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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Tecnologia > Engenharia de computação Inteligência nos trilhos Sistema organiza operação das estradas de ferro e reduz em 18% o tempo perdido pelos trens em pátios de cruzamento Fabrício Marques Um software desenvolvido por uma empresa de Campinas, a CFlex, está promovendo um choque de eficiência na precária malha ferroviária do Brasil. Adquirido por boa parte das operadoras de estradas de ferro do país, o sistema computacional CFlexTrains consegue reduzir em até 18% o tempo de parada dos trens nos pátios para realizar cruzamentos e ultrapassagens. Como se sabe, a maioria dos trechos que compõem as ferrovias brasileiras são de trilhos simples que permitem a passagem de um trem por vez. Com isso, muitos deles são obrigados a esperar sua hora de ocupar a linha nos pátios de cruzamento. O sistema da CFlex fornece aos operadores uma tela com gráficos das posições atuais e futuras dos trens, dentro do período de tempo planejado, propondo um escalonamento de utilização da linha entre as diversas composições daquele dia, de modo a garantir a segurança da viagem e a reduzir ao mínimo o tempo de parada. Mas essa não é a tarefa mais complexa que o CFlexTrains executa. Se o operador, por exemplo, quiser intervir e determinar que um certo trem tenha prioridade, o sistema consegue propor instantaneamente um novo escalonamento. Caso uma locomotiva quebre, o que acontece com freqüência, a reprogramação é feita imediatamente pelo software. O programa pode remodelar continuamente a utilização da linha de acordo com as necessidades impostas pelo operador. ``Trata-se de uma ferramenta que ajuda o usuário a pensar melhor'', diz o engenheiro de computação Rodrigo Almeida Gonçalves, 34 anos, um dos fundadores da CFlex. Para se ter uma dimensão do impacto produzido pela inovação da CFlex, até há pouco era totalmente manual o trabalho de definir quais trens ocupariam primeiro as linhas e quais ficariam esperando a passagem das composições prioritárias. A tomada de decisão cabia a um solitário controlador de tráfego de trens. Na prática, levavam-se em conta apenas os problemas de curtíssimo prazo. Se vários trens necessitassem compartilhar um mesmo trecho da linha ao mesmo tempo, resolvia-se quem deveria ter prioridade naquele momento sem levar em conta os entraves que tal decisão provocaria dali a uma ou duas horas -- quando, então, os novos gargalos seriam administrados. ``Quando alguém cometia um erro, às vezes era necessário dar marcha à ré em um trem por dezenas de quilômetros, causando enormes prejuízos'', diz Gonçalves. ``Não era raro que o operador acabasse demitido quando isso acontecia. E seus colegas, com medo de ter o mesmo destino, passavam um tempo tomando decisões muito conservadoras, que provocavam lentidão extra às linhas'', afirma. O CFlexTrains pensa no médio prazo. É dotado de dois agentes inteligentes. Um, de nível local, planeja a utilização das linhas para as próximas horas. O outro, global, atua em paralelo. Tenta prever bloqueios na linha férrea, causados por cruzamentos e ultrapassagens de trens, e antecipar soluções para eles. Quando um problema acontece, os dois agentes dialogam e apresentam em milésimos de segundo a melhor solução possível, com base em cálculos prévios. Seu diferencial consiste em dar sugestões em tempo real. Outros sistemas foram desenvolvidos para organizar o uso das estradas de ferro, mas demoravam longos minutos para dar uma resposta. Convênio da Vale - A tecnologia e a mão-de-obra da CFlex têm origem na universidade e mantêm vínculos com ela até hoje. No final dos anos 1990, a Companhia Vale do Rio Doce encomendou a Fernando Gomide, a Rafael Mendes e a Luís Gimeno Latre, professores da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o desenvolvimento de um software que ajudasse a planejar a circulação dos trens em sua malha ferroviária. O trabalho foi realizado e inspirou a tese de doutorado de Rodrigo Gonçalves sobre o problema da programação de trabalho dos maquinistas nos trens. Em paralelo, a mestranda Magali Rondon González realizava uma pesquisa sobre o uso de sistemas inteligentes em transportes ferroviários. O convênio com a Vale não foi renovado após a privatização da companhia, mas a Unicamp seguiu investindo nessa linha de pesquisa até dar origem à CFlex, que tem como sócios os ex-alunos Rodrigo e Magali. A empresa foi criada em 1996 com o nome de Softel, dentro do Projeto Softex 2000, mas acabou mudando de nome para incorporar sua atual vocação. Em 2004, Luís Elesbão de Oliveira Neto, ex-diretor da Ferronorte, tornou-se sócio da CFlex. A partir daí, a empresa decidiu investir no aperfeiçoamento do sistema CFlexTrains, que teve apoio da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). Já conseguiram vendê-lo para grandes operadoras. A mais recente foi a América Latina Logística (ALL), que irá implantar o software até em ferroviárias da Argentina. Além da ALL, o sistema também está em uso na Companhia Ferroviária do Nordeste e em implantação na Ferrovia Centro-Atlântica e na Estrada de Ferro Vitória-Minas. Hoje, além do CFlexTrains, a empresa vende softwares que organizam a logística de pátios de minérios e de portos. Também desenvolveu um programa para formulação da mistura de gorduras e óleos em indústrias de alimentação, combinando matérias-primas de tipos e origens diferentes sem alterar a qualidade do produto final. A CFlex tem 24 funcionários, boa parte deles na área de pesquisa e desenvolvimento. Como alguns ainda estão na universidade, envolvidos com dissertações e teses, a CFlex adota horários flexíveis na empresa. Mas, para garantir que os clientes serão atendidos no tempo prometido, a empresa criou um software de uso interno que administra a agenda dos empregados, estabelece metas e programa reuniões. ``Os laços com a universidade são vitais para a empresa, mas o mundo não espera a gente parar para estudar'', diz Rodrigo Gonçalves. O Projeto Supervision: Sistema de apoio a logística e operação ferroviária Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) Coordenador Rodrigo Almeida Gonçalves -- CFlex Investimento R$ 86.249,16 (Fapesp)
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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Tecnologia > Nanotecnologia Múltiplas utilidades Resinas nanoestruturadas funcionam como bactericidas e fungicidas em máquinas de lavar roupa e colchões Yuri Vasconcelos Investir em nanotecnologia tem sido uma das estratégias da Suzano Petroquímica, nos últimos anos, para se lançar em novos mercados e continuar ampliando seus negócios. A empresa é líder na América Latina na produção de resinas de polipropileno e segunda maior produtora de resinas termoplásticas no Brasil, duas matérias-primas versáteis empregadas na fabricação de embalagens plásticas, frascos para cosméticos e produtos de higiene, utensílios domésticos, peças automotivas e produtos têxteis. Em maio passado, a companhia apresentou, durante a 11ª Feira Internacional da Indústria do Plástico, a Brasilplast 2007, realizada em São Paulo, dois produtos elaborados a partir das pesquisas em nanotecnologia: uma resina especial de polipropileno nanoestruturado com partículas de prata utilizada para fabricação de eletrodomésticos da linha branca, como máquinas de lavar roupa, e uma nova resina com nanopartículas para fabricação de fios e fibras para produção de colchões. A principal característica das duas inovações, de acordo com o engenheiro de materiais Cláudio Marcondes, gerente de desenvolvimento de novos produtos da companhia, é sua ação bactericida e fungicida. A petroquímica prevê que, dentro de três anos, cerca de 10% de sua receita será fruto das pesquisas em nanotecnologia. “Com o uso desse novo ramo do conhecimento, estamos agregando valor aos nossos produtos”, diz Marcondes. A nova máquina de lavar está sendo produzida em parceria com a Suggar, fabricante de eletrodomésticos no país, com sede em Belo Horizonte. O aparelho é um dos primeiros produzidos no Brasil com o uso de nanotecnologia na matéria-prima. A nanotecnologia – que é a construção de estruturas e materiais em escala nanométrica, em medidas equivalentes a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes – permite a fabricação de produtos com características diferenciadas, porque modifica as propriedades dos materiais no nível atômico. A resina nanoestruturada de polipropileno com partículas de prata da Suzano é empregada na fabricação da cuba das lavadoras, recipiente onde é colocada a roupa, conferindo ação antimicrobiana à peça. O efeito desinfetante da resina acontece por meio das cargas positivas (íons) da prata – um material conhecido por sua propriedade bactericida há séculos –, que atraem as cargas negativas das bactérias e causam a ruptura de sua membrana celular em função da diferença de potencial entre a parte interna e externa do microorganismo, provocando sua morte. A nova tecnologia, segundo o diretor industrial da Suggar, Marcelo Emrich Soares, permitirá a eliminação de 99,9% das bactérias que se desenvolvem na cuba das lavadoras, trazendo mais higiene e qualidade ao processo de lavagem de roupas. “O ambiente dentro da máquina fica livre de contaminação e preparado para novas lavagens. A nova resina também confere mais resistência e durabilidade ao produto”, garante Soares. Por enquanto, o polipropileno aditivado com nanopartículas de prata está sendo aplicado apenas na linha de lavadoras semi-automáticas, segmento no qual a Suggar tem participação expressiva, com cerca de 30% das vendas. Mas já existe um entendimento entre as duas empresas para a aplicação da nanotecnologia em outros tipos de eletrodoméstico. Até o momento, a Suzano forneceu 100 toneladas de polipropileno nanoestruturado para produção das lavadoras. Como cada cuba tem cerca de 6 quilos, a matéria-prima é suficiente para fabricação de quase 17 mil máquinas. Colchões higiênicos - A resina especial utilizada na fabricação de fios e fibras de colchões é outro desdobramento da pesquisa da petroquímica com novos materiais nanoestruturados com prata. De acordo com a Suzano, o desenvolvimento do produto consumiu um ano de pesquisas e sua aplicação é bastante variada, podendo ser usado em colchões de hospitais, residências e hotéis. Outra vantagem é que a ação bactericida do produto não tem prazo de validade. Como a higienização de colchões não é um processo muito comum, a ação da resina contribui para a manutenção de um ambiente saudável, evitando a disseminação de infecções. A resina é fornecida para a fabricante catarinense de produtos têxteis Döhler, que já está produzindo fios e fibras e fornecendo-os para a empresa Castor, responsável pela confecção dos colchões com estruturas nanoestruturadas. “Acreditamos que o produto deverá chegar ao mercado em dois meses”, diz Cláudio Marcondes, da Suzano. Os trabalhos em nanotecnologia na Suzano são coordenados pelo químico Adair Rangel, que iniciou o estudo e o desenvolvimento de novos materiais nanoestruturados há apenas três anos, quando fazia o doutorado no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nesse período foram investidos R$ 20 milhões em pesquisa nanotecnológica no Centro de Tecnologia da empresa. A unidade abriga cerca de 40 pesquisadores e técnicos. No total, a petroquímica direciona 1,5% de seu faturamento, de cerca de R$ 2,37 bilhões, para a pesquisa e o desenvolvimento de novos produtos. Para viabilizar a fabricação de produtos de alta tecnologia, a companhia já iniciou a construção de uma linha de produção específica, batizada de Unidade Autônoma de Extrusão, localizada na fábrica da Suzano em Mauá, na Grande São Paulo. Ela iniciará sua operação comercial no final do próximo ano e terá capacidade para produzir 24 mil toneladas anuais de resinas especiais. O grande desafio da empresa, segundo Marcondes, é desenvolver não apenas novas resinas de polipropileno com nanopartículas, mas também fazer com que elas possam ser processadas no maquinário já instalado no parque fabril nacional que compra as resinas da Suzano. No ano passado, a Suzano registrou sua primeira patente em nanotecnologia, voltada para a obtenção de nanocompósitos com polipropileno e argila, empregando uma nova rota para compatibilizar os dois materiais. O novo material apresentou considerável avanço em suas propriedades mecânicas, como rigidez e resistência a impactos, e de barreira, relacionada à permeabilidade. “Ainda não lançamos nenhum produto com ele. Nosso objetivo no momento é apresentar o potencial das resinas de polipropileno nanoestruturadas”, diz Marcondes. Tábua de carne - Um dos primeiros produtos nanotecnológicos da empresa foi revelado ao público no final de 2006 no II Congresso Internacional de Nanotecnologia (Nanotec), realizado em São Paulo. Foi uma resina de polipropileno com nanopartículas de prata – uma primeira versão do material utilizado na fabricação da máquina de lavar e dos colchões. A principal aplicação dessa resina é o mercado de utensílios domésticos. Com ele, a Suzano desenvolveu protótipos de uma tábua para cortar carne e de um pote plástico para acondicionar alimentos. “O pote aumenta consideravelmente o tempo de conserva de alimentos”, diz Marcondes. Já a tábua de cortar carne está livre da contaminação por bactérias que costumam se alojar nas reentrâncias provocadas pela faca. “Estamos incentivando uma de nossas parceiras, a Reflet, a produzir utensílios domésticos com a resina nanoestruturada, que é cerca de 10% mais cara do que a convencional”, diz o executivo. A Suzano também trabalha no desenvolvimento de filmes nanoestruturados com íons de prata, que serão empregados na fabricação de embalagens para frutas, gêneros alimentícios e outros produtos. Em breve a companhia espera depositar duas novas patentes relacionadas a outras nanopartículas em áreas de aplicação com polipropileno, que, por enquanto, não podem ser detalhadas. De acordo com Marcondes, o volume de produção das resinas nanoestruturadas ainda é pequeno, mas tende a crescer na medida em que a população perceber o valor agregado dos novos produtos fabricados com elas. “A nanotecnologia nos oferece um potencial ilimitado. Estamos na pontinha do iceberg”, destaca. Com capacidade para produzir 685 mil toneladas por ano de resinas de polipropileno, a Suzano vende produtos no mercado nacional para mais de 500 clientes e os exporta para cerca de 40 países. A petroquímica conta com três fábricas, localizadas em Mauá, Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e no pólo petroquímico baiano de Camaçari. Juntas, elas fabricam mais de 60 produtos. A companhia, de capital nacional, é controlada pela Suzano Holding, que também é a principal acionista da Suzano Papel e Celulose. Investimentos atualmente realizados nas fábricas de Mauá e Duque de Caxias ampliarão a capacidade de produção da petroquímica em mais 190 mil toneladas por ano até 2008, o que vai garantir a liderança da empresa na América Latina no negócio de polipropileno. Tubos para o fundo do mar Além das resinas plásticas com nanopartículas de prata, a Suzano presentou, durante a Brasilplast 2007, outros produtos para o mercado de polipropileno. Um deles foi uma especialidade de polipropileno para o setor de prospecção de petróleo no mar. A nova resina é utilizada na cobertura de proteção de tubos off-shore usados em grandes profundidades. “Esses tubos trabalham em condições extremas e precisam resistir a altas temperaturas, elevada pressão e agressividade do meio”, ressalta Cláudio Marcondes, gerente de desenvolvimento de novos produtos da companhia. Eles são feitos de aço especial revestido com proteção de polipropileno anticorrosivo e isolante térmico. A espessura dessa camada protetora, de cerca de 20 a 50 milímetros (mm), garante a temperatura necessária para o fluxo do óleo. Os tubos são destinados a poços situados a profundidades de até 2 mil metros, mas a Suzano já possui estudos para o desenvolvimento de especialidades que componham tubos voltados a profundidades ainda maiores. O novo polipropileno é vendido para as fabricantes de tubos Socorril e Termotite, que, por sua vez, os fornecem à Petrobras. A Suzano já atende o mercado interno e seus produtos têm sido utilizados nos campos de Roncador, Marlim e Albacora, no litoral do estado do Rio de Janeiro e também exportou o produto para Angola. A empresa estima que o potencial de consumo de polipropileno deste setor será de 5 mil toneladas em 2007.
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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Humanidades > Sociologia A ditadura da alegria Intelectuais defendem mudanças para salvar a festa mais tradicional da Bahia: o Carnaval Gonçalo Junior Assim que o comércio baixa suas portas na região central, a Salvador de 2007 mais parece que está sob toque de recolher. Importantes vias como a avenida Sete de Setembro e a rua Carlos Gomes são rapidamente esvaziadas, enquanto os gargalos próximos às áreas de concentração de shoppings na região da avenida Paralela ganham um fluxo intenso e transformam o trânsito num caos parecido com os congestionamentos de São Paulo. Todos parecem ter pressa para chegar em casa. Enquanto as obras do metrô são finalmente retomadas, seus moradores passam a impressão de que vivem inquietos, acuados e aflitos. O maior motivo, aparentemente, é a violência do dia-a-dia, que encurrala moradores de todas as idades e classes em suas casas e limita sua diversão aos shoppings -- que brotam como caça-níqueis por toda a cidade. No último sábado de maio, por exemplo, enquanto a orla estava semideserta por volta das 21 horas, no Shopping Iguatemi, o maior da cidade, era quase impossível comprar um ingresso para ver algum filme ou conseguir uma mesa vazia em suas dezenas de lanchonetes e restaurantes fast-foods. Há quem diga que a violência se tornou um problema de calamidade pública na cidade, embora os latrocínios sejam em número menores que em São Paulo e Rio de Janeiro. Não por acaso, a enquete de uma emissora de TV local, no mesmo dia, perguntava quantas vezes cada transeunte tinha sido assaltado. Segundo o professor Antonio Albino Rubim, da Universidade Federal da Bahia, o fim do carlismo, provocado pela eleição do governador Jacques Wagner, traz a expectativa ao menos do início de uma ruptura com o que ele chama de ``ditadura da alegria''. A expressão tem vários significados. Está relacionada, por exemplo, ao jeito supostamente natural de ser do baiano intensamente explorado pela indústria do turismo, da música e do Carnaval há quase 20 anos. Ou de um lugar onde a televisão tem força suficiente para impor a idéia de um lugar festeiro 24 horas por dia e onde é possível ser feliz sempre. Um estado de coisas simbolizado por letras de canções antropofágicas como ``We are Carnaval, we are folia, we are the world of Carnaval, we are Bahia''. A idéia de Salvador como ``Terra da Felicidade'' -- modernizada para ``Terra da Alegria'' --, diga-se, não é nova. Já nos anos 1930 Ary Barroso usou a expressão ao compor o clássico Na Baixa do Sapateiro, cuja letra exaltava as belezas da mulher baiana e da tal ``Boa Terra'' do Senhor do Bonfim. Mas o que se vive em 2007 está ancorado num conceito mais moderno de ``baianidade'' que a antropóloga Goli Guerreiro -- autora do livro A trama dos tambores -- A música afro-pop de Salvador (Editora 34) -- diz ser possível de entender como uma articulação entre políticos, artistas, religiosos, intelectuais, publicitários e gestores turísticos e que encontra ressonância em diversas camadas sociais. A ditadura da folia, continua Rubim, estaria relacionada também às estreitas ligações que o mercado momesco e o da música têm com o poder estadual e municipal, por meio da Bahiatursa e Emtursa, empresas que promovem o turismo. Uma cumplicidade, diz, que acabaria atrelada à figura de Antonio Carlos Magalhães, que, ao voltar ao governo do estado em 1990, soube capitalizar o fenômeno da música baiana que surgia -- e seria pejorativamente rotulado de axé-music -- para transformá-la em produto de turismo. Blocos - Ao mesmo tempo que cooptou artistas, produtores e empresários de blocos com infra-estrutura e patrocínios, para o pesquisador, o grupo de ACM deu a todos eles a ampla liberdade para que gerenciassem o Carnaval. Daí, completa, a expectativa e o temor de alguns grupos com a subida do PT ao poder. Wagner pode matar dois coelhos com uma só paulada: fragilizar um foco carlista de grande influência na vida cultural da cidade e acabar com a omissão dos poderes públicos em deixar a condução do Carnaval ser manipulada em prejuízo da tradição da festa. A Bahia, observa o antropólogo Antonio Risério, vende muitos mitos que não são verdadeiros. Autor de Uma história da cidade da Bahia (Versal), ele cita alguns: diz-se que é uma cidade ensolarada, quando, na verdade, chove o ano inteiro, torrencialmente. ``Caymmi alimentou a idéia de que não se trabalha, mas baiano rala pra cacete'', observa. A visão de cidade alegre, avalia Risério, contrasta com os nomes de lugares antigos como Largo dos Aflitos, Praça da Piedade e Ladeira do Desterro, entre outros. ``Impôs-se uma imagem maníaca, onde ninguém tem o direito de ser triste, mas basta conversar com as pessoas e você encontrará muita solidão.'' O sociólogo Paulo Miguez faz coro. ``Em Salvador não se pode ficar triste e se isso nunca acontece a pessoa será profundamente infeliz, porque a tristeza é uma dimensão da vida humana que não pode ser desprezada'', observa. Miguez defendeu o doutorado ``A organização da cultura na cidade da Bahia'', em que apresenta conclusões reveladoras sobre a indústria da música e do Carnaval de Salvador. ``A fossa, o baixo-astral, tudo isso, de vez em quando, nos enriquece. Um povo que é permanentemente alegre fica chato porque não é possível construir alegria cotidianamente a partir de tudo e numa cidade de graves desigualdades sociais.'' Criou-se, na sua opinião, uma ``ilha da fantasia, embora às vezes se desmonte o circo, como na greve dos policiais [em julho de 2001], quando a população ficou refém de criminosos''. Compreender as complexidades de Salvador e defender uma ampla e urgente discussão sobre os rumos da cidade tem sido uma preocupação quase exclusiva dos acadêmicos baianos nos últimos anos. Principalmente no Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura/Cult, do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade/Pós-cultura, da UFBA. O núcleo realizou entre os dias 23 e 25 de maio o III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (Enecult), que reuniu quase duas centenas de pesquisadores de todo Brasil, América Latina e Europa. Carnaval - Os pesquisadores afirmam que qualquer planejamento de crescimento sustentável para Salvador tem de passar pela elaboração de um projeto de reavaliação do papel do Estado e da prefeitura no Carnaval, com a finalidade de salvar a mais importante festa popular da Bahia. Significa, entre outras medidas, tirá-la das mãos de um pequeno grupo de empresários que há mais de duas décadas tem ditado regras e estabelecido privilégios em nome do que chamam de ``profissionalização'' do Carnaval ``mais democrático do mundo''. Na prática, porém, essa máquina tem privatizado os espaços públicos e asfixiado as manifestações populares tradicionais ou ligadas à cultura afro. Embora se diga que o baiano é cordial, o fato é que o temor da violência tem afastado das festas tanto turistas quanto moradores. O Carnaval de 2007 refletiu, de acordo com Rubim, a crise no modelo da festa e serviu como mais um alerta: os hotéis não tiveram ocupação máxima e era possível comprar fantasias (abadás) sem dificuldade e durante a folia. ``Tem de se criar caminhos, uma lógica de mercado que não seja submissa, predatória, em busca do ganho imediato, para dar margem à inovação'', sugere. Teórico respeitado da comunicação, Muniz Sodré, um dos palestrantes do Enecult, destaca que tanto o Carnaval quanto a música baiana precisam ser repensados. ``A cultura popular tem sido feita pela mídia de Salvador, principalmente por causa da força da TV. No entanto, continua a ter, da parte do povo, apropriações diversas e em lugares diferentes.'' Por isso ele acredita que o conceito de lugar é imperativo para definir diversidade, ``porque não é o lugar da mídia, mas da pequena comunidade, do interior, com formas próprias que se manifestam''. A Bahia, observa Sodré, já foi o lugar onde, de repente, essas expressões simbólicas diferenciadas ganharam o primeiro plano, mas logo se comercializaram. Se, por um lado, o mercado musical fez emergir certa identidade que até então estava recalcada, por outro lado foi imediatamente apropriada pela indústria do entretenimento e pelo Estado como atrativo turístico. ``Acho que isso teve no primeiro momento um papel político muito forte e o problema é saber se essa radiação já acabou. Pessoalmente, acho que tal força está se esgotando porque não se preocupou muito com a continuidade.'' Se fez surgir alguns grupos, o Carnaval, afirma ele, tem limitações econômicas grandes e não toca na questão da desigualdade. ``Os próprios blocos, que tinham sentido libertário, hoje são organizações cercadas por cordas.'' Assim, o conceito que se vê nas ruas durante a folia vai de encontro à idéia do Carnaval dionisíaco, libertário. Predomina entre empresários, artistas, Estado e município, na sua opinião, a velha ideologia do patrimonialismo. ``É a ideologia do compadrio, do favor. O país continua a ser assim e, por mais que o conteúdo da cultura seja de esquerda, não se pode infringir essa lógica, que estabelece territórios. É mais forte que qualquer ideologia de direita ou de esquerda.'' Injustiça - Para o jornalista e folião Bob Fernandes, o Carnaval é só mais um dos graves fenômenos da ``evidente'' injustiça social que tem marcado os cinco séculos de história da Bahia. ``Carnavalesco rueiro'', como se define, ele diz que demagogo não é quem propõe discutir a festa, mas aqueles que defendem seu continuísmo a partir da visão do conforto dos camarotes e do palanque oficial. ``Eu ando no meio da massa e sei que mexer no esquema não vai resolver o problema do apartheid na Bahia, mas pode sinalizar o que o poder público pensa a esse respeito. Quando não, ao menos ampliar o número de `proprietários' desse negócio.'' A primeira medida, sugere ele, é acabar com as cordas. ``A corda é a porrada, é a venda do espaço público e a imposição do preconceito e da segregação.'' Fernandes acredita que o futuro da festa vai depender da capacidade do novo governo de se impor, de discutir e de executar algum tipo de projeto para a cidade. ``Salvador é a jóia da coroa e não é possível que não se faça um amplo debate até o Carnaval do ano que vem. Por ser uma grande festa popular, pode-se estabelecer uma política duradoura e mais justa.'' O mais grave, na sua opinião, está no poder que os blocos estabeleceram na organização da festa. ``É um Carnaval de perseguição, com objetivo absolutamente restrito a meia dúzia de senhores, garotos e garotas. São pessoas que se dão bem num esquema montado a partir de uma gigantesca mentira que se criou para vender o evento: o de que Salvador recebe 1 milhão de turistas em cinco dias.'' Como isso é possível, pergunta ele, se a cidade só tem 27 mil leitos hoteleiros? ``Não há casas ou apartamentos para alugar que caiba tanta gente.'' Pelas suas contas, se 30 blocos desfilam ao mesmo tempo com cerca de 90 mil foliões, o número de gente na rua não deve passar de 500 mil. Bob Fernandes identifica problemas graves de aspectos cultural e político que podem transformar a capital baiana num lugar inviável de viver a médio prazo. Sintomas que já aparecem no trânsito caótico nas principais vias por causa de concessões dadas a construtoras de shoppings e de condomínios de luxo. ``Querem a qualquer custo agora aumentar o gabarito dos prédios da orla para transformá-la numa nova Copacabana, cujos prejuízos ambientais e de qualidade de vida atingirão toda a cidade.'' E ressalta sua preocupação para uma certa ``covardia moral'' da população que vê os bens públicos serem usurpados sem reagir. ``O baiano adora sair na porrada individualmente, mas tem se mostrado incapaz de se mobilizar contra os desmandos desses grupinhos que fazem o que querem da cidade'', provoca. Desafios - O secretário de Cultura Márcio Meirelles, há cinco meses no cargo, sabe dos desafios e das reformas que precisa fazer. Um dos renovadores do teatro baiano nas duas últimas décadas, ele fala com cautela dos desafios que tem pela frente. Dentre as suas prioridades está a descentralização da cultura para o interior a fim de preservar ou reviver ricas tradições ameaçadas pelo rolo compressor em que se tornaram a música e o Carnaval da cidade. Meirelles ri antes de falar do vespeiro que quer enfiar a mão: a relação de trocas de favores entre a Bahiatursa, empresários e artistas do Carnaval. ``Quando as relações não são mais com um cacique, um coronel, as coisas têm de mudar.'' Segundo ele, ``há muita gente esperneando porque está perdendo privilégios. É aquela velha história: quem se sente ameaçado, reage. E é isso que começamos a viver: o ataque dos privilegiados''. Outro aspecto da cultura baiana que tem sido de interesse na academia é a importância da música afro-brasileira, que deixou o gueto para fazer sucesso nas rádios e na TV e alimentar a folia a partir dos anos 1980. Mais que isso, causou profundas transformações, como o rompimento de barreiras de preconceitos, e promoveu a recolocação do negro em seu espaço, numa cidade onde 70% da população tem ascendência africana. Esse é o lado positivo de uma indústria predatória, marcada por equívocos, como explica Rubim. Miguez ressalta que o acirramento da disputa por foliões teve um ponto favorável: fez com que parâmetros raciais e de beleza fossem deixados de lado. ``A seleção dos foliões hoje, não tenho dúvida, prioriza a questão econômica.'' Até mesmo o esquema de montar uma agenda de Carnavais fora de época por todo o ano -- as micaretas --, que deixam alguns blocos e artistas com as agendas cheias, parece fragilizado pela falta de novidade. Rubim aponta a própria universidade como responsável, de certo modo, pelo ínício da valorização da cultura afro, com a criação do Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao) na década de 1960. Outro aspecto relevante, ressalta, foi a industrialização do Recôncavo com a criação do pólo petroquímico de Camaçari e do Centro Industrial de Aratu nos anos 1970, que fez surgir grupos emergentes de negros, mais conscientes de seus direitos e da importância de sua cultura, com novas necessidades e em sintonia com o movimento do black power americano e da música negra, principalmente o reggae. Desse despertar nasceu o bloco afro Ilê Aiê, conscientemente voltado para a valorização do negro na Bahia. Caetano Veloso - O terceiro elemento foi o engajamento de um grupo de compositores vindos da classe média na década de 1970, liderado por Antonio Risério, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Este só veio a descobrir a força da cultura negra depois da experiência do exílio e com seu engajamento no bloco Filhos de Gandhi. Eles plantariam a semente do que seria a axé-music. Risério concorda com Rubim e assume seu papel na história. Ele conta que havia uma investida política clara para que ocorresse na Bahia ``uma grande virada negra, com a população tratada com respeito, ``pois o que existia de interessante na cultura local vinha deles''. Esse esforço apareceu, por exemplo, na gravação de Beleza pura, por Caetano; e na batida do afoxé que Moraes Moreira conseguiu tirar do violão. ``Jogamos signos e ajudamos a transformar a cultura negra numa ideologia hegemônica.'' O antropólogo lembrou que ia com Caetano a várias iniciativas ligadas à música negra promovidas por blocos como Badauê, Ilê Aiê e Zamzimbá, entre outros. Aos observadores curiosos fica a expectativa de como será o ritual de louvação de alguns importantes cantores aos políticos.
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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Humanidades > Letras Entre os bits e o papel Modernização da Biblioteca Nacional ressalta importância da leitura, em qualquer formato Carlos Haag Em fins de 2005, poucos dias após assumir como o novo diretor da Fundação Biblioteca Nacional, FBN (``O ministro Gil me convidou e passei 15 dias pensando se aceitava'', lembra), no Rio de Janeiro, o professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Muniz Sodré, foi surpreendido com uma reclamação das mais insólitas. Chegando em meio a uma crise geral da instituição, cujos funcionários estavam em greve, tendo que resolver, às pressas, pendengas da administração anterior com o Tribunal de Contas da União, dar conta à opinião pública do desaparecimento de mais de mil itens da coleção Teresa Cristina, a ``menina-dos-olhos'' da fundação, o novo diretor recebeu em sua sala pesquisadores da UFRJ que haviam sido barrados na portaria porque, ao contrário das normas da biblioteca, ``estavam vestindo camisetas cavadas''. ``Sou descendente do povo nagô, um negociador nato, e só me jogando na parede é que parto para a capoeira. Aos poucos a biblioteca se modernizou, perdeu esse ar `velhusco' e olha para o futuro'', explica Muniz. Considerada pela Unesco a oitava biblioteca do planeta, com um acervo de mais de 9 milhões de itens, a FBN abriga tesouros do passado e, por causa da Lei do Depósito Legal, é guardiã de toda a publicação feita no Brasil, obrigada a lidar com o passado e correr para dar conta do presente. Ironicamente, ela mesma não pode editar (à exceção da Revista do Livro, dos Anais da Biblioteca e da Poesia Sempre, publicações retomadas por Sodré), apenas co-editar e nunca vender fora de seu espaço, no prédio neoclássico construído em 1905, como parte do bulevar à Paris do prefeito Pereira Passos, na hoje avenida Rio Branco. Muniz, irrequieto, mas seguidor das leis, driblou os obstáculos e acaba de lançar a nova revista da FBN, Cultura Brasileira Contemporânea, publicação quadrimestral editada por Francisco Bosco, doutor em teoria literária pela UFRJ (filho e parceiro letrista do compositor João Bosco), com tiragem inicial de 2 mil exemplares ao preço de R$ 15 na biblioteca, mas distribuída gratuitamente para bibliotecas públicas do país. ``Nem mesmo na academia existiam revistas de molde monotemático, que tratassem de um tema com profundidade. Daí a criação de uma publicação que trouxesse idéias novas para dissecá-las'', afirma. Na administração passada, a FBN passou por maus bocados por causa de outra publicação, uma querela em torno de quem teria os direitos sobre o nome Revista de História. Em verdade, essa revista, que é vendida em bancas, é de fruto de uma parceira entre a FBN e Sociedade dos Amigos da Biblioteca Nacional (Sabin), uma entidade sem fins lucrativos. Cultura Brasileira Contemporânea é a real prata da casa, cujo primeiro número discutiu a música popular brasileira, com artigos de Arthur Nestrovsky, Antônio Cícero e Nuno Ramos, entre outros. O próximo número será dedicado às ``conjugações contemporâneas'', com escritos sobre os verbos amar, consumir, grafitar etc. Muniz já tem planos para outras edições que tratariam de temas como o ``homem cordial'' de Sérgio Buarque de Holanda e sobre o cinema nacional. A revista, porém, é apenas uma das realizações da atual gestão, que para Muniz, baiano, ``é do povo, como o céu é do avião''. ``Minha intenção é fazer o máximo para ampliar a circulação do livro e o índice de leitura. A economia formal, do dinheiro, é sempre precedida de outra, invisível, da cooperação. É a economia do saber, do conhecimento, o capitalismo cognitivo que, embora não computável, é fundamental para o desenvolvimento da economia formal. É pela alfabetização que se prepara a população para a entrada numa nova era tecnológica, que se constrói essa economia do saber'', explica. Segundo ele, não há como levar à frente o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, econômico, sem o saber. ``Mas o valor de políticas públicas de cultura não deve ser buscado na fetichização do Estado. É preciso deslocar o viés classista para uma interação com as comunidades que assinalam a diversidade simbólica brasileira e que aspiram à preservação patrimonial e à participação nessas políticas. É inovador agregar ao interesse do patrimônio de pedra e cal o cuidado com o outro, imaterial'', diz. Para Muniz Sodré, ainda falta na sociedade global o entendimento da cultura como ponto de partida, não de chegada, e, para tanto, ela precisa ser associada à educação. ``O desafio é assegurar cidadania cultural e acessibilidade'', avisa. Muniz está menos interessado em como será o suporte material futuro do saber e mais em como reparti-lo de forma mais democrática. Daí a participação, de última hora, do Brasil no projeto Biblioteca Digital Mundial, iniciado em dezembro do ano passado, e que pretende, a partir de 17 de outubro, inaugurar um site onde se podem encontrar, gratuitamente, materiais culturais considerados por cada participante do grupo como o mais representativo de seu desenvolvimento. De início, o Brasil não estava dentro do projeto, mas Muniz foi convidado a participar e, agora, a Biblioteca Nacional disponibilizará material nacional para acesso global. O ponto de partida foi a renovação do site da FBN (www.bn.br), parte da crença de Muniz Sodré na tecnologia como forma de tirar a poeira que parece cercar a palavra biblioteca. Hoje no computador, por exemplo, é possível conhecer o acervo da instituição, sua história, passear virtualmente por ela e, ``algo que encantou os gringos'', apreciar uma coleção com 1.600 mapas dos séculos XVI e XVII, bem como baixar obras clássicas completas, de Machado de Assis ou Lima Barreto. A partir de outubro, qualquer cidadão do planeta poderá ver, entre outras coisas, as preciosidades da coleção Teresa Cristina, por exemplo, que inclui obras de Rugendas e Debret, mapas, traduções de clássicos etc. Sem o perigo de roubo, pois agora a FBN instalou um sofisticado sistema de segurança para evitar os roubos que macularam o nome da instituição no passado. São 70 câmeras espalhadas pelo prédio e mais de 10 mil metros de fibras ópticas que servem como alarme. ``Isso deu tranqüilidade aos nossos funcionários, de alto nível e que têm orgulho de trabalhar aqui, na preservação de nossa cultura'', afirma Muniz Sodré. O novo laboratório de restauração é, diz o diretor, o melhor do país, com novos equipamentos e troca de tecnologia por meio de maior interação com a biblioteca do Congresso americano. ``A ênfase da minha administração é a preservação de acervos culturais, bem como a promoção e o intercâmbio de eventos na área de patrimônio'', conta. Para tanto, com apoio da Petrobras, o prédio anexo da FBN, na avenida Rodrigues Alves, será preparado para que a hemeroteca (para onde vai todo o material após ser digitalizado) funcione a todo vapor, bem como está se preparando, pasmem, um inventário do acervo da biblioteca, até hoje inexistente. Além disso, Muniz encomendou dois filmes (com atores populares como Marcos Palmeira e Antonio Calloni) que serão exibidos, a partir do próximo mês, no foyer da FBN, contando a história da biblioteca, seus acervos e de como utilizá-la da melhor forma. Ele, porém, não se contenta com o trabalho de Hércules, que é dirigir um órgão desse porte e quase sem verba, e está participando ativamente da institucionalização de uma parceria estratégica entre os ministérios da Cultura e da Educação, algo inédito, na elaboração do Plano Nacional do Livro e da Leitura, sancionado pelo presidente Lula em setembro. ``Estou convicto de que o desenvolvimento da parte educacional do PAC requer, com o intuito de melhoria do rendimento escolar, a intensificação dos esforços na disseminação do livro e da leitura'', observa. Com uma sorte de nagô, Muniz Sodré logo ao assumir recebeu uma verba inesperada de R$ 28 milhões, captada pelo Minc via Senado, que usou para a criação de mais de 400 novas bibliotecas. ``Ainda assim continuamos com um déficit de 700 bibliotecas'', lamenta. O link entre os ministérios quer fazer da leitura uma política de Estado, envolvendo professores e editores, que serão treinados como estimuladores de leitura nas escolas, incluindo-se a reativação, por Muniz Sodré, do Pró-Ler, no Rio de Janeiro. ``Estamos diante da relativização da velha hegemonia do livro em face da esfera do virtual, onde não se reside, circula-se, embalado pela promessa de um discurso, democrático, de um saber sem hierarquias'', avalia.
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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Humanidades > Psicologia Desce macio demais Há uma perigosa relação entre propaganda de bebidas e o consumo de álcool pelos jovens Carlos Haag Em se tratando de consumo de bebida e adolescência, o surrado slogan ``eu sou você amanhã'' não é, com certeza, uma propaganda enganosa. Um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado pela psicóloga Ilana Pinsky, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), avaliou a relação entre a publicidade de bebidas alcoólicas (em especial a cerveja) e seu consumo pelos jovens. Os resultados não descerão ``redondo'' na goela da indústria da cerveja, que fatura mais de R$ 20 bilhões por ano e gastou, em anúncios, apenas em 2006, R$ 700 milhões. ``Temos dados que questionam a eficácia da auto-regulamentação das propagandas feitas pelo Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), por meio de uma pesquisa feita com estudantes do ensino médio de escolas públicas de São Bernardo. O outro, realizado com alunos ainda mais jovens (6ª e 7ª séries), revela a associação das variáveis das publicidades de bebidas alcoólicas com o consumo de álcool dessa amostra'', explica Ilana, que apresentou, neste mês, em Budapeste, Hungria, os papers no 33rd Annual Alcohol Epidemiology Symposium of the Kettil Brunn Society for Social and Epidemiological Research on Alcohol. Segundo a pesquisadora, se até 2000 (quando a Lei 10.167 proibiu a propaganda do cigarro nos meios de comunicação) o álcool já era o produto mais anunciado, hoje ele reina soberano, encerrando mensagens que associam a bebida à resolução de problemas, tensões, sinônimo de camaradagem, humor, sexualidade, sucesso, e até mesmo carregando um conteúdo nacionalista, como se verificou nos estudos feitos durante a última Copa do Mundo. ``No Canadá, por exemplo, é proibido associar bebidas a símbolos de status ou dar a entender que aceitação social, sucesso pessoal, negócios ou conquistas esportivas podem ser atingidos pelo consumo do produto'', lembra a professora. Um levantamento feito em 2001 pela Unifesp mostrou que o alcoolismo afeta 11,2% dos brasileiros e, dentre esses, 17,1% dos homens. Essas pesquisas, porém, estavam deixando de lado um dado fundamental: a idade dos consumidores. ``Nosso estudo com crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos mostrou que assistir a propagandas com freqüência provoca a expectativa de consumir bebidas no futuro. Muitos dos meninos entrevistados disseram que a publicidade os encorajava a beber. Vários afirmaram que `as festas a que eu vou são iguais às dos anúncios'. Acima de tudo há uma crença generalizada de que as propagandas de álcool `dizem a verdade', o que faz os jovens crerem nelas para definir a sua idéia de `hábitos normais de beber' .'' Ilana ressalta a importância da preocupação levantada no encontro internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Valência, Espanha, no ano passado: há uma tendência mundial, em particular nos países em desenvolvimento, de indústria de bebidas alcoólicas dirigir seus produtos aos jovens, num efeito colateral do ``eu sou você amanhã''. Daí a gravidade do que se descobriu na segunda pesquisa feita pelo grupo da Unifesp, cujos resultados revelaram que as propagandas de cerveja violam grande parte das regras do código brasileiro de auto-regulamentação publicitária. Das 16 regras incluídas no estudo, 12 foram desrespeitadas, segundo o julgamento do público adolescente, em especial a que proíbe a publicidade a induzir o consumo abusivo e irresponsável de bebidas, a que veta que se dê a impressão de o produto estar sendo recomendado em razão de seus efeitos sobre os sentidos e, acima de tudo, a regra que impede a utilização de imagens, linguagem ou idéia de que o consumo do produto é sinal de maturidade ou que contribua para o êxito profissional, social ou sexual. Basta fechar os olhos e tentar lembrar de algumas das propagandas recentes de cerveja para perceber que a mensagem está sendo dirigida aos jovens e que eles estão abertos a ela. O pior é que a realidade é conhecida pela sociedade: há mais de 120 projetos em andamento no Legislativo, muitos deles exigindo, nos moldes do tabaco, a proibição dos anúncios de álcool, como ocorre na França e na Holanda. ``Países que proíbem a publicidade de destilados têm níveis de consumo 16% mais baixos e 10% menos acidentes automobilísticos fatais do que países sem nenhuma proibição. Esses números passam para 11% e 23% no caso de cerveja e vinho'', ressalta Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (Uniad-Unifesp). O Brasil, como o Reino Unido, a Austrália e os Estados Unidos, optou pela regulamentação ética. ``O setor de propaganda brasileiro se organizou a partir dos anos 1980, editando regras de comportamento interno a fim de evitar ingerência externa (leia-se do governo). As indústrias de bebidas, com setores de publicidade e propaganda, defendem a eficácia do controle ético. No caso da cerveja, os dados obtidos mostram uma outra realidade'', avalia Ilana. A razão pela qual as empresas fazem publicidade é fidelizar seus consumidores e ganhar participação no mercado em cima de consumidores de outras marcas. Nós disputamos, entre nós, fatias de mercado a partir da publicidade. Um estudo feito a nosso pedido pela Luciano Coutinho Associados Consultores analisou a relação entre volume de audiência em televisão e consumo. A correlação encontrada foi insignificante do ponto de vista estatístico'', afirmou Milton Seligman, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), na audiência pública realizada em 2006 pelo Conselho de Comunicação do Congresso Nacional, que discutia O álcool nos meios de comunicação. Seligman afirmou a necessidade de estratégias diferenciadas a serem adotadas pelo governo no caso do tabaco e do álcool. ``Quanto ao cigarro, a percepção do risco é de longuíssimo prazo. `Só vai me acontecer algo quando for velho e eu já parei de fumar'. Era, portanto, preciso, interromper o quanto antes os códigos que alimentavam essa noção'', explicou. ``No caso do álcool, os prejuízos (consumo por menor de idade, riscos de violência familiar e acidentes) são percebidos como de curtíssimo prazo: `hoje à noite', `depois da festa'. Logo, é necessário amplificar todos os códigos de comunicação para a percepção do risco imediato. Ou seja, investir em muita comunicação, campanhas publicitárias que levem a uma mudança de comportamento, e não acabar com as propagandas.'' Na mesma audiência, José Inácio Pizani, presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), avisou que tentativas de proibição de propagandas de bebidas colocam ``em jogo a liberdade de expressão''. ``Somos, sim, concessionários, mas também somos empresários. Temos as obrigações legais de um ente privado e insisto: aprovadas as proibições ou danosas restrições à propaganda comercial, quem custeará as emissoras de rádio e TV abertas do Brasil? Será que o objetivo é acabar com elas?'' O tom foi o mesmo adotado no editorial do jornal O Globo, de 8 de maio passado, que criticava a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que, dentro da Política Nacional sobre o Álcool, conforme decreto do governo Lula, propõe adotar medidas para reduzir o consumo de bebidas e colocar limites à sua propaganda (como passar a considerar cervejas, ice e coolers como bebidas alcoólicas, o que antes não ocorria, e proibir a publicidade das 8h às 21h). ``No diálogo, pode ser que o Ministério da Saúde entenda que jogar sobre os ombros da publicidade a culpa pelo alcoolismo equivale a condenar anúncios da indústria automobilística pela violência no trânsito'', disse O Globo. ``Estudos mostram que a fidelidade a uma marca, como defende a indústria da cerveja, acaba por elevar o consumo geral do produto. Um anúncio pode aumentar a demanda por uma certa marca, mas não afeta consideravelmente o consumo de outras, chegando mesmo a causar um crescimento global do álcool. Se uma cerveja faz uma campanha de sucesso, isso estimula a sua concorrente a revidar com outra ainda mais forte'', rebate Ilana. Além disso, continua a pesquisadora, para furar o ``bloqueio'' ético do Conar, a indústria vem recorrendo nas propagandas a uma linguagem generalizante, tornando a tarefa de escapulir de preceitos do regulamento com facilidade. ``São desenvolvidos nichos específicos a partir da associação de determinada marca com esportes, estilos de vida e outras artimanhas destinadas a fisgar o consumidor pela via da identificação'', analisa Laranjeira, para quem a regulamentação ética seria apenas uma forma de escapar ``da mira do governo'', fazendo uma sub-regulação em detrimento do interesse público. Em grande parte dos casos, denúncias ao Conar sobre irregularidades em campanhas de cerveja são feitas pela própria indústria, no caso, avisa Ilana, uma cervejaria concorrente. ``A regulamentação de horário da Anvisa, embora seja uma tentativa positiva de disciplinar as propagandas de cerveja, terá pouco efeito, pois o estudo mostra que, independentemente do horário, os anúncios continuam atrativos para os adolescentes.'' Ilana, no entanto, ressalta que ``não se deseja atribuir somente aos anúncios atitudes e comportamentos no trânsito e no consumo de bebidas alcoólicas'', apenas focar um aspecto até então pouco estudado, levando também em conta um público igualmente menosprezado pelos estudos. ``A sociedade toma atitudes paradoxais frente ao tema: por um lado, condena o abuso de álcool pelos jovens, mas é permissiva ao estímulo do consumo por meio da propaganda'', observam em artigo Flávio Pechansky e Cláudia Maciel, do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ``Mesmo com os avisos de que o produto é `para adultos' e sobre `moderação', há desproporção entre isso e o impacto gigantesco da propaganda sobre o consumo de bebidas pelos jovens. Para os pesquisadores, o adolescente está construindo sua identidade e, mesmo sem um diagnóstico de abuso, à medida que se habitua a passar por uma série de situações apenas sob o efeito de álcool, há o perigo de dependência. ``Vários adolescentes associam lazer ao álcool ou só conseguem tomar iniciativas afetivas e sexuais se beberem. Para uma mente em desenvolvimento, o paradoxo da posição da sociedade e a falta de firmeza no cumprimento de leis (bem como a facilidade do acesso, os exemplos familiares e a falta de suporte parental) são um caldo de cultura ideal para a experimentação de drogas e bebidas, contribuindo para a precocidade da exposição ao consumo abusivo.'' ``É legítimo pressupor que uma sociedade tem o direito de se defender daquilo que julga pernicioso e que isso pode ser entendido como mais do que somente o acesso ao controle remoto da TV. E, da mesma forma que é legítimo e desejável que na democracia uma atividade se auto-regulamente, é também legítimo que se questione se interesses corporativos ou financeiros estão atropelando os interesses da sociedade como um todo'', avalia Ilana.
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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Ambiente > Políticas públicas Cenários da floresta Modelos mostram que parte da Amazônia vai virar savana e sugerem que combate ao desmatamento pode amenizar o aquecimento global Fabrício Marques Dois artigos científicos publicados no mês passado projetaram cenários para o futuro das florestas tropicais com base em cálculos e modelos computacionais. Aponta-se, por exemplo, uma alta probabilidade de que o aquecimento global vá converter uma parte da Amazônia brasileira em savanas, em decorrência da redução da quantidade de água no solo. Mas, por outro lado, tanto as mudanças globais como seus efeitos na cobertura vegetal poderão ser amenizados caso se reduzam os desmatamentos praticados pelo homem. Os artigos foram escritos por vários cientistas e, em comum, têm a assinatura do brasileiro Carlos Nobre, pesquisador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês), fórum criado pelas Nações Unidas. Publicado no site da revista Science, o estudo Tropical forests, climate change and climate policy mostra que, caso seja mantido o ritmo de desmatamento dos últimos anos, a destruição das florestas tropicais deverá lançar uma quantidade adicional de 87 bilhões a 130 bilhões de toneladas de carbono até o ano 2100 -- o equivalente a mais de uma década de emissões causadas por combustíveis fósseis. Mas, se os países conseguirem reduzir as taxas de desmatamento em 50% até 2050 e manter este ritmo até 2100, será possível eliminar 50 bilhões de toneladas de carbono. Isso equivale a mais de 10% dos cortes necessários para manter as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono em 450 partes por milhão, limite acima do qual, segundo o IPCC, o aquecimento ultrapassará um patamar de 2ºC e produzirá problemas em escala global. O texto é assinado também por cientistas da Austrália, do Canadá, dos Estados Unidos, da França e do Reino Unido e foi divulgado na seção Policy Forum, na qual a Science recomenda estudos aplicáveis em políticas públicas. Há tempos os países industrializados são apontados como os grandes responsáveis pelas emissões de gases causadores do efeito estufa, o que levou os cientistas a colocar em segundo plano o potencial de redução dos países em desenvolvimento. Estas nações ficaram fora da primeira fase de compromissos assumidos no Protocolo de Kyoto. Isso está mudando. Segundo dados chancelados pelo IPCC, o desmatamento de florestas tropicais lançou na atmosfera na década de 1990 cerca de 1,5 bilhão de toneladas de carbono por ano -- ou 20% das emissões de gases causadores do efeito estufa promovidas pelo homem. Recentemente, no âmbito da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, surgiu uma iniciativa voltada para identificar políticas capazes de reduzir emissões do desmatamento em países em desenvolvimento. Foi esta iniciativa que abasteceu de dados o estudo publicado no site da Science. Trajetória declinante - Além da importância de controlar a devastação, o artigo sugere que esse tipo de iniciativa está no rol das opções mais baratas para conter o desmatamento. Os pesquisadores destacam, porém, que países em desenvolvimento precisam de apoio financeiro para reduzir a devastação. ``Tem que ser um esforço mundial e parte das reduções precisa ser financiada pelos países ricos'', diz Carlos Nobre. Uma boa notícia é que o Brasil, na avaliação de Nobre, tem amplas condições de alcançar a meta de redução de 50% muito antes de 2050. ``A trajetória dos desmatamentos no Brasil é declinante e sou otimista em relação à nossa capacidade de mantê-la sob controle no futuro'', afirma. ``O poder público pela primeira vez tem tido ações efetivas para coibir o crime organizado que desmata a floresta, e já se vê o impacto disso. Por outro lado, a população brasileira tende a se estabilizar nas próximas décadas e as enormes áreas já desmatadas são mais do que suficientes para abrigar atividades econômicas da população rural atual e do projetado aumento desta população. O Brasil precisa se engajar, mas o quadro é favorável'', afirma. Já o caso das florestas tropicais da Indonésia é mais complexo, segundo o pesquisador. ``O controle institucional lá é mais complicado e, como muito já foi desmatado, o que sobrou é especialmente vulnerável.'' O segundo estudo, publicado na revista Geophysical Research Letters, em parceria com os pesquisadores Luis Salazar, do Inpe, e Marcos Oyama, do Centro Técnico Aeroespacial, utilizou 15 modelos climáticos computacionais disponíveis para projetar o impacto do aquecimento global nos biomas da América do Sul. Estes modelos ainda apresentam grandes divergências de resultados, como no caso do regime de chuvas, por exemplo. ``Há controvérsias, por exemplo, em relação ao papel das nuvens, que são de difícil representação nos modelos'', diz Nobre. O aumento da evaporação deverá estimular a formação de nuvens, que, ao refletir a radiação solar, podem servir de antídoto para o aquecimento e contrabalançar efeitos das mudanças globais. Esse tipo de incerteza ainda torna inviável, por exemplo, antever o destino da Caatinga brasileira. Mas há um consenso importante. Mais de 75% dos modelos convergem e indicam que é provável que o sudeste da Amazônia, principalmente as matas do estado do Pará, sofra um processo de savanização. ``Esta região já tem uma estação seca mais longa do que outras áreas da floresta. Os modelos indicam que, com uma evaporação maior e a conseqüente redução da quantidade de água no solo, ela pode tornar-se semelhante às regiões de Goiás e Tocantins'', diz Carlos Nobre. O pesquisador, contudo, evita comparar a biodiversidade que restará com o panorama do Cerrado. ``Será uma savana bem mais empobrecida'', afirma. As projeções indicam uma redução de 18% das áreas cobertas por florestas tropicais até o final deste século, com o aumento de 30,4% das áreas cobertas por savanas.
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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Ambiente > Mudança climática Tecnologia contra o aquecimento global Brasil sai na frente com etanol, biodiesel e plantio direto Claudia Izique Os três relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) -- a maior radiogra- fia ambiental já realizada -- divulgados nos meses de março, abril e maio não deixaram dúvidas de que a elevação da temperatura do planeta tem que ser creditada à ação do homem e que o impacto do aquecimento global sobre os ecossistemas, a economia e as sociedades poderá custar caro à humanidade. Mas também apontaram o caminho: o mundo pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa, principalmente as de dióxido de carbono (CO2), por meio da utilização de energias renováveis, racionalização no uso de transportes, melhoria no manejo agrícola e redução do desmatamento, entre outras medidas mitigadoras. A ação, no entanto, deve ser imediata. ``Esse é um momento excelente para mudar o padrão de consumo para atender demandas da sustentabilidade e mudar a visão de utilização dos recursos naturais do planeta'', afirma Paulo Artaxo, enxergando no que poderia ser interpretado como crise uma oportunidade, sobretudo para o Brasil, que, segundo ele, tem ``enormes vantagens estratégicas'' em relação a todas as recomendações do IPCC. A lista de ``vantagens estratégicas'' começa pelo etanol e inclui o biodiesel, as tecnologias de plantio direto e a produção de energia elétrica a partir de insumos renováveis. A tecnologia do etanol vem sendo desenvolvida há três décadas. O país tem mais de 6 milhões de hectares de cana-de-açúcar e produz 17,7 bilhões de litros de etanol, algo em torno de 35% do total mundial, em 325 usinas sucroalcooleiras. A produtividade varia de 6 mil a 8 mil litros de etanol por hectare. Cerca de 90 novas usinas estão em fase de instalação e quase 200 em estudos -- metade delas com participação estrangeira --, o que deverá ampliar a área plantada em mais 1 milhão de hectares e elevar a oferta do combustível para 27,8 bilhões de litros até 2010. O Brasil e os Estados Unidos -- com uma produção de 18,5 bilhões de litros de etanol obtidos a partir do milho -- respondem por 70% do mercado mundial de etanol. O mercado brasileiro já tem boas perspectivas de expansão. O consumo interno cresce com o carro flex -- a expectativa é de um aumento de 50% até 2010, nos cálculos da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) -- e com a mistura obrigatória do álcool à gasolina. O mercado internacional ainda é incipiente e volátil, como costuma descrever Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Há perspectivas de um crescimento das exportações brasileiras -- que no ano passado somaram 3,5 bilhões de litros -- para o mercado japonês e asiático, por exemplo. A possibilidade de negócio com os Estados Unidos esbarra numa tarifa protecionista de US$ 0,14 por litro e na disposição daquele país de ir fundo no abastecimento do mercado interno: US$ 1,9 bilhão está sendo investido em pesquisa com o etanol do milho. Para os especialistas, o Brasil deveria apostar na exportação de sua tecnologia de produção de etanol para países da África, Ásia e América Latina, que produzem cana com baixa utilização de tecnologia e têm déficit de energia. Mas, para tanto, é preciso responder a alguns desafios. Os produtores de cana, de acordo com dados da Unica, investiram US$ 40 milhões anuais na produtividade das lavouras, nas últimas duas décadas, que cresce a uma média de 4% ao ano. Na região de Ribeirão Preto, por exemplo, já é de 90 toneladas por hectare. ``Mas o potencial da cana é de 180 a 200 toneladas por hectare'', diz o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Silvio Crestana. Etanol de celulose -- Apenas um terço da biomassa da cana é aproveitado para a produção de açúcar e álcool combustível. O grande desafio é converter em etanol também a celulose, que está no bagaço e na palha descartada na colheita, por meio da hidrólise enzimática. As pesquisas estão em curso no âmbito do Projeto Bioetanol, coordenado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp (ver Pesquisa FAPESP no 133). A expectativa é de que a nova tecnologia produza um salto de produtividade, sem ampliar a área plantada de cana-de-açúcar. É preciso resolver também o problema dos insumos para reduzir os custos de produção de cana, assim como dos demais produtos. ``Somos importadores de fósforo, potássio e mesmo de nitrogênio, dependentes de acordos multilaterais e bilaterais'', lembra Crestana. No caso do nitrogênio, ele observa, já existem avanços importantes da agrobiologia. ``Já conseguimos suprir até 30% das necessidades das gramíneas, como a cana, por via biológica'', diz o presidente da Embrapa. Há ainda investigações para obter o produto de rochas potássicas e fostáticas. ``O problema é como fazer isso de forma economicamente viável'', diz Pedro Leite da Silva Dias, especialista em mudanças climáticas, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP). O manejo da cana-de-açúcar também é um problema, destaca Reynaldo Victória, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). A colheita da cana é feita depois da planta queimada. Se fosse cortada crua, sem queimar, os resíduos da planta seriam incorporados ao solo, transformando-se em matéria-prima orgânica. Nesse caso, o balanço de seqüestro de CO2 ao longo do processo de transformação da cana em álcool tem resultado ainda mais positivo. ``Testes feitos em usinas já demonstraram resultados superiores em 40 toneladas por hectare num prazo médio de dez anos'', diz Victória. O desafio, nesse caso, é desenvolver tecnologia para a colheita da cana crua: as máquinas colheitadeiras operam apenas em terrenos com até 12º de inclinação e o corte manual seria impossível sem que os trabalhadores usassem equipamentos especiais. ``Isso encareceria o custo da colheita'', observa Victória. Outro problema da queimada -- prática também utilizada no Brasil para limpeza do solo -- é que ela produz gases precursores de ozônio que, em contato com a luz, acumulam esse gás de efeito estufa na troposfera, acrescenta Silva Dias. Seqüestro de carbono - Uma das recomendações do IPCC para a redução do aquecimento global é a adoção do plantio direto nas lavouras, que, por eliminar o uso de arado, não revolve o solo, mantendo acumulado nele a palha e, conseqüentemente, o carbono imobilizado no tecido vegetal. ``Essa é uma técnica utilizada em latitudes altas, que a agricultura brasileira adaptou'', observa Silva Dias. O Brasil tem 24 milhões de hectares cultivados na forma de plantio direto que representam 30% da área total de lavouras no país. É a segunda maior área cultivada sob esta tecnologia, perdendo apenas para os Estados Unidos, com 26 milhões de hectares. ``O plantio direto foi adotado para reduzir a erosão do solo'', explica Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, do Departamento de Solos da Esalq. Sabe-se agora que ele tem a qualidade de ``seqüestrar'' o carbono no solo. Estudos têm mostrado que 0,5 tonelada de CO2 por hectare é anualmente incorporada ao solo por meio da prática de plantio direto. ``Se multiplicarmos pela área plantada, de 24 milhões de hectares, o resultado somaria 12 milhões de toneladas de carbono por ano'', calcula Cerri. Essa prática, num país de dimensões tropicais, resultaria no armazenamento monumental desse gás de efeito estufa. O grande desafio a ser desvendado pela ciência é reduzir o armazenamento no solo também de óxido nitroso (N2O), um dos gases de efeito estufa com enorme potencial de aquecimento global, presente nos resíduos de fertilizantes nitrogenados, que também é incorporado ao solo. As pesquisas têm revelado que esse efeito negativo pode ser atenuado com o fracionamento das aplicações de fertilizantes. ``O carbono seqüestrado no solo poderia transformar-se numa fonte de receita para o produtor se comercializado no âmbito do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL)'', sugere Cerri. O MDL é um instrumento criado no âmbito do Protocolo de Kyoto que permite que os países desenvolvidos -- que têm metas de redução de emissões a cumprir até 2012 -- adquiram créditos de carbono gerados em projetos de redução de emissões de gases de efeito estufa implementados nos países em desenvolvimento. Em todo o mundo, mais de 50 países desenvolvem projetos de MDL. O Brasil ocupa hoje o terceiro lugar, com 210 projetos, atrás da China, com 299 projetos, e da Índia, com 557. O carbono seqüestrado no solo não está credenciado para esse mercado. ``Isso dependerá de negociações de governos para ser validado a partir de 2012, no período conhecido como pós-Kyoto.'' Combustível de futuro - O Brasil também desenvolve pesquisa sobre o biodiesel desde 1975. Atualmente estão em funcionamento 23 usinas de processamento do biocombustível com capacidade de produção de 964 milhões de litros, destinados à mistura de 2% em todo o óleo diesel no país, que será obrigatória a partir de 2008. Mas ainda há um longo caminho a percorrer no desenvolvimento dessa tecnologia, já que quase todo o biodiesel produzido no Brasil é feito a partir do metanol, que não é considerado propriamente renovável (ver Pesquisa FAPESP nº 134). ``Temos que fazer a transição para o biocombustível. Essa é uma tecnologia que não dominamos totalmente'', sublinha Silva Dias. Com uma produtividade entre 1,5 mil e 3 mil litros por hectare, o biodiesel é muito menos eficiente que o etanol -- entre 6 mil e 8 mil por hectare -- e inferior ao de países como a Indonésia, que produz o combustível a partir do dendê, obtendo resultados surpreendentes: 5 mil litros por hectare. É preciso dar um ``salto na pesquisa e na tecnologia'', ele recomenda, e testar, entre outras investigações, o desempenho de palmáceas em grandes áreas, analisando sua real contribuição para a redução de gases de efeito estufa. Insumos renováveis - Em matéria de insumos renováveis para a produção de energia elétrica, o Brasil também tem posição de vantagem. Artaxo lembra que o Brasil tem enormes perspectivas na exploração da geração de energia eólica e solar. ``Isso não tem preço'', enfatiza. Na avaliação de José Goldemberg, do Instituto de Energia Elétrica, da USP, a grande opção brasileira segue sendo a energia hidrelétrica. ``O potencial energético utilizado no país é só de 30%'', diz. Ele reconhece que as grandes fontes hidrelétricas se concentram hoje na Região Norte. É o caso das duas hidrelétricas do rio Madeira -- Santo Antônio e Jirau -- cuja construção aguarda autorização do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas , na sua avaliação, o país deveria investir na construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCH), com capacidade de até 1.000 MW, hoje restritas ao Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (ProInfa). ``Temos tecnologia para isso'', sublinha. O Proinfa, no entanto, caminha a passos lentos e seus resultados estão aquém do desejado. O programa foi criado em 2002 com o objetivo de apoiar investimentos em fontes eólicas e PCH, além da biomassa. A meta era atingir uma capacidade instalada de 3,3 mil MW, mas os resultados não ultrapassaram os 860 MW. As eólicas instalaram 208,3 MW e as PCHs, 186,4 MW. O país já tem tecnologia, mas o grande desafio, segundo Artaxo, é conferir escala a essa produção. ``O Estado não tem condições financeiras nem logísticas de implementar esse novo mercado de energia. A sua tarefa deve ser a de fomentar investimentos e deixar o negócio para a iniciativa privada.''
