinculada para que as atividades da Secretaria da Receita Federal do Brasil observe o entendimento proferido pelo STJ no REsp 1.116.399/BA. Nesse sentido, instado a se manifestar o STJ no REsp 1.116.399/BA, firmou a seguinte tese: "Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão 'serviços hospitalares', constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares 'aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde', de sorte que, 'em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos". Seguindo a trilha da jurisprudência em relevo e da orientação vinculada proferida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por intermédio do Parecer SEI nº 7.689/2021/ME, a Secretaria da Receita Federal do Brasil confeccionou entendimento em recente Solução de Consulta Disit/SRRF04 nº 4.030, de 15 de agosto de 2023, vinculada à Solução de Consulta nº 147, de 20 de julho de 2023, que fica vedada a imposição de limitações, para aplicação da alíquota reduzida, relacionadas aos serviços de home care e às sociedades que desempenham atividade com a utilização da estrutura de terceiro, muito embora essa última situação possa indicar que a sociedade não apresenta elemento de empresa. Assim, significa dizer que a Secretaria da Receita Federal do Brasil por ora pôs um pá de cal nessa questão, possibilitando, no exemplo acima, aos cirurgiões, organizados em sociedade empresariais — que atuam no interior de hospitais de propriedade de terceiros, que atendam às normas da Anvisa e que tenham optado por serem tributadas por meio do regime do lucro presumido, possam utilizar o percentual de 8% e 12% sobre a receita bruta como base de cálculo, respectivamente, do IRPJ e da CSLL, apenas no que toca às receitas de serviços tipicamente hospitalares. Ou seja, o benefício não se aplicaria às consultas médicas, nem mesmo quando realizadas no interior de hospitais, de modo que só abrangeria parcela das receitas da sociedade que decorre da prestação de serviços hospitalares propriamente ditos. Portanto, considerando a recente alteração de entendimento da Secretaria da Receita Federal do Brasil, fato este que se apresenta em debate, a conclusão a que se chega na esfera administrativa encontra-se garantido o direito das sociedades empresariais a utilizar os percentuais reduzidos de 8% de IRPJ e 12% de CSLL para a apuração das receitas auferidas em razão da prestação de serviços hospitalares, ressaltando aos contribuintes que se sintam prejudicados a possibilidade de buscar, pela via judicial, a recuperação dos valores indevidamente pagos ao Fisco Federal, cabendo, ainda, a reestruturação de sua operação, com vistas a uma economia fiscal nos próximos exercícios financeiros.
2023-09-19T20:39-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-19/pablo-souza-tributacao-pjs-prestadoras-servicos-medicos
tributario
Opinião
Eduardo Cavalcanti: Incidência do IRPJ e da CSLL sobre a Selic
A temática da incidência do IRPJ e da CSLL sobre o valor da Selic foi examinada pelos tribunais superiores sob dois aspectos: repetição do indébito tributário e devolução de depósitos judiciais. A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça apreciou a controvérsia no REsp 1.138.695, resultando em dois paradigmas: Tema 504/STJ, no sentido de que "os juros incidentes na devolução dos depósitos judiciais possuem natureza remuneratória e não escapam à tributação pelo IRPJ e pela CSLL"; e Tema 505/STJ, com a tese (posteriormente alterada) de que "os juros incidentes na repetição do indébito tributário, inobstante a constatação de se tratarem de juros moratórios, se encontram dentro da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dada a sua natureza de lucros cessantes, compondo o lucro operacional da empresa". O referido recurso especial compreendia dois objetos de discussão: a incidência (ou não) do IRPJ e da CSLL sobre a Selic recebida em repetição de indébito e na devolução de depósitos judiciais. No voto condutor, o ministro Mauro Campbell apreciou a natureza jurídica dos juros, estabelecendo que o fator determinante de recebimento desses valores não é a forma de cálculo, mas, sim, o motivo pelo qual estão sendo pagos. No caso dos depósitos judiciais, os juros não são pagos em razão de uma demora no pagamento que deve ser indenizada, mas, sim, em razão de depósito voluntariamente efetuado pelo contribuinte em instituição financeira e que se submete à remuneração legalmente estabelecida. Nesse sentido, entendeu que esses valores não possuem natureza indenizatória, mas remuneratória. Já no caso das repetições de indébito, reconhece que os juros são devidos em razão da mora, com base no artigo 167 do CTN, fixando o trânsito em julgado da decisão como o momento do vencimento da obrigação. Contudo, ainda que se trate de verba indenizatória, o valor da Selic recebido na repetição do indébito tributário tem natureza jurídica de lucros cessantes, o que configuraria acréscimo patrimonial nos termos do artigo 43, II, do CTN, constituindo, portanto, fato gerador do imposto o recebimento de proventos de qualquer natureza. Seguindo a cronologia jurisprudencial, o STF no RE 1.063.187, mais recentemente, ao enfrentar o tema, afastou a incidência dos tributos sobre a Selic nas repetições do indébito, na dicção do Tema 962 da Repercussão Geral "é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário". O relator do recurso, ministro Dias Toffoli, afirma ser necessário conferir a compatibilidade da verba com a materialidade do tributo. A materialidade do imposto de renda está fundamentada no artigo 153, III, da CF, segundo o qual incidirá sobre proventos de qualquer natureza, enquanto o artigo 195, também da CF, estabelece que a contribuição social incide sobre o lucro, ambos sob indispensável acréscimo patrimonial. A partir dessa premissa, o ministro relator apreciou a natureza jurídica da Selic, enquadrando-a como juros de mora, cuja natureza indenizatória evidencia-se pelo atraso no pagamento. Essa indenização pode ser relativa a lucros cessantes ou danos emergentes, diferenciação relevante, pois, caso se trate de lucros cessantes, a verba será um incremento patrimonial, havendo incidência dos tributos. Segundo o STF, os juros recebidos na repetição do indébito são uma indenização por danos emergentes porque a demora na restituição faz com que o credor, titular do direito, procure meios alternativos ou mesmo "heterodoxos" para atender às suas necessidades, os quais atraem juros, multas, gerando passivos, ou outras despesas, ou adotando preços mais elevados no mercado e, por isso, perdendo competitividade. Por isso, os juros têm o condão de indenizar esses danos. Em sede de Embargos de Declaração no referido RE 1.063.187 – Tema 962, o STF considerou que desbordaria do caso sob julgamento 1) a eventual definição acerca de quais casos ficariam caracterizados a mora ou as hipóteses nas quais os juros moratórios deveriam ser acrescidos por meio dos juros Selic na repetição de indébito tributário; e 2) definir a natureza jurídica dos juros incidentes sobre os casos relativos a depósitos judiciais ou dos juros combinados entre particulares. Confira-se, abaixo, o trecho do voto condutor do ministro Dias Toffoli: "(...) Julgo, assim, ser o caso de se esclarecer que a decisão embargada se aplica apenas nas hipóteses em que há o acréscimo de juros moratórios mediante a taxa Selic em questão na repetição de indébito tributário (inclusive na realizada por meio de compensação), seja na esfera administrativa, seja na esfera judicial. No mais, chamo a atenção para o fato de que desborda do presente tema de repercussão geral definir quais os casos em que — ou quando — restam configuradas a mora ou as hipóteses nas quais os juros moratórios devem ser acrescidos mediante a taxa Selic na repetição de indébito tributário. Também desborda desse tema definir a natureza jurídica dos juros relativos aos depósitos judiciais ou dos juros avençados em contratos entre particulares. Nessa toada, insta destacar, por exemplo, que não foi objeto da presente demanda saber, caso a caso, se o pagamento da taxa Selic em razão de contrato entre particulares se destina à remuneração de capital e se o IRPJ e a CSLL podem incidir sobre tal pagamento. (...)". (Edcl no RE nº 1.063.187/SC (STF, Tribunal Pleno, relator ministro Dias Toffoli, julgado em 02.05.2022). Noutras palavras, a delimitação feita pelo julgamento do STF não decorreu de aplicação das premissas fixadas no julgamento do Tema 962 da Repercussão Geral, mas, sim, em razão das limitações impostas pelo caso concreto que deu origem ao respectivo tema de repercussão geral. Em razão da decisão do Supremo no referido tema, os autos do REsp 1.138.695 foram reenviados à 1ª Seção do STJ para eventual exercício do juízo de retratação, momento em que o tribunal alterou a tese do Tema 505 para adequar seu entendimento ao STF, de modo a afastar a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a SELIC nas repetições do indébito tributário. Por outro lado, manteve inalterada a tese fixada pelo Tema 504 sobre a incidência dos tributos sobre a Selic dos depósitos judiciais, sob o argumento de que as premissas fixadas no julgamento dos embargos de declaração no RE 1.063.187 – Tema 962 do STF somente permitiriam o afastamento da referida incidência tributária nos casos de juros Selic no indébito tributário, e não quando esses juros decorrem de depósitos judiciais. De fato, houve uma conformação literal ao que definido pelo Supremo, porém, parece-me que caberia ao STJ reapreciar o tema da incidência do IRPJ e da CSLL sobre a Selic nos depósitos judiciais à luz do que foi conceitualmente estabelecido.   O fundamento central utilizado no voto condutor do ministro Dias Toffoli no Tema 962 diz respeito aos danos provocados pela indisponibilidade dos valores a quem de direito, obrigando tanto as pessoas físicas como jurídicas a utilizarem meios alternativos e mais onerosos para suprir as suas necessidades financeiras por meio de empréstimos, uso de cheque especial, linha de cartão de crédito, compras a prazo, etc. Todos esses meios de obtenção de recursos ensejam a cobrança de tarifas, multas ou juros. Por essa razão, o atraso no pagamento dos valores provoca danos emergentes, evidenciando a natureza indenizatória dos juros moratórios. A mesma lógica se aplica aos depósitos judiciais, haja vista a quantia depositada em juízo não poder ser acessada pelo depositante até que lhe seja autorizado judicialmente. Pagar o tributo indevidamente ou depositá-lo em juízo retira-lhe a disponibilidade para usufrui-lo, inclusive, do ponto de vista financeiro-orçamentário, o ente público já se vale imediatamente dos recursos, considerando a transferência para a conta único do Tesouro Nacional, no caso da União.    Por isso que a indisponibilidade do valor depositado judicialmente provoca os mesmos danos do atraso no pagamento na repetição de indébito, também obrigando a utilização de meios alternativos de obtenção de recursos financeiros, e, portanto, os juros Selic na devolução de depósitos judiciais caracterizam-se como danos emergentes e possuem natureza indenizatória, tal como na repetição do indébito. Cabe ao STJ, portanto, reapreciar o tema sob a ratio decidendi fixada no RE 1.063.187 – Tema 962 da Repercussão Geral do STF.
2023-09-19T13:19-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-19/eduardo-cavalcanti-incidencia-irpj-csll-selic
tributario
Contas à Vista
Perdas causadas aos pisos pela LC 194 estão mal compensadas
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 136/2023, que "dispõe sobre a compensação devida pela União, nos termos do disposto nos art. 3º e art. 14 da Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022; a dedução das parcelas dos contratos de dívida; a transferência direta de recursos da União aos estados e ao Distrito Federal; a incorporação do excesso compensado judicialmente em saldo devedor de contratos de dívida administrados pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda; e o tratamento jurídico e contábil aplicável aos pagamentos, às compensações e às vinculações". Vale lembrar que as Leis Complementares nº 192 e 194, respectivamente, de 11 de março e de 23 de junho, ambas de 2022, promoveram uma inconstitucional inibição da arrecadação do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação — ICMS, às vésperas do processo eleitoral do ano passado. Aludida fixação de alíquotas limítrofes para o ICMS empreendida pela União afrontou o pacto federativo e implicou redução da base arrecadatória sobre a qual incidem os porcentuais constitucionalmente estabelecidos como deveres de aplicação mínima em saúde e educação e como sistemática de equalização federativa que perfaz o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. Para fazer face à perda proporcional para os pisos e para o Fundeb, houve a inserção no âmbito da LC 194/2022 do dever de compensação federativa, na forma do seguinte artigo 14, que chegou a ser vetado pelo Executivo e teve seu veto derrubado pelo Congresso Nacional: Art. 14. Em caso de perda de recursos ocasionada por esta Lei Complementar, observado o disposto nos arts. 3º e 4º, a União compensará os demais entes da Federação para que os mínimos constitucionais da saúde e da educação e o Fundeb tenham as mesmas disponibilidades financeiras na comparação com a situação em vigor antes desta Lei Complementar. Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios beneficiários do disposto nos arts. 3º e 4º desta Lei Complementar deverão manter a execução proporcional de gastos mínimos constitucionais em saúde e em educação, inclusive quanto à destinação de recursos ao Fundeb, na comparação com a situação em vigor antes desta Lei Complementar. Eis o contexto primordial que justificou o PLC 136/2023, todavia o limite máximo ali previsto de R$ 27.014.900.000,00 (vinte e sete bilhões quatorze milhões e novecentos mil reais) para compreender as compensações previstas tanto no artigo 3º, quanto no artigo 14 da LC 194/2022 é francamente insuficiente para equalizar as perdas decorrentes da inibição do ICMS para as políticas públicas amparadas pelas garantias de custeio inscritas nos arts. 198, 212 e 212-A da Constituição. Se se considerar apenas o exercício de 2022, para cada R$100 de queda na arrecadação de ICMS, haveria uma perda proporcional para as vinculações constitucionais de R$ 40,75. Caso a inibição do ICMS empreendida pela LC 194 não tivesse sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADPF 984 e da ADI 7.121, haveria uma tendência de perda proporcional ainda maior, por força da Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020, que previu crescimento escalonado da complementação da União ao Fundeb até 2026, na forma do artigo 60 do ADCT. Todavia, importa lembrar que as LC's 192 e 194/2022 não são expressão isolada de constrangimento fiscal imposto pela União aos demais entes federados ao longo do ano passado. A elas se somaram tanto fixação nacional de despesas obrigatórias, como se sucedeu com o piso remuneratório dos profissionais da enfermagem no âmbito da Emenda 124/2022; quanto a inibição da arrecadação tributária repartida federativamente, tal como ocorreu com a redução de alíquotas do imposto sobre produtos industrializados (IPI), empreendida pelos decretos federais nº 11.158 e 11.182, respectivamente de 29 de julho e de 24 de agosto, ambos de 2022. Aliás, o desequilíbrio federativo em que o país se encontra resta bem evidenciado na tardia promulgação da Emenda 128, de 22 de dezembro de 2022, após a PEC 122/2015 haver sido aprovada em caráter definitivo em 14 de julho daquele ano, mesma ocasião em que havia sido promulgada a Emenda 124/2022, que trouxe o piso remuneratório nacional dos profissionais da enfermagem. A Emenda 128/2022 inseriu o seguinte §7º no artigo 167 da Constituição de 1988: Art. 167. [...] § 7º A lei não imporá nem transferirá qualquer encargo financeiro decorrente da prestação de serviço público, inclusive despesas de pessoal e seus encargos, para a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios, sem a previsão de fonte orçamentária e financeira necessária à realização da despesa ou sem a previsão da correspondente transferência de recursos financeiros necessários ao seu custeio, ressalvadas as obrigações assumidas espontaneamente pelos entes federados e aquelas decorrentes da fixação do salário mínimo, na forma do inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição. Omissões análogas se sucedem também com a restrição do alcance da sistemática de complementação federal ao piso do magistério constante da Lei 11.738, de 16 de julho de 2008, tal como foi prevista em seu artigo 4º, a apenas aos entes que recebem a complementação ao Fundeb. A edição de norma nacional em desfavor dos estados, DF e municípios, frustrando sua arrecadação anteriormente estimada ou gerando despesa obrigatória de caráter continuado, deveria ser formalmente reconhecida como risco fiscal, na forma do artigo 4º, § 3º da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Isso porque a recorrente e abusiva extrapolação de efeitos fiscais das competências legislativas da União para os demais entes federados se revela como medida capaz de comprometer o regime de responsabilidade intertemporal das contas públicas em todo o federalismo fiscal brasileiro. Os passivos contingentes decorrentes das cada vez mais volumosas demandas judiciais interfederativas atestam exatamente essa dimensão de risco. Inibir receitas repartidas e impor despesas obrigatórias a outros entes políticos são condutas da União que impactam fortemente a capacidade de gerenciamento compartilhado de serviços públicos essenciais no território nacional, até porque operam em sentido francamente contraditório, agravando a saúde das contas públicas estaduais, distritais e municipais. Como visto, a cada R$ 100 de perda da arrecadação de ICMS causada pela LC 194, os pisos em saúde e educação e o Fundeb sofreram com a perda proporcional de R$ 40,75 durante o exercício financeiro de 2022. Todavia, reduzir a carga tributária não é uma escolha discricionária isenta de repercussão fiscal, na medida em que há um tamanho indisponível do Estado brasileiro do ponto de vista do arcabouço normativo que rege as finanças públicas do país. Engana-se quem acha que a carga tributária pode ser reduzida de forma aparentemente ilimitada e quase completamente dissociada dos compromissos incomprimíveis de gasto atribuídos ao Estado pela Constituição de 1988. Caso não haja aprimoramento da qualidade da execução orçamentária para torná-la mais aderente ao planejamento setorial das políticas públicas, inibir as receitas tributárias necessariamente implicará escolher entre reduzir quantitativamente o raio da ação estatal, ou majorar o endividamento público. Em qualquer dessas hipóteses, haverá uma frustração do regime constitucional das finanças públicas brasileiras. Eis o contexto em que é preciso pautar a estreita conexão instrumental entre as receitas estatais e o rol de despesas não suscetíveis de limitação de empenho ou pagamento, na forma do artigo 9º, §2º da LRF. Tais despesas devem ser mantidas, ainda que a estimativa de arrecadação se revele frustrada ao longo do exercício financeiro e ainda que haja risco de afetação das metas fiscais. O tamanho do Estado no Brasil não pode ser reduzido em patamar aquém desse elenco que agrega as despesas que correspondem às suas inadiáveis e incomprimíveis obrigações constitucionais e legais. Inibir a arrecadação da primordial fonte republicana de custeio do Estado é escolha que, no mínimo, deveria demandar maiores ônus argumentativos, para que estivesse sujeita dialeticamente a limites que atestassem seus impactos quantitativos e qualitativos no dever de consecução das competências a cargo de cada ente da federação, bem como a cargo de todos eles conjuntamente. Para impor suficiente dever de motivação ao governo federal é preciso obrigá-lo a reconhecer como riscos fiscais tanto a frustração da arrecadação repartida federativamente, quanto a imposição nacional de despesa obrigatória de caráter continuado sem suficiente fonte de custeio. Os passivos judicializados são uma comprovação ex post desse impasse federativo. Não obstante isso, é necessário impor à União — preventiva e automaticamente — dever de compensação capaz de suportar, no mínimo, o custeio do rol de despesas não suscetíveis de contingenciamento, para resguardar a continuidade dos serviços públicos, que, embora sejam prestados de forma descentralizada por determinados entes, impliquem responsabilidade solidária de toda a federação. Um interessante e recente exemplo a esse respeito reside no modo como a Emenda nº 120, de 5 de maio de 2022, previu ser responsabilidade da União o custeio dos vencimentos dos agentes comunitários de saúde e dos agentes de combate às endemias. Tal responsabilidade federal será atendida mediante repasses de recursos financeiros aos governos regionais e locais, de forma suficiente e vinculada ao cumprimento do piso salarial profissional nacional previsto no artigo 198, §5º da CF/1988. É notável e digno de ser reproduzido, pois, o caminho de equalização do federalismo fiscal brasileiro aberto pelos §§7º a 11 acrescidos ao artigo 198 da Constituição pela EC 120/2022. Para mitigar o desequilíbrio na gestão das receitas e na distribuição das responsabilidades de despesas que permeia as relações entre os entes federados, é preciso inverter a equação fiscal de modo a controlar a proposição normativa federal, antes mesmo de a União conseguir alterar o ordenamento para impactar as contas dos demais entes políticos, como, a propósito, consta do §7º acrescido ao artigo 167 da Constituição, pela EC 128/2022. Manter a sistemática atual, além de fiscalmente irresponsável, significaria admitir que a União obrigue, por via transversa, os estados, DF e municípios a assumirem dívida, por força da atuação fiscalmente incongruente de reduzir receitas tributárias repartidas, enquanto são descentralizadas obrigações de despesas (a exemplo do piso da enfermagem e inibição do IPI e do ICMS). É possível estimar o risco fiscal de majoração do endividamento público dos governos municipais, distrital e estaduais, quando se verificar que a frustração de arrecadação que lhes foi imposta exogenamente pelo governo federal pode vir a comprometer a capacidade de custeio do rol de despesas não suscetíveis de contingenciamento (artigo 9⁰, §2º da LRF). Não há voluntarismo analítico em tal hipótese, porque a identificação de tais despesas constitucional e legalmente obrigatórias deve ser feita anualmente em anexo próprio das leis de diretrizes orçamentárias — LDO's de cada ente da federação, sendo possível quantificar sua repercussão fiscal a cada exercício. Trata-se, em última instância, da positivação aplicável ao Direito Financeiro da noção de "mínimo existencial" acerca dos serviços públicos e ações governamentais que não podem sofrer solução de continuidade. Considerando que esse elenco de despesas não suscetíveis de qualquer limitação durante a execução orçamentária corresponde a uma espécie de "mínimo existencial fiscal" e que, por isso, seu custeio se impõe até mesmo mediante endividamento público, é preciso ampliar o conceito de responsabilidade fiscal, na medida em que abdicar receitas tributárias não é escolha discricionária que estaria limitada tão somente pelo horizonte formal da sustentabilidade da dívida pública dado pela meta de resultado primário. Há correlatamente o limite substantivo do dever de custeio suficiente das despesas não suscetíveis de contingenciamento. Tais despesas são incomprimíveis, porque expressam o tamanho necessário do Estado para cumprir, cabe reiterar, suas obrigações constitucionais e legais qualitativamente destinadas à garantia dos direitos fundamentais. Independentemente de se for tomada a projeção de risco para cobrir a despesa insuscetível de contingenciamento (montante fixo de compromissos de gasto já assumidos) ou de se for tomada a proporcionalidade sobre a receita que contrafactualmente deixou de ser arrecadada, para fins de posterior incidência dos pisos em saúde e educação e do Fundeb, cabe impor ao governo federal o ônus agravado de motivação diante da insuficiente compensação empreendida pelo PLC 136/2023 em face do artigo 14 da LC 194. Considerando que a União, ao inibir a arrecadação do ICMS, impôs — direta ou indiretamente — o risco fiscal de financiamento mediante endividamento das despesas obrigatórias dos governos locais e regionais; é preciso indagar acerca da razoabilidade e da proporcionalidade dessa equação, na medida em que estados, DF e municípios têm limite de dívida consolidada e mobiliária regulamentado na forma do artigo 52, VI e IX da CF/1988 (Resolução do Senado nº 40, de 20 de dezembro de 2001), enquanto a União não o possui. Obviamente, é incoerente editar regimes fiscais aplicáveis seletivamente apenas ao nível federal (como se sucedeu com a EC 95/2016 e também agora se repete com a LC 200/2023), enquanto são impostos desequilíbrios orçamentários e financeiros desarrazoados para os demais entes da federação. Criar despesas obrigatórias de âmbito nacional e frustrar a arrecadação de tributos repartidos são rotas contraditórias, que, em última instância, afrontam a própria garantia de que as transferências constitucionais obrigatórias são exceção ao teto, precisamente porque visam resguardar o equilíbrio federativo. Basta a União reduzir artificialmente a receita dos impostos repartidos na federação e impor nacionalmente obrigações de despesa aos governos estaduais e municipais para fazer letra morta das suas falseadas rotas de ajuste fiscal. Não há ação planejada e transparente, nos moldes do artigo 1º, §1º da LRF, mas risco fiscal imposto e assumido pela União, inclusive mediante passivos judicializados, quando o ente central compromete a sustentabilidade das finanças públicas locais e regionais, de um lado, e esvazia a eficácia dos direitos sociais, cujo arranjo orgânico distribui responsabilidades na federação, como se sucede com o SUS e o Fundeb, de outro. Esse quadro é agravado pela retração da participação da União no custeio dos direitos fundamentais (guerra fiscal de despesas), decorrente, entre outras circunstâncias, da regressividade proporcional e, por conseguinte, esvaziamento dos pisos federais em saúde e educação. Mais do que um mero limite quantitativo arbitrário, deve se buscar identificar e enfrentar materialmente os riscos fiscais do desequilíbrio federativo, os quais impedem a consecução intertemporalmente aprimorada dos programas de duração continuada do plano plurianual — PPA e das despesas não suscetíveis de contingenciamento da LDO. Afinal, são tais despesas que revelam as políticas públicas nucleares ao cumprimento da Constituição e à efetividade planejada e federativamente sustentável dos direitos fundamentais. Em face de todo o exposto, reputa-se aqui o PLC 136/2023 insuficiente para cumprir sua alegada finalidade de regulamentação do artigo 14 da LC 194/2022, na medida em que ignorou o dever de a União compensar federativamente: tanto a (1) assunção de riscos fiscais decorrentes da frustração de arrecadação e de passivos judicializados; quanto o (2) financiamento de despesas não suscetíveis de contingenciamento, direta ou indiretamente, mediante endividamento dos governos municipais, distrital e estaduais, a exemplo do que se sucede com as demandas judiciais e, por conseguinte, com os precatórios daí acumulados. Ora, não pode ser reputado intertemporalmente sustentável um arranjo normativo que insule a União, apartando-lhe da sua responsabilidade solidária seja para com os demais entes federados, seja para com o custeio dos direitos fundamentais. A cooperação entre a União, os estados, o Distrito Federal e o municípios, sobretudo no desempenho das suas competências comuns, é obrigação inalienável, na forma do artigo 23, parágrafo único da CF/1988, até para que se possa alcançar o "equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional". Federativamente as políticas públicas de saúde e educação reclamam previsibilidade na sua consecução orçamentário-financeira por envolverem elevado índice de despesas obrigatórias['], não suscetíveis de contingenciamento. Além disso, tais áreas são materialmente responsáveis por serviços públicos essenciais, que não podem sofrer solução de continuidade. Infelizmente, porém, o governo federal tem se notabilizado por fugir às suas responsabilidades federativas e por constranger o custeio dos direitos à saúde e à educação, quebrando a efetividade dos respectivos pisos, para reduzir sua participação proporcional, enquanto sobrecarrega estados e municípios.