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Pesquisa FAPESP Edição 136 - Junho 2007 Ambiente > Energia A química do biodiesel Novo catalisador melhora a produção do biocombustível Marcos de Oliveira Vinte e cinco anos após ganhar os prêmios Jovem Cientista e Governador do Estado, o químico Osvaldo Cândido Lopes finalmente está vendo a evolução de seu invento chegar ao mercado. Até o final do ano deve começar a funcionar em Campo Verde, em Mato Grosso, uma usina de produção de biodiesel que utilizará um novo catalisador, substância química imprescindível para a transformação do óleo vegetal, extraído de grãos oleaginosos e gordura animal, em biocombustível. O produto é fruto dos primeiros trabalhos iniciados quando Lopes, logo após a graduação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no início dos anos 1980, fazia seu curso de mestrado na própria universidade. A importância do novo catalisador se mede em três avanços para a industrialização do biodiesel: maior volume de produção, com um aproveitamento de 99% diante de 96% dos produtos atuais, menos contaminante e possibilidade do uso mais eficaz do etanol no processo industrial. Hoje grande parte dos catalisadores é importada e usada com o metanol, outro ingrediente do processo, chamado de transesterificação, de obtenção desse biocombustível (ver Pesquisa Fapesp n° 134). O uso do etanol, o álcool da cana-de-açúcar, matéria-prima plenamente renovável ao contrário do metanol que é extraído do petróleo ou do gás natural, poderá ser feito com melhor aproveitamento em relação aos catalisadores convencionais. Lopes desenvolveu os primeiros catalisadores sob a orientação do professor Ulf Schuchardt, do Instituto de Química da Unicamp. Mas naquela época o projeto do biodiesel, que nem tinha esse nome e variava entre pró-óleo e pró-diesel, não ganhou a projeção do Proalcool por motivos políticos e econômicos. Lopes, então, abandonou a idéia por alguns anos até encontrar em um congresso, em 2004, o professor Antônio José da Silva Maciel, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp, ex-colega dos tempos de graduação. Com novas idéias e o apoio do professor Maciel, Lopes voltou à academia, agora na Feagri, para fazer o doutorado. ``Durante mais de 20 anos dei aula na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e em outras faculdades e cursos, mas foi o conhecimento sobre química analítica, principalmente na área farmacêutica (objeto de suas aulas), que me despertou novamente para os catalisadores'', diz Lopes. Como doutorando da Unicamp, Lopes, junto com Maciel, registrou uma patente sobre o novo tipo de catalisador em 2006 e, em abril deste ano, eles fizeram o primeiro licenciamento de uso para a empresa Biocamp, de Mato Grosso. O trabalho de registro da patente, assessoria e negociação do licenciamento foi realizado pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova), que soma 34 contratos de licenciamento de inovações gerados na universidade. A empresa mato-grossense vai produzir cerca de 60 milhões de litros de biodiesel por ano a partir de óleo de soja, algodão e sebo bovino. A Unicamp já firmou o segundo contrato de licenciamento, também em Mato Grosso, agora com a Cooperativa de Biodiesel (Cooperbio), de Cuiabá, que reúne 500 associados e foi formada pela Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa). O objetivo da cooperativa é produzir biodiesel para consumo próprio na frota de caminhões e máquinas agrícolas dos associados. A produção do óleo será feita principalmente com soja dos próprios produtores rurais e deve atingir 100 milhões de litros por ano. O diesel comum representa 8% do total de gastos de uma propriedade agrícola da região. Com o biodiesel, esse custo deve cair para 4%, considerando-se que os agricultores devem usar a fórmula B100, totalmente derivada de óleos vegetais, ao contrário da convencional, que possui, inicialmente, 2% (B2) de origem vegetal e se tornará obrigatória em todo país a partir de 2008. Uma das principais contribuições da Inova nas negociações foi a definição do cálculo dos royalties, baseado na produção do biodiesel. ``Nossa proposta foi a adoção de uma porcentagem fixa sobre o custo do litro'', diz o professor Roberto Lotufo, diretor executivo da Inova. Os números das negociações não podem ser revelados. O licenciamento foi firmado com a usina porque a preparação final do catalisador, na forma de pó, será feita no próprio local da produção. Quanto aos ingredientes do produto, tanto Lopes como Maciel não falam do que ele é feito. ``A primeira característica em relação aos outros catalisadores é não possuir metal na sua composição. Assim ele não produz um dos contaminantes da produção que é o sabão'', diz o professor Maciel. ``Com ele é possível produzir biodiesel com etanol ou metanol em larga escala a partir de matérias-primas, óleos vegetais ou gordura animal, sem a exigência de alta pureza, comum a outros catalisadores.'' Os pesquisadores enquadram o novo produto na terceira geração. ``A primeira, da década de 1920, é de hidróxido de sódio ou de potássio. A segunda, utilizada hoje, é a de metilato de sódio e potássio, criada nas décadas de 1970'', diz Lopes. ``O nosso catalisador é o carro-chefe de um projeto maior de consultoria para a elaboração de usinas. Para isso contamos com a parceria de duas empresas paulistas, a Lucato, de Limeira, fabricante de equipamentos, e a Alliance, empresa de equipamento e de produção de óleo vegetal, com sede em Ourinhos'', diz Lopes. Além dos pesquisadores da Feagri, também colaboram os da Faculdade de Engenharia de Alimentos e do Instituto de Química da Unicamp. Óleo de Indaiatuba -- Parte dessa estrutura, inclusive o próprio catalisador, já está em uso na cidade de Indaiatuba, no interior paulista, num projeto de políticas públicas intitulado Biodiesel Urbano. ``Nossa proposta é recolher óleo residual de frituras em bares, restaurantes, cozinhas industriais e residências para produção de biodiesel'', diz o professor Maciel, que coordena o projeto financiado pela FAPESP e pela prefeitura local. ``Para isso levamos parte do nosso laboratório para a cidade. Temos capacidade de produzir de 10 a 12 mil litros por mês.'' O projeto Biodiesel Urbano visa tanto ao ambiente, ao evitar que o óleo usado siga para esgotos e rios, como à geração de receita para um fundo social municipal com a venda do biodiesel. A iniciativa tem a participação do Instituto Harpia Harpya, comandado pelo bispo dom Mauro Morelli, instituição com foco na nutrição e na preservação do ambiente. Dom Mauro pretende implementar, a partir dessa experiência, um programa nacional de biodiesel urbano que gere empregos na coleta, na produção e na distribuição, além de formar um fundo de complemento alimentar para famílias carentes. ``Estamos montando um pacote que poderá ser reproduzido em outras cidades para a produção de biodiesel a partir de óleos residuais'', diz o professor Maciel, que conta também com o apoio da Inova. O Projeto Produção de biodiesel a partir de óleos vegetais residuais, promovendo a inclusão social e a preservação do meio ambiente Modalidade Programa de Pesquisa em Políticas Públicas (PPPP) Coordenador Antônio José da Silva Maciel -- Unicamp Investimento R$ 48.260,00 (FAPESP)
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Pesquisa FAPESP Edição 137 - Julho 2007 Carta da Editora > Investindo contra mitos Mariluce Moura -- Diretora de Redação O mercado brasileiro de xampus, condicionadores, tinturas, tonalizantes e afins cresceu 50% nos últimos três anos: o volume desses cosméticos para cabelos atingiu em 2006 o impressionante volume de 458 milhões de toneladas produzidas, enquanto o faturamento total do setor alcançou quase US$ 2,2 bilhões. Há xampu, condicionador e creme leave in para todo tipo de cabelo -- seco, oleoso, liso, crespo, fino, quebradiço, tingido, alisado etc. etc. etc. E se toda essa fantástica produção se destinasse exclusivamente ao mercado interno chegaríamos ao espantoso consumo anual de 2,4 toneladas de cosméticos para cabelo por cada brasileiro. Nesse ambiente marcado por meganúmeros, surpreendente mesmo seria não haver pesquisa independente para informar com base científica se esses produtos em alguma medida tratam ou não, fazem bem ou fazem mal aos cabelos tupiniquins. Há pesquisa brasileira na área, sim, e o editor interino de ciência, Ricardo Zorzetto, foi buscar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) um projeto consistente que, trabalhando na físico-química do cabelo, propõe que se os cosméticos funcionam para limpá-los e torná-los mais fáceis de pentear dificilmente têm qualquer efeito, por exemplo, de regeneração efetiva de fios danificados, diferentemente do que apregoa boa parte dos fabricantes desses produtos. O estudo é tão interessante que decidimos torná-lo objeto da reportagem de capa desta edição, a partir da página 38. Muito distante de uma certa leveza a que associamos esse assunto de cabelos, o drama de filhos de portadores de esquizofrenia, que crescem sem saber se herdarão ou não a doença que acomete um de seus pais, é outro tema de destaque na seção de ciência. Como mostra o relato do editor especial Fabrício Marques, a partir da página 44, a esquizofrenia costuma manifestar-se em 13% dos filhos de pacientes esquizofrênicos, enquanto na população em geral sua incidência é de 1%. A doença quase sempre dá as caras na fase adulta, portanto, há um longo período de incerteza, ou seja, de angústia e sofrimento psicológico ante uma dúvida crucial sobre o próprio futuro. Não bastasse isso, preconceito e outros dramas cercam quem tem pais vítimas da mais grave das doenças mentais. A reportagem que abre a seção de tecnologia da revista traz uma notícia, no mínimo, alvissareira: ainda na primavera deve ser inaugurada a primeira fábrica de circuitos integrados do país, os famosos chips, dispositivos fundamentais para o funcionamento de todos os equipamentos eletrônicos, tanto no processamento quanto na guarda das informações, conta o editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, a partir da página 62. Na verdade, a produção desses circuitos em Porto Alegre e a criação de sete design houses em diferentes pontos do país iniciam a transformação da microeletrônica brasileira. Na seção de humanidades há assuntos de importância política crucial para o futuro do país, como o debate sobre a televisão pública. No entanto, termino destacando um outro texto do editor de humanidades, Carlos Haag, dado seu interesse de caráter universal, digamos assim. Refiro-me à reportagem, a partir da página 83, sobre um estudo que tenta cercar de forma aguda o que é ser homem contemporaneamente. Ou melhor, que noções de masculinidade estão bem entranhadas na identidade do homem em nosso tempo e em nosso país. É leitura que vale a pena, para homens e mulheres.
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Pesquisa FAPESP Edição 137 - Julho 2007 Memória > Conversão ao álcool Dos três carros que percorreram o país para divulgar o novo combustível em 1976, só resta um Neldson Marcolin No dia 19 de outubro de 1976 três carros saíram do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos (SP), percorreram 8.500 quilômetros através de nove estados e voltaram ao ponto de partida 23 dias depois. Aparentemente comuns, o Dodge Polara 1800, o Fusca 1300 e o Gurgel Xavante causavam espanto no momento do abastecimento: todos funcionavam com álcool, em vez de gasolina. Os carros faziam parte da Caravana Pró-Álcool, nome popular do Circuito de Integração Nacional, criado para demonstrar a viabilidade do novo combustível. ``Quando enchíamos o tanque juntava gente para ver se era álcool mesmo'', conta Adilson Cavichi do Amaral, motorista da caminhonete usada no reabastecimento, que acompanhava a comitiva ao lado de outro veículo encarregado da segurança. ``Alguns faziam questão de molhar a mão e cheirar para ter certeza.'' O Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, foi criado oficialmente em 1975 por meio de decreto como conseqüência da grande crise do petróleo, de 1973. A meta principal era reduzir a importação de petróleo, vendido a preços exorbitantes pelos países exportadores. Para a tarefa de desenvolvimento do motor a álcool, o secretário de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio, José Walter Bautista Vidal, recrutou o engenheiro Urbano Stumpf, então professor na Universidade de Brasília. Formado na primeira turma do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Stumpf já realizava pesquisas com o novo combustível desde os anos 1950. Com uma jovem equipe de engenheiros reunidos no CTA, ele começou os estudos para converter motores a gasolina. O primeiro trabalho do grupo foi descobrir quanto de álcool anidro se poderia misturar na gasolina sem perda de rendimento. Nos motores da década de 1970 podia se chegar a 15%, embora o ideal fosse 10%. Depois começaram os estudos para converter os motores -- o Fusca foi o primeiro escolhido por ser o carro mais vendido. ``Em um ano, de 1975 a 1976, conseguiu-se uma tecnologia de conversão confiável, e Stumpf teve a idéia de fazer a caravana para provar que o álcool poderia substituir o petróleo com a vantagem de ser mais barato'', conta o engenheiro Paulo Ewald, chefe da Subdivisão de Motor a Pistão do Instituto de Aeronáutica e Espaço do CTA, que hoje tem o nome de Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial. Foi comprado um Fusca 1300, João Conrado do Amaral Gurgel, da Gurgel, cedeu por empréstimo um jipe Xavante (com motor Volkswagen 1300) e a Chrysler cedeu um Dodge 1800 -- foi a única montadora que se interessou pelo projeto. Depois da caravana, o governo federal decidiu converter o motor dos carros das frotas de empresas estatais. Foram convertidos 731 Fuscas, no total. Só a Telesp, empresa paulista de telefonia, investiu em 400 deles. Apenas em 1979 uma montadora -- a Fiat -- passou a fabricar carros com motor original a álcool, o modelo 147. Dos três carros pioneiros só sobrou o Dodge, enviado junto com o Fusca para leilão de sucata em 1986. ``Mas fomos alertados pelo motorista Amaral e convencemos os diretores da época a aumentar o preço do Dodge para ele não conseguir comprador e voltar para o CTA'', diz João Bosco Teixeira de Souza, um dos pesquisadores da equipe de Stumpf. ``Infelizmente não conseguimos salvar o Fusca, que virou sucata.'' O Xavante também se perdeu. ``Como a produção da Gurgel era muito flexível, meu pai trocava o motor do carro com facilidade para testar novas peças'', diz Maria Cristina, filha de Gurgel. ``Provavelmente ele pegou um carro da frota da fábrica, trocou o motor e depois converteu de novo para gasolina.'' Desde 2004 o Dodge está no Museu Aeroespacial Brasileiro, em São José dos Campos, depois de passar 28 anos entre as garagens das várias divisões do CTA.
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Pesquisa FAPESP Edição 70 - Novembro 2001 Tecnologia > Velhas fábricas, novos negócios O movimento de incubação de empresas é um fenômeno recente. A primeira tentativa registrada de agrupar empresas num mesmo local de trabalho - e a origem do nome incubadora, surgiu em 1959, na cidade de Batavia, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos. Naquele ano, depois de a cidade perder uma grande fábrica de tecelagem, a comunidade local resolveu investir em outro tipo de atividade. A escolha recaiu sobre o setor de produtos originários de frango, e o local ocupado foi a antiga fábrica de tecidos. Da área onde se instalou a chocadeira dos ovos, ficou o nome incubadora, que se espalhou pelo mundo. As incubadoras, da forma como são conhecidas hoje, surgiram no início dos anos de 1970. Elas resultaram de três movimentos simultâneos nos Estados Unidos, segundo a Associação Nacional das Incubadoras de Empresas (Nbia): a necessidade de dar uma finalidade para áreas abandonadas, como grandes galpões e fábricas, a ação da Fundação Nacional de Ciência (NSF) para encorajar iniciativas de inovação nas universidades e a iniciativa de empresários de sucesso e grupos de investidores em transferir a experiência e o conhecimento para novas empresas num ambiente favorável à inovação e novos negócios. Outro impulso veio do departamento americano para a Administração de Pequenos Negócios (SBA). A partir de 1984 até 1987, a entidade promoveu cursos e investiu na formação de incubadoras em todo o país. Em 1984, foram inauguradas 20 incubadoras, e no ano de 1987, o número pulou para 70. No Brasil, a primeira incubadora abriu as portas em 1985, na Fundação Parque de Alta Tecnologia (Parqtec) em São Carlos, ao lado dos campi da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em 1986, surgiu o Centro Empresarial para a Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), de Florianópolis (SC), incubadora da Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi).
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Pesquisa FAPESP Edição 71 - Janeiro 2002 Política de C & T > Avaliaçao Tidia em alta Programa de Internet avançada vai analisar 123 pré-projetos Os coordenadores do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) têm, nos próximos três meses, uma dura tarefa: analisar e consolidar propostas de 123 pré-projetos encaminhados à FAPESP em resposta à chamada de edital lançado em outubro. "Foi uma agradável surpresa", diz Carlos Antônio Ruggiero, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, em São Carlos, um dos coordenadores do Tidia. "O mais otimista do grupo apostava que o número de pré-projetos não passaria de 80." Todos serão analisados, classificados e reunidos em um pequeno número de projetos cooperativos, em torno de temas e objetivos comuns. Os resultados da análise dos projetos serão publicados em fevereiro ou março deste ano.O Tidia tem como objetivo transformar a Internet em objeto de pesquisa. Prevê a criação de uma rede de fibras ópticas com velocidade de 400 gigabits/s, construída em parceria com a iniciativa privada, ligando, inicialmente, São Paulo, Campinas e São Carlos e, posteriormente, outros municípios do Estado de São Paulo. Essa rede será um campo de testes (test bed) com arquitetura capaz de suportar um laboratório comunitário para multiusuários, onde serão desenvolvidas pesquisas encaminhadas ao programa e implementadas pelas redes acadêmicas. O apoio à pesquisa atende ao segundo objetivo do programa, que é formar especialistas em desenvolvimento de tecnologias para a Internet. Tecnologia de rede - Os temas de pesquisa propostos nos 123 projetos também surpreenderam pelo equilíbrio em torno de dois temas: aplicações de Internet e tecnologia de rede propriamente dita. "Metade das propostas de trata pesquisas em telemedicina, teleducação, governo virtual, biblioteca virtual, entre outras. Temíamos que só o pessoal de rede atendesse ao edital", comemora Ruggiero.Uma primeira análise dos projetos revelou também a falta de interação entre o grupo de pesquisadores com propostas de pesquisa sobre a aplicação da Internet e o grupo que pretende investigar a infra-estrutura da rede. "São grupos distintos. Ao integrarmos os projetos no Tidia estaremos forçando o trabalho cooperativo", afirma. No decorrer da análise dos projetos, a coordenação do programa poderá consultar a comunidade sobre a consolidação dos pré-projetos e, eventualmente, abrir espaço para novas propostas. Os projetos contarão com recursos da FAPESP de, no mínimo R$ 10 milhões, mas também receberão apoio de empresas privadas, futuras parceiras do programa. "Estamos em contato com fabricantes de equipamento de telecomunicações, concessionárias de telecomunicações, provedores de acesso e alguns órgãos do governo paulista. Todos já demonstraram interesse em participar do programa." Apesar de os projetos serem de conteúdo aberto, Ruggiero não tem dúvidas de que o Tidia contará com o apoio significativo dos parceiros. Cada empresa poderá participar em áreas de interesse específico, como acontece nos Estados Unidos, onde a Internet 2 não é só um projeto de rede de alta velocidade, mas também de cooperação com a iniciativa privada. O apoio do governo também é considerado fundamental, quer seja na condição de parceiro, quer seja na condição de agente facilitador, já que o programa necessitará, por exemplo, de autorização para utilizar os dutos de fibra óptica que se estendem ao longo das rodovias paulistas. O novo programa consolida a participação da FAPESP na história da Internet no Brasil, que começou com a criação da rede ANSP, em 1989. A Fundação também já foi o único e principal link internacional, responsável pelo tráfego acadêmico e, por solitação do Comitê Gestor da Internet, é atualmente responsável pelo registro de domínios no país.
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Pesquisa FAPESP Edição 72 - Fevereiro 2002 Memória > A primeira patente Pedido de privilégio industrial para máquina de descascar café é de 1822 Neldson Marcolin Nos últimos anos, empresários, economistas, advogados, pesquisadores e autoridades do governo brasileiro começaram a valorizar o direito à propriedade industrial como nunca haviam feito antes. Os efeitos da globalização, as disputas pela redução dos preços de medicamentos importantes e a necessidade cada vez maior de apoiar as descobertas oriundas de estudos de universidades e institutos de pesquisa levam, hoje, todos a se empenhar para proteger um número maior de patentes brasileiras aqui e no exterior. O esforço atual é indispensável, mas as mais antigas medidas para concessão de patentes são do início do século 19. A primeira resolução foi tomada em 1809, um ano depois de a família real portuguesa ter transferido a Corte para o Brasil. Até então, um alvará da rainha Dona Maria I, de 1785, proibia fábricas, manufaturas e indústrias na distante Colônia. Essa era, na verdade, uma forma de ter Monopólios comerciais que transferiam as riquezas das colônias para a metrópole. Mas, a partir da instalação do governo português no Brasil, foi necessário criar meios para o desenvolvimento industrial - entre eles, a concessão de privilégios aos inventores e introdutores de novas máquinas, que teriam o direito exclusivo de explorar a invenção por 14 anos. Um outro alvará permitiu a liberação de recursos para incentivar invenções e dar prêmios. Essas e outras ações Culminaram com o pedido de privilégio industrial para uma máquina de descascar e brunir (polir) café, em julho de 1822. Foi a primeira patente brasileira, pedida por Luiz Louvain e Simão Clothe, com base no alvará de 1809, de acordo com o livroPropriedade Industrial no Brasil - 50 Anos de História , da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (Abapi). Louvain e Clothe pediram o privilégio de cinco anos para o invento, uma "máquina para descascar café, a qual, além de ser inteiramente própria da invenção dos suplicantes, produz todo o bom resultado (...) pela perfeição com que descasca o café sem lhe quebrar o grão, ou seja, pela brevidade, e economia, e simplicidade do trabalho". A Constituição de 1824 trazia o princípio da "propriedade do inventor" e já falava em remuneração, "em caso de vulgarização do invento". A primeira lei de patentes surgiu em 1830 e, além de ter uma política mais ampla de fomento à indústria, protegia os inventores, assegurando-lhes o uso exclusivo da descoberta por períodos de cinco a 20 anos. A legislação mais antiga que se tem notícia sobre o tema foi criada em Veneza, Itália, em 1474, quando a cidade era um grande centro comercial. No caso brasileiro, os avanços ocorreram unicamente em conseqüência da política de fomento à indústria. Hoje, o conceito é diferente: a patente trata do direito que qualquer cidadão, empresa ou instituição têm sobre tudo o que resulta da inteligência ou criatividade.
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Pesquisa FAPESP Edição 73 - Março 2002 Memória > Mensageiros químicos Neldson Marcolin No começo do século 20, o fisiologista russo Ivan Petrovich Pavlov era uma estrela da medicina mundial, pioneiro nas importantes áreas da fisiologia do coração, do sistema nervoso e digestivo. Teve enorme influência no desenvolvimento de teorias comportamentais e da psicologia ao fazer as famosas experiências com cães e demonstrar os reflexos condicionados e incondicionados. Com esse currículo, poucos acreditaram quando os médicos ingleses Ernest Henry Starling e William Maddock Bayliss cogitaram explicar as até então pouco conhecidas funções hormonais. Afinal, Pavlov já tinha a resposta: acreditava que essas funções eram reflexos nervosos. Há cem anos, em 1902, Starling e Bayliss publicaram o primeiro artigo sobre uma substância retirada do pâncreas, batizada de secretina. Injetada num cão, ela estimulava o órgão a produzir fluído. Os ingleses, então, formularam o conceito de "mensageiros químicos". Ou seja, não são os reflexos nervosos que ativam as secreções, mas algumas substâncias químicas que levam instruções para as células, em animais e plantas. Em 1905, Starling passou a usar o termo "hormônio", do grego "por em movimento". Hoje se conhecem mais de cem hormônios, que regulam o desenvolvimento, as funções de diversos órgãos e auxiliam na reprodução e no metabolismo. Ao conhecer o trabalho dos ingleses, Pavlov admitiu o erro com frieza. "Naturalmente, eles estão certos", afirmou. "Não tenho a patente da descoberta da verdade."
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Pesquisa FAPESP Edição 74 - Abril 2002 Carta da Editora > Do medo à esperança O medo em seu estado mais bruto, esse pavor inconsciente e ancestral que trabalha a favor do instinto de sobrevivência de homens e outros animais, que produz reações instantâneas diante de algo, real ou imaginário, percebido como ameaça, aparece bem delineado na reportagem de capa desta edição. Não se trata aqui, decerto, de cantar o medo, "nosso pai e nosso companheiro", à maneira poética aguda, dolorosa, de Carlos Drummond de Andrade em Congresso Internacional do Medo. Trata-se em vez disso de mostrar as evidências, levantadas por um grupo de pesquisadores, de que podem estar implicadas com o medo mais arcaico, primordial, três estruturas extremamente primitivas na escala evolutiva do cérebro, presentes em espécies animais desde a era dos primeiros répteis sobre a terra. São evidências que provocam, necessariamente, uma revisão do circuito estímulo aversivo/reação de defesa do organismo que, neste caso, reduz um pouco o papel da amígdala cerebral dentro dele, tida até aqui como única estrutura responsável pelo processo de separação entre o que pode ser ameaçador, ou não, para o organismo. A reportagem que começa na página 34, elaborada por Marcos Pivetta, também faz referência à expectativa dos pesquisadores de que um maior conhecimento dos circuitos cerebrais envolvidos no medo e na ansiedade possa resultar em novos tratamentos para doenças psiquiátricas nas quais esses dois fenômenos são componentes fundamentais. Do medo à esperança. Esse é o percurso proposto pela reportagem sobre as experiências com a terapia fotodinâmica, um novo e promissor tratamento contra cânceres, que aqui no país vêm sendo levadas a efeito pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP desde 2000. Aprovada em 1998 pela Food and Drugs Administration (FDA), a agência governamental norte-americana de controle de alimentos e medicamentos, a terapia fotodinâmica (TFD) já vem sendo usada em 18 países. No caso brasileiro, relata Marcos de Oliveira na reportagem de abertura da seção de Tecnologia, na página 64, o grupo de quase 30 pessoas envolvidas com sua pesquisa desenvolveu os equipamentos, aprimorou a técnica da TFD e agora faz os testes clínicos para finalizar o protocolo que vai orientar os médicos brasileiros nessa especialidade. Os resultados apresentados até aqui pelos testes são, de fato, animadores. No cenário da política científica e tecnológica, mesmo no Brasil, nem sempre o setor público é o ator principal de determinadas cenas que vão se sucedendo para desembocar, finalmente, no turning point de uma peça que promete. O anúncio de constituição da empresa de biotecnologia Alellyx pelo fundo de capital de risco Votorantim Ventures e pelos cinco pesquisadores que são seus sócios fundadores, em 13 de março, relatado nas páginas 14 e 15, mostra claramente que, por vezes, o setor privado domina a cena. E, ao fazê-lo, aumenta as expectativas de que estejamos nos aproximando do ponto de virada que, no caso específico dessa peça, seria o ansiado equilíbrio entre investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento (PeD) no Brasil. Essencial é observar que o ato em que a cena da Alellyx se encaixa foi aberto em 1997, com a decisão da FAPESP de iniciar um programa de pesquisa em genômica, a partir do seqüenciamento da Xylella fastidiosa. É justa- mente a este fitopatógeno, que em 2000 projetou internacionalmente a competência brasileira em biologia molecular, que o nome da empresa alude, numa inversão quase exata de suas letras. No mais, há que se observar como contracenam e evoluem os atores desta peça para não perder o momento em que o equilíbrio entre investimentos públicos e privados em PeD atestar a inserção madura da pesquisa científica e tecnológica na economia do país.
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Pesquisa FAPESP Edição 75 - Maio 2002 Humanidades > Sociologia-Política O perfil partidário brasileiro Pesquisa revela que quadro partidário é consistente com a composição das bancadas parlamentares Claudia Izique Engana-se quem pensa que o quadro político-partidário no Brasil é fragmentado e frágil, sem consistência ideológica ou programática. Ao contrário: ele tem contornos nítidos e congruentes com a sua representação parlamentar. Uma radiografia da composição sócio-ocupacional dos membros da atual legislatura na Câmara dos Deputados (1999-2003), realizada por Leôncio Martins Rodrigues, com o apoio da FAPESP, demonstrou que os partidos são fortes, estruturados e bem enraizados na sociedade. Prova disso é que nas eleições de outubro de 1998 a origem e o status sócio-econômico do candidato tiveram peso na escolha da legenda. A pesquisa, cujos resultados serão publicados pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), em junho, com o título Partidos, Ideologia e Composição Social, analisou as ocupações e profissões dos parlamentares das bancadas dos seis maiores partidos com representação na Câmara dos Deputados: PFL, PSDB, PMDB, PPB, PT e o PDT. "Para evitar perda de tempo com um debate não essencial para o estudo", justifica Martins Rodrigues, os partidos foram agrupados de acordo com a sua orientação ideológica a partir de critérios comumente utilizados por grande parte dos pesquisadores e pela mídia: PFL e PPB, à direita; PSDB e PMDB, no centro; e PT e PDT, à esquerda. "Esperávamos encontrar, como de fato aconteceu, proporção significativamente diferente de grupos ocupacionais no interior das bancadas partidárias", afirma. Os dados revelaram que os partidos de direita tendem a recrutar seus representantes nas camadas de renda mais alta, entre empresários e altos funcionários da administração pública; nos partidos de esquerda prevalecem os assalariados de classe média e professores, e os partidos de centro, apesar de mais heterogêneos, são formados, principalmente, por profissionais liberais, executivos e diretores de empresa. Sociologia política dos partidos - Martins Rodrigues, que é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), já tinha observado a consistência ideológica das bancadas na Câmara dos Deputados, em 1987, quando realizou uma análise sócio-política dos partidos e deputados que, na época, integraram a Assembléia Nacional Constituinte. Os resultados deste estudo estão publicados em Quem É Quem na Constituinte. Na pesquisa sobre a atual legislatura, a grande novidade está na metodologia da coleta de dados. "No meu primeiro estudo, os próprios parlamentares indicavam suas profissões ou ocupações. Agora, o grande trabalho de pesquisa foi localizar as ocupações e profissões dos deputados", ele conta. As informações sobre os parlamentares dos partidos selecionados foram retiradas da publicação Deputados Brasileiros 1999-2003 - Repertório Biográfico, editado pela própria Câmara dos Deputados; do Dicionário de Política Brasileira, da Fundação Getúlio Vargas; e de uma análise cuidadosa de 401 declarações de bens que os então candidatos apresentaram aos Tribunais Regionais Eleitorais de seus Estados. "Essas informações de patrimônio são públicas e acessíveis a quaisquer interessados", ele ressalva. As ocupações/profissões foram, a partir daí, classificadas pela carreira do parlamentar. "Fiz uma espécie de modelo para padronizar a coleta de dados. Há uma matriz de classificação que me permitiu observar a congruência entre as informações das várias fontes. O principal critério foi a última profissão declarada antes de o candidato entrar para a política, desde que ele tivesse tido um exercício efetivo." Esse padrão de classificação permitiu, por exemplo, identificar os parlamentares recrutados na administração pública federal e estadual e os professores, duas categorias que geralmente não aparecem nas pesquisas e que, como ele constatou, têm papel preponderante na composição das bancadas da Câmara. Essa metodologia de pesquisa provou ser estratégica para a tarefa a que ele se propunha. "Mais do que ciência política, eu queria fazer uma sociologia política dos partidos brasileiros." A análise sócio-ocupacional das bancadas revelou o perfil dos seis maiores partidos políticos brasileiros. No PPB e no PFL, os empresários constituem a categoria predominante (68% e 61%, respectivamente). No PFL também é forte a presença de parlamentares recrutados na alta burocracia federal e estadual. As duas legendas têm seus integrantes nas faixas patrimoniais mais altas.O perfil sócio-econômico do PMDB é menos nítido. A fração de empresários é predominante, mas não majoritária, e a proporção de profissionais liberais, de deputados que exerciam profissões intelectuais e de professores também é elevada. Por outro lado, a proporção de peemedebistas na faixa de alto patrimônio (16%), apesar de ocupar o terceiro lugar entre os partidos analisados, está muito distante do PFL (29%) e PPB (22%). "Essa distribuição de forças entre categorias sócio-ocupacionais sugere, em comparação com outros partidos, uma organização com mais dificuldades para a definição de interesses, manutenção da coesão ideológica, da disciplina interna e com mais conflitos entre suas facções", avalia Martins Rodrigues. A composição social dominante no PSDB é formada pela intelectualidade de renda alta e setores empresariais preponderantemente urbanos que, apesar de minoritários, têm papel importante na composição da bancada na Câmara dos Deputados."As parcelas da intelligentsia que, nesses últimos anos, ascenderam política, econômica e socialmente estão unidas a uma fração de classes empresariais ilustradas", explica. Mas a facção intelectual é predominante e parece dar o tom ao partido, ressalva. A intelectualidade também é a categoria sócio-ocupacional predominante no PT. Nesse caso, ela aparece com uma fração importante, apesar de minoritária, das classes populares, aqui definida como sendo formada por trabalhadores, empregados não manuais e lavradores. Praticamente não há empresário no conjunto da bancada do partido. "A composição dominante estaria integrada pela intelligentsia e por setores das classes trabalhadoras que ascenderam por intermédio dos sindicatos - geralmente dos metalúrgicos - e empregados não manuais - geralmente bancários", afirma Martins Rodrigues. A análise dessas categorias sociais, do ponto de vista do patrimônio, sugere que a intelligentsia petista, diferentemente da tucana, tem origem nas camadas mais baixas e nas classes médias relativamente cultas. "Trata-se, portanto, de grupos com marcada incongruência de status antes da ascensão para a classe política, o que explicaria a preferência por um partido de esquerda e a aliança com setores das classes trabalhadoras em ascensão", ele analisa. A bancada do PDT é formada por poucos empresários. Nenhum de seus parlamentares foi recrutado nas classes trabalhadoras e um número inexpressivo é de ex-funcionários do setor público. A composição social dominante é formada por um grupo de profissionais liberais seguido de um pequeno grupo de empresários urbanos. A avaliação dos níveis de escolaridade dos parlamentares reforça a caracterização dos seis partidos. Pelo menos 82% dos deputados têm curso superior, dado que, na avaliação de Martins Rodrigues, indica que as pessoas de baixa escolaridade têm poucas chances de chegar à Câmara dos Deputados. Do total das bancadas analisadas, apenas 4% não completou o segundo grau. "Os partidos mais à esquerda, comparativamente, têm mais parlamentares com mestrado e/ou doutorado completo do que os partidos de direita", ele diz. O PT tem a maior porcentagem de deputados com pós-graduação e, contraditoriamente, o que tem a maior proporção de parlamentares com mais baixa escolaridade. "A discrepância na formação dos parlamentares petistas pode ser explicada pela forte presença, por um lado, de professores em sua bancada e, por outro lado, pelo número de trabalhadores manuais qualificados e trabalhadores com baixa escolaridade", explica. O PPB, que reúne a maior proporção de empresários e de deputados com patrimônio elevado, é o segundo partido, depois do PT, em porcentagem de parlamentares sem curso superior. É interessante registrar que, em todos os seis partidos, a proporção de deputados formados em Direito é muito maior do que a dos que possuem outros diplomas de nível superior. Renda e status - Os partidos também são diferentes quando se leva em conta o patrimônio declarado de seus parlamentares. Martins Rodrigues analisou a declaração de bens de 401 dos 503 deputados. "Não se trata de uma amostra, já que seis unidades da Federação ficaram excluídas", adverte. Os dados, no entanto, sugerem tendências. Mais da metade dos 401 deputados está na faixa de médio-baixo (de R$ 200 mil a menos de R$ 500 mil) e baixo patrimônio (menos de R$ 200 mil). Na faixa dealto patrimônio foram enquadrados 16% do total dos parlamentares. Também nesta análise ele observa que, conforme se vai da direita para a esquerda do espectro ideológico, a porcentagem de deputados nas faixas de valor patrimonial mais elevado tende a decrescer no interior das bancadas. O PFL e PPB, que têm bancadas expressivas de empresários, têm mais deputados nas faixas superiores de patrimônio. Os partidos com menos empresários, observa, têm proporção mais baixa de parlamentares com patrimônio elevado, como o PMDB e o PSDB. E os partidos com insignificante representação empresarial reúnem deputados com patrimônios mais baixos. "Sob esse enfoque, e de modo caricatural, PFL e PPB seriam a 'classe alta' dos partidos; PMDB e PSDB, a 'classe média'; e o PDT e o PT, a 'classe baixa' ." Ele ressalva, porém, que o PDT, sob o prisma patrimonial, está mais próximo do PSDB e PMDB do que do PT, o que sugere uma conceituação do PDT como centro-esquerda. Martins Rodrigues também observou que o montante do patrimônio dos deputados tende a crescer com o tempo de casa: 41% dos parlamentares com baixo patrimônio estavam na primeira legislatura federal. No outro extremo, 31% dos que tinham quatro ou mais legislaturas estavam na faixa de alto patrimônio. "Há muitas indicações, embora não oferecidas por esta pesquisa, de que a própria atividade política, mesmo quando exercida segundo todos os cânones da respeitabilidade e decência, possibilita não apenas aumento do poder, da influência e do status, mas também da renda e do patrimônio", ressalva. Lutas políticas - O conjunto dos dados analisados mostra que os seis partidos não são iguais entre si, não apenas quanto à ideologia, mas também quanto aos segmentos sociais neles representados. "Essa face sociológica permite dizer que os conflitos partidários e as lutas políticas na Câmara dos Deputados têm coeficiente elevado de correspondência com as composições sociais dos partidos." Martins Rodrigues, ao longo de todo o trabalho, dialoga com autores brasileiros e brasilianistas, questionando avaliações pessimistas que afirmam, por exemplo, que o sistema partidário brasileiro é marcado pela indisciplina, infidelidade partidária e por coligações descabidas. Apóia-se em pesquisas recentes para afirmar que as coligações, por exemplo, não são aleatórias. "Na maioria das vezes se fazem entre partidos com alguma afinidade ideológica: partidos de direita entre si; partidos de direta com partidos de centro-esquerda; partidos de esquerda entre si e partidos de esquerda com partidos de centro-esquerda." Na pesquisa, Martins Rodrigues, que é professor-titular aposentado de Ciência Política da Universidade de São Paulo, foi mais longe: analisou a composição socioeconômica das bancadas de todos os 18 partidos com representação na Câmara dos Deputados, do ponto de vista das regiões e Estados que elas representam. "Há muitas diferenças quanto aos níveis de modernização das regiões do país e quanto às configurações políticas regionais", justifica. O pressuposto era de que, nas áreas com níveis mais baixos de modernização e desenvolvimento, as camadas altas representam a parcela majoritária da classe política. Mas a relação entre graus de modernização e composição da classe política local revelou-se mais complexa. Ele constatou, por exemplo, que o grupo empresarial tem mais peso no Sul do que no Sudeste, embora essa região seja mais desenvolvida e modernizada. "O fator determinante é a força da cada partido na região e nos Estados", afirma. E explica: se um segmento ocupacional é expressivo num partido, e o partido é forte na região, esse segmento ocupacional tenderá também a ser bastante representativo na bancada da região ou do Estado.No Norte Novo, como ele qualifica a região formada pelos Estados do Acre, Roraima, Amapá, Rondônia e Tocantins, os empresários representam a metade da bancada, seguidos de grupos formados por ex-funcionários públicos. No Norte Antigo, Amazonas e Pará, prevalecemos empresários. No Nordeste, apesar de matizes regionais, os empresários também constituem o grupo de maior peso e é essa a região que tem participação mais elevada dessa categoria de ocupação na Câmara dos Deputados. No conjunto das bancadas, não há nenhum deputado recrutado nas classes trabalhadoras. Na região Sudeste, a bancada com maior proporção de empresários é a de Minas Gerais. Na representação mineira também chama a atenção o número de deputados federais que foram diretores de bancos estatais e o fato de a bancada não contar com nenhum representante das classes trabalhadoras. A bancada paulista é formada por 40% de empresários e possui a maior proporção de deputados professores. O Rio de Janeiro reúne o maior número de representantes egressos do setor público. No Espírito Santo, as frações majoritárias são as dos empresários e profissionais liberais. Nos Estados do Sul é baixa a proporção de parlamentares egressos do setor público, e a bancada com maior representação de empresários é a do Paraná. Em Santa Catarina, é expressivo o número de deputados que exerciam, antes do mandato, profissões liberais tradicionais e, no Rio Grande do Sul, o destaque é para o número de ex-professores. E no Centro-Oeste, quase a metade dos deputados são ou foram empresários. O exame das diferenças regionais nas composições socioeconômicas das bancadas mostra um quadro complexo que, como ele diz, "não é diretamente dedutível dos níveis de desenvolvimento econômico e da modernização locais." Mas os níveis de desenvolvimento econômico e de modernização podem contribuir, preservada a prudência, para a compreensão do desempenho dos partidos e blocos ideológicos nas diferentes regiões. Os partidos mais à direita tendem a obter melhores resultados nas regiões menos desenvolvidas, no caso o Norte e o Nordeste. E os partidos de centro e de esquerda tendem a conseguir melhores resultados nas regiões mais modernizadas, especialmente no Sudeste. "O aspecto que mais chama a atenção, quando se focaliza a força regional de cada partido, medida pela proporção de cadeiras obtidas em cada área, é a preponderância absoluta do PFL no Norte e Nordeste. Dessas regiões vieram 44% dos parlamentares pefelistas", observa Martins Rodrigues. No Sudeste, o desequilíbrio na força dos partidos não é tão forte: PPB, PMDB, PSDB e PT têm, nas suas bancadas na Câmara dos Deputados, mais de 40% das cadeiras ocupadas por representantes dessa região. Metodologias - Martins Rodrigues avalia a dimensão da influência regional dos partidos políticos utilizando diferentes metodologias, de forma a eliminar vieses de análises decorrentes do tamanho das circunscrições e das diferenças na proporção dos deputados por região. Confirma a posição preponderante do PFL no Norte e Nordeste; do PSDB no Sudeste e do PMDB no Sul, seguido de perto pelo PPB e PT. No Centro-Oeste, os melhores resultados ficaram com o PMDB e o PSDB. Performance eleitoral - Martins Rodrigues vai ainda mais longe: avalia comparativamente o desempenho das seis legendas ao longo das três últimas eleições edessa análise destaca aspectos significativos. O PSDB e o PT foram os dois partidos que tiveram crescimento mais forte e constante. Também foi constante, ainda que menor, o crescimento das bancadas do PFL na Câmara. Os dados registraram um pequeno declínio do PPB e um forte e constante declínio do PMDB e PDT. "Vê-se que, coincidentemente,houve crescimento de cada uma das legendas de uma das tendências ideológicas - direita, centro e esquerda -, ou seja, do PFL, PSDB e PT. Os outros partidos desses mesmos campos ideológicos perderam espaço parlamentar", observa. Os resultados sugerem que, na consolidação do sistema partidário brasileiro, cada um dos três campos ideológicos ameaça ser ocupado por um só partido. No bloco da direita, o PFL parece estar vencendo o embate com o PPB. "Ambos são partidos formados majoritariamente por empresários. Mas o PPB de Paulo Maluf, em São Paulo, formado por uma nova elite de empresários, tentou passar por cima das velhas elites com tradição na atuação política e acabou por não ter uma implantação forte nas elites tradicionais", analisa. No bloco da esquerda, ponto para o PT. "O partido nasceu com uma base sindical forte e hoje é uma espécie de democracia cristã da esquerda. Os militantes egressos dos pequenos partidos de esquerda também ajudam o PT a crescer. Já o PDT não teve base sindical. Hoje, há um processo de massificação e fortalecimento dos sindicatos e o PT foi o canal de representação dessa categoria." Na conclusão deste capítulo, arrisca um prognóstico: consolidação do PMDB como partido de tamanho médio; continuação do declínio do PDT; consolidação da supremacia do PFL no campo da direita; ligeiro declínio do PPB; crescimento do PSDB; avanço do PT no campo da esquerda, em detrimento do PDT. Acredita ainda na redução do número de partidos efetivos na Câmara dos Deputados, apesar da persistência dos pequenos partidos. O PROJETO A Composição Social da Liderança de Seis Partidos Brasileiros Modalidade Linha regular de auxílioà pesquisa Coordenador Leôncio Martins Rodrigues -Centro de Ciências Humanase Sociais - Unicamp Investimento R$ 32.807,00
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Pesquisa FAPESP Edição 76 - Junho 2002 Ciência > Físico-química Diálogos com a água Simulação com moléculas que mudam de comportamento quando mergulhadas em solventes permite modelar novas substâncias Francisco Bicudo É difícil estudar o comportamento das moléculas em fase líquida ou em solução, mesmo que seja esse o hábitat natural delas, no qual ocorrem processos vitais - formação de proteínas, do DNA e das membranas celulares, por exemplo. O problema é que, quando se põe uma substância dentro de solventes comuns, como água e acetona, ela tem suas propriedades alteradas e passa a interagir, a conversar com esses meios. Toma forma uma espécie de dança, uma movimentação constante que gera uma quantidade enorme de imagens a avaliar. Quais dessas imagens devemos observar? Usando simulações em computador e métodos multidisciplinares, o grupo de Ciências Moleculares do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (Ifusp) responde a essa pergunta com resultados que poderão fazer avançar processos industriais, especialmente de medicamentos e cosméticos. Os pesquisadores concluíram, primeiro, que quem vê a substância sozinha e depois mergulhada em líquidos observa duas situações completamente diferentes. As pesquisas ajudam a compreender mais os desvios de comportamento das moléculas. Em quase cinco anos, o grupo analisou o comportamento de cerca de 20 substâncias. "Nossa aplicação mais recente foi com o betacaroteno: a interação dele com os solventes é especial", afirma Sylvio Canuto, coordenador da equipe. Calor e ritmo - Hidrocarboneto formado por ligações simples e duplas entre átomos de carbono e encontrado em alimentos vegetais - cenoura, manga e mamão, entre outros, o betacaroteno é um dos precursores da vitamina A, que está diretamente ligada ao bom funcionamento da visão. Dura e inflexível, essa molécula é também apolar - tem pouca capacidade de atrair e alterar outras moléculas. E esse é um desafio às pesquisas. A última característica, no entanto, só se manifesta quando o betacaroteno é analisado isoladamente. No líquido, o quadro muda, pois a densidade é alta e a movimentação, intensa. Na disputa por espaços, constantemente provocado pela presença do solvente, o caroteno responde aos estímulos desenvolvendo polaridade induzida: passa a interagir com as moléculas do líquido, principalmente as mais próximas. Essa dança pode ser comparável a bolero, samba ou rock pauleira, dependendo da temperatura. Chamada força de Van der Waals, é uma interação que determina mudanças nos níveis de energia - as camadas ou órbitas onde se distribuem os elétrons. Isolada, a molécula do caroteno tem níveis de energia hipotéticos A, B e C; no solvente, esses níveis mudam para A1, B1 e C1. Quem determinar quais são esses novos níveis também poderá definir com precisão a quantidade de energia que os elétrons precisam absorver para saltar de uma faixa a outra. No caso do caroteno, os pesquisadores apontaram os valores da energia da primeira banda de absorção nos quatro solventes em que ele foi avaliado - metanol, isopentano, acetona e acetonitrila. "Os resultados que obtivemos estão em plena concordância com os trabalhos experimentais", afirma Kaline Coutinho, professora da Universidade de Mogi das Cruzes, que participa do grupo. "Até hoje, nenhum outro método tinha conseguido fazer esses cálculos de maneira tão precisa quanto o nosso." Canuto também comemora: "Agora temos um modelo seguro e confiável de análise, que pode ser aplicado a outras moléculas com propriedades semelhantes". Os estudos estão numa fase inicial, de observar para compreender o que se passa, mas a longo prazo a análise do comportamento de moléculas em líquidos deverá trazer grandes contribuições às indústrias de medicamentos e cosméticos, entre outras. Por exemplo: a síntese de remédios com a perspectiva de interferir na composição para eliminar possíveis efeitos ou reações colaterais indesejadas. O mesmo vale para produtos de cosmética. RPG e cassinos - O estudo do que se passa com moléculas mergulhadas em solventes ganhou força após a Segunda Guerra Mundial, mas nos últimos 15 anos o desenvolvimento de programas de observação levou a um salto de qualidade. O grupo da USP usa as ferramentas da informática como se estivesse diante de um jogo de RPG (Role Playing Game): nessa brincadeira de desempenhar papéis que há anos fascina adolescentes pelo mundo, os participantes encarnam personagens imaginários para atuar diante de problemas concretos e apresentar respostas. Em vez de criaturas idealizadas, os pesquisadores lidam com moléculas, que têm suas danças e interações simuladas por computador, de um modo o mais perto possível da realidade.Os programas computacionais que o grupo desenvolveu são o instrumento de observação das moléculas e garantem uma visão do conjunto caótico que se manifesta. Por meio das fotografias que produzem, pode-se conhecer a distância entre os átomos, as modificações que acontecem nos níveis de energia, a quantidade de camadas de moléculas e de que modo se mexem, além de obter dados estatísticos e gráficos de cada simulação. Contas difíceis - Até chegar a esse estágio, no entanto, há um longo caminho. Afinal, os líquidos não têm forma geométrica definida e podem assumir uma infinidade de configurações e posições - uma característica chamada comportamento estatístico. Some-se a isso o fato de o grupo investir na análise multidisciplinar: a leitura do que acontece nas simulações exige o uso da física quântica (que estuda a matéria na escala do mais pequeno) e da física estatística (que trata do comportamento médio do sistema), além de buscar sustentação nos processos químicos e biológicos envolvidos. A intersecção de comportamento estatístico e multidisciplinaridade trouxe um desafio crucial: se, por causa dos solventes, são geradas milhões de cenas e configurações, como fazer cálculos quânticos, que demoram semanas? Caso não resolvessem esse dilema, os físicos estariam numa situação inviável, devido à quantidade de informações obtidas e ao tempo necessário para avaliá-las. A resposta que queriam emergiu da análise estatística dos dados, que seleciona apenas as imagens relevantes, geradas a partir da técnica chamada de Monte Carlo - uma referência à cidade dos cassinos, onde é a probabilidade que dita as regras. A seleção dos melhores momentos garante um ganho enorme de tempo, sem perda de qualidade ou de confiança nos resultados. Um exemplo: No caso de outra molécula estudada, o benzeno, os pesquisadores fizeram os cálculos com 10 mil configurações moleculares e depois os repetiram usando apenas 40 delas. "Os resultados foram os mesmos", garante Canuto. Assim, as simulações tornaram-se bem mais ágeis - um cálculo que no início da década de 90 levava até 40 horas, agora pode ficar pronto em menos de um minuto. O grupo observou e detalhou outro fenômeno que ocorre com algumas substâncias: o efeito hidrofóbico, ou a incapacidade de certas moléculas se misturarem com a água. No caso, trabalharam com o benzeno e desenvolveram um modelo que serve para outras moléculas hidrófobas. Também um hidrocarboneto, formado por seis átomos de hidrogênio e seis de carbono ligados em forma de hexágono, o benzeno é usado em larga escala na produção de resinas, plásticos, lubrificantes e detergentes, entre outros produtos, além de ser adicionado ao óleo diesel e à gasolina para melhorar suas características. Nesse caso, o grupo dividiu o processo de observação em duas etapas. Primeiro, analisou as interações na fase gasosa, em duas situações distintas: a primeira situação incluiu uma molécula de água e outra de benzeno; na segunda, foram usadas duas moléculas de benzeno. Os pesquisadores foram anotando o que acontecia, sem que houvesse ainda a interferência do líquido, para depois estabelecer as comparações e ver o que mudava. Na segunda etapa, avaliaram uma e depois duas moléculas de benzeno, envolvidas por 400 moléculas de água. Nos dois casos, percebeu-se que, na região mais próxima ao benzeno, formou-se uma gaiola de proteção, chamada clatrato. Constituída por moléculas de água conectadas por ligações de hidrogênio, essa cápsula de isolamento impede a interação entre os meios. É a manifestação evidente do efeito hidrofóbico. Canuto revela: "Comparativamente à fase gasosa, a interação entre o benzeno e a água, quando misturados, foi reduzida em 80%. Por outro lado, percebemos que a interação entre os benzenos no clatrato é três vezes maior do que a verificada no gás e duas vezes maior do que a que existe num líquido formado puramente por benzenos." Trocando em miúdos, é possível afirmar que, na presença da água, as moléculas de benzeno preferem fortalecer suas relações e conversar entre si, deixando o resto de lado - e o mesmo acontece com a água. Já que as duas partes não manifestam interesse em estabelecer diálogo, surge o efeito hidrofóbico. "Conseguimos quantificar alguns de seus aspectos", acrescenta Canuto. Os estudos desenvolvidos pelo grupo entre 1999 e 2002 originaram 27 artigos em revistas internacionais e 11 dissertações de mestrado, doutorado ou projetos de iniciação científica. Sem tentativa e erro - Além do betacaroteno e do benzeno, o grupo analisou os complexos de guanina e de citosina (peças elementares do DNA) em água; a piridina, a pirimidina e a pirazina (moléculas de bases nitrogenadas) em vários solventes; e famílias de cetonas e corantes em vários líquidos. É contínuo o intercâmbio com outras instituições e grupos. No Brasil, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), do Instituto de Química da USP e do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também trabalham com simulação computacional envolvendo líquidos. "Todos fazem ciência da melhor qualidade", destaca Canuto. "A diferença é que passamos a aplicar a mecânica quântica em líquidos e talvez sejamos o único grupo brasileiro a atuar com essa perspectiva." Para Canuto, parcerias com as indústrias química e farmacêutica seriam saudáveis, principalmente porque, atualmente, em função dos conhecimentos e da competência desenvolvida, a universidade pode estabelecer uma relação estável e simétrica - e não de dependência. Afinal, mostra-se cada vez mais viável a idéia de projetar moléculas que assumam determinados comportamentos, eliminando custos e potencializando benefícios. Kaline Coutinho lembra que já se fazem experiências com diversos solventes, até chegar ao correto para cada tipo de situação. "Ainda se testa e se testa até chegar ao ideal", comenta a pesquisadora. Não é assim que se quer trabalhar. "Poderemos eliminar esse método de tentativa e erro e inverter as mãos de direção, já apontando o melhor tipo de solvente para cada objetivo." Modelagem - Nesse processo de modelagem molecular, a mecânica quântica ocupa lugar de destaque. A partir do conhecimento preciso das interações que as moléculas estabelecem com os solventes, elas poderão ser modificadas, fazendo surgir, por exemplo, remédios menos tóxicos e mais eficientes. Há mais de 25 anos atuando na área e apaixonado pela idéia de que, em última instância, os mecanismos biológicos dependem de interações físicas entre moléculas, Canuto está satisfeito com os resultados. Lembra, no entanto, que o sucesso só será completo se for mantida a perspectiva da multidisciplinaridade, uma ênfase do grupo, à qual se atribui a amplitude dos resultados. "O elétron não diz: 'Agora estou me comportando com base em princípios físicos, agora mudei para a química' ", comenta o pesquisador. "Ele simplesmente se comporta e nos desafia a compreender esse comportamento." O PROJETO Estrutura Eletrônica de Líquidos Moleculares Modalidade Projeto temático Coordenador Sylvio Roberto Accioly Canuto - Instituto de Física da Universidade de São Paulo Investimento R$ 311.181,39
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Pesquisa FAPESP Edição 77 - Julho 2002 Ciência > Ecologia Peixes e tabus do Rio Negro Posição das espécies na cadeia alimentar determina o modo de consumo ou sua proibição Durante dois anos, entre 1850 e 1852, o naturalista inglês Alfred Russel Wallace percorreu o Rio Negro, um dos principais formadores do Amazonas. Foi uma das primeiras expedições científicas à região e resultou na descrição - por meio de desenhos e anotações - de 212 espécies de peixes, só agora apresentadas em livro. Pelas mesmas águas cor de café, um século e meio depois, andou uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que entrevistou as populações ribeirinhas - no trecho entre Ponta Negra, perto de Manaus, e o Rio Jaú, na margem direita - e constatou os tabus alimentares que regulam o consumo de peixes. Mulheres menstruadas e pessoas doentes, por exemplo, não podem comer certos peixes carnívoros, provavelmente porque, na avaliação dos pesquisadores, estão no topo da cadeia alimentar e têm maior probabilidade de acumular toxinas. Há também os peixes interditados para consumo normal por terem prioridade para uso medicinal. A arraia, por exemplo, não é carnívora, e é um forte tabu alimentar: sua gordura é usada contra asma, tosse e pneumonia. "A dieta é uma forma de tratar as doenças", comenta Alpina Begossi, responsável pelo projeto, que resultou também no livro Peixes do Alto Rio Juruá (co-edição Imprensa Oficial, Edusp e FAPESP). "Há espécies de peixes recomendadas para o consumo por pessoas doentes e outras explicitamente medicinais." Segundo ela, as proibições alimentares - encontradas também entre os caiçaras da Mata Atlântica paulista, entrevistados em pesquisas financiadas pela FAPESP desde 1992 - podem resultar da influência da colonização portuguesa: por meio dela, essas populações teriam assimilado antigos preceitos sanitários derivados da medicina hipocrática e mesmo das regras de pureza que a Bíblia estabelece no livro Levítico. Carnívoros e frugívoros - Na região do Rio Negro, entre os peixes carnívoros que são tabus alimentares para doentes destaca-se o surubim (Pseudoplatystoma fasciatum), enquanto o pacu (Mylosssoma rubripinnis) e a sardinha cará-açu (Astronotus ocellatus) estão no extremo oposto: comem invertebrados ou frutas e são altamente recomendados. Outros piscívoros evitados - vistos como carregados ou reimosos para o consumo humano - são a piranha (Serrasalmus spp), o mandi (Pimelodus albofasciatus), o filhote (Brachyplatystoma filamentosum) e a pirarara (Phractocephalus hemeliopterus). As descobertas no Rio Negro reforçam dados obtidos em outras regiões da Amazônia, como nos rios Araguaia, Juruá e Tocantins, que os pesquisadores da Unicamp percorreram enfocando o relacionamento dos ribeirinhos com os recursos aquáticos e vegetais em duas vertentes. A primeira é a etnobiologia, que trata da percepção e classificação da flora e da fauna, e a segunda, a ecologia humana, que define o uso do espaço, as táticas de obtenção de recursos e os modelos de subsistência das comunidades ribeirinhas. A equipe da Unicamp pretende usar as informações que obteve para orientar projetos de desenvolvimento sustentado, numa região já ameaçada: segundo os moradores locais, a região do Rio Negro acima de Barcelos, no Estado do Amazonas, é disputada por empresários para a exploração do ecoturismo em áreas fechadas, sem acesso para os pescadores locais. Nesse ponto, o estudo reforça observações feitas em outras regiões pesquisadas. "Em áreas banhadas pelo Rio Araguaia, a pesca esportiva, apoiada por agências ambientais governamentais, contribuiu para destruir a pesca artesanal, uma fonte de subsistência e renda local, com possibilidades de manejo e integrada ao ecossistema", comenta Alpina. Um dos objetivos do trabalho que ela coordena é justamente demarcar legalmente as áreas de pesca, como o Japão fez há anos. A receita de manejo estava lá mesmo - foi apenas reconhecida pelos pesquisadores. O saber dos ribeirinhos contém uma série de orientações que servem perfeitamente de receita para o manejo sustentado. Uma delas é o recurso à maior diversidade possível de plantas medicinais, forma de minimizar o impacto da coleta por espécie. Na agricultura, os ribeirinhos do Negro valorizam a diversificação e o aprimoramento genético de cultivares - o caso da mandioca (Manihot esculenta) é o melhor exemplo. Nivaldo Peroni, pesquisador do grupo, constatou a existência na região de nada menos que 88 variedades de mandioca, todas resultantes do manejo feito pelas populações locais, provavelmente por herança do saber indígena. No caso das plantas, procurou-se estimar com que intensidade a floresta é usada - parâmetro para a eventual criação de uma reserva extrativista. Descobriu-se que ali se aproveita uma alta diversidade vegetal: os 73 entrevistados, correspondentes à metade dos moradores da boca dos igarapés da margem direita do Rio Negro, citaram 99 espécies que conhecem e eventualmente exploram para finalidades diversas. Estudo semelhante feito no médio Araguaia pela mesma equipe da Unicamp revelou uma diversidade ainda maior: 151 espécies citadas por 96 entrevistados - certamente devido à maior riqueza ambiental da região, que inclui espécies do cerrado. Do mesmo modo, o conhecimento e o consumo de uma grande variedade de peixes minimiza o impacto da exploração por espécie. A ocorrência de tabus alimentares, justamente por impor restrições, diminui a pressão predatória. Finalmente, duas práticas com implicações para o manejo: a exploração da diversidade ambiental com tecnologias de pesca diferentes, de acordo com a área e a espécie, e a divisão informal de territórios de pesca entre grupos de moradores, que impede a sobreposição de pesqueiros. Numa avaliação de desembarque pesqueiro na cidade de Barcelos, ponto focal da pesquisa, onde Andréa Leme desenvolve tese de doutorado, constatou-se que a tática de pesca mais usada (92%) é a zagaia, um tipo de lança de madeira. Praticada à noite, requer um conhecimento detalhado do hábitat e do comportamento do peixe. Mantida a baixa densidade populacional da região, a zagaia é uma prática não-predatória: o pescador captura apenas o exemplar que deseja. Os peixes mais apreciados para consumo, sem tabus, são o tucunaré (Cychla monoculus), aracu (Leporinus spp), matrinxã (Brycon cephalus), pacu e sardinha cará-açu, chamados peixes de carne branca. Para avaliar o conhecimento dos caboclos sobre os peixes, os pesquisadores recorreram a um procedimento simples: montaram um conjunto de 24 fotos de espécies, apresentadas a cada entrevistado em ordem aleatória. Mostravam ao pescador e pediam para dizer que peixe era aquele, o que comia, onde vivia e que parentes (no linguajar local) tinham. "Foi espetacular o conhecimento demonstrado em relação à ecologia dos peixes", comenta Renato Silvano, integrante da equipe. "As respostas dos pescadores foram a tal ponto condizentes com o que afirma a literatura científica que poderiam servir de diretriz para a pesquisa biológica."Os pesquisadores se surpreenderam por outra razão. "Nós usamos a morfologia para classificar as espécies", diz Alpina, "e os ribeirinhos usam também a ecologia." Para os cientistas, por exemplo, piranhas e pacus fazem parte da mesma família, a Serrasalmidae. Não é assim para os filhos do Rio Negro, que separam essas duas espécies levando em conta a dieta delas: os pacus se alimentam de invertebrados e de frutas - por isso são recomendados para o consumo de doentes -, enquanto as piranhas são carnívoras. As informações obtidas indicam até que ponto os impactos externos modificam a dieta dos ribeirinhos. No caso, a balança pende a favor das populações do Negro, na comparação com as do Araguaia. Enquanto na região do Negro 75% da proteína animal da dieta é obtida localmente, via pescado, no Araguaia a pesca artesanal praticamente acabou, substituída pela esportiva. Alpina enfatiza: "Qualquer política de manejo deveria levar em conta os conhecimentos dessas populações e as regras de uso já existentes sobre os recursos naturais". Mas não é o que acontece. A seu ver, a política ambiental do país ainda tende a partir do geral para o particular, em busca de soluções, mas ela acredita que pode ser diferente. O PROJETO Uso de Recursos do Rio Negro: Etnoictiologia e Etnobotânica de Ribeirinhos Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa Coordenadora Alpina Begossi - Universidade de Campinas Investimento R$ 67.603,98
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Pesquisa FAPESP Edição 77 - Julho 2002 Memória > Vôos sem motor Há 70 anos, o Brasil descobria o prazer de pilotar planadores e começava a criar as bases da indústria aeronáutica brasileira Neldson Marcolin Na década de 30 do século passado, a aviação já estava madura e os aviões eram sempreaperfeiçoados, ganhando novas tecnologias. Mas no Brasil, terra de Alberto Santos-Dumont, inventor do avião em 1906, faltava um curso superior que contemplasse a aeronáutica. Em 1932, a então Escola de Engenharia Mackenzie (atual Universidade Presbiteriana Mackenzie) decidiu que já era hora de criar o primeiro curso de engenharia aeronáutica do Brasil. O curso acabou por dissolver-se e não formou nenhuma turma. Faltavam normas para respaldá-lo, o que acabou tornando-o estranho à legislação vigente na época. Por trás dessa tentativa de atender às necessidades da aviação no país havia um grupo de engenheiros e estudantes fundadores do Clube Mackenzie de Planadores, em 1931. Presidido pelo francês George Corbisier, formado na escola paulista, e com Henrique Santos-Dumont, irmão de Alberto, na diretoria, essa turma construiu um dos primeiros planadores brasileiros, de acordo com registro daRevista de Engenharia Mackenzie (junho de 1934). Embora tenha sido levado a termo, não há registro fotográfico do avião voando, mas apenas de sua construção em um galpão. Em 1932, além da tentativa de se montar o curso de aeronáutica, o grupo fez a primeira "festa de planadores" de São Paulo, no campo de Marte - o avião usado foi o EAY-101. Essa pequena febre pelo vôo a vela, como também é chamado o vôo sem motores, levou o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) a receber, em 1934, encomendas do Clube Politécnico de Planadores, criado por alunos do último ano de engenharia civil da Escola Politécnica. A Seção de Madeiras foi encarregada de reformar e fabricar hélices de madeira dos planadores alemães em uso no Brasil. Com o tempo, os alunos passaram a construir seus planadores no IPT. A Seção de Madeiras evoluiu para a pesquisa de novos materiais que pudessem substituir a madeira original e, logo, criou-se a Seção de Aeronáutica, que começou a trabalhar no protótipo do primeiro avião a motor. Em 1938, o IPT-0, chamado também de Bichinho, voou pela primeira vez, equipado com motor norte-americano. Foi o primeiro de uma série de aviões projetados e construídos no instituto. As iniciativas do Mackenzie e do IPT foram um importante impulso para uma das maiores conquistas tecnológicas já alcançadas no Brasil: a criação e posterior consolidação da indústria aeronáutica nacional.
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Pesquisa FAPESP Edição 78 - Agosto 2002 Carta da Editora > Acaso e sucesso Uma descoberta que ajuda a salvar vidas de vítimas de choque hemorrágico (grande perda de sangue), feita nos anos 70, tem tido desdobramentos importantes nos dias de hoje. A solução hipertônica - água esterilizada com alta concentração de sal -, sabe-se agora, também pode controlar arritmias cardíacas, modular a resposta inflamatória do sistema imunológico durante o choque hemorrágico e diminuir as seqüelas de lesões no cérebro e coração. A invenção, tão simples e eficaz, surgiu como tantos outros achados da ciência: do acaso. Uma enfermeira ministrou, por engano, uma dose excessiva de cloreto de sódio no fluido usado durante uma sessão de hemodiálise. A pressão arterial do paciente, até então baixa, subiu depois do erro. O incidente acabou por motivar a pesquisa em torno da solução hipertônica, que rendeu um artigo noAmerican Journal of Physiology , em 1980. Atualmente, a solução é objeto de dois projetos financiados pela FAPESP, na Universidade de São Paulo, que investigam suas causas e benefícios. Essa história, onde o acaso e o sucesso se encontram, começa na página 36. Uma outra descoberta também no âmbito da medicina é menos agradável. Existem em circulação no Brasil diversas formas mais agressivas, raras e recombinantes do HIV-1, o vírus mais comum causador da Aids. O trabalho de pesquisa foi feito em oito estados e é o primeiro de amplitude nacional feita pela Rede de Vigilância em Resistência. É importante conhecer todas as variáveis do HIV-1 para se tomar medidas certas de prevenção, diagnóstico e, especialmente, de tratamento.Noves fora as reportagens da editoria de Ciência, há mais boas que más notícias. Em Política,Pesquisa FAPESP mostra que o programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) avaliou 123 propostas encaminhadas à Fundação, em resposta ao edital de outubro de 2001, e começa a lançar os primeiros projetos. O primeiro é de dar água na boca de qualquer pesquisador: propõe a utilização de uma rede de fibra óptica de extensão estadual, já instalada, para o desenvolvimento de pesquisas tecnológicas e comunicação acadêmica e educacional. Confira os outros dois projetos que começam a sair da tela do computador na página 24. Na editoria de Tecnologia, há a descrição de dois belos trabalhos que saíram da Universidade Federal de São Carlos. Um refere-se a dispositivos que protegem redes elétricas contra raios; o outro é um projeto sobre modificações nos refratários cerâmicos utilizados pelas siderúrgicas para produzir aço, que resultaram em grande economia. Ambos fazem parte do Centro de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids).Como a procura por tecnologias que tornem a agricultura orgânica mais difundida no campo está crescendo,Pesquisa FAPESP mostra como os pesquisadores da Universidade Estadual Paulista, de Jaboticabal, estão usando fungos como exterminadores de vermes para ajudar a livrar flores e hortifrutigranjeiros de pragas. Os autores do trabalho estão só à espera de um parceiro comercial para começar produzir o preparado em escala. Em ano eleitoral, não poderíamos ignorar um trabalho de longo prazo que vem sendo realizado por uma equipe de Ciências Humanas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sobre mídia e eleição. O caso político já analisado pelos autores do estudo se refere ao pleito de 2000. Eles mostram, na editoria de Humanidades, como a imprensa pode ter influído no resultado final da eleição municipal de São Paulo. Por fim, há uma estimulante entrevista com Muniz Sodré, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um dos principais pensadores da comunicação no país. Ele explica sua teoria da mídia, fundada na idéia dobios midiático, equivalente quase a uma "terceira natureza" humana.
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Pesquisa FAPESP Edição 79 - Setembro 2002 Ciência > Biologia Faxina no fundo do mar Equipe da Unicamp desvenda o modo de vida dos peixes-limpadores Com o brilho de suas cores contrastantes - em geral, combinações de preto e amarelo ou azul e branco -, os peixes-limpadores desfilam pelos recifes de coral onde vivem, expondo-se a peixes maiores, os clientes, e fazendo uma faxina no corpo deles. O serviço inclui a retirada de crustáceos parasitas, de tecido necrosado ou doente e de muco, uma secreção presente em toda a superfície do peixe. Enquanto corre o trabalho, ligeiros toques de nadadeiras do limpador produzem estímulo táctil no cliente, que permanece numa pose incomum, como se estivesse em transe. Uma regra de ouro: na zona de limpeza, ninguém é atacado. Fora desse cenário, porém, o cliente pode transformar-se em predador. Pouco se sabia sobre essa simbiose de limpeza nos recifes da costa brasileira, mas agora chega uma visão abrangente e organizada do fenômeno, num trabalho coordenado por Ivan Sazima, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua equipe, formada por Rodrigo Moura, Cristina Sazima, Ronaldo Francini-Filho e João Gasparini, estudou o tema in loco, desde a costa do Maranhão até a de Santa Catarina, com o propósito de avaliar a importância dos limpadores na saúde dos recifes e sugerir uma regulamentação da pesca de peixes ornamentais - já que os peixes-limpadores são vistos com freqüência em lojas de aquários, caso do góbio-néon (Elacatinus figaro). "A ausência de limpadores empobrece os recifes e aumenta a população de peixes doentes", afirma Sazima. Velhos conhecidos - Os limpadores atendem a peixes recifais de tamanhos variados: desde o peixe-borboleta (gênero Chaetodon), com 7 a 13 centímetros quando adulto, até a raia-manta (Manta), com 1 a 7 metros de envergadura. Essa é uma das interações básicas das comunidades que vivem nos recifes, onde os limpadores mais especializados estabelecem estações de limpeza em locais específicos e os clientes até abrem as brânquias e a boca para que os limpadores executem bem o serviço. Há indícios de que os clientes aprendem e memorizam o caminho até a estação, por mais que se desloquem no ambiente. "Acredita-se que o limpador e seus clientes até se reconheçam individualmente", diz Cristina, filha de Ivan Sazima. A cerimônia de limpeza tem seus rituais: peixes grandes param, muitas vezes deitam de lado ou ficam oblíquos com a cabeça inclinada para baixo ou para cima. Chegam até a mudar de cor para atrair os limpadores. As sessões demoram de alguns segundos a 15 minutos, como no caso da limpeza de um badejo. O movimento diário de clientes nas estações varia conforme a região: cada limpador atende cerca de cem clientes por dia no litoral sudeste, perto de 500 no mar da Bahia e até mil em Fernando de Noronha. O mesmo cliente pode recorrer à estação de limpeza mais de uma vez por dia. Os limpadores menores não ocupam mais que 1 metro quadrado no espaço de sua comunidade, e dormem nas frestas de rochas e recifes. Os maiores não cobrem mais do que 5 metros quadrados. Sair dali é um perigo. "Eles se mantêm protegidos na função de limpeza, pois a estação é identificada pelos predadores", diz Cristina. "Ao se afastar da estação, o limpador de uma garoupa pode ser comido por ela, que já não o respeita ou o identifica em sua função." Pequenos e coloridos - Os limpadores têm de 2 a 12 centímetros de comprimento e cores contrastantes, que servem de sinalização para os clientes. "O forte efeito visual, sobre um fundo de coral ou rocha, funciona para destacar os limpadores no seu ambiente, pois os peixes são capazes de ver as cores", explica Ivan Sazima. "Na base de sua alimentação estão o muco e os minúsculos crustáceos ectoparasitas." Há mais de cem espécies de peixes limpadores, habituais ou ocasionais, em outros mares: 30 espécies do Pacífico, 12 do Mediterrâneo e 20 da América Central e Caribe. Com o tempo, as pesquisas chegaram aos mares da Austrália e do Havaí. Hoje o Labroides dimidiatus, um bodião do Indo-Pacífico, é o limpador mais estudado e originou a maior parte do conhecimento sobre o tema. Sazima esperava encontrar de dez a 12 espécies na costa brasileira, mas sua previsão foi superada: registrou 25 espécies de limpadores, oito das quais têm em comum as cores preta e amarela. "São cerca de 10% dos peixes recifais conhecidos, dos quais se conhecem de 250 a 300 espécies", diz Sazima. "É uma proporção surpreendente." A equipe da Unicamp descreveu duas espécies novas, o néon ou góbio-néon, Elacatinus figaro, e o grama ou loreto, Gramma brasiliensis. A diversidade inesperada limitou o estudo, só aprofundado em quatro espécies: paru (Pomacanthus paru), bodião-de-noronha (Thalassoma noronhanum), góbio-néon (Elacatinus figaro) e o góbio (Elacatinus randalli). O menor dos limpadores da nossa costa é o góbio-néon, com cerca de 4 centímetros de comprimento, que exerce seu trabalho por toda a vida. Já o peixe-frade ou paru (Pomacanthus paru) - que vive na maior parte da costa, nas ilhas continentais e em algumas oceânicas, mede de 20 a 60 milímetros - só é limpador quando jovem. Depois, abandona a atividade de limpeza e se alimenta de esponjas e algas. Sua atividade de limpeza foi valorizada depois dos estudos do grupo. "O peixe-frade pode ser comparado ao góbio-néon, um limpador dos mais especializados", diz Ivan Sazima. A atividade limpadora do bodião-de-noronha, encontrado tanto na costa como em localidades oceânicas, localiza-se no meio-termo: ele é limpador nas fases juvenil e de jovem adulto, quando mede de 20 a 50 milímetros de comprimento. O que distingue mesmo essa espécie dos outros limpadores é o local de trabalho: o bodião estabelece estações de limpeza na coluna de água - acima, portanto, do substrato marinho de rochas e colônias de coral onde operam os outros - e forma grandes agrupamentos circulares, que chegam a ter até 450 indivíduos. Para observar tudo isso, os pesquisadores trabalharam com base no mergulho autônomo, com cilindro de ar comprimido. Durante cinco anos, fizeram centenas de mergulhos de 3 a 18 metros de profundidade, com uma hora de duração em média. Foi assim que percorreram os ambientes recifais de Parcel Manoel Luís (MA) e do Arquipélago de Fernando de Noronha (PE), recifes costeiros de Tamandaré (PE), Arquipélago dos Abrolhos (BA), Ilha Escalvada e Arquipélago de Três Ilhas (ES), Ilha do Papagaio e outras ilhas costeiras em Cabo Frio (RJ), Ilha Anchieta, Ilha da Vitória e Laje de Santos (SP) e Ilha do Arvoredo (SC). Ivan Sazima pretende continuar o estudo da simbiose de limpeza, que praticamente se restringe aos oceanos - em água doce, o fenômeno é pouco conhecido, embora se saiba que, na África, há peixes limpadores de hipopótamos. O próximo foco do grupo serão peixes oportunistas que seguem as raias e outros peixes carnívoros que revolvem o fundo. Sazima sabe que seu trabalho é urgente: o comércio dos coloridos peixes e camarões ornamentais marinhos - nos mares, os camarões também são limpadores de peixes - está alterando seriamente o equilíbrio dos recifes brasileiros. O Projeto Peixes Limpadores do Atlântico Sul Ocidental: História Natural, Distribuição e Sistemática Modalidade Linha regular de auxílio a projeto de pesquisa Coordenador Ivan Sazima - Unicamp Investimento R$ 74.824,85
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Pesquisa FAPESP Edição 80 - Outubro 2002 Ciência > Entrevista Andrew Townsend Peterson Simuladores de futuro Programas de modelagem ambiental antecipam os efeitos das mudanças climáticas e a expansão de doenças no mundo Os biólogos já conseguem descobrir e entender com precisão os impactos das mudanças climáticas sobre os animais e as plantas, a expansão de insetos danosos à agricultura e o real perigo de vírus causadores de doenças. As projeções sobre situações como essas, que põem em risco o futuro da humanidade, emergem de uma série de programas de computador e compõem uma área de pesquisa relativamente nova, a modelagem ambiental (predictive modelling, em inglês), na qual se destaca o trabalho de um discreto biólogo norte-americano: Andrew Townsend Peterson, do Centro de Pesquisa de Biodiversidade e História Natural da Universidade do Kansas, Estados Unidos. Aos 38 anos, com 13 artigos já publicados este ano, Peterson participou do desenvolvimento do SpeciesAnalist, programa que integra eletronicamente as coleções biológicas (de animais e plantas) de instituições de pesquisas do mundo todo. Nos dois meses em que esteve no Brasil, o biólogo nascido em Ohio trabalhou com a equipe do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria) - a instituição responsável pela manutenção do SinBiota, o sistema de informação do programa de mapeamento da flora e da fauna do Estado, o Biota-FAPESP - no desenvolvimento do programa paulista de modelagem ambiental: o SpeciesLink, concebido para reunir o material de pesquisa guardado em 12 instituições paulistas e, num segundo momento, pôr o Brasil em contato com a nascente rede mundial de informática para a diversidade. Sua estada - a mais longa desde que começou a trabalhar com pesquisadores brasileiros, em 1999 - deixou claro como a modelagem pode ajudar a resolver problemas específicos do país, revelando, por exemplo, o deslocamento da leishmaniose, que está deixando as áreas pobres e rurais e se aproximando das cidades. Nesta entrevista, concedida a Carlos Fioravanti na sede do Cria, em Campinas, Peterson conta como essa área de estudos amplia e por vezes corrige os rumos da pesquisa no mundo inteiro. O que é modelagem ambiental? - Basicamente, qualquer abstração do mundo natural com algum poder de prever eventos com base em princípios gerais. Usamos especificamente a expressão modelagem de nicho ecológico, que concentra seu poder de previsão em fenômenos que se referem à distribuição da biodiversidade. Em um de seus artigos mais recentes, publicado na Nature, o sr. assegura que as previsões a respeito das mudanças climáticas mundiais, que já não são nada boas, estão subestimadas. Poderia explicar por quê? - Na verdade, as previsões do impacto das mudanças climáticas sobre a biodiversidade foram estimadas de forma inapropriada. Existe uma relação biogeográfica geral segundo a qual altitude e latitude são mais ou menos equivalentes. Portanto, algo como 100 metros de altitude é mais ou menos equivalente a um deslocamento de 800 quilômetros em direção ao pólo. Então, a elevação de um grau na temperatura da Terra é essencialmente a mesma coisa que empurrar as zonas climáticas para cima, em direção aos pólos. A partir daí, estimam-se as mudanças climáticas na Terra por meio de grupos de espécies de um ecossistema, indicando para onde vão as zonas climáticas e o tamanho das populações antes e depois de uma aumento de um grau, digamos. O problema com essa abordagem é que o ecossistema da Amazônia, por exemplo, não é homogêneo, mas complexo, composto por milhões de espécies de plantas, animais e microrganismos. Um dos pontos mais importantes do artigo da Nature foi mostrar que as espécies têm reações muito peculiares. Se a temperatura sobe, elas deveriam migrar para os pólos, mas nem sempre isso acontece. Algumas vão literalmente em direção ao equador, outras para o leste ou oeste, de modo que não conseguimos prever o comportamento de todas quando o clima de um ecossistema se altera. Algum exemplo? - Há 20 mil anos, no final da última idade do gelo, havia uma floresta de faias e abetos nos Estados Unidos, em uma extensão equivalente ao Estado de São Paulo. Quando o clima mudou, essas espécies deslocaram-se para regiões diferentes e atualmente os abetos estão no norte dos Estados Unidos e no sul do Canadá; e as faias, no leste do Estados Unidos. Não há lugar algum no qual as faias e os abetos apareçam juntos. Já é possível prever o que vai acontecer com cada espécie? - É possível estimar se o impacto decorrente do aquecimento global seria pequeno ou grande analisando o número de espécies que entrariam em um ecossistema ou sairiam dele. No México, a taxa de extinção é de apenas 3%, mas o número de espécies que mudariam de comunidade é assustador. Portanto, em alguns casos os efeitos das mudanças climáticas podem ser até menos graves do que se previa, como aconteceu com a estimativa de extinção, mas outras vezes pode-se esperar efeitos mais graves. Explorei também esse efeito em áreas planas versus áreas de montanhas para descobrir as relações entre os efeitos das mudanças climáticas e a topologia, e descobri que as plantas de áreas montanhosas podem perder espaço com as mudanças climáticas. É o caso dos campos de altitude no topo da Serra da Mantiqueira, que correm perigo de desaparecer por estarem bem no topo da montanha. Se as zonas climáticas subirem, para onde vão os campos? Não há nada mais alto. Em terras planas como em São Paulo ou na Amazônia, parece que o problema é o movimento. Poderia explicar? - Imagine que estamos olhando para uma árvore da Amazônia. As condições climáticas mais adequadas para essa árvore podem não mudar, mas se deslocar em 400 quilômetros, por exemplo. Nesse caso a árvore, que não consegue se movimentar, pode se encontrar num local fora do seu clima preferido. Portanto, estamos começando a entender os efeitos negativos da alteração climática em certos tipos de topografia. O México, Canadá, o sul da Índia, os Estados Unidos e agora o Brasil são as áreas em que estamos analisando os tipos de efeitos das mudanças climáticas e os impactos que podem ocorrer nos planos de conservação. Temos feito planos de preservação baseados no presente, mas rearranjos feitos pelo clima poderão ser tão severos que os padrões atuais de diversidade poderão mudar inteiramente. Ao levar as mudanças climáticas em consideração, poderá surgir um quadro totalmente diferente de prioridades de conservação. Por exemplo, a distribuição do cerrado em São Paulo é considerada periférica e degradada. Entretanto, as mudanças climáticas podem tornar o clima do Estado mais propício para o desenvolvimento dessa vegetação, tornando os remanescentes de cerrado no Estado muito mais importantes para a conservação do bioma. Qual é o conceito mais importante para entender as mudanças ambientais? - Na minha opinião, a chave é entender como uma espécie em particular interage com o ambiente. É o que chamamos de nicho ecológico, que é o hábitat específico em que cada espécie vive. Há pesquisadores que priorizam os processos do ecossistema e estão mais interessados em estudar o comportamento de ecossistemas como a Mata Atlântica ou o rio Amazonas. Querem saber como cada ambiente se comporta, como manipula oxigênio e dióxido de carbono e o que excreta. Tratam cada ecossistema como um grande organismo. Um modelo não exclui o outro. Ambos são importantes e complementares. Como a modelagem preditiva pode ajudar em outra área, a dinâmica de doenças? Em outro artigo recente, o sr. mostra como um grupo de barbeiros, os triatomas, poderia transmitir a doença de Chagas... - Quando um organismo se instala em outro no qual não deveria estar, a doença surge. Se não deveriam estar em nosso organismo, ficamos doentes. É diferente do que acontece com as bactérias Escherichia coli, que têm uma relação de longa data conosco e não causam mais doenças. Os problemas surgem quando encontramos um parasita estranho, como o vírus da raiva. O reservatório natural da raiva é principalmente o morcego vampiro, para quem o vírus não causa danos por já ter com ele uma relação antiga. Quando o vírus da raiva infecta os seres humanos, que não têm essa relação antiga com o vírus, ficamos doentes e podemos até morrer. Reconstruindo os modelos de interação do reservatório e do vetor, podemos descobrir a dinâmica da doença. Depois, fica mais fácil definir as áreas de risco. O que é necessário para aplicar a modelagem ao estudo das doenças? - É necessário ter os dados ambientais e mapas eletrônicos de clima, topografia e vegetação, o chamado sistema geográfico de informações, e os pontos de incidência da espécie. Aqui no Brasil, aliás, aqui em São Paulo, vemos uma situação interessante com a leishmaniose, uma doença que sempre ataca as áreas pobres e rurais e de repente está se tornando uma doença preocupante também em áreas pobres urbanas. Além disso, está se deslocando para o sul. Estou trabalhando com Jeffrey Shaw, da Universidade de São Paulo, para entender melhor a dinâmica da doença. Trabalho também com o pessoal da Fundação Oswaldo Cruz com a doença de Chagas, mas com outro grupo de triatomas. Esse grupo de insetos é considerado uma única espécie, mas há dúvidas sobre isso, e meus colegas na Fiocruz ficaram interessados em saber se os membros desse grupo pertencem ao mesmo ecossistema. Analisamos as populações, que são um pouco diferentes morfologicamente, e mostramos que cada uma era ecologicamente diferente. Estamos começando a explorar os detalhes da ecologia e da geografia das doenças com o objetivo de determinar as unidades corretas de gerenciamento e definir um programa de controle de triatomas no Nordeste. Está surgindo uma nova abordagem da ecologia? - Os fundamentos desta abordagem nasceram em 1917 com Joseph Grennel, o fundador do Museu de Berkeley. A abordagem, portanto, não é nova, novos são os dados e as ferramentas. Para a comunidade científica, tem sido um longo processo de aprendizado. Quando decidi começar a explorar esses métodos, em 1995, mandei quatro propostas de trabalho para a Associação Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Todas foram rejeitadas. O pior já passou? - Sim. Está quase ganha a batalha de acesso público aos dados sobre biodiversidade. Até alguns anos atrás, eram pouquíssimos os pesquisadores que realmente acreditavam que a informação sobre a biodiversidade é um patrimônio que pertence a todos. Naquela época, a idéia predominante era a de restringir o acesso à informação de forma a ressaltar a importância dos museus. Hoje, quem pensa assim é exceção. Mas ainda existe a batalha científica, que é estabelecer essa nova metodologia de modelos de nichos ecológicos. Ou apresentamos bons produtos científicos e as pessoas se convencem ou falhamos. Não me incomoda mais fazer com que as pessoas compartilhem os dados comigo. Sou curador de uma coleção com cerca de 100 mil aves do mundo todo, mas os considero parte de um patrimônio mundial. Essa coleção na realidade pertence não apenas à minha instituição, mas também aos países de onde os espécimes vieram. E quanto aos limites da modelagem? - Há limites computacionais, de tempo e de velocidade. Eu adoraria fazer os modelos do mundo inteiro com resolução de um metro com mil coberturas ambientais. Não existe nada que nos impeça, a não ser velocidade e tempo. Em termos práticos, existe uma restrição de área para análise de um milhão de pixels. Já fiz com 23 milhões de pixels, mas o programa fica muito lento. Estamos limitados a um milhão de pixels e 20 a 30 camadas ambientais, mas podemos melhorar. Ricardo Scachetti Pereira, do Cria (Centro de Referência em Informação Ambiental), está ajudando a criar o DesktopGarp, uma versão mais amigável do Garp (Genetic Algorithm for Rule-set Prediction, ou Algoritmo Genético para Previsão Baseada em Regras), criado há dez anos por David Stockwell na Agência Ambiental da Austrália e aperfeiçoado no Centro de Supercomputadores de San Diego. O Garp prevê fenômenos diferentes em distribuições limitadas e em lugares diferentes, mas era muito difícil de usar. Freqüentemente falamos de tolerância fisiológica, que é a tolerância de temperatura de uma determinada espécie, mas raramente podemos perguntar como essas tolerâncias mudam de acordo com a distribuição da espécie. Em um trabalho com o vírus ebola, usamos pela primeira vez essas novas ferramentas e percebemos que a faixa de atuação do vírus era determinada em alguns lugares pela precipitação e em outros pela temperatura. O Garp nos permite uma complexidade muito maior para caracterizar a área de incidência de uma espécie. Posso definir os parâmetros de análise, deixar o computador funcionando sozinho por um mês e depois ter 10 mil modelos de nichos ecológicos. Nenhum outro programa tem essa capacidade. Como é seu trabalho com o Cria? - O propósito da minha visita é desenvolver aplicações de interesse para o Brasil, em colaboração com pesquisadores locais. Nesses dois meses que vou ficar aqui, espero que no mínimo sejamos capazes de dar uma boa olhada no Estado de São Paulo e começar a estudar a Mata Atlântica e o cerrado. O Cria tem sido um verdadeiro líder, ao agrupar um conjunto de dados fantásticos sobre a biodiversidade paulista sem que haja a necessidade de reunir os dados fisicamente em um único lugar. Os dados ficam nas universidades e museus, mas se integram via internet. Em que pé está o SpeciesLink? - O SpeciesLink é uma rede distribuída de dados, concebida no Cria para conectar 12 instituições de pesquisa do Estado de São Paulo e integrar os dados com os de outras instituições ao redor do mundo. Quando ficar pronto, em alguns anos, permitirá o compartilhamento de dados sobre a ocorrência das espécies, que é um recurso crítico de que precisamos para levar adiante esses modelos. O grupo do Cria adaptou a tecnologia do SpeciesAnalyst, para arcar com necessidades específicas de São Paulo, mas o SpeciesLink funciona também de forma independente, com a idéia de que todas as redes irão conversar entre si. Há quantas redes desse tipo funcionando no mundo? - Cinco. Uma na Austrália, outra no México, uma terceira na Europa, o Species Link no Brasil e o SpeciesAnalyst, desenvolvido na Universidade de Kansas. São redes muito diferentes, mas estamos em uma fase de integração em que as soluções convergem para uma solução única. Acho animador ver pessoas de cinco países, incluindo alguns chamados de países em desenvolvimento, conversando em condições de igualdade. Os representantes de cada um estão colaborando num projeto chamado DiGIR (Distributed Generic Information Retrieval, ou Sistema Genérico e Distribuído de Recuperação de Informação), uma tecnologia em comum para o futuro das redes distribuídas de biodiversidade. Nos próximos meses, o pessoal do México, de Kansas, Berkeley, do Cria e da Austrália estarão completando o DiGIR, as redes poderão se integrar e o SpeciesLink poderá não só ver as 12 instituições do Estado de São Paulo mas também as 80 do SpeciesAnalyst e as 30 da rede mexicana. A riqueza de dados crescerá de maneira marcante. Quais seriam, a seu ver, as questões prioritárias para o Brasil nessa área? - Existem questões bastante interessantes. Uma delas, que é uma prioridade mundial, é a previsão de análise de espécies básicas, que está muito associada ao deslocamento de populações. Os seres humanos estão se deslocando muito mais que há 50 anos. Esse movimento faz com que as espécies também se movam, criando novos problemas. Há, por exemplo, um inseto, o Homalodisca coagulata, que transmite a doença de Pierce, causada por uma das variedades de Xylella fastidiosa. É originário do sul dos Estados Unidos, mas invadiu a Califórnia, a oeste, e se tornou uma praga perigosa não só para as árvores cítricas, mas também para as videiras. Para descobrir qual o potencial de a Xylella que ataca as videiras da Califórnia invadir a América do Sul, por meio desses insetos, aplicamos os modelos no sudeste dos Estados Unidos. E o que aconteceu? - No lado nativo, os testes foram muito precisos. Aplicado à Califórnia, sem pontos de infestação sobrepostos, o modelo indica uma correspondência com uma estatística significativa. Não só pode prever a distribuição nativa como também a distribuição do invasor. Projetamos o modelo para a América do Sul, preocupados com as plantações de citrus do Estado, mas os citrus parecem não ser vulneráveis a esse inseto. Mas regiões como Salta, na Argentina, ou mesmo o Rio Grande do Sul parecem ser bastante vulneráveis.
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Pesquisa FAPESP Edição 81 - Novembro 2002 Política de C & T > Ética Saber engajado Conselho Internacional quer cientistas comprometidos com demandas sociais A ciência e os cientistas devem rever o princípio da neutralidade, até agora considerado basilar para a produção do conhecimento, e comprometerem-se, de um vez por todas, com as demandas mais críticas da sociedade. Essa nova postura exige que eles assumam a tarefa de prover o saber necessário para a solução de problemas considerados prioritários como, por exemplo, a preservação do meio ambiente para o desenvolvimento sustentável, organismos geneticamente modificados ou o uso de células tronco em atividades de pesquisa. O momento, como diz Jane Lubchenco, nova presidente do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU), exige que se negocie "um novo contrato com a sociedade". E o primeiro passo é o diálogo, avalia Carthage Smith, diretor executivo do ICSU. "A sociedade deve entender os limites e os riscos envolvidos no processo científico, se quisermos o progresso. O desenvolvimento e avanço da ciência depende dessa compreensão", explica. E acrescenta: "As pessoas que tomam decisões, na área política, também devem estar informadas, sob pena de bloquear o avanço da ciência". A nova agenda para a ciência neste início de século foi o tema central da 27ª Assembléia Geral da entidade, que reuniu representantes de diversos países no Rio de Janeiro, entre os dias 24 e 28 de setembro último. Nesse encontro, foi aprovada a proposta de elaboração de uma agenda internacional focada num modelo de desenvolvimento que não ameace os recursos naturais do planeta. O ICSU decidiu assumir o compromisso de levar adiante esse projeto, frente os resultados frustrantes do Encontro Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizado em Johannesburgo, na África do Sul, entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro deste ano. "Nossa prioridade máxima é chegar a uma abordagem integrada para tratar dos aspectos econômicos, ambientais e sociais do desenvolvimento sustentável", diz Jane Lubchenco. "Depois do que foi para muitos o desapontamento em relação aos resultados políticos da Rio+10, é realmente estimulante para a comunidade científica internacional chegar a um consenso sobre a necessidade de arregaçar nossas mangas e criar um plano para a ciência voltada à sustentabilidade", completa. O ICSU, criado em 1931, é uma organização não-governamental que representa as academias nacionais de ciência e as uniões científicas internacionais. Com um total de 128 membros, a entidade atua como um plenário para a troca de idéias e dados científicos, propõe o desenvolvimento de normas e redes de colaboração internacionais para pesquisa e estabelece comitês e políticas para avaliar problemas de interesse dos cientistas. Com a decisão da 27ª Assembléia sobre o desenvolvimento sustentável, o ICSU amplia o seu campo de atuação, já que assumirá também a tarefa de delinear e coordenar programas interdisciplinares de pesquisa nas áreas de mudanças globais do meio ambiente. Para enfrentar esse novo desafio, o ICSU vai criar escritórios regionais na Ásia, África, América Latina, no Caribe e no Oriente Médio para estreitar a colaboração regional. "Esses escritórios regionais irão possibilitar ao ICSU coletar informações sobre quais são as necessidades prioritárias dessas regiões, bem como aproximar o conhecimento tradicional do científico para enfrentar problemas locais", diz Goverdhan Mehta, presidente do ICSU e diretor do Instituto de Ciências da Índia, em Bangalore. Esses escritórios também vão atuar como centrais de informações para transferir à comunidade científica global conhecimentos obtidos em nível nacional. Ciência e liberdade - O ICSU também decidiu examinar problemas que ameaçam o princípio universal da liberdade na condução da pesquisa. A agenda internacional da ciência, na avaliação da entidade, exige, cada vez mais, colaborações que integrem os diversos campos de conhecimento e que envolvam a participação de vários países. Para tanto, defende três princípios básicos: liberdade para a prática científica e para a publicação de resultados; liberdade de comunicação entre os pares e de divulgação de informações científicas; e liberdade de locomoção de materiais relativos a pesquisas científicas. No entanto, após os atentados terroristas em 11 de setembro de 2001, por exemplo, os Estados Unidos passaram a adotar medidas de segurança que têm criado dificuldades para pesquisadores de alguns países obterem visto para participar de conferências científicas. Em setembro último, o então presidente do ICSU, Hiroyuki Yoshikawa endereçou carta ao secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, manifestando preocupação em relação a esse problema e, ao mesmo tempo, buscando inciar um diálogo para um futuro acordo "mutuamente satisfatório para as partes envolvidas", conforme o texto de documento distribuído pela entidade. Quaisquer restrições nos princípios defendidos pelo ICSU poderão causar "um impacto negativo aos valores da ciência, tanto em nível nacional como internacional", de acordo com o documento. Boicote acadêmico - Em abril último, o ICSU já tinha divulgado uma declaração conjunta contra "um boicote acadêmico a cientistas israelenses" e contra a demissão de dois intelectuais também israelenses de suas funções nos conselhos editoriais de duas revistas publicadas no Reino Unido. Essas medidas violam os princípios defendidos pela entidade. "Entendemos as fortes reações geradas por conflitos - por exemplo, aquele que ocorre no Oriente Médio -, bem como o desejo de indivíduos e grupos de boicotar ou demonstrar contrariedade ou desgosto pelas ações de governos nacionais e de outros setores. No entanto, fazer isso por meio de ações contra intelectuais isolados é sacrificar um princípio de liberdade profundamente importante", consta no documento assinado pelo Conselho Científico do ICSU - do qual faz parte José Galizia Tundisi, vice-presidente de Planejamento Científico da entidade - e pelos membros do Comitê Permanente para a Liberdade na Condução da Ciência (SCFCS). "Queremos examinar essas questões por meio de várias perspectivas e achar soluções que nos possibilitem trabalhar conjuntamente com governos e representantes políticos no sentido de assegurar que o direito universal dos cientistas se mantenha intacto", explica Peter Warren, presidente do SCFCS. Correção: cometemos dois equívocos: Governo Mehta, diretor do Instituto de Ciência da Índia, é o presidente eleito do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU) e não seu presidente atual, e José Galizia Tundisi não é mais o vice-presidente científico da entidade.
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Pesquisa FAPESP Edição 82 - Dezembro 2002 Tecnologia > Óptica Luz calibrada Pesquisadores da USP inventam metodologia para medir feixes de Um grupo de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP) criou uma metodologia inédita para a calibragem de feixes de laser. A novidade vai servir tanto às indústrias fabricantes de aparelhos emissores delasers como a profissionais que utilizam esses instrumentos, por exemplo, em cirurgias oculares e precisam verificar, de tempos em tempos, as especificações do fabricante. A nova técnica será usada na caracterização de lasers contínuos em que a distribuição de energia no feixe apresenta um padrão de intensidade da luz mais fraca nas bordas e mais forte no centro. lasers com esse perfil, chamados de gaussiano, são os mais comuns encontrados no mercado, empregados num vasto campo de aplicações, como medidas ópticas, soldas, metrologia e uso médico (cirurgias, terapia fotodinâmica, odontologia, entre outros). O método desenvolvido no IQ permitirá determinar o diâmetro ou o raio do feixe do laser em qualquer posição ao longo de seu eixo de propagação. Essas informações são fundamentais para as várias aplicações dos lasers na medicina, na indústria ou em pesquisas acadêmicas que tenham o desempenho esperado. "A nossa metodologia possibilitará a obtenção dos parâmetros do feixe de forma rápida e com bastante precisão", afirma o engenheiro químico e pós-doutorando Marcos Gugliotti, inventor do aparelho sob a supervisão dos professores Mario José Politi e Maurício Baptista, ambos do Departamento de Bioquímica do IQ. A concepção do equipamento levou em conta o fenômeno óptico de lente térmica, que é observado quando um feixe de laser atravessa um material no qual a luz é absorvida e transformada em calor. Essa transformação induz uma variação (gradiente) de temperatura, que por sua vez causa uma variação da densidade. Essa variação provoca uma mudança no índice de refração do material, que passa a atuar como uma lente, focando ou desfocando o feixe. "É esse efeito de lente produzido pela geração de calor em determinado meio, no caso um líquido, que é chamado de lente térmica", explica Gugliotti. Na metodologia proposta por Gugliotti, o feixe deve incidir numa amostra líquida contendo um corante adequado, próprio para o efeito de lente térmica ser induzido. Os parâmetros necessários para a caracterização do feixe de laser são determinados pela medida do efeito de focagem e desfocagem do feixe que atravessa a amostra. Com isso é possível determinar o raio do feixe em qualquer posição, além de outras medidas características. "Teoricamente, não há limites para o tamanho do feixe. Em princípio, o método poderia ser aplicado tanto para feixes com raios de 2 centímetros como para feixes com raios da ordem de décimos de micrômetros (milésima parte do milímetro), ou ainda menores", explica Gugliotti. Por acaso - Embora o efeito de lente térmica fosse conhecido desde 1965, ele nunca havia sido utilizado para a caracterização de feixes de laser. Os pesquisadores do IQ foram os primeiros a vislumbrar a possibilidade de utilizá-lo para essa finalidade. "Aconteceu quase por acaso", diz Gugliotti. "Durante meu doutorado em estudos de superfícies, sem nenhuma ligação com a caracterização de lasers, eu trabalhei com técnicas fototérmicas, que são técnicas ultra-sensíveis baseadas na transformação da luz em calor e próprias para determinar quantidades muito pequenas (traços) e as propriedades termo-ópticas dos materiais. Com isso, percebi que podia medir o diâmetro e outras propriedades do feixe de laser com a lente térmica", afirma. "Descobri uma coisa que não estava procurando. Eu tropecei nela." Em razão do ineditismo da metodologia, o grupo de pesquisadores entrou com um pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em julho deste ano. Eles contaram com apoio da FAPESP, por meio do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) e do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologias (Nuplitec). Na patente, foram apresentadas medidas comparativas entre a nova metodologia e a técnica convencional para caracterização de feixes de laser, conhecida como método da varredura de faca (knife-edge). "Cheguei aos mesmos resultados empregando os dois métodos. Eles apresentaram a mesma precisão na medida do raio do feixe, da ordem de micrômetros", afirma o pesquisador. "Os aparelhos comerciais têm precisão de décimos de micrômetros, mas fiz as medidas manualmente. Quando utilizar instrumentos mais sofisticados para medição, como um motor de passo (um motor elétrico comandado por circuitos digitais), é razoável imaginar que essa precisão vai aumentar." Vantagens no preço - Segundo seus inventores, a técnica de lente térmica apresenta uma série de vantagens sobre a varredura de faca. A principal delas é o baixo custo dos futuros equipamentos. Os aparelhos com base no método de varredura de faca custam atualmente cerca de US$ 7 mil; e o aparelho dos pesquisadores do IQ, quando estiver pronto, deverá ser vendido por um preço de 10% a 20% inferior a esse valor. "Isso será possível porque os dispositivos utilizados nele são muito simples e baratos", diz Politi. Mas há outros benefícios. Além de o instrumento ser de fácil manuseio, a nova técnica permite a determinação de vários parâmetros do feixe com um número menor de medidas, que serão menos trabalhosas e poderão ser feitas em menor tempo. Segundo Gugliotti, apesar de ainda não existir um protótipo do instrumento, algumas empresas já estão interessadas na sua fabricação. "Estamos negociando com grandes companhias norte-americanas que fabricam equipamentos para diagnóstico de feixes de laser ", afirma o pesquisador, que prefere mantê-las no anonimato. "Das seis empresas contatadas desde julho, duas mostraram-se interessadas, e estamos na fase inicial de negociações", diz Gugliotti. O primeiro protótipo poderá ficar pronto em algumas semanas depois de assinado o contrato com um dos interessados. "O equipamento será bem compacto, menor do que uma caixa de sapatos, e pesará entre 1 e 2 quilos", conta. A maior demanda pelo aparelho deverá acontecer no exterior, principalmente nos Estados Unidos, porque o mercado brasileiro de laser ainda está engatinhando. Otimistas, os pesquisadores esperam agora a concretização, em linha de produção, do novo equipamento. O Projeto Determinação do Raio de um Feixe de laser Gaussiano pela Técnica de Lente Térmica Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) Coordenador Mário José Politi - Instituto de Química da USP Investimento R$ 6.000,00
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Pesquisa FAPESP Edição 84 - Fevereiro 2003 Humanidades > O baú sertanejo de Villa-Lobos Pesquisadora organiza acervo de trovas, cordéis, poesias e paródias que estavam na coleção do compositor Débora Crivellaro Sabiá trêis pote, siricóia miudinha sabiá trêis pote siricóia miúda. Sei que o senhor demora vir aqui no nosso lugar eu fico com arrodeio eu fico ouvindo cá ai meu Deus se aquele moço tão cedo não vem no Natal. Chico Antônio Esta música faz parte de um gênero de cantoria de repente chamado coco e foi improvisada pelo cantador Chico Antônio, em Natal (RN), na despedida de Mário de Andrade, em 1929. Qual não foi a surpresa da pesquisadora Edilene Matos ao ouvi-la, no ano passado, em frente ao Mercado Modelo, Salvador (BA), tocada ao som do pandeiro e da viola por três cantadores. Mistérios da oralidade, diriam os apreciadores da cultura popular. Edilene é um deles. Seu projeto de pós-doutorado, desenvolvido no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP) e financiado pela FAPESP, está relacionado a Mário de Andrade, Chico Antônio, Catulo da Paixão Cearense, Heitor Villa-Lobos, Leandro Gomes de Barros e tantos outros artistas envolvidos com a valorização da arte do povo. "Cultura popular não fica nada a dever à chamada cultura erudita, é criação da mesma forma e o povo é o que há de mais renovador, criativo e buliçoso", diz a pesquisadora. Edilene se propôs a colocar em ordem o chamado Fundo Villa-Lobos, uma farta documentação - trovas, paródias, folhetos, cantos, desafios, poesias - datada provavelmente a partir de 1905 e recolhida por artistas investidos de pesquisadores da estatura de Pixinguinha e Donga, nos idos de 1920. A encomenda partiu de Arnaldo e Carlos Guinle, ricos industriais e mecenas cariocas, que pretendiam angariar temas e peças folclóricas pelo Norte e Nordeste e publicar a produção popular pelos quatro cantos do país. Trouxeram um vasto material, fruto de uma ampla e desordenada investigação. Para organizar tudo foi convidado Villa-Lobos. O objetivo do compositor, segundo entrevista concedida ao jornalista e escritor Alcântara Machado, no salão de chá do Mappin, em 1925, era publicar três livros: o primeiro sobre música; o segundo e o terceiro sobre poesia e dança. Em 1927, começou a mexer nos papéis, mas não conseguiu levar adiante, dada a vastidão dos textos e a vida cheia de ocupações que levava. Decidiu repassá-lo, provavelmente em 1929, ao amigo Mário de Andrade, que acabara de empreender as célebres viagens ao interior do país, a fim de estudar e recolher a arte do povo. Mário leu todo o material, fez anotações e marcações com lápis ou tinta. Há interrogações, exclamações, traços cruzados, remissões a autores ou poemas. Chegou a fazer alguma classificação, apesar de não acreditar nos gêneros puros, a que chamava de "retoriquice besta". Classificou em desafios, narrativas, romances históricos e líricos, abecês, trovas, glosas, motes, gírias e diálogos. O objetivo era publicar uma grande obra sobre cultura popular cujo título seriaNa Pancada do Ganzá (numa alusão ao instrumento que lhe fora oferecido a ele por Chico Antônio, de quem Mário dizia valer uma dúzia de carusos). O desejo foi revelado em carta para o amigo Manuel Bandeira, em 1930. A pesquisadora resolveu ingressar "no fabuloso reino construído pela incursão de Mário de Andrade pela cultura popular" também inspirada pelo trabalho realizado pela pesquisadora Ruth Terra, que culminou no livroA Literatura de Folhetos nos Fundos Villa-Lobos (IEB/Edusp,1981). Nele, a autora fez um levantamento do que encontrou no acervo. De início, Edilene pretendia trabalhar com sete pastas - ao todo são 22. Mas, à medida que leu os textos, achou por bem fazer a organização, sistematização e análise de todas as 22. Elas compreendiam 633 textos, alguns com mais de 60 páginas. A maior parte deles, cerca de 300, eram cordéis, literatura de fronteira entre o oral e o escrito, fixada tipograficamente, mas que guarda todas as marcas da oralidade, além de suscitar também outras linguagens, como a visual, presente na capa e na contracapa dos folhetos. Outras 300 contemplam vários gêneros, desde paródias, textos popularizados, letras de música e diálogos. "Ordenei e fiz uma classificação que me pareceu apropriada para o material que encontrei, baseada na dominância temática", conta. Recordo o tempo sadio De minha infância querida Quando eu no verdor da vida Brincava à margem do rio Admirando a beleza Dos golfos da baronesa, Que soltos na correnteza Passava qual um navio (poema/paródia, sem indicação de autoria, que remete o leitor a Casimiro de Abreu e seu antológicoMeus Oito Anos . Mário fez a seguinte anotação: "Admirável. Compare comMeus Oito Anos ") Edilene Matos fez cópias dos textos, providenciou a digitalização, ordenou novas pastas, mas deixou as originais na ordem de Mário, que havia empreendido uma "organização desorganizada". Com esse trabalho, conseguiu detectar a autoria de muitos folhetos, como o doNa Pancada do Ganzá , que atribui a Chico Antônio. A pesquisadora concluiu o ensaio de abertura,no qual trata de questões como primórdios da cultura popular, origens dos Fundos Villa-Lobos, intertextualidade, relação de Mário com a cultura popular, além de análise dos Fundos Villa-Lobos. Pretende também lançar o material em livro, que virá com CD-ROM. Idéia elogiada pela professora Telê Ancona Lopes, da USP, coordenadora das pesquisas do Arquivo Mário de Andrade. "Esse CD-ROM, assim como o volume no qual se acha a análise documentária, acusando inclusive as notas de leitura de Mário e o resumo de cada conteúdo, amplia de forma extraordinária a difusão dos fundos", diz Telê. Ergueu-se a onda do povo O general ficou quieto Os oligarcas pensavam Que o estado era objeto Que o pai deixasse ao filho O filho deixasse ao neto (folheto políticoAntonio Silvino na eleição de Rego Barros para governador da Paraíba, de autoria de Leandro Gomes de Barros. Mário anotou a lápis: "Quase inteiro excelente - tirando algumas estrofes fica ótimo") Segundo Telê, Mário trabalhou com cultura popular desde 1922 no gabinete, mas também fazendo pesquisa de campo. Em 1928, naRevista de Antropofagia , ele publicou o primeiro estudo sobre o folclore, intituladoO romance do Veludo . "Correspondia-se praticamente com todos que se detinham sobre cultura popular - Câmara Cascudo, Ademar Vidal, até com Lehmann Nitsche, que coligiu mitos ameríndios da América do Sul", conta. Quando se tornou diretor do Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo, em 1936, criou a Sociedade de Etnografia e Folclore, com enorme rede de informantes. Contratou fotógrafo e cinegrafista para registrar o cateretê, a folia de reis, o samba rural paulista e constituiu a Missão de Pesquisas Folclóricas. O baú sertanejo de Villa-Lobos não podia ter estado em melhores mãos. O PROJETO A Outra Face dos Fundos Villa-Lobos: a Poesia Popular Modalidade Bolsa de pós-doutorado Supervisão Telê Ancona Lopes - Instituto de Estudos Brasileiros/USP Bolsista Edilene Dias Matos - Instituto de Estudos Brasileiros/USP
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Pesquisa FAPESP Edição 85 - Março 2003 Tecnologia > Eficiência sob o sol Pesquisadores gaúchos desenvolvem células solares mais produtivas Cálculos do Ministério de Minas e Energia indicam que cerca de 14 milhões de brasileiros, moradores de áreas rurais, não têm acesso à energia elétrica. Uma das soluções para ajudar a suprir essa carência pode estar nas mãos de pesquisadores gaúchos, que desenvolveram uma tecnologia mais eficiente de obtenção de energia solar. Coordenados por Adriano Moehlecke, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), eles desenvolveram células solares à base de silício com 17% de aproveitamento, o maior índice de eficiência alcançado com tecnologia semelhante no país até o final do ano passado. Isso significa que, de cada 1.000 watts que o equipamento capta ao meio-dia, em um dia ensolarado, ele consegue produzir 170 watts de energia elétrica. Assim, um sistema desses instalado no telhado de uma casa, por exemplo, pode produzir, em média, 130 quilowatts por hora em um mês, suficientes para uma família de três pessoas que utilize chuveiro elétrico e eletrodomésticos. A Austrália chegou a 24,7% de aproveitamento, mas utilizando o silício obtido pela técnica chamada FZ (defloat zone ou zona flutuante) e um processo de fabricação bastante complexo. Esses lingotes de monocristais de silício são os mais puros e livres de defeitos, mas também os mais caros. Associados à complexidade e ao custo do processo, as chances de fabricação dessas células em larga escala no Brasil são reduzidas. Silício ultrapuro A escolha da matéria-prima foi estratégica, segundo o pesquisador. O Brasil possui as maiores reservas de quartzo de boa qualidade, fundamental para obter o silício ultrapuro, que se destina à produção de chips de computadores, transistores e células solares. Por enquanto, o país ainda não domina a tecnologia de ultrapurificação, limitada a apenas três ou quatro indústrias no mundo. O silício produzido no Brasil, com 98% a 99% de pureza, é chamado de metalúrgico e serve para fabricar ligas de alumínio (para peças automobilísticas) e silicones (usados em cosméticos e na indústria eletroeletrônica). O processo de fabricação desenvolvido pelo grupo de pesquisadores da PUCRS utiliza produtos químicos (acetona, propanol, ácido clorídrico, ácido fluorídrico, hidróxido de potássio, entre outros) e gases (nitrogênio e oxigênio) de baixo custo. "Esses dois fatores, matéria-prima e tecnologia nacional, vão contribuir para reduzir os custos do processo industrial", adianta Moehlecke. A geração da energia fotovoltaica se dá quando a luz solar incide na célula de silício, produzindo cargas negativas e positivas, e essas são separadas por um campo elétrico existente no dispositivo. Assim se estabelece uma corrente elétrica e a passagem dela pela região do campo gera tensão, produzindo energia elétrica. Em países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos e Japão, a energia gerada por células fotovoltaicas se encontra em estágio avançado. Nos anos 90, o mercado de módulos fotovoltaicos cresceu 20% ao ano. Entre 2000 e 2001, o aumento foi de 40%, com a produção mundial da ordem de 300 megawatts (MW) por ano. Um estudo da Associação de Indústrias de Módulos Fotovoltaicos da Europa estima que em 2010 haverá uma produção anual de módulos da ordem de 630 MW. Desses, 33% serão destinados a sistemas autônomos e 29% a sistemas conectados à rede elétrica. "O uso da energia solar fotovoltaica é um processo já avançado e em pleno crescimento em países desenvolvidos", ressalta Moehlecke. No Brasil, os sistemas fotovoltaicos respondem por 12 MW da energia produzida atualmente, segundo o Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. São equipamentos instalados em vilarejos de pescadores, pequenas povoações do Nordeste, tribos indígenas na Amazônia e regiões isoladas, onde outros sistemas não chegam. O dispositivo desenvolvido na universidade gaúcha poderá ser usado, sem grandes modificações na tecnologia, tanto em pequenas comunidades como em grandes centros urbanos. "Os elevados índices de radiação solar, somados à baixa densidade populacional em algumas regiões, tornam essa opção energética bastante competitiva do ponto de vista econômico e ambiental em todo o país", ressalta o pesquisador. Jovem cientista O trabalho, resultado de três anos de pesquisa, foi contemplado com o primeiro lugar na categoria Graduados do XVIII Prêmio Jovem Cientista de 2002. Moehlecke, de 37 anos, é doutor em engenharia pelo Instituto de Energia Solar da Universidade Politécnica de Madri e professor da Faculdade de Física e do programa de Pós-Graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais na PUCRS. O pesquisador reconhece que o custo da energia solar fotovoltaica, comparado com o da energia elétrica convencional, é um obstáculo para seu uso em larga escala. O preço da energia fotovoltaica é de US$ 3,5 por watt, enquanto o da convencional fica em torno de US$ 1 a US$ 1,4 por watt. "Mas, em compensação, os custos de manutenção do sistema e de transmissão de energia são mais caros na geração hídrica." Ele ainda ressalta na comparação do custo-benefício que as hidrelétricas exigem grandes centrais de distribuição, têm tempo de vida útil e provocam danos ambientais irreversíveis, enquanto a fotovoltaica é inesgotável e limpa do ponto de vista ambiental. "Se comparamos os sistemas fotovoltaicos com centrais termelétricas, a carvão ou a gás, opção que está sendo incentivada no país, as vantagens em relação à poluição são ainda maiores."Moehlecke acredita que, para reduzir o preço pago pelo usuário de energia solar, o Estado poderia bancar parte dos gastos na implementação do equipamento. "Na Alemanha e Espanha, por exemplo, o subsídio é da ordem de 60%. Postos de gasolina, parquímetros e outros equipamentos que atendem à população utilizam cada vez mais a energia fotovoltaica." Grandes grupos, como British Petroleum e Isofoton, na Europa; Shell Solar e Astropower, nos Estados Unidos; Sharp, Kyocera e Sanyo, no Japão; são os que saíram na frente na produção e comercialização de sistemas e equipamentos de energia fotovoltaica. Moehlecke não patenteou seu sistema porque considera que mais importante do que isso é deter o know-how de fabricação do equipamento. Alguns empresários já demonstraram interesse em produzir a célula no Brasil. As conversações começaram a ser entabuladas em outubro do ano passado, promovidas pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. "As fontes de energia do mundo estão em fase de transição e caminham para o esgotamento", diz. Na avaliação do pesquisador, este é o melhor momento para tomar uma decisão a respeito da adoção em grande escala da energia solar.
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Pesquisa FAPESP Edição 87 - Maio 2003 Ciência > Visão de longo alcance Descobertas sobre proteína essencial na formação do cérebro viabilizam acordo com multinacional Carlos Fioravanti Duas semanas antes do Natal do ano passado, como uma recompensa ao esforço incessante do grupo de pesquisa que coordena, Antonio Carlos Martins de Camargo - um médico de formação que enveredou pela pesquisa em bioquímica e há oito anos instalou-se no Instituto Butantan - assinou um contrato de parceria com a indústria farmacêutica multinacional Merck Sharp&Dohme. O acordo de apenas duas páginas estabelece um objetivo comum para as equipes do Butantan e da empresa com sede em Essex, Inglaterra: desenvolver medicamentos a partir de uma proteína que representa uma das ramificações de um trabalho iniciado ainda nos anos 40 por um dos maiores cientistas brasileiros, Maurício Rocha e Silva. O que nasceu discreto logo se mostrou promissor e, nos últimos anos, essencial, à medida que sucessivos artigos científicos assinados por pesquisadores não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, comprovaram o papel crucial dessa proteína na regulação de uma série de funções, da transmissão da dor à formação do cérebro durante a gestação. Ainda não há previsão de que medicamentos possam surgir, nem quando, mas a perspectiva de trabalho conjunto abre um capítulo novo de uma história que nasceu no final dos 60, como desdobramento das descobertas de Rocha e Silva, e está longe de acabar. Em um dos próximos episódios deve se desenrolar um embate com figurões da ciência mundial em busca do reconhecimento da autoria da descoberta da proteína à qual Camargo dedicou quase metade de sua vida. Se possível este mês, o pesquisador do Butantan pretende demonstrar, de uma vez por todas, que a proteína que ele próprio descobriu e chamou de endooligopeptidase A ou endoA - apresentada em dois artigos, um publicado em 1969 naBiochemical Pharmacology e outro, dois anos depois, noJournal of Neurochemistry - é a mesma que os norte-americanos, alemães e japoneses redescobriram em 2000 e batizaram de Nudel,nuclear distributing-like protein , descrevendo sua atividade na formação do córtex cerebral em artigos independentes publicados em dezembro daquele ano naNeuron . "Não basta sermos e parecermos honestos, como a mulher de César", diz ele. "Nós, brasileiros, temos de provar nossa honestidade a todo momento." Mas Camargo aprendeu a esperar, como demonstra o acordo com a indústria farmacêutica, articulado com o mesmo senso diplomático que, aliado ao empenho ao trabalho, lhe permitiu ser contratado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) no final dos anos 60, transferir-se para o Instituto de Ciências Biomédicas da USP em São Paulo, em 1984, formar um núcleo de pesquisas no Butantan e tornar-se o coordenador do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) que compõe um programa especial da FAPESP. "Só aceitamos a proposta da Merck depois que a patente da proteína estava depositada", diz. "Não podemos ter pressa, para não perdermos tudo o que já fizemos." E não é pouco o que já se conseguiu. O estudo das propriedades dessa proteína permitiu a formação de quase 30 mestres e doutores, além de representar uma das mais antigas linhas de pesquisa apoiadas de modo contínuo pela FAPESP. O primeiro projeto financiado em nome de Camargo, sem contar os anteriores, assinado por seus orientadores, data de 1970. Seguiram-se outros 45 projetos apoiados na forma de auxílios à pesquisa, à infra-estrutura de laboratório, a viagens ao exterior ou por meio de bolsas para os alunos. Aos 66 anos, o médico nascido em São Carlos faz parte de uma geração de pesquisadores que se mostram engajados em seus próprios problemas científicos, sem esperar reconhecimento imediato. "É difícil resistir à tentação das novas tecnologias, que dão resultados rápidos, mas não podemos descuidar da ciência de fato, que é demorada", diz o discípulo de Rocha e Silva. Os cientistas dessa linhagem, hoje na casa dos 60, 70 ou mesmo 80 anos, adotam o estilo Darwin de fazer ciência: valorizam a formulação de hipóteses que possam explicar o que foi verificado e a busca de evidências que sustentem ou derrubem a hipótese inicial. Tempos atrás, porém, havia um sério risco de o estilo darwiniano ser confundido até mesmo com arrogância. "Eu estava tão envolvido com um programa de pesquisa que não me preocupava com o que as outras pessoas achavam", reconhece. "Não queria agradar, mas explorar as minhas idéias e fazer um bom trabalho, que, cedo ou tarde, eu sabia, teria importância." Em 1962, quando pisou pela primeira vez num laboratório, Camargo cursava o segundo ano de Medicina. Teve de fazer partos e auxiliar cirurgias, mas queria mesmo era fazer pesquisa. Consciente de sua real vocação, bateu à porta de um assistente de Rocha e Silva, Sérgio Steiner Cardoso, que lhe deu a chance de participar de um estudo sobre o controle da regeneração dos tecidos do corpo humano. Camargo trabalhou nessa linha até 1966, quando entrou na pista da proteína que chamou a atenção da Merck. Era então ele próprio um assistente de Maurício Rocha e Silva, conhecido por ser tão brilhante quanto espontâneo, a ponto de não medir as palavras ao se dirigir aos colegas. Rocha e Silva convenceu-o em segundos a esquecer a regeneração dos tecidos e participar da busca dos mecanismos de funcionamento da bradicinina, molécula reguladora da pressão arterial descoberta em 1948 pelo próprio Rocha e Silva e por Wilson Beraldo (a bradicinina reduz a pressão na circulação sangüínea e a eleva no sistema nervoso central). Naquele momento, a prioridade era identificar um grupo de proteínas especiais, as enzimas, responsáveis pelo efeito passageiro da bradicinina. Aplicada no cérebro de um coelho, a bradicinina deixava o animal com hipertensão, inquieto e ofegante por um ou dois minutos. Depois, o coelho ficava em catatonia, estirado sobre a mesa, incapaz de se mover. As evidências sugeriam a existência de enzimas capazes de inativar a bradicinina - se contidas, poderiam permitir que a bradicinina agisse por mais tempo. Mesmo hoje não seria muito fácil provar essa idéia, já que as proteínas se misturam e agem sozinhas ou em conjunto quando ativam ou desativam outras proteínas. Camargo pediu emprestado um dos peptídeos (fragmentos de proteínas) que outro assistente de Rocha e Silva, Sérgio Henrique Ferreira, ainda hoje na Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão, acabava de descobrir no veneno de jararaca. Conhecida como fator potencializador da bradicinina (BPF), essa molécula bloqueia a ação da enzima que destrói a bradicinina. Anos depois, em um dos mais notáveis resultados desse grupo de pesquisa, o BPF inspirou a criação do captopril, um dos anti-hipertensivos mais vendidos no mundo, que rende cerca de US$ 5 bilhões por ano para o laboratório norte-americano Bristol-Myers Squibb, que desde 1977 detém a patente da versão sintética desse peptídeo. A recusa Uma das enzimas que anulam a ação da bradicinina era a endoA, como se veria mais tarde. Naquele momento, viu-se apenas que o peptídeo de Ferreira deixava o coelho com hipertensão, inquieto e ofegante por até uma hora. Mas ainda faltava descobrir qual enzima cortava - ou degradava - a bradicinina. Foram-se anos até a equipe de Camargo purificar a endoA, às vezes correndo o risco de morrer eletrocutado. "Vinte anos atrás, um dos meios de separar peptídeos era utilizar a eletroforese de alta voltagem, aplicando uma tensão elétrica de 3.000 volts em uma folha de papel com as proteínas", conta ele, sem saudade nenhuma desses métodos, que tomavam de quatro a cinco horas de trabalho. Hoje é possível separar peptídeos em minutos, sem perigo de choques imprevistos. Mesmo conhecendo as dificuldades que teria de superar, Camargo evita os caminhos fáceis. Em 1972, ele terminava o pós-doutorado com Lewis Greene no Laboratório Nacional de Brookhaven, em Nova York, quando reencontrou Sérgio Cardoso, o mesmo que lhe havia aberto as portas do mundo da ciência. Cardoso, que havia se transferido para os Estados Unidos, deu-lhe outra chance: seguir com ele, como seu braço direito, na tarefa de montar um laboratório de proteínas na Universidade do Tennessee. Seu ex-aluno receberia um salário cinco vezes maior do que no Brasil, além de ganhar uma casa pronta para instalar a mulher e os três filhos pequenos. Camargo disse não. Preferiu voltar, decidido a criar um centro de proteínas no Brasil. Ele deixou Brookhaven sem esquecer um comentário que tivera de engolir semanas após ter chegado, dois anos antes, em 1970. Desembrulhava alguns pacotes de equipamentos quando uma técnica comentou para Greene, o chefe do laboratório: "Esse é o trabalho que um médico latino-americano pode fazer nos Estados Unidos". Meses depois, em Ribeirão, formou uma equipe que aceitou o desafio de montar os equipamentos em vez de comprar tudo pronto. Não apenas pela economia, que de eles fato conseguiram, reduzindo os custos à metade, mas também por que queriam descobrir como funcionava e como consertar especialmente o analisador de proteínas, o aparelho mais importante de todos. Foi um desafio só vencido com a ajuda de dois técnicos de Brookhaven, Nicholas Alonso e Rosalyn Shapanka, que já haviam participado dos estudos iniciais da endoA - ambos aparecem como co-autores dos primeiros artigos de caracterização da proteína. Se há um conselho que Camargo oferece de bom grado à sua equipe é: não ter medo de perseguir suas próprias idéias. "Nunca acreditei que o papel biológico da endoA fosse destruir a bradicinina", confessa. Com o tempo, seu grupo demonstrou que havia, na verdade, uma família de proteínas semelhantes - e assim surgiu a endoB, alguns anos depois da endoA. As duas bastaram para alimentar a suspeita de que teriam uma ação mais ampla, atuando na formação ou destruição de outras proteínas e na regulação não apenas da dor e pressão arterial, como se pensou no início, mas também no controle hormonal, crescimento celular, interação entre células nervosas ou equilíbrio de água no organismo, conforme se verificou, ao longo dos anos, à medida que essas moléculas passaram a ser estudadas no mundo inteiro. A endoA e a endoB fazem parte de um grupo de enzimas chamadas oligopepetidases, que destroem apenas peptídeos e não proteínas inteiras, como é comum. Camargo propôs esse conceito em 1976 naBiochemistry e no Journal of Biological Chemistry , ao descrever a endoB, mas, de imediato, ninguém lhe deu atenção. O reconhecimento chegou 19 anos depois, quando o polonês Vilmos Fulop, da Universidade de Warwick, na Inglaterra, citou seus estudos ao relatar a cristalização da endoB na revistaCell . Em outro artigo polêmico, publicado em 1996 noBiochemical Journal , Camargo demonstrou que a proteína isolada em testículo de rato por uma equipe da Faculdade de Medicina de Mont Sinai, Estados Unidos, não era a mesma que ele havia extraído de cérebro de coelho, já com a suspeita de que a mesma molécula poderia ter mais de uma função no organismo. A herança Hoje, quem se dedica de corpo e alma às proteínas é Miriam Hayashi, que Camargo conheceu em Tóquio em 1990. Formada em Farmácia, ela trabalhava em pesquisa em drogas anticâncer na filial japonesa da Roche. Depois de um ano por lá, já pensava em voltar ao Brasil. No Butantan desde 1993, ela lida com a endoA e a endoB por meio da biologia molecular, complementando o que havia sido feito antes. Foi Miriam quem seqüenciou a endoA, formada por 345 unidades - ou aminoácidos. Foi ela também quem atestou a importância dessa proteína, por meio de um experimento feito com embrião de rã africana (Xenopus laevis ). Em quatro das oito células do embrião - as que vão formar o lado direito ou esquerdo, enquanto as outras quatro vão formar o lado oposto do corpo -, ela aplicou uma dose alta do gene que induz a produção dessa proteína. Houve deformação do olho e do cérebro dos girinos, mas apenas no lado em que a proteína apareceu em excesso, indicando que qualquer desequilíbrio em sua quantidade pode ser prejudicial. Eram evidências importantes, mas chegavam acompanhadas de uma decepção. Tão logo concluiu o experimento, no final de 2000, Miriam leu naNeuron um artigo de pesquisadores norte-americanos que ficavam com o mérito da descoberta por terem publicado primeiro os mesmos resultados a que ela havia chegado meses antes. Não foi o bastante, porém, para tirar-lhe o fôlego. Além do objeto de estudo, ela parece ter herdado de Camargo o gosto de apostar em seus próprios caminhos.