2023-09-19T08:32-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-19/contas-vista-perdas-causadas-aos-pisos-lc-194-mal-compensadas-plc-136
tributario
Território Aduaneiro
Novo processo de perdimento e a cortina de fumaça jurídica
A expressão "cortina de fumaça" faz alusão a técnicas utilizadas por estrategistas militares para esconder tropas e recursos por trás de uma nuvem de fumaça, seja ela natural ou produzida artificialmente, como forma de ludibriar e confundir a contraparte, dando a oportunidade para empregar manobras de contra ataque ou retirada. Esse recurso também é comumente utilizado por ilusionistas para desorientar a plateia, desviando sua atenção do momento da execução do truque e dando credibilidade ao resultado da ilusão criada. No entanto, engana-se quem acredita que o recurso é usado somente por militares e mágicos. No mundo político e do direito, esse tipo de subterfúgio também é corriqueiramente empregado. A discussão em torno do novo processo de perdimento não é inédita. Em verdade, a maior parte dos estudiosos já se posicionou — inclusive, a grande maioria em sentido contrário à legalidade do referido processo [1] Contudo, os artigos e pareceres veiculados até agora tratam basicamente da questão da (1)legalidade da solução aplicada. Por tal motivo, o presente artigo visa contribuir ao debate já lançado de forma inovadora, buscando tratar sobre o futuro e contestar se as medidas são ou não uma mera cortina de fumaça jurídica. A justificativa da reforma trazida pela Lei 14.651/2023 está relacionada com a possibilidade de o sujeito passivo ter direito ao duplo grau recursal diante da decretação de perdimento pela Aduana, substituindo o rito sumário vigente até então por força do Decreto-Lei 1.455/76, motivada principalmente pelos compromissos internacionais que o país assumiu ao ratificar a Convenção de Quioto Revisada (CQR). Todavia, a nova Lei não possui normas materiais ou processuais, restringindo-se a delegar poderes ao Ministro da Fazenda para regulamentar o processo administrativo de aplicação e julgamento da pena de perdimento, o que de fato ocorreu por meio das Portarias MF 1.005/2023 e RFB 348/2023. Ainda que não haja qualquer óbice legal para este tipo de delegação de poder, parece-nos curiosa a posição do Poder Legislativo de se eximir da função de legislar e deixar a cargo da Fazenda e da própria RFB, a autoridade aduaneira, regulamentar o novo processo, uma vez que a motivação da reforma era de, justamente, buscar garantir um maior grau de independência do processo recursal em relação às atividades de fiscalização e autuação. Além disso, as mudanças trazidas ampliaram o já existente "mosaico normativo" do Direito Aduaneiro brasileiro, na medida que permitem que diferentes ritos processuais administrativos possam ser adotados, a depender das circunstâncias, a exemplo da distinção feita para autuações por fraude ao controle aduaneiro com e sem apreensão de mercadorias. Embora ambas as situações sejam passíveis de perdimento, quando houver apreensão de mercadorias, o recurso interposto se sujeitará ao prazo de recurso de 20 dias e será submetido à apreciação do Cejul, ao passo que nos casos em que a mercadoria não for localizada, a pena será substituída por multa e o recurso interposto passa a ter prazo de 30 dias e será submetido à apreciação da DRJ e do Carf. A expressão "legislação mosaico" é utilizada por Basaldúa para descrever a situação da Argentina antes da promulgação de seu Código Aduaneiro e, assim, criticar as normas dispersas, confusas e, por vezes, contraditórias que coexistiam pela ausência de um quadro normativo consolidado [2]. Apesar de o país vizinho ter, aparentemente, superado a questão, a realidade brasileira de utilização de mini reformas em matéria aduaneira e de delegação do papel de legislador à administração por atos infralegais ainda é bastante presente e preocupante. A mini reforma tem alguns outros pontos negativos que chamam a atenção, como a imposição/manutenção de prazo de 20 dias para apresentação de impugnação e recurso e a ausência de independência/autonomia da autoridade julgadora nos moldes exigidos pela CQR. Embora o prazo reduzido para recurso venha sob a (louvável) busca por celeridade processual, da forma como a norma foi estabelecida, essa redução não parece influir de modo decisivo na duração total do processo de perdimento, não se justificando a distinção de prazo em relação ao rito do Decreto 70.235/72. Cabe lembrar que a exposição de motivos do DL 1.455/76 também indicava preocupação com prazos e custos de armazenagem das mercadorias, mas a solução dada foi a aniquilação do direito de recurso, transformando o rito do perdimento em instância única para acabar com litígios intermináveis [3]. A mesma preocupação com os custos de armazenagem permanece na exposição de motivos da Lei 14.651/2023, com a previsão de prazos recursais reduzidos, ainda que, convenientemente, não tenha sido estabelecida nenhuma imposição de prazos para a duração do processo administrativo e, tampouco, de retenção para fins de lavratura do auto de infração. A este respeito, a presente mudança parece seguir a mesma linha daquela realizada em 1976, em que se exigiram sacrifícios dos sujeitos passivos sem a devida contraprestação da administração no sentido de buscar celeridade nas análises recursais, prever expressamente na legislação prazos para julgamento e, consequentemente, regulamentar o tratamento a ser dispensado para os casos em que seus agentes descumprirem esses prazos. É possível que isso decorra de outra característica em comum entre as duas reformas, que é a definição do rito pelo próprio aplicador, o que, como indicado anteriormente, é reflexo da omissão do Congresso Nacional. Com isso, o Executivo federal não apenas delimitou as hipóteses infracionais puníveis com perdimento (Decreto-Lei 37/66), como também regulamentou o rito por meio do qual as autuações serão julgadas. O resultado desse cheque em branco? As autuações realizadas pela RFB em matéria aduaneira serão julgadas em tribunal administrativo inteiramente formado por seus servidores e sob regras emanadas dentro da própria instituição. Interessante destacar que as preocupações de juristas e advogados militantes na área encontram guarida na visão emanada pela PGFN por ocasião da publicação de parecer para tratar da autonomia dos julgadores indicados pela RFB ao Carf. Naquela ocasião, ainda que sob situação fática diversa, a Procuradoria categoricamente indicou que a legitimidade do Carf estaria resguardada justamente pelo fato de que o órgão "não integra a estrutura da Secretaria da RFB, de modo que sua autonomia seria ferida se os AFRFBs conselheiros fossem a ela subordinados tecnicamente ao exercerem função pública" e que "como os representante da Fazenda no CARF não estão jungidos às diretrizes emanadas pela RFB, mas sim à legalidade, atuam com independência técnica" [4]. Em resumo, todos os argumentos da PGFN para demonstrar que os julgadores do Carf seriam independentes e imparciais, de forma a dar legitimidade ao processo administrativo sob o rito do Decreto nº 70.235/72 podem ser, ipis litteris, utilizados para contestar a validade da reforma atual e a imparcialidade e adequação do Cejul. Isso porque, além da especialização para julgar a matéria, é necessária a independência funcional e hierárquica, de modo que os julgadores decidam sem pressão de qualquer tipo pelos envolvidos no conflito e que o tribunal emita decisões de maneira objetiva, fundamentada e imparcial. Sem isso, a efetividade do recurso resta prejudicada e faz-se dele uma etapa meramente ilusória. A expressão "recurso ilusório" se refere a situações em que o processo, pela forma como é conduzido, perde sua utilidade prática, tornando-se um mero rito burocrático de confirmação da decisão inicialmente adotada [5]. Não podemos afirmar, no presente momento, se os recursos apresentados ao Cejul sob o novo rito serão ilusórios, mas as preocupações existem e se fundamentam por diversas formas. Fato é que, diante das desconfianças, o grau de litigiosidade e judicialização devem aumentar, o que não é boa notícia para nenhuma das partes envolvidas. Diante disso, acreditamos que existem três possíveis cenários em relação ao futuro da discussão sobre a aplicação da pena de perdimento e a efetividade das novas normas correlatas. O primeiro é a provável discussão judicial da matéria, em que muitos sujeitos passivos devem provocar o Poder Judiciário para realizar o controle de legalidade do novo rito. Ainda que haja real chance de vitória, preocupa-nos os desdobramentos de uma eventual declaração de ilegalidade, visto que os processos seriam provavelmente encaminhados ao Carf, sem qualquer planejamento ou estrutura para tanto. O segundo é que os tutelados se submetam à jurisdição do Cejul e passem a acompanhar de forma atenta o seu desempenho, de forma a verificar se as suspeitas de "recurso ilusório" ou cortina de fumaça concretizem-se ou não. A esse respeito, existe a aparente vantagem do novo rito em relação à DRJ de que haverá obrigação de publicação de ementas e decisões, o que deve trazer maior transparência ao processo e permitirá que a sociedade possa acompanhar o desempenho e a esperada isenção e tecnicidade prometidas pela RFB quando da criação do centro de julgamentos. Por fim, o terceiro cenário — e, quiçá, o mais promissor, ainda que independa dos demais — é que a comunidade do comércio exterior não desista de debater a temática e que continue a negociar e discutir possíveis caminhos para efetivamente compatibilizar os procedimentos internos com as obrigações assumidas pelo Brasil em compromissos internacionais, em especial, a CQR. Neste ponto, parece-nos que a única maneira de endereçar de forma efetiva o problema, contemplando todas as variáveis e preocupações existentes tanto da aduana quanto dos operadores do comércio exterior é por meio de uma ampla reforma não apenas no rito de julgamento do perdimento, mas no próprio sistema punitivo. O que vemos hoje é um sistema antigo, apartado da realidade fática do comércio exterior e que impõe a pena de perdimento para uma enorme quantidade de infrações. O curioso é que, na maior parte delas, apesar da apreensão, os bens são posteriormente leiloados — ou doados — sendo oportunizado ao infrator adquiri-los novamente para revenda ou utilização. Com isso, o que se verifica é que o sistema atual sobrecarrega injustificadamente a administração, que precisa manter a correta guarda das mercadorias, visto que, ao final, os bens poderão ter a mesma destinação inicialmente pretendida. Dito isso, a redução das hipóteses de perdimento aos casos estritamente necessários — ou seja, àqueles em que a mercadoria não pode ser destinada ao mercado interno em razão de proibição, contrabando, ausência de homologações e controles técnicos e sanitários — e a definitiva mudança de punição dos demais casos para multa ou outra penalidade que não comprometa o fluxo comercial e não implique dever de guarda e destinação pela aduana, soa como a única solução viável e que permite a efetiva conformação de todos os direitos e preocupações existentes. Dado o exposto, esperamos que o debate continue vivo e que haja espaço para que uma verdadeira reforma no direito aduaneiro possa ser perseguida e promovida. E, por ora, resta a torcida para que as alterações recentes não tenham sido realizadas apenas para dar uma aparência de conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro, ou seja, que não se confirmem como uma mera "cortina de fumaça" jurídica.
2023-09-19T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-19/territorio-aduaneiro-processo-perdimento-cortina-fumaca-juridica
tributario
Opinião
Peralta e Isfer: ​​​​​​​O fim dos juros sobre capital próprio?
Em 31 de agosto de 2023, o governo federal encaminhou ao Congresso um PL (projeto de lei) [1] que prevê a revogação da dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio (JCP) na apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), a partir de 1º de janeiro de 2024. Os JCP visam a remunerar o capital integralizado pelos sócios, na medida em que, assim como ocorre no endividamento com terceiros, os valores investidos atraem dois fenômenos que os juros buscam neutralizar: a inflação e o custo de oportunidade. O cálculo do valor é realizado a partir da aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) sobre algumas contas do patrimônio líquido da sociedade [2] (capital social, reservas de capital e de lucro, ações em tesouraria e prejuízos acumulados), sendo pressuposto para o pagamento a existência de lucro. Desde a entrada em vigor da Lei nº 9.249, em 1995, o pagamento dos JCP pode ser enquadrado como despesa e, portanto, deduzido na apuração do lucro real, com o objetivo de "(...) equiparar a tributação dos diversos tipos de rendimentos do capital (...)" e "(...) provocar um incremente das aplicações produtivas nas empresas brasileiras (...)" [3]. Contudo, o projeto encaminhado ao Congresso prevê a vedação dessa dedução. Na Exposição de Motivos [4] do PL, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, justificou que "(a) dedutibilidade tributária do pagamento de Juros sobre o Capital Próprio (JCP) teve como principal justificativa permitir que os sócios das empresas pudessem ser compensados pela perda da atualização monetária de seus direitos societários". Além disso, informou que o mecanismo ainda visava ao incentivo ao investimento em capital em contrapartida ao investimento no mercado financeiro. Contudo, de acordo com o exposto pelo ministro, a adoção do mecanismo dos JCP não atingiu o objetivo que pretendia. Não se comprovou a redução do endividamento das sociedades empresárias nem o aumento dos investimentos nestas. Pelo contrário: as análises mencionadas pelo ministro indicam um aumento da razão dívida/capital. Inclusive, a Exposição de Motivos consignou que o mecanismo pode ter estimulado as sociedades empresárias a contratarem empréstimos externos para remuneração dos acionistas.   Ainda foi relatado que o formato é pouco utilizado pelas sociedades brasileiras e, quando o é, tem o objetivo principal de redução da carga fiscal. Ao tempo em que se deduz a despesa do cálculo pela pessoa jurídica, a pessoa física destinatária dos valores os tributará de forma reduzida (Imposto sobre a Renda Retido na Fonte — IRRF) à alíquota de 15%). No entanto, apesar da menção expressa a supostas "análises", "evidências" e "apontamentos", as razões expostas não fazem referência a qualquer artigo ou trabalho científico que possa embasar as suas conclusões, restando aos administrados, uma vez mais, a conferência dos fundamentos utilizados. Em artigo recentemente publicado [5], um grupo de pesquisadores vinculados à FGV e à USP analisou dados de empresas listadas na B3 entre 1991 e 2020 com um objetivo: verificar se a possibilidade de dedução da JCP da apuração do lucro real afetou o nível de endividamento das citadas empresas. As conclusões foram as seguintes: 1) os JCP foram utilizados significativamente a partir de 2003, permanecendo em nível substancial até o final da amostragem (2020); 2) empresas que pagam mais JCP têm menores níveis de alavancagem e de dívida bruta por ativo; e 3) os setores econômicos que apresentaram melhores resultados na redução de alavancagem foram justamente aqueles que mais utilizaram os JCP. Aparentam-se levianas, nesse contexto, comparações absolutas de nível de endividamento em um país onde é constante a convivência com a alta inflação e, consequentemente, com altas taxas de juros para financiamento junto a terceiros. Obviamente, ainda não há um mercado de ações que possa suprir integralmente as necessidades das empresas de capital aberto brasileiras, porém, parece vantajoso se parte desse endividamento puder ser obtido com capital próprio e com menor alavancagem.     De igual forma, também se mostra incorreto o argumento utilizado de que os JCP consistiriam em benefício fiscal. Conforme consta na própria exposição de motivos da Lei nº 9.249/1995, trata-se de medida de neutralidade e não de benefício, fundada na ideia de equalizar o tratamento tributário do endividamento próprio e daquele obtido junto a terceiros. É, portanto, instrumento necessário para permitir que as empresas façam a escolha mais adequada no que se refere ao seu próprio financiamento. Sendo assim, este breve ensaio busca lançar à reflexão as justificativas utilizadas pelo atual governo para pretender extinguir a dedução dos juros sobre o capital próprio da apuração do lucro real. Inobstante o tema ser controverso, acredita-se que a Exposição de Motivos carece de dados embasados empiricamente, o que certamente deve ser observado no processo legislativo de análise do Projeto de Lei nº 4.258/2023.   [1] Projeto de Lei nº 4.258/2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Projetos/PL/2023/msg430-agosto2023.htm. [2] Artigo 9º da Lei 9.249/1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9249.htm. [3] Exposição de Motivos da Lei nº 9.249/1995. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1995/lei-9249-26-dezembro-1995-349062-exposicaodemotivos-149781-pl.html. [4] Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 4.258/2023. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/2023/110-2023-MF.htm. [5] AMARAL JUNIOR, José Bento Carlos et al. Análise empírica dos juros sobre capital próprio na estrutura de capital das empresas listadas na bolsa de valores. Research Gate. 18 jun. 2023. Disponível em: file:///C:/Users/Manut/Downloads/Artigo-JCP.pdf.
2023-09-20T20:36-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/peraltae-isfer-fim-juros-capital-proprio
tributario
Opinião
Xavier e Rondon: Operações de imunidade e não cumulatividade
Como amplamente divulgado nas últimas semanas, no início do mês de julho houve a aprovação da reforma da tributação do consumo (PEC 45/19) [1], pela Câmara dos Deputados. Antes de entrar em vigor, o texto ainda passará pela apreciação e aprovação do Senado. O texto aprovado tem gerado grandes reações e debates públicos acerca dos impactos econômicos, bem como críticas, preocupações e sugestões que possam ser avaliadas antes da possível aprovação final.  Um dos pontos principais da reforma tributária, com certeza, envolve a aplicação da não cumulatividade, atrelada à criação do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).  Para instituição da não cumulatividade plena, tal como proposto na PEC 45/19, é proposto um sistema tributário que permita a compensação, em todas as cadeias da operação, do imposto devido nas etapas anteriores, permitindo, assim, que o IBS e a CBS incidam somente sobre o valor agregado na etapa atual da operação. Sabemos que são inúmeras as discussões sobre a não cumulatividade. Mas, neste artigo, o objetivo é questionar a aplicação desse princípio especificamente nas operações que estão abrangidas pela imunidade, nos termos do texto até então aprovado pela PEC 45/19 pela via da Emenda Aglutinativa nº 1/2023. O teor do inciso I, do §6º, do artigo 156-A, da PEC 45/2019, prevê que a isenção e a imunidade não implicam direito ao crédito para a compensação com o montante devido nas operações seguintes. E, logo adiante, no inciso II do referido dispositivo, está previsto que as operações com isenção e imunidade acarretarão anulação do crédito relativo às operações anteriores. A exceção à regra é se, na hipótese da imunidade, houver determinação em contrário veiculada em lei complementar. Feitas as colocações acima, é essencial levantar questionamentos que podem surgir a partir da interpretação de tais dispositivos.  A imunidade tributária nada mais é do que uma exceção prevista pela Constituição à incidência de regra jurídica geral de tributação. Nessa condição, o legislador não poderá criar hipótese de incidência tributária para aquilo que é imune, criando uma forma de limitação ao poder de tributar. Neste breve ensaio, não caberá tecer comentários sobre todos os desdobramentos e conceitos relativos à imunidade. Mas pontualmente podemos destacar que na doutrina há estudos que avaliam algumas características deste instituto, dentre elas a de que a imunidade é sempre ampla e indivisível, não comportando fracionamentos [2].  Muito embora as imunidades constitucionais sejam autoaplicáveis, algumas exigem regulamentação infraconstitucional. Neste sentido, o artigo 146, inciso II, da Constituição permite que as condições gerais para usufruir da imunidade possam ser reguladas por lei complementar. Atualmente, podemos citar o exemplo da recente Lei Complementar 187/2021, que regula as condições e as certificações que as entidades beneficentes devem seguir para obter imunidade das contribuições à seguridade social. Percebe-se que no exemplo citado a lei complementar não cria diferenciação entre imunidades, tampouco declara se determinada operação é imune ou não, pois claramente este papel é exercido pela Constituição. A lei complementar apenas define aspectos materiais.  Há que se refletir, portanto, se, na PEC 45/2019, a previsão de anular os créditos de operações imunes, salvo quando lei complementar dispuser em contrário, contraria o que determina a Constituição. E não parece plausível que uma operação imune precise de lei complementar para definir se de fato é imune ou não, sob pena de deturpar o próprio conceito constitucional de imunidade. Partindo da premissa que a operação é imune, seus efeitos devem valer de forma igualitária para todos as operações abrangidas por tal instituto, inclusive no que tange à aplicação do princípio da não cumulatividade. Mas não é exatamente essa interpretação que podemos extrair do texto aprovado pela PEC 45/2019. Se o inciso II, do §6º do artigo 156-A for de fato aplicado, haveria uma diferenciação entre os setores imunes que terão direito ao crédito, e isso certamente poderá gerar alguns questionamentos, inclusive sobre uma possível ofensa ao princípio da isonomia. Afinal, se temos a taxatividade dos setores imunes, eles certamente foram elencados diante da sua relevância social e econômica, então por que permitir que uma operação imune tenha direito ao crédito e outro não? Ainda, apenas para refletirmos sobre os possíveis impactos da aplicação dos efeitos da imunidade na PEC 45/2019, como ficariam os produtos que terão reduzida a zero suas alíquotas, como os da cesta básica, por exemplo? O §8º, do artigo 9º, da PEC 45/2019 [3] dispõe que os benefícios especiais serão concedidos observando-se a regra da imunidade. Então, se lei complementar não dispuser claramente que os produtos da cesta básica não acarretarão anulação dos créditos anteriores, o contribuinte que realizar operação com esses produtos terá direito ao crédito? Com certeza, a aprovação da reforma tributária é uma tarefa complexa, porém necessária. Todo o esforço dos nossos legisladores deve ser direcionado para aprovar as melhores condições ao novo sistema que será implementado. Isso exigirá uma análise aprofundada para que operações distorcidas que temos atualmente não sejam repetidas, a não cumulatividade tem um papel essencial nesse sentido. No que se refere à aplicação da não cumulatividade aos setores imunes, se o texto atual for aprovado pelo Senado, poderá acarretar discussões se a finalidade de tal instituto foi de fato observada. E criar lei complementar que diferenciará os setores imunes não parece ser o caminho mais coerente com as previsões e princípios constitucionais. Espera-se, portanto, que a PEC 45/2019 amadureça a regra de imunidade (e sua eventual aplicação a partir de lei complementar) para que não haja interpretação diversa da que se efetivamente pretende.        Notas: [1] Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/978334-camara-aprova-reforma-tributaria-em-dois-turnos-texto-vai-ao-senado>. Acesso em: 04/09/2023. Publicado pelo site oficial da Câmara dos Deputados.   [2] Paulo de Carvalho Barros, Op. Cit. Pp 107/119. [3] Artigo 9º A lei complementar que instituir o imposto de que trata o artigo 156-A e a contribuição de que trata o art. 195, V, ambos da Constituição Federal, poderá prever os regimes diferenciados de tributação de que trata este artigo, desde que sejam uniformes em todo o território nacional e sejam realizados os respectivos ajustes nas alíquotas de referência com vistas a reequilibrar a arrecadação da esfera federativa. §8º Os benefícios especiais de que trata este artigo serão concedidos observando-se o disposto no artigo 149-B, II, da Constituição Federal, exceto em relação ao §3º, III. 
2023-09-20T18:26-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/xaviere-rondon-operacoes-imunidade-nao-cumulatividade
tributario
Opinião
Jorge Lucas: O produtor na reforma tributária
O agronegócio, setor da economia com participação em 24,8% do último PIB, tem passado por várias tempestades nos últimos anos e enfrenta uma onda de incertezas quanto à estabilidade de suas atividades. Em fevereiro de 2022, a deflagração da guerra na Ucrânia colocou em risco o fornecimento de fertilizantes russos para o Brasil, e mais recentemente, a rescisão por parte da Rússia do acordo que permitia o fornecimento de grãos pela Ucrânia, também começa a imprimir instabilidade no preço dos alimentos, globalmente falando. O agronegócio brasileiro, é bom lembrar, embora pujante em nível mundial, possui dependência quase completa de insumos e maquinários importados, sendo esta uma antiga fragilidade do setor, mas que nunca foi objetivamente questionada e solucionada por nossos governantes. Junto ao cenário internacional complexo, fatores internos como a alta taxa de juros também contribuem para dificultar a produtividade do setor, prejudicando, por exemplo, o acesso a insumos, que em regra se dá via crédito. Somando-se a tudo isso, há outro fator de grande relevância tendente a impactar o ambiente de negócios do agro, que é a reforma do sistema tributário nacional. O primeiro passo está sendo dado com a aprovação da PEC nº 45/2019 pelo Congresso, que irá simplificar as normas tributárias. O texto da reforma ainda não é objeto de consenso, sobretudo entre estados e municípios, que temem o significativo aumento da carga tributária em razão da unificação dos tributos. A saber: o ICMS e o ISS seriam unificados no novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o que implicaria na elevação da alíquota média cobrada. Sob a ótica do agronegócio há um discreto alívio pois até o momento, pois com base no texto aprovado na Câmara dos deputados (passível ainda de alterações no Senado), é possível concluir que as alterações não possuem impacto negativo direto sobre as atividades do campo. Isso porque algumas demandas do setor foram incorporadas no texto da PEC, como por exemplo a inclusão dos produtos e insumos agropecuários no rol do regime diferenciado de tributação — com alíquotas reduzidas em 60% — e as isenções do imposto seletivo e do IPVA sobre maquinários e aeronaves agrícolas. No entanto, há um aumento projetado na carga tributária sobre o setor de serviços que inevitavelmente reverberará de maneira indireta no agronegócio, e consequentemente no arrocho financeiro do produtor rural, que já se encontra pressionado pela redução do preço da soja, do milho, da arroba do boi e, principalmente, pelo alto custo do crédito. Diante desse contexto de dificuldades e incertezas, é conveniente citar as ferramentas de reestruturação empresarial disponíveis ao produtor rural, no que diz respeito à sua dívida tributária. A Lei nº 11.101/2005 é o instituto jurídico que visa preservar os benefícios sociais e econômicos advindos da atividade empresarial/rural (leia-se aqui, produtor tanto a pessoa física quanto jurídica), por meio de ferramentas específicas de reestruturação. Uma delas é a Recuperação Judicial, que é um acordo coletivo entre os credores particulares de um devedor que comprove ao Poder Judiciário estar passando por uma crise econômico-financeira. Em resumo, o instituto permite ao produtor rural obter descontos, parcelamentos, novos prazos e suspensão das cobranças de suas dívidas (por um ano ou mais, dependendo das particularidades do caso) e, por fim mas não menos importante, possibilita um tratamento tributário mais benéfico. Diante disso, vamos entender como como a Fazenda Pública entrará nessa negociação. A Lei de Recuperação Judicial determina que, embora a dívida fiscal não possa ser inserida diretamente no Plano de Recuperação Judicial, a homologação deste depende da apresentação pelo devedor, das Certidões Negativas de Débito (CNDs). Com isso, a Receita Federal e a PGFN têm promovido — pioneiramente — a criação de métodos alternativos de solução do passivo tributário com condições favorecidas para aqueles devedores em Recuperação Judicial. No ano de 2018, com a edição da Portaria PGFN nº 742/18 foi criado o Negócio Jurídico Processual (NJP), que é uma espécie de negociação da dívida tributária para ser usada dentro dos processos fiscais, que poderá dispor sobre a aceitação, avaliação, substituição e liberação de garantias, modo de constrição de bens, calendarização da execução fiscal, criação de um plano de amortização, etc. Adiante, no ano de 2020, foi criada com a Lei nº 13.988/20, a Transação Fiscal, uma modalidade de negociação que oferece descontos e alongamento de prazos a partir da mensuração da capacidade de pagamento do devedor e do grau de recuperabilidade do crédito, objetivamente auferidos.              A Transação para os produtores que fazem uso Recuperação Judicial é um diferencial a mais, porque a Fazenda Pública classifica as dívidas dessas pessoas como "irrecuperáveis", o que implica num desconto superior a 50% do valor devido e no alongamento significativo das parcelas. Por isso, é importante realizar, com o auxílio de um especialista, um detalhado estudo do passivo tributário da atividade rural, relacionando-o com os editais de transação lançados periodicamente pela Receita, visando compor um acordo que alie as negociações com os credores particulares (submetidos ao plano da Recuperação Judicial) à resolução das pendências fiscais, porque, na verdade, o sucesso de uma estratégia depende da outra.
2023-09-20T16:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/jorge-lucas-produtor-reforma-tributaria
tributario
Direto do Carf
Participação nos lucros e resultados e balanced scorecard
Nesta semana trataremos dos precedentes do Carf acerca da incidência ou não de contribuição previdenciária sobre montantes pagos a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) e cujas metas tenham levado em consideração o modelo do "balanced scorecard". Nos termos do artigo 28, §9º, e), 9, "j", da Lei nº 8.212/91, não incide contribuição previdenciária sobre a PLR, quando esta é paga ou creditada de acordo com lei específica. A PLR é regulada pela Lei nº 10.101/2000, que estabelece que os instrumentos decorrentes de sua negociação contenham regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições: 1) índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa; ou 2) programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente. Dessa forma, a previsão de regras claras e objetivas é um dos requisitos para que não haja a incidência da contribuição previdenciária. A avaliação do desempenho de uma empresa e dos seus trabalhadores não é tarefa fácil, de forma que são diversos os estudos em Contabilidade Gerencial que buscam enfrentar tal desafio. Ao refletir sobre tal desafio, Reinaldo Guerreiro assinala que as mensurações são necessárias tanto para expressar os objetivos, evidenciando os alvos a serem buscados, quanto para controlar e avaliar os resultados das atividades que foram tomadas para se atingir os alvos [1]. Em complemento a tal raciocínio, Carlos Alberto Pereira pondera que o desempenho assume diversas dimensões no contexto empresarial, uma vez que pode se referir à empresa como um todo, a uma área, a uma função ou até a um indivíduo específico, assim como pode se referir a aspectos operacionais, econômicos ou financeiros [2]. Em 1990, houve a organização e o patrocínio pelo Instituto Nolan Norton de um grupo de estudos envolvendo diversas empresas denominado "Measuring Performance in the Organization of the Future" e cujo objetivo era desenvolver formas mais eficientes de mensuração de desempenho [3]. O referido grupo partia da premissa de que os métodos baseados nos indicadores contábeis e financeiros até então existentes se tornaram obsoletos, de modo que as empresas tinham dificuldades em criar valor econômico para o futuro [4]. Os líderes do referido estudos foram Robert Kaplan e David Norton, sendo que as reuniões do grupo ocorriam em bases bimestrais. Dentre os novos métodos de medição de performance, mereceu destaque uma abordagem de mensuração do índice de progresso em atividades de melhoria contínua desenvolvido pela empresa Analog, que utilizava um "scorecard" corporativo, que incluía as medidas financeiras tradicionais e também outras medidas de desempenho relativas a prazos de entrega ao cliente, qualidade e ciclos de processo de produção, bem como a eficácia no desenvolvimento de novos produtos [5]. O grupo concluiu que a ferramenta mais promissora consistiria em um "scorecard" multidimensional, que recebeu o nome de "balanced scorecard", que seria organizado em quatro óticas distintas: 1) financeira; 2) do cliente; 3) de inovação; e 4) de inovação e aprendizado [6]. O "balanced scorecard" refletiria objetivos de curto e longo prazo, medidas financeiras e não financeiras, indicadores de tendências e de ocorrências, assim como permitiria perspectivas internas e externas de desempenho [7]. Em outras palavras, o "balanced scorecard" tem o mérito de traduzir a missão e a estratégia da empresa por meio de um conjunto de medidas de desempenho, sendo um sistema relevante de medição e gestão estratégica, sendo utilizado para diversas finalidades, dentre as quais: o estabelecimento de metas individuais e de equipe, remuneração, alocação de recursos, planejamento e orçamento, feedback e aprendizado [8]. Feitas as principais considerações sobre o "balanced scorecard" enquanto ferramenta de controle gerencial, passaremos a analisar os precedentes do Carf em que acordos coletivos prevendo a PLR se baseavam na referida ferramenta. Nos Acórdãos nº 2202­003.373, 2202­003.374, 2202­003.376 e 2202­003.377 (todos de 10/05/16), a turma deu provimento por unanimidade aos recursos voluntários do contribuinte. Nessa linha, constou expressamente nos votos da conselheira relatora [9] que diferentemente do que entedia a fiscalização, havia uma regra clara de estipulação das metas de desempenho dos beneficiários da PLR, que pressupunha cinco etapas: 1) "verifica­se o grupo de salários não qual está enquadrado o empregado. A partir dessa classificação, é definido o múltiplo de salário inicial que poderá ser pago a título de PLR (denominado 'target')"; 2) "o 'target' é multiplicado pelo fator extraído dos indicadores de desempenho;" 3) "o valor obtido é multiplicado pelo fator Lair"; 4) "o valor obtido pelo fator LAIR é, então, multiplicado pelo fator 'market share'"; e 5) "e, por fim, os valores obtidos das multiplicações acima é multiplicado pelo fator 'scorecard' definindo, assim, o valor do PLR a pagar, respeitando o critério de proporcionalidade para os casos pertinentes". Como consequência, a conselheira relatora entendeu que os acordos firmados pelo recorrente estariam atrelados a critérios e parâmetros claros e objetivos. No Acórdão nº 2401­004.795 (de 10/05/17), a turma decidiu, por maioria de votos, por dar provimento ao recurso voluntário. A autuação fiscal entendeu que não havia no instrumento de negociação a definição das diferentes áreas de negócios nas quais serão os diversos modelos trazidos no acordo de PLR, de forma que inexistiriam regras claras e objetivas pactuadas previamente. Por sua vez, preponderou o voto do conselheiro relator [10] de que "a exigência de regras claras e objetivas não se destina, precipuamente, à compreensão do Fisco. Embora importante para garantia do interesse público, é nítido o papel secundário exercido pela fiscalização tributária neste processo, a qual não lhe foi concedia a função de avaliação do mérito das regras aprovadas na negociação entre as partes". Prossegue ainda o relator que "por essa razão, a interferência na autonomia privada é medida excepcional, exigindo­se a certeza da autoridade fiscal, apoiada em elementos objetivos, quanto à desconformidade do acordado frente aos preceitos legais da Participação nos Lucros ou Resultados. (...) O agente fiscal não participa do dia a dia da vida laboral da empresa e de seus empregados, de maneira que as questões que lhe configuram obscuras podem estar perfeitamente claras para o empresário e os trabalhadores. De maneira análoga, um critério e/ou informação que lhe pareça omisso no instrumento de negociação, podem estar univocamente delimitados pelos atores sociais principais, tendo em conta a proximidade com os fatos". Como decorrência, o relator aponta que "as dificuldades de compreensão do agente fiscal não significam, necessariamente, obstáculos à cognição dos segurados empregados e dos sindicatos que os representam, pois podem acompanhar, obter esclarecimentos e questionar as regras e os critérios vinculados à aquisição do direito ao pagamento da participação, bem como os mecanismos de aferição do pactuado". Por fim, o relator pondera ainda que o detalhamento pormenorizado das metas pode estar estipulado em documentos apartados ou, até mesmo, em outros canais de comunicação, desde que mantida a harmonia com as regras gerais e sempre com pleno acesso e conhecimento dos trabalhadores. No mesmo sentido, a mesma turma julgou, por maioria de votos, dar provimento ao recurso voluntário no que tange a este ponto no Acórdão nº 2401­004.987 (de 08/08/17). A autuação fiscal destacou que o anexo do acordo da PLR não traz claramente as metas a serem alcançadas, mas somente os indicadores que serão utilizados na avaliação, sendo que não há evidenciação dos pesos que compõem o "Scorecard", nem a determinação de como serão aferidos tais critérios. O conselheiro relator [11] reafirmou grande parte dos argumentos trazidos no já mencionado Acórdão nº 2401­004.795, no sentido de que não caberia à fiscalização uma análise meramente abstrata dos instrumentos de negociação sob pena "de cometimento de equívocos pelo agente fiscal". No Acórdão nº 2202­005.193 (de 08/05/19), a turma decidiu, por maioria de votos, por dar provimento ao recurso voluntário. A autuação fiscal tinha concluído que a previsão de que o desempenho dos beneficiários da PLR se daria por um "scorecard" seria obscura, uma vez que "em nenhum momento são definidos os scorecards de cada área de atuação dos beneficiários, suas regras, mecanismos de aferição ou critérios de avaliação", havendo apenas um exemplo no qual se via "a utilização de critérios tais como: retenção de clientes, crescimento da receita de negócios, qualidade da carteira, rentabilidade das contas, custos dos serviços, qualidade dos serviços e incidência de problemas". Ademais, entendeu a fiscalização que tais metas seriam fixadas fora dos acordos de PLR Todavia, no julgamento do Carf, preponderou o entendimento do conselheiro relator [12] de que o fato dos detalhes relativos às metas se encontrem em documentos apartados não lhes afastaria a clareza e tampouco sinalizaria que não houve participação sindical nas negociações individuais. No Acórdão nº 2202-009.717 (de 09/03/23), foi negado provimento ao recurso do contribuinte por maioria de votos. No caso em tela, a avaliação do "balanced scorecard" do indivíduo levava em consideração: 1) o resultado geral da empresa no país (visto se tratar empresa que é parte de grupo multinacional); 2) o resultado da área na qual ele trabalhava; e 3) o resultado individual. A autuação fiscal considerou que os critérios relativos às metas não eram cristalinos, bem como os indicadores de desempenho das áreas e seus pesos eram determinados em documentos em separado (cartilhas "scorecard" PPR). Além disso, tais critérios poderiam ser alterados unilateralmente e "a posteriori" pela empresa, sem que houvesse a existência de uma negociação com os empregados com a participação de um representante sindical. A recorrente afirma que o "balanced scorecard" não um método linear, mas sim matricial, que leva em conta simultaneamente diversos fatores do funcionário e da área ao qual pertence, sendo que os objetivos individuais são fixados "pelos empregados em conjunto com seus gestores", de forma que não haveria que se falar em fixação unilateral das metas. Em seu voto, a conselheira relatora [13] pontuou que não haveria imposição na lei de que a PLR seja integralmente disciplinada no instrumento de negociação coletiva, podendo o detalhamento constar em documentos apartados, mas tais documentos devem estar em harmonia com as regras gerais e serem acessíveis ao trabalhador no momento da celebração dos acordos e convenções. Todavia, ao analisar a documentação trazida aos autos, a conselheira concluiu que nem os instrumentos de negociação e tampouco os anexos juntados dispuseram de forma objetiva sobre o direito substantivo ou adjetivo à concessão do PLR, de forma que não haveriam regras claras e objetivas que permitam verificação da harmonia com as regras gerais e que pudessem ser acessíveis aos trabalhadores no momento da celebração dos acordos e convenções. A conselheira relatora refuta a documentação exemplificativa trazida pela recorrente com relação a um beneficiário da PLR, uma vez que tais informações não se revestem da condição de provas, na medida em que não estão datadas ou assinadas (parte da informação está em inglês). A descrição do entendimento que não foi vitorioso no presente caso foi objeto de declaração de voto [14], no qual o conselheiro assinalou que, a seu ver, as regras do acordo de PLR seriam claras e objetivas, uma vez que estão desenhados no plano de PLR os objetivos, as premissas, as ideias, as linhas gerais e especiais da PLR, assim como seria possível que o plano caminhasse por um acompanhamento interno quanto ao detalhamento das metas para os diferentes empregados, setores, departamentos, gerências, áreas e cargos, ainda mais quando o modelo adotado envolve parâmetros e avaliações de desempenho individual. Diante do exposto, nota-se que há tanto acórdãos que validaram o uso do "balanced scorecard" como método para mensuração de desempenho em acordos de PLR, ainda que o detalhamento dos critérios não constasse nos instrumentos de negociação do plano, mas em documentos apartados, quanto há acórdão em que preponderou o entendimento de que não havia uma regra clara e objetiva de metas em situação na qual a contribuinte se utilizava do "balanced scorecard".   *Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas. [1] GUERREIRO, Reinaldo. Modelo Conceitual de sistema de informação de gestão econômica: uma contribuição à teoria da comunicação da contabilidade. Tese de doutorado. São Paulo: FEA/USP, 1989. p. 78. [2] PEREIRA, Carlos Alberto. Avaliação de Resultados e Desempenhos. In: CATELLI, Armando (coord.). Controladoria – uma abordagem da gestão econômica GECON. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 197. [3] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. A Estratégia em Ação – Balanced Scorecard. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. VII-X. [4] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X. [5] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X. [6] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X. [7] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. VII-X. [8] KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. Op. cit. p. 2-6. [9] Conselheira Junia Roberta Gouveia Sampaio. [10] Conselheiro Cleberson Alex Friess. [11] Conselheiro Carlos Alexandre Tortato. [12] Conselheiro Leonam Rocha de Medeiros. [13] Conselheira Sonia de Queiroz Accioly. [14] Conselheiro Leonam Rocha de Medeiros.
2023-09-20T10:17-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/direto-carf-participacao-lucros-resultados-balanced-scorecard
tributario
Questão pacificada
STJ nega embargos em ação sobre honorários equitativos
Conforme o estabelecido no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, embargos de declaração devem ser destinados a esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão ou corrigir erro material. Fora dessas premissas, o recurso não deve ser admitido. Esse foi o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça para negar embargos contra decisão que, resolvendo questão repetitiva ao lado de outros três recursos representativos, fixou as teses do Tema 1.076. No julgamento, o STJ fixou teses pela inviabilidade da fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico for elevado. Na ocasião, advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico definiram o resultado do julgamento como uma vitória da advocacia, apontando que a decisão iria diminuir a discricionariedade dos juízes e poderia reduzir a litigância.  Ao analisar os embargos, o relator, ministro Og Fernandes, apontou a impossibilidade de reconhecer o recurso. "O acórdão adotou como fundamento expresso a interpretação dada aos dispositivos legais debatidos, não sendo os embargos de declaração a via adequada para a obtenção de concepção diversa sobre a causa, única pretensão que se colhe da alegação de que a conclusão estaria apartada de 'valor' ou 'sobreprincípio'", registrou.  O ministro explicou que a parte recorrente não apresentou nenhum vício no acórdão recorrido, o que demonstra a pretensão exclusiva de rediscutir a causa. O entendimento foi unânime. Atuaram no caso os advogados Felipe Omori e Amada Xocaira Hannicke.  Clique aqui para ler a decisão EDcl no REsp 1.906.623 Tema  1.076
2023-09-20T09:53-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/stj-nega-embargos-originario-honorarios-equitativos
tributario
Consultor Tributário
Mudanças no IRPJ/CSLL das subvenções precisam melhorar
Eis onde estávamos antes da edição da Medida Provisória 1.185/2023: 1) não incidência de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre as subvenções para investimento: ajudas estatais, inclusive mitigações tributárias, à implantação ou expansão de empresas, impassíveis de apropriação direta pelos sócios eis que utilizáveis apenas para a absorção de prejuízos ou aumentos de capital (Decreto-lei 1.598/77, artigo 38, parágrafo 2º; Lei nº 12.973/2014, artigos 30 e 50; Lei 10.637/2002, artigo 1º, parágrafo 3º, inciso VIII; Lei 10.833/2003, artigo 1º, parágrafo 3º, inciso IX); 2) equiparação a subvenções para investimento de todos os créditos presumidos de ICMS, por força da norma interpretativa do artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e, ao ver da 1ª Seção do STJ, também do princípio federativo (EREsp. 1.517.492/SP, relatora para o acórdão ministra Regina Helena Costa, DJe 1/2/2018) [1]; e 3) subsistência da distinção entre subvenções de custeio e para investimento quanto aos benefícios negativos de ICMS: isenções, reduções de alíquota ou de base de cálculo, etc. (STJ, 1ª Seção, Tema 1.182 dos recursos repetitivos, relator ministro Benedito Gonçalves, DJe 12/6/2023). Quando o tema parecia pronto para decantar sob as diretrizes fixadas pelo STJ, a sistemática foi radicalmente alterada pela Medida Provisória 1.185/2023, que revoga os quatro dispositivos em que assentava (listados no item "i"), levando de roldão a regra destinada à interpretação do segundo deles, referida no item "ii" (accessorium sequitur principale). Em suma, sai de cena a desoneração direta (a priori), por meio da exclusão da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins de benefício unilateralmente qualificado pelo contribuinte, e entra a desoneração indireta (a posteriori), por meio da concessão de créditos fiscais equivalentes ao produto das alíquotas do IRPJ e adicional (mas não da CSLL) por receitas de benefício qualificado pela Receita Federal como subvenção para investimento. Essa análise ocorre na habilitação do contribuinte, que será deferida sempre que o ato concessivo da subvenção (1) seja anterior ao início da implantação ou expansão do empreendimento e (2) fixe de maneira precisa as contrapartidas a serem observadas por aquele. Requerida a habilitação — o que a nosso ver pode ser feito inclusive quanto aos benefícios anteriores à MP que cumpram os seus requisitos [2] — e ultimada a instalação ou expansão do empreendimento, passará a empresa a gerar, até 31/12/2028, créditos fiscais para compensação tributária ou ressarcimento em dinheiro. Em resumo: primeiro se oneram o acréscimo patrimonial decorrente das subvenções governamentais, (IRPJ + adicional e CSLL) e as receitas de subvenção (PIS e Cofins), e depois se concede ao contribuinte um crédito fiscal correspondente ao produto das alíquotas do IRPJ e seu adicional pelas receitas de subvenção, desde que posteriores aos marcos temporais mencionados na última sentença do parágrafo precedente. Tal crédito, por sua vez, não integra a base de cálculo de nenhum daqueles tributos, por força de isenção expressa no artigo 11 da MP. Antes de mais nada, cumpre verificar se, de forma geral (sem prejuízo de críticas pontuais), a nova sistemática é constitucional à luz do conceito de renda e do pacto federativo. Quanto ao primeiro parâmetro, temos que, embora impassíveis de apropriação direta pelos sócios, via distribuição de dividendos ou redução de capital, as receitas de subvenção os beneficiam indiretamente, na medida em que aumentam a capacidade econômica da empresa. Isso sem falar que não se está a tratar da tributação daqueles, mas desta, que sem dúvida se valoriza em virtude de tais receitas. Com efeito, o CTN foi expresso na definição da renda tributável, abraçando tanto da teoria da fonte (Quellentheorie) quanto a do acréscimo patrimonial líquido (Reinvermögenszugangtheorie) [3]. A segunda, nominalmente contemplada no seu artigo 43, inciso II, tem origem no artigo seminal de Georg Schanz [4], que defende ser a renda caracterizada pelo acréscimo da capacidade econômica do agente, independentemente da origem ou da periodicidade dos recursos que a ensejam. Após os contributos de Robert Haig e Henry Simmons, consolidou-se o conceito de renda SHS (Schanz-Haig-Simmons), que define essa materialidade econômica como o somatório do (1) valor de mercado dos direitos exercidos no consumo e (2) da mudança de valor no estoque de direitos dentro de um período em questão [5], tornando-se o proxy para o desenvolvimento de legislações tributárias em todo o mundo. A amplitude desse conceito econômico, refletida na opção feita pelo CTN, é compatível com as diretrizes constitucionais da tributação da renda, mormente o princípio da universalidade (CF, artigo 153, parágrafo 2º, inciso I), que exige seja considerada "a globalidade da renda, isto é, o conjunto de elementos, positivos e negativos, que se integram ao patrimônio do contribuinte" [6]. O confronto da teoria com o Direito positivo brasileiro suscita debates como, entre outros, o da necessidade de realização da renda para fim de tributação e o da tributabilidade das doações pelo IR — temas que desbordam o objeto deste artigo e ficam para futuras oportunidades. Sendo as subvenções em princípio tributáveis, como se vem de demonstrar, a sua exoneração constitui verdadeiro benefício fiscal, para cuja disciplina o legislador tem ampla (embora não irrestrita) liberdade. Já quanto ao pacto federativo, quer parecer-nos que o EREsp 1.517.492/SP — cuja subsistência vedaria a tributação dos créditos presumidos de ICMS — suscita dois questionamentos que bem podem ser levados ao STF. Formalmente, tem-se que o debate é constitucional, atraindo a reserva de plenário (CF, artigo 97; Súmula Vinculante 10 do STF). Materialmente, pensamos que o desdobramento tributário do princípio federativo já foi positivado pelo constituinte na imunidade recíproca, que veda exigências de um ente contra outro, mas não a impede a tributação da renda de pessoas privadas, no que decorrente de State aids — as quais, de resto, salvo se consistirem em repasses de dinheiro, sequer serão amesquinhadas por essa incidência, visto que os tributos a elas vinculados serão necessariamente pagos com outros recursos [7]. Ao empreender essa extensão subjetiva, ampliando ainda a proteção à CSLL, quando a imunidade se limita a impostos (extensão objetiva), o STJ fez interpretação corretiva da Constituição, o que demandaria enorme ônus argumentativo e — mais uma vez — sequer seria atribuição sua. Nem se invoque, por fim, uma suposta contrariedade da MP à Lei Complementar 160/2017, já porque esta tratou de matéria passível de lei ordinária, não havendo falar em hierarquia (STF, Pleno, ADC 1, relator ministro Moreira Alves, DJ 16/6/1995), já porque tem caráter interpretativo de dispositivo revogado pela medida provisória, perecendo junto com este por carecer de sentido isoladamente (STF, Pleno, ADI 605 MC, relator ministro Celso de Mello, DJ 5/3/1993). Embora válido, o novo regime padece de defeitos que merecem correção ao longo do processo de conversão da MP em lei, a saber: ● a limitação dos créditos à parcela correspondente à alíquota do IRPJ, excluída a CSLL, que acarreta aumento de carga tributária face ao cenário anterior; ● a restrição das receitas de subvenção geradoras de créditos às posteriores ao fim da implantação ou expansão do empreendimento, que chega a ser paradoxal por deixar de fora precisamente aquelas auferidas durante as etapas que visam a custear (afinal, trata-se de subvenção para — e não pelo — investimento); ● a delimitação temporal do benefício, previsto para encerrar-se em 31/12/2028, quando melhor seria mantê-lo aberto a novos contribuintes e ajudas estatais, e restringir as receitas geradoras de créditos fiscais ao valor despendido em cada caso na implantação ou expansão do empreendimento. Se mantido, o prazo terá ao menos a vantagem de atrair a incidência do artigo 178 do CTN, cuja aplicação a outros benefícios fiscais, além da isenção, é pacífica no STJ (1ª Turma, REsp 1.941.121/PE. Relatora ministra Regina Helena Costa, DJe 9/8/2021); ● a excessiva estreiteza do conceito de "expansão" como "ampliação da capacidade, modernização ou diversificação da produção de bens ou serviços do empreendimento econômico", que se aferra a uma ultrapassada "fisicalidade" na geração de valor das cadeias produtivas e deixa de fora os investimentos na promoção de marcas ou campanhas publicitárias, por exemplo, que decerto impactam positivamente na geração de receitas, empregos e tributos; ● a exclusão, na apuração da base de cálculo dos créditos fiscais, das parcelas da receita de subvenção que superem as despesas de depreciação, amortização ou exaustão de bens sujeitos a tais encargos. Como não existe tal teto quanto aos bens cuja despesa é integralmente reconhecida no exercício, essa irrazoável distinção acabará por incentivar arranjos como a substituição da compra pela locação de ativos; ● por fim, a revogação dos dispositivos que isentavam do PIS/Cofins as receitas de subvenção (sem a correspondente instituição de créditos fiscais proporcionais às respectivas alíquotas). Além de visar a aumento de carga tributária, a medida tenderá a esbarrar — pelo menos quanto às subvenções para investimento não consistentes na entrega de dinheiro — no entendimento do STF de que, embora constituem receita para fins contábeis, os créditos presumidos e assemelhados não se sujeitam às contribuições, por não representarem "ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições" (Pleno, RE 606.107/RS, relatora ministra Rosa Weber, DJe 25/11/2013). Ingresso financeiro haverá, sim, no eventual ressarcimento dos créditos fiscais, mas aqui a isenção está prevista no artigo 11 da MP, conforme já observado acima. Com os aprimoramentos que sugerimos neste artigo, e outros a serem propostos por observadores mais atentos, ter-se-á um regime tributário das subvenções para investimento superior ao antigo, por equilibrar melhor o necessário incentivo público ao investimento privado com os ditames da capacidade contributiva e da responsabilidade fiscal. [1] Malgrado a Solução de Consulta Cosit 145/2020, cujo desacerto foi demonstrado aqui por um dos autores. [2] Nesse caso, o contribuinte deixará de proceder às exclusões de base de cálculo e apurará créditos fiscais quanto às futuras parcelas do incentivo, sujeito às condições listadas no texto. [3] Alcides Jorge Costa. "Conceito de Renda Tributável". in Estudos sobre o Imposto de Renda (em memória de Henry Tilbery). São Paulo: Resenha Tributária, 1994, p. 27. [4] "Der Einkommensbegriff und die Einkommensteuergesetze". In FinanzArchiv, vol. 13, nº 1, 1896, p. 1–87. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/40904651, acesso em 17.09.2023. [5] Henry C. Simmon. Personal income taxation: the definition of income as a problem of fiscal policy. Chicago: The University of Chicago Press, 1955, p. 50. [6] Roque Carrazza. Imposto sobre a Renda (Perfil Constitucional e Temas Específicos). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 33. [7] Nem calha a tese do STJ de que a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS reduziria a "capacidade de dirigismo econômico dos Estados". Como observa um dos autores, "sob essa mesma lógica, porque não seria igualmente ofensivo a União deixar de cobrar IRPJ/CSLL sobre um valor que se torna receita tributária dos Estados, como o pagamento do ICMS?" (Carlos Augusto Daniel Neto. A Tributação das Subvenções de Investimento: um mosaico de questões e soluções interconectadas. In Subvenções Fiscais – Caderno de Pesquisas Tributárias 46. São Paulo: MP Editora, 2023, p. 152). Essa visão outrancière do federalismo fiscal obstaria o abatimento de todos os tributos estaduais e municipais da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, por reduzir "a capacidade arrecadatória da União", conclusão cujo absurdo evidencia o desacerto da premissa.