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Pesquisa FAPESP Edição 88 - Junho 2003 Humanidades > De volta à vida Centro tira atividade de medicina legal do limbo ao privilegiar ensino e pesquisa Neldson Marcolin O dia 30 de junho de 1999 marcou uma mudança de paradigma na medicina legal brasileira. Nessa data começou a funcionar em Ribeirão Preto, São Paulo, o Centro de Medicina Legal (Cemel). A diferença principal com outros centros é o fato de esse estar instalado dentro do campus de uma universidade - no caso, a de São Paulo (USP) -, junto com o Serviço de Verificação de Óbitos do Interior (SVOI) e o Núcleo de Perícias Médico-Legais (NPML) da cidade, transferidos para lá. A pesquisa realizada na universidade é, assim, estendida ao IML, fato raro na história da medicina brasileira. A idealizadora do centro, Carmen Cinira Santos Martin, professora do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina, lutava havia quase 18 anos para tirar a especialidade do limbo. Seu interesse ia além de ter um prédio melhor do que o decrépito e apertado necrotério da cidade. "Eu queria aprimorar o ensino da disciplina de medicina legal e torná-lo tão bom quanto os melhores que existem no mundo", conta Carmen.Isso ela ainda não conseguiu. Mas hoje, quatro anos depois da inauguração, Carmen começa a receber de volta a atenção que dedica ao centro e à medicina legal. A edição de 1º de maio daNature trouxe duas páginas sobre o trabalho realizado no Cemel. A revista se interessou pelo distante centro de um país subdesenvolvido quando soube de um trabalho de Marco Aurélio Guimarães, jovem pesquisador brasileiro do Cemel que fazia pós-doutorado na Universidade de Sheffield, na Inglaterra. Guimarães extraiu DNA (ácido desoxirribonucléico) de ossos e dentes de velhas ossadas, algo difícil de se conseguir mesmo nos melhores laboratórios do mundo.Carmen colhe outros frutos de sua perseverança. O Cemel é referência para cidades brasileiras e ela é constantemente convidada a dar assessoria em todos os cantos do país para explicar como chegou a esse sistema de trabalho com a medicina legal. O modelo do centro, um prédio com 1.200 metros quadrados, que hoje funciona com 30 funcionários (incluindo o IML e o Serviço de Verificação de Óbitos do Interior), serve de inspiração também para o Sistema Único de Saúde (SUS), que já tem pronta uma minuta de lei sobre questões de verificação da causa de óbito. Na entrevista a seguir, Carmen explica a razão desse sucesso. Como a revistaNature descobriu o trabalho de vocês? - O pesquisador Marco Aurélio Guimarães foi fazer o estágio de pós-doutoramento na Universidade de Sheffield, na Inglaterra, realizando exame de DNA de ossadas de sítios arqueológicos europeus. Os resultados foram excelentes. Posteriormente aplicou a mesma técnica em material enviado do Brasil. Os resultados também foram muito interessantes e divulgados na imprensa local, no Reino Unido. ANature tomou conhecimento e fez contato com o Marco Auréliopara conhecer melhor os casos identificados. Da troca de informações entre o repórter daNature , David Adam, e o pesquisador, resultou o interesse da revista em conhecer de perto a medicina legal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, o material do Brasil que estava sendo pesquisado e o pesquisador responsável por ele. Trata-se do professor Daniel Muñoz, da Faculdade de Medicina da USP de São Paulo, que foi o primeiro entrevistado pela revista inglesa e falou do seu trabalho relacionado à identificação de pessoas desaparecidas durante o regime militar. A reportagem foi feita aqui? - O Marco Aurélio voltou em dezembro para Ribeirão Preto e ficou trocando e-mails com o repórter daNature . Contou que trabalhava num centro emergente de medicina legal, mas que nosso país tinha dificuldades imensas nessa área. Aí o repórter veio para cá em fevereiro e ficou dois dias com a gente, conhecendo o local e perguntando tudo. A senhora é carioca. Como veio parar em Ribeirão Preto? - Vim para fazer pós-graduação. Cursei medicina na Universidade de Brasília iniciando no começo dos anos 70. Terminei a faculdade e fiz residência médica em patologia. Lá pelo terceiro ano quis largar a medicina, porque não gostava de lidar com pessoas doentes. Então um dos meus professores disse: "Ah, vá trabalhar com mortos". Achei ótima idéia e no quarto ano já estava fazendo estágio em medicina legal. Nunca mais saí da área. Quando terminei a residência, queria dar aulas, seguindo a tendência da minha família. E queria dar aula sobre violência, um assunto que me fascinava. Escolhi Ribeirão Preto porque era a melhor pós-graduação em patologia no Brasil. Aliás, não era a melhor, era a segunda melhor. Só que a primeira, a de Salvador, eu não consegui cursar. Fui até lá, fiz a inscrição, só que eu era a única candidata naquele ano e não fui aceita. A senhora queria fazer carreira docente em que, exatamente? - No que eu podia fazer, que era patologia. Eu era patologista, mas tinha interesse em medicina legal. Escolhi patologia porque trabalha com cadáver. Era a única forma de aprender a lidar bem com o assunto, para depois aplicar nas questões sobre violência. Como não existia mestrado, doutorado e residência médica em medicina legal, nem mesmo um cursinho de especialização dentro das universidades, optei pela pós em patologia. Na verdade, eu poderia até fazer o concurso para a polícia, que é onde os legistas aprendem no Brasil, mas não queria me envolver em Academia de Polícia. Em Ribeirão Preto, os professores todos me entrevistaram para ver se me aceitavam na pós. Eu fui clara: disse que não gostava de patologia, mas de medicina legal. Aí me perguntaram: "O que você esta fazendo aqui, então?". Mas um deles, que acabou sendo meu orientador para o mestrado e para o doutorado, professor José Alberto Melo de Oliveira, folheou meu currículo e disse: "Espera aí, você gosta mesmo de medicinalegal?". Eu confirmei e ele me ajudou. Acabei fazendo mestrado e doutorado com assuntos de medicina legal, dentro do Departamento de Patologia. Agora, tantos anos depois, a senhora pretende montar o primeiro curso de patologia forense. Como vai ser? - No Brasil não existe ainda residência médica em medicina legal funcionando. Pretendemos fazer uma ponte entre a patologia e a medicina legal, na Faculdade de Medicina aqui de Ribeirão Preto, criando o quarto ano de residência em patologia forense, que é parte da medicina legal. Estamos em negociação dentro do Departamento de Patologia. Então, o mestrado e o doutorado em medicina legal vai ser de patologia forense, que nada mais é do que parte da medicina legal, certo? - É isso. Eu não quero sair do Departamento de Patologia, que é excelente. É só uma questão de nomenclatura, quem quer trabalhar, trabalha, independentemente do nome da especialidade. Por que sempre houve dificuldade em ensinar medicina legal no Brasil? - Em primeiro lugar, não existe formação de médico legista. Qualquer médico, com qualquer formação, pode fazer hoje o concurso para médico legista. Ele faz o concurso só lendo teoria. Na Academia de Polícia - estou falando do Estado de São Paulo -, esses candidatos são treinados durante aproximadamente um mês. Eles têm que largar tudo, família, outros afazeres, etc. Muitos desistem. Após esse treinamento iniciam a atividade profissional realizando exame necroscópico e de lesão corporal em pessoas vivas. O que eles aprendem a fazer é um trabalho meramente impressionista? Apenas descrevem o que vêem, como qualquer pessoa faria? - É mais ou menos isso. Não é à toa que a qualidade da medicina legal no Brasil é péssima. Ela só é boa na medida em que o indivíduo que a faz é um profissional muito bom, por mérito pessoal. O Instituto Nina Rodrigues, de Salvador, para onde a senhora gostaria de ter ido, também é assim? - Lá é mais ou menos igual, assim como no Brasil todo. A diferença é que em Salvador há um ambiente mais aberto. Até me inspirei no prédio do Instituto Nina Rodrigues para pensar nas coisas aqui. O instituto lá já foi, em tempos passados, melhor. Ainda é a melhor estrutura do Brasil. Porque a pessoa que construiu o prédio, a professora Maria Teresa Pacheco, é uma visionária. Construiu um belo edifício de 5 mil metros quadrados. Na época da construção, a universidade estava junto com o IML. O que faz a medicina legal avançar é a universidade. Quando ela está junto, funciona melhor. Quando está separada, a qualidade cai pela falta de pesquisa. A senhora inspirou-se em quais centros para criar o Centro Médico-Legal (Cemel)? - Portugal tem o modelo que eu considero ideal. Mas, no Brasil, Salvador e Brasília têm também uma importância grande, porque são mais abertas. Como aluna, ia ao Instituto Médico-Legal e podia andar pelo prédio à vontade. Isso em pleno regime militar. Essas coisas só aconteciam porque a universidade abriu o espaço. Maria Teresa Pacheco, hoje professora titular aposentada, permitia que o aluno de Salvador visse a medicina legal por dentro e não apenas em teoria. Em Brasília era igual. Por que o modelo do Cemel é diferente? - Porque nós convidamos o IML para vir para a universidade e trabalharmos juntos, principalmente na pesquisa. Hoje já temos quatro médicos legistas de Ribeirão Preto com pós-graduação concluída ou em andamento e suas pesquisas foram motivadas pelo trabalho que realizamos em conjunto. Essa é a grande diferença. Isso foi possibilitado por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Quem teve a coragem de assinar um cheque de R$ 600 mil para a criação deste centro foi o professor José Antunes Rodrigues, que é um dos maiores pesquisadores que nós temos, e ex-diretor da faculdade. Como foi esse processo? - Um dia, por volta de 1996, eu cheguei para o professor Antunes e disse que já estava nesta escola há quase 15 anos e nunca havia levado aluno à sala de necrópsia do IML de Ribeirão. E que jamais levaria. O IML tinha uma sala terrível, pequena, extremamente feia, mal preparada. A medicina legal já lida com tudo muito triste, tudo muito feio - feio para os outros, para mim é bonito - e não podia levar um aluno que estava pensando em fazer outra especialidade para um lugar desse. Eu queria trazer os alunos para a medicina legal, seduzi-los para a minha especialidade e não espantá-los. Se os levasse para aquele necrotério, nunca mais iriam querer saber de medicina legal. Passei 18 anos dando aula com figurinha. Até dizia para eles: "Se vocês quiserem ir ao IML de Ribeirão, podem ir, mas eu não levo vocês". Eu disse para o professor Antunes que não continuaria trabalhando daquela maneira, que iria fazer outras coisas, e ele acabou por encampar o projeto do Cemel. Por que Portugal serviu de inspiração? - Lá, o professor universitário, obrigatoriamente por lei federal, tem de ser o diretor do IML. É um sistema muito mais avançado que o nosso. O diretor não pode ser da carreira da polícia. Nem tem polícia no meio, porque o legista é filiado não à Secretaria de Segurança Pública, mas à Secretaria de Justiça. Lida com a magistratura, é outro nível. Não tem delegado no meio. O pesquisador português Nuno Rodrigues, da Universidade de Coimbra, especialista em medicina legal, de renome mundial, sempre que vem ao Brasil, diz nas suas conferências que não dá para concordar com o sistema brasileiro, em que a máquina que pune é a mesma que investiga. Ele também é membro da Anistia Internacional. Esse modelo de Portugal é parecido com o inglês e com o norte-americano? - Eu copiei o modelo norte-americano num sentido e o português em outro. No administrativo eu copiei o português. Nos Estados Unidos, não necessariamente a universidade está de mão dada com o IML. Por exemplo: eu conheço muito bem o pessoal do Colorado, nos Estados Unidos. O chefe do serviço do IML não é professor universitário, mas cursou patologia. Aí está a base de tudo: ele é patologista, em primeiro lugar. Depois ele vai fazer patologia forense. Essa é a parte boa do modelo norte-americano, inglês e canadense. Mas a administração deles não é tão boa quanto a de Portugal porque o IML não trabalha junto com a universidade. Por que o sistema é melhor quando chefiado por um professor? - Por causa da universidade. O professor preza a pesquisa. Mas não é um problema quando os melhores quadros de pesquisa da universidade se tornam também quadros burocráticos? - O professor de medicina legal não faz pesquisa na área se não estiver acompanhando o que ocorre dentro do IML. Essa é a grande questão que as pessoas não entendem. Nos IMLs há profissionais competentes, mas se não têm formação em pesquisa, vão trabalhar de modo limitado. Estou junto com o IML, mas não administro o IML. Embora a carga administrativa seja realmente muito grande, é preciso que alguém se disponha a criar núcleos de pesquisa em locais onde há ensino e assistência e a investigação científica não ocorre como deveria. Hoje tenho duas administrações. Administro o Cemel porque ele é da USP. A outra administração, temporária, é a do Serviço de Verificação de Óbitos do Interior (SVOI), que é uma unidade da USP. É uma vantagem ter os colegas do IML aqui dentro? - É, porque agiliza todo o trabalho. É semelhante ao modelo usado pelos americanos. O americano faz isso, só que com uma base melhor, porque o médico que faz a verificação de óbito é o mesmo que examina morte violenta. A formação de legistas em Portugal também é assim? - Não, em Portugal não é tão boa. Nos outros países, a formação do médico legista é em patologia forense. Em Portugal eu encontrei essa grande falha, ou seja, o médico legista também faz a verificação de óbito sem ser patologista. Por que a lei de 9 de fevereiro de 1998, editada pelo ex-governador Mário Covas, foi importante para vocês? - A lei anterior a essa dizia que o legista estava subordinado a um delegado. Quem chefiava o legista era o policial. O Mário Covas colocou no lugar do delegado um perito criminal ou um médico legista. Esse cargo, na lei do Covas, é o do diretor da polícia técnica. Em cada gestão estaria um perito médico ou um não-médico. Como é projeto de Políticas Públicas, financiado pela FAPESP? - Esse foi o segundo projeto do Cemel. A idéia é passar tecnologia e treinar o pessoal do IML de Ribeirão Preto e do SVOI. Quando começamos a trabalhar aqui, os advogados contestavam diariamente os laudos de dosagem alcoólica porque a metodologia era inadequada. Aí pensei que o Bruno Martinis, um pesquisador muito bem formado já desenvolvendo projeto no Cemel (modalidade Jovem Pesquisador, da FAPESP), poderia assumir o laboratório de toxicologia. O projeto de Políticas Públicas, que está entrando na segunda fase, tem como objetivo treinar o pessoal técnico das instituições participantes para fazer coleta de amostras para dosagem alcoólica, que é o exame mais pedido. São alguns procedimentos muito básicos como, por exemplo, ensinar que há recipientes próprios para colher sangue. Uma vez certificado que o treinamento ocorreu de forma adequada, a instituição proponente, que é a Faculdade de Medicina, tem o compromisso de fazer a transferência da tecnologia sofisticada para o manuseiodo cromatógrafo, equipamento que processa as amostras de sangue. O resultado final esperado é a eficiência dos procedimentos e a certeza de resultados fidedignos. Ou seja, vocês tinham um problema de falta de tecnologia e de treinamento. - O melhor aparelho na mão de técnicos não treinados não produz resultados. Quando eu digo que o trabalho é elementar, é porque tinha que ensinar a coletar, a guardar, a pôr na geladeira, etc. Hoje o cenário mudou completamente e as coisas estão mais fáceis. O projeto financiado pela FAPESP é importante porque não é possível imaginar, na época em que estamos vivendo, ainda não termos sanado esses problemas tão primários. Ter equipamentos bons e técnicos bem treinados é uma garantia para a comunidade. Como é o projeto do laboratório de DNA que vai funcionar no Cemel? - O laboratório será importante quando não conseguirmos fazer a identificação odonto-legal, ou por uma prótese, ou pela ausência de um membro. Na região de Ribeirão Preto é muito comum encontrarmos ossadas durante a colheita de cana. O canavial é um lugar muito usado para esconder corpos porque a cana, mesmo pequena, cobre o cadáver facilmente, que só é descoberto quando a planta é colhida. O laboratório vai ajudar quando famílias reclamarem os corpos e os métodos comuns de identificação não forem suficientes para resolver a questão. Aí entra o exame de DNA de osso. O projeto está pronto, mas falta equipar o laboratório. O problema não é montar o laboratório, o mais difícil é saber fazer. E isso o Marco Aurélio Guimarães sabe. Além disso, ele já tem a cultura médico-legal. Isso é importante. E como vocês poderão ajudar a identificar as ossadas suspeitas de serem de desaparecidos políticos durante o regime militar encontradas no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo? - Não existe só um método de identificação. Hoje só se fala em DNA, parece que só existe isso. Mas não é assim. O método mais fácil, mais elementar, o melhor deles, é a identificação odonto-legal. Se você tem uma arcada dentária trabalhada, porque colocaram amálgama, resina e isso está registrado, fica fácil identificar uma ossada. O mesmo ocorre com próteses. Eu tenho aqui umas duas dúzias de identificações feitas assim. Não tem como ter dúvida. Não é possível um médico cirurgião colocar uma prótese na sua perna e na minha e elas serem iguais, tantas são as variáveis. Nós vamos ajudar nessa identificação por meio de exame de DNA quando formos solicitados. Quem banca o Cemel? É a USP? - A USP paga grande parte. Este prédio custou R$ 600 mil, pagos pela Faculdade de Medicina para termos uma disciplina de medicina legal. O dinheiro é da USP, mas saiu do orçamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, não pedimos verba especial à universidade. Para pagar as despesas com material de limpeza, por exemplo, há uma outra fonte, também da USP, que é o SVOI, uma unidade da universidade, que está alojada aqui porque é atrelada ao Departamento de Patologia. Esse serviço tem a folha de pagamento de todo mundo que trabalha aqui paga pela USP e uma parte pela Secretaria de Segurança Pública. Agora, a verba da manutenção é muito pequena, que vem do SVOI. Tenho por mês o total de R$ 4.489,00 para comprar material de limpeza e fazer toda a manutenção do centro. Quando preciso de móveis, ou de um pedreiro, a faculdade me dá. O IML não me dá dinheiro nunca. Mas arrumamos outras soluções para conseguir as coisas. O Hospital das Clínicas me empresta uma máquina caríssima,queé a reveladora de raios X. Ela não presta para o HC para tirar radiografia em paciente vivo, mas presta para tirar de osso, dá uma ótima qualidade. Então 'para' que eu vou comprar um aparelho de ponta? Eu pego emprestado aquele aparelho que é do HC. O material de manutenção desse equipamento é dado pelo IML. Ele não pode me dar o dinheiro, mas ele me dá o líquido, as chapas de raios X, etc. Somando tudo, tenho ajuda do Hospital da Clínicas, funcionários emprestados pela Secretaria Municipal, pela Secretaria Estadual, material do IML, e com isso montamos e mantemos o centro. Onde a FAPESP entra? - O excelente laboratório de toxicologia, de responsabilidade do Bruno Martinis, foi montado graças a um projeto de Jovem Pesquisador. Não tem um tostão da universidade. No laboratório há quase R$ 1 milhão em equipamentos financiados integralmente pela FAPESP, se somarmos tudo o que o Bruno ganhou com o projeto, além da bolsa de Jovem Pesquisador. O Bruno e o Marco Aurélio Guimarães também fizeram mestrado e doutorado com bolsa da Fundação. Sem esse gerenciamento, então, seria mais difícil o Cemel funcionar? - É preciso sempre achar soluções originais. Pode parecer curioso, mas eu não me considero uma pesquisadora. Acho que sou uma estrategista, vamos dizer assim. Claro que publico trabalhos no exterior, oriento alunos em mestrado e doutorado, sugiro boa parte das pesquisas que são feitas aqui. Mas acima de tudo sou uma educadora. Respirei o mesmo ar da minha mãe - e até morrer minha mãe foi uma das maiores educadoras que eu conheci.
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Pesquisa FAPESP Edição 89 - Julho 2003 Tecnologia > Diferença genômica Análise das alterações em nucleotídeos é tema do primeiro software comercial da Scylla Marcos de Oliveira Depois de receber um impulso de desenvolvimento com os projetos genomas que se espalharam pelo mundo e pelo Brasil, a bioinformática começa a se destacar como uma importante área para a geração de inovação tecnológica. Um desses frutos originários da pesquisa genômica é um software produzido pela empresa Scylla, de Campinas, para o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). É um sistema para identificar diferenças genéticas, chamadas de polimorfismo, nas seqüências de bases químicas formadoras dos genes, as famosas adenina, citosina, timina e guanina, também conhecidas como nucleotídeos. Uma seqüência ou apenas uma letra diferenciada - indicadora de uma dessas substâncias em determinado gene - pode levar, por exemplo, a uma predisposição para doenças mentais. O software, chamado de Sistema de Identificação de Polimorfismos (SIP), vai servir para que os pesquisadores da USP possam identificar com mais facilidade essas diferenças e compará-las com a condição física da pessoa analisada, relacionando o polimorfismo à doença."O SIP é uma ferramenta para verificar os polimorfismos de nucleotídeos únicos, ou SNPs, existentes no DNA. A grande maioria das pessoas tem sempre uma seqüência, como, por exemplo, ATTGCATG. Se acharmos no mesmo gene, mas em outra pessoa, a seqüência ATTGCTTG, portanto com uma troca do A pelo T, verifica-se primeiro se há algum erro no processo de obtenção dos dados e, se persistir a diferença, compara-se com a condição médica da pessoa", explica o professor João Meidanis, do Departamento de Teoria da Computação do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundador da Scylla. Como sócios na empresa estão dois ex-alunos de Meidanis, Alexandre Corrêa Barbosa e Zanoni Dias. Eles formaram a Scylla em 2002 depois de um longo período como participantes da área de bioinformática dos projetos genomas das bactériasXyllela fastidiosa eXanthomonas citri e da cana-de-açúcar, dos quais Meidanis foi um dos coordenadores. Banco mundial Somente no Genoma Humano são conhecidos mais de 4 milhões de SNPs. Eles são identificados como tal se estiverem presentes em 1% da população. O conhecimento sobre eles está registrado em bancos mundiais de polimorfismos, aos quais, com a ajuda do software, a equipe coordenada pelo professor Emmanuel Dias Neto, do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, vai acessar para identificar e classificar os SNPs."Essas informações serão úteis, por exemplo, para analisarmos um grupo de 500 pessoas, sendo 250 com esquizofrenia e 250 como grupo de controle sem a doença. Assim, verificamos as diferenças nas bases e as relacionamos com uma enfermidade", explica Dias Neto. "Buscamos também polimorfismos que possam significar resistência a medicamentos. Os SNPs podem ser responsáveis pela ineficácia de determinadas drogas em algumas pessoas."A síntese de uma proteína alterada, causada por um determinado SNP, pode influenciar as ligações químicas que fazem o medicamento ser eficiente. "Existem indivíduos que respondem ao lítio (substância usada contra a depressão ) e outros não. Queremos entender e caracterizar os genes ligados a essas respostas clínicas", diz Dias Neto. Assim, o software desenvolvido pela Scylla poderá também servir a outros centros de pesquisa, laboratórios e para a indústria farmacêutica. Clientes em rede De forma prática, o software possui um servidor que permite a participação de vários clientes. Eles podem, assim, rodar o programa em rede local ou não, em ambiente Linux ou Windows. O SIP é o primeiro produto comercial da Scylla, empresa que recebeu investimentos financeiros da Votorantim Ventures, braço para capital de risco do Grupo Votorantim.
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Tecnologia > Revolução em pequena escala A nanotecnologia começa a interessar a iniciativa privada no Brasil depois de bons resultados no mundo acadêmico Marili Ribeiro Pegue um fio de cabelo. Olhe para ele e tente imaginar uma espessura 10 mil vezes menor do que essa insignificância em suas mãos. Pronto, é disso que vamos tratar. Ou, melhor, de como a ciência lida com objetos desse tamanho, essas minúsculas superfícies obtidas no universo dos nanômetros, a escala que mede átomos e moléculas equivalente à divisão do metro em bilhões de vezes. Impossível, dessa forma, ver a olho nu ou manipular um objeto nanométrico sem um arsenal de equipamentos, tendo à frente os microscópios eletrônicos mais avançados, que permitem acesso a um mundo antes intocado e capaz, agora, de gerar conforto, negócios e riquezas. Assim, as descobertas em torno dos nanomateriais inauguram uma nova etapa na escala industrial. O Brasil, desta vez, está em condições de corrigir uma rota desprezada no passado, quando a microeletrônica introduziu o chip, ditando o roteiro da atual modernidade. Há consenso de que o país dispõe de boa infra-estrutura e de pessoal qualificado para fazer nanociência. Precisa agora superar um sério desafio para tornar-se competitivo: tem de somar competências. Um dos caminhos para atingir esse objetivo e atrair a atenção de investidores que transformem esse conhecimento em produtos é uma ação conjuntapreparada por umgrupo de pesquisadores apoiados pela FAPESP e por executivos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A idéia é promover palestras e exposição de programas e projetos já existentes e apoiados pela Fundação. O encontro, ainda sem data definida, deverá permitir, de um lado, a identificação das necessidades do setor privado para a aplicação de pesquisa dirigida. De outro, pretende estimular e ampliar a participação e o potencial empreendedor de cientistas e pesquisadores. Para tanto, uma seleção de trabalhos em nanotecnologia estará em uma mostra aberta ao público nas próprias dependências da Fiesp, de maneira a tornar o tema mais concreto para uma platéia que desconhece o assunto ou tem poucas referências sobre ele, além de mostrar a capacidade brasileira em se habilitar para entrar na corrida em paralelo às potências mundiais. A coordenação desse trabalho é do físico e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Cylon Gonçalves da Silva, que liderou a implantação do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Campinas. Ele foi responsável também pela proposta de um Programa Nacional de Nanotecnologia no governo passado e coordenador do projeto de um Centro Nacional de Referência em Nanotecnologia. "Essas propostas visavam colocar o debate sobre a nanotecnologia para fora dos muros acadêmicos no Brasil", comenta Cylon. Vidro autolimpante A revolução patrocinada pela chegada das nanoestruturas cria inovações na área da engenharia de materiais que, ainda limitadas pelos elevados custos operacionais, começam a ganhar escala industrial. Caso evidente é o do vidro autolimpante, lançado em 2002 na Europa. Sobre ele é aplicado uma película com espessura de 40 nanômetros, com incrustações de partículas de óxido de titânio (TiO2). Quando a luz ultravioleta existente nos raios de sol bate no vidro, ocorre uma mudança no estado de oxidação que rouba os elétrons de bactérias, fungos e outros microrganismos, matando esses seres. A película também proporciona alta tensão superficial fazendo a água não grudar no vidro. Ela se transforma em esferas e cai ao chão levando as sujeiras. As poeiras e outras substâncias que aderem ao vidro junto com a água são também eliminadas. Sem microrganismos e sem água fica mais fácil o vidro ficar limpo.O preço desse novo produto está entre 30% e 40% acima das linhas convencionais em uso. A opção autolimpante economiza, a longo prazo, gastos de limpeza. Situação que deverá se repetir em breve na indústria têxtil com a chegada de tecidos à prova de manchas, já desenvolvido e, atualmente, em fase experimental nos Estados Unidos. A empresa Nanotex tem a proposta de trabalhar em engenharia molecular em nível nanométrico e submicrométrico da fibra para produzir esses tecidos. Devido a um processo similar ao aplicado no vidro, um tratamento com nanopartículas atribui ao pano a propriedade de repelir líquidos. Pode-se derramar café quente ou Coca-Cola gelada que nada pega. Será o paraíso das donas de casa e dos desastrados em geral. Os avanços das utilizações práticas reforçam as projeções crescentes de investimentos na área de nanotecnologia. Somente no último ano, os recursos globais mais que dobraram. Países como Estados Unidos, Japão, China, Canadá, Coréia do Sul, Taiwan, Austrália e a União Européia aplicam algo em torno de US$ 5 bilhões por ano entre capital privado e estatal em pesquisas no segmento. A National Science Foundation (NSF), fundação norte-americana de fomento à ciência, por seu lado, estima um mercado global para produtos e processos baseados em nanotecnologia capaz de atingir US$ 1 trilhão em dez ou, no máximo, 15 anos. No Brasil, cálculos preliminares do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que elabora um Programa Nacional de Nanotecnologia, projetam R$ 1,2 bilhão em investimentos para os próximos quatro anos, sendo 30% desse total provenientes do setor privado por meio de estímulos patrocinados pelo governo. A intenção é dirigir os investimentos para áreas prioritárias previamente definidas como agropecuária, petroquímica, comunicação, saúde e indústria aeronáutica. Dada a importância que a nanotecnologia começa a assumir no cenário mundial, o professor Cylon acredita que a métrica de sucesso para a implantação de qualquer programa voltado para a área no Brasil deveria considerar a conquista de uma fração do mercado global em nanotecnologia, desenvolvida no país por empresas e centros de pesquisas nacionais. Entusiasta do tema e de suas perspectivas, particularmente no Estado de São Paulo, onde se concentra boa parte da pesquisa em nanociência, ele tem se dedicado nos últimos dois anos, por meio de palestras e apresentações, a provocar um despertar do empresariado para a questão. No início de julho, Cylon esteve em Santa Catarina, na sede da Embraco, uma empresa nacional que é líder mundial na fabricação de compressores usados em geladeiras e afins, para falar desse futuro nanométrico. "Lá, eles já estão preocupados com o que poderá acontecer com a indústria de refrigeração em decorrência dos avanços nessa área", conta o professor. "As novas tecnologias podem tornar obsoleto o principal produto deles, os compressores, assim como o transistor acabou com a válvula eletrônica", exemplifica. "Esse horizonte se reproduzirá em muitos outros segmentos da economia." Para garantir que empresas de porte e da importância de uma Embraco continuem existindo e empregando dentro do Brasil, em vez de correr o risco de outros países assumirem a liderança se habilitando em novas tecnologias, é fundamental o apoio da pesquisa científica direcionada para atender às necessidades do setor privado. Evidentemente que a contrapartida esperada do empresariado requer maior envolvimento no financiamento desses estudos, como o incentivo na formação de pequenas empresas de caráter altamente tecnológico. Peneiras moleculares No universo da nanotecnologia, o país não está tão atrasado em relação aos outros. O conhecimento acumulado nesse campo ainda é bastante inicial nos quatro cantos do globo. Um exemplo da situação promissora no Brasil está no empenho do pesquisador Aparecido dos Reis Coutinho, professor do Grupo de Área de Física da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), em erguer um negócio voltado para aplicações práticas de suas descobertas que resultou na empresa Multivácuo. Com uma proposta de pesquisa dirigida para a síntese de peneiras moleculares a partir de materiais à base de carbono, Coutinho recebeu financiamento do Projeto de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Atualmente, ele está concluindo a montagem de uma planta piloto para produzir um quilo diário de peneira molecular de carbono (PMC). As PMCs são materiais com estrutura porosa com predomínio de nanoporos, classificadas em função de tamanho e forma. Integram a família dos materiais carbonosos avançados, produtos de baixo peso e alta resistência, e são aplicadas em processos especiais de absorção, como controle e purificação do ar atmosférico, processos de separação de gases, sistemas industriais que empregam vácuo ou ar comprimido, separaçãode impurezasorgânicas e recuperação de solventes, em cromatografia gasosa, entre outras possibilidades. O pesquisador revela que deverá assinar um contrato comercial com a Petrobras para fornecimento dessas peneiras moleculares de carbono, que serão usadas em sistemas de armazenamento de gás natural, a ser empregado em tanques de veículos automotores. A intenção é diminuir a pressão no armazenamento de gás natural e possibilitar a diminuição das paredes de aço, além da adoção de outros formatos de tanque. O emprego das PMCs dentro desse recipiente promoverá a adsorção do gás natural pelos nanoporos da estrutura carbonosa (nesse caso, denominado de gás natural adsorvido-GNA), o que possibilitará a redução do volume do tanque e a diminuição da pressão de armazenamento do combustível. "A concretização do contrato de fornecimento com a Petrobras possibilitará ampliar em um curto espaço de tempo a produção para 10 quilos por dia e, no futuro, a implementação de uma unidade industrial de PMC." A importância inicial está no fornecimento dessas peneiras para pesquisas realizadas por vários grupos que importam esses produtos. Fora as aplicações dos materiais carbonosos em segmentos industriais, outro de potencial mercado é o da saúde, para a incorporação da tecnologia em filtros usados em tratamento de hemodiálise nos pacientes que sofrem de insuficiência renal. Atualmente, o Brasil importa dos Estados Unidos e Europa praticamente todo o material desse tipo de filtragem. O mais recente motivo de orgulho para Coutinho foi encaminhar para o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o registro de patente do processo de produção das peneiras moleculares de carbono em reatores de plasmas a frio por meio de gases ionizados obtidos por corrente elétrica e em temperatura ambiente. O uso desse reator foi a grande inovação nesse processo que contou com a participação fundamental e decisiva de pesquisadores do Laboratório de Plasmas e Processos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), na forma de assessoria técnica. O uso da tecnologia de plasmas frios apresenta como vantagens, em relação ao processo convencional, a obtenção de PMC com estrutura nanoporosa mais ordenada, a redução do tempo de ativação dos materiais, além de se constituir em um processo limpo, do ponto de vista ambiental. Em área similar à de Coutinho, no que também já resultou em parceria com a Petrobras, o químico e professor Jairton Dupont, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), buscou retirar compostos do petróleo que poluem o ambiente utilizando os recursos da nanotecnologia. Desenvolveu nanocatalisadores - catalisadores são substâncias que aceleram ou modificam as reações químicas - que permitem diminuir a concentração dos compostos aromáticos durante as fases de refino de petróleo quando aparecem a gasolina e o benzeno. Assim, a combustão dos motores a gasolina, por exemplo, fica mais completa, sem deixar no ar resíduos que podem ser cancerígenos e contribuir para a formação de chuva ácida. O catalisador, patenteado em conjunto com a Petrobras, agrega ainda a vantagem de ser reaproveitado, sendo que as reações podem ser realizadas em condições brandas de pressão e temperatura (60° C e apenas 2 atmosferas). Os normalmente empregados nesse tipo de reação funcionam em temperatura e pressão elevadas (300° C e 150 a 200 atmosferas). Dupont contou até fevereiro com o apoio financeiro do Fundo Nacional do Petróleo (CTPetro). Agora, ele recebe financiamento direto do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes). Sempre tendo em mente o custo e a facilidade de produção no desenvolvimento de métodos de síntese que possibilitem oprocessamento de materiais nanométricos, o professor Edson Roberto Leite, do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos dez Centros de Pesquisa Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP, está elaborando uma série de tecnologias que devem ganhar o mercado em breve. Em seu laboratório na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ele trabalha com materiais nanoestruturados desde 1999. As principais linhas de atuação são em torno de nanocristais de óxidos cerâmicos e filmes finos nanoestruturados. "Os trabalhos mais avançados que permitem pensar em comercialização são os relacionados ao desenvolvimento de catalisadores nanocompósitos. Esses produtos têm aplicações em reações catalíticas em alta temperatura, tais como reforma do metano e oxidação do metanol, processos usados para a geração de hidrogênio", explica o professor Leite. "Estamos trabalhando também no desenvolvimento de precursores moleculares para geração de nanopartículas de óxidos metálicos com financiamento de uma empresa nacional que ainda não permite a divulgação", completa. Papel eletrônico Muitas das pesquisas em andamento envolvem compromissos com estratégias que desaconselham sua divulgação, dado o ambiente de concorrência. Nesses casos, a reserva e a cautela costumam ser a regra. Edson Leite pondera que entre os projetos coordenados por ele existem aqueles com propensão à aplicação prática ainda neste ano, dependendo de investimentos do capital privado, e outros em estágio de desenvolvimento para uma média de três a seis anos para implantação. "Sem dúvida a área de catalisadores é a de mais curto prazo para implementação." Os nanocompósitos devem revolucionar os materiais para catálise, possibilitando uma série de avanços, principalmente na geração de energia limpa e controle de poluição e do meio ambiente. "Na área eletrônica, por exemplo, estamos trabalhando em um projeto para desenvolver filmes finos transparentes e condutores para deposição em substratos flexíveis que vão permitir a criação de displays de cristal líquido (LCD) maleáveis e originar um tipo de papel eletrônico considerado para substituir, no futuro, as páginas de livros, revistas e jornais. Isso só pode ser viável com a obtenção de nanopartículas. Outro projeto nessa área é o desenvolvimento de filmes finos superparamagnéticos com potencial aplicação em memórias magnéticas." Língua eletrônica Uma história que endossa o futuro animador do país na área de nano vem do árduo, mas bastante saboroso, trabalho efetuado por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em São Carlos, ao longo de oito anos. Coordenados pelo engenheiro de materiais Luiz Henrique Capparelli Mattoso, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), eles criaram a primeira "língua eletrônica" à base de polímeros condutores nanoestruturados, baseada em filmes ultrafinos compostos por moléculas "desenhadas" para reagir às substâncias. Construíram assim um dispositivo mais sensível que a língua humana para degustação e análise de bebidas. O equipamento, dotado de um conjunto de sensores que desempenham função semelhante à das papilas gustativas, consegue atingir a eficiência de um enólogo. Tem capacidade, por exemplo, para identificar com precisão um vinho tinto produzido de uvas Cabernet Sauvignon ou Chardonnay, assim como dá conta de detectar diferenças quase imperceptíveis ao paladar humano, existentes entre várias marcas de água mineral ou tipos de café, chegando a ter uma sensibilidade até 10 mil vezes maior que o ser humano para detectar ospaladares-padrão, como a presençade açúcar ou sal em água. O invento, formulado com financiamento da FAPESP, foi patenteado em vários países e tem perspectiva de amplo uso industrial. Já é adotado pela Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic) e poderá ajudar no controle ambiental, monitorando os níveis de contaminação por metais pesados e pesticidas em rios e mananciais, assim como controlar a qualidade da água nas estações de tratamento. Na indústria alimentícia, a língua terá o papel de aumentar o rigor do controle de qualidade na fabricação de bebidas. Por enquanto, o equipamento está apto para operar com vinhos, café e água mineral, mas os pesquisadores já estão desenvolvendo sensores para analisar leite, suco de uva e de laranja. Na indústria farmacêutica, a língua eletrônica pode ser usada para testar medicamentos e melhorar o sabor dos remédios amargos. Há mais tempo na estrada do nanomundo está o pesquisador José Maciel Rodrigues Júnior, com dez anos de trabalhos desenvolvidos com sistemas nanoestruturados, inicialmente na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. "Estamos incubando agora em agosto a Nanocore Biotecnologia, no campus da universidade", conta ele. "Acredito que seja a primeira empresa brasileira com uma plataforma em micro e nanotecnologia." Eles começaram produzindo nanopartículas biodegradáveis, no formato de nanocápsulas que envolvem o princípio ativo de medicamentos e até de vacinas, capazes de interagir somente quando atingem o alvo, muito usadas em tratamentos quimioterápicos e também na indústria de cosméticos. "O atual investimento é em uma planta industrial para produção de microesferas para viabilizar estudos clínicos de medicamentos", explica. Instrumentos de luz As conquistas que podem ser mobilizadas para projetos maiores, em escala de importância econômica, e que dêem expressão ao país no âmbito da nanotecnologia já somam experiências consideráveis. Há também instrumentos potentes disponíveis, como a fonte de luz síncrotron e o mais poderoso microscópio eletrônico para fazer nanociência na América do Sul, instalados no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, mantido com recursos do MCT. Ele é aberto a profissionais tanto de instituições de pesquisa públicas e privadas como para empresas. A expansão das fronteiras do conhecimento e da evolução da humanidade tem sido pontuada pelo domínio dos materiais e das fontes de energia, como gosta de explicar Cylon: "A nanotecnologia prenuncia uma nova onda de inovações, como acontece desde a Revolução Industrial, quando se aprendeu a manipular algumas fibras naturais (algodão, lã) em grande escala e criou-se a indústria têxtil. Ela é a última onda tecnológica possível, porque manipula o elemento básico dos materiais que é o átomo". Os Projetos Sistema de Peneiras Moleculares a Partir de Precursores de Carbono Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) Coordenador Aparecido dos Reis Coutinho - Multivácuo Investimento R$ 307.112,00 e US$ 4.538,00 Catalisador Nanocompósito e seu Processamento Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) Coordenador Edson Roberto Leite - UFSCar Investimento R$ 6.000,00 Caracterização de Sensores Poliméricos de Interesse na Agroindústria Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa Coordenador Luiz Henrique Capparelli Mattoso - EmbrapaInvestimento R$ 32.470,12 e US$ 31.794,55
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Pesquisa FAPESP Edição 91 - Setembro 2003 Política de C & T > Diagnóstico precoce Empresa de biotecnologia cria teste para identificar morte súbita dos citros Uma forma rápida e precoce de fazer o diagnóstico da morte súbita dos citros (MSC), uma nova e misteriosa doença que ameaça a citricultura paulista e do sul de Minas Gerais e é capaz de matar em semanas um pé de laranja, deve ser oferecida aos produtores em breve. A Alellyx, empresa privada de biotecnologia ligada ao grupo nacional Votorantim, desenvolveu um teste que permitiria descobrir se uma árvore foi infectada pelo agente causador da morte súbita - provavelmente uma mutação do antigo vírus da tristeza dos citros, doença que, na década de 40, dizimou 80% da citricultura paulista - antes de os primeiros sintomas da moléstia se manifestarem. "Nossa idéia é fechar um acordo de prestação de serviço com o setor para aplicarmos o teste numa amostra representativa dos laranjais do estado", diz Fernando Reinach, presidente da Alellyx, que estima o custo de uma empreitada de tal porte em alguns milhões de reais. Sopa de vírus Segundo Reinach, os pesquisadores da empresa desenvolveram um novo método de seqüenciamento de misturas de vírus. Isso foi importante porque o patógeno da MSC não parece ser uma simples mutação do antigo vírus da tristeza, mas, sim, uma "sopa" de diferentes vírus mutados. "Conseguimos identificar as mutações", afirma ele. Hoje, o diagnóstico da MSC é sempre tardio. Podem se passar dois anos entre o momento da entrada do patógeno na árvore e o aparecimento dos sintomas, como a perda de brilho nas folhas da laranjeira decorrente do entupimento generalizado do sistema de condução da seiva elaborada da copa para as raízes. Nesse momento, a planta já apresenta queda na produtividade e, se nada for feito, caminha para a morte. A MSC já atingiu mais de um milhão de pés de laranja no sul de Minas e São Paulo, causando prejuízos de mais de US$ 20 milhões para a citricultura, que somente no território paulista emprega algo em torno de 400 mil pessoas. Para o engenheiro agrônomo Marcos Antônio Machado, do Centro de Citros Sylvio Moreira, instituição pública situada em Cordeirópolis, interior paulista, onde também se pesquisa o agente causador da morte súbita e formas de controle da doença, ainda não é possível saber se o teste da Alellyx funciona realmente. "Não há dúvida de que os pesquisadores da empresa são bons, mas não sabemos em detalhes o que eles fizeram", afirma Machado. A MSC preocupa e mobiliza. A Secretária da Agricultura de São Paulo e a FAPESP buscam formas de cooperação para combater a doença. No início do ano, uma força tarefa foi criada para estudar a etiologia da doença, definir características da epidemiologia e desenvolver formas de controle. Uma das alternativas consideradas pela força tarefa é a substituição do porta-enxerto. Esta solução, no entanto, poderia ter impacto negativo nos custos de produção do citro. Ao mesmo tempo em que se busca acelerar as pesquisas, a FAPESP organiza um encontro entre pesquisadores de diversas instituições envolvidas nesta investigação para definir estrutura de ação mais eficaz.
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Pesquisa FAPESP Edição 93 - Novembro 2003 Humanidades > Teatro A alma encantadora dos palcos Tese revisita a militância teatral de João do Rio e suas "reportagens-de-coxia" Carlos Haag Ele exaltava a "Alma Encantadora das Ruas" com a mesma força que adorava o interior das coxias e foyers dos teatros. Reuniu, então, os dois mundos em seus escritos e as vielas e salões chiques da belle époque carioca viraram cenários e seus habitantes, personagens. Ao morrer, em 1921, de enfarte em plena rua Pedro Américo (cena digna de um melodrama, pois acabara de escrever uma crônica em que afirmava: "Aposto a minha vida - dois anos ainda, se houver muito cuidado"), seu cortejo atraiu mais de cem mil espectadores: mesmo na morte, João do Rio não pôde dispensar o público. Escritor irrequieto de preocupações múltiplas, João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, o João do Rio (ou ainda, Claude, Caran d'Ache, Joe, José Antonio José, alguns de seus muitos pseudônimos), dedicou muita tinta de sua pena para discutir a decadência pela qual passava o teatro brasileiro de prosa no início do século 20. "Seus textos para jornais dão uma visão fantástica do teatro da época. Neles, João do Rio discutia as peças, falava sobre bastidores, autores, o público e, em especial, atacava a crítica teatral do tempo, que, para ele, dificultava o avanço da nossa cena ao impedir a entrada de idéias novas", diz a pesquisadora Níobe Abreu Peixoto, cuja tese de doutorado João do Rio e o Palco recupera o cronista como "repórter-de-coxia" e bom avaliador e autor de teatro. Registro saboroso - A partir de pesquisa feita em periódicos da época (entre os quais O País, Revista da Semana, A Cidade do Rio, O Correio Mercantil ), Níobe traçou a evolução cronológica das idéias teatrais de João do Rio, trazendo à luz um interessante conjunto de opiniões sobre peças e dramaturgos, nacionais e europeus. De quebra, há um registro saboroso de como era a vida teatral de seu tempo, com descrição de ensaios, encenações, bastidores, entrevistas com atores, artistas e empresários, numa notável mistura de ficção e realidade. "Mas ele sempre manteve uma visão muito prática de como deveria ser o teatro, quase com olhos de um empresário do ramo. Daí, por exemplo, a sua participação na polêmica da inauguração do Teatro Municipal do Rio: enquanto muitos defendiam que deveria ser um espaço apenas para autores nacionais, ele argumentava que, em face da incipiência de nossa dramaturgia, era preciso aprender com o que vinha de fora até que nossos autores se desenvolvessem", afirma a pesquisadora. O exemplo destacado, aliás, dá uma mostra da importância do teatro na vida cotidiana carioca antes da chegada do cinema. Para o bem ou para o mal, tudo girava em torno dos palcos. Nem sempre, porém, na direção preferida por João do Rio. "Peça para agradar precisa apenas de ter muita dança intercalada, duas dúzias de trocadilhos correntes, piada grossa de vez em quando para chamar o calor à superfície como sinapismo à indiferença. Quando se tenta agarrar dois personagens para um fim decente e conduzi-lo ao terceiro ato o público não assiste ao esforço segunda vez", escreveu em 1908 em A Notícia. Comentário preciso: o público de então gostava apenas do vaudeville, do teatro sem compromissos cerebrais ou, para aparentar cultura européia, da ópera trazida pelas companhias estrangeiras. Ambos detestados por João do Rio. "Essa cidade de musicógrafos está atrasadíssima no movimento musical. Os empresários não se arriscam a trazer novidades. Um verdadeiro pavor apodera-se das empresas quando se fala de trabalhos novos", observou para alfinetar o gênero lírico, visto por ele como uma "doença", uma "coqueluche estética": "O que fazer se toda a gente conhecida deixa a Duse às moscas e bate-se à bilheteria do Lírico para ouvir a Traviata". Culpa do público, sem dúvida, mas ainda mais da crítica. "A nossa crítica, tomando gargarejos de pedantismo oficial, vai a campo com uma solenidade pedante de burguês empacotado em fatos domingueiros, atira um cumprimento ao amigo da direita, sorri ao da esquerda, e com o desespero da erudição comparativa vem fazer considerações estultas, deturpando o pensamento alheio com cortes inconvenientes e regouga repleta de convicção característica dos arcaicos." "João do Rio acusava a crítica de rejeitar o que era nosso, impedir a revigoração do meio teatral e de apadrinhar artistas e companhias. Bem, ele estava certo, mas em seus escritos, muitas vezes, ele também envereda pelo mesmo caminho de tomar o partido de seus favoritos", observa a pesquisadora. Irritava-se igualmente contra aqueles que pregavam uma "regeneração teatral", em face do número crescente de espetáculos em cartaz na cidade. "Aqui, quando a coisa não tem remédio e está perdida todas a acham esplêndida e os meninos críticos dos jornais falam a sério das 'peças' (dramalhões e vaudevilles) e todos, com a maior calma, asseguram: 'Movimento animador! O Teatro Nacional renasce!'" Na realidade, os autores nacionais, desestimulados pelo desinteresse geral do público, deixavam de lado a produção de peças de teatro. Peças sérias, conta-nos João do Rio, só se for em francês ou italiano, e por companhias estrangeiras com Eleonora Duse ou Sarah Bernhardt. "Criava-se dessa forma uma divisão perversa de trabalho: os autores brasileiros só escreviam para companhias que visavam ao grande público e, com isso, estavam restritos a produzir obras de nível inferior e desatualizadas. As peças mais intelectualizadas e contemporâneas eram privilégio das companhias européias", nota o professor João Roberto Faria, orientador da tese. Para piorar ainda mais a vida da cena brasileira, havia a concorrência da novidade: o cinematógrafo. "Além de roubar o público dos teatros, a chegada do cinema obrigou os produtores teatrais a baratear os ingressos para tentar recuperar o público perdido", lembra Faria. "Nesse movimento, criaram-se os chamados teatros por sessões, em que uma peça era apresentada em sessões corridas, uma após a outra. As peças eram picotadas e imperava o comercialismo, denunciado por João do Rio", completa. "E os nossos autores, vendo que não podiam levar o sacrifício a morrer de fome, foram entrando para os cinematógrafos, a princípio como intermédio, depois como vozes por detrás do pano e por fim expulsando o aparelho e representando com uma rapidez de trem expresso, borracheiras indizíveis. Pegar em peças de autores mortos ou ausentes e amassá-las em almôndegas de uma hora e não indagar a quem os direitos devem ser pagos é um crime punível", atacou em um texto de 1911. Os resultados logo são visíveis. "O público compara, o público é cruel, o público vai ao estrangeiro. Os atores nacionais de valor, vendo-se na dura contingência de não poder lutar contra a corrente, correm aos transatlânticos. Raros são os que ainda resistem heroicamente. As companhias estrangeiras, que eram raras, começaram a vir aos magotes, passaram a demorar mais tempo, quase todo o ano", nota o escritor. O ponto de inflexão dessa decadência pareceu a muitos estar na construção, polêmica, do novo Teatro Municipal do Rio de Janeiro pelo prefeito Pereira Passos. Casa de espetáculos - "Muita gente censurou a despesa que se faz com a construção desse edifício maravilhoso. Podia-se, é certo, com a soma despendida, levantar um lindo teatro de comédia, fazer um matadouro modelo ou edificar algumas dezenas de prédios para escolas. Gastou-se muito, mas gastou-se bem. Os povos, como os indivíduos, não vivem só de utilidades práticas, querem alguma coisa que lhes encante a existência, que lhes eleve e delicie a alma", observou João do Rio em sua crônica na Ilustração. Enquanto isso, o debate se acalorava na sociedade fluminense sobre o que se deveria apresentar na nova e suntuosa casa de espetáculos. Mas nem sempre se podia ser sério.Para esfriar os ânimos, o cronista, defendendo a variedade no palco em face da incipiência da dramaturgia nacional, também comentava sobre o sistema de refrigeração do teatro: "O Municipal tem um aparelho de distribuição de ar frio que tomba do alto. O resultado: gripes consecutivas. Ainda outro dia, diante de mim, uma senhora teve com essas mudanças um verdadeiro acesso de gripe: batia o queixo como se atravessasse o Báltico em dezembro". Igualmente humorada é a sua previsão do deslocamento do eixo cultural da Capital Federal para São Paulo, baseado num comentário feito pela atriz francesa Sarah Bernhardt em 1893. Então, a celebrada diva, ao se despedir dos paulistas, elogiou a cidade como "a capital artística do Brasil", observação curiosa ante ao pouco desenvolvimento cultural de São Paulo. Mas João do Rio relembra o cumprimento da atriz para fustigar seus conterrâneos. "Nós estamos a fingir que nos enganamos, a aparentar crer que o público carioca freqüenta e aprecia teatro ou qualquer outra manifestação de prazer artístico ou é um puro engano. São Paulo continua a ser a capital artística do Brasil. Nós nos assemelhamos muito a essas famílias de mediania burguesa que querem dar baile sem poder, convidam a vizinhança toda, mais os conhecidos que moram longe e ficam depois atrapalhados para dar de cear a tanta gente. Tanto teatro aberto e tanta desilusão..." Gênero ligeiro - "Nessas crônicas, João do Rio se aproxima das críticas feitas anteriormente por Machado de Assis, José Veríssimo e Artur de Azevedo sobre a continuidade no teatro brasileiro do século 20 dos vícios do século 19, com sua preferência pelo gênero ligeiro. Para eles era preciso superar o distanciamento entre o teatro e a literatura, algo que só iria ocorrer mais tarde com a chegada de uma nova geração de dramaturgos que trabalhavam sobre temáticas mais sérias", diz Roberto Faria. Temáticas sérias e que falassem do Brasil, como preconiza João do Rio em alguns de seus textos. "O brasileiro não compreende que sua primeira qualidade deve ser a de amar as suas coisas. Isso acontece com os produtos da inteligência, com tudo. Somos um pobre país. E o havemos de ser indefinidamente enquanto julgarmos inferior o que é nosso." Uma de suas últimas batalhas foi pelos direitos do autor. Em 1917, após anos pregando pela necessidade da criação de uma sociedade de autores teatrais, João do Rio torna-se o primeiro presidente eleito da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a SBAT. Afinal, ele também era um autor. "Mas em suas peças não encontramos o ambiente decadente, pesado e mórbido que envolve os personagens de seus contos. Sua dramaturgia mais comentada privilegia o perfume, a polidez e a artificialidade dos ambientes refinados", conta Níobe. Em peças como Eva ou A Bela Madame Vargas notamos a grande influência do escritor inglês Oscar Wilde, de quem ele traduziu Salomé . Estilo dândi - "Ele traz o universo grã-fino da belle époque para os palcos, captando como teria sido morar no Brasil querendo respirar o ar de Paris. É uma boa crítica de costumes que dialoga com o boulevard francês e com Wilde, por meio das grandes frases e tiradas espirituosas de personagens como o Barão Belfort", diz João Roberto Faria. "Ele cultivou o estilo dândi, mas sua obra foi bem além disso. É uma pena essa confusão entre vida e obra, que adora focar no elemento marginal, homossexual. João do Rio retratou como poucos uma fatia da sociedade e o fez de forma crítica, embora pareça alienada à primeira vista. Mas é tudo uma caricatura em que o cronista e crítico pega a máscara do observador atento", completa Níobe. O Projeto João do Rio e o Palco Modalidade Bolsa de Doutorado Orientador João Roberto Gomes de Faria - FLCH/USP Bolsista Níobe Abreu Peixoto - FLCH/USP
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Pesquisa FAPESP Edição 95 - Janeiro 2004 Ciência > Oceanografia Oásis marinhos em perigo Biólogos planejam repovoamento dos recifes de corais, um dos mais ricos ambientes do mundo, ameaçado pela pesca excessiva Ricardo Zorzetto e Verônica Falcão, de Recife Deu certo em laboratório, espera-se que funcione também em mar aberto. Um grupo de pesquisadores do Rio de Janeiro, de Pernambuco e da Bahia deve começar em abril a reprodução em tanques de três das 15 espécies de corais encontradas nas águas rasas e quentes do Nordeste brasileiro. Até o final do ano, de acordo com o cronograma do projeto Coral Vivo, as primeiras colônias de corais criadas em laboratório devem ser implantadas na região de Porto Seguro, no sul da Bahia. Esse repovoamento é a mais nova perspectiva de recuperar os recifes de corais, um dos mais ricos e frágeis ambientes do planeta, que se espalham ao longo de 3 mil quilômetros da costa brasileira, do norte do Maranhão ao sul da Bahia. Verdadeiros jardins submersos, que misturam tons de verde, vermelho, azul, branco e marrom, em formato de cérebro, leque, globo ou arbusto, os recifes são o segundo ecossistema com maior diversidade de espécies no mundo, inferior apenas à das florestas tropicais. Ambientes de extraordinária importância para a vida no mar e em terra, estão ameaçados no mundo todo. O primeiro levantamento nacional mostrou que o estado de conservação dos recifes costeiros no Brasil - os únicos do Atlântico Sul - é preocupante mesmo em áreas protegidas como a Costa dos Corais, uma longa seqüência de praias com areias brancas cercadas por coqueiros e um mar azul-piscina. À frente dessas praias fica a mais extensa formação de recifes brasileira, que se estende por 130 quilômetros, desde o município de Tamandaré, sul de Pernambuco, até Paripueira, norte de Alagoas. Os recifes são colinas de calcário cobertas por milhões a bilhões de animais invertebrados extremamente simples - os corais -, formados basicamente por uma boca com tentáculos e uma cavidade única responsável pelas trocas gasosas, digestão e excreção. Na Costa dos Corais, a superfície dos recifes ainda habitada por invertebrados marinhos varia de 5% a 25% - de outro modo, três quartos da superfície das colinas de calcário estão nuas ou cobertas por algas, tradicionais competidoras dos corais. A exuberância da paisagem, porém, pode enganar, porque nas águas mais rasas dessa região ainda vivem as colônias do coral-estrelinha-brasileiro (Siderastrea stellata ), um globo de até 1 metro de diâmetro, e as do coral-de-fogo-galhado (Millepora alcicornis ), que lembram arbustos cor de mostarda, assim chamados por provocar queimaduras em quem ousa tocar seus ramos. Nas águas mais profundas, encontram-se as colônias de coral-estrela-grande (Montastrea cavernosa ), a espécie mostrada na foto ao lado, cuja superfície marrom e aveludada lembra algum estranho planeta repleto de vulcões. Espécies únicas Mesmo nos lugares mais preservados como o Banco dos Abrolhos, região em que fica o arquipélago de mesmo nome no sul da Bahia, a cobertura de corais não passa de 35% em alguns poucos pontos - níveis semelhantes aos das regiões com áreas maiores de recifes, como o Caribe e a Austrália. Embora cresçam no litoral brasileiro apenas 15 das 650 espécies conhecidas de corais, a taxa de espécies exclusivas do país é elevada: sete delas só são encontradas por aqui, concentradas em uma área restrita correspondente a 0,4% dos recifes do mundo, de acordo com uma pesquisa concluída recentemente por Rodrigo Leão de Moura, biólogo da unidade da Conservation International Brasil em Caravelas, Bahia. Estudos publicados na revista Science de 15 de agosto de 2003 detalham a gravidade da situação internacional dos recifes de corais, protegidos desde 1975 pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Flora e da Fauna Silvestres, da qual o Brasil é signatário. Em um dos artigos, o biólogo marinho Terence Hughes, da Universidade James Cook, na Austrália, estima que 30% dos recifes já estejam seriamente danificados e outros 60% devam se perder até 2030, por causa de um processo de alteração no delicado equilíbrio desses ambientes marinhos, intensificado no último século com a pesca excessiva, a poluição, a agricultura, a devastação de florestas litorâneas e as mudanças climáticas do planeta.Um dos sinais que despertaram a atenção de grupos internacionais de pesquisadores para o estado de conservação dos corais foi um fenômeno chamado branqueamento, facilmente identificável por fazer os corais desbotarem. Observado em recifes de regiões distantes milhares de quilômetros umas das outras, como na costa da Austrália e no oceano Índico, o branqueamento é um indício da influência das mudanças no clima e do aumento da temperatura dos oceanos sobre os corais. Há evidências de que, em alguns casos, a elevação de apenas 1 grau na temperatura da água já cause a morte ou a expulsão de algas microscópicas (zooxantelas) que vivem no interior dos corais num sistema de interação com benefícios recíprocos: os corais abrigam as zooxantelas e, em troca, essa algas lhes fornecem nutrientes, oxigênio e auxiliam na formação do esqueleto calcário. Mas, quando o ambiente se altera além de um limite, as substâncias produzidas pelas zooxantelas parecem se tornar tóxicas para os corais, que então eliminam as algas responsáveis por suas cores típicas. Em conseqüência, desbotam e podem morrer, dependendo da quantidade de algas que perderem. Os especialistas alertam para o risco de os corais desapareceremnas próximas décadas caso nada seja feito para conter o aumento da temperatura do planeta, decorrente, em boa parte, da emissão de gás carbônico e de outros poluentes na atmosfera. Na costa brasileira, já se identificou o branqueamento em pontos da costa distantes até 2 mil quilômetros um do outro. A situação mais grave ocorreu em Maracajaú, Rio Grande do Norte, onde 12% das colônias apresentavam manchas brancas, de acordo com esse primeiro levantamento nacional, coordenado por Beatrice Padovani Ferreira, oceanógrafa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com financiamento do Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio), do Ministério do Meio Ambiente. O desbotamento dos corais também surgiu, em menor grau, em Abrolhos, no Atol das Rocas, em Fernando de Noronha e na Costa dos Corais - um forte indício de que seja realmente parte de um fenômeno de escala mundial, segundo Beatrice. Apesar dessa suspeita, ainda não se conhece ao certo a causa do problema no Brasil. "O branqueamento de corais observado em Abrolhos em 2003 pode estar ligado ao excesso de luz solar", cogita Clovis Barreira e Castro, especialista emcorais do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e um dos participantes desse estudo, apresentado em setembro ao Ministério do Meio Ambiente. Castro levanta essa suspeita porque choveu pouco e as águas estavam muito claras a maior parte do tempo durante o ano em que se observou esse episódio de branqueamento dos corais. Peixes desaparecidos Os efeitos dos danos aos recifes não aparecem somente ao olhar dos especialistas. Surgem também no dia-a-dia, principalmente de quem vive no litoral ou aproveita as férias à beira-mar. Mesmo nos mais refinados restaurantes da praia de Boa Viagem, a mais badalada do Recife, quase não se encontram mais as saborosas postas de garoupa (Epinephelus spp ) ou de badejo (Mycteroperca spp ). Tradicionais habitantes dos recifes brasileiros, esses peixes e também o mero (Epinephelus itajara ) - um peixão castanho com manchas negras, de até 3 metros e 400 quilos, cuja pesca está proibida no país - podem indicar como anda a saúde dos corais. Quando começaram a escassear esses peixes carnívoros como a garoupa, os pescadores passaram a apanhar variedades menores e, mais recentemente, os herbívoros como os budiões (Scarus trispinosus ), que não passam de 20 quilos. Vorazes comedores de algas, os budiões começam a substituir tanto a garoupa quanto o mero no cardápio de restaurantes brasileiros, além de serem exportados paraa Europa e os Estados Unidos. Com a pesca dos budiões, as algas de que se alimentavam passaram a proliferar livremente sobre os recifes e a ocupar o espaço dos corais. "Essa mudança de espécies preferenciais de pesca começou há cinco anos no litoral baiano e vem se disseminando por todo o Nordeste", afirma Beatrice, uma especialista em dinâmica de populações de peixes. Ela conseguiu mobilizar dez pesquisadores biólogos e oceanógrafos de quatro Estados - Pernambuco, Rio de Janeiro, Bahia e Ceará - que ganharam tempo e fôlego por contarem com o trabalho voluntário de 30 pescadores e mergulhadores, treinados para ajudar na coleta dos dados, seguindo a metodologia de análise do Reef Check, organização internacional que monitora a saúde dos recifes em 150 países. Foi assim que, durante um tempo relativamente curto - de março de 2002 a março de 2003 -, avaliaram cinco das sete maiores formações de recifes brasileiras, todas na região Nordeste, a única do país com águas rasas e quentes, próprias para o crescimento dos corais. Em grupos de dois ou três mergulhadores, munidos de lápis e pranchetas para escrever embaixo d'água, tomaram nota das espécies de corais, peixes e outros animais marinhos que vivem em 52 áreas amostrais de 400 metros quadrados em Abrolhos, na Bahia; na Costa dos Corais, entre Alagoas e Pernambuco; em Fernando de Noronha, Pernambuco; noAtol das Rocas e em Maracajaú, ambos no Rio Grande do Norte. A situação mais grave é a dos recifes situados a menos de 1 quilômetro da costa, como na região de Porto de Galinhas, no sul de Pernambuco. "Ali, o estado dos corais nos recifes mais próximos à praia é péssimo", observa o oceanógrafo Jacques Laborel, da Universidade de Marselha, na França, autor de uma das mais completas descrições dos recifes brasileiros, feita no fim dos anos 1960. Em outubro de 2002, Laborel retornou ao Brasil para participar da comemoração do cinqüentenário do Departamento de Oceanografia, que ajudou a criar na UFPE. Não resistiu e, aos 68 anos, mergulhou novamente no mar que percorrera quase quatro décadas atrás. Laborel estimou que próximo às praias ocorreu uma redução de 80% na cobertura de coral dos recifes em relação ao que havia observado 40 anos antes. "Quando os danos são graves, os recifes não são capazes de se recuperar sem ajuda", comenta Castro. É ele quem coordena o projeto de repovoamento dos recifes de corais, em parceria com Débora Pires, também do Museu Nacional, Mauro Maida e Beatrice Ferreira, ambos da UFPE, além de integrantes do Projeto Amiga Tartaruga e do Tamar, destinados à preservação da tartaruga e de ambientes marinhos brasileiros. Na etapa inicial desse projeto, que conta com um financiamento de R$ 350 mil do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), os pesquisadores trabalharão com as principais espécies responsáveis pela formação dos recifes, como os corais-cérebro do gêneroMussismilia , encontrados apenas no Brasil, o coral-estrela-grande e o coral-cérebro-pequeno (Favia gravida ), um globo de cerca de 10 centímetros cuja aparência lembra um cérebro humano. Tanto os corais cérebro quanto o estrela-grande são de fecundação externa: em uma determinada época do ano, liberam gametas masculinos e femininos na água, onde ocorre a fecundação. Os ovos se desenvolvem em larvas microscópicas - as plânulas - que nadam por algum tempo antes de se fixarem nas rochas do fundo do mar e originarem novas colônias. Já o cérebro-pequeno é uma espécie com fecundação interna. Uma vez por mês, os machos lançam na água suas células reprodutivas, que penetram no corpo das fêmeas e as fertilizam. Em seguida, os corais fêmeas liberam as larvas, que nadam por dois ou três dias antes de se fixarem em rochas e formarem novas colônias. Recrutas ao mar Ao mesmo tempo, Castro e Débora, que desde 1996 publicam juntos artigos científicos descrevendo a reprodução das espécies da costa brasileira, pretendem desenvolver em um laboratório em Porto Seguro, Bahia, uma técnica de fertilização artificial, destinada a reproduzir em cativeiro corais de fecundação externa, a exemplo doMussismilia braziliensis , formador de colônias com aspecto de cogumelo gigante, de até 1 metro, encontradas apenas em Abrolhos. "Em um ano, pretendemos levar os primeiros recrutas, os indivíduos formadores das colônias, para os recifes de Porto Seguro", calcula Débora. Se der certo em Porto Seguro, onde os recifes estão mais preservados, os pesquisadores devem partir para o repovoamento de recifes mais danificados, como os da Costa dos Corais. "Cuidar da saúde dos corais é uma tarefa dos governos, como prevê a Convenção da Biodiversidade, assinada na Rio-92", comenta Castro. "Como sabemos que o governo tem limitações, tentaremos suprir parte dessa necessidade de outra forma." Mas essa não é a única maneira de evitar o desaparecimento dos recifes. Medidas aparentemente mais simples, como a criação de zonas de proibição de pesca, turismo e extração de outros seres vivos, contribuem, ainda que de modo indireto, para a recuperação dos recifes. É o que revelam estudos do Projeto Recifes Costeiros, programa de preservação dos recifes da Costa dos Corais, coordenado por Mauro Maida, da UFPE. No ramo experimental desse projeto, que conta com a participação do Ibama, dos órgãos estaduais do meio ambiente de Pernambuco e Alagoas, e financiamento de US$ 1,75 milhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a equipe de Maida avalia a evolução de duas áreas de 5 quilômetros quadrados cada - uma em Tamandaré e outra em Paripueira -, classificadas por uma portaria do Ibama como zonas de interdição de turismo e pesca. Ao longo de um ano, os pesquisadoras realizaram 43 contagens das espécies de animais marinhos e do número de indivíduos encontrados nas áreas de acesso restrito e compararam com o resultado de 52 levantamentos feitos em duas áreas de recifes nas quais a pesca era permitida. A densidade de peixes, polvos e lagostas no setor demarcado tornou-se quatro vezes superior à observada na área aberta, revela a análise feita por Maida, Beatrice e a ocenógrafa Fabiana Cava. A concentração de peixes, por exemplo, foi de um indivíduo por metro quadrado nas regiões interditadas, enquanto nas zonas abertas havia um peixe em cada 4 metros quadrados. Até espécies raramente vistas em Tamandaré, como os meros, passaram a freqüentar a área sem pescadores. "Notamos ainda uma modificação no comportamento dos peixes, que nesse setor se tornaram menos arredios à nossa presença", diz Fabiana. Os pesquisadores brasileiros não são os únicos a defender essa alternativa para evitar a destruição dos corais. A necessidade de estabelecer zonas de proibição de pesca e extração de seres vivos próximas aos recifes parece ser um consenso internacional, já que a pesca em níveis superiores aos suportados pela natureza é a principal causa da perda dos recifes - estima-se que são extraídas 3,5 toneladas de pescado por quilômetro quadrado de recife por ano no Brasil. "Apesar da severidade da crescente ameaça de poluição, de doenças e de branqueamento dos corais", comenta John Pandolfi, naScience de agosto, "nossos resultados mostram que os ecossistemas dos recifes de corais não sobreviverão mais que umas poucas décadas se não forem imediatamente protegidos da exploração humana."Na mesma edição da revista, Terence Hughes, da Austrália, fez uma projeção para os próximos 50 anos do aumento da temperatura dos oceanos e da elevação da taxa de gás carbônico dissolvido na água do mar, que torna frágil o esqueleto dos corais. Ele concluiu que, se esses problemas continuarem a progredir na taxa atual, os recifes de corais enfrentarão nas próximas cinco décadas uma mudança no ambiente marinho tão rápida quanto a por que passaram nos últimos 500 mil anos. Assim, podem até mesmo desaparecer, caso a taxa de mudança ambiental supere a capacidade de os corais se adaptarem ao novo ambiente. Os Projetos Monitoramento dos Recifes de Coral do Brasil Coordenadora Beatrice Padovani Ferreira - UFPE Investimento R$ 99.907,00 (Probio) Projeto Coral Vivo Coordenador Clovis Barreira e Castro - UFRJ Investimento R$ 348.167,00 (FNMA) Projeto Recifes Costeiros Coordenador Mauro Maida - UFPE Investimento US$ 1,75 milhão (BID)