2023-09-20T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/consultor-tributario-mudancas-irpjcsll-subvencoes-melhorar
tributario
Opinião
Gomes e David: Pacto na regulamentação das subvenções
O governo federal editou a Medida Provisória (MP) 1.185/2023 (publicada no DOU em 31/8/2023), alterando o regime tributário atinente as subvenções estatais, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e da União. A MP 1.185/2023 somente terá sua vigência a partir de 1º de janeiro 2024. Além disso, é necessário que ela seja convertida em lei ainda em 2023 para que possa produzir efeitos no próximo ano (artigo 62, §2º da Constituição). Portanto, estamos diante de uma medida provisória, que deveria cumprir os requisitos da urgência e relevância do tema, que somente passará a ter eficácia após o seu prazo de vigência, o que no mínimo é uma incongruência. Em que pese os debates sobre o desvio de finalidade na edição da MP, que certamente deveria tramitar como projeto de lei, nos parece bem claro que o governo está encaminhando ao Congresso o tema das subvenções estatais para debate, considerando o contexto fiscal atual, bem como a recente decisão do STJ no Tema 1.182. Em linhas gerais, a MP extingue o tratamento das subvenções de investimentos existentes na legislação atual, que prevê que tais incentivos/benefícios são excluídos da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Essa mudança, açodada, caso seja implementada, certamente irá conflitar com o atual entendimento do poder judiciário sobre o tema, consubstanciado no julgamento do Tema 1.182 do STJ, que seguiu o rito dos recursos repetitivos. Nesse julgamento, o STJ definiu a existência de duas espécies de benefícios fiscais, os de grandeza positiva, referente aos créditos presumidos de ICMS, e os de grandeza negativa, que são os demais benefícios, tais como, tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros [1]. As subvenções estatais decorrentes de créditos presumidos não podem ser incluídas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, posto que a corte superior prestigiou a proteção do pacto federativo (artigo 150, VI, "a", da CF/88) em relação as subvenções de grandeza positiva, entendimento esse firmado no EREsp. nº 1.517.492/PR de 08/11/2017, e reafirmado recentemente na fixação da tese do Tema 1.182. Essa proteção ao pacto federativo diz respeito a impossibilidade de a União impor exações tributárias em relação as políticas fiscais, referente as subvenções estatais, adotadas com base na autonomia federativa dos Estados. No repetitivo, o entendimento de violação ao pacto federativo não foi estendido aos demais benefícios fiscais. Dessa forma, a dedução dos benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, é possível, desde que observado o cumprimento das condições e requisitos previstos em lei (artigo 30 da Lei 12.973/2014, que foi revogado pela MP 1.185/2023 [2]). Isso significa que se a lei concede determinado tratamento, respeitados as limitações constitucionais ao poder de tributar, a legislação infraconstitucional também poderia atribuir outra sistemática de apuração das subvenções estatais no tocante a tributação federal sobre tais valores, o que permitiria as mudanças que serão introduzidas pela MP 1.185/2023 e sua eventual conversão em lei. Mas não é só isso, o tema envolvendo a ofensa ao pacto federativo, nas hipóteses em que a União impõe exação tributária sobre as subvenções concedidas pelos estados federados ainda pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Embora o STF não tenha afetado o tema envolvendo a inclusão de subvenções na base de cálculo do IRPJ/CSLL (Tema 957), por entender que a questão é infraconstitucional, a ofensa ao pacto federativo aqui descrita pode ser, em tese, objeto de análise pelo Supremo na ocasião do julgamento do Tema 843, que trata do PIS e a da Cofins. Mesmo se tratando de tributos distintos, caso seja entendido pelo Supremo que a ingerência da União, por meio de exação tributária, em instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo dos Estados, que concedem subvenções aos contribuintes, ofende o pacto federativo, esse entendimento, teria repercussão em todos os tributos de competência federal. Em relação ao novo regime proposto pela MP, a normativa introduzirá a partir da sua vigência a possibilidade de aproveitamento de crédito fiscal sobre as subvenções de investimento, porém, com requisitos e condições altamente restritivos, quando comparado ao atual modelo. Diante de tantas variáveis e incertezas, é importante acompanhar a evolução do debate sobre o tema envolvendo as subvenções estatais e seu tratamento em relação aos tributos federais e a sua correlação com o federalismo fiscal brasileiro, na medida em que resta consagrado pelo STJ que a exação federal sobre a renda encontra limites no pacto federativo e na decisão legítima dos entes subnacionais subvencionarem agentes econômicos com finalidade de reduzirem desigualdades e produzirem emprego e renda.  
2023-09-20T06:07-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-20/gomese-carneiro-pacto-federativo-regulamentacao-subvencoes
tributario
Opinião
Tatiana Chiaradia: O governo tarda, mas não falha
O primeiro semestre de 2023 foi tumultuado com as expectativas do julgamento do Superior Tribunal de Justiça acerca da tributação das subvenções para investimento pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O governo federal utilizou de sua força política junto aos tribunais superiores e o resultado foi a decisão proclamada pelo STJ tão comentada pela imprensa. Resumidamente, o tribunal reconheceu que o crédito presumido concedido pelos estados não deve ser tributado pelo IRPJ/CSSL, em respeito ao princípio federativo, em que a "receita fictícia" recebida dos entes não poderia ser tributada pela União. O STJ também decidiu que os demais benefícios fiscais, tais como redução de base de cálculo e alíquota, isenções, diferimento, seriam normalmente tributados, já que representam uma parcela redutora do lucro. Na oportunidade, afirmou que quando esses benefícios atenderem aos requisitos previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, poderão ser deduzidos da base de cálculo do IRPJ/CSSL. Na oportunidade, o governo divulgou na imprensa ter obtido um grande ganho nos tribunais. Mas, na verdade, a decisão do STJ nada mais fez do que esclarecer o que já estava expressamente previsto na legislação pós Lei Complementar 160: qualquer benefício fiscal somente poderia ser deduzido da base de cálculo do IRPJ/CSLL quando devidamente contabilizado como reserva de lucro, não distribuível aos sócios. Logo após essa decisão, o governo inclusive intimou diversos contribuintes, especialmente aqueles listados e acompanhados por fiscalização especial, a reconhecerem os débitos aproveitados em desacordo com a decisão do STJ e recolherem os valores sem multa, numa espécie de "denúncia espontânea", pretendendo arrecadar os valores previstos inicialmente, o que não se concretizou, haja vista que a maioria dos contribuintes optou por assumir o risco da futura discussão desse tema acobertados pela posição da jurisprudência do STJ. E qual foi a nossa surpresa: no final de agosto de 2023 fomos todos surpreendidos com a edição da Medida Provisória nº 1.185/2023, que expressamente revoga o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, afastando por completo a possibilidade de exclusão dos benefícios fiscais da base de cálculo do IRPJ/CSSL, que havia sido utilizado como fundamentação para a decisão do STJ. Por sorte, se for aprovada, a MP somente terá vigência a partir de 2024, possibilitando a todos os contribuintes avaliarem com calma os seus impactos e decidirem o melhor caminho a seguir a partir de então. A MP formaliza uma vontade bem antiga do governo em diferenciar as subvenções para investimento e custeio, que haviam sido equiparadas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, após a edição da Lei Complementar nº 160, reservando a partir de agora o benefício federal somente às subvenções compreendidas como de investimento conforme interpretação conferida há anos pela Receita Federal. De acordo com a MP, as subvenções passam a ser tributadas regularmente pelo IRPJ/CSLL. A novidade é o surgimento da possibilidade de o contribuinte apurar um "crédito fiscal de subvenção para investimento" quando receber subvenção de outro ente da federação (União, estados, Distrito Federal e municípios), desde que observados os seus requisitos. A MP traz novas definições, prevendo a necessidade de prévia habilitação do contribuinte, resumida na necessidade de demonstrar e comprovar as condições da concessão da subvenção para investimento, especialmente exigindo as contrapartidas de implantação e expansão do empreendimento econômico da pessoa jurídica. O valor do "crédito fiscal" será o resultado da multiplicação das receitas da subvenção pela alíquota do IRPJ, observando as competências contábeis. Os valores a serem aproveitados somente serão aqueles decorrentes das receitas relacionadas à implantação ou expansão do empreendimento econômico e que sejam reconhecidas após a conclusão da implantação/expansão e depois do protocolo do pedido de habilitação. O aproveitamento desses valores poderá se dar mediante compensação com outros tributos administrados pela Receita ou ressarcimento em dinheiro, dependendo o respectivo pedido da entrega da escrituração contábil fiscal (ECF) em que será demonstrado o direito creditório a partir do ano seguinte do reconhecimento das receitas de subvenção. A única vantagem é que esse crédito fiscal não será tributado por IRPJ/CSLL nem PIS/Cofins. A MP expressamente consigna que os valores que já foram contabilizados como reserva de lucro nos termos do revogado artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 somente poderão ser aproveitados para aumento do capital social ou absorção de prejuízos desde que anteriormente já tenham sido totalmente absorvidas as demais reservas de lucros, com exceção da reserva legal. A atitude do governo, era esperada, tendo em vista que seus esforços para conduzir o julgamento do STJ e para atrair os contribuintes a se regularizarem não surtiram muito efeito no primeiro semestre. Entretanto, lembramos que se trata de uma canetada do Poder Executivo, que ainda precisa ser debatida e aprovada pelo Poder Legislativo e, eventualmente validada pelo Poder Judiciário. Destacamos a importância de se acompanhar de perto a eventual aprovação da MP pelo Congresso. Os impactos da MP alcançarão todos os contribuintes que já se organizaram e se planejaram dentro de um cenário que ficará totalmente distorcido a partir de 2024 em caso de sua aprovação. A título de exemplo, serão prejudicados os contribuintes que possuíam decisão judicial autorizando a utilização do benefício nos termos do revogado artigo 30 e aqueles que investiram suas atividades prevendo o retorno fiscal calculado e programado. Não fosse só isso, ao permitir a tributação dos benefícios fiscais estaduais, a MP traz mais um capítulo para a guerra fiscal em desrespeito ao princípio federativo, e, claro, provavelmente causará um fomento ao contencioso administrativo e judicial dentro dos inúmeros questionamentos que surgirão, tal como a revogação das disposições definidas no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014 pela Lei Complementar nº 160, além dos fundamentos jurídicos colacionados pelo STJ em suas decisões. Como se pode ver, o governo demorou, mas foi implacável na guinada dada à decisão do STJ. Agora nos resta apenas acompanhar para ver se dentro do Congresso essa guinada será validada, além de nos organizarmos para estarmos preparados para implementação das novas regras e eventualmente questioná-las judicialmente.
2023-09-21T21:43-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/tatiana-chiaradia-governo-tarda-nao-falha
tributario
Prêmio de consolação
Compensações por voto de qualidade no Carf não afastam desigualdade
O restabelecimento do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) — promovido por meio da Lei 14.689/2023, publicada nesta quinta-feira (21/9) — trouxe como "brinde" uma série de contrapartidas que podem beneficiar os contribuintes derrotados em suas demandas no órgão. No entanto, segundo os tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o tema, tais compensações não são suficientes para afastar o caráter de desigualdade do voto de desempate a favor do governo nos julgamentos do Carf. Entre as contrapartidas listadas para os casos de derrota do contribuinte pelo voto de qualidade, estão as seguintes: exclusão de multas e cancelamento de representação fiscal para fins penais; pagamento da dívida sem juros e em 12 parcelas (devendo o contribuinte se manifestar em até 90 dias); possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); não incidência do encargo legal em caso de inscrição em dívida ativa da União; e emissão de certidão de regularidade fiscal no curso do prazo de 90 dias para manifestação do contribuinte para pagamento do tributo devido. Além disso, será possível usar precatórios para amortização ou liquidação da dívida; ampliar a capacidade de negociação da Fazenda Nacional no âmbito dos acordos de transação tributária, com a possibilidade de oferta de propostas mais vantajosas para os contribuintes; e dispensar o oferecimento de garantia pelo devedor para discussão judicial dos créditos abrangidos pela decisão, desde que ele tenha capacidade de pagamento. No entanto, de acordo com Daniel Moreti, sócio do escritório Fonseca Moreti Ito Stefano Advogados e juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, essas medidas todas não vão afastar as perdas que o contribuinte sofrerá com o voto de qualidade, já que é no processo administrativo tributário que são discutidos temas específicos com maior especialização e riqueza de detalhes. "Nele, o contribuinte estará em desvantagem. Pagar em 12 parcelas sem juros ou levar o débito à discussão judicial, sem a necessidade de garantia prévia, podem até ser formas de alívio, mas não solucionam a perda sofrida pelos contribuintes. Vale destacar que houve ainda o veto a diversos outros dispositivos que redimensionariam as multas tributárias e trariam importantes diretrizes para a conformidade tributária, a fim de reduzir a litigiosidade na relação entre o Fisco e os contribuintes." Katia Gutierres, sócia do Barcellos Tucunduva Advogados, entende que as contrapartidas aliviam a situação, mas não compensam integralmente a desigualdade, algo inerente ao voto de desempate. "Por exemplo, a questão relativa à cumulação de multa isolada com a de ofício tem sido desfavorável aos contribuintes no âmbito do Carf, justamente por voto de qualidade em favor do Fisco", lembrou ela. "Ocorre que essa matéria está sendo julgada favoravelmente aos contribuintes no Judiciário. Nesse cenário, o contribuinte terá interesse em derrubar a decisão do Fisco no Judiciário e, apesar de não se sujeitar a exigência da garantia, terá custos para judicializar o tema. E se, ao final, o contribuinte lograr êxito no Judiciário, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional terá de arcar com honorários de sucumbência. A decisão, por voto de qualidade, nesse caso, vai se mostrar ineficiente tanto para o Fisco quanto para o contribuinte." Para Simone Bento, advogada do Rolim Goulart Cardoso Advogados, os benefícios não compensam integralmente a desigualdade decorrente da retomada do voto de qualidade. "Caso fosse pró-contribuinte, obviamente, o crédito tributário estaria fulminado já administrativamente. E nenhum benefício relacionado a facilidade de pagamento, redução de multa e necessidade de discussão no Judiciário (ainda que sem garantia) consegue amenizar os efeitos da manutenção de cobranças por voto de minerva do próprio Fisco." Compensações substanciais Sócia do escritório Bueno Tax Lawyer, Fernanda Lains diz que os benefícios jamais colocarão fim à desigualdade causada pelo voto de qualidade, mas, assim mesmo, não é possível ignorar que as compensações são substanciais. "É como se houvesse o diferimento do tributo no tempo, este bastante largo. Não bastasse, o contribuinte poderá se valer do uso de prejuízo fiscal e de base negativa da CSLL para a compensação do tributo devido, além de poder utilizar, para tanto, precatórios. A depender da análise da jurisprudência sobre o tema no Judiciário, o contribuinte terá boas razões financeiras para fazer o pagamento do tributo tido por devido." Por sua vez, Mauricio Terciotti, sócio do escritório TAGD Advogados, pondera que o objetivo do Carf não deve ser arrecadatório, mas proferir julgamentos justos com base nos princípios que norteiam as discussões tributárias e do processo administrativo. "Entendo que não há benefício financeiro que compense um julgamento injusto, desigual. Independentemente dessa questão, esse benefício de poder pagar o débito sem multa e juros é muito interessante para o contribuinte do ponto de vista financeiro, sobretudo porque as discussões administrativas demoram alguns anos para serem finalizadas." Para Leonardo Gallotti Olinto, sócio do escritório Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, as contrapartidas não compensam os prejuízos, mas são uma evolução válida e louvável. O grande problema, segundo ele, é o "vai e volta" do voto de desempate. "Veja quantas vezes essa questão mudou. Isso faz com que o entendimento do tribunal, que deveria ser estritamente técnico, acabe sendo casuístico. Se dois processos idênticos tiverem sido julgados em momentos diferentes, um com o voto de qualidade cá, outro lá, os resultados serão distintos, o que não é, logicamente, saudável, nem desejável." Eduardo Bonates, sócio do escritório Almeida, Barretto e Bonates Advogados, afirma que as tentativas de amenizar o prejuízo do contribuinte não passam de uma manobra. "Parece inacreditável e surreal. E é exatamente isso. Na prática, a nova lei fez com que a União trocasse de lado e, ao invés de derrotada em disputas tributárias no âmbito da Receita Federal, agora se tornasse vencedora. Da noite para o dia. É como alterar o placar de um jogo após a partida ser encerrada. E aí, depois de cometer um absurdo como esses, de alterar uma derrota administrativa numa vitória bilionária, dizem para o empresário que ele pode ficar despreocupado, que pode parcelar e retirar o juros de uma dívida que nem era para existir. Estamos falando de mais de R$ 50 bilhões somente em 2023." Por fim, Diego Miguita, sócio do escritório VBSO Advogados, opina que a nova lei é razoável. "Nenhuma previsão da Lei nº 14.689/2023 pode ser considerada incentivo ao não recolhimento, especialmente porque as estatísticas demonstram que o voto de qualidade resolve a minoria dos casos, e que, em geral, são exatamente aqueles nos quais há legítimas dúvidas sobre a interpretação da legislação aplicável. Certamente, casos contaminados por fraude ou simulação, por exemplo, continuarão a ser decididos da mesma forma que antes, isto é, sem que o voto de qualidade seja decisivo."
2023-09-21T20:38-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/compensacoes-voto-qualidade-carf-nao-afastam-desigualdade
tributario
Opinião
Gabriel Arisa: SAFs e o acesso ao mercado de capitais
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, no último dia 21 de agosto, o Parecer de Orientação n° 41/2023, com intuito de oferecer ao mercado e seus agentes orientações gerais sobre as Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs) e o mercado de valores mobiliários. A fim de catalisar o processo de restruturação das dívidas e financiar projetos de investimento no âmbito da indústria do futebol, as SAFs foram incorporadas ao ordenamento jurídico pela Lei 14.193/2021, que inovou ao trazer o conceito de empresarialidade à tal indústria e possibilitar, a partir da profissionalização dos clubes por meio da transformação desses em companhias, o acesso a múltiplos instrumentos que permitem a captação de recursos da poupança popular. A relação entre as SAFs e o mercado de capitais tem sido objeto de análise e discussão há bastante tempo, especialmente diante de um contexto de superendividamento histórico dos clubes, mesmo dentro de uma indústria capaz de movimentar quase US$ 300 bilhões por ano [1]. O futebol, à semelhança de qualquer outra atividade econômica, requer recursos para seu contínuo desenvolvimento, particularmente em um mercado onde o custo das operações, aquisições de talentos e infraestrutura atinge proporções multimilionárias. Enquanto associações, os clubes brasileiros dispõem de poucos instrumentos para acessar investidores do mercado de capitais e, na carência de financiadores de mercado, emerge a necessidade de recorrer a fontes e arranjos alternativos de financiamento, composto por diferentes agentes que, muitas vezes, impõem condições desvantajosas, gerando dependência e perpetuando um ciclo de crise que somente poderá ser superado mediante revisão estrutural do atual modelo de financiamento. O Parecer de Orientação n° 41/2023 da CVM apresenta-se com o propósito de conciliar as disposições da Lei das SAFs, da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) e das regulamentações da própria CVM, de modo a mitigar potenciais dúvidas dos agentes de mercado e sincronizar as leis e normas dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Ao aderir às regras estabelecidas pela CVM, as SAFs ficam aptas a captar recursos no mercado de capitais mediante o aprimoramento dos mecanismos de transparência e governança corporativa, aspectos cruciais para promover a confiança dos investidores e a sustentabilidade financeira. Ressalta-se que, em que pese grandes clubes brasileiros, tais como Cruzeiro, Vasco, Botafogo, Cuiabá e Bahia, já terem aderido à SAF [2], todos o fizeram na forma de SAF fechada e os investimentos foram captados de forma privada, sem aderência às regras da CVM para acesso ao mercado de capitais. Nesse contexto, a CVM assume um papel crucial, estabelecendo diretrizes que viabilizam o acesso das SAFs ao mercado de capitais por meio de diversos instrumentos. A abertura de capital — também conhecida como por seu termo em inglês initial public offering (IPO) —, a emissão de debêntures e a securitização destacam-se como meios que permitem a captação de recursos e a promoção de uma estrutura financeira mais sólida. A abertura de capital, um dos instrumentos mais emblemáticos contemplados pelo Parecer de Orientação n° 41/2023, permite que as SAFs emitam ações e as negociem em bolsas de valores. Isso não apenas proporciona uma fonte de financiamento alternativa, mas também amplia a base de acionistas, fomentando maior transparência e prestação de contas por parte das entidades. Caso decida realizar uma oferta pública inicial de ações, a SAF estará sujeita ao mesmo arcabouço normativo aplicável às companhias abertas em geral, consubstanciado principalmente nas Resoluções CVM nº 80/2022 e nº 160/2022, que abordam temas como os regimes de registro de emissor de valores mobiliários e as ofertas públicas de distribuição, primária ou secundária, dos referidos valores mobiliários. Ainda com relação à abertura de capital, vale destacar que a SAF que se registrar na CVM como companhia aberta: (1) deverá contar com uma classe específica de ação ordinária, denominada na Lei das SAFs como classe "A", para subscrição exclusiva pelo clube ou pessoa jurídica original constituinte da SAF[3]; e (2) poderá criar uma classe de ações ordinárias sem voto plural e, caso entenda conveniente, outra classe de ações ordinárias com voto plural, ambas distintas da classe A, o que torna a SAF aberta a única espécie de companhia aberta habilitada a emitir três classes distintas de ações ordinárias [4]. O Parecer de Orientação n° 41/2023 da CVM deixa claro, também, que as ações classe A não poderão ser alienadas a terceiros, e, pois, não estarão admitidas à negociação em bolsa ou mercado de balcão, uma vez que os direitos conferidos pelas ações classe A são inerentes à condição da pessoa jurídica constituinte da SAF, e, portanto, são considerados direitos personalíssimos. Por outro lado, a CVM não vislumbra impedimento para que o clube ou a pessoa jurídica original titular de ação classe A adquira ação preferencial ou ordinária comum, aplicando-se, o disposto na Lei das Sociedades por Ações. A emissão de debêntures se apresenta como outra opção para alavancagem das SAFs. As debêntures são títulos de dívida que as SAFs podem emitir para captar recursos junto a investidores. Essa modalidade de financiamento confere flexibilidade às SAFs à medida em que estabelecem as condições dos títulos, como prazos, taxas de juros e garantias oferecidas. Através dessa ferramenta, as SAFs conseguem diversificar suas fontes de recursos e potencialmente obter condições mais vantajosas em comparação com empréstimos tradicionais. Ao ofertar as debêntures publicamente, a SAF deverá observar, além das disposições da Lei das Sociedades por Ações e da Lei das SAFs, a regulação da CVM, com destaque para Resoluções CVM nº 77/2022 e nº 81/2022 que tratam, respectivamente, de aspectos relacionados a aquisição de debêntures de própria emissão e a assembleias de debenturistas. Vale ressaltar que a CVM deixou claro no Parecer de Orientação n° 41/2023 que as SAFs estão autorizadas a recomprar as debêntures-fut de própria emissão ofertadas publicamente, exceto em casos de liquidação antecipada por meio de resgate ou pré-pagamento, e desde que cumpram as disposições da Resolução CVM nº 77/2022 [5]. Uma das dúvidas que surgiram após a promulgação da Lei das SAFs referia-se à possibilidade de emissão de outros valores mobiliários pelas SAFs além das debêntures-fut, diante do veto do artigo 27 de referida Lei, que mencionava expressamente tal possibilidade. Contudo, por meio do Parecer de Orientação n° 41/2023, a CVM deixou claro que as SAFs poderão emitir quaisquer outros valores mobiliários previstos para emissão por sociedades anônimas, inclusive debêntures tradicionais, uma vez que a motivação do veto do artigo 27 da Lei das SAFs não foi estabelecer que as debêntures-fut seriam as únicas pelas quais as SAF poderiam se financiar via mercado de capitais, mas apenas não dar margem a interpretações equivocadas de que as SAFs poderiam ofertar quaisquer valores mobiliários previstos na Lei de Sociedades por Ações ou na regulamentação editada pela CVM [6]. Outro meio de acesso que as SAFs passaram a ter ao mercado de capitais é o crowdfunding de investimento, que consiste na captação de recursos por meio de oferta realizada em plataforma eletrônica, permitindo-se acesso ao mercado de capitais com simplificação de responsabilidades e redução de custos. Apenas sociedades empresárias de pequeno porte, ou seja, com receita bruta anual de até R$ 40 milhões podem captar recursos por meio do crowdfunding, sendo que a captação é limitada ao valor anual de R$ 15 milhões. Nesse caso, tanto a oferta quanto o emissor são dispensados de registro junto à CVM, nos termos da Resolução CVM 160/2022 (para oferta) e da Resolução CVM 80/2022 (para emissor). Uma das notícias mais celebradas pelo mercado com a divulgação do Parecer de Orientação n° 41/2023 foi o posicionamento da CVM no sentido de que as ações de emissão das SAFs abertas podem ser objeto de investimento por Fundo de Investimento em Ações [7]. Além dos Fundo de Investimento em Ações, o Parecer de Orientação n° 41/2023 da CVM também menciona outras categorias de fundos de investimento que podem ser utilizados pelas SAFs a depender da finalidade que se pretenda alcançar no contexto da captação, quais sejam: (1) Fundos de Investimento em Participações (FIP); (2) Fundos de Investimento Imobiliários (FII); e (3) Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Os FIPs atuam no segmento de mercado comumente denominado de private equity e venture capital, caracterizado pelo investimento de risco em empresas com potencial de crescimento, para retorno em médio e longo prazo. Com relação às SAFs, o investimento poderia se dar através da compra de participação societária ou títulos conversíveis ou permutáveis em participação societária, seja por meio de aquisição em bolsa ou mercado de balcão no caso de SAFs abertas ou por meio de aquisições privadas. Outra estrutura interessante aplicável aos FIPs seria como instrumento para concentração de investidores na SAF, fomentando o investimento e a profissionalização da gestão da SAF antes de uma possível abertura de capital. Já os FIIs poderiam ser utilizados para viabilizar projetos do interesse das SAFs no mercado no imobiliário, tais como como a construção ou reforma de estádio ou outros imóveis. Nesse modelo, os investidores podem se tornar sócios indiretos do estádio ou centro de treinamento, recebendo desde o aluguel até a bilheteria de jogos e eventos. A securitização, por sua vez, apresenta-se como uma alternativa que permite que as SAFs convertam seus ativos futuros em títulos negociáveis no mercado de capitais, seja estruturada por meio de fundo de investimento ou por emissão de espécie de certificado de recebível. Em tais operações, as SAFs podem antecipar o recebimento de direitos creditórios de sua titularidade por meio de sua cessão, normalmente com um desconto, para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) e companhias securitizadoras. Esse processo possibilita antecipar receitas provenientes, por exemplo, de contratos de patrocínio, vendas de ingressos ou direitos de transmissão. Ao securitizarem esses ativos, as SAFs podem captar recursos imediatos, aliviando pressões financeiras e refinanciando passivos existentes. É importante observar que a relação entre o Parecer de Orientação nº 41 da CVM e a profissionalização da indústria do futebol não se limita aos instrumentos de acesso ao mercado de capitais e a questões financeiras. A adesão a tais práticas também pode incentivar uma melhora na governança corporativa das SAFs. A busca por investidores e a necessidade de divulgar informações precisas e transparentes contribuem para uma cultura de prestação de contas mais sólida, bem como para a implementação de boas práticas administrativas. Em conclusão, o Parecer de Orientação nº 41 da CVM representa um avanço significativo para as SAFs, oferecendo orientações claras e abrangentes sobre como essas entidades podem acessar o mercado de capitais, mas sem o intuito de esgotar os debates em relação ao tema, ainda incipiente e em fase de construção e consolidação. Através de instrumentos como a abertura de capital, a emissão de debêntures e a securitização, as SAFs podem fortalecer suas estruturas financeiras, obter recursos para investimentos e enfrentar o histórico endividamento que aflige muitos clubes. Ao mesmo tempo, esse processo favorece a melhoria da governança corporativa, estabelecendo bases sólidas para o crescimento sustentável das SAFs no cenário esportivo e econômico. [1] https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/27/futebol-movimenta-o-equivalente-ao-pib-da-finlandia-diz-presidente-da-fifa.ghtml. Verificado em 30 de agosto de 2023. [2] https://www.estadao.com.br/esportes/futebol/brasileirao-das-safs-os-clubes-que-viraram-empresas-quem-estuda-virar-e-os-que-rejeitam-a-ideia/. Verificado em 30 de agosto de 2023. [3] O art. 2º, §2º, VII da Lei das SAFs dispõe que "a Sociedade Anônima do Futebol emitirá obrigatoriamente ações ordinárias da classe A para subscrição exclusivamente pelo clube ou pessoa jurídica original que a constituiu". Essa classe de ações atribui ao constituinte da SAF o direito de veto em matérias sensíveis, enquanto tal classe de ações representar, pelo menos, 10% (dez por cento) do capital social votante ou do capital social total. Além disso, dependem da aprovação do titular das ações classe A qualquer alteração no estatuto SAF para modificar, restringir ou subtrair os direitos conferidos por essa classe de ações, ou para extinguir a ação ordinária da classe A, independentemente da participação no capital social. [4] O art. 16-A da Lei das Sociedades por Ações dispõe que "Art. 16-A. Na companhia aberta, é vedada a manutenção de mais de uma classe de ações ordinárias, ressalvada a adoção do voto plural nos termos e nas condições dispostos no art. 110-A desta Lei". Todavia, com previsão em lei especial da obrigatoriedade da emissão de ações ordinárias de classe A, que somente pode ser subscrita por seu constituinte, a CVM entendeu que é permitida à SAF aberta a emissão de três classes distintas de ações ordinárias, em observância ao princípio da especialidade. [5] Em que pese o art. 26, III, da Lei das SAFs mencionar a "vedação à recompra da debênture-fut pela Sociedade Anônima do Futebol ou por parte a ela relacionada e à liquidação antecipada por meio de resgate ou pré-pagamento, salvo na forma a ser regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários", a CVM entendeu que as preocupações que pairam sobre recompras das debêntures-fut são semelhantes às que se aplicam a recompras de debêntures em geral, e tendo em vista que essas foram tratadas no âmbito da Resolução CVM 77, autorizou as SAF a recomprar as debêntures-fut de própria emissão ofertadas publicamente. [6] Nas razões de veto do art. 27 da Lei das SAFs, o legislador mencionou que "em que pese se reconheça o mérito da proposta, a medida contraria o interesse público, pois geraria insegurança jurídica, tendo em vista que poderia ensejar na interpretação de que que qualquer título que já tenha ou venha a ter previsão na Lei nº 6.404, de 1976, ou na regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários poderia ser emitido pelas Sociedades Anônimas do Futebol, isto é, nenhuma limitação poderia ser imposta a tais agentes enquanto emissores de valores mobiliários. Ocorre que há diversos instrumentos passíveis de emissão no mercado de capitais, muitas vezes sujeitos a regime específicos, que consideram, dentre outros fatores, a natureza do emissor. Alguns exemplos são os títulos que somente podem ser emitidos por instituições financeiras e os títulos ou contratos de investimento coletivo previstos no inciso IX do caput do art. 2º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976". [7] Fundo de Investimento em Ações é um dos tipos de Fundos de Investimento Financeiro – FIF, regulados pelo Anexo Normativo I da Resolução CVM 175.
2023-09-21T20:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/gabriel-arisa-safs-acesso-mercado-capitais
tributario
Opinião
Freitas e Leite: Encontro de contas no lançamento de ICMS
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, no final do último mês agosto, que "a utilização de crédito de ICMS para fins de compensação com o tributo devido é faculdade a ser exercida oportunamente pelo contribuinte no âmbito do lançamento por homologação, não sendo possível impor ao fisco que proceda a esse encontro de contas quando do lançamento de ofício. Inteligência dos arts. 20, 23 e parágrafo único, e 24 da LC n. 87/1996". No caso concreto, a empresa foi autuada pelo estado de São Paulo e possuía crédito escritural de ICMS. A empresa pleiteou a anulação do auto de infração, sobre o argumento de que, à época do lançamento fiscal, possuía saldo credor de ICMS em montante superior aos débitos apurados pelo Fisco, de modo que caberia à autoridade fiscal, em atenção à regra da não cumulação, realizar a compensação dos valores. O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que é direito do contribuinte utilizar créditos extemporâneos para saldar débitos de ICMS no momento da regular escrituração, nos termos do artigo 61, do RICMS-SP. Todavia, "a existência de saldo credor na escrita fiscal do contribuinte não impõe à fiscalização o dever de promover espontaneamente à compensação deste com eventuais débitos apurados". Em que pese ao decidido, o STJ analisou o caso sobre o prisma do direito potestativo do contribuinte em utilizar os créditos de ICMS. Com a devida vênia, o STJ deveria ter analisado a situação sobre o prisma do lançamento de ofício realizado pelo Fisco paulista. Conforme o Código Tributário Nacional (CTN), o lançamento de ofício é realizado em circunstâncias específicas, e, naturalmente, não pode ensejar em uma cobrança irregular pelo Fisco. A lavratura de auto de infração, em razão da constatação de débitos de ICMS, deve levar em consideração a própria sistemática do cálculo do imposto, em função da regra da não cumulação, sendo necessária a apuração do quantum em livro próprio onde se confrontem créditos e débitos do imposto. O Fisco tem acesso ao livro escritural do contribuinte; com esta informação, em nenhuma hipótese pode a Fazenda simplesmente desconsiderar o saldo credor de ICMS ao realizar o lançamento de ofício, lavrar um auto de infração e cobrar do contribuinte crédito tributário que nem sequer existiria, não fosse pela conveniência do Fisco. Este é o entendimento de um outro julgado do próprio STJ, qual seja, o REsp n° 1.250.218. O lançamento de ofício, conforme o artigo 149 do CTN, basicamente é feito no caso de o contribuinte não ter realizado o lançamento, ou para corrigir eventual lançamento realizado pelo contribuinte. O direito tributário tem o seu alicerce na regra da legalidade; tal regra é a que veda que o Fisco se aproprie de valores que não correspondam com exatidão ao crédito tributário que lhe pertence. O artigo 142 do CTN dispõe que lançamento é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido. Interpretando sistemicamente os artigos 142 e 149, bem como sabendo que o Fisco não pode lançar valores indevidos, tendo em vista o princípio da legalidade, é notório que ele não pode desconsiderar saldo credor na escrita fiscal para lançar débito de ICMS. Caso o leitor ainda não esteja convencido, em última análise, o ato de o Fisco, ao realizar o lançamento de ofício, desconsiderar o saldo credor de ICMS existente na escrita fiscal do contribuinte, é um ato muito conveniente, o que não se pode admitir da administração pública, devido ao princípio da confiança que nela se deposita. Fazendo uma analogia com a legislação federal, em se tratando de quando o contribuinte possui crédito a ser ressarcido ou restituído pelo Fisco, este, antes de entregar os valores ao contribuinte, verifica a ausência de débitos em nome do sujeito passivo credor, conforme o artigo 73 da Lei n° 9.430/96. É evidente que este procedimento trata da relação entre o contribuinte e a Fazenda Nacional. Todavia, é um ato com decorrência lógica, já que os mesmos sujeitos são entre si credores e devedores; é a materialização do princípio da eficiência na administração pública. Todavia, voltando ao julgado do STJ, entendemos que a análise do caso deveria ter sido feito sobre o prisma da finalidade do lançamento de ofício, e, neste caso, é evidente que proceder lançamento de ofício desconsiderando saldo credor escriturado é uma violação do artigo 142 do CTN, já que não houve o devido cálculo do montante devido do tributo.
2023-09-21T17:22-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/freitas-leite-encontro-contas-lancamento-icms
tributario
desempate fiscal
Sancionada lei que traz retorno do voto de qualidade no Carf
Foi publicada, nesta quinta-feira (21/9), a Lei 14.689/2023, que estabelece o retorno do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), no exercício da Presidência, sancionou a norma nesta quarta-feira (20/9), com 15 vetos. A lei prevê que, em caso de empate nos julgamentos de disputas tributárias do Carf, o voto decisivo será dos presidentes das sessões — posição sempre ocupada por representantes do Fisco. Tal regra vigorou até 2020, quando outra lei estabeleceu o desempate sempre a favor do contribuinte no Carf. Já no último mês de janeiro, a Medida Provisória 1.160/2023 trouxe o voto de qualidade de volta, mas acabou caducando. Finalmente, em agosto, o Congresso aprovou seu retorno definitivo. A nova lei também autoriza o contribuinte a quitar a dívida sem juros e em 12 parcelas após perder um julgamento no Carf pelo voto de qualidade. Para a mesma situação, também permite a negociação dos débitos inscritos em dívida ativa da União. Além disso, contribuintes com grande capacidade de pagamento (como grandes empresas) não precisarão apresentar garantia para acionar a Justiça quando o Carf der ganho de causa à União por meio do voto de desempate. Alckmin vetou trechos que alteravam a Lei de Execução Fiscal. Ele excluiu, por exemplo, a permissão para que o contribuinte executado oferecesse garantia somente do valor principal da dívida (o que deixaria de fora encargos e juros). Segundo o vice-presidente, isso alteraria toda a sistemática atual de execução. Com informações da Agência Câmara.
2023-09-21T11:44-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/sancionada-lei-traz-retorno-voto-qualidade-carf
tributario
Risco duplo
STF vai decidir sobre crédito de ICMS em operação de combustíveis
O Supremo Tribunal Federal vai decidir se a manutenção do crédito de ICMS relativo às operações internas anteriores à que destina combustível derivado do petróleo a outro estado é constitucional. A matéria é objeto de recurso extraordinário (RE) com repercussão geral (Tema 1.258). O tema diz respeito à operação de distribuidora que adquire combustíveis derivados de petróleo de outra pessoa jurídica situada no mesmo estado (operação interna) e, quando verifica situação favorável, vende parcela desses produtos para outro estado. Em razão da operação interna, ela se credita do ICMS e, por ocasião da operação interestadual, não estorna o crédito. Assim, a questão é saber se o estado de origem pode manter o ICMS referente às operações anteriores à interestadual, sobre a qual não incide o imposto. O recurso foi interposto por uma distribuidora de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça local que permitiu ao estado de origem manter o imposto referente às operações anteriores à interestadual. Para a empresa, esse entendimento viola o princípio da não cumulatividade, pois resulta na dupla tributação do produto. A distribuidora sustenta que caberia exclusivamente ao estado de destino da mercadoria todo o imposto sobre os combustíveis, desde a produção até o consumo. Manifestação Para o relator do recurso, ministro Dias Toffoli, a matéria afeta as atividades de um relevante ramo da economia nacional e merece ser examinada pelo Supremo na sistemática da repercussão geral, a fim de conferir unidade na interpretação das normas constitucionais apontadas como violadas. Com informações da assessoria de imprensa do STF. RE 1.362.742
2023-09-21T08:24-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/stf-decidir-credito-icms-operacao-combustiveis
tributario
precedente inédito
Não cabe ao Fisco presumir indedutibilidade tributária do ágio interno
Não cabe ao Fisco impedir a dedutibilidade do ágio da base de cálculo de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IPRJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) quando o mesmo é decorrente da relação entre partes dependentes (ágio interno) ou materializado via empresa-veículo. Com esse entendimento, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pela Fazenda, que tinha como objetivo tributar a operação de aquisição da Cremer pelo grupo internacional Merril Lynch. O acórdão foi publicado nesta terça-feira (19/9). Os controladores da Cremer criaram uma empresa-veículo chamada Cremerpar, para viabilizar a reorganização societária. A Merril Lynch aportou recursos nessa nova pessoa jurídica, que realizou Oferta Pública de Ações (OPA). Posteriormente, a Cremerpar foi incorporada pela Cremer. O ágio surgiu a partir da diferença entre o valor de avaliação do patrimônio líquido da Cremer, que era negativo, e os valores despedidos pela adquirente. Ou seja, o valor da aquisição foi superior ao valor patrimonial contábil do investimento. Ao avaliar o caso, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região validou a reorganização e permitiu que o ágio amortizado fosse deduzido da base de cálculo de IRPJ e CSLL. A Fazenda recorreu ao defender que houve a criação de despesas com o objetivo de afastar indevidamente a tributação. É a primeira vez que o colegiado se debruça sobre o tema. Relator, o ministro Gurgel de Faria apontou que o caso se resolve pela interpretação dos artigos 7º e 8º da Lei 9.532/1997, que preveem exceção à regra da indedutibilidade do ágio para fins de apuração de ganho ou perda de capital. Em sua análise, a lei admitiu a dedução fiscal do ágio na hipótese de absorção patrimonial de pessoa jurídica da qual se detenha participação societária. Basta que o ágio seja justificado pela rentabilidade futura do investimento; que, após a aquisição, haja incorporação da controlada pela controladora, ou vice-versa; e que seja respeitado o limite de amortização de 1/60 por mês. Para a Fazenda, a norma gerou a possibilidade de blindagem ao aproveitamento do ágio fictício e defendeu que a fruição do ganho tributário dependeria da demonstração da existência de propósito negocial no caso concreto. Segundo o ministro Gurgel, a interpretação da Fazenda é legítima, mas não basta para impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre partes dependentes (ágio interno) ou quando o negócio é praticado por meio de empresa-veículo. “Ou seja, não é dado presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações societárias são desprovidos de fundamento material/econômico”, afirmou. Primeiro porque a lei nunca vedou o uso de sociedade-veículo. Segundo porque caberia ao Fisco demonstrar, caso a caso, a artificialidade das operações, como as absolutamente simuladas. “Não há proibição legal para que uma sociedade empresária seja criada como "veículo" para facilitar a realização de um negócio jurídico; inclusive há razões reais ("propósito negocial") para tanto, pois é possível que as pessoas jurídicas originais queiram manter sua segregação por diversas razões (estratégicas, econômicas, operacionais...)”, explicou o relator. No caso concreto, a conclusão é de que a Fazenda não demonstrou que as operações entabuladas pela Cremer foram atípicas, artificiais ou desprovidas de função social. Em vez disso, o acórdão do TRF-4 aponta que a criação da Cremerpar teve propósito negocial, necessário para a reorganização societária da Cremer, e não exclusivamente a geração de ágio, como decidido pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Clique aqui para ler o acórdão REsp 2.026.473
2023-09-21T07:32-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/nao-cabe-fisco-presumir-indedutibilidade-tributaria-agio-interno
tributario
Opinião
Opinião: Regime fiscal das subvenções para investimento
Em 30 de agosto de 2023, o governo executivo publicou a Medida Provisória nº 1.185 que modifica, em diversos aspectos, o regime fiscal das subvenções, que incluem os benefícios fiscais de ICMS em sentido amplo. Em resumo, a norma, que passará a surtir efeitos a partir de janeiro de 2024, insistiu um regime fiscal totalmente novo, revogando a possibilidade de exclusão das receitas de subvenção diretamente da base de cálculo dos IRPJ, da CSLL e da contribuição ao PIS e da Cofins, modelo que já estava em vigor há mais de quatro décadas. A MP 1.185 estabelece o modelo de créditos , calculado com base na alíquota do IRPJ (em geral, 25%), válidos apenas para receitas de subvenção reconhecidas até dezembro de 2028. Portanto, mesmo havendo a possibilidade de aproveitamento dos créditos previstos na MP 1.185, haverá um efetivo aumento da carga fiscal em comparação ao antigo modelo, em que havia a isenção não apenas do IRPJ, mas, também da CSLL (devida, como regra, à alíquota de 9%) e da contribuição ao PIS e da Cofins (devida, em geral, à alíquota combinada de 9,25% no regime não-cumulativo). Além disso, o novo regime exclui as chamadas subvenções para custeio — aquelas concedidas pelo ente governamental sem contrapartida ao contribuinte — do escopo do crédito, de modo que esses benefícios passariam a ser tributados integralmente, sem qualquer contrapartida por parte do governo. O novo regime prevê limitações temporais para a utilização do crédito que devem impactar o fluxo de caixa das sociedades. Isso porque, créditos somente poderão ser utilizados após a conclusão da obra de implantação ou expansão do empreendimento econômico que motivou a concessão do benefício fiscal. Mesmo que o contribuinte conclua a obra no mesmo ano em que recebe a subvenção, a lei prevê uma "carência" para utilização dos créditos apenas a partir do ano seguinte ao de reconhecimento das receitas de subvenção. Assim, os contribuintes que recebam incentivo dos governos federais, estaduais ou municipais em contrapartida à implementação de investimento, devem, num primeiro momento oferecer à tributação os valores referentes a tal subvenção, no período do recebimento e, somente quando concluída a implantação do empreendimento (e observados os demais requisitos formais da MP 1.185), poderão reconhecer os créditos para, em um momento posterior, pleitear a compensação/ressarcimento destes. Em resumo, o que a MP 1.185 impõe na prática é a classificação dos valores dos benefícios estatais como verdadeiras receitas tributáveis no momento de seu recebimento, que podem vir a gerar créditos para compensação com tributos federais ou serem ressarcidas em dinheiro, observados os requisitos dispostos na norma. Trata-se de uma possível ofensa à própria natureza jurídica das subvenções, pois, parece-nos que esses valores seriam, por natureza, grandezas fora do campo de incidência tributária dos referidos tributos. Ainda, o modelo de creditamento proposto traz complicações, de ordem burocrática — como a necessidade de habilitação do contribuinte e adição de etapa do pedido administrativo para compensação ou ressarcimento para efetiva utilização do crédito — e de eficiência na garantia da neutralidade fiscal das subvenções. Importante destacar que a 1ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) já havia consolidado o seu entendimento no sentido de que os benefícios fiscais de crédito presumido de ICMS não poderiam ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL (REsp nº 1.517.492/PR, julgado em outubro de 2017). O interessante acerca do entendimento da Corte é o racional aplicado: tributar subvenções seria uma ofensa ao pacto federativo, pois permitir a incidência de tributos federais sobre os benefícios estaduais seria um esvaziamento do benefício que o ente estadual pretendia oferecer. A MP 1.185 deve respeitar essa decisão. As outras modalidades de benefícios fiscais de ICMS (diferimento, redução de alíquota ou base de cálculo, isenção) foram objeto de decisão do Superior Tribunal de Justiça em caráter erga omnes, no julgamento do Tema 1.182, abril de 2023 (que ainda não é definitiva em virtude de embargos de declaração apresentados). Nessa ocasião, a corte decidiu pela não incidência do IRPJ e da CSLL sobre esses benefícios fiscais de ICMS desde que preenchidos os requisitos legais (artigos 10 da Lei Complementar nº 160/2017 e 30 da Lei nº 12.973/2014). A decisão do Superior Tribunal de Justiça também afastou a exigência de demonstração de estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico em contrapartida do benefício de ICMS como condição à dedutibilidade das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Pode-se inferir que o conteúdo da recente decisão do STJ, proferida em caráter vinculante a terceiros, foi praticamente esvaziado em vista do novo regime imposto pela MP 1.185. A imposição de modelo novo, via medida provisória, em sentido oposto ao arcabouço construído ao longo de decisões judiciais e evoluções legislativas no tempo, impõe ao contribuinte um cenário de insegurança jurídica, havendo, sem dúvidas, a possibilidade para o questionamento de sua legitimidade contribuintes por diversos ângulos.
2023-09-21T06:31-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-21/opiniao-regime-fiscal-subvencoes-investimento
tributario
Opinião
Ralf França: Cumulatividade de impostos é entrave a ser superado
A problemática da cumulatividade de impostos é um tema que há décadas afeta a trajetória e a produtividade de empresas no Brasil, seja por meio de tributos que carregam em sua origem o princípio cumulativo — um exemplo clássico envolve as contribuições do PIS e da Cofins para negócios optantes do regime de lucro presumido — ou do ICMS (que, ainda que se oriente pela não cumulatividade, tem na fragilidade do sistema de aproveitamento de créditos e concessão de benefícios fiscais, como se sabe, uma das raízes para a chamada guerra fiscal entre os estados).  A ineficiência do modelo de aproveitamento de créditos — e a consequente insegurança jurídica por ela gerada — se reflete também na complexidade do cálculo de impostos como as próprias PIS/Cofins. Como elucidação desse cenário, é válido frisar o recente revés aos contribuintes diante da promulgação da Lei 14.592/23 que exclui ICMS da base de cálculos dos créditos do PIS e da Cofins e, na prática, abre-se espaço para a dupla tributação na cadeia produtiva.   E isso porque, antes da Lei 14.592/23, as empresas pagavam o valor correspondente ao ICMS do PIS e da Cofins na compra de insumos para a produção de um bem comercializável e na venda desse bem, era possível gerar e aproveitar créditos; agora, com a exclusão do ICMS, o único caminho para as organizações tem sido o questionamento, nos tribunais, da inconstitucionalidade da medida.  Dentro desse contexto, um dos principais objetivos da Reforma Tributária que segue em debate no Senado é, justamente, o de superar o obstáculo da cumulatividade e simplificar o sistema de impostos do país por meio da criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) de base uniforme e ampla que, facilita, dentre outros pontos, o modelo de geração de créditos, tendo-se em vista a extinção das possibilidades de dupla tributação na cadeia produtiva do país.   Mas esse objetivo será, de fato, conquistado com a reforma?      Cumulatividade de impostos: uma síntese Antes de analisarmos essa questão, é válido esmiuçarmos, brevemente, como se dá a cumulatividade de impostos no país. Em síntese, ela ocorre quando uma empresa paga um tributo em mais de uma etapa da cadeia produtiva, gerando o também conhecido "imposto em cascata", que tem por consequência a elevação do custo operacional das empresas e o preço final de produtos e serviços para os consumidores.  Assim, um dos mecanismos aplicados pela legislação tributária do país para evitar a cumulatividade — uma vez que ela fere o princípio constitucional da não-cumulatividade — consiste na geração de créditos para a compensação de tributos já pagos em outro momento da cadeia produtiva.   No entanto, conforme exposto anteriormente, há fragilidades no modelo atual dos impostos sobre o valor agregado que incluem, por exemplo, a definição dos limites para a base de cálculo dos créditos tributários.  Enfrentamento da questão pela reforma tributária: benefícios e desafios A criação de normas amplas e uniformes para a instituição do IVA, ao menos em parte, pode contribuir para sanar o desafio da cumulatividade, com o imposto sendo cobrado única e exclusivamente sobre o consumo. No entanto, há algumas questões que ainda precisam ser enfrentadas.  Uma delas envolve o fato de que as definições para a aplicação da não-cumulatividade plena só virão por meio de Lei Complementar, de modo que é preciso aguardar o texto futuro para um devido entendimento de sua amplitude e eficácia.  Outro ponto importante é o de que, no texto da reforma, há a observação de que a compensação de impostos não ocorrerá sobre os bens considerados "de uso ou consumo pessoal". Quais serão esses bens, serviços e limites? Haverá espaço para novas celeumas tributárias ou a questão será, de fato, resolvida?  Ainda é cedo para afirmar. De positivo, convém observar que, em seu aspecto geral, a própria simplificação e redução do número de impostos propostos pela reforma tende a reduzir os custos para a cadeia produtiva do país e minimizar os impactos da cumulatividade fiscal, potencialmente gerando mais competitividade para as empresas nacionais.  Resta saber a amplitude desses efeitos nos próximos capítulos da reforma.
2023-09-22T21:37-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-22/ralf-franca-cumulatividade-impostos-entrave-superado
tributario
Opinião
Anna Anastasia: Apostas online e arrecadação
Muito tem sido discutido após a edição da Medida Provisória nº 1.182/2023, que regulamenta as apostas de quota fixa — apostas esportivas —, sobretudo em razão da expectativa de arrecadação pela União, que pretende se valer de tais recursos para equilibrar a balança financeira. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda veiculadas na mídia, o governo federal espera arrecadar até R$ 15 bilhões, embora admita que esses cálculos levem em consideração uma perspectiva conservadora. Apesar disso, pouco se fala sobre algumas condicionantes para a concretização desse volume de recursos e o fato de que a mencionada arrecadação se desenha até o momento apenas como mera expectativa.  Isso porque um tema que certamente gerará muito debate é a territorialidade das apostas realizadas de forma online por meio de sites e aplicativos de celular e os embates que se estabelecerão entre a União e os estados da federação quanto à exploração deste serviço público.  Quando do julgamento das ADPFs nº 492 e 493, em conjunto com a ADI nº 4.986/MT, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em 2020, que os estados-membros têm legitimidade para explorar o serviço público de loterias, desde que respeitados os limites da legislação federal sobre o tema. Desde então, os estados, encarando tal decisão como uma grande oportunidade de arrecadação, têm preparado o terreno para a exploração consistente deste serviço.  O entendimento adotado pelos ministros do STF naquela ocasião foi pautado justamente pela análise da repartição de competências, na forma como são expressas no texto da Constituição – entendeu-se que o pretenso monopólio da União na exploração do serviço público de loterias viola a competência material dos estados, no sentido de que estes entes da federação detêm uma "competência residual", ou seja, a eles são reservadas as competências que não forem exclusivas da União ou dos municípios.  Acompanhando este movimento, a edição da MP nº 1.182/2023 se prestou a regulamentar a Lei nº 13.756/2018, que até então mantinha a modalidade de apostas de quota fixa em um limbo que não favorecia a nenhum dos agentes envolvidos — a empresa que disponibiliza tal modalidade, o apostador ou, ainda, a administração pública.  Atualmente tem sido veiculado que a União pretende licenciar todas as empresas que detenham os requisitos mínimos para operar as apostas esportivas, projetando, assim, uma arrecadação bilionária aos cofres públicos. No entanto, a questão não é tão simples, já que cada um dos estados e o Distrito Federal poderão explorar tal modalidade de forma concomitante em seu respectivo território. Isso significa que a União poderá emitir autorizações para todas as empresas que se interessem em explorar as apostas esportivas, em todo o território brasileiro, cobrando, a título de outorga, determinada porcentagem das arrecadações do operador. Não haveria nenhuma intercorrência para a União, não fosse o fato de que cada um dos estados poderá licenciar as empresas do mesmo segmento, para a exploração da mesma atividade, por um percentual mais baixo e, por conseguinte, mais atrativo ao parceiro privado, o que, por si só, alteraria a estimativa de arrecadação já projetada pelo governo federal.  Não fosse o bastante, em agosto de 2023 verificou-se o primeiro embate entre a Caixa Econômica Federal, que explora as loterias em âmbito federal, e a Loteria do Estado do Rio de Janeiro, autarquia criada na década de 1940 e em funcionamento desde então.  Esta autarquia publicou edital de chamamento público a fim de credenciar interessados em explorar este serviço, incluída a modalidade de apostas de quota fixa. Nada que não tenha sido feito por outros estados da federação, não fosse um detalhe: o entendimento particular da Loteria do Rio de Janeiro, no sentido de que as apostas online dependerão de mera declaração no ato da aposta, de que ela está sendo realizada no estado do Rio de Janeiro, sem a necessidade de se verificar a sua geolocalização naquele momento.  Isso significa que um apostador localizado em Roraima poderá efetuar apostas esportivas valendo-se da Loteria do Rio de Janeiro apenas selecionando esta opção e dando ciência de que tal aposta será considerada como realizada no território do Rio de Janeiro. Na prática, isso cria uma concorrência que mina quaisquer estimativas de receitas elaboradas pela União e pelos próprios estados-membros.  Para adicionar mais um ângulo nesta trama, alguns municípios (como Guarulhos e Belo Horizonte) têm ensaiado instituir suas próprias loterias — tema para outra análise, já que, a priori, eles não detêm competência para essa exploração —, situação que geraria ainda mais transtornos aos entes que, de fato, podem operar as loterias. Ainda que forçosa a interpretação dos municípios, o tema deve ser objeto de atenção imediata. Não se olvida, no entanto, que este serviço público tem contornos sui generis e, dadas suas peculiaridades, discussões como estas tendem a atrasar ainda mais as vantagens que poderiam advir da sua implantação adequada. A União está considerando a concorrência com os próprios estados quando estima eventual receita? Quais os limites de exploração por cada estado? Questões como essas deverão ser tratadas com atenção. Não há dúvidas de que a exploração dos serviços de loteria é uma oportunidade de ampliar a arrecadação sem impactos diretos nos contribuintes, mas há de se ter cuidado com algumas premissas ainda não discutidas.