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Pesquisa FAPESP Edição 96 - Fevereiro 2004 Humanidades > Literatura A magia histórica do bruxo do Cosme Velho Estudo mostra Machado de Assis, romancista ou funcionário público, como crítico da truculência brasileira Carlos Haag À primeira vista, nada menos propício aos vôos literários do que o ambiente pachorrento de uma repartição pública. Curiosamente, todo aquele tédio fez milagres com alguns de nossos escritores, entre eles Drummond, Graciliano, Guimarães Rosa e, descobrimos agora, o bruxo do Cosme Velho, tema do recém-lançado Machado de Assis historiador (Companhia das Letras, 345 págs., R$ 41,00), de Sidney Chalhoub, que contou com o apoio da FAPESP em seu pós-doutorado na Universidade de Michigan, EUA, onde concluiu a pesquisa sobre como os anos como chefe da modorrenta segunda seção da Diretoria da Agricultura, do Ministério da Agricultura (entre 1870 e 1880), contribuíram para a feitura de obras-primas como Memórias póstumas de Brás Cubas. "O Machado romancista e o Machado funcionário público compartilhavam a mesma ideologia: ambos aprenderam a não esperar nada de bom da classe senhorial escravista brasileira do século 19", diz Chalhoub. O período em que esteve à frente do departamento coincide com todo o debate social e político feito pelos políticos do Império que acabaram culminando na lei de 28 de setembro de 1871, depois chamada de Lei do Ventre Livre. Ambos os "Machados" foram envolvidos pela polêmica. "O romancista esmerou-se em mostrar em seus escritos que a polidez e a aparente civilidade de senhores e proprietários assentavam-se na violência e no arbítrio, ainda que sugerisse também a capacidade dos dependentes em penetrar tal ideologia e torcê-la na busca de objetivos próprios", explica. "O funcionário trabalhava para submeter o poder privado dos senhores ao domínio da lei. Acreditava na importância do poder público para disciplinar a barbárie senhorial." Afinal, a política dessa elite assentava-se justamente sobre a inviolabilidade da vontade dos senhores que, ao lado da ideologia dos dependentes (para os quais era melhor concordar e lutar na surdina do que enfrentar a ira dos mestres), deu às inusitadas relações sociais brasileiras um sentido natural e perene. "Tento mostrar no livro que um dos objetivos de Machado é analisar os modos de atuação política cotidiana dos dependentes, homens e mulheres, livres ou escravos", fala o pesquisador. Nesse contexto, observa Chalhoub, "Machado foi capaz de 'traduzir' a complexidade de seu tempo histórico, de interpretar o nexo entre as coisas e de mostrar a indeterminação inerente à experiência histórica". Eis que a literatura consegue fazer história, em especial por meio dos afamados "diálogos machadianos". "Os diálogos são parte importante desse exercício analítico, pois mostram dependentes buscando atingir objetivos próprios por dentro da ideologia senhorial, de modo a não se expor à retaliação, caracteristicamente incivilizada, de que eram capazes proprietários e senhores de escravos." Para tanto, não é preciso nem sequer esperar as grandes obras da maturidade. "Um romance como Helena é muito mais complexo do que se pode suspeitar à primeira vista. Ela, por exemplo, quando quer conseguir algo de Estácio, trabalha a situação de maneira a tornar desejo dele, Estácio, fazer precisamente aquilo que ela, Helena, espera que seja feito. Enfim, tudo muito sutil, indireto, dissimulado, como a própria literatura machadiana", nota o pesquisador. Uma literatura para olhos atentos, pois, diz Chalhoub, "sua percepção exige do leitor que decodifique por si mesmo a maior parte dos trejeitos e gracejos que constituem a arte da resistência na rapariga e qualquer leitor do século 19 saberia observar essa aparência a contrapelo, e o bruxo certamente contava com esse olhar." De certa forma, o historiador era o pai do romancista. "A história de Estácio e de Helena, antes que o drama choroso de um amor impossível, é a descrição do período de hegemonia inconteste da classe senhorial-escravista, cuja crise profunda o romancista vivenciara entre 1866 e 1871, e cujo desmanchar ele assistia com olhar investigativo na década de 1870", diz o autor, para quem, Machado de Assis, ao escrever Helena, não tinha mais ilusões sobre a continuidade do status quo do poder. Para Chalhoub, o escritor deixa então a mocinha falar por ele. Mas os tempos ainda não davam uma luz ao fim do túnel. "Se não tem mais ilusões, Machado sofre com o impasse e não vê alternativa e, assim, a ambigüidade da protagonista traduzia a experiência histórica de um sem-número de dependentes desse tempo: seduzidos pela ideologia senhorial, Helena e seus semelhantes podiam mostrar-se gratos aos senhores e relutar em sacudir as estruturas tradicionais." Teatro perigoso - Nada mais natural: como lutar contra séculos de dominação e contra uma classe cujo paternalismo se configurava num mundo idealizado pelos senhores, uma "sociedade imaginária que eles sonhavam realizar no cotidiano", em que tudo acontecia em função do seu desejo. Contra isso, apenas era possível a "esperteza" dos dependentes em torcer a vontade senhorial em prol da sua própria sobrevivência. Daí, nas palavras do pesquisador, "o desafio de Helena, Luís Garcia, Capitu, José Dias e tantos outros de afirmar a diferença no centro mesmo dos rituais da dominação senhorial". Um teatro perigoso em que se devia saber o limite de viver em meio à violência apenas pelo poder das palavras. Assim, o Brasil machadiano era bem mais do que apenas a dicotomia casa grande-senzala. "Havia condições intermediárias entre a escravidão e a liberdade que, ao mesmo tempo que matizam a visão tradicional de uma sociedade dividida entre senhores e escravos, sugerem o tanto de precariedade inerente à condição desses dependentes." A grande "sacada" do bruxo surgiu justamente no bojo das discussões que presenciava (e das quais participava) como funcionário público: "A crise da sociedade senhorial escravista originava-se basicamente no processo histórico de emancipação dos escravos". A mágica do bruxo foi justamente ir além da dicotomia e perceber os interstícios, usando esse conhecimento como matéria-prima de seus romances. Daí, os romances vão aos poucos mudando sutilmente de tom, cada um deles, diz Chalhoub, "com uma lógica social própria, sendo importante ver o modo como surgem na história de seu tempo e o modo como se insurgem contra ela, tentando entendê-la e transformá-la". Dessa forma, após Helena, em Iaiá Garcia, de 1878, a narrativa agora espelha a crise decisiva do paternalismo. "A novidade é que os dependentes se confrontam com uma vontade senhorial mais consciente de si, ciente da resistência a seus desígnios e decidida a fazer valer sua autoridade por meio da astúcia e mesmo da fraude, não hesitando em violentar os subordinados", nota o autor. Em Memórias póstumas de Brás Cubas tudo se consolida. "Há o solo comum da crítica ao mundo senhorial, agora de forma quase brutal, na exposição do arbítrio e da violência dos senhores, mas também na sugestão de que havia situações em que os dependentes faziam gato-sapato do todo-poderoso Brás Cubas. Em Memórias, Machado reescreveu Helena e, se o menino é o pai do homem, Brás é filho de Estácio." Aos poucos, a luta para corroer a elite torna-se mais intensa, quase aberta e os podres poderes mostram-se em sua inteireza. Brás decide o destino da borboleta negra como decide a vida de seus subalternos sociais e dona Plácida, a alcoviteira, só viera à existência porque foi necessidade dele que ela viesse. Abusando da liberdade da morte, Cubas é um senhor boquirroto, cujas confidências de arrogância nos assombram pela sinceridade. Após a crueza de Memórias, Machado faz a "crítica cerebral de Dom Casmurro, romance tão sereno quanto cirúrgico no relato dos horrores senhoriais. Talvez uma autópsia do mundo dos senhores de escravos, pois que esse se fora, em grande medida, no momento da escrita do livro", observa o pesquisador. O "xadrez político dos dependentes" agora incomoda os senhores, que vêem traição e dissimulação em todos os cantos e olhos. "Capitu conhecia a arte do diálogo político. Em Dom Casmurro, a menina é mãe da mulher. Sempre que sujeitos da história, os dependentes traem os senhores. Se é esta a única clave possível, podemos respirar aliviados: Capitu traiu Bentinho." O Projeto Machado de Assis e a Emancipação dos Escravos Modalidade Bolsa de Pós-doutorado Bolsista Sidney Chalhoub - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ Unicamp
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Pesquisa FAPESP Edição 97 - Março 2004 Humanidades > História Ouvindo a voz dos índios Centro de estudos analisa o passado das Missões não apenas a partir da visão dos jesuítas, mas daqueles nativos que foram influenciados pelos religiosos Laura Greenhalgh Homens de idéias se manifestaram sobre a saga missioneira protagonizada por religiosos e nativos da América, em tempos coloniais. Voltaire afirmou que as reduções jesuíticas dos séculos 16, 17 e 18 foram o triunfo da Humanidade. Montesquieu comparou-as ao sistema político-filosófico imaginado por Platão, em A república. Hegel salientou a evolução humana a partir de uma utopia fundada na fraternidade entre os diferentes. E assim, em meio a finas analogias, construiu-se a convicção de que aos discípulos de Santo Ignácio, formados nos rigores da Companhia de Jesus e investidos de mandato divino, coube a missão de resgatar indivíduos do período neolítico em que viviam, introduzindo-os no Renascimento - num salto civilizatório sem escalas. Não fosse a História fonte de constantes revelações, a tese seria satisfatória. Mas o passado insiste em emergir nas ruínas das Missões que tiveram lugar no Brasil, na Argentina e no Paraguai. E emerge de maneira pulsante, até inesperada. "Estamos vivendo um tempo de relativizações. Não podemos ver as Missões só com os olhos da gloriosa Companhia de Jesus. Precisamos ouvir o que os índios, vivos e mortos, têm a nos dizer." Curiosamente, a recomendação é de um jesuíta - padre Pedro Ignácio Schmitz, de 76 anos, um dos pioneiros da arqueologia no Brasil, professor de antropologia, conselheiro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e diretor do Instituto Anchietano de Pesquisas, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Nesse centro ligado à Universidade Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), o passado é escavado em sucessivas investigações - seja na análise de relatórios assinados por jesuítas e leigos, seja nas buscas aos sítios arqueológicos, seja na reconstrução das Missões, via computação gráfica. Nos últimos anos, o centro dirigido por padre Schmitz vem fomentando teses acadêmicas que realçam aspectos ainda pouco conhecidos em relação ao convívio de jesuítas e índios nos empreendimentos coloniais. A clássica pergunta - por que certas Missões deram certo, e outras não? - ganha, a partir desses estudos, uma complexidade imprescindível à compreensão do passado. Além disso, convenhamos: o que significa dar certo ou errado em termos históricos? "Aprendemos que as reduções do sul foram bem-sucedidas por lidar com os guaranis, índios pacíficos, trabalhadores, bons para catequizar ou escravizar. Eram os bons selvagens", lembra padre Schmitz, hoje muito mais preocupado em decifrar as condições em que estes índios aceitaram as "regras do jogo" das Missões. Senha - Tais condições colocam em xeque a tese da docilidade dos nativos e nos remetem à situação de exclusão dos povos indígenas no Brasil, nos dias que correm. Sabe-se, pois, que os guaranis não tiveram escolha: ou eram dominados pela truculência do colonizador espanhol, ou eram caçados por bandeirantes paulistas, ou seguiam para as reduções. Eleita a terceira alternativa, muitas vezes o cacique mandava construir uma palhoça na mata, a título de igreja, com a cruz à frente. Era a senha para que os missionários viessem reduzir a comunidade, num processo de aldeamento inevitavelmente radical. "Nossa sociedade demorou a absorver o valor das Missões implantadas em território pertencente à coroa espanhola, mas ambicionado pelos portugueses e seus filhos brasileiros", diz o padre. Mas a distinção entre a Missão espanhola e a Missão portuguesa é o ponto-chave para a reviravolta das interpretações. Na primeira categoria, contatos feitos pelos "companheiros de Jesus" anunciavam um projeto de autonomia para os índios. Ou seja, além do envolvimento via catequese, se os nativos produzissem e pagassem impostos à Coroa, ganhariam status de cidadãos do império. Na Missão portuguesa, contudo, eram tratados como mão-de-obra disponível para o sistema colonial, recrutados aos bandos em feitorias ou instalações militares. Na Missão espanhola, a administração das aldeias estava nas mãos das lideranças indígenas - e caciques guaranis gozaram de amplos poderes. Também os jesuítas se diferenciavam. Eram, muitas vezes, filhos da elite local. Padre Antonio Ruiz de Montoya, que no século 17 organizou o primeiro dicionário da língua guarani, era filho de um rico comerciante do Peru. Já em território brasileiro, os jesuítas vieram da Europa e estavam submetidos às leis portuguesas. Se na Missão espanhola o trabalho de aldeamento acontecia preferencialmente no lugar onde os grupos viviam, e onde seus ancestrais estavam enterrados, na portuguesa houve o deslocamento para locais estipulados pelos colonizadores. Assim, se os jesuítas submetidos a Portugal lograram resultados com os tupinambá, na costa brasileira, tiveram dificuldades intransponíveis com vários outros grupos, como os pataxó, por exemplo. Nos anos 1940, Lúcio Costa, autor do projeto urbanístico de Brasília, fez o primeiro levantamento arquitetônico das Missões no sul do país, a partir das ruínas de São Miguel Arcanjo, a 490 quilômetros de Porto Alegre. Meio século mais tarde, todo o conjunto remanescente das Missões (além de São Miguel, há San Ignacio Mini, na Argentina, e Trinidad, no Paraguai) foi elevado à categoria de Patrimônio Cultural da Humanidade, pela Unesco. Entre uma data e outra, padre Schmitz trabalhou com inúmeras equipes, buscando vestígios desse rico passado. Ao mesmo tempo, pipocavam no campus da Unisinos novas frentes de investigação. Numa primeira safra de estudos, por exemplo, foi possível recompor a organização socioadministrativa da redução em meio guarani, o primeiro ensaio de planejamento urbanístico da Idade Moderna. Os aldeamentos tinham administração autônoma, como se fossem municípios, com seus alcaides, conselheiros, juízes, chefes de segurança, representantes da comunidade. A população variava em torno de 4,5 mil índios por núcleo, assistidos por pouquíssimos jesuítas (eles eram numerosos nos colégios da Ordem, não nas reduções). E, assim organizados, tais núcleos tornaram-se auto-suficientes na produção, distribuição e administração de bens. Num dos relatórios enviados aos superiores, um jesuíta conta que, na redução que ajudara a fundar, havia 50 carpinteiros, 20 tecelões, quatro construtores, 12 armeiros, seis escultores, dez pintores, oito pedreiros, 12 oleiros com mais de 80 ajudantes, dois padeiros, dois cozinheiros, seis enfermeiros, quatro ajudantes de sacristia, um sapateiro, 12 curtidores, dois ceramistas, dois torneiros, três toneleiros, dois fabricantes de alaúdes e harpas, um tipógrafo... Isso nos primeiros anos do século 17! Nessa pequena cidade, coros e orquestras chegaram a ser formados, prova deque as Missões não só obedeciam ao projeto de formar súditos para o império, mas de cultivar fiéis para uma igreja universal. Daí os cultos locais, como a Santo Izidro, protetor das lavouras, e o intenso calendário religioso com rezas diárias, missas solenes e procissões. Vale lembrar: em várias reduções, esse calendário girava em torno de igrejas projetadas por arquitetos de renome e construídas pela mão do índio. Buscas nos arquivos da Companhia de Jesus possibilitaram o acesso às Cartas Ânuas, relatórios dos jesuítas aos provinciais da Ordem - algumas delas compõem o acervo de documentos do Instituto Anchietano. Nesses relatórios, entre descrições de costumes, prestações de contas e solicitações variadas, encontra-se tanto o dia-a-dia das comunidades que prosperaram quanto a seqüência de atropelos de reduções que tiveram vida efêmera. Foi justamente essa outra categoria, a do trabalho missionário malogrado, que intrigou a antropóloga Dóris de Araújo Cypriano, aluna do padre Schmitz, levando-a a analisar as Missões no Chaco - região que ocupa o centro da América Meridional, abrangendo os territórios da Argentina, do Paraguai, da Bolívia e do Brasil. Dóris concentrou-se nos índios toba, do tronco lingüístico guaicuru, caçadores-coletores da região chaquenha. Índios toba reagiram à investida evangelizadora. Tinham histórico de resistência: entre 1526 e 1550, europeus fizeram tentativas de pacificação no Chaco, em campanhas militares. Perderam feio. Organizaram frentes de penetração, que resultariam em trabalho de ocupação e povoamento. Bateram em retirada. Reagiram com expedições militares punitivas. Foram massacrados. Diante de tantos transtornos, optaram pela pacificação via ação missionária, em 1591. Padres Bárcena e Anasco lançaram as excursões apostólicas, as quais deram origem à primeira gramática toba - o que, em tese, facilitaria a vida dos missionários. Não foi bem o que aconteceu. As reduções no Chaco tinham caráter militar, pois a vida dos padres estava permanentemente em risco - e muitos foram mortos. Não bastasse isso, grupos indígenas guerreavam entre si, em prol de rivalidades insuperáveis. Em 1756, chegou a ser construído um forte para acomodar soldados e missionários. Do lado de fora, acampavam os toba. Os jesuítas tentaram lhes ensinar o manejo da terra, mas eles não queriam saber de plantar trigo e leguminosas. Nômades, conseguiam o sustento na natureza abundante, como observa Dóris em sua dissertação de mestrado, concluída em 2000: "A diversidade biológica do Chaco oferecia múltiplas possibilidades para a subsistência dos grupos que o habitavam. Esta capacidade potencial não foi aproveitada pelos espanhóis, que preferiram impor conhecimentos e práticas adequadas à Europa, em um ambiente de características totalmente diversas". Os toba não só reagiam ao militarismo das empreitadas como impunham limites aos missionários, em duríssimas negociações. Não queriam ser tratados como escravos. Não queriam que seus filhos fossem catequizados. Não queriam ser transferidos de área. Quando os jesuítas foram expulsos da América, coube aos franciscanos a missão de estabelecer novos contatos com a brava gente. Pele - Estudos como este cruzam-se com outras investigações, como a da historiadora Elaine Smaniotto, outra aluna de Schmitz, que tratou de analisar as relações de gênero das populações do Chaco, publicando interessante trabalho em 2003. Enquanto nas reduções guaranis as mulheres tiveram de se enquadrar a uma divisão social do trabalho importada da Europa, entre as sociedades caçadoras-coletoras esse fenômeno não ocorreu. A pauta cultural de mulheres e homens toba não se alterou com as Missões e a diferenciação de gênero obedecia a um sistema próprio de relações: o corpo é que definia sexo, idade, posição social e função do indivíduo na comunidade. A lei era a do índio. E estava inscrita na pele. A monogamia prevalecia, o adultério não era tolerado, e a viúva, após cumprir luto, podia se casar novamente. Celebrava-se o nascimento do filho do cacique, mas também a primeira menstruação das índias. Praticava-se o aborto. Quando os grupos passaram a adotar o cavalo, a mobilidade feminina aumentou. E assim surgiram as cacicas. "Ambos, mulher e homem, utilizavam o cavalo. Mas a montaria variava de acordo com a classe social e o gênero", conclui a pesquisadora.Atualmente, Dóris Cypriano está debruçada sobre as Missões na Amazônia entre os séculos 16 e 18. Trata-se de ação evangelizadora empreendida por jesuítas portugueses junto aos grupos tupi, numa região que abrange porções do Maranhão e do Pará. O levantamento desses grupos, feito agora, em pleno século 21, revela cicatrizes do passado: os índios foram arrancados de suas terras de origem, transferidos para lugares considerados estratégicos ao colonizador (próximos à margem dos rios e das fortificações militares). Outro aspecto crucial, no processo amazônico, foi o fato de os jesuítas terem estabelecido uma "língua geral" como forma de comunicação - na verdade, uma língua estrangeira aos nativos. "A presença leiga, seja do caçador de escravos, seja do militar que deveria defender fronteiras, estava tão imbricada na ação missionária que ficou difícil delinear análises em separado", comenta a pesquisadora. Dóris elegeu como foco do estudo a Residência do Rio Negro, redução fundada às margens do rio que lhe deu nome, em 1692. Ao que parece, a iniciativa não teria durado mais que um ano: foi desativada em virtude da morte de vários jesuítas e da impossibilidade de substituí-los. O estudo explica a drástica redução da população indígena, por confrontos com caçadores de escravos e epidemias introduzidas nas comunidades, com efeitos devastadores. À maneira do antropólogo inglês Terence Turner, as novas investigações pedem a reinterpretação do passado: o contato entre o nativo e o agente da sociedade colonial modificou os dois atores de um sistema de interações com estrutura própria. Como conclui Dóris Cypriano, "as sociedades envolvidas colocaram suas pautas culturais em situação de risco, igualmente". Quando se lida com os sujeitos da História, dividir o mundo entre dominadores e dominados pode ser uma fórmula simplista. Além de enganosa.
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Pesquisa FAPESP Edição 98 - Abril 2004 Política de C & T > FAPs Hora de cobrar Pesquisadores se mobilizam para exigir dos estados repasses definidos em lei Claudia Izique Há sete anos, as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estavam implantadas em apenas dez estados brasileiros. Hoje, estão organizadas em 22 estados. Essa rede começa - ainda com grandes diferenças entre elas - a consolidar sua articulação com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e está preparada para respaldar o desenvolvimento científico regional. Seu maior problema, entretanto, é que, na grande maioria dos casos, os governos estaduais não cumprem as exigências constitucionais e não repassam às fundações os recursos previstos na lei. Esse não é o caso da FAPESP, já que o repasse de 1% da receita tributária é regularmente transferido. Nos demais estados, a comunidade científica já se mobiliza para garantir orçamentos compatíveis com as exigência da pesquisa e as demandas das empresas por inovação. A Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), por exemplo, negocia a conversão de uma dívida de R$ 300 milhões em ações ou participação em empresas do governo estadual. Esse valor corresponde à diferença acumulada do percentual de 1% dos recursos tributários do estado que não são repassados desde 1986, quando foi criada a fundação. No ano passado, de um orçamento previsto de R$ 91 milhões, a Fapemig recebeu apenas R$ 25 milhões. "As novas bolsas estão congeladas, assim como os auxílios a projetos de demanda espontânea de pesquisadores já aprovados. Só temos recursos para material de consumo", diz José Geraldo Freitas Drumond, presidente da Fapemig. Em Pernambuco, a comunidade científica também começa se articular para pedir ao Tribunal de Contas uma interpretação definitiva da lei que regulamentou o repasse do governo estadual à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe). A Constituição estadual estabeleceu em 1988 esse valor em 1% da receita tributária, mas a lei - editada no ano seguinte - excluiu do cálculo os valores relativos a 25% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), 50% do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), recursos de convênios e receitas próprias, reduzindo o orçamento da Facepe a um décimo do que lhe seria devido. "Vivemos a seguinte situação: ou a lei que regulamentou o repasse é constitucional e precisa ser reformulada, ou o estado tem que repor o que deve", afirma Fernando Machado, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Facepe. Mobilização de pesquisadores - Em todo o país, pesquisadores ligados às FAPs começam a se mobilizar para garantir acesso aos recursos constitucionalmente estabelecidos e a consolidar um sistema nacional de ciência e tecnologia no país. "É preciso fortalecer as FAPs, que são responsáveis pela operação desse sistema", afirma Francisco Romeu Landi, diretor-presidente da FAPESP e presidente do Fórum das FAPs. Além de um efetivo repasse de recursos, sublinha Landi, o principal pleito das fundações é a autonomia financeira e administrativa e o respeito ao mandato dos seus conselheiros e diretores. "A substituição desses cargos não deveria coincidir com as eleições", ele diz. A expectativa é de que o MCT interceda junto aos governos estaduais para fazer cumprir os repasses legais de recursos de forma a superar situações consideradas "dramáticas", como a da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). A fundação, que deveria contar com 1,5% da receita tributária do estado - algo em torno de R$ 94 milhões, em valores atuais -, nunca recebeu mais que 30% desse valor. "Estamos apresentando proposta para o governo do estado, sugerindo um patamar fixo de repasse, mesmo que inferior ao percentual legal", diz Carlos Nelson dos Reis, diretor científico da entidade. A estratégia é garantir um orçamento de R$ 40 milhões, de forma a cobrir "alguns programas", como diz Reis. "Mas, até o presente momento, não temos respostas." Para assegurar um melhor fluxo de recursos à Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e garantir o cumprimento da lei, o Rio de Janeiro aprovou, no final do ano passado, emenda constitucional alterando o percentual de repasse de 2% - que jamais foi cumprido - para 1% da receita. Neste ano, a fundação espera ter a maior execução orçamentária de sua história: R$ 120 milhões. Os pesquisadores também se mobilizam por uma melhor estruturação das fundações. No Ceará, por exemplo, os repasses - correspondentes a 2% da receita líquida do estado - são cumpridos, "ainda que com alguns contingenciamentos", como diz o diretor científico da Fundação Cearense de Amparo à Pesquisa (Funcap). O problema é que esses recursos, que somam algo em torno de R$ 27 milhões, têm que ser compartilhados, desde 2001, com 41 centros de formação em tecnologia. "Estamos nos esforçando para conseguir que todo o percentual seja gasto em pequisa", diz Souza, garantindo que a proposta tem boa receptividade do estado. Pressão e diálogo - Os diretores das fundações consultadas reconhecem que os governos estaduais sofrem com a falta de recursos. "No Rio Grande do Sul, o governo teve que parcelar o pagamento de salários", justifica o diretor científico da Fapergs. "A pesquisa, no entanto, deveria ser prioridade. Em 2003, recebemos R$ 12 milhões e tivemos que cortar tudo. Só mantivemos as bolsas, eventos e auxílio a congressos, queremos abrir editais para outros projetos, mas não adianta nem tentar." Em Minas Gerais, o governo do estado opera com um déficit de R$ 1,7 bilhão, reconhece Drumond. "Mas já estamos no segundo ano de governo e é tempo de resolver a situação financeira do estado", ressalva. A comunidade científica mineira, afirma, "faz pressão" e pede para que seja cumprido 40% a 50% do orçamento. "Estamos preocupados com a contrapartida do estado nos convênios firmados com o MCT, como os do Pronex, por exemplo. O Estado não pode deixar de cumprir sua parte", observa. Para o presidente do Fórum das FAPs, aos poucos, a comunidade acadêmica dos diversos estados começa a se dar conta de que será preciso "pressão e diálogo" para ampliar os recursos destinados à pesquisa. "Essa consciência precisa ser ampliada para acadêmicos e empresários, afinal eles são os principais interessados na inovação", afirma. Agências federais - Para grande parte das fundações, os convênios com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico (CNPq) firmados no ano passado - diante das dificuldades orçamentárias - tiveram efeito de solução de emergência. Foi o caso da Facepe. Ali, os acordos firmados no âmbito do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe), da Finep, acrescentarão mais R$ 15 milhões ao orçamento nos próximos três anos. Outro programa, o PPP, garantiu mais R$ 7 milhões, também para os próximos três anos. E uma parceria entre o estado e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para o programa Promata, de apoio à pesquisa, desenvolvimento tecnológico e difusão na Zona da Mata, trará outros R$ 8 milhões para garantir o melhor aproveitamento da produção caprina e ovina, e da agricultura familiar. "Mas, ainda assim, a situação está complicada, já que a pesquisa de balcão está comprometida, apesar dos bons projetos em parceria",dizo diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Facepe. A Faperj também procura ampliar, neste ano, os convênios firmados com o MCT, no ano passado, para duplicar os recursos a serem aplicados em programas como o de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), de Apoio à Infra-Estrutura de Ciências, Tecnologia e Inovação para Jovens Pesquisadores (Primeiros Projetos), de Rede de Proteômica e do Programa Rio Inovação, lançado em parceria como a Finep. "A proposta é obter contrapartidas no mesmo valor aplicado pela Faperj", afirma Pedricto Rocha Filho, diretor-presidente da entidade.Além de complementar o orçamento com verbas do governo federal, algumas FAPs buscam novas fontes de recursos. "Pretendemos buscar parcerias com instituições internacionais e com os municípios fluminenses", conta Rocha Filho. Em Pernambuco, considera-se a possibilidade de criar "fundos setoriais regionais", reunindo empresas que atuam no estado em setores como, por exemplo, o sucroalcooleiro ou de gesso, para financiar projetos de pesquisa, segundo revela o diretor da Facepe. Parcerias estratégicas - Apesar dos problemas orçamentários decorrentes do não cumprimento da legislação por parte dos governos estaduais, a representação das FAPs no país cresce significativamente. Quando foi criado o Fórum das FAPs, em 1997, elas não passavam de dez. "Hoje são 22", diz o presidente do Fórum das FAPs. Só falta organizar as fundações em Roraima, Rondônia, Amapá e Espírito Santo. "Foi um crescimento significativo", ele reconhece. As novas fundações, como a da Bahia, por exemplo, nascem com bastante fôlego. A lei que criou a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), em 2001, previa que, no primeiro ano de operação, a fundação contaria com 0,6% da receita estadual. Este percentual cresce, gradativamente, até chegar a 1%, em 2007. "Neste ano, o orçamento previsto é de R$ 25,8 milhões", diz Alexandre Pauperio, diretor-geral da Fapesb. No ano passado, ele comemora, o estado cumpriu integralmente o repasse. O resultado é que, diferentemente do Rio Grande do Sul, a pesquisa na Bahia "vive um grande crescimento", como ele diz. O número de solicitações de bolsas, em 2004, por exemplo, triplicou em relação ao ano passado. Os recursos também permitiram à fundação criar mais três modalidades de apoio: produtividade de pesquisa, apoio técnico e gestão de ciência e tecnologia em projetos estratégicos. Dentre as 14 modalidades de apoio oferecidas, a mais procurada foi a de iniciação científica, com 451inscritos na disputa de 70 bolsas. "Mas isso ainda não é suficiente", ressalva Pauperio. As parcerias firmadas com o CNPq e a Finep injetaram mais R$ 9 milhões no orçamento do ano passado. Este ano, a expectativa é ampliar o convênio para garantir um volume maior de aporte das agências federais. Indicadores de C&T - O quadro da situação das fundações, portanto, contém boas e más notícias. A primeira boa notícia é que, em oito anos, foi possível criar e implantar um sistema de apoio estadual à pesquisa em quase todo o país e estimular a investigação regional. A segunda, é que, na expectativa de ver funcionar o modelo e fazer avançar a pesquisa, os pesquisadores começam a se mobilizar para reivindicar dos estados a transferência dos recursos devidos. Os acordos com o MCT, por meio de programas do CNPq e da Finep - alguns deles com exigência de contrapartidas estaduais -, também foram positivos, principalmente para as fundações dos estados do Nordeste, já que promoveram um arranque no desenvolvimento de projetos, principalmente na área de inovação e de formação de doutores. "As ações de cooperação entre o MCT e os estados permitiram a consolidação dos sistemas estaduais, constituindo-se em elemento decisivo para a criação de novas FAPs e o aumento dos repasses de recursos", consta no documento elaborado pelas fundações do Nordeste que foi entregue ao ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. Mas, para a efetiva operação do sistema, elas reivindicam que o ministério priorize os projetos regionais e projetos estratégicos estaduais. Solicitam ainda o apoio para a implantação de um sistema único integrado de informações e indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação. "Com isso, seria possível criar uma forma de comparar desempenho, carências, além da evolução do trabalho das FAPs e das demandas regionais", detalha Acácio Salvador Véras e Silva, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí (Fapepi). Para o presidente do Fórum das FAPs, no entanto, é preciso articular um sistema nacional de inovação. "O sistema atual é centralizado, apoiado no CNPq e na Finep. Os recursos precisam ser mais bem distribuídos, já que são os operadores locais que conhecem a clientela", observa. "É preciso pensar em parcerias de grupos de pesquisa organizados, com grupos em organização. Ao invés de desconcentração, deveríamos pensar em integração."
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Pesquisa FAPESP Edição 99 - Maio 2004 Tecnologia > Engenharia aeroespacial Energia do Sol Empresa de São José dos Campos desenvolve técnica para fabricar painéis solares utilizados em satélites artificiais A fabricação de painéis solares que captam energia do Sol para fornecer energia elétrica para satélites que giram ao redor do nosso planeta é a novidade tecnológica produzido na cidade de São José dos Campos. O mérito cabe à Orbital Engenharia, uma pequena empresa que desde o ano passado domina o ciclo completo de produção desses artefatos. "Além do Brasil, apenas países como Estados Unidos, França, Alemanha, Japão, Rússia e China têm capacidade para fabricar esses painéis", diz o engenheiro mecânico Célio Costa Vaz, diretor da Orbital. Para adquirir o conhecimento e ingressar no seleto grupo de produtores de painéis solares espaciais, a empresa contou com financiamento da FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Também conhecidos como geradores fotovoltaicos, os painéis são a forma mais eficiente de geração de energia para satélites e balões estratosféricos. Eles transformam a radiação solar encontrada no espaço em eletricidade, energia essencial para o funcionamento desses veículos espaciais. A explicação para que apenas um pequeno número de nações domine a tecnologia de produção desses geradores está na dificuldade de montagem de sua unidade básica, uma peça chamada de Solar Cell Assembly (SCA), ou célula solar montada, em uma tradução livre. "Se compararmos um painel a uma caixa de pilhas, cada célula seria uma pilha", conta Vaz. Ela é composta de três componentes: a célula solar, o interconector e uma cobertura de proteção, conhecida como cover glass, ou cobertura de vidro. As células solares podem ser feitas de vários materiais, entre eles o silício e o arseneto de gálio. Elas têm usualmente 0,2 milímetro (mm) de espessura e normalmente larguras que variam de 2 centímetros (cm) por 4 cm a 4 cm por 7 cm. Os interconectores são minúsculas peças de prata, com 0,012 milímetro de espessura, usadas para fazer o contato elétrico entre as células. Ocover glass , por sua vez, é um vidro bem fino (entre 0,1 mm e 0,2 mm de espessura), semelhante a uma lâmina de microscópio, dotado de uma camada anti-refletora. Ele é colado sobre a célula solar e a protege das radiações existentes no espaço como prótons e elétrons. Ferramentas essenciais - Esses três componentes - célula solar, interconetor e cover glass - podem ser facilmente comprados, mas o problema é fazer a montagem da célula. "À primeira vista, pode parecer um desafio simples, mas não é. Existem vários requisitos de qualidade que tornam essa montagem muito complexa. No passado, tentamos desenvolvê-la e qualificá-la, mas não conseguimos", afirma o engenheiro Célio Vaz, que trabalhou durante 18 anos no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com sede em São José dos Campos. O complicador é o fato de o ferramental necessário para produção da SCA não ser encontrado no mercado, ao contrário dos componentes. "Tivemos que fazer o desenvolvimento dos equipamentos, dispositivos e ferramentas para fabricar a Solar Cell Assembly. Isso só foi possível com o financiamento do PIPE." Durante a primeira fase do projeto, o pesquisador desenhou os equipamentos para produção das células e do painel solar, definiu os processos e procedimentos de fabricação, esboçou o plano de garantia do produto, os programas de inspeção e testes de qualificação. Esse trabalho, iniciado em abril de 2001, levou cerca de seis meses. Na segunda fase, com duração de dois anos, os equipamentos foram efetivamente produzidos, os processos, desenvolvidos e os corpos-de-prova, fabricados e testados. "Os resultados obtidos demonstram que dispomos de qualidade tecnológica e meios de fabricação qualificados para atender à demanda por equipamentos para o setor aeroespacial", afirma Célio Vaz. Segundo o engenheiro, o domínio dessa tecnologia trará grandes benefícios ao país, como a substituição de importações, a geração de empregos locais - a Orbital emprega quatro pessoas, sendo duas de nível superior - e a possibilidade de exportar produtos e serviços com alto valor agregado. Dois pedidos - Os clientes finais da Orbital são a Agência Espacial Brasileira (AEB) e o Inpe, centro de pesquisa com o qual a empresa firmou seu primeiro contrato, em dezembro de 2001. A empresa participou de uma concorrência pública e foi escolhida para fabricar quatro painéis solares para o Satélite Científico (Satec), cada um deles medindo 50 cm por 66 cm. Nesse projeto, foram utilizados 1.100 células importadas, porque até aquela data a Orbital ainda não produzia esses componentes. Cada célula, feita com silício monocristalino, media 20 mm por 40 mm. O Satec estava programado para ser colocado em órbita pelo Veículo Lançador de Foguetes (VLS), que explodiu na base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão, em agosto do ano passado. Em setembro de 2002, a empresa foi subcontratada para participar de uma empreitada ainda mais ambiciosa: projetar e fabricar os painéis solares que serão instalados num módulo de serviço comum a uma série de satélites denominado Plataforma Multimissão (PMM), com capacidade de levar, em cada vôo, cargas úteis variáveis como câmeras para captar imagens da Terra, radares ou experimentos científicos, por exemplo. Ela está sendo construída para a AEB e para o Inpe por um consórcio de empresas nacionais: Atech, de São Paulo, Cenic, Fibraforte e Mectron, de São José dos Campos. A plataforma é dotada de equipamentos básicos (sistema de suprimento de energia, propulsão, telecomunicações etc.) que servem para manter em operação a carga útil do satélite, como câmeras de imageamento terrestre, radares, sensores e experimentos científicos. "A plataforma encontra-se em fase de detalhamento doprojeto. Iremos projetar, desenvolver e montar painéis solares para as duas asas da plataforma, cada uma deles com cerca de 80 cm por 130 cm e quase 1.500 células", explica o diretor da Orbital. A previsão é de que os painéis e a plataforma estejam prontos até o início de 2006. Qualidade internacional - Como o mercado nacional de satélites é limitado e sazonal, a Orbital está mirando clientes no exterior para crescer. "Pretendemos entrar em licitações internacionais e, para isso, estamos em processo para obter a certificação pela norma NBR 15100 Sistema de Qualidade Espacial, que corresponde à AS 9100A em nível internacional", afirma Célio Vaz. Segundo o engenheiro, os Estados Unidos fabricam algumas dezenas de satélites científicos por ano e são um ótimo mercado. "Acredito que poderemos ser bem-sucedidos por lá se tivermos preço competitivo. Além disso, países como México, Chile e Argentina têm programas espaciais e não dominam a tecnologia de fabricação desses painéis." Outra alternativa para sobreviver nesse mercado é diversificar a produção. "Pensamos em usar a tecnologia e os equipamentos desenvolvidos por nós para fabricar outros produtos, como sensores ópticos e equipamentos para armazenar e condicionar a energia captada pelos painéis", diz Célio Vaz. Os painéis solares espaciais, no entanto, não podem ser usados aqui na Terra, porque eles diferem bastante dos dispositivos similares de uso terrestre. Os painéis solares terrestres são projetados para o tipo de luz que chega na superfície da Terra, com um espectro eletromagnético diferente do existente fora da atmosfera. Outra diferença está no encapsulamento do painel. O terrestre tem que ser protegido contra umidade e choques físicos, provocados, por exemplo, por chuva de granizo. O Projeto Geradores Fotovoltaicos para Aplicações Aeroespaciais Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) Coordenador Célio Costa Vaz - Orbital Investimento R$ 236.700,00 e US$ 41.308,95
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Pesquisa FAPESP Edição 100 - Junho 2004 Tecnologia > Bioquímica Fábrica de moléculas Parceria entre o Centro de Toxinologia Aplicada e indústria farmacêutica resulta em analgésico mais potente que morfina Novos princípios ativos, descobertos por um grupo de pesquisa paulista, mostraram grande potencial farmacológico para amenizar a dor e controlar a pressão arterial, como apontam testes feitos com moléculas sintetizadas a partir do veneno da cascavel (Crotalus terrificus) e da jararaca (Bothrops jararaca). Outras moléculas puras extraídas de esponja-do-mar são capazes de reduzir tumores, mas não podem ainda ser reveladas porque estão numa fase da pesquisa que exige sigilo. Desde sua criação, o Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), com sede no Instituto Butantan, já depositou seis pedidos de patente. O mais novo trata de uma substância obtida do veneno da cascavel, que revelou, em uma única dose, um poder de analgesia 600 vezes mais potente que o da morfina, efeito que se prolonga por até cinco dias sem efeitos colaterais. A primeira patente, depositada em março de 2001, derivou do estudo não só do veneno da jararaca como do cérebro dessa serpente, onde foram encontrados 17 peptídeos, resultantes de uma cadeia de aminoácidos, com propriedades anti-hipertensivas batizados de Evasins (endogenous vasopeptidase inhibitor). As pesquisas foram realizadas em parceria com a indústria farmacêutica nacional, representada pelo Consórcio Farmacêutico (Coinfar), constituído pelos Laboratórios Biolab-Sanus, União Química e Biosintética. Os estudos que resultaram no isolamento das moléculas responsáveis pela analgesia percorreram um longo caminho. Vital Brazil, fundador do Instituto Butantan, pioneiro no estudo das serpentes no Brasil e precursor brasileiro na aplicação médica das toxinas animais, mostrou o efeito analgésico do veneno da cascavel no começo do século 20. O professor Antonio Carlos Martins de Camargo, coordenador do CAT, que é um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) criados pela FAPESP em 2000, lembra que o pesquisador utilizou em pacientes com dores crônicas o veneno da cascavel diluído, eficazmente. "O veneno utilizado era bastante diluído, quase homeopático, mas os pacientes se sentiam muito bem", relata. Foi a partirdessas observações que pesquisadores do Butantan conseguiram fazer uma caracterização farmacológica da substância analgésica contida no veneno da cascavel, mas não o princípio ativo, ou seja, a molécula ou as moléculas responsáveis por esse efeito. Isso só se tornou possível, segundo Camargo, com a criação do CAT, que possibilitou a montagem da infra-estrutura necessária para o isolamento, a identificação química e a síntese da substância ativa. Efeitos reproduzidos - Como essas moléculas são componentes minoritários no veneno, isolá-las e caracterizá-las é uma tarefa bastante complexa, que requer especialistas no assunto e instrumentos específicos, como o aparelho de espectrometria de massa, fundamental para determinar a estrutura molecular. "Depois de vários fracassos, conseguimos chegar a um bom final graças à atuação de pesquisadores do Instituto Butantan, como Yara Cury e sua pós-graduanda Gizele Picolo, e de um pesquisador japonês, Katsuhiro Konno, especialista em purificação que trabalhou conosco durante três anos como bolsista da FAPESP", conta Camargo. "No final do ano passado, conseguimos chegar a uma das moléculas responsáveis pelo efeito analgésico." A molécula foi isolada, sua estrutura identificada e, em seguida, sintetizada. Testes comprovaram que a molécula sintética isolada reproduzia os efeitos analgésicos. "É um efeito semelhante ao da morfina, mas muito mais potente, duradouro e sem efeitos colaterais identificados até o momento. Além disso, o produto é administrado por via oral", ressalta. Já a morfina, que é o padrão de analgesia, atua por um período de tempo curto. Para se obter o mesmo efeito da primeira dose administrada é necessário aumentar a quantidade ingerida, o que resulta em um efeito cumulativo no organismo e, em alguns casos, dependência. Os testes com o novo analgésico foram conduzidos em animais e ainda têm que ser confirmados em seres humanos, os chamados ensaios clínicos da fase 3 e 4. Já nos ensaios pré-clínicos realizados com os anti-hipertensivos obtidos a partir do veneno da jararaca novas propriedades, que não constam da primeira patente, foram descobertas e patenteadas. Testes realizados mostraram diferenças importantes entre esses e os anti-hipertensivos dessa classe existentes no comércio. Essas diferenças poderão melhorar a qualidade do tratamento de indivíduos hipertensos. Muitas vezes descobre-se ainda outra atividade dessas moléculas não relacionada com aquela que foi primeiro identificada. É o caso de um dos Evasins que influencia a permeabilidade de um canal iônico e modifica a resposta aos estímulos, como ocorre, por exemplo, no estímulo que leva à contração muscular. Essa propriedade poderá ter outra aplicação terapêutica além da atividade anti-hipertensiva, como no tratamento de doenças que afetam o sistema nervoso central. As novas descobertas e também os caminhos percorridos pela molécula sintetizada dentro do organismo resultaram em duas outras patentes, depositadas no Brasil, nos Estados Unidos, na Comunidade Européia e no Japão. Na atual fase da pesquisa, os melhores Evasins, que têm maior eficácia e menores efeitos colaterais, estão sendo escolhidos para desenvolver os anti-hipertensivos. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) tem trabalhado em duas vertentes. Uma delas trata da busca de formulações capazes de tornar eficaz sua administração por via oral, já que os peptídeos são destruídos pelo aparelho digestivo. A outra avalia a ação anti-hipertensiva de quatro dos 17 novos peptídeos encontrados no veneno da jararaca. Ratos transgênicos com hipertensão criados em laboratório recebem dosagensdecada um deles e são monitorados em tempo integral. Resultados promissores - Os resultados obtidos até agora, tanto com o analgésico como com o anti-hipertensivo, têm sido muito promissores, conforme atestam os parceiros da indústria. "Fomos muito além do que imaginávamos no início", diz Cleiton de Castro Marques, vice-presidente do Grupo Castro Marques, que agrupa as empresas Biolab-Sanus e União Química, duas das participantes do consórcio. O começo dessa parceria teve início com uma conversa entre o professor Camargo e o médico Márcio Falci, diretor médico da Biosintética, a outra ponta do Coinfar. "Quando ele me falou sobre o tipo de projeto que estava desenvolvendo, vislumbrei a possibilidade de ter em um único local no Brasil a descoberta de novos produtos de modo intenso e rápido", relata Falci. Esse foi o início da parceria entre a indústria farmacêutica e o CAT. "Percebemos a possibilidade de ter uma base para desenvolver uma linha de produtos farmacêuticos que eventualmente poderiam chegar ao mercado", relata José Fernando Leme Magalhães, diretor corporativo de Assuntos Estratégicos do Grupo Castro Marques. O consórcio foi formado porque seria mais difícil para cada uma das empresas individualmente ter fôlego para acompanhar os desdobramentos do projeto. Dentro desse cenário, os empresários começaram a olhar com mais atenção aos detalhes dos produtos em transformação. Até agora, cada uma das três empresas que compõem o consórcio já colocou US$ 1 milhão de recursos próprios na pesquisa, totalizando US$ 3 milhões. Mas daqui para a frente os gastos serão maiores, com a certificação dos testes e a montagem do dossiê que será encaminhado às agências regulatórias brasileiras e internacionais para aprovação do produto. Essa forma de trabalho e novos investimentos também devem servir a uma das novidades mais recentes saídas das bancadas do CAT e apoiadas pelo Coinfar. O produto, cujos resultados preliminares são animadores, tem propriedades anticancerígenas e é obtido de uma esponja-do-mar. "Os testes com a molécula pura causaram redução extremamente significativa em alguns tipos de tumores", relata Camargo. A esponja é um animal invertebrado muito simples que vive grudado nas pedras e outros organismos marinhos. Para se alimentar e crescer, ela produz toxinas que afugentam os predadores do lugar onde habita. Sabendo disso, os pesquisadores foram atrás dessas toxinas para buscar possíveis aplicações para elas. Essa molécula foi isolada e sua estrutura determinada pela espectrometria de massa. O próximo passo é obtê-la na forma sintética. Os estudos são parte de um programa do CAT de desenvolvimento de toxinas de animais marinhos, com aplicação em muitas áreas. "Só para citar um exemplo, o AZT, antiviral usado no tratamento da Aids, foi produzido a partir da toxina de uma esponja-do-mar", diz Camargo.Com esse amplo leque de pesquisa, o Centro de Toxinologia do Butantan é descrito como uma fábrica de moléculas por Castro Marques. Com as boas notícias do CAT, a Biolab e a União Química estão empenhadas em investir em pesquisa e desenvolvimento para melhorar sua competitividade. Neste ano, o grupo destinou 5,3% do faturamento na área farmacêutica, que em 2003 foi de R$ 419 milhões, para pesquisa. Portanto, os aportes representarão cerca de R$ 22,2 milhões. O investimento contempla desde produtos inovadores até o desenvolvimento de novas formas farmacêuticas, novos conceitos e estudos clínicos. A parceria das empresas com centros de pesquisa teve início há nove anos, com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), e resultou no Bandgel, um hidrogel para o tratamento de queimaduras. O produto age como barreira de proteção em relação ao meio ambiente, possibilitando a rápida recuperação tecidual do local da queimadura. Filosofia empresarial - "Nós chegamos hoje num ponto em que temos recebido mais propostas do que nossa capacidade de investir", relata Castro Marques. Para ele, a pesquisa é de suma importância para a indústria nacional. Desde a entrada em vigor da Lei de Patentes no Brasil em 1996, as indústrias nacionais passaram a se preocupar com a necessidade de desenvolver novos produtos, como fazem as grandes empresas internacionais. "Temos de investir e criar tecnologia, porque o mercado se constituirá de empresas inovadoras, de um lado, e de empresas fabricantes de genéricos, de similares e de produtos populares, de outro", diz. A mesma filosofia norteia a Biosintética, que desde 1993 trabalha em parceria com universidades para desenvolver produtos. Anualmente investe em pesquisa 2% do seu faturamento líquido de cerca de R$ 260 milhões, o que representa cerca de R$ 5,2 milhões. Segundo Falci, da Biosintética, um dos resultados da parceria com o CAT, além dos promissores fármacos, foi o lançamento das bases para a definição de uma política industrial farmacêutica. O primeiro pilar foi a criação da Agência de Gestão da Inovação Farmacêutica (Agif), que reúne especialistas capazes de fazer uma patente bem protegida e tem como tarefa ajudar a identificar gargalos na rota de transformação da descoberta até o produto. Para Magalhães, o objetivo da inovação é o mercado. E o sucesso é o maior estímulo. "Tenho certeza de que quando um desses produtos inovadores chegar ao mercado muitas outras empresas também vão querer investir." A capacidade de colocar no mercado um produto novo, de maior valor agregado e apelo comercial motiva a concorrência. O Projeto Centro de Toxinologia Aplicada (CAT) Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) Coordenador Antonio Carlos Martins de Camargo - Instituto Butantan Investimento US$ 1.300.000
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Pesquisa FAPESP Edição 102 - Agosto 2004 Carta da Editora > Muito além da retórica Com certa freqüência a expressão desenvolvimento sustentável soa como uma espécie de engodo retórico para recobrir o vazio de projetos práticos, bons e consistentes o suficiente para produzir alguma transformação econômica ou social e, ao mesmo tempo, preservar de modo desejável o ambiente em determinadas regiões. Mas é certamente uma noção inteiramente diversa que o conceito transmite ao ser relacionado a dois projetos de inovação tecnológica apresentados na reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP . Ambos estão sendo implantados pela mesma empresa no Vale do Ribeira, uma extensa região entre as cidades de São Paulo e Curitiba, em que se combinam, aliás, de forma nada rara no Brasil, precariedade das condições de vida da população local e riqueza notável de seu patrimônio natural. No Vale do Ribeira está a maior área remanescente de Mata Atlântica do país, ou seja, cerca de 600 mil hectares de floresta. O primeiro desses projetos, relata a partir da página 66 a editora assistente de tecnologia Dinorah Ereno, tratou de identificar e extrair da mata, com metodologia científica, plantas medicinais que começam a ser vendidas secas e embaladas. Registre-se que o extrativismo é atividade comum na região, em geral nociva à preservação das espécies nativas. Neste caso, essa prática corrente chega a resultados bem diferentes: além da regeneração garantida das plantas em seu hábitat e dos ganhos científicos, há evidentes benefícios econômicos e sociais. Entre outros, o conhecimento adquirido, tanto no que diz respeito à extração quanto ao processamento da matéria-prima, está sendo repassado a comunidades quilombolas da região, num retorno justo das informações sobre as plantas que seus integrantes deram aos pesquisadores no início do trabalho. O segundo projeto, com uma técnica que se vale da utilização de pequenos pedaços de brotos das plantas, permite a reprodução em laboratório em larga escala das belas bromélias nativas da região, sem destruição do espécime original usado e sem a retirada de exemplares da floresta. Ambos são exemplos de projeto a serem imitados por outras empresas preocupadas com o desenvolvimento e a questão da responsabilidade social.A propósito do desenvolvimento e seus caminhos, é leitura valiosa a reportagem sobre os primeiros (e ainda inéditos) resultados da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (Paep) 2001, elaborada pela Fundação Seade, que abre a seção de humanidades. Como relata a editora de política Claudia Izique, a partir da página 82, o estudo em questão indica que, apesar de todas as mudanças sofridas pelo universo produtivo nos últimos anos, a indústria ainda é o pólo dinâmico da expansão da economia paulista. E, entre outros dados surpreendentes, a pesquisa revela que o mercado de trabalho no setor de serviços cresce sim, mas nas grandes empresas do setor; sugere que a aposta na construção civil pode não produzir os efeitos desejados sobre o desemprego e que as políticas públicas voltadas para pequenas empresas de serviço talvez tivessem mais efeito se, em vez do emprego, focassem a competitividade do negócio. Conhecer esses dados obtidos com método rigoroso pode evitar terremotos desnecessários na gestão das políticas econômicas. Há, contudo, terremotos que não podem ser evitados. O editor de ciência Carlos Fioravanti explica a causa dos tremores em uma região do Brasil que deveria ser muito estável (página 36). Uma equipe do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo analisou quase um quarto do território nacional que se encontra no interior das placas tectônicas e não deveria tremer com freqüência. Os pesquisadores constataram que essas áreas estão sujeitas a tremores porque apresentam uma litosfera - camada de rochas com 100 a 200 quilômetros de profundidade - mais fina. Mariluce Moura - Diretora de Redação
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Pesquisa FAPESP Edição 104 - Outubro 2004 Humanidades > Artes plásticas Cor de rosa-choque Mostra na Pinacoteca e tese trazem à luz as mulheres artistas Renata Saraiva Uma artista talentosa a causar escândalo na sociedade burguesa após tornar-se amante de seu mestre, homem casado, e dele engravidar duas vezes. Outra a apresentar ao júri de um importante concurso de escultura um parecer positivo de Rodin sobre sua obra, que perdera a competição. Histórias como essas se confundiriam facilmente com situações vividas por Camille Claudel ou outra artista parisiense de seu tempo. Fazem parte, porém, de um agitado cenário artístico situado bem longe de Paris no mesmo período: o Rio de Janeiro. Essas histórias aconteceram com Abigail de Andrade e Julieta de França, duas das mulheres cujas trajetórias estão narradas na tese de doutorado Profissão artista: pintoras e escultoras brasileiras entre 1884 e 1922, defendida por Ana Paula Simioni, após pesquisa financiada pela FAPESP. O assunto foi levado às bancas universitárias da Universidade de São Paulo (USP) no início de agosto, poucos dias antes de a Pinacoteca do Estado de São Paulo inaugurar a mostra Mulheres pintoras - a casa e o mundo, na qual obras de algumas das mulheres citadas na tese podem ser vistas. As histórias de Abigail e Julieta surgiram de uma intensa pesquisa feita nos dicionários artísticos brasileiros e em catálogos e documentos da Academia Imperial de Belas-Artes, que, com o advento da República, transformou-se em Escola Nacional de Belas-Artes. "Minha curiosidade sobre o assunto foi decorrente da observação de que, a despeito de os dois maiores nomes das artes plásticas do Modernismo serem femininos (Tarsila do Amaral e Anita Malfatti), não se ouve falar de pintoras mulheres anteriores a elas", explica Ana Paula. "Comecei a indagar se essas modernistas teriam vindo do nada", continua. Academia Imperial - Em uma pesquisa preliminar nos principais dicionários artísticos, Ana Paula encontrou 91 nomes de mulheres que atuaram como artistas plásticas entre 1840 e 1922. Quando passou a estudar os catálogos das exposições da Academia Imperial, no intuito de focar seu trabalho na mais importante instituição artística do Império, o número subiu para 212, apenas entre os anos de 1844 e 1922. De fato, as modernistas não tinham vindo do nada. O que a nova cifra mostrou, também, é que muitas mulheres foram excluídas dos registros históricos (os dicionários). Daí, possivelmente, pouco ou nada ter se ouvido de outros nomes femininos antes de Tarsila e Anita. "Na medida em que o foco da pesquisa passou a ser a Academia, uma série de recortes se impôs sobre o assunto", conta Ana Paula. Por exemplo, o conhecimento do trabalho dessas artistas teve de se limitar às modalidades aceitas pela instituição - a pintura e a escultura. Também se estabeleceu um recorte geográfico, uma vez que a maior parte das artistas que expuseram na Academia Imperial era proveniente do Rio de Janeiro e de São Paulo. Conforme a pesquisa avançou, Ana Paula percebeu que seria impossível dissociar a história das artistas brasileiras do final do Império e início da República da história da educação feminina. Se por um lado as meninas eram treinadas para as prendas do lar nas instituições do ensino formal, por outro foram proibidas, até a proclamação da República, de se matricular em escolas de belas- artes - o que não as impedia de inscrever seus trabalhos nas exposições anuais, daí um número tão grande de participantes da ala feminina desde 1844. Modelo vivo - A proibição ocorria em razão do uso do modelo vivo nas disciplinas das belas-artes, herança da tradição francesa, a mesma que legara ao Rio de Janeiro a própria constituição da Academia Imperial. Essencial para o aprendizado das artes acadêmicas, o modelo vivo era considerado abusivo para a educação e a moral das moçoilas. O que levou, então, tantas mulheres a exporem na Academia Imperial, se essa lhes foi interditada até o final do Império? Ana Paula mostra que diversos outros espaços permitiram o aprendizado das artes pelas mulheres, apesar de tantos fatores contra seu desenvolvimento criador - as atribuições domésticas, o distanciamento oficial dos estudos. "Um espaço importante foi o Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro", observa a pesquisadora. "Desde 1881 as mulheres puderam se matricular no Liceu, onde não havia o uso de modelo vivo", conta. "O perfil da instituição, porém, era menos ligado às belas-artes e mais voltado à atividade artesã - elas aprendiam a datilografar, por exemplo." Também os ateliês particulares fizeram muito sucesso no Rio de Janeiro. O mais famoso, dos irmãos Rodolfo e Henrique Bernardelli, rendeu boas cifras aos proprietários, multiplicando também a notoriedade deles, principalmente a de Rodolfo, que foi diretor da Academia Imperial. Muitas artistas da época aprenderam seu ofício no ambiente familiar, com pais, outros parentes, maridos e amantes. Abigail de Andrade, primeira protagonista dessa história, foi uma delas. Por sua causa o estudo desenvolvido por Ana Paula tem o marco inicial em 1884 e não nos anos 1840, época sobre a qual a pesquisadora já tinha alguns indícios. "Em 1884 foi realizada a última mostra do Império - nos anos seguintes, devido à crise vivida pelo regime, não havia dinheiro para a realização de salões de arte", conta a pesquisadora. Pois naquele ano, Abigail de Andrade, originária de Vassouras, no interior do Rio de Janeiro, foi a única mulher a receber medalha de ouro por quatro telas no Salão Imperial, ao lado de três pintores. Entre as telas, Meu ateliê e Um cesto de compra. Sua participação no Salão Imperial foi comentada por Gonzaga Duque, importante crítico de arte da época, que não poupou elogios: "Ela é uma artista mesmo, direi uma grande artista que se deve esperar". Gonzaga, pertencente ao grupo dos que consideravam amadoras as artistas mulheres em geral, via em Abigail uma verdadeira profissional: "Fez da pintura sua profissão, não como outras, que, acercadas dos mesmos cuidados paternais, aprendem unicamente a artezinha colegial". Mestre particular - Um escândalo para a época, porém, fez com que a história de Abigail fosse apagada por sua própria família. A artista tornou-se amante de Angelo Agostini, importante artista e ilustrador, seu mestre particular. O romance com o homem casado gerou uma filha, Angelina Agostini. O casal chegou a fugir para Paris, onde surgiu a segunda gravidez. O bebê morreu, porém, um pouco antes de a mãe também sucumbir. "A história causou tamanho escândalo no Rio de Janeiro que a própria família tratou de não deixar para a posteridade as marcas de Abigail", comenta Ana Paula. Outra alternativa para o aprendizado das artes era viajar a Paris e freqüentar a Academie Julien, um dos principais pólos de artes, que recebia inúmeras estudantes estrangeiras. Foi lá que Julieta de França estudou, assim como no Instituto Rodin. Sua história também caiu no esquecimento, dessa vez não por um motivo amoroso, mas político. Após viver cinco anos em Paris, Julieta voltou ao Rio de Janeiro, em 1907, e inscreveu-se em um concurso para um Monumento à República. Não venceu, mas também não se convenceu da não validade de sua obra. Retornou a Paris e apresentou o trabalho a diversos artistas, tendo obtido pareceres positivos de diversos deles, inclusive de Auguste Rodin. Com os atestados em mãos, bateu de novo nas portas da Academia de Belas-Artes, então chefiada por Rodolfo Bernardelli, o mesmo que rechaçara sua obra. Curiosamente, Julieta desapareceu dos circuitos artísticos cariocas, provavelmente por ter desafiado, com sua chancela parisiense, um dos artistas mais poderosos da República. Outro caso interessante foi o de Georgina Albuquerque, a mulher que marca o final do período escolhido por Ana Paula. Em 1922, ela foi a primeira artista a apresentar uma tela no gênero pintura de história, o mais nobre do academicismo, ainda que nesse período o gênero já estivesse em desuso. Não só o gênero, mas também o conteúdo chamaram a atenção. Trata-se de uma cena em que a Princesa Leopoldina chefia uma reunião do Conselho do Estado, em homenagem ao centenário da Independência. "Embora essa obra tenha sido apresentada em um período já de declínio do academicismo, ainda assim Georgina ganhou notoriedade por produzir uma cena histórica", comenta Ana Paula. A análise das diversas circunstâncias educacionais e as narrativas sobre algumas artistas - vale lembrar ainda Berthe Worms e Nicolina Vaz de Assis - fazem da tese de Ana Paula um curioso caminho para a compreensão de como as mulheres artistas, consideradas amadoras no Império, tiveram de ser aceitas por suas atividades profissionais com o tempo. "Muitas delas se sustentaram e sustentaram suas famílias por meio da arte, principalmente no Rio de Janeiro", conta a pesquisadora. "Com a tese, espero ter demonstrado que, entre os escritos de Félix Ferreira, assentados em uma tradição, por sinal internacional, de estereotipar a produção feminina como tipicamente amadora, e a publicação de Paranóia e mistificação, onde Monteiro Lobato escrutinava a obra de Anita Malfatti como a de uma profissional, muita coisa já havia mudado no campo artístico", encerra. O Projeto Profissão artista: pintoras e escultoras brasileiras entre 1884 e 1922 Modalidade Bolsa de Doutorado (FAPESP) Coordenador Sérgio Miceli - FFLCH / USP Bolsista Ana Paula Simioni - FFLCH / USP
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Pesquisa FAPESP Edição 105 - Novembro 2004 Política de C & T > Bolsas Apoio reforçado Programa Novas Fronteiras ampliará estágios no exterior A FAPESP lançou o Programa Novas Fronteiras para apoiar estágios de longa duração de pesquisadores em centros de excelência no exterior, em áreas de conhecimento ainda não consolidadas no Estado de São Paulo. Por essa via, a Fundação quer ampliar a política de pós-doutoramento, definida em 2001. Por meio do Novas Fronteiras, serão concedidas anualmente até 20 bolsas - por um período de 12 meses e no valor de US$ 25 mil anual - a pesquisadores que tenham obtido seu doutorado há até dez anos e tenham vínculo empregatício firme com instituições de pesquisa paulistas. Desde 2001, as bolsas de pesquisa no exterior tinham duração máxima de cinco meses. Essas novas bolsas não incluem benefícios suplementares para cônjuges e filhos, e poderão ser complementadas por outras modalidades de apoio eventualmente obtidas em agências e instituições estrangeiras. O custo anual do programa está orçado em US$ 500 mil.Critérios decisivos para a concessão de bolsas serão a qualidade do projeto de pesquisa, a relevância da implantação da área de investigação no estado, o grau de excelência do centro em que se realizará o estágio e o histórico científico e acadêmico do candidato. Serão analisadas apenas as solicitações de candidato cujas instituições se comprometerem, expressa e formalmente, a conceder afastamento com vencimento durante o período do estágio e a garantir a continuidade de sua linha de pesquisa. Núcleos de excelência - O Novas Fronteiras flexibiliza a política de apoio ao pós-doutoramento adotada pela FAPESP, em 2001, com o objetivo de propiciar aos pesquisadores formação e aperfeiçoamento de qualidade e multiplicar os núcleos de excelência em pesquisa no estado. A intenção era estimular a inserção dos recém-doutores nos grupos de pesquisa paulistas e incentivar a realização de estágios de aperfeiçoamento no exterior articulados com o desenvolvimento de projetos de pesquisa em São Paulo.Para tanto, a FAPESP aumentou o valor das bolsas de pós-doutoramento no Brasil e estendeu o seu prazo de concessão de dois para três anos e, em alguns casos, até quatro anos. Foram priorizadas as bolsas vinculadas a projetos temáticos, aos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), a programas como Jovens Pesquisadores, Genoma e Biota. O resultado foi que o número de bolsas de pós-doutoramento saltou de 546, em 2000, para 845, em 2003, concentradas em grupos de excelência. Levando em conta a importância do intercâmbio dos jovens doutores com grupos de pesquisa no exterior, a FAPESP não deixou de financiar estágios de pesquisa no exterior, de curta e média duração.No entanto, a comunidade científica paulista passou a reivindicar o apoio a estágios no exterior de longa duração, nas áreas de fronteira ainda não bem implantadas no estado. Para atender a essa demanda foi criado o programa Novas Fronteiras.
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Pesquisa FAPESP Edição 106 - Dezembro 2004 Carta da Editora > No corpo-a-corpo com a sociedade É possível que alguns ainda pensem que as respostas e, principalmente, as indagações cruciais da ciência são formuladas em laboratórios isolados do mundo dos mortais comuns, em algum lugar tantas vezes negativamente associado a inexpugnáveis torres de marfim. Se assim for, eles certamente são em número cada vez menor, porque a saudável difusão da cultura científica pouco a pouco vai mostrando que se produz conhecimento científico e tecnológico em bem-equipados laboratórios tanto quanto nas ruas, escolas, postos de saúde, hospitais, enfim, em meio ao burburinho da vida social corrente. Esta edição de Pesquisa FAPESP tem a sorte de demonstrar na prática, com duas belas reportagens que disputaram sua capa, as duas situações. Comecemos pela reportagem que ganhou a capa e mostra, a partir da página 24, resultados de alguns dos mais bem-sucedidos projetos do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, em campos tão diversos quanto saúde, educação, abastecimento e finanças municipais, entre outros. Iniciado pela FAPESP em 1998, esse programa, hoje com 221 projetos em andamento, tem o objetivo de estimular parcerias entre, de um lado, universidades e institutos de pesquisa e, de outro, órgãos do setor público e do terceiro setor, tendo em vista a solução de problemas concretos e significativos que perturbam a vida cotidiana dos cidadãos. Estimulá-las, diga-se, no modo próprio da Fundação, ou seja, por meio do financiamento de projetos de pesquisa. No texto, a editora de política Claudia Izique e o editor especial Fabrício Marques, autores da reportagem, mostram com riqueza de detalhes como a partir do exame direto de determinados problemas, in loco, no diálogo com outros atores sociais, e com o apoio de ferramentas da pesquisa científica, especialistas podem extrair do próprio problema as soluções que o superam. Ou como um problema, por exemplo, as enchentes numa cidade, pode ser o ponto de partida para a solução de um segundo problema: o abastecimento de água da cidade. Trata-se de um relato de como criar conhecimento no contato com a sociedade, encaminhando ao mesmo tempo soluções novas para velhas questões. A segunda reportagem a que nos referimos trata de uma nova geração de fibras ópticas, as chamadas fibras fotônicas, que, conforme relata a jornalista Simone Biehler Mateos a partir da página 70, tanto abrem perspectivas para o aumento da capacidade das redes de telecomunicações quanto prometem incrementos em equipamentos de astronomia, relógios de precisão e equipamentos de diagnóstico por imagem, entre outros itens. O que está em cena aqui é criação de tecnologia de vanguarda, que, no Brasil, já vem sendo alvo da investigação de alguns grupos de pesquisa em São Paulo, como os que fazem parte do Centro de Pesquisa em Ótica e Fotônica, em Campinas. É recomendável também a leitura da reportagem sobre um novo composto, à base de prostaglandinas, que destrói placas de gordura nas artérias (página 49), entre outros textos que ficam sem destaque pela necessidade absoluta de comentar aqui duas novidades. A primeira é que, excepcional- mente, publicamos um artigo de um cientista, o físico Roberto Salmeron, a propósito dos 50 anos do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), que se constitui numa aula magistral sobre a física de partículas (depois da página 49). E a segunda é que em 12 de dezembro estréia na Rádio Eldorado, graças a uma parceria entre esta revista e a emissora, o programa Pesquisa Brasil, uma contribuição para a difusão da cultura científica (página 37). Vamos assim também ajudar os pesquisadores a entrar ainda mais no corpo-a-corpo com a sociedade, no caso representada pelos ouvintes da Eldorado, já que estes poderão encaminhar suas indagações à produção do programa para que os primeiros apresentem suas respostas. Um bom final de ano para todos. Mariluce Moura - Diretora de Redação
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Pesquisa FAPESP Edição 107 - Janeiro 2005 Carta da Editora > O poder, luminoso ou sombrio, da imaginação Esta primeira edição de 2005 oferece um brinde aos leitores: dois belos contos, para ler na primeira vez de um fôlego só, e para reler depois com infinita calma, curtindo a delicadeza da relação entrevista no diálogo refinado que constitui o primeiro, deixando-se arrastar, no segundo, pelo denso mar de palavras que constrói uma fantasia poderosa em torno de um inventor real movido por convicções socialistas no século 19. Trata-se de ficção de alto nível, que a nosso ver agrega valor e uma sutil elegância à revista, fundada no equilíbrio entre múltiplas abordagens da nossa produção intelectual. Ciência, tecnologia, humanidades e - por que não? - um pouco de criação literária em primeira mão, em suma, conhecimento produzido sob muitas formas neste país, assim é Pesquisa FAPESP . Passo à reportagem de capa desta edição e me dou conta de que, se a ficção é narrativa que reinventa, violenta a realidade, descola-se dela ou a ultrapassa, de uma certa maneira permanecemos em seus arredores no texto que começa na página 38, embora de forma sombria em vez de luminosa, mais perto do pesadelo que do sonho. Nas seis páginas dedicadas a um levantamento mundial sobre os distúrbios psiquiátricos que vem sendo feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o editor de ciência, Carlos Fioravanti, informa que seus primeiros resultados revelam que mesmo nas cidades mais isoladas do mundo os transtornos mentais começam ainda na infância e geralmente apresentam os mesmos estágios de desenvolvimento, independentemente dos estilos de vida ou das condições econômicas em que vivem as populações, para criar, na vida adulta, o que ela chama de prisioneiros da própria imaginação descontrolada. Quer dizer, nos piores transtornos psiquiátricos, não há mais adesão à realidade e a mente cria suas trágicas ficções. Mas o que o estudo da OMS abre é a perspectiva de se detectar precocemente o processo de perda do controle emocional e assim evitar o surgimento de problemas mais graves. Notícia promissora no quadro desalentador da saúde mental no mundo.A boa imaginação do leitor, de todo modo, está agora convocada para acompanhar os novos resultados de uma pesquisa arqueológica, ou seja, o estudo de nove crânios na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, e um de Caatinga do Moura, Bahia, que sugerem com grande força que os primeiros habitantes da América não eram mesmo mongolóides. E que Luzia - personagem criada nos anos 1990 por cientistas brasileiros a partir do achado em 1975 do crânio de uma jovem que teria vivido há cerca de 11 mil anos na região -, com suas feições que lembram negros africanos e aborígines australianos, não seria exceção nem aberração, mas a regra. Esse novo e fascinante capítulo da Pré-história brasileira está relatado pelo editor especial Marcos Pivetta, a partir da página 44. E, para encerrar os destaques, recomendamos atenção especial à reportagem que abre a seção de Tecnologia, na página 64, em que a editora assistente Dinorah Ereno detalha como a Agência de Inovação da Unicamp, a Inova, em apenas um ano de atividade conseguiu fechar 13 contratos de licenciamento com empresas para a exploração de 26 patentes - todas relativas, aliás, a produtos de alta relevância social. No mais, toda a equipe de Pesquisa FAPESP deseja aos leitores um novo ano fecundo e prazeroso e promete também se esforçar por isso. O ano de 2004 viu alguns eventos importantes para a vida da publicação - a edição especial número 100, o lançamento do livro Prazer em conhecer, coletânea de entrevistas originalmente publicadas na revista, o lançamento do programa Pesquisa Brasil, resultado de parceria com a Rádio Eldorado, prêmios... Nossa expectativa é poder constatar no final de 2005 que continuamos fecundos. Mariluce Moura - Diretora de Redação
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Carlos Nobre Meteorologista do Inpe expõe as causas e os efeitos das mudanças climáticas Fabrício Marques Julho 2008 O Brasil leva uma vantagem em meio ao esforço internacional para atenuar os efeitos do aquecimento global. Acontece que a metade das emissões brasileiras provém do desmatamento, sobretudo na Amazônia, uma atividade econômica predatória que não responde por mais de 1% do PIB. “O Brasil é o país com a maior quantidade potencial de fontes de energia renovável e onde grande parte das emissões vêm de um setor que não está gerando nem distribuindo riqueza. Já para países como a China e a Índia, que não têm tantas fontes de energia e nos quais as emissões de CO2 estão ligadas principalmente à queima de combustíveis fósseis, a redução impõe severas restrições ao modelo de desenvolvimento econômico”, disse o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em palestra realizada em São Paulo no dia 14 de junho sobre a “Ciência do sistema terrestre e a sustentabilidade da vida no planeta”. Um dos mais renomados meteorologistas do país, Carlos Nobre é coordenador do recém-criado Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Inpe. Também integra o grupo de pesquisadores brasileiros que participa dos trabalhos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas que ganhou o Nobel da Paz de 2007 ao lado do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore. A palestra de Nobre, que foi apresentado ao público por Marcos Buckeridge, professor da USP, fez parte da programação cultural da exposição científica Revolução genômica. O desafio brasileiro, disse o pesquisador, consiste em encontrar uma solução para a questão da Amazônia que fuja do modelo tradicional baseado na exploração de soja, madeira e pecuária. “O novo paradigma é trazer valor à floresta em pé, trazer valor à riqueza biológica, à riqueza da água, da biodiversidade, dos recursos naturais renováveis. E por que esse é um desafio tão grande para o Brasil? Porque não existe o que copiar. Se o Brasil inventar esse modelo, poderá tornar-se o primeiro país tropical desenvolvido. Essa é uma grande oportunidade e o Brasil reúne as melhores condições, tanto pela sua potencialidade de recursos naturais como pela sociedade diversa, pela força de sua comunidade científica e tecnológica, por sua base industrial sofisticada”, afirmou o pesquisador. Por mais de 2 horas Nobre deu uma aula sobre as causas e os efeitos das mudanças climáticas. Começou explicando o conceito de sistema terrestre que é, em resumo, o somatório de todos os elementos vivos e os não-vivos e a interação entre eles. “O sistema terrestre é composto pela atmosfera, os oceanos, a vegetação, a terra sólida, o solo, a água. Tudo isso está interligado e a ciência do sistema terrestre procura entender a complexa dinâmica de interação dos sistemas naturais e humanos, além de compreender como essa transformação afeta as nossas ações e até a nossa vida”, disse Nobre. “O homem tem um papel especial neste conceito, por ser o único ser com capacidade de transformar esse sistema terrestre de uma maneira que nenhuma outra espécie viva até hoje conseguiu”, explicou o professor. Nobre citou duas pesquisas recentes publicadas em revistas científicas para exemplificar o peso da ação humana modificando o ambiente global. Uma delas, divulgada em maio pela revista Science, mostra que o homem aumentou a oferta de nitrogênio nos oceanos em quase 50%. Além disso, tem influenciado gravemente os ciclos desse elemento químico na atmosfera e no solo do planeta. O aumento tem sérias implicações para as mudanças climáticas, uma vez que o nitrogênio em excesso aumenta a atividade biológica marinha e a absorção de dióxido de carbono, o que, por sua vez, leva à produção de mais óxido nitroso, considerado ainda mais prejudicial ao aquecimento global do que o metano ou o próprio dióxido de carbono. “Hoje nós jogamos no ambiente mais nitrogênio do que a fixação biológica. Isso graças ao excesso de fertilizantes e das indústrias químicas que produzem como subproduto de algum produto químico o nitrogênio”, disse Nobre. O segundo artigo, publicado na revista Nature, deu conta de que o homem acelerou em 10 mil vezes o processo que leva à extinção de espécies. “As espécies surgem e desaparecem. Esse é um fenômeno natural. Às vezes tem uma grande extinção. Pode cair um meteorito, por exemplo. Ele levanta muita poeira, a luz do sol fica obscurecida por anos, as plantas morrem, os animais morrem e muitos são extintos. Depois a vida volta, devagarzinho. Esse processo é natural. Nós aceleramos esse processo em 10 mil vezes com a caça, a pesca predatória, a fragmentação e o desaparecimento de habitats, a contaminação e a poluição. Recentemente, também as mudanças climáticas começaram a ser responsabilizadas pelo desaparecimento de espécies. No futuro, elas serão o principal fator de extinção de espécies, com velocidade equivalente a dessas grandes extinções.” Para mostrar a força do homem nas mudanças globais, Carlos Nobre amparou-se numa definição do holandês Paul J. Crutzen, ganhador do Nobel de Química de 1995, que ajudou a elucidar a química e a física do buraco na camada de ozônio. Segundo Crutzen, a influência humana no equilíbrio do planeta nos últimos 200 anos foi tão intensa que pode ser comparada às mudanças que ocorrem no planeta na mudança das eras geológicas – daí ele chamar o tempo que vivemos de Antropoceno. “Tecnicamente, a definição pode não ser correta, pois o conceito de era geológica depende de fenômenos que acontecem na escala geológica de tempo, como a órbita da Terra em volta do Sol, as pequenas variações da radiação solar que levam às épocas glaciais a cada 20 mil, 30 mil ou 100 mil anos, ou os movimentos das placas tectônicas que geram terremotos, ativam vulcões e formam um novo solo oceânico”, disse Nobre. “Mas o professor Crutzen mostra que somos uma força telúrica capaz de promover transformações na mesma magnitude.” Nobre apresentou dois conjuntos de evidências sobre o advento do Antropoceno. O primeiro é a evolução da concentração na atmosfera ao longo dos últimos 10 mil anos de gases causadores do efeito estufa, como o gás carbônico, o metano e o óxido nitroso. “A variação histórica desses gases é pequena, até que, nos últimos 200 anos, após a Revolução Industrial, eles dão um salto e não param de crescer”, disse Nobre. “A população do mundo passou de 2 bilhões para 6,6 bilhões em apenas 70 anos. Levou 9 mil anos para atingir 1 milhão de habitantes e cem anos para passar a 6,6 bilhões. Mesmo que a gente continuasse consumindo a mesma coisa de antes, já seria um fator multiplicador de seis vezes. Só que cada um de nós hoje consome muito mais energia e retira mais recursos naturais do que nossos pais e avós. Esse fator per capita de utilização de recursos naturais hoje é 20 a 30 vezes maior do que era da população do século XIX”, afirmou. A segunda fotografia do Antropoceno, disse Nobre, pode ser vista na elevação contínua da temperatura média do planeta nos últimos 50 anos. “A temperatura não parou de aumentar. Já subiu 0,8 grau. Parece pouco, mas na verdade é muito, pois não podemos olhar esse dado como uma mera flutuação da temperatura, mas sim sob a perspectiva de como a Terra processa as variabilidades naturais”, disse Nobre. “De uma Era Glacial até o período Interglacial, a temperatura varia 5 a 6 graus, mas isso leva 10, 12, 20 mil anos para acontecer. Nós, em cem anos, aumentamos a temperatura quase 1 grau. Isso significa que nós aceleramos a máquina climática em 50 vezes. O que faz a diferença não é tanto o valor de temperatura, mas o fato de estarmos acelerando a velocidade. E isso faz toda a diferença. Para se adaptar a essa velocidade, o sistema terrestre vai perder muita coisa e a grande questão que se coloca é se, ao perder funcionalidade, ele também perderá condição de sustentar a vida no longo prazo”, explicou. “Associado ao aumento de temperatura, há o aumento do nível do mar. O ar mais quente derrete as geleiras, a água corre para o mar e eleva o nível dos oceanos. E a água mais quente também ocupa um espaço maior nos oceanos, pois sua densidade fica menor.” Adaptação às mudanças Nobre expôs os cenários do clima no futuro traçados pelo IPCC. “Se nós estabilizarmos a concentração dos gases, como o CO2, por exemplo, na faixa de 600 partes por milhão, vai aquecer 1,8 grau no século XXI e vai aquecer mais meio grau até o século XXIII. O nível do mar vai subir até o ano 3000. Isso seria um cenário. Para estabilizar nessa concentração, nós temos um trabalho muito grande a fazer. Mas se a gente não fizer nada, aí pode subir 3,4 graus neste século e continuar a subir sem parar”, afirmou Nobre, lembrando que os países precisam preparar-se para tais mudanças. “Só se fala em reduzir as emissões. Os países desenvolvidos querem envolver todos na redução das emissões e nós, de certa forma, copiamos essa agenda. Eles estão preocupados com a adaptação, mas não com a nossa adaptação. A irreversibilidade das mudanças climáticas traz a responsabilidade de se adaptar”, afirmou ele, que mostrou exemplos de países que já se preparam. “A Holanda já gasta milhões de euros por ano na pré-preparação para o aumento do nível do mar. Os Estados Unidos gastam uma quantidade que ninguém nem fica sabendo em preparação. Só a baía de São Francisco tem um plano enorme para se adaptar ao aumento do nível do mar, que vai modificar muita coisa naquela baía, região extremamente importante dos Estados Unidos. Eles calculam que os custos de adaptação da baía nos próximos 50 anos passem de US$ 1 trilhão. A gente quase não ouve falar de adaptação no Brasil”, disse. O climatologista enumerou efeitos já visíveis do aquecimento. “O planeta mais quente tem mais energia na atmosfera. Os ventos e as chuvas são mais fortes. O mundo está ficando tropicalizado. Com isso, eventos extremos que eram raros começaram a aparecer com certa freqüência nos últimos 3 anos. Aumentaram o número e a intensidade de furacões registrados no Caribe. Houve enchentes na Venezuela e na Argentina que nunca tinham acontecido. Houve uma seca sem precedentes no oeste da Amazônia. O primeiro furacão observado no Atlântico Sul atingiu o Brasil em 2004. Houve tempestades de granizo em Buenos Aires e em La Paz que nunca tinham sido registradas. São exemplos do que já está acontecendo e vai se intensificar”, disse. Embora a China tenha ultrapassado em 2006 os Estados Unidos e alcançado a liderança das emissões de gás carbônico, Nobre lembrou que é injusto atribuir o papel de vilão ao gigante asiático. “Não vamos culpar a China, porque a maneira talvez mais justa de olhar essa questão é analisar a emissão per capita, emissão por habitante. Quando a gente olha a emissão per capita, vemos que os Estados Unidos emitem 5,5 toneladas de carbono por habitante por ano. Os países europeus, que têm um nível de vida normalmente melhor que o dos Estados Unidos, emitem 3 toneladas/ano por habitante. Eles mostram que você não precisa gastar tanta energia e emitir tanto para viver bem. Os Estados Unidos têm muita gordura, têm muito desperdício, é um país perdulário na energia. Os veículos americanos são ineficientes até hoje. Se os Estados Unidos fizessem uma frota tão eficiente quanto a da China, que não é a mais eficiente do mundo, eles já diminuiriam em 10% a emissão de CO2. Mas as instituições e as pessoas não querem mudar o seu padrão de vida muito consumista. É assim no mundo todo, e nos Estados Unidos em particular”, disse Nobre. Reconhecimento Ainda que o modelo norte-americano inspire muitos países, Nobre observou que há fissuras no pensamento hegemônico. Citou um recente discurso de George W. Bush sobre o aquecimento global em que o presidente, embora tenha se oposto à adesão dos Estados Unidos ao Protocolo de Kyoto ao longo de todo o seu mandato, engrossou o coro em favor da redução de emissões de gases causadores de efeito estufa e disse acreditar que os avanços da tecnologia ajudarão a proteger o ambiente. “Já é o primeiro reconhecimento, mas ainda num caminho ilusoriamente fácil. Ele insiste que é possível reduzir os gases do efeito estufa, mas sem diminuir o crescimento econômico ou restringir a prosperidade. A palavra prosperidade tem vários sentidos. No século XX, prosperidade e consumismo são termos que não se dissociam, ainda que a etimologia da palavra prosperidade não seja necessariamente negativa”, afirmou o pesquisador. Para ele, mais significativo do que o discurso de Bush foi a inclusão do urso-polar na lista dos animais ameaçados de extinção pelo serviço de proteção à vida selvagem do governo americano. “Simbolicamente isso reflete que os Estados Unidos finalmente se dobraram às evidências da ciência. Colocar o urso-polar na lista de animais seriamente ameaçados de extinção é admitir que não vai mais ter gelo em cima do oceano Ártico daqui a 30, 40 ou 50 anos ao final da estação do verão. Isso significa de fato o fim do urso-polar no seu habitat natural. Ele não é um peixe. Ele vive em cima dos icebergs. Mergulha, caça e volta. O urso-polar vai existir nos zoológicos, mas não mais na natureza. Quando forem escritos livros sobre a nossa época, tenho certeza de que esse fato vai ser mais lembrado do que a frase do presidente Bush.” O grande dilema, lembra Nobre, é reduzir o exagerado padrão de consumo sem mergulhar o mundo numa grande depressão econômica. Citando a máxima de Mahatma Gandhi, segundo a qual a Terra tem os recursos para manter bilhões de pessoas em plena satisfação e felicidade, mas não tem os recursos que mantenham a ganância, o climatologista disse: “Eu traduzo a ganância para uma palavra mais moderna chamada consumismo. Na geração dos meus pais, ter o segundo carro na garagem era uma prova inconteste do progresso. Precisava do segundo carro na garagem? Não, mas aquilo era um valor cultural e a nossa geração cresceu com esse valor. O consumismo é consumir mais do que nós necessitamos para a plena realização humana. E nós consumimos muito mais. Se hoje todos nós decidíssemos parar o consumismo amanhã, haveria uma crise econômica maior do que a de 1929”. Nobre alertou que, no longo prazo, não existe saída além de mudar o padrão de consumo. “É impossível mudar essas coisas de um dia para o outro, mas isso tem que ser mudado. O planeta não tem recursos naturais para manter o consumo de energia, o consumo de alimento, o consumo de proteína animal que a classe média brasileira ou que os Estados Unidos ou a Europa Ocidental têm. Se os chineses pobres, se os indianos e se todos os pobres do mundo quiserem chegar até a metade desse nível, então teremos que mudar profundamente nossas expectativas sobre o futuro da humanidade”, afirmou. A China, observou Nobre, ainda tem 500 milhões de pobres nas áreas rurais. A Índia tem 800 milhões de pobres, o Brasil, 100 milhões, a África do Sul, 40 milhões, o México, 50 milhões. “Ao todo há 2,5 bilhões de pobres no planeta”, afirmou o pesquisador. “A grande questão é como elevar o padrão de vida desses pobres sem aumentar o consumo de energia. Ninguém sabe. Precisa aumentar o consumo de energia para os níveis dos Estados Unidos? Não. Temos que ser criativos, mas é difícil imaginar os países pobres tirando as pessoas da pobreza e mantendo os velhos níveis de emissão. Esse é o grande dilema. As emissões estão aumentando porque não há soluções simples”, disse Nobre. Nem a perspectiva de que o petróleo se esgote traz um alento para reduzir a concentração de gás carbônico. “Tem carvão para elevar a concentração acima de 1.500 até 2.000 partes por milhão. O problema não será resolvido pela exaustão dos combustíveis fósseis, mas pela substituição dos combustíveis fósseis por formas renováveis, que hoje são muito caras para os países em desenvolvimento. Como vai haver um grande acordo em que os países em desenvolvimento vão ser ajudados a transformar? Como convencer a China a parar de usar o carvão que ela tem em abundância? Essas questões permanecem em aberto e a gente não está avançando, tanto é que as emissões estão crescendo. Poderemos, se não houver ação, cruzar um desses limites críticos, o que vai causar uma grande perturbação do sistema climático, e até mesmo da sustentabilidade futura da vida”, disse. Respondendo a perguntas da platéia, Nobre comentou o avanço da multidisciplinaridade na ciência, com destaque para a pesquisa na área ambiental. “Quando fiz minha tese de doutorado, fiquei 2 anos fazendo um cálculo no computador. Isso foi de 1977 a 1982. Um aluno meu de doutorado hoje faz exatamente o mesmo cálculo, ou seja, obtém o mesmo resultado científico em uma tarde usando um supercomputador. O cientista não precisa ficar fazendo tudo como antigamente. Essa mudança da eficácia da geração do novo conhecimento está liberando o cientista disciplinar para se interessar em ligar as coisas. O fato de não precisar ficar o tempo todo no laboratório liberta o cientista para aprender mais de uma disciplina. Eu treino alunos de doutorado nas áreas que domino bastante, mas também quero que eles sejam treinados também em biologia, em química e um pouco de ciências sociais.” Outra mudança, segundo Nobre, é que os cientistas se movem cada vez mais em função de grandes problemas da sociedade. “Não que o cientista tenha virado um ser político, mas começa a responder a grandes questões sociais e essas questões, por definição, são complexas e exigem a abordagem interdisciplinar e transdisciplinar”, afirmou. O momento, ele diz, é positivo, mas requer cuidados. “Se o cientista não ficar alerta, pode acabar se tornando um instrumento dócil, ingênuo e manipulado pela classe política. Nós temos visto o que o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, tem feito com alguns cientistas. Ele os trouxe à sua esfera de influência e hoje utiliza esses cientistas para legitimar um modelo absolutamente insustentável de desenvolvimento, de desmatamento da Amazônia. É um aprendizado. Pode ser uma visão um pouco otimista demais, mas eu acho que, no balanço geral, a ciência está ganhando. A ciência está conseguindo se colocar com muito mais força nas grandes decisões e o IPCC é o melhor exemplo disso.”
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Muniz Sodré Especialista em comunicação pensa que a mídia se constitui como esfera existencial regida pela economia monetária Gonçalo Junior Julho 2008 As formas de se comunicar sofreram, nas duas últimas décadas, uma revolução intensa e transformadora e seu impacto na vida das pessoas pode ser até maior do que o acontecido ao longo do século XX, período em que foram difundidas novas formas de comunicação de massa como telefone, cinema, rádio, histórias em quadrinhos e TV. É a era digital, cuja impressionante velocidade e difusão de informação e conhecimento parece confundir a cabeça daqueles que estudam a comunicação. Aos poucos, no entanto, desenvolveram-se estudos, teses e teorias que tentam explicar o que está se passando. “Estamos num período realmente de rompimento, de pensar reflexivamente a comunicação, mas um belo momento dos estudos dessa área no Brasil”, avalia Muniz Sodré, um dos grandes pensadores contemporâneos da comunicação no Brasil, presidente da Biblioteca Nacional e professor titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A mídia se constitui, explica, numa nova forma de vida, um novo bios. “E, como esfera existencial, ela é inteiramente regida pela economia monetária”, afirma. Sodré falou sobre isso e outros temas da vida virtual que emerge das relações que os meios de comunicação estabelecem no espaço social na palestra organizada pela revista Pesquisa Fapesp para a exposição Revolução genômica, em São Paulo. Nos últimos anos, sua preocupação maior tem sido estabelecer a mídia não como transmissor de informação, mas como ambiência, uma forma de vida, segundo suas próprias palavras. “Mídia como o que Aristóteles chama de bios, isto é, a cidade investida politicamente. É a sociabilidade da polis. Não é carne o que chamamos de biológico hoje”, acrescenta. Aristóteles falava de três bios: do conhecimento, do prazer e da política. “Eu descrevo a mídia como o quarto bios, que é o midiático, virtual, da vida como espectro, da vida como quase presença das coisas. É real, tudo que se passa ali é real, mas não da mesma ordem da realidade das coisas.” Em Antropológica do espelho (Vozes, 2002), Sodré detalha esse estudo. O pesquisador observa que a informação, hoje, é espectro, representação, fantasma, palavra e discurso, o que faz da realidade da mídia algo essencialmente discursivo. “Entramos em um momento da história em que a esfera civilizacional que circunda o homem é espectral. Não é substancial, de toque. É feita do impalpável, de ausência/presença de luz, seja circuito fechado/circuito aberto, seja o pingo no papel, a imagem no cinema ou na fotografia.” Tudo é cada vez menos substancial e mais visual – cabeça e olho. “Ora, essa realidade, para mim, é outra forma de vida, é um outro bios. Se entendemos a mídia como ambiência, environment, um mundo em que cerca esse mundo, mudamos inteiramente o foco da análise.” Segundo ele, todas as concepções antigas de jornalismo e da mídia como transmissão de informação – para educar, instruir – não têm mais sentido e não mais definem mídia no meio de comunicação. “É preciso, inicialmente, considerar que, mesmo pertencendo a um bios específico, a TV não é um ator social isolado, está sempre inserida em contextualizações de ordem socio-histórica.” Colocada dentro de uma tradição sociocultural patrimonialista como a brasileira, a televisão, apesar do transnacionalismo de sua forma, produz efeitos específicos e regionais. Enfim, no bios virtual, o objeto predomina sobre o sujeito. A transformação de um objeto em imagem, enquanto isso, implica a negação de dimensões materiais – relevo, peso, cheiro etc. Mas também isso é o que interessa como estudo – o tempo e o sentido, que reduzem a duas, as três dimensões do Universo. Sodré refere-se a Baudrillard, que falava do preço da “desencarnação” que a imagem ganha com essa potência de fascinação e se torna medium – que ele chama da “objetualidade pura”. Para o francês, a imagem se tornaria transparente a uma forma de sedução mais sutil do que essa sedução da forma. “Ora, a mídia hoje não se define como um puro dispositivo técnico, embora o suporte técnico seja necessário. Não é também uma forma fechada em torno de uma gramática expressiva. É um conceito maior do que a definição de televisão, rádio, jornal, internet.” O medium seria propriamente o conceito dessas formas e também do desdobramento tecnológico da cidade humana. Significa que a mídia é uma espécie de prótese odontológica para o controle das relações sociais e o controle das novas subjetividades por tecnologias informacionais. É preciso ressaltar, prossegue, que a manifestação mais evidente da virtualidade é o bios midiático, dentro do conceito aristotélico de bios como a esfera existencial da vida ético-social, distinta da natural – a vida crua em que se insere a revolução genômica e onde se mapeia o genoma. “É uma intervenção da tecnologia e no limite controle da vida nua e da vida crua. Ao lado dos bios tradicionais emerge essa nova forma de vida, dos fluxos digitalizados e redes artificiais definindo por uma materialidade leve ou mesmo pela imaterialidade dos circuitos eletrônicos.” Afetivas A partir de uma realidade sistêmica que foi ponto de partida e ponto de chegada das análises de Habermas, nasce essa verdadeira forma de vida que é o bios virtual. A ponta desse iceberg é o bios midiático, espécie de comunidade afetiva, de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social. É esse o objeto dessa nova ciência social chamada comunicação para Sodré. “Não há nada de intrigante aí em termos de civilização. Essa realidade que chamo de bios midiá­tico só é possível porque as imagens já estão inscritas na própria cultura, na mediação do sujeito consigo mesmo.” Assim, o novo bios seria só uma nova exacerbação do processo, uma forma de vida que torna socialmente relevante quem intervém nas relações espaço-temporais e percebe o mundo por essas relações espaço-temporais e age sobre o mundo a partir do tempo e do espaço. Como conseqüência, o indivíduo e o mundo se relacionam efetivamente por meio do tempo e do espaço, que é a base de toda comunicação concreta, que são os quadros de percepção mutáveis e as formas modificáveis, segundo as variações da história e da cultura. O bios midiático aparece como uma transformação técnica do espaço-tempo adequado às novas estruturas e às novas configurações da vida social. “É uma maneira, digamos, mais sociológica. O bios virtual de que nós estamos falando é mais de que o conjunto de atribuições e de competências técnico-profissionais de um grupo, de um campo, porque é uma forma de vida duplicada, que engloba o profissional em público e estala um novo tipo de relacionamento com o real, um novo tipo de relacionamento com a história.” A nova forma de vida identificada por Muniz Sodré implica a intervenção profunda na dimensão espaço-temporal clássica. “Se retirarmos daquilo que chamamos de real o espaço e o tempo, temos o virtual, que é o real menos o espaço e o tempo. Ora, o bios virtual não está alinhado de modo neutro ao lado dos campos sociais. Por quê? Porque ele participa ativamente hoje da luta pelo controle das representações do real.” O comunicólogo explica que o bios virtual afeta ontologicamente a própria idéia moderna do social e do exercício do poder. Isso pode ser observado na própria academia, nas próprias pesquisas em comunicação. “Quando se desconfia um pouco das utopias de felicidade difundidas pela internet ou pela cibercultura e se diz que podem não ser a solução para o relacionamento humano, imediatamente se é acusado de reacionarismo. Há novas utopias ligadas à cibercultura e toda a normatização social traz os seus detratores e seus utopistas. Qual a razão disso? “Porque há alguma coisa de visceral, de fundo surgindo dessa intervenção no tempo e no espaço, junto com outras interferências que a ciência vai fazer na vida nua dos indivíduos. Aqui há intervenção na comunidade, na vida comunitária, com a revolução genômica, com a ciência, intervenção no corpo, na reprodução, no indivíduo mesmo em sua reprodução. Para além desse viés sociológico, vários autores apontam para a mesma idéia. Fala-se da telecracia (poder das teles), da cibercracia (sociedade de controle), em Deleuze, telerrealidade etc. “Bourdieu se refere à telemorfose para se referir à vida plasmada, à vida idealizada, o que ele chama de grau zero de significância da televisão. Mas destôo um pouco dele. Não acho que se trata de arrolar os efeitos catastróficos da televisão (que é o principal meio síntese imagem do século passado) sobre a realidade tradicional. Acho que se trata agora de identificar uma nova forma de vida, para cuja construção concorrem transformações importantes de toda uma estrutura social básica.” Transparente Para Sodré, não se trata mais de tornar as coisas visíveis a um olho externo, a um olho exterior, mas de tornar as coisas transparentes a si mesmas. “A potência de controle é como que internalizada e os homens não são mais vítimas das imagens. Eles mesmos se transformam em imagens. Uma telemorfose integral da sociedade, portanto, não deve ser compreendida como um efeito específico de programação de televisão, mas é um evento da midiatização, da articulação exponencial, das tradicionais instituições sociais, com o conjunto da tecnologia da informação a reboque do mercado.” Em outros termos, trata-se de uma associação estreita entre práticas sociais e espaço público, ativada por processos tecnológicos da comunicação. Não há, garante o pesquisador, nenhum problema nisso. “Há sim uma mutação, tão-somente uma mutação. É, assim, uma totalidade espacial, virtualizada, que eu chamaria um fato social total.” Sodré toma emprestada uma expressão de Marcel Mauss para designar fato social total como um acontecimento que permeia as instâncias econômicas, políticas, culturais da sociedade. “A informação hoje permeia todas essas instâncias, está na economia, na política, na cultura, mas com uma duração continuada com uma forma de vida. É por isso que eu falo em bios, que é característico de um novo tipo de ordem social em que a designação de sociedade controle pode ser adequada.” Quando se pensa nesse bios como parte das estratégias de indução, de um dispositivo técnico de controle da vida nua, da vida natural, como parte dessa estratégia de indução, de certo modo se aceita. “Estamos preparados pelo bios virtual para aceitar a virtualização da vida pela ciência. Trata-se de um novo tipo de operador social, mais temporal do que espacial, movido à tecnologia avançada.” Sodré compara o bios midiático a uma espécie de clave virtual aplicada à vida cotidiana, à existência real e histórica do indivíduo. Em termos de puro livre-arbítrio, exemplifica ele, pode-se entrar e sair dele, pois não se está absolutamente dominado. “Mas, nas condições civilizatórias em que vivemos (urbanização intensiva, relações sociomercadológicas), onde há um predomínio do valor da troca capitalista, estamos imersos nessa virtualidade midiática e isso nos dá uma forma de vida vicária, que quer substituir Deus.” Ou seja, tem-se uma forma de vida substitutiva, paralela, virtual, alterada. “Vivemos uma vida alterada pela intensificação da tecnologia audiovisual conjugada ao mercado e é isso que faz do bios midiático a indistinção entre tele e realidade no sentido tradicional.” É isso que explicaria, por exemplo, o comportamento de entrevistados como os do livro de Sherry Turkle sobre a vida na tela. Psicanalista que investiga a televisão e a internet, Sherry entrevista um homem que vive totalmente conectado à internet e descobre que, para ele, a vida real é apenas “uma janela a mais na internet.” Realmente, afirma Sodré, é possível que, para o adolescente, uma criança hoje que passa o dia grudado na internet a vida real se torne apenas uma janela a mais. Por outro lado, a vida virtual que ele leva já é plenamente real. “É isso que está permitindo às pessoas namorarem pela internet, mas não namorar trocando cartas, namorar realmente. Na virtualização é possível, em determinadas circunstâncias, substituir a vida nua e crua.” Tal idéia faz do bios midiático a indistinção entre tele e realidade. “A realidade de hoje se constitui sob a égide da integralidade espetacularizada ou sob essa realidade imagística a que o real aspira e o real quer. Portanto, trata-se de uma inflexão exacerbada do imaginário, que como Deleuze disse, não é o irreal, mas a indiscernibilidade entre o real e o irreal.” Não é que nada disso seja mentira ou, se for, vivemos em um mundo irreal, porém cada vez mais difícil se fazer a distinção que antes havia com muita clareza entre o que é real e irreal. Nesse contexto, esse bios não se define como a soma de todas as imagens tecnicamente produzidas. Assim como na ordem mítica, o mito é o poder dos símbolos primordiais e dos arquétipos, o bios midiático é o poder desses modelos, que se atualizam e se concretizam em determinados tipos de imagem. As imagens midiáticas que regem as relações sociais vêm dos modelos hegemônicos do capital e do mercado globais. O espetáculo de hoje em que todos estão imersos resulta de uma sobredeterminação histórica da imagem. “A espetacularização é, na prática, a vida transformada em sensação, em entretenimento com a economia poderosa voltada para produção e consumo de filmes, programas de televisão, música popular, moda, parques temáticos, jogos eletrônicos, efeitos de fascinação, celebridade e emoção a todo custo. Tudo isso permeia sistematicamente essa forma de vida.” Esse modelo em que a estesia detém a primazia sobre velhos valores de natureza ética é algo em ascensão. “O fenômeno estético se tornou hoje insumo para estimulação da vida, que está, de agora em diante, dirigida para a indústria e para o mercado. Isso é mais esthesis do que ethos. Embora se possa falar do ethos, da estética, você pode tratar de uma inteligibilidade sensível, capaz de levar uma ética, uma arquitetura social de valores.” Essa absorção faz pensar que há um vínculo não exatamente disciplinar científico entre o mapea­mento do genoma, o bios social e o bios midiático porque é essa absorção de dígitos, de imagens e de realidade paralela que leva o indivíduo a viver virtualmente no espaço imaterial das redes de informação. “A isso chamamos de bios midiático, onde o contato é mais do que simplesmente visual, é tátil como interação dos sentidos, a partir de imagens de simulação do mundo.” Sodré explica que vem do tátil a sensação de que se está ocupando um ponto qualquer do mundo em uma ambiência ou em uma paisagem feita de matéria audiovisual, de compreensão numérica em alta velocidade, que é o caso da internet. “Essa é a idéia que Kerckhove trouxe da existência, em vez da perspectiva, o que permitiria ao individuo encontrar uma posição física e meio sentidos que são tecnologicamente prolongados.” É textual se dizer que a sensação física de estar em algum lado é uma experiência tátil, não algo visual, frontal ou exclusivo. É, sim, ambiental, compreensiva. “O ponto de existência em vez de distanciar da realidade, como acontece com o ponto de vista, torna-se o ponto de partida do mundo.” Para ele, é algo perigoso porque não se tem ponto de vista, uma crítica. “Se eu só tenho ponto de existência, estou tão imerso que Deleuze tem razão quando diz que o controle é total nesse caso. Dessa maneira, quando levamos em consideração toda uma forma de vida virtual e não a gramática exclusiva de um meio de comunicação separado, a experiência sensorial do indivíduo, do espectador, ultrapassa a das expressões externas do corpo de alguém que fala, faz manejo de cabeça, sorrisos ou movimentos. “Acontece porque hoje não podemos ser instituídos como simples espectadores. Somos, sim, membros orgânicos de uma ambiência que deixa de funcionar na escala tradicional do corpo humano para se adequar existencialmente. É essa a idéia do ponto de existência, pelo êxtase ou pelo deslumbramento à imersão. Nos adequamos à escala de um sistema neural que é a interconexão dos multidispositivos de representação, que damos o nome precário de mídia.” Índices Nesse sistema, explica Sodré, a corporeidade como tal desaparece e fica em segundo plano, em um sentido físico, real, ela fica em segun­do plano. O corpo e a corporeidade são substituídos por seus índices. Estes favorecem as formas não representativas que introduzem a todos em um novo tipo de sensibilidade individual e de sensibilidade coletiva. “Isso nos leva a ficar sob a égide de um paradigma cultural. É algo mais indicial do que cognitivo e sígnico.” A televisão, para ele, é indicial, pois dá um índice que vai levar o espectador a sensações, a sentimentos. “As palavras estão nesse contexto também, claro, mas são muito ocas, vazias.” O comunicólogo afirma que o Brasil vive um momento, inclusive no jornalismo, em que as palavras são cada vez mais ocas, já que o jornalismo é indicial e o índice, diferente do signo. A palavra com signo é plena, é cheia. Quando diz a palavra “mesa” ou “cultura”, Sodré se refere a signos plenos, que têm um significado na língua. “Enquanto o índice me aproxima fisicamente, existencialmente de uma significação, como quando vejo uma fumaça e sei que ali tem fogo. A fumaça não significa fogo. Não é a significação que está ali, é um índice que me aproxima existencialmente do fogo. É esse tipo de categoria semi-ótica, a categoria indicial, que predomina hoje no conteúdo da mídia e que no fundo dá a chave para a indução que a mídia exerce sobre nós, que nos induz a um afeto.” Muniz Sodré não vê com olhos pessimistas a mídia. O afeto, observa, não é necessariamente bom. “A raiva e o ódio são um afeto. A mídia neutraliza também as velhas tensões comunitárias afetivamente. Mas o modo de se acercar de nós é pela emoção, pela sensação, que diz respeito a entretenimento, a espetáculo e também ao próprio conhecimento que os bytes e os dígitos nos dão.” O bios midiático, a intervenção da tecnologia do ver e da tecnologia do sentir na vida nua e crua dos indivíduos, tudo isso obriga o intelectual, o professor, a mãe e o pai a repensarem a forma de vida em que estamos ingressando como algo não afetado por gracinhas tecnológicas que se acumulam. Ao menos quando se usa a técnica. “É preciso pensar na radicalização desse uso e ter, de algum modo, coração técnico para ampliar esse uso.” Esse coração técnico não é ruim. “Está na hora de pensarmos radicalmente, com coração, nesse novo modo de compreensão do mundo que se insinua agora junto com o mapeamento do genoma e com o bios virtual, o bios midiático.” Pode ser que num futuro próximo esse mundo, que Muniz Sodré percebe tão claramente e de forma entusiasmada, se torne cada vez mais perceptível e admirável.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Apresentação Promessa cumprida Luiz Henrique Lopes dos Santos Um chinês radicado nos Estados Unidos ajuda a entender, com base genética, como chimpanzés, orangotangos e outros grandes primatas se diferenciaram da espécie humana. Um médico brasileiro mostra as promissoras experiências com células-tronco para regenerar lesões cardíacas. Uma especialista em biologia vegetal norte-americana fala como a genômica pode mudar as abordagens da ciência e detalha o trabalho em torno do seqüenciamento do arroz. Um antropólogo cubano naturalizado americano defende como saída para problemas ambientais a interação entre pesquisadores das ciências naturais e sociais. E, por fim, uma geneticista brasileira debate com uma jornalista a visão da mídia sobre o uso de células-tronco embrionárias para pesquisa. Traduzindo em nomes, Wen-Hsiung Li, José Eduardo Krieger, Robin Buell, Emilio Moran, Mayana Zatz e Cristiane Segatto participaram da última rodada da programação paralela dentro da exposição Revolução genômica, encerrada em São Paulo em julho. Ao examinar os nomes acima e suas especialidades, Pesquisa FAPESP crê ter cumprido o prometido no primeiro encarte, em abril deste ano (edição 146): ``... o que vamos procurar pôr em cena é a palavra dos respeitados cientistas, dos pesquisadores ligados a múltiplas áreas e dos variados especialistas (...). Palavra de quem tem algo significativo a dizer quando o que está em questão são as fronteiras do conhecimento e o lugar da ciência e da tecnologia na construção das culturas e das sociedades nas quais já estamos imersos ou que estamos projetando para um lugar chamado futuro''. No total, falaram na programação paralela 31 palestrantes, entre pesquisadores, curadores e jornalistas. Destes, 10 cientistas vieram do exterior. Nem todos falaram apenas sobre o impacto da genética e da genômica na ciência e na vida cotidiana. Alguns miraram temas igualmente importantes e atuais, como as mudanças climáticas, os desafios da divulgação da ciência e as relações entre neurociência e psicanálise. Um evento desse porte tem que vencer percalços, e o ciclo de palestras não foi exceção. O último palestrante estrangeiro não conseguiu chegar a tempo e optou por adiar, em vez de cancelar. A palestra do geneticista norte-americano Michael Lynch, sobre a complexidade de organismos e genomas, não acontece a tempo de integrar este suplemento especial, mas será trazida ao leitor em oportunidade próxima. Algumas palestras atraíram mais público do que outras, mas, acima do número de pessoas, festejamos a diversidade dos que compareceram. A programação cultural serviu como um ponto de encontro para pesquisadores e uma convergência entre especialistas e interessados. A exposição recebeu cerca de 150 mil pessoas no período em que ficou em São Paulo, de 29 de fevereiro a 13 de julho, e agora visitará outros estados.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Wen-Hsiung Li Geneticista explica como macacos e seres humanos seguiram caminhos evolutivos diferentes Carlos Fioravanti Agosto 2008 Normalmente a evolução é vista por fora, considerando prioritariamente a aparência e a forma dos animais. O chinês Wen-Hsiung Li prefere olhar por dentro e buscar os artifícios genéticos que favoreceram (ou atrapalharam) a diferenciação de espécies, em especial a humana. Desse modo, carrega para a biologia o conhecimento que acumulou ao longo de uma peculiar trajetória acadêmica, que começou em Taiwan, onde ele nasceu em 1942, com um curso de engenharia e mestrado em geofísica, e prosseguiu nos Estados Unidos com doutorado em matemática aplicada à genética. Desde 1998 na Universidade de Chicago, Li ajudou a criar os métodos de análise estatística que ajudam a entender, com base na genética, como chimpanzés, orangotangos e outros grandes primatas seguiram caminhos diferentes dos da espécie humana, mesmo com uma carga genética muito semelhante. Foi Li quem mostrou que o relógio molecular – a taxa de transformação da molécula de DNA – não era tão constante ao longo do tempo, mas poderia variar com o tempo de vida de uma espécie: anda mais devagar na espécie humana e mais rápido entre os camundongos, por exemplo. “Graças aos avanços da biologia molecular, da genética e de genômica”, comentou Li na palestra do dia 12 de julho no Ibirapuera, “podemos ter uma compreensão razoavelmente boa da evolução humana”. Melhor ainda, segundo ele, é que podemos ver nossa história com menos preconceitos: “Os primeiros europeus a chegarem à África viram os africanos, que tinham outra cor, e os consideraram indivíduos de outra espécie. Achavam que não seria possível o acasalamento, mas os humanos não se diferem tanto assim uns dos outros”. Ele próprio reconheceu que evidentemente ainda há muitos mistérios a serem resolvidos, como o fato de muitos primatas andarem tocando o solo com as quatro mãos, enquanto o ser humano consegue andar ereto; a evolução da inteligência ainda é outro conjunto de perguntas à espera de boas respostas. Li abriu a palestra intitulada “Uma visão genômica da evolução humana” com uma rápida revisão dos conceitos básicos de DNA, RNA e gene. Antes de deixar a platéia pensar que havia começado uma aula tediosa, mostrou sua habilidade em fazer rir ao mostrar uma cena de um chimpanzé acenando ao lado do atual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, também acenando. “Eles parecem muito diferentes porque seus genomas são diferentes”, acentuou. Mas, exatamente, quão diferentes? Não muito, considerando que a evolução é um acúmulo de mudanças genéticas ao longo do tempo. “Sem alterações genéticas, não há evolução”, afirmou, lembrando que as pessoas naturais de Taiwan que nasceram antes ou logo depois da Segunda Guerra Mundial, por não terem sido bem nutridas, têm baixa estatura. Já as que nasceram depois da guerra se alimentaram adequadamente e crescem mais. Uma geração é mais alta que a outra não em razão da evolução, porque as pessoas que nascerem em Taiwan serão novamente baixas se houver outra vez limitação de alimentos. Em seguida Li tratou do dar­winismo, um conjunto de idéias fundamentais para a biologia. De acordo com o darwinismo, a evolução dos seres vivos resulta da seleção natural, segundo a qual sobrevivem principalmente os indivíduos mais bem adaptados ao ambiente. As diferenças entre as espécies, ressaltou, são uma conseqüência da seleção natural, de modo que todas as espécies têm uma origem comum. “É difícil aceitar essa idéia de que chimpanzés, macacos e nós temos um ancestral comum”, observou. “Por esse motivo, Darwin chegou a ser ridicularizado. Esse aspecto do darwinismo é o mais polêmico. Atualmente, entretanto, acredito que já se aceitou completamente a idéia de que todos os primatas, incluindo todos os humanos, têm a mesma origem.” Para mostrar de onde vieram essas duas espécies, Li expôs sucessivas árvores genealógicas apresentando relações mais próximas ou mais distantes entre as famílias – a categoria mais abrangente na classificação de animais e plantas – de quatro espécies de grandes primatas (orangotango, gorila, chimpanzé e bonobo) e da espécie humana. As seqüências de DNA, ele lembrou, são ótimas para tentar descobrir quando surgiu cada uma dessas espécies: a simples troca de uma seqüência pode levar a espécies diferentes, que podem ou não cruzar entre si, dependendo da semelhança genética. Como ele mostrou em seguida, o genoma humano difere apenas 1,2% do genoma do chimpanzé, 1,62% do gorila e 3,08% do orangotango. O orangotango e o gorila, com uma taxa de divergência de 3,09%, são mais distantes geneticamente entre si do que o homem e o chimpanzé. Li arrancou novamente risadas ao mostrar um chimpanzé e Bush fazendo caretas. “Um chimpanzé pode fazer quase tudo o que os homens fazem”, comentou o geneticista. Já entre um rato e um camundongo, apesar das semelhanças, a divergência genética é muito maior: 20%. Linguagem e cor da pele Mas o que exatamente faz de um macaco um macaco e de um homem um homem? Esta pergunta inevitável leva a incertezas: as diferenças, do ponto de vista genético, poderiam resultar das seqüências de proteínas formadas a partir dos genes, os mecanismos de regulação dos genes ou ambos. A regulação dos genes, ele lembrou, determina o momento de ligar ou desligar um gene, além de controlar a quantidade desse gene e em que tecido será produzido. “Essa regulação afeta o desenvolvimento, a fisiologia e a saúde”, disse Li. Com outras árvores filogenéticas ele mostrou em seguida que o homem e os grandes primatas se separaram – ou divergiram – de um ancestral comum há pelo menos 15 milhões de anos. Uma divergência mais recente, entre 4,8 milhões e 6,4 milhões, teria feito a espécie humana e os chimpanzés tomarem caminhos biológicos próprios. A possibilidade de existir um gene para a linguagem pode ajudar a responder a essa pergunta inevitável. Trabalhando com a carga genética transmitida de uma geração a outra de uma mesma família na Irlanda, os geneticistas encontraram um gene, o FOXP2, que controla a linguagem: os portadores de versões defeituosas desse gene perderam a habilidade de falar e de se comunicar. Por outro lado, contou Li, o desenvolvimento da linguagem depende de duas versões funcionais do FOXP2. “O FOXP2 é o único gene capaz de influenciar o desenvolvimento da linguagem”, observou. Sutis diferenças em uma versão original desse gene apareceram há pelo menos 14 milhões de anos, levando os seres humanos a terem um vocabulário muito mais rico que o dos chimpanzés. “Nossa hipótese é que esse gene foi selecionado por causa da vantagem que a linguagem pode proporcionar.” Genes que determinam as diferentes tonalidades da pele e dos cabelos, como o MC1R, também foram selecionados ao longo de milhões de anos, favorecendo a migração e se mantendo à medida que poderia beneficiar a sobrevivência da espécie humana. Não é um privilégio de nossa espécie. Há cerca de 10 mil anos uma glaciação isolou em grandes poças d’água distantes entre si uma espécie de peixe, o peixe-espinho (Gasterosteus aculeatus), que a partir daí começou a se diferenciar em espécies distintas, alguns com escamas escuras, outros com escamas claras, determinadas pela expressão ou não do gene Kitlg. Os seres humanos, embora tenham seguido outros caminhos evolutivos, também carregam esse gene, mais comum entre africanos do que entre escandinavos. Ao longo de nossa evolução esse gene deve ter favorecido a migração e a produção de pigmentos que protegiam do sol intenso.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > José Eduardo Krieger Bons resultados da reparação cardíaca com células-tronco não iludem pesquisador Neldson Marcolin Agosto 2008 Pesquisas clínicas com células-tronco vêm sendo feitas em vários centros do mundo como uma esperança para resolver problemas cardíacos graves. Aprender como reconstruir músculo e vasos sangüíneos do coração utilizando essa terapia é um objetivo perseguido pelos pesquisadores porque infartos e isquemias estão entre as doenças que mais matam. Em São Paulo, José Eduardo Krieger, um especialista em novas abordagens terapêuticas para regeneração cardíaca, dirige o Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/FMUSP), um dos locais de excelência onde ocorrem algumas das pesquisas mais promissoras nesse setor. No dia 26 de junho, ele falou sobre o tema “Genômica, saúde e reparação cardíaca utilizando células-tronco” durante a agenda cultural da exposição Revolução genômica. Nos últimos oito anos Krieger tem estudado o uso de células-tronco adultas na regeneração cardíaca, mas sempre de olho na pesquisa com as células-tronco embrionárias. “Trabalhar com a segunda é fundamental para entender todo o processo. Para as pesquisas de aplicação pré-clínica em animais de experimentação e no homem usamos as adultas, das quais temos mais conhecimento e experiência”, disse. Para explicar a importância que a terapia celular poderá vir a ter, o pesquisador começou sua exposição lembrando que o Brasil gasta cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde. Os Estados Unidos despendem 15% e outros países desenvolvidos entre 6% e 12%. Apesar do gasto diferenciado, a insatisfação com os diversos sistemas de saúde é mais ou menos comum em todos eles. Para Krieger, uma das razões para isso é que dois terços do dinheiro são usados em doenças crônico-degenerativas com resultados insatisfatórios. “Estou falando das doenças prevalentes, como hipertensão arterial, câncer, doença coronária, diabetes, obesidade e outras que têm características multifatoriais”, disse. Ou seja, não é um único defeito genético que pode determinar esses males, mas vários deles, simultaneamente. Além, claro, dos fatores ambientais. Outra característica delas é o aparecimento tardio justamente na fase em que o custo para tratar é mais alto, quando o paciente precisa ser internado. Uma das formas de melhorar significativamente essa situação e, conseqüentemente, o modelo de saúde é tentar entender como as variações genéticas determinam não só as diferenças entre os indivíduos, mas também como essa variação vai fazer com que alguém seja mais ou menos suscetível a desenvolver as doenças. “Se pudéssemos saber em uma fase muito precoce da vida quais os problemas de saúde mais prováveis que uma pessoa terá, poderíamos colocá-la próxima do sistema e, assim, torná-lo mais racional”, disse. A prática dessa medicina individualizada ou preditiva é a grande meta a ser alcançada para melhorar de modo efetivo a vida das pessoas e o modelo atual de saúde. Krieger alertou que esse é só um dos conceitos do setor que deve mudar. Além da medicina preditiva, ele aposta na medicina regenerativa. Para ilustrar o conceito, o pesquisador usou o coração, sua especialidade, como exemplo. “Quando alguém tem um infarto, várias células de músculo do coração são destruídas e, ao contrário da musculatura esquelética, elas não se regeneram”, explicou. Se perder muitas células, ele deixa de funcionar. Hoje a isquemia cardíaca é tratada com medicamentos, cirurgia de revascularização (ponte de safena) e com a introdução de um cateter dentro do organismo para desobstruir o vaso sangüíneo. Mais recentemente esse cateter leva com ele um tipo de malha chamada stent, com medicamento, para manter o vaso aberto. Ainda assim, um grande número de pessoas não se beneficia desses tratamentos e é preciso novas pesquisas médicas. É aí que aparece a reparação cardíaca biológica, objeto de estudo da equipe liderada por Krieger no InCor. “Em vez de apenas desobstruirmos os vasos sangüíneos, agora sabemos que o melhor a fazer é reconstruir vasos e músculo”, disse ele. A formação de novos vasos e a substituição de células musculares ainda estão numa fase muito precoce, mas já existem estratégias de ação. Uma delas é usar as células-tronco, que Krieger chama metaforicamente de curinga, aquele mesmo dos jogos de baralho. “Já se fala há mais de 40 anos de engenharia de tecidos, mas o desenvolvimento de novos materiais junto com a possibilidade de os combinarmos com células-tronco está revolucionando essa área.” Curingas No jogo de baralho, quando o jogador não tem a carta que precisa ele pode usar um curinga genérico, que entra em qualquer lugar da canastra. Ou pode ser um curinga específico, que só entra em um determinado local. Os curingas biológicos de Krieger são as células-tronco embrionárias, que serviriam em qualquer parte da canastra, e as células-tronco adultas que só entram em alguns lugares. “Se a embrionária um dia precedeu todas as nossas células é porque ela tem a receita para fazer isso, mas para ser útil devemos saber fazê-la se diferenciar no tecido que queremos.” Ele usa outro exemplo para mostrar como funciona esse tipo de célula: ela é como um computador que tem um hardware completo. Ocorre que ele só funciona se tiver um programa que o faça trabalhar como queremos. Como se sabe que as embrionárias são um bom hardware se ainda não existe um programa conhecido que a faça funcionar? “É fácil demonstrar: seleciono uma célula-tronco embrionária do camundongo, que pode ser armazenada em temperaturas muito baixas, descongelada e cultivada novamente no laboratório e, finalmente, injetada em outro camundongo. O que ocorre é a formação de um tumor chamado teratoma”, explicou. O teratoma tem células de todo tipo, como pele, pêlo e pedaço de dente. “Essa é uma evidência direta de que uma célula-tronco embrionária, mantida em laboratório, que foi congelada e descongelada, dá origem a componentes de todas as células.” No entanto, esse conhecimento ainda é insuficiente para servir como terapia celular porque os pesquisadores estão longe de controlar todo o processo. Hoje eles sabem apenas que é possível fazer, mas não sabem como. No laboratório do InCor já se conseguiu fazer cultura de células embrionárias se diferenciar em célula cardíaca. O problema é que elas estão juntas com outros tipos de célula. Para dar certo, a diferenciação tem de ser realizada de forma controlada, caso contrário é inútil como terapia. Quando os pesquisadores conseguirem entender exatamente como essas células são programadas talvez nem seja preciso usá-las – o conhecimento adquirido com o estudo das células embrionárias poderá ser aplicado em outros tipos de célula. “Daí a importância da decisão do Supremo Tribunal Federal de reafirmar a lei que permite pesquisa com células-tronco embrionárias”, enfatizou. A equipe do InCor trabalha também com outro curinga, a célula-tronco adulta, encontrada em várias partes do organismo. A diferença é que, ao contrário da embrionária, ela só se encaixa em determinados tecidos. “Isso não é ruim se soubermos exatamente qual o problema que temos”, disse. Um desses curingas específicos são as células da medula óssea, já bem conhecidas. Há décadas os hematologistas conseguem regenerar a medula de um indivíduo que tem câncer fazendo transplante de medula. Nos últimos anos surgiram evidências de que esse conjunto de células que estão dentro dos ossos longos, como o fêmur ou a bacia, além de fazer células da corrente sangüínea também pode se diferenciar em células de músculo ou da parede de vasos. “A grande vantagem desse curinga é que por ter sido muito testado pode ganhar um uso prático mais rapidamente. Sabemos que mal ele não faz.” É por isso que a medula óssea é utilizada para pesquisa em seres humanos no mundo inteiro, incluindo InCor e outras instituições brasileiras. Pode-se também obter células indiferenciadas da musculatura esquelética e da gordura. Estas últimas já são objeto de estudo na equipe de Krieger. As células de gordura são colocadas em meio de cultura. Aí começam os problemas: como fazê-las virar músculo cardíaco e vaso sangüíneo de forma controlada? O pesquisador explicou que, quando o sangue viaja dentro dos vasos, existe uma força física que é exercida pela corrente sangüínea. Essa força de arrastamento (ou shear stress, como é chamada em inglês) funciona para mudar o calibre dos vasos e alterar sua estrutura a médio e longo prazo. “É como se mudássemos a espessura da mangueira de jardim de acordo com a água que corre por ela.” “Usando um aparelho específico conseguimos mimetizar de maneira controlada a shear stress em laboratório e reproduzir na célula o que acontece em diversos pontos da nossa circulação”, disse. O que se quer fazer é estimular a célula-tronco de gordura a virar célula cardíaca colocando-a sob condições que imitam a circulação do sangue no coração e nos vasos. “Se conseguirmos, já teremos andado meio caminho para utilizar essa célula como um agente terapêutico.” Ao fazer essa experiência viu-se que essa célula parecia não ter mudado. Há uma série de marcadores moleculares utilizados e os pesquisadores não notaram diferença depois dos testes. “Mas continuamos olhando cuidadosamente e notamos que essa célula passou a produzir duas substâncias. Uma delas é o gás óxido nítrico (NO), típico de uma célula endotelial, um dos componentes da parede do vaso”, contou. Como a célula de gordura normalmente não produz NO, ela pode não ter se transformado totalmente em endotelial, mas de alguma maneira se comportava como tal. A segunda descoberta é que ela produziu a substância VEGF (fator angiogênico), que estimula a formação de novos vasos. Ou seja, sob o mesmo estímulo dentro da máquina que simula a circulação, a célula indiferenciada passou a produzir VEGF. O próximo passo, em curso, é testar essa célula treinada em laboratório para saber se ela consegue fazer um reparo cardíaco eficiente. Para isso, os pesquisadores usam ratos, nos quais é provocado infarto. Eles são separados em três grupos. Nos primeiros ratos infartados nada é injetado; no segundo é injetada a célula sem ser submetida ao shear stress; e no terceiro é introduzida a célula submetida ao shear stress. O objetivo é ver se o último grupo reagirá melhor que os outros. “Estamos em uma fase que o conhecimento não permite fazer avaliações definitivas e dizer se um procedimento é melhor do que o outro.” Os avanços conseguidos suscitam novas dúvidas. Quando houver uma célula-tronco que funcione a contento, quantas serão necessárias para reparar músculo e vasos do coração? A injeção será dada diretamente no músculo cardíaco, via circulação periférica, ou será preciso que um cateter leve as células até dentro do ventrículo do coração? Se o indivíduo tiver um infarto, a terapia terá de ser aplicada imediatamente ou será melhor depois de alguns dias ou semanas? “Todas essas dúvidas que se referem à reparação do sistema cardiovascular valem também para o tratamento de outras doenças crônico-degenerativas.” Krieger conta uma pequena história que ajuda a explicar sua cautela quanto aos resultados. “Em 2001 saiu publicado um artigo na revista Nature que mostrou pela primeira vez que injetando células-tronco da medula óssea em um ratinho após um infarto o animal melhora”, disse. “Mas, além disso, a célula teria virado músculo e vaso.” O trabalho se tornou um dos mais conhecidos naquela época, mas três anos depois surgiram outros dois papers também na Nature sobre a mesma experiência. Os autores não contestavam o fato de o rato ter melhorado, mas a explicação dos pesquisadores para isso. Ou seja, o mecanismo de ação é que não havia sido realmente esclarecido. Dúvidas e cuidados Mesmo com todas as dúvidas e cuidados, Krieger vê razões para ser otimista. Ele deu exemplos do que sua equipe está fazendo com animais de experimentação. “Tiramos uma célula de um ratinho, uma célula de fibroblasto da pele ou do músculo, por exemplo, e a modificamos geneticamente no laboratório para que ela produza substâncias que estimulem a formação de vasos sangüíneos ou músculo. Em seguida provocamos um infarto e depois de 24 horas o animal recebe o tratamento e vive por mais quatro semanas. Ao final desse período nós analisamos se o tratamento influenciou a estrutura e função do coração”, disse. O resultado mostrou que os animais que receberam as células modificadas para produzir o fator angiogênico conseguiram estimular a formação de capilares (vasos mais simples). Além disso, a quantidade de fibrose no músculo reduziu-se, algo altamente positivo. “Esses resultados foram de certa maneira tão espetaculares que, em vez de tentar entender melhor o que havia sido feito, iniciamos a mesma experiência com um animal intermediário, o porco, que é bem mais parecido com o homem do que o rato.” Se ocorrer o mesmo sucesso, aí sim haverá empenho dobrado para entender o processo e partir para o homem. Para fazer qualquer experiência parecida no ser humano é preciso ter, pelo menos, uma probabilidade muito grande que não haverá nenhum mal em usar a terapia. É preciso que haja uma janela de oportunidade ética para poder injetar as células-tronco. Mas não qualquer uma – neste momento os pesquisadores estão limitados a célula-tronco de medula, pois é a única onde a experiência acumulada mostra que os riscos são mínimos. Restava saber quando e em quem se poderia usar. “No InCor identificamos uma oportunidade para agir. Por exemplo, uma pessoa que teve infarto não se recuperou inteiramente e deverá ser submetida à cirurgia para colocar pontes de safena. Às vezes ocorre de, por razões técnicas, não ser possível colocar todas as pontes e uma região que se beneficiaria da revascularização não será tratada. Essa é uma excelente janela de oportunidade ética”, disse. Nesse lugar do coração onde não dá para colocar a ponte os pesquisadores poderão injetar as células. O procedimento tem de ser aprovado por comitês, internos e externos. Em uma primeira experiência com o paciente nas condições requeridas, quando ele chega ao centro cirúrgico e é anestesiado, os médicos retiram 100 mililitros do conteúdo da medula, que seguem para o laboratório alguns andares acima. O objetivo é deixar a população de células da medula um pouco mais homogêneas, um procedimento feito em duas horas, durante o período em que a pessoa estava sendo operada para a colocação das pontes. “Assim que termina a cirurgia para a revascularização, o cirurgião injeta cerca de 140 milhões de células na região indicada.” Durante o acompanhamento pós-cirúrgico foram feitos diversos exames como, por exemplo, de ressonância magnética para checar a situação do coração. “Nesse caso, constatamos que os pacientes melhoraram e o efeito persistiu por 12 meses depois da cirurgia. Mas é preciso não se iludir porque nesse estudo os pacientes também receberam as pontes e a melhora era esperada. Não dá para saber se as células injetadas realmente tiveram influência ou se foi efeito das pontes.” Krieger ressaltou dois pontos importantes como saldo do trabalho feito até agora. Primeiro, que o procedimento de injetar células-tronco durante a cirurgia é seguro. Segundo, examinando cuidadosamente a região do coração que recebeu somente as células, observou-se um aumento da perfusão de sangue na região. Ainda que isso não seja uma “prova” de que a terapia funciona, é um dado encorajador. “Agora serão necessários estudos com maior número de pacientes, realizados por diferentes instituições, e de um modo que chamamos de aleatorizado e duplo-cego; ou seja, pacientes com as mesmas características serão tratados com as pontes e no local onde a ponte não pode ser colocada será injetada a célula ou não”, disse. Nem o médico que fará as avaliações nem o paciente saberão naquele momento o que foi feito. Somente ao final de 12 meses de acompanhamento é que o código será quebrado e se saberá se o tratamento com as células foi benéfico. Este estudo, patrocinado pelo Ministério da Saúde, com a participação de vários hospitais e coordenado pelo InCor, está em curso. “Será preciso muita pesquisa e paciência para ter certeza de que estamos no caminho certo.” No momento, Krieger se diz muito otimista. Mas cauteloso.