2023-09-22T20:37-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-22/anna-anastasia-apostas-online-arrecadacao
tributario
Opinião
Mary Queiroz: Reforma tributária, um salto no escuro
Sou a favor de uma reforma tributária que traga simplificação, transparência e equilíbrio entre a arrecadação e a obrigação de pagar tributo. Não é isso o que foi aprovado, porém, e ainda há muita promessa no ar. É que lei complementar irá dizer tudo, isto é, foi dado um salto no escuro. Aprovou-se um novo sistema em que se desconhece até a alíquota do tributo (25% ou 30%). Não se pode aprovar uma reforma sem saber quanto vai se pagar. É certo que haverá aumento para quem paga. E a longa transição? É porque não se sabe o impacto na economia, sobre contribuintes e arrecadação. Estados e municípios perderão a autonomia e ficarão à mercê de um conselho e de um fundo. Há muita promessa de geração de emprego e de mais investimentos, sem dizer como, quando e quanto. Impossível se prever todas as variáveis econômicas, inclusive, internacionais. O Conselho Federativo (Conselhão) será o quarto poder do país? Ele terá mais poder do que o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e os estados e municípios, e estes ficarão dependendo dos 54 membros do conselho. A simplificação vai demorar, pois são mais de 150 alterações constitucionais com complexidade tributária, além de precisar de lei complementar e de outras normas. Durante oito anos, serão dez tributos. Some-se a complexidade atual com a dos cinco novos, e a reforma terminará daqui a 52 anos. Quem viver verá? Foi aprovada a eliminação de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e criados outros cinco: dois sobre valor agregado: o IVA dual, dividido em CBS (IVA Federal); o IBS (IVA subnacional), para estados, Distrito Federal e municípios; e o IS seletivo para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (quais?). Continua o IPI (alíquota zero por oito anos) e continua a contribuição sobre iluminação pública. Foi permitido criar uma contribuição cumulativa, com tributação na origem e incidindo sobre exportações, para os estados sobre produtos primários e semielaborados que incidirá sobre todos os tributos (novos litígios). Sobre a não cumulatividade que se diz plena, a compensação de débitos e créditos poderá ocorrer somente quando comprovado o pagamento do IBS, mais problemas para os adquirentes, inclusive indústria e comércio, que poderão não se creditar de tudo (há restrições para bens de uso e consumo) e todos deverão aguardar o vendedor pagar para compensar o crédito ou o adquirente pagar para compensar (inacreditável) e o IS será cumulativo. Os créditos acumulados em 2032 somente serão devolvidos em 20 anos. Surgem problemas para os prestadores de serviços: a maior parte dos seus custos é mão de obra que não gera crédito. A carga será exorbitante, poderá majorar de 200% a 600%. É equivocado pensar que é rico quem consome serviço, todos são consumidores e ainda irá onerar a cadeia intermediária. A tributação do serviço não era menor (ideia errada), apenas diferente, o setor é o maior gerador de empregos e poderá estar no meio da cadeia onerando indústria e comércio. O novo modelo irá pesar no bolso do consumidor final que pagará a conta, especialmente a classe média, os mais pobres terão a devolução do imposto (quem? como? quanto?). Precisa ser esclarecido como funcionará o fundo para compensar as perdas estaduais/municipais. Com o IVA dual os estados perderão a capacidade de reduzir alíquotas e dar benefícios do ICMS para atrair investimentos, o dinheiro será distribuído por meio de cotas, mas não está claro o quanto cada estado e município irá perder ou ganhar. Há ainda o fundo nacional de desenvolvimento regional que ficará na mão da União para decidir como serão dados incentivos para o desenvolvimento de regiões menos favorecidas que ficarão de pires na mão. Está prevista uma redução em até 60% do IVA dual para bens e serviços específicos, como: transporte público, medicamentos, dispositivos médicos, educação, agropecuária, alimentos e produtos de higiene pessoal; e atividades artísticas e culturais. Mesmo 60%, é um grande aumento, sem crédito. Sobre o Simples Nacional, embora não seja extinto o regime, isso tenderá a acontecer. Se permanecerem as alíquotas atuais, os créditos dados serão baixos, afetando a concorrência entre elas e as demais empresas. Sair do Simples e ter uma tributação mais alta não é uma opção viável, pois o aumento afetará mais de 90% das empresas nacionais. É preciso entender como ficarão regiões menos favorecidas que hoje têm incentivos fiscais, como a Zona Franca de Manaus e o Nordeste. Ficarão à mercê de um fundo com impacto muito maior no desenvolvimento do país? O sistema financeiro, operações com imóveis, planos de saúde e loterias terão um regime específico e diferenciado, mas qual e por quê? Esse é um item crítico, apesar de a justificativa ser a de que o setor tem operação complexa, que não tem crédito e pode gerar aumento para o usuário. Ora, as sociedades de profissão regulamentada como de tecnologia, médicos, engenheiros, contabilistas e advogados, por exemplo, também são assim e não terão tratamento diferenciado. Além disso, o texto não deixa claro que tipo de benefício seria esse, o que só piora a situação e exige esclarecimentos. Avanços importantes foram a unificação da legislação, tributação por fora e imposto no destino (para o IVA dual), a cesta básica nacional (quais produtos?), questão ambiental, produtos da saúde menstrual. Cuidado com a importação acrítica de modelos, pois aqui a realidade é diferente, com 27 unidades federativas e 5.568 municípios. Agora com a palavra o Senado, ao qual caberá ajustar a proposta, sob pena da ineficiência do modelo!
2023-09-22T19:14-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-22/mary-queiroz-reforma-tributaria-salto-escuro
tributario
Anterioridade em debate
STF define marco para ICMS-Difal a consumidor não contribuinte
O Supremo Tribunal Federal vai discutir a aplicabilidade dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal (90 dias) à cobrança do Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Difal/ICMS) nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte, após a vigência da Lei Complementar 190/2022. Tratada em recurso extraordinário, a matéria teve repercussão geral reconhecida por unanimidade pelo Plenário da corte (Tema 1.266). No processo, o STF analisará se o ICMS-Difal aplicado nas vendas a consumidor final (não contribuinte de ICMS) poderá ser cobrado desde 2022 ou somente desde 1°/1/2023, já que a Lei Complementar 190/2022, que regulamentou a matéria, foi publicada em 5/1/2022. O caso teve origem em mandado de segurança impetrado por uma empresa do Ceará para não recolher o ICMS com diferencial de alíquota (Difal) nas saídas interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes no exercício de 2022. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) acolheu a pretensão ao concluir que a Lei Complementar 190/2022 deve observar as regras da anterioridade anual e nonagesimal (artigo 150, inciso III, alínea "b", da Constituição) porque resultou, de forma direta, em carga tributária maior. Porém, segundo o TJ-CE, a cobrança somente deve ser feita a partir do exercício financeiro seguinte, ou seja, desde 1°/1/2023, uma vez que a lei foi publicada em 5/1/2022. Ao se manifestar pela repercussão geral, a relatora, ministra Rosa Weber, presidente do STF, assinalou que a questão constitucional ultrapassa o interesse das partes, alcançando outras unidades da federação. Ela ressaltou que a Secretaria de Gestão de Precedentes do STF identificou 411 recursos semelhantes em trâmite apenas no âmbito da Presidência desde abril deste ano, quando se iniciou o monitoramento de sua repetitividade. Com informações da assessoria de imprensa do STF. RE 1.426.271
2023-09-22T08:23-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-22/stf-define-marco-icms-difal-consumidor-nao-contribuinte
tributario
Direito do Agronegócio
IRPJ/CSLL e royalties na produção de sementes
Em outra oportunidade nesta coluna já tratamos da possibilidade de crédito de PIS/Cofins no regime não cumulativo, como insumo, quanto ao pagamento de royalties na produção de sementes [1]. Os royalties na cadeia de produção de sementes possuem, também, uma significativa discussão quanto ao repasse sem tributação ou dedução como despesa de tais pagamentos pelas produtoras para fins de IRPJ e CSLL no lucro real. Isto porque, a Receita Federal possui posicionamento no sentido de que, segundo artigo 74, da Lei nº 3.470/58[2], artigo 12, da Lei nº 4.131/1962[3] e artigo 6º do Decreto-Lei nº 1.730/69[4], haveria uma limitação quanto ao percentual de dedução. Neste sentido, sustentando a vigência da Portaria MF 436/58, a dedutibilidade seria de 1%, como se pode notar de Solução de Consulta Disit nº 40/2011: SOLUÇÃO DE CONSULTA DISIT/SRRF07 Nº 40, DE 04 DE MAIO DE 2011. (Publicado(a) no DOU de 22/06/2011, seção 1, página 35) ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ EMENTA: ROYALTIES. PERCENTUAL MÁXIMO DE DEDUÇÃO. SEMENTE DE SOJA GENETICAMENTE MODIFICADA. A subsidiária com sede no País pode remeter royalties a título de patentes de invenção à sua matriz no exterior até o limite máximo fixado por ato do Ministro da Fazenda, hoje fixado pela Portaria MF nº 436, de 1958. A pesquisa e produção de semente de soja geneticamente modificada para posterior comercialização não encontra enquadramento em nenhum dos grupos relacionados na Portaria MF n º 436, de 1958, haja vista que os royalties são devidos pela utilização de uma patente que visa gerar um produto mediante um processo biotecnológico, processo esse sem semelhança com qualquer atividade ou produção constante da retrocitada Portaria. A pessoa jurídica cujo tipo de produção não puder ser enquadrado nos grupos indicados na Portaria MF nº 436, de 1958, deverá solicitar a sua inclusão, mediante requerimento ao Diretor da Divisão de Tributação do Imposto de Renda e, enquanto não ocorrer a inclusão, deverá aplicar o percentual mínimo correspondente a 1% (um por cento). DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 4.131, de 1962, arts. 12 e 14; Lei nº 4.506, de 1964, art. 52; Lei nº 8.383, de 1991, art. 50; Decreto nº 3.000, arts. 352 a 355, e Portaria MF n º 436, de 1958."[5] Esta interpretação, em verdade, sempre nos pareceu totalmente equivocada, pois, nos termos do texto constitucional, caberia buscar o fomento e incentivo à cadeia do agronegócio (art. 187, CF)[6], como também à inovação (artigo 218 e ss, CF). Estaria, portanto, na contramão de tais propósitos do texto constitucional. Além disso, de forma mais específica, o equívoco se justifica a partir das seguintes razões que citamos explicativamente: (i) – entendemos que o artigo 71 da Lei nº 4.506/74 revogou tacitamente o artigo 74 da Lei nº 3.470/58, de modo que não haveria limite à dedução [7]; (ii) – diante do formato jurídico da operação, o multiplicador de sementes, em verdade, nem mesmo auferiria, de fato e de direito, receita e, por conseguinte, renda como acréscimo patrimonial, pois somente faria o repasse do pagamento feito pelo produtor rural às pessoas jurídicas detentoras de tais direitos; (iii) – a restrição  de dedução, para o perfil da operação de produção de sementes, limitando drasticamente os valores pagos, levaria até mesmo à violação da noção jurídica de renda líquida para as pessoas jurídicas no lucro real, bem como confisco e capacidade contributiva, uma vez que referido montante representaria parcela significativa da despesa usual, normal e necessária da produção; (iv) – poder-se-ia, ainda, compreender que tais pagamentos não se confundiriam com os royalties supostamente limitados pela legislação, tendo disciplina própria ligada aos cultivares (Lei nº 9.459/97). Vale esclarecer que o tema, inclusive, é objeto de contencioso administrativo fiscal, tendo decisões da DRJ, embora inexista precedente no Carf: "DESPESAS COM ROYALTIES. LIMITE DE DEDUÇÃO. As somas das quantias devidas a título de royalties pela exploração de patentes de invenção ou uso de marcas de indústria ou de comércio, e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas como despesas operacionais até o limite máximo de um percentual (estabelecido e revisto periodicamente, mediante ato do Ministro de Estado da Fazenda) da receita líquida das vendas do produto fabricado ou vendido." [8] Felizmente, nos parece que suposta discussão, a partir de recentes alterações legislativas, resta como solucionada ou encerrada. Houve recente publicação da Lei n. 14.596/2023, a qual revoga, expressamente, os seguintes dispositivos legais (artigo 46), a partir de janeiro de 2024: (i) - artigo 74 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958; (ii) - Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962: a) artigo 12; e b) artigo 13; (iii) - Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964: a) artigo 52; e b) alíneas "d", "e", "f" e "g" do parágrafo único do artigo 71. [9] Com isso, as limitações específicas no tocante à dedutibilidade dos royalties foram revogadas, cabendo somente observar a regra geral, isto é, devendo ser usual, normal e necessária à manutenção da fonte produtiva. A controvérsia, portanto, estaria solucionada para o setor. Todavia, ainda restaria o passado. Mais uma vez, restabelecendo a adequada interpretação da legislação, e, principalmente, a segurança jurídica, tivemos a publicação da recente Lei nº 14.689, de 20 de setembro de 2023, a qual, em seu artigo 11, ao alterar o artigo 13, da Lei n. 9.249/95, preceitua: "§ 3º Para fins de interpretação, na forma do inciso I do caput do art. 106 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e de apuração do lucro tributável da pessoa jurídica que atua na multiplicação de sementes, os limites de dedutibilidade previstos no art. 74 da Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958, e no art. 12 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, não se aplicam aos casos de pagamentos ou de repasses efetuados a pessoa jurídica não ligada, nos termos do § 3º do art. 60 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, domiciliada no País, pela exploração ou pelo uso de tecnologia de transgenia ou de licença de cultivares por terceiros, dispensada a exigência de registro dos contratos referentes a essas operações nos órgãos de fiscalização ou nas agências reguladoras para esse fim específico." (NR) Equivale dizer: esta alteração legislativa, embora advinda em 2023, tem natureza interpretativa e, por conseguinte, com efeitos retroativos, reconhece que tais operações ligadas à multiplicação de sementes (produção), seja como dedução ou repasse aos titulares da tecnologia, não estariam sujeitas à limitação outrora existente quanto aos royalties, além de dispensar, pela mesma razão, o registro do contrato no INPI. Bem por isso, felizmente, de forma adequada, nos parece que todo o debate envolvendo referida temática resta solucionado, tendo em vista que, mesmo aquelas empresas que sofreram lançamentos de ofício, terão seus direitos resguardados, na medida em que esta alteração tem natureza interpretativa, sendo que o Carf (Conselho Administrativo de Recursos), em outras discussões, já aplicou dispositivos normativos semelhantes.[10] Em um período de tamanha voracidade fiscal, ao menos, uma boa notícia ao setor do agronegócio, restabelecendo a tão desejada segurança jurídica. [1] https://www.conjur.com.br/2022-fev-18/direito-agronegocio-piscofins-direito-credito-royalties-producao-sementes “in CALCINI, Fabio Pallaretti. Tributação no Agronegócio. Londrina: THOTH, IBDA/CONJUR, 2023. p.209 e ss. V. Também: CALCINI, Fabio Pallaretti. Jurisprudência Comentada. CONSELHO ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS. ROYALTIES. PIS/PASEP. COFINS. NÃO CUMULATIVIDADE. INSUMO. CRÉDITO. POSSIBILIDADE. Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo: RT, ano 27. V. 143. 2019. p. 293-297. [2] “Art 74. Para os fins da determinação do lucro real das pessoas jurídicas como o define a legislação do impôsto de renda, sòmente poderão ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de " royalties " pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% (cinco por cento) da receita bruta do produto fabricado ou vendido.§ 1º Serão estabelecidos e revistos periòdicamente mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções de que trata êste artigo, considerados os tipos de produção ou atividades, reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade. § 2º Poderão ser também deduzidas do lucro real, observadas as disposições dêste artigo e do parágrafo anterior, as quotas destinadas à amortização do valor das patentes de invenção adquiridas e incorporadas ao ativo da pessoa jurídica. § 3º A comprovação das despesas a que se refere êste artigo será feita mediante contrato de cessão ou licença de uso da marca ou invento privilegiado, regularmente registrado no país, de acôrdo com as prescrições do Código da Propriedade Industrial (Decreto-lei nº 7.903, de 27 de agôsto de 1945), ou de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, desde que efetivamente prestados tais serviços.” [3] “Art. 12. As somas das quantias devidas a título de "royalties" pela exploração de patentes de invenção, ou uso da marcas de indústria e de comércio e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas, nas declarações de renda, para o efeito do art. 37 do Decreto nº 47.373 de 07/12/1959, até o limite máximo de cinco por cento (5%) da receita bruta do produto fabricado ou vendido. § 1º Serão estabelecidos e revistos periodicamente, mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções a que se refere este artigo, considerados os tipos de produção ou atividades reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade.§ 2º As deduções de que este artigo trata, serão admitidas quando comprovadas as despesas de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, desde que efetivamente prestados tais serviços, bem como mediante o contrato de cessão ou licença de uso de marcas e de patentes de invenção, regularmente registrado no País, de acordo com as prescrições do Código de Propriedade Industrial.§ 3º As despesas de assistência técnica, científica, administrativa e semelhantes, somente poderão ser deduzidas nos cinco primeiros anos do funcionamento da empresa ou da introdução de processo especial de produção, quando demonstrada sua necessidade, podendo este prazo ser prorrogado até mais cinco anos, por autorização do Conselho da Superintendência do Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito.” [4] “ Art 6º - O limite máximo das deduções, estabelecido no artigo 12 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, será calculado sobre a receita líquida das vendas do produto fabricado ou vendido.” [5] No mesmo sentido: “SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 316, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2014. ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA. JURÍDICA – IRPJ. EMENTA: DESPESAS COM ROYALTIES. DEDUTIBILIDADE. LIMITE APLICÁVEL.” [6]https://www.conjur.com.br/2017-out-20/direito-agronegocio-tributacao-diferenciada-agronegocio-nao-privilegio “IN” CALCINI, Fabio Pallaretti. Tributação no Agronegócio. Londrina: THOTH, IBDA, CONJUR: 2023. p. 26 e ss. [7] CC (atual CARF), CSRF, AC. CSRF/01-04 046, j. 08/2002. Neste sentido: 1 CC, Ac. 105-14.640, j. 06/ 2005. [8] DRJRF08, Ac. 108-021.068, j. 27/09/2021. [9] Consta da exposição de motivos da MP 1.153/2022, convertida na Lei n. 14.596/2023: “  A proposta revoga as limitações hoje existentes para dedutibilidade dos pagamentos de royalties e serviços para beneficiários no exterior ou no País, que remonta à política fiscal brasileira traçada na década de 1950. As limitações introduzidas foram editadas num contexto de controle de capital da política cambial.”. [10] “Súmula CARF nº 157. Aprovada pela 3ª Turma da CSRF em 03/09/2019. O percentual da alíquota do crédito presumido das agroindústrias de produtos de origem animal ou vegetal, previsto no art. 8º da Lei nº 10.925/2004, será determinado com base na natureza da mercadoria produzida ou comercializada pela referida agroindústria, e não em função da origem do insumo que aplicou para obtê-lo. Acórdãos Precedentes: 9303-003.331, 9303-003.812, 3301-004.056, 3401-003.400, 3402-002.469 e 3403-003.551”.
2023-09-22T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-22/direito-agronegocio-irpjcsll-royalties-producao-sementes
tributario
Opinião
Opinião: MP 1.185 e benefícios fiscais da Sudam e Sudene
O governo federal publicou, no dia 31 de agosto de 2023, a Medida Provisória nº 1.185, que trata do crédito fiscal decorrente de subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico, tendo como intuito alterar as regras de aproveitamento desses benefícios e atingir o "déficit primário zero" em 2024. Originalmente, as subvenções para investimento não integravam a base de cálculo de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) — o que também era aplicável, por força dos artigos 9º e 10 da Lei Complementar 160/2017 e do posicionamento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), aos créditos presumidos de ICMS (EREsp 1.517.492) e aos benefícios fiscais do ICMS (Tema 1.182, se atendidos os requisitos legais). Todavia, a MP pretende instituir novo regramento fiscal aos benefícios decorrentes de subvenções de investimento, estabelecendo, em síntese, o seguinte: (1) que as empresas tributadas pelo regime do Lucro Real, a partir de 1º de janeiro de 2024, deverão passar a incluir as subvenções para investimento nas bases de cálculo de IRPJ, CSLL e PIS e Cofins, visto a revogação do parágrafo 2º do artigo 38 do Decreto‑Lei 1.598/1977, do artigo 30 da Lei 12.973/2014, do inciso X do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 10.637/2002 e do inciso IX do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 10.833/2003; e (2) autoriza, como "contrapartida", que as empresas devidamente habilitadas perante Receita Federal, que receberem subvenção dos entes federados (União, estados, Distrito Federal ou municípios) para implantar ou expandir empreendimento econômico, poderão apurar um "crédito fiscal" correspondente à alíquota do IRPJ (incluído o adicional), sobre o valor recebido a título de subvenção para investimento. No entanto, é preciso esclarecer se essa nova sistemática (eventualmente convertida em lei pelo Congresso Nacional) será aplicável a todo e qualquer benefício fiscal concedido pelos entes federativos. Explica-se. De acordo com o Pronunciamento 7, do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC‑07), "[u]ma subvenção governamental deve ser reconhecida como receita ao longo do período", de modo que ela "não pode ser creditada diretamente no patrimônio líquido". Contudo, "após ter sido reconhecido no resultado, pode ser creditado à reserva própria (Reserva de Incentivos Fiscais), a partir da conta de Lucros ou Prejuízos Acumulados". Por conta dessa orientação, as subvenções, via de regra, deveriam ser oferecidas à tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Entretanto, por não se tratar de receita efetiva da companhia (mas, sim, de redução de despesa), a legislação brasileira isentou tais receitas de subvenções. Assim, antes da publicação da mencionada MP (e até 31 de dezembro de 2023), e por força do parágrafo 2º do artigo 38 do Decreto-Lei 1.598/1977 e do artigo 30 da Lei 12.973/2014, desde que efetuado o correto tratamento contábil [1], as subvenções para investimento não integravam a base de cálculo de IRPJ e CSLL, assim como não eram tributadas pelo PIS e pela Cofins, nos termos do inciso X do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei nº 10.637/2002 e do inciso IX do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 10.833/2003. Com isso, a MP 1.185 teve por finalidade alterar essa sistemática. A revogação dos diplomas normativos acima mencionados impactam, necessariamente, na futura tributação das subvenções para investimento, visto que tais valores passarão a ser contabilizados como receita do contribuinte. Todavia, nem todos os benefícios conferidos pelos entes federativos deverão ser impactados com a modificação trazida pela medida provisória, como são os exemplos dos estímulos regionais instituídos no âmbito da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que são regulamentados, dentre outros, pela Lei 4.239/1963; Decreto‑Lei 1.564/1977; Lei 9.532/1997; Medida Provisória 2.199‑14/2001 (com alterações da Lei 13.799/2019); Decreto 4.213/2002; e Decreto 6.674/2008. As referidas normas disciplinam, em síntese, que "as pessoas jurídicas que tenham projeto protocolizado e aprovado até 31 de dezembro de 2023 para instalação, ampliação, modernização ou diversificação, enquadrado em setores da economia considerados, em ato do Poder Executivo, prioritários para o desenvolvimento regional, nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), terão direito à redução de 75% (setenta e cinco por cento) do imposto sobre a renda e adicionais calculados com base no lucro da exploração". Diante disso, até seria possível sustentar que os benefícios regionais da Sudam e da Sudene poderiam ser classificados como subvenções para investimento, diante da necessidade de aplicação de recursos em projetos de instalação, ampliação, modernização ou diversificação em determinadas áreas brasileiras. Isso permitiria concluir, em um primeiro momento, que tais montantes que deixarem de ser recolhidos em favor da União terão de ser contabilizados como receita tributável para fins de apuração do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins pela nova sistemática pretendida pela MP 1.185. Todavia, analisando a legislação que trata de tais incentivos fiscais, nesse particular o parágrafo 3º do artigo 19 do Decreto‑Lei 1.598/1977, o qual não foi revogado pela MP 1.185, tem-se que "[o] valor do imposto que deixar de ser pago em virtude das isenções e reduções" relativas ao beneficiamento regional (Sudam e Sudene) "não poderá ser distribuído aos sócios e constituirá a reserva de incentivos fiscais", existindo, portanto, um regramento particular e determinante para tratar dos estímulos atrelados às áreas de desenvolvimento do Norte e Nordeste, que determina expressamente a não contabilização dos valores de subvenção como receitas. Pelo contrário, nos termos da legislação, o contribuinte deve registrá-los diretamente em conta do patrimônio líquido (reserva de incentivos fiscais), diante da literalidade da norma quanto aos deveres instrumentais a serem cumpridos contabilmente. Em outras palavras, em razão de haver determinação específica das normas da Sudam e da Sudene que não foram revogadas pela MP, sua sistemática permanece inalterada — até porque, se a MP desejasse incluir esses benefícios nas bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, as normas relativas a tais incentivos também sofreriam alterações ou seriam parcialmente revogadas. Portanto, em razão da inexistência de lei que determine a contabilização dos estímulos atrelados à Sudam e à Sudene como receita, via de consequência, esses valores não deverão ser oferecidos à tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Ademais, ainda que fossem contabilizados como receita, isso, por si só, não autorizaria a oneração pelos tributos federais. Isso porque, os benefícios regionais são isenções concedidas por prazo determinado (dez anos para o envio do projeto protocolizado e aprovado até 31 de dezembro de 2023), de modo que a medida provisória não pode restringir sua aplicabilidade — como é o caso da tributação das subvenções pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Tal medida impactaria em revogação parcial da isenção (já que a abrangência do incentivo seria reduzida), o que violaria o artigo 178 do Código Tributário Nacional. Assim, a MP 1.185/2023 não é aplicável à Sudam e à Sudene, razão pela qual os benefícios fiscais atrelados não devem ser onerados pelo IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. [1] Registrado como reserva de capital, que somente poderia ser utilizada para absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social ou feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do contribuinte e utilizadas para absorver superveniências passivas ou insuficiências ativas.