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Robin Buell Bióloga da Universidade Estadual de Michigan fala da importância do genoma do arroz Marcos Pivetta Agosto 2008 A genômica mudou o modo como se faz pesquisa e o próprio entendimento do que é a biologia. Seus efeitos atuais são comparáveis aos produzidos nos anos 1940 pela descoberta da penicilina, que então mudou a medicina. “A genômica é hoje responsável pelo mesmo fenômeno, só que em todas as áreas da biologia e na agricultura”, disse a pesquisadora Robin Buell, do Departamento de Biologia Vegetal da Universidade Estadual de Michigan (EUA), em palestra realizada no dia 22 de junho. A apresentação fez parte da agenda cultural da exposição Revolução genômica, que esteve em cartaz até meados do mês de julho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Robin falou sobre o tema “Arroz: um exemplo de como a genômica pode mudar as abordagens da ciência”. A pesquisadora teve papel de destaque no trabalho do consórcio público internacional que seqüenciou em 2005 o genoma quase completo da subespécie japonica do arroz (Oryza sativa), a primeira planta cultivável a ter o seu DNA mapeado. Antes do cereal, apenas o genoma da Arabidopsis thaliana, planta modelo da biologia, tinha sido seqüenciado em sua integridade. Se o século passado viu a primeira revolução verde, que permitiu o aumento generalizado de produtividade na agricultura devido ao emprego de fertilizantes e pesticidas e à introdução de cultivares criadas pela genética clássica, o século atual vai precisar de uma segunda revolução verde, com um perfil distinto da anterior. “Isso pode ocorrer com o uso dos mesmos métodos que utilizamos no passado, mas também será necessário um novo método para atendermos à demanda de alimentos da população”, disse Robin. “Acreditamos que, na maior parte dos casos, serão introduzidas novas características nos cultivos agrícolas por meio da genômica e da biotecnologia.” Com o auxílio das modernas técnicas desenvolvidas pela biologia molecular, é possível alterar simultaneamente um número expressivo de traços de uma cultivar, como a resistência a doenças, a mudanças ambientais e níveis de produtividade. Esse processo é muito mais rápido e direcionado do que o trabalho de melhoramento genético levado a cabo de maneira clássica (sem transgenia). Com a biotecnologia, acredita a pesquisadora, será possível elevar a produtividade agrícola praticamente sem precisar aumentar as terras destinadas ao cultivo de grãos, hoje escassas em praticamente todo o mundo. Segundo Robin, a genômica tem a capacidade de causar um grande impacto na agricultura porque permite observar o “projeto arquitetônico” da construção e do funcionamento de uma célula, de um organismo ou até mesmo de um órgão. “Dessa forma, conseguimos informações que explicam como a célula foi construída, o que ela faz em resposta ao ambiente ou a patógenos”, afirmou. “Conseguimos entender como as células funcionam, de modo que podemos tomar decisões inteligentes e fazê-las funcionar melhor.” A pesquisadora também disse que a genômica permitiu passar do estudo de um gene isolado para o de vários genes (centenas, dezenas ou milhares deles) ao mesmo tempo. “Essa foi a maior mudança de paradigma que tivemos. Isso ocorreu somente nos últimos dez anos, e tudo foi muito rápido”, comentou. DNA menor Membro da família das Poaceae, as populares gramíneas, o arroz, ao lado do trigo e do milho, figura entre os cereais mais cultivados do mundo, de importância inquestionável para alimentação. Metade da população do planeta consome arroz diariamente, em especial na Ásia. Mas essa não foi a única razão que o levou a ser a primeira cultura agrícola a ter o genoma completamente seqüenciado. Pesou também um motivo prático: seu DNA é bem menor do que o dos outros cereais. Essa característica, explicou Robin, foi decisiva, já que o custo do trabalho de seqüenciamento é diretamente proporcional ao tamanho do genoma. Como o estudo do DNA de plantas não costuma obter o mesmo nível de financiamento que os trabalhos com o genoma humano, é preciso ser seletivo na hora de montar um projeto de pesquisa. Com 430 milhões de pares de bases (as letras químicas que formam o código genético), o genoma do arroz tem menos de um quinto do tamanho (17%) do genoma do milho e é 40 vezes menor que o do trigo. Confrontado com o genoma da Arabidopsis, o do arroz é apenas três vezes maior. “As plantas podem ter genomas bastante grandes, pois elas têm trechos repetidos de DNA e múltiplas cópias de seus cromossomos”, disse a bióloga. A opção pelo arroz era tão óbvia que, além do consórcio público internacional, duas empresas de biotecnologia, a Monsanto e a Syngenta, e os chineses produziram, ainda no início desta década, versões não-finalizadas do genoma do cereal. Diferentemente dos outros grupos, que trabalharam com a subespécie japonica do arroz, muito cultivada no Japão, Coréia e Estados Unidos, os chineses preferiram estudar a subespécie indica, justamente a mais disseminada em seu país. “O arroz se beneficiou do fato de haver diversos projetos de seqüenciamento do seu genoma”, disse Robin. De acordo com os resultados do trabalho publicado pelo consórcio internacional, o arroz tem 12 cromossomos e cerca de 41 mil genes, sendo provavelmente o organismo vivo conhecido com maior número de genes até hoje determinados. “Infelizmente, sabemos a função de apenas 50% desses genes. O maior desafio para as pesquisas futuras é determinar a função dos outros 50%.” Ainda há muitos detalhes do genoma do arroz que precisam ser entendidos. Mas o que se sabe já o coloca como modelo para o estudo do DNA de outras espécies de gramíneas. “Seqüenciar o genoma de uma espécie permite compreender o funcionamento do genoma das demais espécies da família”, explicou a pesquisadora. Há cerca de 10 mil espécies diferentes de gramíneas no planeta, adaptadas às mais diversas condições ambientais, desde zonas de clima quente e árido até regiões mais frias, com altitudes elevadas. Algumas dessas plantas são cultivadas em boa parte do planeta devido a três motivos principais: uso dos frutos comestíveis, os grãos, para produzir alimentos (caso dos cereais milho, trigo, arroz, cevada, centeio, sorgo, entre outros); extração de açúcar, como ocorre com a cana; produção de biomassa, que é o produto bruto do vegetal. Os primeiros estudos comparativos feitos pelos cientistas já revelam informações interessantes. Eles analisaram dados genômicos de 180 plantas e verificaram que 90% dos genes do arroz podem ser encontrados em outras espécies vegetais. Muitos desses genes estão ligados a processos básicos de todas as plantas, como o controle da fotossíntese, do crescimento e da reprodução. “O arroz não possui um conjunto exclusivo de genes que o definem como arroz”, explicou. “Ele partilha muitos genes com outras plantas e apenas uma pequena parte desses genes lhe são exclusivos.” Num dos slides da palestra, Robin mostrou, como exemplo do que os biólogos moleculares chamam de conservação genética, um gene do arroz, bastante grande, que também pode ser encontrado no milho, no sorgo, na Arabidopsis e em 50 outras espécies vegetais. Quando descobrem esse gene numa planta, os cientistas logo se perguntam em que local do genoma ele se encontra. Eles querem saber se, além de ser comum a várias espécies, o gene também ocupa a mesma posição dentro do genoma dessas plantas. Em alguns casos, grandes trechos de DNA de uma espécie, compreendendo um cromossomo ou muitos genes, se mantêm intactos em outras espécies aparentadas. O fenômeno também ocorre com o arroz e o trigo. “Isso mostra que, ao longo da evolução, não somente os genes foram mantidos nas duas espécies, mas também a sua ordem”, comentou a pesquisadora. “Esse dado é muito importante, por exemplo, para os biólogos que estudam o trigo, que tem um genoma muito grande e ainda não seqüenciado. Eles podem usar os genes do arroz para compreender o genoma do trigo.” Apesar de ter muito em comum com o DNA de outras gramíneas, o genoma do arroz também exibe especificidades. Aproximadamente 5 mil dos 41 mil genes são exclusivos de cereais, não tendo sido até agora encontrados em outras espécies. Robin quer saber qual a importância desses genes para o surgimento das propriedades que favorecem o cultivo dos cereais. A função da maioria desses genes exclusivos de cereais ainda permanece desconhecida. “Na minha opinião, esses são os genes mais intrigantes, pois provavelmente são os que definem um cereal como tal”, afirmou Robin. Continuidade A exemplo do que a biologia fez com a Arabidopsis, da qual já foram seqüenciadas 90 variedades distintas da planta, Robin defende a continuidade dos trabalhos genômicos com mais variedades de arroz. “O seqüenciamento do genoma de um tipo de arroz não basta”, disse. “Agora queremos mais genomas, para que esse que já foi feito (da subespécie japonica) possa ser comparado com outros.” Há um projeto chamado Oryza SNP Project, tocado por um consórcio público internacional, que pretende definir toda a variação genética presente nesse cereal. A iniciativa busca seqüenciar o genoma de 20 variedades de arroz e utilizar esse conhecimento para o melhoramento genético dessa importante cultura agrícola. O objetivo do projeto é identificar no genoma do arroz todos os polimorfismos de um único nucleotídeo, os SNPs, na sigla em inglês. Trata-se de mutações caracterizadas pela variação de apenas uma das letras químicas, os tais pares de base ou nucleotídeos, num determinado segmento de DNA. O projeto também quer definir como e se esses SNPs modificam a aparência e as características físicas do arroz. A variedade de formas que os diversos tipos de arroz podem assumir é surpreendente. Robin exibiu à platéia um slide do Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz, das Filipinas, com diferentes cultivares de arroz. Algumas plantas eram altas, outras pequenas. Certos tipos de arroz floresciam cedo, outros mais tarde. Há grãos de arroz com várias colorações, indo das mais claras às mais escuras. Além de compreender as bases genéticas do arroz, os cientistas tentam entender melhor o rendimento, a reprodução, a morfologia e a qualidade do grão de cada variedade de arroz. “Também estamos analisando como as variedades respondem a situações de estresse, como a privação de água e o excesso de sal, e ao ataque de patógenos ou pestes”, afirmou Robin. Enfim, como mostrou a pesquisadora da Universidade Estadual de Michigan, há hoje um esforço científico internacional que, sem fazer muito alarde ou ser muito badalado, tenta assegurar a produtividade agrícola de um dos alimentos mais básicos da humanidade, o arroz.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Emilio Moran Segundo antropólogo, saída para problemas ambientais depende da interação das ciências naturais com as sociais Ricardo Zorzetto Agosto 2008 Se a atividade humana gerou os problemas ambientais de hoje, é dela que deverão surgir as soluções. Mas para que se alcancem saídas eficazes do ponto de vista ambiental, econômico e social será preciso primeiro compreender como o ser humano se relaciona com a natureza. Esse entendimento depende da integração do conhecimento das ciências naturais com o das ciências sociais, de modo semelhante ao que ocorre na chamada antropologia ambiental ou ecologia humana, que estuda a interação entre as populações humanas e o ambiente físico, defendeu o antropólogo Emilio Moran na palestra “Expansão internacional da antropologia ambiental: experiências na Amazônia”, apresentada em 21 de junho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, como parte da programação cultural da exposição Revolução genômica. “No Brasil não se pensa que a antropologia também estude o ambiente”, disse Moran, diretor do Centro Antropológico para Treinamento e Pesquisa em Mudanças Ambientais Globais da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. A falta de reconhecimento à contribuição da antropologia para compreender questões ambientais não é um problema só brasileiro. Também é comum na Europa e nos Estados Unidos, onde há tempos a antropologia ambiental é reconhecida como disciplina e ensinada nas universidades. Moran deu uma idéia do desequilíbrio entre ciências naturais e ciências sociais nos Estados Unidos ao citar o volume de recursos que essas áreas recebem para pesquisar mudanças globais e ambientais: as ciências naturais levam 97% das verbas e as sociais 3%. Para Moran, apesar dessa diferença, em parte justificada pelo emprego de tecnologias mais caras pelas ciências naturais, deve haver um intenso esforço de integração entre essas áreas, caso se deseje compreen­der em profundidade as razões que levaram à intensa alteração do ambiente, como a que se observa na Amazônia brasileira. O principal desafio a essa integração está nas próprias universidades, onde a estrutura dos cursos para diferentes carreiras dificultam a interdisciplinaridade. Segundo Moran, muitas vezes se criam barreiras para que as pessoas não possam cruzar as linhas e, por exemplo, o antropólogo estudar biologia ou o aluno de ciências políticas aprender sensoriamento remoto. Ou seja, na formação acadêmica exige-se uma pureza disciplinar excessiva. “Não precisamos de pureza, precisamos nos sujar para resolver o problema”, disse Moran. Para ele, o fundamental não são as disciplinas, mas a formulação da pergunta científica a responder, que deve ser feita em conjunto por pesquisadores das ciências naturais e sociais. Moran falou com a experiência de quem teve uma formação essencialmente multidisciplinar e nas últimas décadas esteve à frente de projetos internacionais como o Land Use and Land-Cover Change (Lucc) e o Global Land Project (GLP), que investigam como as atividades humanas vêm alterando os processos biológicos, químicos e físicos do planeta. E exemplificou a importância da interdisciplinaridade para compreender as alterações ambientais apresentando o trabalho que desenvolve há quase quatro décadas na Amazônia brasileira. Nascido em Cuba e vivendo nos Estados Unidos desde os 14 anos, Moran começou a enveredar pelas ciências naturais durante o doutorado na Universidade da Flórida, no início da década de 1970. Em uma palestra, seu orientador, o antropólogo Charles Wagley, contou que estavam abrindo uma grande estrada na Amazônia capaz de gerar impactos ambientais e sociais em toda a América do Sul pelos 30 anos seguintes e que alguém deveria estudar essa questão. Essa estrada era a Transamazônica – planejada pelo governo militar de Emílio Garrastazu Medici para cortar o Brasil de leste a oeste e promover o desenvolvimento da Amazônia –, e o único candidato que procurou Wagley para estudar seu impacto foi Moran. Quando Moran perguntou o que deveria saber para começar o trabalho, Wagley o mandou estudar ecologia de sistemas, geografia e também solos tropicais, pois na época se pensava que a qualidade do solo limitava o desenvolvimento das sociedades amazônicas. “Ele queria que eu soubesse se era verdade ou não e coletasse amostras de solo”, contou Moran. “Wagley me permitiu criar um programa individual que misturava pedologia, ecologia, geografia e antropologia para enfrentar a pergunta.” Moran fez sua primeira viagem ao Brasil em 1972, quando veio assistir à abertura da Transamazônica no estado do Pará. Acompanhou os trabalhadores da empreiteira que construía a estrada do município de Marabá, no leste do estado, a Itaituba, no oeste, e viu muita coisa diferente do que os livros contavam ou os planos do governo sugeriam. Encontrou os solos pobres (latossolos) que os livros descreviam, mas, bem próximo, identificou trechos de terra extremamente fértil (terra roxa estruturada eutrófica). As agrovilas prometidas pelo governo – que deveriam ser implantadas a cada dez quilômetros ao longo da estrada, com escolas, água tratada e serviço de saúde – simplesmente não existiam e as pessoas tinham de morar em tapiris, casas simples cobertas de folhas, construídas por elas próprias, contou Moran, que em 1973 e 1974 morou por 14 meses em uma agrovila no município de Altamira com os colonos. Acidentes e malária Dois problemas afetavam os colonos e os trabalhadores que abriam a estrada, constatou o antropólogo. Um deles era a malária, que atingia entre 20 e 70 pessoas por mês. O outro eram os ferimentos graves provocados pela queda de árvores ou pelos acidentes com caminhões que tombavam nas pontes improvisadas ao longo da estrada, feitas com troncos de madeira deitados sobre valas ou o leito de riachos. Moran iniciou seus estudos comparando a energia que os colonos ingeriam com a que gastavam para derrubar árvores, plantar alimentos ou coletar frutos. Também reuniu e analisou amostras de solo nas agrovilas e descobriu que, diferentemente do que mostrava um levantamento inicial dos solos ao longo da Transamazônica, o da região não era exclusivamente pobre. De 15% a 20% das terras eram terra roxa, boas para a agricultura. O governo federal havia encomendado um mapa de solos que teve de ser feito em pouco tempo, razão por que se baseou em amostras coletadas a cada 500 metros ao longo da estrada. Mas esse mapa, o melhor possível obtido no prazo exíguo de dois anos, mostrava a composição do solo apenas no traçado da Transamazônica e não dava idéia do que havia um pouco além da estrada. Até hoje, segundo Moran, não há estudos que aprofundem as descobertas iniciais daquele levantamento e os moradores da região continuam a agir sem orientação adequada. Comparando as características dos diferentes tipos de solo, o pesquisador demonstrou que as pessoas naturais da Amazônia sabiam identificar as áreas de terra fértil melhor do que os colonos vindos de outras regiões do país. “Tentei mostrar que o caboclo da Amazônia, aquele que o governo havia falado que não prestava, só caçava onça e não sabia cultivar, na verdade conseguia escolher a melhor terra”, disse. Além do critério visual – as áreas com solo mais escuro em geral são mais férteis –, os nativos da Amazônia avaliavam características da vegetação diferentes das levadas em consideração pelas pessoas que haviam migrado do Sul ou do Nordeste. Os imigrantes pensavam que o solo era mais fértil nas áreas em que as árvores são mais altas. Esse critério podia ser verdadeiro em outras regiões, mas não na Amazônia, onde a floresta é menos densa nas áreas férteis. Segundo Moran, os colonos naturais da Amazônia usavam outras características da vegetação para escolher as melhores terras e obtinham os índices mais altos de produção agrícola. Com base nesse resultado, o antropólogo perguntou a técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) por que não usavam esse conhecimento para instalar os imigrantes de outras regiões. Ouviu como resposta que a taxa de migração era tão alta que não havia tempo de selecionar apenas as terras boas. “Cada um tinha que se virar e escolher uma terra sem saber se era boa”, contou Moran, que em junho lançou no Brasil seu livro mais recente Nós e a natureza, sobre a redução do consumismo como estratégia para a preservação do planeta. Após uma interrupção de quase uma década – período em que escreveu seu primeiro livro em português, Ecologia humana das populações da Amazônia –, o pesquisador retornou à Amazônia no início dos anos 1990 quando os meios de comunicação afirmavam que as queimadas levariam à desertificação do ecossistema. “Eu não acreditava porque, quando perguntava aos colonos qual o principal problema com a terra, eles nunca falavam que se tornava deserto, mas que havia uma invasão rápida da mata secundária”, contou. Para estudar esse problema, o antropólogo teve mais uma vez de recorrer a outras áreas do conhecimento. Foi aprender sensoriamento remoto e, com mais financiamento e uma equipe maior, analisar em sete regiões da Amazônia um fenômeno que preocupava os pesquisadores naquela época: a capoei­rização, substituição da floresta por vegetação secundária, que ressurge após o corte – atualmente se acredita que, com o aumento da temperatura média do planeta nas próximas décadas e a redução da umidade na Amazônia, parte da floresta possa se tornar savana. Com Mario Dantas, da Embrapa-Pantanal, Moran usou imagens de satélite, entrevistas com os colonos, análises de solo e observações locais das áreas de estudo para avaliar o efeito da intervenção humana sobre a floresta e o uso do fogo para o manejo da terra. Constatou que a forma de uso do solo dependia da fertilidade. Nas propriedades em que prevaleciam os solos pobres (latossolos eram mais de 75% da área), os colonos só plantavam pasto. Quanto maior a porção de terra fértil (50% ou mais), menor era a área dedicada à pastagem e maior a variedade de culturas, como cacau, cana-de-açúcar e outras. Duas décadas após o início da colonização, as pessoas haviam aprendido a melhor forma de usar a terra, concluiu Moran. Nesse trabalho, realizado com cerca de 400 proprietários em Altamira, Moran descobriu ainda que um fenômeno comum na Amazônia – a venda das propriedades obtidas durante o início da colonização – também estava essencialmente ligado à qualidade do solo. Quem tinha propriedades com maior proporção de solos férteis não vendia suas terras, enquanto os outros as negociavam com freqüência. Como apenas 20% das terras na Amazônia são terra roxa, essa constatação levantou, segundo Moran, a seguinte dúvida: não seria melhor identificar inicialmente as áreas de terra fértil, que podem ser usadas para a agricultura, em vez de sair desmatando indiscriminadamente para depois se descobrir que a terra é fraca? “Os caboclos sabem proteger a área que não merece ser desmatada”, afirmou Moran, para quem tentar proteger tudo não é uma estratégia realista nem do ponto de vista político nem prático. Para ele, esse conhecimento poderia orientar o desenvolvimento agrícola da Amazônia e a definição de áreas a serem protegidas. Nesse trabalho, em que observou ainda que a floresta se recupera em ritmos diferentes segundo as características do solo, o antropólogo constatou que no Brasil o desmatamento progride em função da economia: nos períodos de hiperinflação e crédito rural apertado dos anos 1980 o desmatamento e a migração para a Amazônia caíram, mas aumentaram com a estabilização da economia. Ferramenta adequada O uso de ferramentas de outras áreas do conhecimento levou Moran a identificar outro fator que influencia a derrubada da floresta: o perfil das populações que chegam às frentes de colonização. Ele decidiu investigar esse efeito ao notar que a trajetória do desmatamento havia sido a mesma nas diferentes regiões estudadas, embora a origem dos colonos fosse diversa. Segundo Moran, os livros de ecologia sempre colocam a população como culpada dos problemas ambientais. “Incorporei um demógrafo ao grupo e entrei no assunto para ver até que ponto a demografia podia nos ajudar a esclarecer essa culpa humana”, disse. O antropólogo e sua equipe passaram a investigar se o número de membros, o gênero e a idade dos integrantes das famílias dos colonos afetavam o desmatamento na Amazônia. Um fato que influenciou a decisão de estudar esse efeito foi que no início da colonização de Altamira, no Pará, o perfil da população era distinto do de outras frentes de colonização. No mundo todo essas frentes são compostas por gente jovem, na faixa etária dos 20 aos 25 anos, e sem filhos. Em Altamira era diferente. O Incra estimulou a ida para a Amazônia de pessoas com mais idade e mais filhos, pois o objetivo era povoá-la. Mais tarde, durante a Presidência do general Ernesto Geisel, o governo parou de escolher quem migraria para a Amazônia e a estrutura etária dos colonos se tornou mais próxima à das populações de fronteira. Moran desejava saber se a estrutura dessas diferentes levas de migrantes alteraria o ritmo do desmatamento. Constatou que, de modo geral, cada frente de colonização produzia dois surtos de desmatamento intercalados por uma queda. Esse padrão se repetiu em diversos períodos analisados. Para explicar o fenômeno, Moran propôs a teoria do ciclo doméstico. Na fase inicial da colonização, os pais desmatam e se dedicam à agricultura para a subsistência da família, formada por vários filhos pequenos. À medida que os filhos crescem, passam a ajudar na agricultura e aumentam a produção e a venda para o mercado, permitindo o acúmulo de capital. Mais tarde, com os filhos adultos, as famílias mudam as culturas para mais perenes e os que se casam passam a querer sua própria lavoura. Esse fenômeno ocorre nas regiões de terras férteis, enquanto nas áreas de solos mais pobres as famílias se dedicam à criação de gado. Na Amazônia também não se observa outro fenômeno comum em regiões de fronteira, onde as famílias têm sempre muitos filhos para ajudar na lavoura: a elevada taxa de fertilidade. Em duas décadas a fertilidade caiu de 6 filhos por casal para cerca de 2, padrão semelhante ao das outras regiões brasileiras. Moran atribui essa queda à urbanização do país, que, imagina-se, atingirá as regiões de fronteira. O uso de ferramentas de diferentes áreas do conhecimento permitiu à equipe de Moran ver que os fatores que influenciam o desmatamento na Amazônia são muitos e de diferentes ordens (biofísicos, demográficos e econômicos). “Temos que conectar pelo menos duas ou três áreas que liguem a parte do mundo biofísico com a parte social para poder enfrentar a realidade do meio ambiente de hoje”, disse Moran. O antropólogo concluiu sua apresentação lembrando uma recomendação que fazia aos membros de sua equipe em Indiana: “Quando você entrar por aquela porta para uma reunião, deixe suas ferramentas e armas, seus métodos e suas teorias lá fora. Depois que definimos a pergunta científica, mandamos procurar a ferramenta mais adequada para respondê-la, sem nos preocupar com quem trouxe a ferramenta”.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Mayana Zatz e Cristiane Segatto Geneticista e jornalista discutem erros e acertos da mídia na cobertura das células-tronco embrionárias Fabrício Marques Agosto 2008 O apoio de amplos setores da mídia foi fundamental para a aprovação em 2005 da lei que autorizou estudos com células-tronco embrionárias e também para a derrubada no Supremo Tribunal Federal (STF), há três meses, da Ação Direta de Inconstitucionalidade que tentou neutralizar a lei e barrar as pesquisas. Mas a imprensa também cometeu deslizes, alardeando esperanças de tratamento com as células-tronco que a ciência não autorizava propagar. Esse diagnóstico emergiu no debate “Células-tronco embrionárias e mídia”, que reuniu no dia 6 de julho a geneticista Mayana Zatz, pró-reitora de Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, e a jornalista Cristiane Segatto, repórter especial da revista Época, dentro da programação cultural da exposição Revolução genômica organizada pela revista Pesquisa FAPESP. “A imprensa esteve escandalosamente ao nosso lado e isso fez toda a diferença”, disse Mayana, conhecida como uma ativista da liberdade nas pesquisas. Segundo ela, a mídia cumpriu um papel inestimável ao dar voz aos cientistas e ajudar a explicar para a população o que eram essas pesquisas. “E também mostrou para os políticos a importância dessas pesquisas”, completou. Mayana relembrou no debate as origens de seu interesse pelas células-tronco embrionárias. “Trabalho com doenças genéticas, especificamente com moléstias neuromusculares, que atingem uma em cada mil pessoas. Por causa de um defeito genético, essas doenças levam a uma degeneração progressiva da musculatura”, explicou. Segundo ela, são mais de 50 doenças diferentes e as formas mais graves causam morte na primeira ou segunda década de vida. “O envolvimento com esses pacientes me motivou a batalhar pelas pesquisas com células-tronco. Isso porque, pela primeira vez, comecei a ver nessas pesquisas uma esperança de tratamento”, disse Mayana. De forma didática, a pesquisadora propiciou aos espectadores a chance de relembrar ou tomar o primeiro contato com os conceitos científicos que embasam o debate. Iniciou descrevendo o surgimento das células-tronco embrionárias. “Cada um de nós surgiu a partir da fecundação de um óvulo que sobreviveu. A célula começa a se dividir, primeiro em duas, duas viram quatro, e aí temos um embrião de oito células. Essas oito células são chamadas células-tronco totipotentes. Por que totipotentes? Porque qualquer uma delas, caso seja inserida num útero, tem potencial para tornar-se um ser completo”, disse Mayana. O embrião, prosseguiu a professora, segue se dividindo, até que, na fase de 64 a cem células, aproximadamente cinco dias depois da fecundação, forma o chamado blastocisto. “Ocorre uma primeira diferenciação. As células externas vão se transformar em placenta e membranas embrionárias, enquanto as células internas são chamadas células-tronco pluripotentes. Elas têm o potencial de formar todos os tecidos do corpo, mas já não têm o potencial de formar um ser completo”, explicou Mayana. Depois, com 14 a 16 dias, desponta uma estrutura chamada de gástrula, com os três folhetos embrionários. O endoderma, que é a parte mais interna, vai formar o pâncreas, o fígado, a tireóide, o pulmão. O mesoderma dará origem à medula óssea, aos músculos, ao coração e aos vasos. E o ectoderma que vai formar pele, neurônios, hipófise, olhos, orelhas. “Até 14 dias, não há nenhum resquício de célula nervosa. É a partir do décimo quarto dia que elas começam a se formar. Por isso, os países que aprovaram essas pesquisas permitiram que se utilizassem embriões de até 14 dias”, disse a professora. Após essa fase, tem início a diferenciação em tecidos. Forma-se, então, o tecido adiposo, ósseo, músculo e depois os órgãos. “Descobrir os mecanismos que norteiam a diferenciação é a grande interrogação dos pesquisadores. Controlar esse processo é o que as pesquisas no mundo todo estão fazendo agora”, afirmou a pesquisadora. O que se sabe, segundo ela, é que após a diferenciação todas as células seguintes têm as mesmas características. “As filhas da célula de fígado vão ser todas células de fígado e assim por diante”, afirmou. Embora os genes sejam os mesmos em todos os tecidos, a expressão desses genes é diferente entre um tecido e outro. “Alguns genes ficam ativos e outros ficam silenciados. Esse silenciamento faz um tecido ser diferente do outro e isso é um processo extremamente bem controlado, caso contrário não teremos uma célula funcional”, explicou. Fraude A esperança dos cientistas é conseguir manipular as células-tronco a ponto de gerar células pancreáticas sob medida capazes de devolver aos diabéticos a capacidade de produzir insulina, ou produzir neurônios motores para regenerar as vítimas de lesões de medula, para citar dois exemplos. “Até hoje, ninguém conseguiu fazer isso com células-tronco adultas”, disse Mayana. A pesquisadora explicou a diferença entre células-tronco embrionárias e adultas. As embrionárias podem ser obtidas de embriões congelados que sobram em clínicas de fertilização. Ou então pela chamada clonagem terapêutica, que é a transferência de núcleo de uma célula diferenciada para um óvulo sem núcleo. “Houve uma equipe de cientistas coreanos que afirmaram ter conseguido, e chegaram a publicar suas experiéncias em revistas de alto impacto, mas depois se viu que era uma fraude”, afirmou Mayana. Se bem-sucedida, a clonagem terapêutica permitiria gerar células-tronco com as mesmas características genéticas de um indivíduo do qual foi retirada a célula, com o objetivo de substituir órgãos ou tecidos doentes sem risco de rejeição. “Trata-se de uma tecnologia muito difícil e ainda não alcançada em seres humanos, que, creio, será o futuro da terapia celular por medicina regenerativa. A boa notícia é que algumas células do nosso corpo permanecem com características de células-tronco. São as chamadas células-tronco adultas. Temos células-tronco adultas na polpa do dente-de-leite, na medula óssea, no tecido adiposo, no cordão umbilical e em outros tecidos e órgãos, pâncreas, fígado”, afirmou Mayana. A má notícia, ela lembrou, é que as células-tronco adultas não têm o mesmo potencial que as células-tronco embrionárias, embora sejam importantes para formar alguns tecidos. “Nós estamos trabalhando ativamente com elas. As embrionárias podem formar todos os tecidos do corpo, enquanto as adultas formam alguns, mas não todos”, afirmou. A clonagem da ovelha Dolly, em 1996, foi essencial para abrir essa perspectiva. “A revolução foi mostrar que células já diferenciadas de um mamífero poderiam voltar a ser reprogramadas, voltar a ser totipotentes e formar um animal completo”, disse Mayana. Ela explicou como a ovelha foi clonada. Primeiro, retirou-se o núcleo de uma célula da glândula mamária de uma ovelha. Depois, esse núcleo celular foi introduzido num óvulo sem núcleo. Ocorreu a fusão e formou-se o embrião, que foi colocado no útero de uma outra ovelha. Esse processo deu origem a Dolly, cópia idêntica da ovelha que cedeu o núcleo da célula mamária. Não foi, contudo, uma tarefa simples. Houve 277 tentativas até que se chegasse a uma ovelha viável. “Além disso, Dolly morreu precocemente, aos seis anos de idade. Ela tinha artrite e embora os pesquisadores que fizeram a Dolly garantam que sua morte não foi por causa da clonagem, ela tinha doenças de ovelha mais velha”, afirmou Mayana. Após a experiência da clonagem da ovelha e de outros bichos, segundo a pesquisadora, começou-se a falar em clonagem de seres humanos. Um médico italiano, Severino Antinori, anunciou em abril de 2002 que o primeiro clone ia nascer em novembro daquele ano. “Como seria a clonagem reprodutiva humana?”, perguntou Mayana à platéia, para responder: “Vamos imaginar um bebezinho, ou pode ser um adulto, do qual se tira uma célula, tira-se o núcleo, coloca-se em um óvulo sem núcleo e se houver fusão, você tem também um embrião, insere-se em um útero humano, e aí você vai ter n cópias do bebezinho”. Um outro grupo, a seita dos raelianos, também anunciou que estava fazendo clonagem reprodutiva e até se propunha a vender equipamentos pela internet para fazer a clonagem em casa. “A proposta deles era ótima”, disse Mayana. “Diziam que você poderia se clonar e ter um corpo novo e manter a sabedoria das vidas anteriores. Que maravilha: eu quero ser a Gisele Bündchen! Bom, quais seriam as implicações éticas da clonagem reprodutiva humana? O risco biológico é enorme, pelo que a gente viu das pesquisas com animais. A tecnologia não está nem disponível em humanos, mas se tivesse disponível é impensável o risco de fazer uma clonagem reprodutiva humana”, afirmou. Em meio àquele frisson, a Academia Brasileira de Ciências pediu que Mayana ajudasse a escrever um documento que estava sendo redigido por pesquisadores de vários países sugerindo o banimento da clonagem reprodutiva. “Estava todo mundo muito preocupado com a clonagem reprodutiva. E eu disse: estou muito menos preocupada com isso, porque há consenso entre os pesquisadores de que isso é uma loucura. E acho muito mais importante permitir as pesquisas com células-tronco embrionárias”, lembra-se. A geneticista e outros colegas ajudaram a escrever o documento condenando a clonagem reprodutiva, mas apoiando as pesquisas com células-tronco embrionárias. O texto foi subscrito por 63 países. “A revolução da Dolly mostrou realmente que clonagem reprodutiva é uma loucura, mas ela abriu novas perspectivas de tratamento com células-tronco que podem ser obtidas tanto de embriões congelados que sobram nas clínicas de fertilização quanto por clonagem terapêutica”, disse Mayana. No Congresso Depois disso Mayana Zatz envolveu-se na mobilização pela aprovação da Lei Nacional de Biossegurança no Congresso Nacional, que permitiria as pesquisas com células de embriões, mas foi rejeitada pela Câmara. “Teve início a minha peregrinação em Brasília. Comecei a participar de audiências públicas e a conversar com senadores, porque a lei voltou ao Senado para ser reescrita. Nós visitamos os senadores, um por um, para tentar explicar a importância dessa lei. E ela acabou aprovada no Senado no final de 2004 com 96% dos votos favoráveis”, ela lembra. O próximo passo era uma nova votação na Câmara dos Deputados, mas o então presidente da Casa, o deputado Severino Cavalcanti, ligado à Igreja Católica, hesitava em colocar o projeto em pauta. “Tivemos uma reunião com o Severino e ele prometeu que ia colocar a lei para votar’”, disse a pesquisadora. Em março de 2005 a lei foi aprovada por 85% dos deputados e, em seguida, sancionada pelo presidente da República. Proibia a clonagem de embriões sob qualquer hipótese, mas autorizava a pesquisa com embriões congelados que seriam descartados nas clínicas de fertilização in vitro. Mas uma ação de inconstitucionalidade contra o uso de embriões apresentada em maio de 2005 pelo procurador-geral da República, Claudio Fonteles, voltou a trazer insegurança para os pesquisadores – e Mayana retomou a mobilização, no Supremo Tribunal Federal. Ela participou ativamente da audiência pública em que o relator da ação, o ministro Carlos Ayres Britto, ouviu médicos, especialistas em bioética e pacientes sobre o uso das células-tronco. A pesquisadora também estava em Brasília, acompanhada de seus pacientes, nos dois momentos em que o Supremo avaliou a ação, até a vitória em maio passado. A jornalista Cristiane Segatto disse que, em 13 anos de experiência acompanhando assuntos de saúde e de ciência, jamais cobriu um tema que tenha despertado um debate tão grande, polêmico e emocionante quanto as células-tronco. “Não é difícil entender por que esse tema mexeu com os corações e mentes do Brasil”, afirmou a jornalista. “Imaginem as células-tronco, aquelas coisinhas minúsculas que têm o potencial de se transformar em qualquer tecido do corpo humano. Isso, por natureza, já é uma coisa espetacular. Agora imaginem a possibilidade de um cientista interferir nesse processo e domar essas células para que elas se transformem no tecido desejado e com isso poder restaurar corações, fígados, curar doenças. Isso parece mágica. Agora imaginem que essas células só estão disponíveis em embriões congelados nas clínicas de fertilização, o que atrai uma forte oposição dos grupos religiosos. Isso cria uma tensão entre vários direitos, como o direito à liberdade de pesquisa, à saúde, à expressão religiosa, à vida”, disse Cristiane. Esse enredo, ela disse, é tão maravilhoso que a imprensa não escaparia de investir nele. A questão é a forma como a imprensa brasileira cobriu isso. “Será que ela informou ou criou falsas esperanças?”, indagou a jornalista. Na opinião dela, a cobertura foi bastante heterogênea. Em alguns veículos, como as redes de televisão e de rádio, obrigados a dar informação de uma forma rápida e sintética, muitas vezes os conceitos ficavam mal explicados e, segundo Cristiane, tendiam um pouco para o espetáculo. “As reportagens davam a impressão de que as células eram sementes mágicas que os cientistas tinham total domínio sobre elas e que só não estavam podendo trabalhar porque havia uns ogros, uns atrasados ligados à Igreja, que impediam o avanço da ciência. Mas que assim que os cientistas pudessem colocar as mãos nessas células, logo os pacientes seriam salvos. Isso é uma simplificação bárbara da realidade”, ela exemplificou. Cristiane afirmou, porém, que ao longo do tempo a imprensa foi ganhando domínio sobre o assunto e a qualidade das informações melhorou. “Nos jornais, principalmente, a qualidade da informação melhorou muito. Mas às vezes pendia para o outro extremo, que era o hermetismo”, afirmou. A jornalista convidou a platéia a refletir sobre o trabalho das três principais revistas semanais de informação: Veja, Época e IstoÉ. “De todos os tipos de veículos da mídia, eu acho que as revistas semanais são que teoricamente têm mais tempo e atraiam condições para fazer um trabalho mais completo, mais profundo, ir além da notícia, fazer uma coisa mais analítica”, explicou. Segundo Cristiane, o problema para este segmento da imprensa tem sido a dificuldade de criar chamadas de capa que traduzam o conteúdo da reportagem e ao mesmo tempo atraíam o leitor. “Muitas vezes, o conteúdo da matéria é bom. Ela não induz a falsas esperanças e faz todas as ressalvas necessárias. Mas a capa vai em sentido contrário, às vezes até vendendo ilusões”, afirma. Utilizando o telão do auditório, ela passou a exibir algumas capas de revistas semanais sobre células-tronco. A primeira foi uma capa da revista Veja, que estampava a imagem de duas crianças, filhas da atriz Luisa Thomé, e trazia a seguinte mensagem: Estes bebês são pioneiros de uma revolução da medicina. Ao nascer eles tiveram armazenadas células-tronco, terapia que já está sendo usada para tratar doenças como diabetes, infarto, derrame, Alzheimer, Parkinson, esclerose múltipla. “As células-tronco até agora são uma promessa, mas revolução de fato ainda não dá para afirmar”, disse. “E, além disso, essa idéia de congelar as células do cordão para uso dos filhos é algo bastante discutível, porque a probabilidade de que essas células sejam úteis para as próprias crianças é bem baixa”, afirmou. Em seguida, apresentou uma capa publicada por Época, de sua autoria, com uma imagem do músico Herbert Viana numa cadeira de rodas e as chamadas Células da vida. Perspectivas: como os embriões podem gerar tratamentos para males cardíacos, paralisia, diabetes, câncer, Alzheimer. Em que estágio estão os estudos sobre cada doença. Congresso: quem é a favor e quem se opõe. “Essa capa repercutiu muito porque foi publicada num momento político importante. Depois ganhou um prêmio de jornalismo, foi considerada bem-sucedida. O conteúdo está completo, mas sempre que olho para ela fico pensando: será que as células-tronco são a esperança?”, perguntou. “Tudo bem, entendo que elas são a esperança das pessoas retratadas, mas até que ponto contribui com essa capa para gerar falsas esperanças em outras pessoas? Será que o Herbert Viana e as outras pessoas vão assistir a algum avanço que possa ser útil para eles? Porque a gente sabe que até hoje não existe nenhum estudo clínico realizado com células de embrião, em nenhum país do mundo”, disse. Cristiane seguiu comentando outras capas, como uma da revista IstoÉ publicada na mesma semana em que o STF aprovou as pesquisas no Brasil. A capa exibia a imagem de uma menina e a chamada Células-tronco, nova chance de vida. Júlia, 10 anos, e mais uma centena de outros pacientes poderão ser os primeiros beneficiados pelas terapias com células-tronco embrionárias, finalmente liberadas no Brasil. “Será mesmo?”, perguntou a jornalista . “Já tem uma terapia prontinha para ser testada? Ela vai se curar? De novo eu acho que tem um exagero”, disse Cristiane, que, ao final, apresentou uma outra capa de Veja com a chamada Tratamentos com células-tronco no Brasil, a medicina que faz milagres. “Aí eu acho que eles jogaram pesado, porque não tem milagre. A medicina nunca faz milagre”, disse. Liberdade Cristiane Segatto ponderou que sua intenção, ao apresentar as capas, não era desqualificar o trabalho da imprensa. “Eu quis mostrar isso tudo até para fazer uma espécie de mea culpa aqui e para mostrar que a imprensa cometeu sim seus excessos. Mas eu não queria deixar uma mensagem pessimista, pois acho que a imprensa, embora possa ter errado em alguns aspectos, deu uma colaboração valorosa para o debate sobre as pesquisas com embriões no Brasil”, afirmou. Segundo ela, foram escritos artigos e reportagens muito bons, muito esclarecedores, com argumentos muito bem alinhavados. “A imprensa contribuiu sim para a educação da sociedade. E não podia ser de outra forma, porque o que estava em jogo lá no STF era a liberdade da expressão científica e o direito que os casais têm de dar o destino que julguem melhor a esses embriões congelados. A imprensa contribuiu muito para a defesa dessas liberdades fundamentais e por isso acho que ajudou a fazer história. Nunca antes o STF havia promovido uma audiência pública para discutir qualquer assunto que estivesse em pauta”, diz, referindo-se à iniciativa do ministro Ayres Britto de ouvir a opinião de cientistas, pacientes, religiosos e especialistas em bioética. “Com a exposição desse tema das células-tronco na mídia, o STF decidiu ouvir a sociedade e isso foi bom. A decisão do STF reiterou a separação entre Igreja e Estado e é muito importante que essa discussão tenha sido suscitada por um tema da ciência”, disse, para concluir: “Eu não sei se as células-tronco embrionárias vão dar origem a algum tratamento. Acho que só daqui a uns 20 anos a gente vai poder olhar para trás e ver o que era perspectiva real e o que era fantasia. Torço pelos pacientes, fico extremamente sensibilizada pela garra, pela força deles, mas não sei se terão de fato uma nova chance de vida. O que sei é que, com essas pesquisas, o Brasil vai ganhar um patrimônio inestimável, que é o conhecimento. Com seus erros e acertos, a imprensa pode se orgulhar de ter contribuído para isso”, afirmou. Mayana Zatz concordou com o diagnóstico de Cristiane. Explicou que levou ao plenário do STF pacientes que esperam beneficiar-se de tratamentos criados a partir de células-tronco embrionárias. Mas ressaltou que todos eles sabem do estágio ainda inicial das pesquisas. “Eles sabem que não há tratamentos, mas tentativas terapêuticas com células-tronco adultas, não as embrionárias”, disse a geneticista. “Não se sabe se um dia as células-tronco embrionárias resultarão em tratamentos, mas se aposta que a pesquisa poderá resultar em avanços do conhecimento, cujo impacto hoje nem sequer podemos imaginar”, afirmou Mayana.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Revolução Genômica Michael Lynch Geneticista norte-americano mostra a importância do acaso no processo evolutivo Maria Guimarães Setembro 2008 Quando se fala em evolução, aquela que Charles Darwin trouxe a público por volta de 150 anos atrás, o mecanismo que salta à mente é a seleção natural: a sobrevivência dos mais fortes diante de recursos limitados. Não é à toa. O nome completo do livro que fundou a disciplina em 1859 é Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida. Entrou para a história como A origem das espécies. Mas o principal da evolução não está aí, disse Michael Lynch, da Universidade de Indiana, Estados Unidos, na palestra “Genômica e evolução” – a última da programação cultural da exposição Revolução genômica. Adiada por dificuldades na obtenção do visto para a entrada de Lynch no Brasil, a apresentação ocorreu em 4 de agosto, com a exposição do Ibirapuera já encerrada, no Centro de Estudos do Genoma Humano, na Universidade de São Paulo. A palestra foi também mais técnica do que boa parte das apresentações da agenda cultural que se desenrolou ao longo dos últimos meses, um prato cheio para os biólogos que lotaram o auditório. Em seus estudos, Michael Lynch integra evolução, ecologia, genômica, biologia celular e parasitologia para entender os mecanismos da evolução e como surgiu a complexidade dos genomas que os projetos de seqüenciamento hoje revelam. Para o evolucionista norte-americano a seleção natural é uma das quatro forças da evolução, e não necessariamente a mais importante delas. Outra é a mutação, que acontece ao acaso e é a fonte da variação genética sobre a qual a seleção natural age. A recombinação, que a cada geração mistura os dois genomas que se encontram na fecundação, também é aleatória. E a deriva genética é uma espécie de sorteio: formas mais raras de um gene têm menos chances de passar para a geração seguinte, mas, se derem sorte, podem se perpetuar e até se tornarem comuns. Evolução ao acaso não rende boas histórias, e são boas histórias que até mesmo os biólogos buscam quando tentam explicar como a evolução torna determinada espécie mais adaptada ao ambiente em que vive. Mas a evolução, para o norte-americano, tem que ser tratada como ciência, não como ficção. Para isso tem de respeitar o procedimento de se testar cenários hipotéticos que, se não puderem ser refutados, tornam-se aceitos como a melhor explicação disponível. “Para que possamos entender de fato o que acontece na presença da seleção natural, temos de entender como se dão os processos quando ela não está presente”, disse Lynch, que prometeu mostrar “uma forma de explicar a evolução da arquitetura genômica e da estrutura dos genes que não invoca nenhum dos processos da seleção natural”. Há 55 anos, disse o palestrante, pouco se sabia sobre o DNA. Hoje o quadro é muito diferente. “Temos o seqüenciamento de aproximadamente 500 ou 600 genomas, a maioria deles microorganismos”, afirmou, ressaltando que isso não significa que se compreenda como a evolução deu origem à diversidade que povoa o mundo hoje. “O campo da genômica comparativa é muito importante atualmente, mas biologia comparativa e biologia evolutiva não são a mesma coisa. Eu e outros pesquisadores estamos interessados em transformar a genômica comparativa em um campo mais explanatório da genômica evolutiva.” Com alguns exemplos, Lynch mostrou que basta analisar os genomas de uma diversidade de organismos – desde bactérias até pessoas – para ver que quase não há relação entre a complexidade dos genomas e a dos organismos: o material genético dos paramécios, seres de uma única célula, é composto por 45 mil genes com instruções para produzir proteínas. Praticamente o dobro do número de genes dos seres humanos, embora um paramécio seja infinitamente mais simples do que uma pessoa com bilhões de células de especialidades diversas. Mesmo entre seres multicelulares, não parece haver uma correspondência entre a complexidade do organismo e o número de genes. “Nós, humanos, temos entre 20 mil e 25 mil genes, dependendo de como são contados. O baiacu tem cerca de 50 mil. Muitos diriam que seres humanos são mais complexos que baiacus, mas não sei o que o baiacu pensa disso.” DNA com enfeites Organismos mais complexos não têm necessariamente genomas maiores, mas tendem a tê-los mais ineficazes, cheios do que Lynch chama de enfeites: fragmentos de DNA que não são traduzidos em proteínas e não têm função aparente. Genomas menores, como de vírus ou bactérias, são quase inteiramente (cerca de 95%) funcionais. Em animais e plantas terrestres, por exemplo, 1% do material genético se traduz em proteínas. Lynch tenta descobrir o que há de especial nos diferentes organismos para dar origem a genomas tão diversos. Um aspecto importante é que quanto menor um ser vivo, mais abundante ele é. Populações de bactérias são várias ordens de grandeza maiores do que as de elefantes ou de baleias. Isso faz com que, em média, a biomassa de organismos diferentes seja parecida: todas as bactérias de uma dada espécie, por exemplo, têm juntas a mesma massa de todos os elefantes-africanos somados. Essas diferenças populacionais acabam por ter imensa importância em como a evolução age. Em populações mais densas, a competição acirrada é palco de intensa seleção natural. Populações pequenas, ao contrário, estão mais sujeitas à deriva genética: se uma bactéria em milhões sofrer uma mutação, um sorteio aleatório tem poucas chances de transmitir o gene alterado para a próxima geração. Já para um grupo de poucas dezenas de elefantes as probabilidades são bem diferentes. O tamanho do genoma também tem uma relação direta com as forças não adaptativas da evolução. Quanto maior o material genético, menor a taxa de recombinação. Essa relação se explica pelos cromossomos, os pacotes em que o DNA se organiza – células humanas têm 23 pares deles. De maneira geral, genomas maiores têm cromossomos maiores, e não um número maior deles. Como cada par de cromossomos só troca material genético em um ponto a cada divisão – um evento de recombinação –, cromossomos maiores em vez de mais numerosos limitam a possibilidade de permutas. “Isso é importante porque espécies que têm alta taxa de recombinação quebram as combinações de genes, permitindo que a seleção opere individualmente em cada gene”, explicou, demonstrando que a seleção natural age com mais eficiência em genomas menores. O trabalho feito no laboratório de Lynch indica também que, quanto maior o genoma, mais mutações acontecem. Simplesmente há mais espaço para erros de cópia. Além disso, o DNA de organismos com gerações mais curtas também tem mais chances de sofrer mutações. E espécies multicelulares têm uma particularidade: óvulos estão prontos desde o nascimento, enquanto espermatozóides estão sempre se formando. “Nós do sexo masculino somos a fonte de quase todas as mutações da espécie humana, pois ocorrem ao menos 3 mil divisões celulares. Por exemplo, considerando-se um pai na casa dos 50 anos, seu filho será um mutante e tanto. Eu tenho um filho de 10 anos, e sou cinqüentão. Aparentemente, ele está bem...”. Como a maior parte das mutações tem efeito negativo, abre-se aí espaço para a seleção natural agir. Há mecanismos de reparo que corrigem erros na duplicação do DNA a cada divisão celular. Mas até esses são, segundo Lynch, menos eficientes nos eucariontes – organismos com organização celular mais complexa, em que o material genético está empacotado dentro de um núcleo – do que nos procariontes. Aparentemente, ao longo da evolução o próprio mecanismo de replicação do genoma sofreu mutações e se tornou menos eficiente em organismos multicelulares. Mais uma vez, Lynch usa a genética de populações para explicar por quê: “A desvantagem dos alelos mutadores é muito pequena, o que significa que a seleção natural não pode impedir que ocorram, a não ser que o tamanho da população seja enorme”. E mais – quanto mais complexo um organismo, mais fácil é acumular mutações no sistema de reparo. Genes enxutos Comparar os genes de procariontes e eucariontes dá indícios de onde vêm as diferenças entre a eficiência de replicação desses genomas. Lynch mostrou que nos procariontes os genes são enxutos e simples: trechos de DNA com indicações para fazer proteínas, flanqueados por fragmentos que regulam a ação daquele gene. Já nos eucariontes a história é outra. Cada gene é entremeado por trechos que não têm função – os íntrons, que ele chama de enfeites –, o que torna o processo de fazer proteínas um exercício de colagem, com mais espaço para erros e variações. “Não sei como é no Brasil, mas nos EUA temos um movimento chamado Design Inteligente, antigamente chamado criacionismo, mas a estrutura genética das células eucariontes é um belo exemplo de design não inteligente. Nossos genes estão divididos em pedaços, os trechos de DNA codificante são ilhas em um oceano de DNA intrônico”, brincou. Facilita o trabalho das mutações, que têm inúmeros alvos onde podem agir na surdina. Quanto mais complexo um organismo, ressaltou, com diferentes tipos de células, maior o espaço para que mutações se acumulem. Por isso os enfeites são essenciais na evolução: “É importante lembrar que, se queremos entender a arquitetura evolutiva dos genes e sua complexidade, temos de considerar as mutações associadas à incorporação de adornos”. Como esses acréscimos genéticos não têm função, as mutações nesses trechos podem passar despercebidas, exceto se interferirem no funcionamento dos genes próximos. O maior problema de estudar genômica comparativa é que os pesquisadores formulam uma teoria sobre como a diversidade surgiu, mas não têm como testá-la nos moldes científicos. “Não teremos dados independentes até que realmente encontremos vida em Marte ou em outros planetas”, explicou. Enquanto isso não acontece, ele estuda o DNA mitocondrial. E explica a opção: “As mitocôndrias, que são a usina de força das células eucariontes, têm um genoma independente, que surgiu da colonização de uma protobactéria há uns 3 bilhões de anos”. Assim como as bactérias, as mitocôndrias têm um genoma conciso e inteiramente codificante, sem adornos. Ao comparar o genoma mitocondrial de plantas com o de animais, Lynch mostrou altas taxas de mutação no DNA das mitocôndrias dos animais, e não nas das plantas. “Não sabemos por que isso ocorre, mas o DNA com a maior taxa de mutação nas células animais é o DNA mitocondrial, maior até mesmo do que no genoma nuclear. O DNA com menos mutações está nas mitocôndrias de plantas.” Outro foco dos estudos de Lynch são os elementos de transposição, trechos de DNA que se duplicam e podem se espalhar por todo o genoma – no genoma humano eles são 70% do material genético. “O elemento mais comum no genoma humano é o elemento Alu. Se um explorador de outra galáxia chegasse à Terra e seqüenciasse o genoma humano, encontraria o elemento Alu e teria de concluir que isso é o que nos faz humanos.” Mas mesmo que o genoma de animais pareça inflado em comparação ao das bactérias, estudos sobre a evolução da arquitetura genômica indicam que o genoma dos mamíferos vem diminuindo ao longo do tempo. Há 100 milhões de anos, o genoma médio de um mamífero tinha 6 bilhões de pares de bases. O genoma humano atual tem metade disso. “Se economizássemos e fizéssemos o seqüenciamento somente daqui a 15 milhões de anos, nosso genoma teria um terço do tamanho”, afirmou. Para explicar esse fenômeno é preciso recorrer à geologia, à história do planeta. No limite entre os períodos Cretáceo e Terciário se extinguiram os dinossauros e começou a era dos mamíferos, que se tornaram bem maiores do que seus ancestrais. O Eoceno, em seguida, trouxe um período mais quente no qual, segundo Lynch, havia plantas até nas regiões polares e os mamíferos se disseminaram por todo o planeta. Vem daí a hipótese para explicar o encolhimento dos genomas nos últimos 40 milhões de anos: as populações se tornaram maiores e a seleção natural, em conseqüência, mais eficiente. “Acho isso muito interessante, pois pensamos na paleontologia e na evolução do genoma como áreas completamente diferentes no campo da biologia evolutiva. Há razões para que as relacionemos.” Para Lynch, a seleção natural é um mecanismo evolutivo importante. Mas é sobretudo o acaso – na forma de mutações genéticas e mortandade causada por catástrofes ambientais, por exemplo – que determina a complexidade do genoma. “Resumindo, o ambiente genético populacional das espécies realmente dita que tipo de evolução pode ou não ocorrer.” É a capacidade da seleção natural de tirar vantagem das diferentes arquiteturas genômicas que dá origem ao processo evolutivo.