2023-09-22T06:30-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-22/opiniao-mp-1185-beneficios-fiscais-sudam-sudene
tributario
Menos de R$ 20 mil
Juíza aplica insignificância para absolver mulher de crime fiscal
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho é aplicado quando o débito não ultrapassar o limite de R$ 20 mil. A mesma lógica é aplicada a crimes envolvendo tributos estaduais.  Esse foi o fundamento adotado pela juíza Aline Damasceno Pereira de Sena, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Betim, para aplicar o princípio de insignificância e absolver uma mulher acusada de crime tributário.  No caso concreto, a mulher é acusada de praticar o crime descrito no artigo 1°, inciso V, da Lei 8.137/90 (deixar de fornecer nota fiscal), por trinta e três vezes.  Ao analisar o caso, a magistrada citou a jurisprudência do STJ para aplicação do princípio da insignificância e lembrou que o mesmo entendimento deve prevalecer para o caso de crime tributário envolvendo imposto estadual.  ''No caso, os valores suprimidos alcançaram o montante de R$ 11.844,56 (onze mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais e cinquenta e seis centavos), como descrito na peça acusatória, restando evidente a atipicidade material da conduta atribuída à denunciada'', afirmou.  A julgadora também registrou que não ficou demonstrada a reiteração delitiva por parte da acusada para justificar a não concessão do princípio da insignificância. Diante disso, absolveu a ré.  A mulher foi representada pelo advogado Samuel Justino de Moraes.  Clique aqui para ler a decisão Processo 0068933-09.2020.8.13.0027
2023-09-23T16:33-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-23/juiza-aplica-insignificancia-absolver-mulher-crime-fiscal
tributario
Opinião
Marinho Neto: O maior tesouro da vetusta casa de Afonso Pena
Amanhã, dia 25 de setembro, a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) outorgará à sua professora titular Misabel de Abreu Machado Derzi o título de professora emérita desta renomada instituição. Não queremos aqui enumerar todas as razões acertadas para a outorga do título em questão, porque beiram à obviedade. Com efeito, elas transbordam, ultrapassam os limites de qualquer escrito que pretenda fazê-lo. Mas o risco deste pecado é válido. De início, cumpre observar a profunda responsabilidade devotada pela homenageada à sua instituição. Com efeito, Misabel dedicou mais de meio século à Faculdade de Direito da UFMG, onde ainda leciona nas aulas de pós-graduação. Em sua trajetória, a professora orientou dezenas e dezenas de dissertações de mestrado, teses de doutoramento e trabalhos de conclusão de curso. Somadas às centenas e centenas de palestras que proferiu, no Brasil e no exterior, a professora tem sempre levado o nome da Vetusta Casa por onde passa, contribuindo para a divulgação de nossa querida universidade.    É um truísmo dissertar sobre a jurista Misabel Derzi. Em Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, resultado de sua tese de doutoramento, a professora Misabel Derzi explica com clareza absurda a distinção entre tipos e conceitos, entre os modos de pensar tipológico e conceitual, bem como a prevalência deste ou daquele conforme os princípios informadores de cada ramo jurídico, brindando a comunidade do Direito nacional com uma verdadeira aula de Metodologia Jurídica. Não por outra razão Geraldo Ataliba assinalou, em prefácio à primeira edição da obra citada, que "Misabel conhece o direito em geral e já percorreu diversas de suas sendas, de tal forma a saber, criteriosamente, qual a exata dimensão do significado da unidade geral do sistema", para arrematar, ao final, categórica e acertadamente, que o livro advinha de uma "inteligência privilegiada, serena, objetiva, digna de qual das melhores instituições europeias". Já em Modificações da jurisprudência no Direito Tributário, obra com a qual alcançou a titularidade em Direito Financeiro e Tributário na UFMG, a professora Misabel inaugura o estudo da proteção da confiança em matéria tributária entre nós, a partir dos aportes teóricos sistêmicos de Niklas Luhmann. Reafirma a irretroatividade do Direito (e não apenas das leis), para alcançar também as decisões judiciais, servindo de fundamento para que os contribuintes possam requerer a modulação dos efeitos das decisões que modifiquem a jurisprudência dos tribunais (especialmente os superiores). Quantas obras no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMG não se serviram da professora como marco teórico!  Ainda no âmbito de produção acadêmica desta jurista, não se pode deixar de mencionar as brilhantes atualizações de Direito Tributário Brasileiro e Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, ambas de Aliomar Baleeiro. As longas atualizações feitas pela Professora servem de consulta para todo tipo de pesquisa: acadêmicos, mestrandos, doutorandos e professores bebem desta fonte em seus trabalhos, ao mesmo tempo em que juízes, desembargadores e ministros se utilizam daquelas linhas para fundamentar suas decisões. No âmbito profissional, a advogada Misabel Derzi sempre se destacou na defesa do interesse de seus clientes e de toda a coletividade. Faremos uma única menção: no bojo do julgamento do RE 405.267/MG, o STF reconheceu a imunidade tributária recíproca da Caixa de Assistência dos Advogados da OAB-MG. Em sustentação oral perante a Suprema Corte, a advogada em questão proferiu as seguintes palavras: "No Estado de Direito, as partes falam por meio de seus advogados". Esta advogada combatente é hoje Conselheira Federal da OAB e presidente da Comissão de Direito Tributário da CFOAB. Mas também na advocacia pública a professora se destacou, tendo sido Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais e Procuradora-Geral do Município de Belo Horizonte, oportunidades nas quais sempre primou pela realização do interesse público, pelo respeito aos direitos individuais dos cidadãos e pela luta intransigente em favor do federalismo. Todas essas razões, por si só, justificariam todas as homenagens a esta gigante do Direito brasileiro. Mas gostaríamos de prestar uma homenagem pessoal à professora Misabel, na sua qualidade de verdadeira professora e orientadora, a partir de nossa própria experiência. Em suma, o impacto da professora em nossa própria vida e formação. A primeira vez que vi — e ouvi — a professora Misabel foi na ocasião da defesa de titularidade do professor Marcelo Cattoni, na Sala da Congregação da Vetusta Casa, em sessão por ela presidida. Chamou-me a atenção a voz firme daquela professora. Ela falava e todos ouviam, atentos e calados. Complemente calados. Conseguia-se ouvir o barulho da caneta do professora Cattoni à mesa, anotando alguns pontos para as respostas às arguições da banca. Nesta oportunidade, o ministro Barroso, componente da banca, logo que tomou a palavra, cumprimentou a todos e disse que para ele era uma honra estar ao lado da "musa do Direito brasileiro". Feliz a expressão do ministro. A este ponto retornaremos mais adiante. Algum tempo após aquele evento, ainda jovem estudante do terceiro período, ingressei no meu primeiro estágio, no escritório Sacha Calmon Misabel Derzi — Consultores e Advogados. Sem saber rigorosamente nada de Direito Tributário (nem ao menos o conceito de tributo) e àquele tempo ainda monitor de Teoria Geral do Direito Privado, resolvi apertar a gravata, como diria o grande Chico. Certa feita, em uma pesquisa sobre a distinção entre erro de direito e erro de fato, para fins de revisão do lançamento tributário, senti a necessidade de pesquisar melhor sobre este tema. A professora estava em sua sala, com as portas abertas. Encorajado pelas queridas Patrícia Pires Pena e Deborah Secchin, bibliotecárias do escritório, fui ao encontro da Professora e nos falamos pela primeira vez. Naquele momento ela me daria sua primeira orientação: disse-me que seria indispensável a leitura de Castanheira Neves. Ademais, deu-me um exemplar de seu Direito Tributário, Direito Penal e Tipo, dobrou uma página (a que eu deveria ler) e desejou-me bons estudos. Além de um sorriso maternal. Saí dali encantado. Dois anos após este ocorrido, a maior honra de minha vida: eu me tornei seu monitor, na disciplina Direito Tributário I. Cumpri esta função por dois maravilhosos anos. A professora me orientou em minha monografia de final de curso e hoje é minha orientadora no mestrado. E por conta dessas experiências é que pude ver a grande professora Misabel em ação, tendo nascido para isso. Ser professora define sua essência. Dou alguns breves exemplos. Merece menção o banco de questões que a professora possui, para fins de montagem das provas. Isto além da arguição oral de Hipótese de Incidência Tributária do Ataliba. Quem foi aluno da professora não consegue se esquecer. Os resumos, os quais ela própria preparava e fazia distribuir aos seus alunos. Em suma, o cuidado. Ela cuidava de seus alunos, cuidava de suas aulas. E por falar nas aulas, eram verdadeiros espetáculos. Todos os presentes boquiabertos, sem reação, em virtude da clareza de cada raciocínio. A paixão em ensinar Federalismo Fiscal. A aula sobre espécies tributárias. O exemplo do perfume francês para explicar a seletividade no IPI e no ICMS. A não cumulatividade desenhada no quadro. A distinção entre renda e patrimônio. A legalidade. A igualdade. A irretroatividade e a proteção da confiança. Na pandemia, após um hiato para que a universidade pudesse se preparar para o ensino virtual, as aulas retornaram. Professora Misabel preocupou-se profundamente, sempre me indagando se eu achava que os alunos estavam mesmo aprendendo. Esta pergunta me foi dirigida incontáveis vezes. A ênfase no "mesmo" me fez entender o grau da preocupação. Na pós-graduação, os espetáculos não eram menores. Vi a professora Misabel Derzi ensinar a teoria de Hans Kelsen. Querido leitor(a), imagine um clássico falando sobre outro clássico. Como não mencionar a oportunidade na qual a Professora, provocada por nós, seus alunos, resolveu falar por 1h30min sobre a distinção entre tipos e conceitos? Uma aula arrebatadora (e professor Thomas Bustamante é testemunha). A integridade em Dworkin. O Estado de Direito. E tantas outras aulas brilhantes!     O fato é que esta genialidade jurídica, e isto é o que realmente precisa ser dito, é a maior jurista de seu país. O maior tesouro da UFMG. O ponto mais alto da Vetusta Casa de Afonso Pena. Isso não apenas em virtude de sua insuperável autoridade intelectual, mas também porque nasceu para ensinar. Sua vida foi dedicar-se inteiramente a gerações e gerações de ministros, desembargadores, juízes, promotores, procuradores, advogados, defensores públicos, et cetera, ensinando-lhes o Direito (muito além do Direito Tributário). E mais: formando outros professores. A professora ensinou muita gente a ensinar.   Afinal de contas, como diria o ministro Barroso, estamos falando de uma musa. André Comte-Sponville afirma, em A felicidade, desesperadamente que a meta da filosofia é a sabedoria e sábio é aquele que vive bem. E a professora Misabel, muito mais que uma Professora, é uma sábia. É uma honra conviver e aprender com ela. Temos consciência de nossa sorte. E é maravilhoso que UFMG também tenha esta mesma consciência.
2023-09-24T17:07-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-24/marinho-neto-maior-tesouro-vetusta-casa-afonso-pena
tributario
Opinião
Opinião: Rio de Janeiro e benefício fiscal no Decreto 42.649
Em 2012, o estado do Rio de Janeiro editou o Decreto nº 42.649 objetivando a concessão de regime de tributação diferenciado às indústrias e empresas que fabricam e/ou comercializam produtos eletroeletrônicos, de informática ou eletrodomésticos no atacado. Tais benefícios se destinaram às empresas com sede e/ou centro de distribuição no estado que exercem atividades relacionadas ao comércio de tais produtos. Os produtos passíveis dos benefícios estão previstos na legislação, incluindo, mas não se limitando a, ar condicionado, aspirador de pó, barbeador, batedeira, cafeteira, ferro de passar, fogão elétrico e fogão cooktop, forno elétrico, freezer, lava louças, liquidificador, micro-ondas, dentre outros. Para tanto, existem três tipos de benefícios fiscais. O primeiro possibilita que a empresa industrial ou comercial atacadista lance um crédito presumido de ICMS de forma que a carga tributária da operação de saída da mercadoria beneficiada seja equivalente ao percentual de 3%. Já o segundo benefício se aplica somente às indústrias, que poderão lançar um crédito presumido de ICMS correspondente a 90% do valor do imposto incidente nestas operações, sendo, contudo, vedado o aproveitamento de quaisquer outros créditos de operações anteriores nos casos em que os produtos sejam industrializados no estabelecimento fluminense. Por sua vez, a terceira espécie do benefício fiscal autoriza que o contribuinte beneficiado usufrua do diferimento de ICMS — que, em apertada síntese, consiste na postergação do recolhimento do tributo, ou seja, se trata da transferência do pagamento do ICMS para a etapa posterior à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. As mercadorias beneficiadas, quando exportadas ou importadas, deverão ter estas operações realizadas nos portos ou aeroportos fluminenses. No caso de importação, seu desembaraço também deverá ocorrer em alguma das unidades alfandegárias localizadas no Rio de Janeiro — acarretando, assim, em verdadeiro incentivo às atividades de comércio exterior dentro do estado. Neste sentido, é importante mencionar que nos últimos anos o benefício fiscal em tela vem estimulando diversos setores da economia fluminense, especialmente o industrial, o comercial atacadista e o de importação, e foi prorrogado até o final de 2032. Por outro lado, recentemente a Câmara dos Deputados aprovou o texto substitutivo à Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 45/2019), que pretende alterar o sistema tributário nacional e implementar uma reforma tributária voltada, nesse primeiro momento, principalmente aos impostos sobre o consumo. De acordo com o texto aprovado, com a extinção do ICMS somente em 2032, garantiu-se a fruição dos benefícios fiscais deste imposto até 2032, mas com a redução proporcional dos benefícios à medida que o ICMS seja reduzido entre 2029 e 2032. Desta forma, em caso de aprovação da reforma tributária com a redação atual, as empresas que comercializam produtos eletroeletrônicos, de informática ou eletrodomésticos devem ficar atentas para a futura perda dos benefícios fiscais do ICMS e, desde já, se organizarem para minimizarem eventual aumento do custo tributário em suas operações.
2023-09-24T13:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-24/opiniao-rio-janeiro-beneficio-fiscal-decreto-42649
tributario
Processo Tributário
STJ e a contagem do prazo de prescrição intercorrente
Inseridos que estamos em uma cultura judaico-cristã, que estranheza pode causar a ideia de que o tempo, ele mesmo, é uma criação divina? O início do livro sagrado do Gênesis já nos conta que Deus, tendo criado a luz, separou-a das trevas que até então imperavam sobre a terra disforme, e a chamou Dia, enquanto às trevas denominou-a Noite. Por isso, houve tarde e manhã, o primeiro dia[1]. Manhãs, tardes, noites, dias, semanas, anos. Deus, o criador, assim os fez, e assim os tem sustentado, em um cosmo infinito e incontrastável. Por sua origem divina, o tempo se impõe a nós, de uma forma tão implacável quanto o que pretende ser a própria explicação mítica sobre o seu surgimento. Não é à toa que, no dia a dia de todos nós, poucos são os que se interessam pela compreensão do que seja o tempo. É o que é. É o que tem sido. É o que sempre foi. É uma sequência em fluxo, contínua, avassaladora, imparável. É vida que segue. É simples assim. Temos de convir que os gregos da Antiguidade Clássica foram bem mais inventivos na explicação sobre o surgimento do tempo. Com contornos de uma típica tragédia grega, conta-se que, na origem, não havia tempo. Havia Céu e Terra. Havia Urano e Gaia, permanentemente ligados um ao outro, a formar um só todo. E assim ficou até Cronos, a pedido de sua mãe Gaia, impingir sobre seu pai Urano o golpe mutilador necessário a separá-los [2], de modo a permitir que ele, Cronos, Deus do tempo e o rei dos titãs, instaurasse sobre Céu e Terra o reino da infalibilidade do seu próprio tempo, o tempo cronológico. Separados Terra e Céu, surgia o antes-e-depois implacável, contra o qual nem mesmo Zeus, filho de Cronos, foi capaz de destruí-lo, mesmo tendo derrotado seu pai, em cumprimento à maldição lançada por Urano a Cronos. E não é que, passados milênios da origem mítica do tempo, eis que uma instituição judiciária brasileira impõe a Cronos uma nova derrota? Pois sim, foi o que o Superior Tribunal de Justiça fez ao decidir o Recurso Especial 1.340.553 (Tema Repetitivo 566). Porém, com fulgor acachapante, que nem o próprio Zeus havia conseguido impingir a Cronos, já que, a pretexto de dar interpretação uniforme ao artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80), subverteu a cronologia do tempo, rebaixando-a a figurante de uma retroação lógica que, por vezes, será a nova reinante no mundo terreno das prateleiras deslizantes e dos escaninhos forenses em que se arquivavam as execuções fiscais [3]. Para bem se entender o que estou a dizer, penso ser necessário fazermos breve considerações sobre o recurso especial (REsp) 1.340.553. Afinal, convenhamos, se até a presunção de conhecimento da lei (artigo 3º, lei de introdução ao direito brasileiro) se revela autêntica ficção jurídica na maioria das vezes, que se dirá sobre o teor de um recurso especial X, a originar um tema repetitivo Y, sobre uma legislação Z. Resumidamente, no referido REsp, o Superior Tribunal de Justiça viu-se às voltas de ter de fixar o marco temporal inicial do prazo de prescrição intercorrente previsto no artigo 40 da Lei de Execução Fiscal (LEF), dada a divergência jurisprudencial sobre a matéria. Ao fazê-lo, decidiu que o início da contagem do prazo prescricional não depende de um pedido formal feito pela Fazenda Pública, a requerer a suspensão da execução fiscal por um ano, como sugeria a literalidade do § 2º do artigo 40, LEF. Pelo contrário, decidiu que a prescrição intercorrente inicia automaticamente da data da ciência da Fazenda Pública acerca da não-localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis em seu domicílio. E assim o fez, assumidamente, a partir de uma interpretação teleológica – voluntarista, talvez? – de que o espírito do artigo 40, LEF é o de que nenhuma execução fiscal poderá permanecer eternamente nos escaninhos do Poder Judiciário.   Abre parênteses: a concepção ponteana de que a incidência de uma regra jurídica é automática e infalível [4], ainda que os sujeitos descritos no consequente normativo não o saibam, não causa maiores estranhezas entre nós, por ser, de algum modo, prevalecente na formação jurídica brasileira. O que deveria causar estranheza, isto sim, é aparente singeleza da ideia de que um prazo prescricional se inicia automaticamente, quando a norma jurídica que o disciplina diz justamente o contrário [5]. Fecha parênteses. Sigamos. Certa ou errada, a resposta que o Superior Tribunal de Justiça deu à questão submetida a julgamento — qual o pedido de suspensão por parte da Fazenda Pública que inaugura o prazo de 1 (um) anos previsto no art. 40, § 2º, da LEF? — era suficiente: inicia-se automaticamente da data em que a Fazenda Publica teve ciência da não-localização de bens ou do próprio devedor. Contudo, seja porque reputou-a incompleta, seja porque viu a oportunidade de traçar balizamentos laterais à questão, o tribunal não apenas apontou o termo inicial do prazo de prescrição intercorrente, como também definiu — criou? — causas de interrupção do prazo prescricional, as quais, salvo alguma leitura apressada de minha parte, nunca foram estabelecidas na legislação processual. E foi desse modo, exatamente assim, que o STJ subverteu o tempo de Cronos, optando por um tempo não linear, assemelhado ao tempo lógico lacaniano [6]. Assim agiu quando estabeleceu — legislou? — que são a efetiva constrição patrimonial e a efetiva citação aquelas que, em ocorrendo no mundo dos fatos, têm aptidão para interromper o fluxo implacável da temporalidade prescricional. E para não abrir margem a dúvidas, asseverou: não bastando para tal o mero peticionamento em juízo, requerendo, v. g., a feitura da penhora sobre ativos financeiros ou sobre outros bens. Aqui, precisamente aqui, Cronos foi derrotado. Mas, por quê? Por uma razão consideravelmente simples: até o julgamento do REsp 1.340.553, a prescrição intercorrente era necessariamente apriorística. A Fazenda Pública, ao postular providências em juízo, poderia —ou deveria (artigo 53, Lei nº 11.941/09 [7]) — saber de antemão que os fatos ocorridos antes de sua manifestação já se enquadravam na hipótese de incidência da prescrição intercorrente, nos moldes do artigo 40, LEF. Ou seja, ao ser intimada a se manifestar em termos de prosseguimento, tinha a Fazenda condições de averiguar se sua inércia havia sido tal a implicar a extinção do crédito tributário pela prescrição intercorrente. Após o julgamento do REsp 1.340.553, não. É perfeitamente possível que a Fazenda Pública postule providências que julgue eficazes à penhora de bens e, depois, veja-se na contingência de não só permanecer destituída da possibilidade satisfação de seu crédito via hasta pública, como também na de ser reputada inerte a posteriori, como se nada tivesse feito, ou como se não tivesse agido diligentemente nos limites de sua atribuição legal, que até aqui — a decisão do STF na ADI 5.886 não me deixa mentir [8] — não se conferiu poderes de constrição patrimonial na seara administrativa. A ineficácia de uma medida constritiva é sempre aferível a posteriori. É, nas palavras kantianas, um conhecimento empírico [9], que demanda a experiência para que, com ela, atribua-se significado ao que já passou. Já a prescrição, pelo menos na esfera cível, sempre se apresentou como um conhecimento apriorístico, isto é, que independe da ocorrência de um fato futuro para que, com ele, valorem-se fatos passados. Isto foi subvertido pelo STJ, pois, com o entendimento do REsp 1.340.553, também a prescrição — no caso, a intercorrente — e a consequente punição pela inércia da Fazenda Pública, tornou-se um juízo valorativo que se exerce a posteriori, deixando de estar submetida ao tempo cronológico dos fatos. Assemelhou-se à prescrição penal que, até o trânsito em julgado para a acusação, rege-se pela pena in abstrato, e que, após, regula-se pela pena in concreto, produzindo efeitos retroativos sobre o processo penal, nos casos em que a pena aplicada é menor que a máxima prevista em lei. Só que, diversamente do que ocorre com o processo penal, em que a distinção entre Estado-juiz e Estado-acusação é inebriada pelo ideal de proteção à liberdade individual face à demora estatal, a distinção entre Fazenda Pública e Poder Judiciário é bem delimitada, não só pela lei, mas também pela jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça. Basta nos lembrarmos da consagrada súmula STJ 106, inúmeras vezes invocada pela Fazenda Pública para afastar a prescrição por uma inércia que não foi sua. Não é possível saber se o STJ tinha em mente o tamanho da inversão que estava por realizar. Deliberado ou não, o atual estado da arte é este: mais eficiência, menos segurança. Mais consequencialismo, menos interpretação da lei. Mais prescrição intercorrente, menos saneamento processual. Mais tempo lógico, menos tempo cronológico. Enfim, mais Lacan, menos Cronos. Nem mesmo Zeus havia sido capaz de tal façanha. [1] Livro do Gênesis 1:5 [2] HESÍODO, Teogonia: a origem dos deuses, São Paulo, Editora Iluminuras, 2007, p. 109 [3] Ou nos esconderijos algorítmicos dos PJe(s) e dos eSAJ(s) da contemporaneidade digital. [4] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante, Incidência e aplicação da lei, Revista da Ordem dos Advogados de Pernambuco, ano 1, nº. 1, 1956, p. 53. [5] Os juízos mandatórios contidos no caput do art. 40 (O juiz suspenderá...) e no § 2º do mesmo artigo (... o juiz ordenará o arquivamento dos autos) parecem ir na contramão de uma pretensa automaticidade infalível de uma prescrição intercorrente que independeria da enunciação da suspensão processual e de seu arquivamento. [6] LACAN, Jacques, Escritos, Rio de Janeiro, Zahar Editora, 1998, p. 909. [7] Art. 53. A prescrição dos créditos tributários pode ser reconhecida de ofício pela autoridade administrativa. [8] O art. 20-B, inciso II, Lei nº. 10.522/02, que previra à Fazenda Nacional a prerrogativa administrativa de averbar a CDA nos órgãos de registro de bens, de modo a torna-los indisponíveis, foi declarado inconstitucional, uma vez que, segundo o Supremo Tribunal Federal, a indisponibilidade deve respeitar a reserva de jurisdição, o contraditório e a ampla defesa, por se trata de forte intervenção no direito de propriedade. [9] KANT, Immanuel, Crítica da razão pura, 4ª ed., Bragança Paulista, Editora Vozes, 2015, p. 46.
2023-09-24T08:00-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-24/processo-tributario-derrota-cronos-contagem-prazo-prescricao-intercorrente
tributario
não é marca
ISS não incide sobre contrato de cessão de direito autoral
O ISS não incide sobre a cessão de direito autoral, já que tal hipótese não está contemplada na lista anexa à Lei Complementar 116/2003. Assim, a juíza Fernanda Pereira de Almeida Martins, da 9ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo, afastou o ISS sobre valores recebidos por uma empresa em função de um contrato de licença de direito autoral. A decisão também garante a devolução do imposto já pago. A empresa firmou contrato com uma companhia japonesa para uso e exploração de personagens em itens de papelaria, artigos escolares, bijuterias, roupas, acessórios, jogos, brinquedos, enfeites para festas de crianças, revistas, figurinhas, utensílios domésticos e produtos de higiene pessoal. A Secretaria Municipal da Fazenda de São Paulo passou a cobrar o ISS sobre as receitas decorrentes do contrato. Para isso, se baseou no item 3.02 da lista anexa à LC 116/2003, que autoriza a tributação da cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda. A empresa acionou a Justiça e alegou que o recolhimento do tributo era equivocado. Fernanda Martins explicou que o contrato de licenciamento de direito autoral é consequência do direito da personalidade, relacionado ao Direito Civil e regulamentado pela Lei de Direitos Autorais. Ou seja, é diferente dos direitos relativos à propriedade industrial, relacionados ao Direito Empresarial e regulamentados pela Lei da Propriedade Industrial. Para o magistrado, não se pode estender, por analogia, a lista de serviços previstos no anexo da LC 116/2003, "a qual não prevê como tributável a outorga de licença de direitos patrimoniais do autor". Isso violaria o artigo 110 do Código Tributário Nacional. A juíza também lembrou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já afastou a incidência do ISS sobre a cessão de direitos autorais. Sócia do escritório Dannemann Siemsen — especializado em Propriedade Intelectual (PI) —, a advogada Juliana Bussade Monteiro de Barros, que atuou no caso, indica que direito autoral e licenciamento de marcas são coisas distintas: "É plenamente possível usufruir de proteção pelos direitos autorais e pelo direito marcário, sem que esta proteção se confunda". Embora também possam ser explorados como marcas figurativas, os desenhos de personagem, analisados no caso concreto, "são inegavelmente objeto de proteção via direito autoral", segundo ela. Juliana ainda lembra que, conforme a legislação, a cobrança do ISS exige efetiva prestação do serviço. No direito autoral, o licenciante apenas reproduz o sucesso de um "bem incorpóreo", o que não está vinculado à prestação de serviços. O licenciado não pode usar tais direitos após o fim do contrato. "Se o contrato de direito autoral representasse uma prestação de serviços propriamente dita por parte do licenciante, todas as atividades e bens empregados em sua execução pertenceriam ao licenciado e não seriam passíveis de cessação de uso ou restituição após o pagamento da remuneração devida", diz a advogada.
2023-09-24T07:33-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-24/iss-nao-incide-contrato-cessao-direito-autoral
tributario
Contas públicas
AGU defende que teto de precatórios é inconstitucional
A Advocacia-Geral da União (AGU) encaminhou nesta segunda-feira (25/9) ao Supremo Tribunal Federal uma manifestação em que defende a inconstitucionalidade do teto vigente de pagamento de precatórios. A posição foi externada no bojo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7.047 e 7.064, que questionam as Emendas Constitucionais 113/2021 e 114/2021, que criaram o teto anual para o pagamento de precatórios até 2027. As emendas também obrigam a União a aceitar os créditos oriundos das decisões judiciais transitadas em julgado como pagamento em um conjunto de situações, como outorgas de concessões de serviços e aquisições de imóveis públicos. A ADI 7.047 foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Já a ADI 7.064 foi proposta por um conjunto de entidades da sociedade civil (Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Associação dos Magistrados Brasileiros; Confederação dos Servidores Públicos do Brasil; Confederação Nacional dos Servidores e Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais; Confederação Nacional das Carreiras Típicas de Estado; e Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis) para questionar a constitucionalidade das normas. Ambas são de relatoria do ministro Luiz Fux.  Na manifestação, a AGU defendeu que as emendas constitucionais não só afrontam princípios constitucionais como geram grave desequilíbrio para as contas públicas. A AGU também lembrou que, em julgamentos anteriores, o STF já reconheceu a inconstitucionalidade de emendas constitucionais semelhantes, que estabeleciam o pagamento parcelado de precatórios (ADI 2.356) ou prorrogavam o prazo para seu pagamento (ADIs 4.357 e 4.425). ''De fato, o atual regime especial de precatórios recria, ainda que sob nova roupagem, a figura da moratória na quitação dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a qual já havia sido contemplada pelas Emendas Constitucionais 30/2000 e 62/2009, declaradas inconstitucionais por esse Supremo Tribunal Federal'', alegou o órgão. Com informações da AGU.  Clique aqui para ler a manifestação da AGU
2023-09-25T21:59-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-25/agu-defende-teto-precatorios-inconstitucional
tributario
Opinião
Eduardo Maurício: Avanços da regulamentação de apostas
A regulamentação das apostas esportivas no Brasil deu mais um passo importante. No último dia 13 de setembro, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 3626/23, que normatiza as apostas esportivas por meio de quota fixa — as bets — e prevê uma nova distribuição de pagamentos de outorga, arrecadação, restrição e exigências. Um caminho essencial para o combate de fraudes, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. O projeto de lei manteve a carga tributária proposta pela equipe econômica do governo, com 18% para as casas de apostas esportivas (com aumento de repasse ao Ministério do Esporte e a inclusão do até então inexistente Turismo) e até 30% para os prêmios obtidos por apostadores. Outro ponto relevante da proposta é o fato de estarem expressos os requisitos legais e a necessária autorização para as empresas de apostas online operarem legalmente no mercado. Essas empresas deverão, necessariamente, ter sede e serem constituídas em território nacional, afastando assim a dificuldade em uma eventual colaboração internacional em casos de prejuízos financeiros como, por exemplo, a manipulação de mercado. O Ministério da Fazenda é o órgão que concederá as autorizações, que serão intransferíveis e terão um prazo de duração de 3 anos. Importante destacar que no texto aprovado ainda existem lacunas sobre a estrutura, funcionamento das empresas e também a regras para campanhas de publicidade, as quais deverão ser definidas posteriormente pelo Ministério da Fazenda. Outras questões importantes do projeto aprovado a serem analisadas são: - Estarão proibidos de apostar: menores de 18 anos de idade; pessoas com ligação e influência direta ou indireta nas casas de apostas (como por exemplo administrador e proprietário); treinadores, atletas, árbitros, dirigentes esportivos e demais pessoas ligadas aos objetos das apostas; - Infrações: serão consideradas infrações a exploração de bets sem autorização do Ministério da Fazenda; deixar de fornecer documentos aos órgãos competentes após solicitação, como, por exemplo do Ministério Público, compliance bancário e também do Coaf. Além disso, será punido quem divulgar bets e operadores de loteria de apostas não autorizados, ficando um alerta aos influencers e blogueiros do Instagram, que deverão ter cuidados na divulgação, por exemplo, em stories destas loterias aos seguidores e ao público no geral, sob as penas da lei e responsabilização cível e criminal em caso, por exemplo, de fraude financeira; - Punições: advertências; multas; suspensão parcial ou total, cassação ou proibição de realizar novas atividades; proibição de participar de licitação por cinco anos; e até mesmo a retenção de pagamento de prêmios; - Prêmios esquecidos: os ganhadores das apostas esportivas terão até 90 dias a partir da divulgação do resultado da aposta para retirar o prêmio, sob pena de metade do valor ser transferido ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil, diferentemente do que dispõe a medida provisória, que estabelece que 100% do valor deve ser destinado ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). É fato que, se o referido projeto de lei for aprovado pelo Senado, que ainda apreciará a matéria, será um grande caminho para o combate de crimes financeiros como fraudes, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, pois o controle das apostas esportivas será maior e incidirá a obrigação legal de pagamento de impostos à União em virtude dos lucros obtidos que movimentam a casa dos bilhões de reais. As empresas ficarão com 82% do faturamento bruto (diferente dos 95% que prevê a Lei 13.756/18 — que nunca chegou a entrar formalmente em vigor porque não foi regulamentada). Ao final, pensando na evolução do cenário legal envolvendo as apostas esportivas e as bets, salta aos olhos a necessidade de implementação de um programa de compliance eficaz, com canais de atendimento e denúncias aos apostadores; due diligence; treinamento da equipe e de funcionários; a figura de proteção aos denunciantes de fraudes e crimes envolvendo as apostas esportivas, com existência de recompensas, em caso de uma denúncia real, como acontece nos EUA. Além disso, será necessário a criação e exteriorização de código de ética e de conduta expresso; mecanismos de combate e prevenção à lavagem de dinheiro e terrorismo; bem como ações de prevenção aos vícios das apostas e também plano para garantir a integridade e evitar assim manipulação de resultados e apostas. Será importante criar um sistema de auditoria pelo Ministério da Fazenda e mecanismos de validação de identidade dos apostadores, o que deverá cessar a existência de "laranjas" que praticam lavagem de dinheiro. Portanto, esse novo marco legal das apostas esportivas no Brasil é necessário e deve ser aprovado o mais rápido possível para dar o devido retorno financeiro ao país e regulamentar, nos aspectos cíveis e criminais, um mercado que, até então, vive sem regras e virou alvo de organizações criminosas.
2023-09-25T17:24-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-25/eduardo-mauricio-avancos-regulamentacao-apostas
tributario
Opinião
Amaral e Cavalcante: Desafios do Senado na reforma tributária
A Câmara dos Deputados aprovou no último mês de julho o texto base da PEC 45/2019, da proposta que visa reformar a tributação sobre o consumo no Brasil, com a substituição dos tributos atuais — PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI — por um modelo de IVA-Dual. Em última análise, a reforma é pautada nos princípios da simplificação, transparência, justiça tributária, equilíbrio e proteção ao meio ambiente. No novo modelo, os tributos atuais darão vez à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos estados e municípios, além de ao Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. A Câmara também aprovou a possibilidade de instituição de contribuição, pelos estados e Distrito Federal, incidente sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios. Essa contribuição substituirá aquela destinada a fundos estaduais estabelecida como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado de ICMS prevista na legislação estadual em 30 de abril de 2023. Com a aprovação, o texto-base foi encaminhado ao Senado no dia 3 de agosto para, nesta nova etapa, ser analisado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e encaminhado para nova votação. Em vista de possíveis alterações, o Senado deverá analisar tópicos sensíveis, que foram objeto de discussões e debates tanto durante o trâmite na Câmara quanto após a sua aprovação. Dentre os principais pontos de atenção, destacamos os seguintes: 1. Alíquotas Como amplamente divulgado, as alíquotas do IBS e da CBS terão referência fixada por resolução do Senado, limitada à manutenção da carga tributária, tópico que a casa legislativa certamente deverá reavaliar. Considerando a proposta de simplificação em face do atual sistema, não há um parâmetro de definição mínimo e máximo das alíquotas, o que poderá gerar a fixação de percentuais distintos por parte dos entes federativos em detrimento da propalada simplicidade, dado o efeito multiplicador de alíquotas. Isso porque a União, cada estado e cada município terão autonomia para fixar, por lei, sua alíquota-padrão a despeito da alíquota de referência, de modo justificar a pretensa manutenção da autonomia federativa, mas que poderá gerar riscos de oneração demasiada das operações por alíquotas fixadas em padrões mais elevados. Sobre o tema, as Emendas nº 01 e 03 [1] à PEC propõem a fixação de alíquota máxima de 25% e 20%, respectivamente. A Emenda nº 56[2] propõe ainda que sejam estabelecidas alíquotas progressivas, considerando o valor da transmissão de bens ou direitos como critério. Há diversas [3] propostas de emendas à PEC que inserem benefícios, seja por meio de redução de alíquota, isenção ou concessão de crédito presumido aos mais diversos setores de comércio e serviços. Nesse sentido, o Senado também deverá reanalisar a ampliação ou a restrição dos setores favorecidos por benefícios fiscais, vez que, inegavelmente, o aumento de tratamentos diferenciados ou exceções elevará a alíquota de referência dos novos tributos. Em nota técnica [4] divulgada em 8/8/2023, o Ministério da Fazenda expôs os possíveis cenários para as alíquotas-padrão no novo modelo de tributação. Nela, as alíquotas combinadas de IBS e CBS seriam definidas em aproximadamente 20%, em um cenário factível sem a concessão de benefícios, e, em aproximadamente 27%, na hipótese de concessão de todos os benefícios atualmente previstos na proposta. Fato é que o Senado deverá ponderar as propostas de aumento de setores beneficiados versus a definição e majoração da alíquota base padrão. 2. Simplificação do sistema Também estará sob o crivo do Senado alguns critérios de cálculo e definição dos novos tributos, cujo objetivo é a transparência e a segurança jurídica aos contribuintes face à complexidade do atual sistema. Dentre eles, a cobrança "por fora", na qual o IBS, o IS e a CBS não comporão suas próprias bases de cálculo. Referida disposição visa evitar discussões como a "tese do século", relativa à inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706/PR). Contudo, embora haja a previsão de apuração do imposto seletivo "por fora", a lei complementar poderá incluí-lo na base de cálculo do IBS e da CBS. Eventual majoração do IS, sujeito apenas à anterioridade nonagesimal, também aumentará indiretamente o IBS e a CBS. Sobre o tema, destacamos que a proposta de emenda nº 8 [5] prevê alteração no artigo 156, §6º, inciso II, para que o Imposto Seletivo seja excluído da base de cálculo do IBS e da CBS. É bem verdade, por outro lado, que experiências globais demonstram que se trata de prática relativamente comum em países que já adotam o modelo de IVA, como forma de se evitar distorções e manter a neutralidade, a depender da cadeia de consumo. Ainda assim, experiências passadas quanto a tal técnica no Brasil evidenciam a importância de que o Senado esteja atento aos efeitos decorrentes, principalmente frente a algumas incertezas a respeito desse tributo, em especial algumas indefinições a respeito de sua amplitude e materialidade, possibilidade de incidência múltipla e indefinição quanto ao regime de compensação. 3. Princípio do destino O projeto também alterará a sistemática atual, deslocando a incidência tributária para o destino das operações, em vez da origem, como atualmente ocorre. Trata-se de iniciativa louvável sob o ponto de vista de se mitigar a guerra fiscal e distorções causadas por benefícios fiscais. Entretanto, caberá à lei complementar definir critérios para conceituar o "destino". Atualmente, o conceito proposto pela PEC é vago, podendo ser local da entrega, da disponibilização ou da localização do bem, o da prestação ou da disponibilização do serviço ou o do domicílio ou da localização do adquirente do bem ou serviço. A incerteza quanto à definição do "destino" poderá ser mais bem discutida pela casa legislativa, com a inclusão de critérios e parâmetros na própria PEC, de modo a evitar potenciais conflitos de competência e discussões quanto à constitucionalidade da lei complementar sobre o tema. Nesse aspecto, a declaração de inconstitucionalidade por parte do STF, quanto à LC 157/2016 (ADI 5.835), evidencia a importância do tema para que se evite um novo contencioso. 4. Não-cumulatividade Os critérios de não cumulatividade propostos, que visam garantir a neutralidade tributária, também poderão ser objeto de revisão. Originalmente, o IBS e a CBS são não cumulativos, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial. Caberá à lei complementar estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do imposto, bem como forma e prazo de ressarcimento de saldos credores. A comprovação do recolhimento como condição para o aproveitamento do crédito traz complexidade ao sistema e vai na contramão da simplicidade pretendida pela reforma. Ficarão excetuadas do direito ao crédito as operações destinadas ao "uso e consumo pessoal", nos termos de lei complementar. O conceito indeterminado e a ausência de critérios para defini-lo poderá dar margem à discussão. Além disso, ainda não está claro se os regimes diferenciados, favorecidos ou específicos resultarão em distorções no princípio da não cumulatividade (acúmulo de créditos). 5. Benefícios fiscais e regimes diferenciados (específicos e favorecidos) Em regime de exceção, a proposta traz alguns setores que ficarão sujeitos a regimes específicos, mediante definição em lei complementar, para alteração das alíquotas, base de cálculo, creditamento, entre outros aspectos. Dentre os pontos de atenção relativos aos regimes específicos, destacamos a tributação monofásica dos combustíveis e lubrificantes, cujo recolhimento ficará concentrado na importação ou primeira saída. O direito ao crédito, por sua vez, será concedido apenas se os referidos bens forem classificados como insumos. Referida sistemática expõe certa fragilidade na autonomia e no pacto federativo, pelo fato de que as alíquotas uniformes serão fixadas em lei complementar, com cumulatividade. Também ressaltamos pontos sensíveis no regime específico aplicável aos serviços financeiros, que terão alíquota uniforme, incidente sobre percentual do faturamento ou receita da atividade. A definição ampla dos fatos geradores, nos termos do artigo 10 da proposta, poderá dar margem à tributação de receitas obtidas a partir de juros e variações monetárias e cambiais e dificultar a apuração do valor agregado (spread). O spread refere-se a todas as outras receitas não oriundas de tarifas, como os juros cobrados sobre os empréstimos, por exemplo. Por fim, também destacamos que os regimes diferenciados não abrangeram alguns setores chave para a economia e defesa do meio ambiente, como, energias renováveis. Com relação aos benefícios, a proposta prevê apenas a redução de alíquota em 60% ou 100%, isenções, alíquota zero (aplicável somente à cesta básica nacional) e créditos presumidos, com a extinção de todos os benefícios de ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI atualmente vigentes. À exceção do ICMS, para o qual será instituído Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e cujos saldos credores poderão ser aproveitados pelos contribuintes, não há mais definições quanto aos saldos credores e benefícios aos demais tributos. 6. Imposto seletivo O imposto seletivo incidirá sobre bens de consumo que sejam prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, em linha com o excise tax, como já previsto em diversos países. A subjetividade em sua definição abre margem para sua incidência sobre energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais. Embora haja previsão expressa de que o IS não incidirá sobre bens e serviços com alíquotas reduzidas, alguns bens ou setores poderão ficar sujeitos ao referido imposto, como os defensivos agrícolas, por exemplo. Sobre a questão, a Emenda nº 6 [6] sugere a tributação proporcional do Imposto Seletivo ao prejuízo causado pelo produto e a instituição vinculada à avaliação de impacto regulatório e consulta pública. A Emenda nº 44 [7] propõe que o IS "poderá" ser não cumulativo e ter ad valorem ou específicas, tendo por base a unidade de medida adotada. Agora, o Senado poderá definir, por exemplo, se o referido imposto ficará sujeito ao princípio da não cumulatividade, se poderá incidir em mais de uma etapa da cadeia produtiva e o início de sua cobrança, tópicos não abordados originalmente na PEC e de extrema relevância para os contornos do tributo e potenciais distorções decorrentes. 7. Contribuição estadual Um dos tópicos de maior debate na proposta refere-se à possibilidade de instituição de Contribuição Estadual, pelos estados e DF, sobre produtos primários e semielaborados, até 31/12/2043, instituída pelo artigo 20 da Emenda Aglutinativa de Plenário. A contribuição substituirá os atuais fundos estaduais, como o Fundeinfra, por exemplo, instituído em Goiás, mantido por taxas que recaem sobre o agronegócio e o setor de mineração. A redação da PEC abre margem para a ampliação da cobrança a diversos setores, como produtos agropecuários e mineração. Também possibilita a cobrança sobre a etapa final das operações, inclusive sobre exportações. As Emendas nº 15 e 40 propõem a supressão do artigo 19, que institui a referida contribuição. Por outro lado, a Emenda nº 41, sugere que a contribuição deverá ter as alíquotas incidentes sobre os produtos integrantes da cesta básica nacional de alimentos, originalmente reduzidas a zero, e que não incida sobre receitas de exportação [8]. Considerando a elevação provável da carga tributária com a contribuição, o tema deverá ser objeto de amplos debates no Senado, essencialmente por contrariar claros objetivos da reforma, como a transição para tributação no destino e a pretensa manutenção da carga tributária. 8. Regime de transição Por fim, é importante que o Senado apare algumas arestas com relação ao regime de transição, para que alguns temas tenham melhor definição já no texto constitucional. A votação da PEC é o momento ideal para que a deliberação sobre a transição seja realizada, vez que, durante ao menos dez anos, considerando o prazo original da PEC para 2033, haverá dois regimes em coexistência. A Emenda nº 39 [9], por exemplo, propõe que durante o período da transição sejam disponibilizadas tecnologias e plataformas digitais que possibilitem transparência e controle social, de forma eficiente e operacional, ao registro, ao creditamento, aos benefícios fiscais, ao recolhimento e à repartição da arrecadação, entre os entes federativos. Sobre o tema, também vale destacar a recente publicação da Lei Complementar nº 199/2023, por exemplo, que criou o estatuto de simplificação das obrigações tributárias deixou de fora alguns principais pontos das atuais obrigações, como a instituição da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e), da Declaração Fiscal Digital Brasil (DFDB) e do Registro Cadastral Unificado (RCU). Também deve ser objeto de novos debates o prazo para a restituição dos saldos credores de ICMS, de 240 meses, e seu índice de atualização, após 2033, pelo IPCA e a falta de isonomia com pagamentos (Selic). Os benefícios de ICMS vinculados à Zona Franca de Manaus também merecem melhor definição, assim como um prazo para os benefícios de IPI e PIS e Cofins, que sequer foram mencionados no projeto. Considerando todos os diversos pontos críticos de debate e análise, cabe-nos aguardar os próximos capítulos sobre o tema, considerando o Plano de Trabalho [10] instituído pelo senador Eduardo Braga, que prevê a votação final do relatório no próximo dia 4 de outubro de 2023. [1] De iniciativa dos senadores Efraim Filho e Rogério Marinho, recebidas em 08/08/2023. [2] De iniciativa da senadora Eliziane Gama, recebida em 21/08/2023. [3] Emendas nº 29 a 31 (senadores Carlos Viana e Angelo Coronel, 11/08/2023), 36, 37, 42, 43, 45 (senador Messias de Jesus, 14/08/2023), 47 a 50 (senadores Jader Barbalho e Messias de Jesus, 15/08/2023), 53 (senador Carlos Portinho, 15/08/2023), 60, 61 (senadores Carlos Viana e Angelo Coronel, 22/08/2023) 68 a 71, 73 a 76 (senadores Dr. Hiran e Laércio Oliveira, 23/08/2023), 79 e 80 (senadores Izalci Lucas e Carlos Portinho, 24/08/2023). [4] Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria/estudos/8-8-23-nt-mf_-sert-aliquota-padrao-da-tributacao-do-consumo-de-bens-e-servicos-no-ambito-da-reforma-tributaria-1.pdf [5] De iniciativa do senador Rogério Marinho, em 08/08/2023. [6] De iniciativa do senador Rogério Marinho, em 08/08/2023. [7] De iniciativa do senador Messias de Jesus, em 14/08/2023. [8] Propostas pelos senadores senador Carlos Portinho, em 08/08/2023 e Messias de Jesus em 14/08/2023. [9] De iniciativa do senador Messias de Jesus, em 14/08/2023. [10] https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9432922&ts=1692904256144&rendition=stored-leg-signed-pdf&disposition=inline&_gl=1*1ajm1tt*_ga*NjkwNzAyOS4xNjcyMjY2MDI2*_ga_CW3ZH25XMK*MTY5MjkxMTU1MS40Mi4xLjE2OTI5MTE2MTIuMC4wLjA.
2023-09-25T16:18-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-25/amaral-cavalcante-desafios-senado-reforma-tributaria
tributario
Opinião
Samuel Hickmann: Incidência de IRPJ/CSLL sobre subvenções estatais
Em 31 de agosto deste ano foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória nº 1.185/2023, revogando todas as disposições tributárias que retiravam as subvenções estatais da determinação do lucro real, criando, em contrapartida, um crédito fiscal decorrente de subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico. Esta medida provisória veio no bojo de uma série de medidas do governo federal objetivando estabelecer equilíbrio fiscal, como a extinção da isenção tributária dos juros sobre capital próprio e a tributação dos fundos de investimento exclusivos, entre outras. Além de possuir notório cunho arrecadatório, tal medida traz como fundamento a correção de suposta distorção [1] criada pelos §§4º e 5º do artigo 30, da Lei nº 12.973/2014, que teria equiparado todos os benefícios e incentivos fiscais de ICMS a subvenções para investimento, retirando-os da determinação do lucro real. Esta suposta distorção gerou corrida aos Tribunais, a fim de que todo e qualquer benefício ou incentivo fiscal de ICMS fosse excluído do lucro real e, desta forma, deixasse de integrar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Em suma, a MP busca aumentar a arrecadação federal e encerrar uma discussão que, embora tenha aumentado desde 2017 (com o advento da LC 160/17), sempre foi relevante nos tribunais, sobretudo no Carf. O primeiro objetivo deve ser atingido, pelo menos em certa medida, pois se crê numa adesão de grande parte das empesas aos requisitos estabelecidos na MP (sobretudo se convertida em lei nos termos propostos pelo Executivo), pois oferecerão à tributação valores atualmente excluídos do lucro real e deixarão de pleitear os créditos, dados os requisitos exigidos pela lei. No entanto, o efeito buscado com o segundo objetivo deve ser diametralmente oposto. Aliás, ultimamente temos nos saído muito bem requentando discussões, tornando-as intermináveis. Quando o STJ estava prestes a pacificar a questão, com o julgamento do Tema Repetitivo nº 1182 [2], o governo federal corre para revogar os dispositivos legais sobre os quais o Tribunal se debruçara profundamente. A discussão que parecia estar se encerrando, será retomada, com novos contornos. E por que retomada? O cenário jurídico que se tinha até o momento (leia-se até 31/12/2023) era o de que as subvenções para investimento não deveriam ser computadas na determinação do lucro real, desde que registradas na conta de reserva de incentivos fiscais, podendo ser utilizadas para absorção de prejuízos ou aumento de capital, vedada, portanto, a distribuição aos sócios. Por determinação legal, todos os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS passaram a ser considerados subvenções para investimentos a partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 160/17. Interpretando estes dispositivos, o STJ decidiu, em síntese que, se respeitados os requisitos previstos em lei — entendidos como o registro dos valores em conta de reserva de incentivos fiscais, podendo ser utilizados para absorção de prejuízos ou aumento de capital (a aguardar o julgamento dos embargos de declaração opostos nos processos paradigma) — é possível que os valores relativos aos incentivos e benefícios fiscais de ICMS (todos eles) poderiam ser excluídos do lucro real. Quanto aos benefícios e incentivos relacionados a outros tributos, tem-se que há a necessidade de demonstração de que foram concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, requisito este dispensado para o ICMS. Tal cenário, em si, goste-se ou não, passou a contemplar o que há muito a doutrina dispunha sobre a relação das subvenções e a tributação sobre a renda. Em sua vasta obra sobre o imposto sobre a renda [3], Ricardo Mariz de Oliveira trata as subvenções estatais como transferências patrimoniais — equiparáveis a doações —, sendo ingressos distintos da receita e, portanto, inatingíveis pelo IRPJ e pela CSLL. Segundo o autor, "Em princípio, e considerando a sua identidade essencial, bem como o gênero e a espécie a que pertencem, ambas as subespécies possuem a mesma natureza jurídica e não devem ser consideradas como receitas, uma vez que receita é o incremento patrimonial que a empresa produz, e não o que vem de fora dela a título de transferência patrimonial, inclusive a título de subvenção para investimento ou de subvenção para custeio de operações. A subespécie subvenção econômica que se caracteriza como subvenção para custeio de operações, conquanto possua uma margem de aplicação dos respectivos recursos consideravelmente mais ampla ou mais livre do que ocorre com as subvenções para investimento, igualmente representa recebimentos gratuitos, não remuneratórios e não contraprestacionais, embora, tanto quanto as subvenções para investimento, tenha como pressuposto, para ser concedida, a existência de interesse público." [4] Percebe-se que, conceitualmente, as subvenções, sejam quais forem elas, não devem ser consideradas receitas e, assim sendo, devem escapar da incidência do imposto sobre a renda, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido. Neste sentido, é possível afirmar que a disposição contida no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, retirando as subvenções da determinação do lucro real, não deve ser considerada um benefício fiscal concedido pela União [5], mas a regulamentação da contabilização de um ingresso que não é receita para que assim seja considerado. Por este motivo, é possível afirmar que, ao se revogar o artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, levando os ingressos decorrentes de subvenções à incidência do IPRJ e da CSLL, a MP 1.185/2023 extrapola a competência tributária da União, fazendo incidir tributos cujas materialidades são renda e lucro sobre ingressos que não integram essas grandezas econômicas. Este é o primeiro problema da MP: insere no lucro real ingressos que não são receitas. O segundo problema da MP diz com o crédito fiscal. Inobstante possa o Governo Federal outorgar benefícios fiscais relativos aos tributos de sua competência, não o pode fazer como meio de compensar a incidência de tributo sobre grandeza que escapa a sua competência. E, além de revogar dispositivo legal, passando a tributar as subvenções, inconstitucionalmente, o crédito fiscal criado não basta para compensar o tributo gerado a partir da revogação, sobretudo porque não se dará crédito relativo à CSLL. Soma-se a isso o prazo certo do crédito fiscal, que valerá somente até 31/12/2028. E se a subvenção tiver prazo superior a cinco anos? Investimentos em empreendimentos econômicos ampliados ou instalados normalmente se recuperam em prazos longos, o que faz com que as subvenções também sejam concedidas em prazos estendidos, não fazendo sentido a revogação do benefício em cinco anos. É mais uma razão que permite afirmar que o crédito fiscal concedido não bastará para compensar a tributação imposta às subvenções. O benefício fiscal, em si, não é ruim. Ruim é o fato de servir como compensação da incidência do IRPJ e da CSLL sobre as subvenções. Não bastassem tais razões, a MP traz consigo clara afronta ao pacto federativo, afronta esta já escancarada pela ministra Regina Helena Costa, do STJ, no julgamento do EREsp nº 1.517.492/PR, quando afirmou que "Com a devida vênia, ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou. Com efeito, tal entendimento leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consubstanciados nas Soluções de Consulta da Superintendência Regional da Receita Federal da 6ª Região Fiscal nºs. 144/2008 e 10/2007, e no Parecer Normativo CST n. 112/1978, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas (fls. 2.034/2.037e). Saliente-se, portanto, que a Fazenda Nacional, mediante simples interpretação estampada em atos administrativos normativos, tem orientado seus órgãos a assim proceder. Outrossim, remarque-se que a competência tributária consiste na aptidão para instituir tributos, descrevendo, por meio de lei, as suas hipóteses de incidência. No Brasil, o veículo de atribuição de competências, inclusive tributárias, é a Constituição da República. Tal sistemática torna-se especialmente relevante em um Estado constituído sob a forma federativa, com a peculiaridade do convívio de três ordens jurídicas distintas: a federal, a estadual/distrital e a municipal." [6] Logo, ao submeter as subvenções estatais à incidência do IRPJ e da CSLL, a União está afrontando o pacto federativo, pois invade a competência de outros entes federados, reduzindo o benefício outorgado por meio da tributação. Em suma, é possível afirmar que, sob vários aspectos, a MP nº 1.185/2023, ao submeter as subvenções estatais à incidência do IRPJ e CSLL extrapola a competência da União, sendo, portanto, inconstitucional. A concessão de benefício fiscal — sob a forma de crédito — como meio de compensação não retira a inconstitucionalidade da incidência. Aliás, é plenamente possível que ambos convivam, isto é, retirar as subvenções da incidência do IRPJ e da CSLL e tomar o crédito fiscal criado pela MP em análise. Certo é que a discussão será levada novamente aos tribunais. [1] Termo utilizado na Exposição de Motivos da MP nº 1.185/2023 (EM nº 00109/2023 MF). [2] Definir se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros - da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (extensão do entendimento firmado no Eresp 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL). [3] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008. [4] Op. cit. p. 159. [5] Ao contrário do que é dito na Exposição de Motivos da MP nº 1.185/2023 (EM nº 00109/2023 MF). [6] EREsp 1517492/PR, relator ministro OG FERNANDES, relator p/ Acórdão ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 08/11/2017, DJe 01/02/2018.
2023-09-25T09:14-0300
https://www.conjur.com.br/2023-set-25/samuel-hickmann-incidencia-irpj-csll-subvencoes-estatais