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Pesquisa FAPESP | Edição especial - Revolução Genômica Suplemento Especial > Uma vasta reflexão estimulada pela revolução genômica Mariluce Moura* Setembro 2008 Este suplemento especial de Pesquisa FAPESP é o resultado de uma experiência nova, vivida pela equipe da revista entre abril e agosto de 2008 – ou melhor, entre janeiro e agosto deste ano, se considerarmos também os primeiros passos, as primeiras conversas, as primeiras discussões que transformaram sonhos e planos em eventos reais. Uma experiência que foi desafiadora e, não raro, apaixonante, empolgante, porque são essas disposições emocionais que são convocadas ante depoimentos que falam com intensidade da paixão da descoberta no curso de uma investigação científica. E que dizem do prazer – estético, até – que há no desvendamento longa e ansiosamente buscado de um determinado fenômeno. Sabe bem disso quem viu, por exemplo, o premiado Oliver Smithies, Nobel de Fisiologia e Medicina de 2007, transitar à vontade por entre a razão e os sentimentos, no final de uma manhã de domingo, 12 de março, no Parque do Ibirapuera, no relato de suas infatigáveis buscas, anos a fio, por evidências de que seria possível alterar um gene através da introdução de um DNA exterior. Uma perseguição científica que não respeitava horários tardios, fins de semana ou feriados tão consagrados quanto o de 1º de janeiro. Bem-sucedida, como se sabe. Smithies foi um dos convidados da revista para a programação cultural paralela da bela exposição Revolução genômica, organizada pelo Instituto Sangari, que ocupou o Pavilhão Armando Arruda Pereira, no Ibirapuera, de 29 de fevereiro a 13 de julho. Originalmente, essa exposição foi montada em 2001 pelo Museu de História Natural de Nova York e chegou ao Brasil depois de ter sido vista por 800 mil pessoas nos Estados Unidos, China e Nova Zelândia. Mas a experiência nova a que me refiro aqui é precisamente a estruturação e realização da série de palestras que integrou a programação paralela, a cargo da Pesquisa FAPESP. Foi a primeira vez que a equipe da revista atuou nessa frente de colocar renomados pesquisadores em contato direto com o público, sem a intermediação do texto escrito, seja o das reportagens da publicação impressa ou o das notícias da versão on-line, e sem o apoio das ondas radiofônicas do Pesquisa Brasil. É claro que num segundo momento, a partir de abril, todo o rico material produzido pelos 31 palestrantes que a revista mobilizou, dos quais dez cientistas vindos do exterior, passou a ser sistematicamente difundido em encartes especiais da revista impressa, e também pela internet e pelo rádio. E aparece agora consolidado nesta publicação especial. A rigor, esta publicação reúne os textos veiculados nos encartes especiais, nos quais procuramos pôr em cena a fala dos palestrantes, na forma mais próxima possível de sua emissão original. Afinal, foram palavras de quem tem algo significativo a dizer quando o que está em questão são as fronteiras do conhecimento e o lugar da ciência e da tecnologia – ou da tecnociên­cia contemporânea, se preferirem – na construção das culturas e das sociedades nas quais já estamos imersos ou que estamos projetando para um lugar chamado futuro. Foram palavras sensíveis e bem fundamentadas de pensadores num tempo em que ante nossos olhos se põem delicadas questões éticas e espinhosas questões filosóficas, abertas, às vezes, por um cientificismo absoluto, por um “biologismo” excessivo ou um tanto reducionista. Como dissemos no editorial do primeiro encarte, eles trataram de abrir espaço para a palavra que se refere diretamente aos avanços do conhecimento científico, proferida por seus protagonistas, e para a palavra que põe em debate a natureza, os limites e o caráter relativo desse conhecimento, dita por seus analistas. Podemos destacar aqui, aleatoriamente, entre outros, o norte-americano Alan Templeton, que mostrou como conhecer o genoma ajuda a reconstruir a (pré-) história humana e a entender algumas doenças. Ou os especialistas de diferentes áreas que voltaram a tempos remotos e mostraram por onde andam e aonde vão as realizações da ciência, como a arqueóloga Niède Guidon, que voltou 100 mil anos em busca dos primeiros grupos de Homo sapiens na América do Sul, e o parasitologista Luiz Hildebrando Pereira, que revisitou a descoberta das vacinas e alertou para as promessas ainda não realizadas da revolução genômica. Para além da ciência, a programação montada por Pesquisa FAPESP foi também palco para se discutir os caminhos que a levam a produzir um impacto real na sociedade. Foi o caso do debate entre o físico Carlos Henrique de Brito Cruz e o político Roberto Freire, entre a geneticista Mayana Zatz e a jornalista Cristiane Segatto, e entre algumas das responsáveis pela realização da Revolução genômica no Brasil: Eliana Dessen, Mônica Teixeira e Juliana Estefano. Nosso desafio foi, como antecipamos no primeiro encarte, muito mais do que dar notícia das palestras e dos debates, deixar vazar o pensamento, as idéias, a reflexão que cada um apresentou. Não era desafio pequeno, e essa edição especial permite ao leitor julgar se ele foi em larga medida vencido – ou não. De qualquer sorte, os leitores podem contar com a íntegra de todas as falas transcritas no site da revista, assim como têm ali pequenas amostras visuais de como eles falaram, nos vídeos de 2 a 4 minutos já disponibilizados. Reportagens especiais em áudio também estão no site dentro das edições passadas do programa Pesquisa Brasil, fruto de parceria entre a Pesquisa FAPESP e a Rede Eldorado, que já entrou no quarto ano de vigência. A primeira experiência de organização de palestras pela Pesquisa FAPESP será certamente repetida, com alguma freqüência. Trata-se de um front novo de atuação proposto pelo diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, e que se revelou uma fonte preciosa de aprendizado sobre as muitas vias possíveis de circulação e difusão social da informação a respeito da ciência. E é notável, nesse sentido, a disposição dos pesquisadores convidados para o encontro direto com o público, sua visível vontade de cooperar com um projeto de difusão científica, a despeito das agendas apertadas. Assim, queremos agradecer uma vez mais a todos os pesquisadores que aceitaram nosso convite, às vezes driblando até mesmo problemas de visto, para debater com platéias brasileiras. E, sem dúvida, queremos agradecer ao público que gastou tardes de sábado e manhãs de domingo para refletir junto com cientistas sobre quão profunda pode ser a intervenção do conhecimento científico em nosso cotidiano e em nossa visão mais vasta de mundo. Aproveitamos para convocá-los a outras empreitadas semelhantes que virão. Para encerrar: as palestras e debates que constituíram a programação paralela da Revolução genômica se ordenam aqui por três eixos: genômica; bases científicas no século XX e novas fronteiras do conhecimento no século XXI; e os desafios da divulgação da ciência. * Diretora de Redação licenciada e coordenadora executiva do projeto Revolução genômica
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Carta da Editora > Vão começar as colisões Mariluce Moura - Diretora de Redação Na carta da edição de janeiro, por uma série de razões e bem fincada nas reportagens que então destacava, falei de meu apreço pelos começos. E agora, espicaçada pela capa desta edição, corro o risco da repetição inevitável porque não há como fugir da idéia de que começos, em especial daqueles projetos raros, preciosos por sua admirável grandiosidade e ousadia, são mesmo extraor­dinariamente excitantes. Imagino que para qualquer ser humano a sensação, ou melhor, a clara consciência de estar em dado momento participando do nascimento de algo fundamental, em termos individuais ou coletivos, pode ter uma dimensão tão espantosa que até atinge o inebriante. Mas em relação a essa categoria mais ou menos particular de pessoas que são os jornalistas, mais do que imaginar, sei que esse se ver no ponto de origem das coisas e poder relatá-lo em caráter público cria um sentimento poderoso de participação na própria tessitura da história dos homens. E esse sentimento, por exagerado que possamos achá-lo, para o bem ou para o mal, termina por moldar uma certa faceta do orgulho profissional que marca jornalistas que se lançam com afinco ao exercício pleno de seu ofício, mesmo que eles não o confessem nem sob tortura. Fico a pensar como nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, se sentiu ao deparar o LHC, sigla de Large Hadron Collider, o maior acelerador de partículas do mundo, ou os quatro gigantescos detectores de partículas que dele fazem parte, tudo isso e muito mais num túnel subterrâneo com 27 quilômetros de extensão a 100 metros da superfície, no Centro Europeu de Pesquisas Nucleares, o famoso Cern, em Genebra, Suíça. Fico curiosa a respeito do que pensou então sobre o futuro da física de partículas amparada por tão portentosa infra-estrutura. Anteviu-o luminoso a revelar os segredos da origem de nosso Universo? Ele não detalhou seus sentimentos daquele momento, mas estou convencida de que irrigam muito positivamente a reportagem que produziu, preocupando-se inclusive com as possibilidades da participação brasileira no LHC. Vale conferir, a partir da página 18. Dentro dessa preocupação de observar o país no cenário internacional da produção de conhecimento -- e de riquezas -- foi que se estruturou a pesquisa Mobit -- Mobilização Brasileira para a Inovação, cujo resultado, divulgado no final de abril, é um verdadeiro diagnóstico sobre o que aproxima e o que separa os ambientes acadêmico e empresarial no Brasil daqueles de sete países investigados que produzem hoje pesquisa e inovação de classe mundial. Os detalhes mais importantes do estudo são relatados pelo editor de política, Fabrício Marques, a partir da página 34, incluindo o conceito de inovação a que o coordenador da pesquisa dá destaque, muito além da idéia apenas de tecnologia a que de hábito é associado. Alguns conceitos de fato parecem estreitos e velhos para conter a mobilidade do conhecimento entre ciência, tecnologia e inovação. Sob que rubrica tratar, por exemplo, os animais transgênicos que mais e mais são criados já não apenas como modelos para o estudo aprofundado de doenças que acometem os seres humanos, mas como verdadeiras miniusinas de determinadas substâncias, especialmente fármacos? A reportagem sobre o tema, procurando localizar os grupos de pesquisa que no Brasil estão já nesse front, elaborada pelo editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, abre exatamente a seção de tecnologia na página 84. Mas poderia transitar por outras editorias da revista sem maiores problemas. Para finalizar, recomendo a leitura muito atenta da entrevista do sociólogo José de Souza Martins, a partir da página 8, da qual vale a pena pular para a página 102, ler um pouco sobre Lévi-Strauss e sair com uma visão mais gratificante das produções das ciências humanas entre nós. Atenção depois à reportagem de Carlos Haag, editor de humanidades, sobre um estudo que revela muito da riqueza do passado nas fazendas paulistas de café, na página 96, e, claro, ao segundo suplemento especial Revolução genômica.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Entrevista > José de Souza Martins A sociologia que examina as margens, os sonhos e a esperança Mariluce Moura e Marcos de Oliveira A escrita do professor José de Sou­­­za Martins, 69 anos, é de surpreen­dente beleza, rara em textos so­­­cio­lógicos, a par de sua contundência analítica. A prosa, ou me­lhor, a conversa do sociólogo é densa, mas fluente, caudalosa, envolvente, pronta para fazer o interlocutor descortinar novas experiências, vislumbrar outros mundos, entregar-se ao inesperado das histórias, uma saindo de dentro da outra à maneira das narrativas que beberam na fonte das mil e uma noites. E tanto é assim que 3 horas de conversa com esse professor titular da Universidade de São Paulo (USP), articulista do Estado de S. Paulo, se reproduzida na íntegra, renderia exatamente cinco entrevistas do tamanho da que ocupa as páginas seguintes. E todas consistentes, transitando das questões teóricas que assolam contemporaneamente a sociologia a seus estudos sobre linchamentos; passando das análises do subúrbio às migrações da Região Sul a Rondônia nos anos 1970; indo da própria e diferenciada trajetória pessoal desse filho de operários, ele próprio um trabalhador muito precoce, tanto que aos 11 anos já estava nessa lida de adultos, aos debates sobre modernidade, cotidianidade e o lugar dos sonhos e dos resíduos de esperança na investigação sociológica. Sim, sociológica -- o professor Martins não acredita que os sonhos sejam domínio exclusivo da psicanálise e da teo­ria freudiana. Em meio a tamanha riqueza de reflexões, os trechos a seguir resultam principalmente de uma escolha por um dos eixos da entrevista, aquele que diz respeito ao livro A sociabilidade do homem simples, há pouco lançado numa segunda edição pela editora Contexto. É um dos 27 livros publicados por Martins, considerado por ele mesmo central em sua obra sociológica. Logo depois a Editora 34 lançou A aparição do demônio na fábrica: origens sociais do Eu dividido no subúrbio operário. Em tempo: Martins foi professor da Cátedra Simón Bolívar na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e professor visitante nas universidades da Flórida, nos Estados Unidos, e de Lisboa, em Portugal. É fotógrafo amador e faz parte do Conselho Superior da FAPESP. Uma versão mais completa desta entrevista estará disponível em breve no site de Pesquisa FAPESP. Gostaria de começar por um comentário de caráter estético: acho surpreendente a escrita de um sociólogo ter a beleza que seu texto exibe, por exemplo, em A sociabilidade do homem simples. Como é essa relação entre pesquisa sociológica e linguagem? - Eu aprendi sociologia no grupo do Florestan Fernandes, fui aluno dele. E o Florestan era famoso por ter uma linguagem absolutamente ácida. Isso era muito próprio da sociologia dos anos 1950, 60. O Talcott Parsons fez assim e era sucesso, portanto. Até o dia em que Wright Mills, outro sociólogo importante, disse que era preciso traduzir Parsons para o inglês (ora, ele tinha escrito em inglês!). Parsons foi derrotado na revolta estudantil de 1968, quando a rebelião juvenil mostrou que a sociologia daquele jeito não estava com nada. Há um filme com Anthony Quinn [R. P. M., 1970], em que ele é um professor de sociologia num campus universitário inglês e, em determinada cena, está andando com o livro mais complicado de Parsons, Social System, embaixo do braço, em meio àquela revolta estudantil. É uma cena emblemática porque denuncia o envelhecimento de uma sociologia muito formal, muito positivista, na maneira de tratar as coisas. Eu tive sorte de ter professores que tinham preocupações com a linguagem, até por influência de Antonio Candido, que é sociólogo também, mas lida com a literatura, é um crítico literário que sempre escreveu de uma maneira muito clara e elegante. Mas a clareza se aprende também no trabalho de campo. O sujeito que se torna um sociólogo de gabinete acaba dialogando com ele mesmo, o que é muito ruim para a sociologia e as ciências em geral, porque ele fala para ninguém. No trabalho de campo, não se pode fazer perguntas teóricas para as pessoas numa linguagem teórica. E o pesquisador depois tem que ser o tradutor da linguagem popular para a linguagem científica, é essa a sua função. Então, como eu fiz muito trabalho de campo e, além disso, venho de uma família operária, pobre, eu sempre soube que aquela linguagem hermética tinha algum problema de tradução e de compreensão. Tenho sorte de estar no meio de duas culturas, a erudita, acadêmica, de um lado, e a cultura popular. Virei, digamos assim, um intérprete lingüístico. Mas, além disso, tem um certo gosto, prazer mesmo, na lida com as palavras. - Ah, sim, porque gosto de ler, valorizo muito a literatura e acho que a sociologia, além de uma ciência, em sua expressão é também uma forma literária. O soció­logo não faz uma fórmula que explica algo em três páginas ou menos. Pense em Einstein: sua fórmula famosa [E = mc2] expressa tudo que ele descobriu numa época, não tem que ter estilo. No caso do sociólogo, ele precisa fazer um discurso, e pode fazê-lo complicado, daí poucas pessoas vão entender, ou pode fazer um discurso que cumpra uma das funções da sociologia, idéia da qual, aliás, Florestan gostava muito, que é de ser autoconsciên­cia científica da realidade social. Então, eu sempre cultivei muito essa preocupação, por isso sempre tentei não só falar claramente quando tenho que fazer alguma exposição, mas também escrever claramente. Esse livro, por exemplo [A sociabilidade do homem simples], foi escrito claramente, mas passou agora por uma grande revisão. A propósito, o livro é de 2000, com uma reedição agora em 2008. O senhor diz, na página 11, que ele se situa na ampla temática do reencontro possível do homem consigo mesmo, na diferença da nossa especificidade histórica e, além disso, que contém uma proposta metodológica, a de tomar o que é liminar, marginal e anômalo, como referência da compreensão sociológica. O propósito de 2000 se manteve em 2008? - Sim, o mesmo, aliás, um propósito que em termos metodológicos aparece em vários dos meus livros a partir de 1975, mais claramente. Penso que uma das coisas boas da sociologia, em geral não muito cultivada pelos sociólogos, é o seguinte: quando se faz pesquisa de campo e entrevista pessoas, o melhor entrevistado é o que está no limite, porque ele tem uma compreensão crítica da sociedade. Se ele é um sujeito absolutamente integrado, não percebe nada -- é uma vítima da situação, mais do que um agente, um ator qualificado da situação. Já as pessoas liminares -- e eu aprendi muito isso na roça -- conseguem ver. Por que na roça? Porque ali o mundo já está dividido, é um mundo tradicional que está sendo invadido pela ciência, pela tecnologia, pela grande política, com o grande capital chegando... Fiz pesquisa na Amazônia na época em que as grandes empresas estavam chegando, expulsando ou matando índios, roceiros etc. A coisa começa no fim dos anos 1960, mas se torna gravíssima nos anos 70. Então, as pessoas estão no limite da sociedade delas, quer dizer, aquelas sociedades não têm chance de ir adiante, estão sendo liquidadas, destruídas, pelo desenvolvimento econômico, tecnológico e social. No mesmo modo das populações ribeirinhas do São Francisco, que nos anos 1970 estavam sendo deslocadas das margens do rio para dar lugar às barragens e tinham que mudar radicalmente toda sua vida. ­ - Exatamente. Essa população, ainda que não o possa explicar sociologicamente, tem melhor compreensão do que está acontecendo no conjunto da sociedade, das contradições, do que uma população que mora no Jardim Paulista. Elas sabem que o seu mundo vai acabar. Sentem-se socialmente ameaçadas, não só pessoalmente. O mundo que conhecem, as crenças, idéias, valores, as técnicas de cultivo, tudo isso será posto em xeque pela expansão da chamada sociedade nacional, do mundo capitalista. Então, são os melhores informantes para uma etnografia do que está acontecendo. Se imaginamos, como as ciências sociais em geral imaginaram, a economia sobretudo, que o desenvolvimento capitalista em si mesmo é bom, inexorável, e que sem ele não se pode mais viver, não entendemos o que é esse desenvolvimento capitalista, quais os problemas que ele cria. E ele não cria só soluções, cria problemas para populações que não vão ser integradas. Elas não têm chance porque estão numa outra cultura, são cultas em sua cultura, mas incultas na da sociedade que avança. É essa população que pode falar melhor sobre a sociedade da qual a sociologia faz parte. A sociologia não faz parte da sociedade liminar que está sendo ameaçada, embora possa dialogar com ela, ser um instrumento para preservar as sociedades indígenas, culturas agrícolas que não deveriam ser destruí­das, concepções de botânica, de biologia, que o povo tem, mas que não estão codificadas no saber dominante. Uma sua descoberta, afirmada no livro, é quanto é revelador o discurso dessas sociedades liminares. E aí vêm as questões sobre a renovação do pensamento sociológico. - O discurso e a prática, ambos são reveladores. Quanto à renovação do pensamento sociológico, acho que a sociologia desprovida de um certo tipo de esperança é inútil. A sociologia nasceu marcada pela esperança, e eu não vou falar de Marx já, mas de Durkheim. Qual é o núcleo da sociologia durkheimiana? É a questão da anomia social. Quer dizer, a sociedade se transforma por vários fatores que são imponderáveis, vamos dizer assim, e não há como segurar o desenvolvimento social, o desenvolvimento econômico etc. Nesse processo, ela vai transformando em dejetos sociais -- sou eu que estou usando a expressão, não ele -- pessoas que não se ajustam às mudanças, a maioria, que têm um problema grave de compreensão do que está acontecendo e de para onde o mundo está indo, mas o mundo está indo. A grande questão que se põe para a sociologia é se essas pessoas vão caminhar com esse mundo ou vão ficar à margem. A sociologia de Durkheim não aposta na margem, aposta na integração das pessoas, daí que tenha sido, em grande parte, uma sociologia da educação. Tudo o que se sabe da sociologia da educação está ligado a isso: trata-se de uma sociologia justamente para superar os estados de anomia, ou seja, situações que as pessoas estão vivendo socialmente, mas não sabem bem como estão vivendo, não conhecem as normas e os valores da sociedade que se desenvolve. Elas se mantêm atrasadas, presas no passado. Em Marx a coisa é igual, dito de outra maneira. Falo do núcleo do pensamento sociológico de Marx, o Marx político é outra coisa. No Brasil foi Florestan quem resgatou o Marx sociólogo e o trabalho dele foi pioneiro nesse sentido, porque na Europa só foi se fazer isso 20 anos depois. E há um reconhecimento da sociologia brasileira e da ciência brasileira a esse respeito? - Aí tem uma questão complicada. No caso de Marx, ele diz que o núcleo do problema é a alienação do homem. Quer dizer, a sociedade muda e o homem pensa da mudança uma coisa que a mudança não é. Ele é explorado na relação de trabalho, mas não sabe como a exploração se dá, aí ele se torna conivente com a exploração. A sociedade muda em seu conjunto e ele fica confinado numa relação de conformismo relativo que o impede de acompanhar como agente ativo as mudanças que estão acontecendo. Isso é a alienação. Quer dizer, é a incompreensão que as pessoas têm do que vivem, e não é só o operário, somos todos nós, o próprio Marx era um alienado. Se você ler as cartas que escrevia para as filhas, por exemplo, verá que são de um alienado completo, com uma incompreensão medonha do que era a condição feminina numa sociedade que estava mudando. Era repressivo, punitivo, coisa que não se esperaria de uma pessoa não-alienada. Mas ele era alienado porque essa é uma sociedade que sobrevive em cima da alienação. Aí a sociologia de Marx diz: a sociedade se desenvolve, cria riquezas, mas aliena, coisifica as pessoas, transforma-as em objeto. E se se trata de pensar a emancipação humana, que é a grande meta das grandes convicções filosóficas e religiosas, é preciso compreender esse processo e dominá-lo. Como? Sociologicamente, que é o que o Durkheim também, à moda dele, estava dizendo. No caso do Max Weber, outra grande referência estrutural, histórica, da sociologia, já é diferente. Ele diz o seguinte: ``Posso compreender o que é racional. O que não é racional é residual nisso tudo, compreendo racionalmente o que não é racional, mas sei que não estou penetrando, digamos, nas sobrevivências, nas tradições etc. Explico de fora, não de dentro''. Portanto, a sociologia desde o começo se debate com esse problema, que é o de decifrar a sociedade como ela é hoje, extremamente complexa, e colocar esse deciframento à disposição dos sujeitos para que eles enfrentem sem sofrimento as mudanças que são inevitáveis. E mais: que tenham controle dos rumos das mudanças, em vez de serem sujeitos passivos de uma mudança que, deixada à sua própria conta, acaba provocando injustiças, iniqüidades, devastações, destruições humanas, neuroses e tudo o que se possa imaginar. É essa a idéia de uma sociologia que é crítica porque penetra na raiz das coisas. É crítica em relação à sociedade e aponta criticamente os equívocos de cada um de nós. Todos nós temos uma relação enviesada com a realidade. A função da sociologia é, em grande parte, explicar por que isso acontece e criar as condições de uma compreensão que seja superadora, digamos assim. Como o sociólogo, posto ao mesmo tempo num solo crítico e no terreno da alienação, pode, ao fazer a crítica, não estar alienado daquilo que está olhando? - Ele não tem como escapar da própria alienação, mas pode compreender a sua alienação sociologicamente. Fazer psicanálise talvez ajude a resolver um monte de problemas, mas não é por aí. Quer dizer, eu passei por isso, porque venho de uma família liminar, que veio do campo, migrou para a cidade, se tornou operária, e de repente me vi dentro da universidade. Como depois de toda uma infância e adolescência sacrificadas, cheias de reviravoltas, dramas familiares, trabalho precoce, e com vários anos sem estudar, se deu sua opção pela sociologia? - No curso Normal, que tinha 3 anos, do mesmo modo que o Científico e o Clássico, eu entrei em contato com a sociologia e a história e fiquei dividido entre ambas. Eu tinha uma professora de história, dona Margarida Amyr Silva, formada, como todos os docentes do curso secundário naquela época, pela Faculdade de Filosofia. Ela não escrevia na lousa, sentava e fazia uma conferência erudita. Era fascinante, não era aquela história contada cronologicamente, ela fazia interpretações sociológicas, e nos víamos ali. Ela trazia livros da casa dela e nos fazia ler, me fez ler para um seminário um livro que eu nunca leria espontaneamente, O valeroso Lucideno, do século XVII [O valeroso Lucideno e triunfo da liberdade na restauração de Pernambuco, de Frei Manuel Calado, Lisboa, 1648], de um padre que foi testemunha da invasão holandesa, e escreve em versos uma espinafrada em cima dos holandeses. É um livro clássico, um documento da história da expulsão dos holandeses no Brasil. Tive uma professora de sociologia, dona Araci Ferreira Leite, também formada pela USP, que nos fazia ler livros de ciências sociais. Quando li O homem, de Ralph Linton, um clássico da antropologia, me surpreendi: a sociedade então era explicável, tinha lógica, coerência! Quando ocorreu sua entrada na USP? - Em 1961. Fiz o vestibular certo de que não ia passar. Optara pelo curso noturno porque tinha que trabalhar de dia. Meus colegas eram todos gente de boa família, estabilizada, chique, enquanto eu estava com uma família em decomposição, vinha da periferia, literalmente vinha do subúrbio. Morava em São Caetano, na casa da minha mãe. Nem fui ver o resultado, até que alguém falou: ``Mas deixa de ser besta, vai lá ver o que aconteceu!''. Fui, na véspera do encerramento das matrículas, e tinha passado. Depois uma colega de turma da faculdade me arrumou um emprego na Nestlé, na Sete de Abril. O trabalho, no departamento de pesquisa de mercado, era uma coisa próxima do que estudava, no sentido de me aproximar das técnicas quantitativas, fazer amostras, quantificar, analisar e interpretar. Depois de 1 ano lá, um dia, um professor chamado Fernando Henrique Cardoso a quem eu definitivamente devo muito, me perguntou o que eu estava fazendo. Daí me perguntou se eu queria pegar uma bolsa, porque ele e Luís Pereira estavam recrutando três ou quatro estudantes para trabalhar nas pesquisas do Centro de Sociologia Industrial do Trabalho, que ele tinha criado na cadeira do Florestan e que inaugura a sociologia industrial no Brasil. Falei ``eu topo'' na hora e pedi demissão da Nestlé. Era uma bolsa do Inep, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, para trabalhar em um projeto sobre qualificação de mão-de-obra na empresa industrial, coisa que eu conhecia bem. Penso que Fernando Henrique levou isso um pouco em conta. Quando terminou a pesquisa, como o Florestan tinha planos de robustecer a cadeira dele, ampliar os cursos e explorar novos temas, ele iria escolher dois daqueles que tinham sido selecionados como auxiliares de pesquisa para ficarem como assistentes, auxiliares de ensino. Eu tinha certeza de que não seria escolhido porque não tinha pedigree. Isso sempre foi uma referência para mim, não é complexo de inferioridade, é não ser bobo, entendeu? Mas aí o Florestan sai lá de dentro, me chama e diz: ``Você foi um dos escolhidos, providencie os papéis para se fazer o contrato''. Em abril de 1965 eu estava contratado. A partir daí, a sua carreira acadêmica vai se desenvolvendo com vigor. - Sim. E eu me joguei de cabeça. Fui trabalhar no Centro de Sociologia Industrial do Trabalho, mas logo optei por um projeto na roça, de pesquisa sobre desenvolvimento social em regiões extremas. Peguei uma região caipira no Alto Paraíba, uma região decadente de café em Amparo e, na Alta Sorocabana, uma economia agrícola de ponta, porque queria estudar as resistências à inovação tecnológica nessas áreas. Consegui uma verbinha da FAPESP para fazer a pesquisa. Aí veio a ditadura, a crise das cassações, aquilo virou um inferno. Estávamos todos juntos, mas cada um ia se virar como pudesse. Fernando Henrique logo em 1964 teve que sair para o exílio, ele foi o primeiro perseguido, e nós fomos tateando até 1969, quando vieram as cassações. E em 1969 como ficou a sua situação? - Na noite da cassação de Florestan, fomos todos para a casa dele, que exigiu que ninguém se demitisse em solidariedade. Em Brasília tinham feito isso e foi um desastre. Porque a ditadura se regozijou com as demissões, elas facilitaram o serviço sujo que eles iam fazer. Ele disse: ``Os que não forem cassados ficam e a missão é dar continuidade ao que foi criado aqui na USP desde o Lévi-Strauss e o [Roger] Bastide. Vocês levam para a frente como puderem''. Alguns dias depois cassaram Fernando Henrique, Octávio Ianni e tal. A partir daí ficamos quebrando cara, com muita dificuldade, muita tensão dentro do grupo, porque estávamos relativamente desamparados. Eles estavam fora da faculdade e não queriam fazer nada que parecesse provocação e que levasse, portanto, à cassação dos demais. Nesse meio tempo, Jaime Pinsky, que era professor de história no que hoje é a Universidade Estadual Paulista, Unesp, começou a entrar em contato comigo e ficamos amigos. Ele era ligado à Editora Hucitec e resolveu lançar uma revista de ciências sociais, a Debate & Crítica. A revista funcionava na casa dele e eu ajudei a fazer os contatos com Florestan, Fernando Henrique, enfim, cassados e não-cassados se reuniam na revista. Não todos, porque muitos dos não-cassados não quiseram se expor. Mantivemos durante uns 2, 3 anos, aí a Polícia Federal veio em cena. Quis impor a censura prévia, e dissemos não. Lembro do Florestan furioso. Ele, Jaime Pinsky e eu, depois o Tamás Szmerecsányi, dissemos não. Isso significava, disseram, fechar a revista. Tamás chegou a ir a Brasília para conversar com o pessoal da Censura, explicar que era uma revista científica, mas não adiantou. A Debate & Crítica foi a única revista científica brasileira ameaçada de censura prévia e nunca tivemos a solidariedade de ninguém da área científica, coisa que me deixa abismado. Fechamos, esperamos alguns meses e abrimos a mesma revista com outro nome: Contexto. A revista durou enquanto foi possível, vendida em banca, livraria, com uma tiragem pequena, até 1978. O senhor nunca teve vinculação com o partido comunista? - Não, e com nenhum partido. Os comunistas me convidaram, cheguei a ir a uma reunião no Parque Dom Pedro, mas fiquei muito mal impressionado, porque havia muito autoritarismo no partido e nas esquerdas em geral. Para mim, era muito complicado ser sociólogo e ter alguém mandando em minha consciência. Falei: ``Olha, sou um cara de esquerda, sou contra a ditadura, quero que ela acabe o mais depressa possível, sou a favor de uma democracia social, alguma coisa mais avançada do que isso daqui, mas esse não é o caminho''. Bem, em 1975 eu decidi fazer uma pesquisa na Amazônia sobre a imigração, os conflitos e a violência, uma imprudência total que deu certo. Estávamos no fim da guerrilha do Araguaia e era um risco. Levei anos fazendo a pesquisa sem financiamento. Pedi um financiamento à FAPESP, ela levou 18 meses para me dar um parecer, e o que consegui, mesmo depois de uma audiência com o diretor científico, o professor William Saad Hossne, só deu para comprar uma passagem de avião de Curitiba, para onde eu tinha ido de ônibus, para Foz do Iguaçu, Cascavel, aquela era a região de onde a multidão estava saindo, dia e noite, de caminhão. A pesquisa foi então toda financiada pela ``Fundação Martins de Amparo à Pesquisa''. Quer dizer, foi de seu bolso. - Sim. Por sorte minha mulher [Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins] também trabalhava na faculdade, era docente de outra cadeira na sociologia, e então nos equilibrávamos. Banquei tudo assim ou aceitando fazer conferência em Belém, em uma cidade, outra, em troca da passagem para chegar lá. Ali era uma grande fronteira, então o governo militar estava fazendo aquela estrada de Cuiabá a Porto Velho. O Brasil sempre pensou a fronteira, e continua pensando, em termos de uma guerra. Fizeram a estrada, resolveram fazer a colonização com colonos mesmo, diferente do que foi acontecer na Transamazônica, onde o negócio do colono deu muito pouco certo e acabaram surgindo as grandes fazendas, grandes latifúndios, terra grilada, todo tipo de patifaria. No caso de Rondônia, a idéia era criar um estado de propriedade familiar, como no Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, e criar uma classe média rural. Escrevi vários trabalhos sobre isso e tem um livro, Fronteira, que espero reeditar proximamente. São vários estudos, e um deles, com crianças, ``Regimar e seus amigos'', foi uma das coisas mais gratificantes que eu fiz. Traz a fala de uma menina de um povoadinho na fronteira do Maranhão com o Pará, onde os jagunços de um grileiro puseram fogo em tudo, no povoado e na mata em volta, para matar os velhos e as crianças enquanto os pais estavam na roça. Por sorte, uma ventania levou o fogo para a direção contrária. As crianças tinham toda consciência disso. E então pedi para elas falarem e escreverem. Lembro dessa menina, a Regimar, me dando uma entrevista sentada num tronco de árvore que tinha sido trincheira dos moradores do povoado para se defenderem contra um dos tiroteios dos jagunços. Devia ter uns 9, 10 anos de idade. Eu tinha falado para as crianças na escolinha: ``Eu venho amanhã conversar com vocês''. E no outro dia chegaram todos com a melhor roupa que tinham. Ela estava toda arrumadinha, um vestido bonitinho, clarinho, e me disse: ``Professor, não fique preocupado, não. Tudo isso vai acabar. Nós vamos embora do Brasil, vamos para Roraima''. Cada história de uma pesquisa sua parece puxar outra, simultânea... - Eu nunca fiz uma pesquisa só, nunca escrevi um livro de cada vez. O trabalho intelectual flui num ritmo que não é o da indústria. É importante desenvolver duas ou três pesquisas ao mesmo tempo, porque se descansa de uma fazendo a outra. Dessa forma, um dia começamos a colher vários frutos. Sobre o subúrbio, por exemplo, desde quando entrei na universidade já fazia pesquisa sobre isso. O subúrbio me parecia uma realidade não explicada. Mantinha muitas características rurais, era o que restava da roça no urbano. E vivíamos fazendo estudos aqui sobre o urbano na perspectiva americana, quando nos Estados Unidos a coisa se desenvolveu de outra maneira. Aqui, o urbano nunca se constituiu plenamente, a não ser no centro da cidade e nos bairros residenciais da elite. O resto era rural e urbano ao mesmo tempo. O fato é que no momento da crise das cassações eu tinha uma pesquisa na roça, cobrindo todo Vale do Paraíba, a primeira pesquisa de sociologia rural no Brasil baseada em aerofotometria para determinar as unidades e sortear até uma amostra probabilística, e ao mesmo tempo investigava a formação dos núcleos coloniais do subúrbio, a influência italiana nessa formação. Fui reunindo muito material sobre o subúrbio, fiz muita pesquisa histórica, porque a idéia original era produzir uma trilogia e esse livro reeditado agora, A aparição do demônio na fábrica, é um dos resultados de tudo isso. É diretamente sobre a questão da cultura popular e da consciência social que a classe operária tem no cotidiano. Não essa consciência de classe que os sociólogos discutem e que nunca se realiza. Eu gostaria de pegar aquela questão da modernidade e do moderno como está em A sociabilidade do homem simples. Veja-se esse trecho: ``Se a modernidade é o provisório permanente, o transitório como modo de vida, a moda; a nossa questão é saber qual a forma que ela assume em sociedades como as sociedades latino-americanas e na sociedade brasileira em particular e, em muitos aspectos, tão diversa do restante da América Latina''. Que forma ela assume? - Bom, a brasileira é uma sociedade híbrida em todos os sentidos. Temos em São Paulo índios e temos essa falsa Nova York que é a avenida Paulista, com suas riquezas, sua mentalidade pretensamente cosmopolita etc. A diversidade é muito grande e a modernidade, num certo sentido, é isso, essa combinação da diversidade. Mesmo na sociologia muita gente confunde a modernidade com moderno. O moderno é apenas um momento, um aspecto da modernidade. E alguns chamam de pós-modernidade essa combinação, essa mistura, digamos, de tempos. Eu acho que isso é inerente à própria modernidade, não existe modernidade e pós-modernidade. O Brasil é muito caracteristicamente essa estranha combinação. Não somos o Paraguai, a Bolívia ou o Equador, que estão mais parados no tempo e então a modernidade não é assim tão escandalosa, tão escancarada, tão visível. Aqui é. Quer dizer, você sai da avenida Paulista, desce numa estação de metrô, viaja uma hora em qualquer direção e chega ao século XIX ou mesmo XVIII, dependendo do lugar. Ao examinar a questão da modernidade, seu livro entra no terreno da imagem, assunto fundamental nos estudos de comunicação. Destaco esse trecho que se segue à observação das antenas parabólicas nas favelas: ``É como se as pessoas morassem no interior da imagem, e comessem imagens. A imagem se tornou, no imaginário da modernidade, um nutriente tão ou mais fundamental do que o pão, a água e o livro. Ela justifica todos os sacrifícios, privações e também transgressões'' (p. 36). Isso me parece estranhamente próximo do conceito de Muniz Sodré sobre o que ele chama bíos midiático, a vida midiatizada. - Não é só do Sodré essa noção do viver no interior das imagens. É uma tese geral dos sociólogos que trabalham com a questão da modernidade. A modernidade é a sociedade da aparência, da imagem. Ali numa favela em que as pessoas moram em caixotes de 2 ou 3 metros quadrados e o esgoto passa por dentro do caixote tem pendurado no barraco, e eu tenho fotografias disso, a televisão mais moderna que elas podem comprar. Quer dizer, elas não têm o que comer, é essa presunção que a gente tem e no geral é verdadeira, mas a televisão, não dá para viver sem ela. Nesse mesmo capítulo sobre a modernidade há um diálogo seu com [Nestor García] Canclini (p. 20), e eu gostaria de saber se também não há ali, embora não explícita, uma resposta a Paul Baudrillard, nas referências à noção de simulacro. - Não necessariamente. Na verdade, um dos meus autores fundamentais de referência é o Henri Lefebvre, que foi pioneiro em relação a isso tudo e tratou desses conceitos ligados à modernidade de uma perspectiva muito mais sociológica do que eles porque considerou outros aspectos da realidade social. No retorno a Marx, ele era um autor que distinguia entre o Marx marxista e o Marx marxiano. Marx não era marxista, era marxiano. Disse isso ao genro, Paul Lafargue: ``Se isso que você escreveu é marxismo, eu não sou marxista''. Marx era muito mais sociólogo do que dizem. Ele tentou entender o que era a sociedade contemporânea. Claro que caiu na tentação de achar que os sociólogos podem mudar a sociedade. O sociólogo não pode mudar nada. Em seu diálogo com Lefebvre, o que é mais enriquecedor para entender a sociedade brasileira? - A retomada do método dialético por Lefebvre, que é justamente considerar os extremos, as anomalias, as coisas estranhas e diferentes em relação aos modelos dominantes, como sendo uma referência de natureza metodológica fundamental. No capítulo após o do exame da modernidade e dos desafios de renovação do pensamento sociológico, encontramos o seguinte sobre a crise dos grandes sistemas explicativos (p. 52): ``As grandes certezas terminaram. É que com elas entraram em crise as grandes estruturas da riqueza e do poder (e também os grandes esquemas teóricos). Daí decorrem os desafios deste nosso tempo. Os desafios da vida e os desafios da ciência, da renovação do pensamento sociológico''. Até pensando nos sociólogos em formação nesse momento, como traduzir na linguagem do senso comum esses desafios? - O que eu estou tentando sublinhar nesse texto é que a sociedade sempre se achou muito protegida contra grandes mudanças. Elas vinham devagar, havia tempo de se preparar para elas, só que hoje não é mais assim, elas acontecem da noite para o dia. Quer dizer, eu estou aqui discutindo sociologia com vocês, mas não tenho certeza que a sociologia seja essa, a essa altura. Porque tem gente criando em cima da tradição sociológica em tudo quanto é canto. Criando bem e criando mal. Eu estive em Cambridge há uns 2 anos, comprei um livro de Anthony Giddens, que é um grande manual de sociologia, um calhamaço, por uma libra esterlina. Achei estranho ser tão barato, aí consultei um colega meu e ele explicou que era porque o livro se tornara obsoleto e ele produziu um outro guia, em que teve que alterar tudo. Como trabalhara com temas do cotidiano, da vida miúda, o que sabia antes já não valia mais. Ao lidar com as questões da teoria em A sociabilidade, e pensando sobre a divergência de orientação de marxistas e fenomenologistas na sociologia, há uma referência à possibilidade de algum encontro, que cria um lugar de conhecimento. Como se costura essa possibilidade teórica em sua experiência? - Acho que consegui fazer isso e não estou dizendo que seja a solução melhor, pode ser que outro encontre uma melhor que a minha. A sociologia sempre se baseou no pressuposto de que as grandes correntes do pensamento sociológico são incompatíveis. Florestan Fernandes é muito criticado porque em Os fundamentos empíricos da explicação sociológica junta Marx, Weber e Durkheim, é verdade que separando em capítulos, mas num certo sentido ele defende a tese de que é possível combinar essas três orientações teóricas. Eu penso que o encontro pode se dar se eu tomo a perspectiva dialética, que é o único método que permite lidar com a esperança nos dias de hoje, no que ela tem de residual. A esperança se tornou residual, ela não é mais uma meta para ninguém. A modernidade acabou com a esperança. Mas como é essa esperança residual? - Pela volta à dialética que Lefebvre preconiza, pela volta ao método de Marx, há que descobrir quem é o agente da esperança. Era a classe operária no século XIX por razões sociológicas que Marx mostrou. Mas temos que saber hoje quem são os protagonistas da esperança. Ou os portadores inconscientes das possibilidades de mudanças que realizem, no mínimo, essa utopia de que o mundo tem que ser um mundo de alegria, liberdade e fartura. Temos pistas para identificar esses atores? - Temos que fazer pesquisa. O caminho começa pela crítica da sociedade atual, como o Marx fez crítica da economia política que regia o século XIX, como Lefebvre fez crítica da vida cotidiana em relação ao começo da segunda metade do século XX. Onde é que a sociedade está se afogando? Está se afogando na vida cotidiana, no visível, no vivencial. Então, eu quero saber o que é que é isso. Porque, se não existe mais esperança, se a sociedade é só a vida cotidiana, eu tenho que entender a vida cotidiana para dizer: ``O mundo, a sociedade é assim, tchau e bênção''. Mas mesmo nesse momento em que o cotidiano parece engolir tudo, há algumas pistas de quem porta a esperança? - ``Quem'' é uma pergunta do marxismo vulgar. Então, o quê? - Os chineses diziam ``são os camponeses''. Os russos diziam ``são os operários''. E cada um inventava o seu. Não, não é por aí. A pergunta está errada. Essa é uma pergunta que a crítica do marxismo tem que fazer para questionar. Se essa é uma sociedade dominada pelo cotidiano, há que pesquisar para saber que cotidiano é esse, como as coisas se põem na vida cotidiana. E, claro, como a dialética trabalha com o tempo histórico, com a questão da temporalidade, é nas contradições da vida cotidiana que vamos descobrir os resí­duos de esperança. A esperança é residual na vida cotidiana, no mundo da cotidianidade. A grande questão posta por Lefebvre, que depende de pesquisa e não de uma resposta apressada do sociólogo, é saber em que condições pode haver uma coalizão desses resíduos que ganhe corpo e diga: ``É por aqui, aqui tem uma brecha''. Isso é da condição do movimento estudantil de 1968. O operariado era conservador nos Estados Unidos, era conservador na França. Eram os jovens que estavam inquietos com as injustiças sociais, com o imobilismo social, não havia espaço para eles. Então, os jovens representavam o radicalismo daquele momento, a possibilidade da coalizão. E o que aconteceu para que a coalizão não se sustentasse? - Rapidamente eles foram cooptados. A questão é investigar como. Agnes Heller desenvolveu uma tese que está também, secundariamente, num livrinho de Lefebvre, A proclamação da Comuna, em que chama a atenção para o seguinte: os portadores do novo são os que têm necessidades radicais, que não podem ser resolvidas nessa sociedade. A fome de saber, por exemplo, de conhecimento, a fome de escola. Se analisamos o subúrbio, e eu já chamei a atenção para isso várias vezes, no ABC, enquanto os comunistas diziam que a classe operária lutava pelo salário, ela lutava por escola. Eu estava lá, sei o que é isso. Os políticos populistas perceberam, a esquerda não. Toda a demanda era no sentido de levar o ensino secundário ao ABC, levar a universidade, e levaram. Quer dizer, a demanda radical é outra. E as demandas mudam de lugar, de categoria social, de época e do modo de se expressar. Por isso precisamos de uma sociologia que saiba investigar isso e saiba responder. Sua investigação do sonho foi para ver como se apresentavam, numa outra instância, essas necessidades radicais? Se apropriar do sonho na sociologia é uma aposta ousada. - É, atrevida, né? Eu fiz uma recomendação expressa para os alunos que fizeram a pesquisa, cujos trabalhos publiquei depois, de que era proibido ler Freud. Porque eles tinham que descobrir por fora da teoria freudiana o que os sonhadores estavam dizendo de si mesmos com os sonhos. - Claro, o que disse foi que se eles lessem Freud, A interpretação dos sonhos, por exemplo, ou o que os freudianos dizem, não conseguiriam fazer um trabalho sociológico. Proibi para que conseguissem imaginar, criar e ousar. Freud explicou do ponto de vista da psicanálise. Agora, sociologicamente é outra coisa. E no Brasil, aqui na USP, tínhamos dois trabalhos de referência, um do Bastide e outro do Florestan. Bastide pesquisou o sonho do negro e descobriu uma coisa importante que deixa os negros furiosos hoje em dia: só é negro quem sonha como negro. Isso significa sonhar com os arquétipos da cultura negra, em que não existe a separação entre a vida e a morte. Esse trabalho é antigo, e depois ele voltou ao tema. E quanto ao trabalho de Florestan? - É uma pesquisa inacabada sobre sonhos. O Florestan da juventude era muito interessante, muito aberto à indagação. Ele não só fez o primeiro e um dos raríssimos trabalhos da sociologia no mundo inteiro sobre crianças, As trocinhas do Bom Retiro, como essa fez essa pesquisa sobre sonhos nos bairros de São Paulo. Ele estava interessado numa coisa muito original e muito criativa que é como as pessoas interpretam os sonhos. Porque, diz ele, e isso é bem sociologia: ``Se eu descubro a chave da interpretação dos sonhos, a chave do homem comum, não do Freud, eu posso vasculhar a mentalidade, eu posso compreender o entendimento que ele tem da sociedade em que vive''. Florestan deu várias dicas nesse trabalho inacabado, publicado em Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. Eu usei essas dicas, está citado em meu trabalho, porque é fundamental. É preciso voltar ao tema e fazer uma pesquisa específica. Então o sonho ajuda a entender quem é o sujeito? - Claro. Erich Fromm chamou a atenção para isso já há tempo em Consciência e sociedade industrial. A questão é a seguinte: essa sociedade dividiu o nosso mundo em mundo da vigília e mundo dos sonhos. E o negro que passou por isso é só residualmente negro. Todos nós, na sociedade ocidental, vivemos essa divisão. O cristianismo fez isso: separou, rachou o nosso eu em duas metades, uma oculta, que não reconhecemos a não ser indiretamente, e uma metade visível, essa em que estamos aqui, conversando, podemos falar. O diurno e o noturno, o corpo e a alma... - Sim, tudo isso separado. Então, o que colocamos lá no mundo do sonho? Os medos. Mas são os medos que nos regem quando estamos acordados, só que não sabemos. Então eles explodem no sonho. Fizemos então um banco de sonhos. As pessoas sonham com a casa, que é uterina na nossa cultura. Elas se refugiam dentro de casa, só se sentem tranqüilas dentro de casa, mesmo com os mortos da família ali. Elas têm medo da rua, da circulação, do movimento, elas têm medo do que não é comunitário, familístico e uterino. Somos primitivos nesse sentido. Somos arcaicos mesmo, em certa medida. - Sim, ninguém é só moderno, somos arcaicos também e esse arcaico é regulador, é regulador dos medos, das inseguranças. Quer dizer, a pessoa passa medo o dia inteiro, mas de noite sonha com o útero da mãe, com a casa do pai e da mãe, se refugia lá dentro e se sente abrigada. Mas aí sonha que os carros começam a passar por dentro da casa, que os estranhos batem na porta e atravessam sem pedir licença, e por aí vai. Um leão entra em casa ou, então, ela está no banheiro e descobre que as paredes são todas de vidro, ela está totalmente exposta... A pesquisa também encontrou que os rostos na rua não são rostos revelados nos sonhos, não é? - É, as pessoas não conseguem identificar. É o difuso, o que não tem identidade, o que as pessoas não conseguem lembrar. Essa é a experiência de todos nós. Você anda na rua, sai do largo São Francisco e vai até o largo de São Bento. Aí eu lhe espero lá na igreja de São Bento, entrando naquela salinha da padaria lhe peço para me dizer como era a cara das pessoas que você encontrou na rua. Você vai lembrar da cor do vestido, do sapato, do nariz, mas não do rosto. Se for um sujeito vesgo, você vai lembrar da vesguice, mas não vai lembrar do restante. Quer dizer, é uma sociedade mutilada. Eu queria destacar esse trecho em seu livro (p. 60), porque acho de uma beleza extraordinária: ``O que nos aterroriza nos sonhos é a denúncia que nós mesmos nos fazemos de nossos temores e terrores, matérias-primas de nosso conformismo. A coragem da nossa noite põe diante de nossos olhos e da nossa consciência a coragem que nos falta durante o dia, em face do que nos conforma e nos obriga. A loucura da noite e do sonho denuncia a insanidade do dia e da vigília: a insanidade de um agir conduzido e demarcado por um querer alheio, não interrogado, nem questionado''. Além da beleza, alude à nossa alienação inevitável. - Exatamente. O tema do livro é a alienação. A pessoa é um conjunto de divórcios, porque ela é de dia o que não é de noite. Eu estudo linchamentos, em volume é uma das grandes pesquisas que eu faço, com 2 mil casos catalogados em meu banco de dados. O que mais me impressiona é que a violência nos linchamentos noturnos é imensamente maior do que nos linchamentos diurnos. Por quê? Porque a sociedade moderna é uma sociedade de covardes. Eles fazem na escuridão o que não conseguem fazer à luz do dia. Então ficam valentes no escuro. Atiram pedra, queimam o outro vivo, matam, esmigalham os olhos do outro etc., porque estão na escuridão, isso é de uma covardia espantosa. É o mesmo que o torturador faz na tortura. A covardia se transformou numa instituição. Aproveito sua afirmação de que ``a pesquisa empírica faz a diferença enorme entre o ensaísmo sociológico de fundo filosófico e a sociologia propriamente dita'', para lhe perguntar: o que é a sociologia, em sua visão? - A sociologia é uma das ciências mais interessantes que surgiram nos últimos 100 anos, 150 anos. Não tanto quanto a antropologia, que é uma ciência concorrente e complementar, no fim das contas, mas é muito interessante porque é um grande instrumento de conhecimento dos enigmas do mundo moderno. A sociedade antiga não tinha enigmas. Tudo estava explicado ou pelos filósofos ou pelos teólogos, e o senso comum assimilava isso sem nenhum problema. E todos viviam em paz. As guerras eram por outros motivos. Hoje a sociedade tem enigmas demais e os enigmas se multiplicam diariamente. Uma coisa, um enigma, por exemplo, um caso brasileiro: o número absurdo de filhos que matam os pais. E mais pais que matam os filhos. Isso nunca foi admitido como uma coisa aceitável, continua não sendo, só que está acontecendo. A sociologia pode ajudar a explicar isso e, eventualmente, até se traduzir em políticas públicas que, no fim das contas, evitem a tragédia, a mais grave das tragédias. O caso dos linchamentos também. Os sociólogos, em geral, têm se interessado mais pelos sistemas políticos do que pelos temas do cotidiano e da sociedade, das pessoas simples propriamente, que somos todos nós, o que não é bom. A sociologia por enquanto perdeu esse bonde, pode ser que ainda pegue. Mas ela se debate com um número tão grande de urgências que isso a levou ao equívoco de fazer opções temáticas. Duvido, por exemplo, que haja tantos projetos sobre cotidiano, na FAPESP e no CNPq, quanto há sobre o MST. E o MST, nessa altura, já se tornou irrelevante, porque ele está tão estudado, é tão conhecido e tão previsível que não há mais nenhum mistério em relação a ele. Não é mais um enigma para ninguém, portanto, não é mais um tema. Mas um dos grandes enigmas da atualidade é o que aconteceu com a esperança.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Memória > Mal de amor e saudades Disco pioneiro de modinhas coloniais e imperiais será relançado depois de 40 anos Neldson Marcolin Uma feliz conjunção entre música e história se tornará acessível aos interessados nestes 200 anos da chegada da Corte portuguesa ao Brasil. O disco Modinhas coloniais e imperiais, esgotado desde 1967, será relançado em São Paulo no formato de CD. A obra é o primeiro registro gravado em longplay (LP) totalmente dedicado à modinha, que atravessou o período colonial, estendendo-se ao Império, sempre cultivada nos salões do país. A gravação em longplay, o antigo disco de vinil, começou a tomar forma quando uma jovem pesquisadora em ciências sociais, a também cantora lírica paulistana Léa Vinocur Freitag, foi convidada para cantar modinhas coloniais acompanhada pelo pianista Osvaldo Lacerda no programa de televisão de Silveira Sampaio, em 1964. O convite partiu do pesquisador Mozart de Araújo, que lançava o livro Modinhas e lundus do século XVIII. Ele havia pesquisado em arquivos portugueses e brasileiros e incluiu no seu livro os versos de Marília de Dirceu, do desembargador e poeta árcade Tomás Antônio Gonzaga. Esses versos teriam sido musicados por Marcos Portugal, músico português que veio ao Brasil em 1811, nomeado por dom João VI mestre da Capela Real. A soprano Léa gostou da experiência e decidiu estudar esse gênero musical dos séculos XVIII e XIX. “As modinhas tinham uma grande influência da ópera”, explica. “O centro da vida social e musical, tanto de Portugal como do Brasil daquela época, concentrava-se na igreja, na ópera e nos salões.” As musas do movimento literário Arcadismo eram sempre Marílias, Tirces, Márcias, que aparecem em quase todos os poemas anônimos como musas do amor infeliz. No entanto, Mário de Andrade aconselhava que se cantassem as modinhas – “esses textos de mal de amor e saudades” – com o “rosto sorridente”. No prefácio de seu livro Modinhas imperiais o escritor comentava: “Não é possível tomar a sério toda essa choradeira sistematizada, e em nenhuma execução vai melhor do que nestas modinhas aquele sorriso aos ouvintes que o velho ‘mestre da solfa’ aconselhava os cravistas no tempo dele”. Até 1966 as descobertas de Mozart de Araújo e a compilação de Mário de Andrade não haviam sido gravadas. À época Léa já estava na pós-graduação estudando sociologia da literatura sob orientação de Ruy Coelho, pesquisando sobre a modinha. “Foi então que tive a idéia de gravar parte desse material”, conta. Ela pediu e obteve financiamento da FAPESP para fazer um longplay inteiro com seu objeto de pesquisa. Convidou a pianista Maria do Carmo de Arruda Botelho, que já tinha uma carreira internacional, para acompanhá-la. No lado A, Léa gravou algumas “liras” de Marília de Dirceu, com harmonização de Osvaldo Lacerda e música de Marcos Portugal. No lado B, cantou as modinhas imperiais, que constam do álbum de Mário de Andrade. Em 1967 foram prensados 600 discos, distribuídos para pesquisadores, jornalistas e radialistas. O trabalho foi saudado pelo pioneirismo e qualidade artística. Léa Freitag seguiu sua carreira musical, jornalística e universitária. Cantou em recitais no Brasil e no exterior, escreveu crítica em jornais e revistas, publicou o livro Momentos de música brasileira (Nobel, 1985), gravou o CD Sarau das musas e chegou a professora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Aposentada, achou que era o momento de organizar e recuperar trabalhos importantes do passado. Quando gravou o disco de modinhas, ela queria apenas deixar registrado algo que nunca havia sido gravado. Agora transforma o velho LP em CD, para que todo o esforço despendido não fique perdido em velhas discotecas. Dessa vez Léa vai pagar do próprio bolso a remasterização do disco, transformando-o em CD e colocando-o à venda na Livraria Cultura do shopping center Villa-Lobos, em São Paulo. O CD será relançado no dia 12 de junho. Terá a mesma capa de 1967, com desenho da pintora Yola Cintra, representando parte da antiga Vila Rica, com a casa de Dirceu. Léa quer deixar registrado, em definitivo, esse momento incipiente da vida musical brasileira de séculos passados.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Ciência > Capa Ponto de encontro Quase 10 mil pesquisadores, entre eles 68 brasileiros, fazem os ajustes finais no maior acelerador de partículas do mundo Ricardo Zorzetto, de Genebra No domingo 6 de abril a cidade ainda dormia quando o bonde parou pontualmente às 8h28 da manhã na estação central de Genebra. Em poucos segundos, dezenas de pessoas apressadas lotaram seus vagões, rumo ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), laboratório internacional de física liderado por 20 países da Europa, nos arredores da capital dos relógios suíços. Ao chegar ao imenso globo de madeira à entrada do Cern, o pequeno grupo se somou a uma multidão de pessoas de línguas e países diferentes que aguardavam a abertura dos portões. Nem o vento, nem os 9 graus da primavera suíça os haviam impedido de trocar o conforto de suas casas aquecidas por horas de espera em longas filas ao ar livre. Ninguém queria perder a última chance de conhecer a caverna. Situada 100 metros abaixo da superfície, a caverna em questão nada tem a ver com os montes Jura, que se erguem a oeste do Cern, na fronteira da Suíça com a França, onde 2 séculos atrás o naturalista alemão Alexander von Humboldt encontrou fósseis de animais do período geológico que chamou de Jurássico. A caverna que todos queriam ver é uma das mais imponentes obras criadas pelo ser humano: um túnel circular com 27 quilômetros de extensão que abriga o Large Hadron Collider (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, que começa a funcionar nos próximos meses. Quando finalmente for ligado em julho ou agosto deste ano, após quase 2 décadas de planejamento, construção e atrasos, esse equipamento deve permitir aos 10 mil físicos e engenheiros que trabalham no Cern – entre eles 68 brasileiros – compreender melhor como a natureza se comporta num espaço infinitamente pequeno, bilhões de vezes menor que um grão de areia. Antes de fechar o acesso ao túnel, os pesquisadores interromperam os trabalhos de rotina e os ajustes finais dos equipamentos no início de abril para outra atividade importante, repetida de tempos em tempos: mostrar ao mundo como foram investidos os quase US$ 9 bilhões consumidos de 1993 até agora na fabricação e montagem do LHC. “Eles sabem vender o peixe”, comentou o físico brasileiro Sandro Fonseca, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), durante uma caminhada pelos corredores do Cern, onde atualmente desenvolve seu trabalho de doutorado. “O cidadão europeu que paga impostos vem passear e ver como seu dinheiro foi empregado.” No primeiro domingo de abril 53 mil pessoas, um décimo da população de Genebra e cidades vizinhas, atravessaram os portões do maior laboratório de física de partículas do mundo. Assistiram a vídeos e palestras sobre o novo acelerador e receberam explicações sobre avanços que a física proporcionou a áreas como a medicina, a exemplo da tomografia, que permite fazer imagens de órgãos em funcionamento, ou as telecomunicações – em 1989 Tim Berners-Lee desenvolveu no Cern o sistema de comunicação world wide web, que tornou a internet acessível ao público. Quem deixou para trás o habitual almoço em família pôde também visitar o museu de ciências Microcosmo e até mesmo conhecer o quartel-general do Cern: o centro de controle inaugurado em março, de onde serão monitorados oito aceleradores de partículas – o LHC é o mais novo e mais potente. “Aqui não há nada a esconder”, disse o engenheiro inglês Terry Pritchard, que durante anos desenvolveu e testou componentes eletrônicos para o LHC e, atualmente aposentado, guiou a visita de jornalistas. Na caverna - Das 53 mil pessoas que foram ao Cern, 20 mil desceram à caverna. E se impressionaram com o que viram. Entre espessas paredes de concreto, uma sucessão de 1.624 tubos azuis e brancos, cada um com 14 metros de comprimento e 1 de diâmetro, enfileiravam-se em seqüência formando um anel de 27 quilômetros. No interior desses tubos, dois feixes de partículas mais finos que um fio de cabelo viajarão em sentidos opostos a velocidades próximas à da luz (300 mil quilômetros por segundo). Guiadas por potentes eletroímãs resfriados a -271°C, as partículas percorrerão na maior parte do tempo trajetórias paralelas. Em quatro pontos do anel, porém, seus caminhos se cruzarão e, como nuvens de uma tempestade, amontoados de 100 bilhões de partículas de carga positiva (prótons) encontrarão outros 100 bilhões vindos em direção contrária. Apesar desse número de prótons, apenas 20 colisões devem ocorrer quando uma nuvem passar pela outra. Por isso é preciso fazer essas nuvens colidirem milhões de vezes por segundo para gerar um número de choques elevado o suficiente para ser analisado pelos físicos. Ao lançar um próton contra outro a velocidades altíssimas e um nível absurdamente elevado de energia (7 trilhões de elétrons-volt ou teraelétrons-volt, TeV), os pesquisadores esperam fragmentá-los em seus componentes mais fundamentais: os quarks, partículas menores e indivisíveis formadoras da matéria; e os bósons, partículas responsáveis pela transmissão de três das quatro forças da natureza (eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca), que mantêm os quarks unidos em blocos maiores de matéria. Essas partículas – um total de 48, sendo 36 de matéria e 12 de carregadoras de força – estão previstas no Modelo Padrão, o conjunto de teorias desenvolvidas nos últimos 50 anos para explicar o comportamento da matéria no nível submicroscópico. Mas nem todas foram observadas experimentalmente. Acredita-se que a maior parte delas – à exceção de quatro ou cinco mais estáveis – seja extremamente fugaz e se transforme em outras partículas tão logo criadas. Com partículas escapando entre os dedos, os físicos ficam na dúvida: ou a teoria não representa suficientemente bem a realidade e algumas partículas de fato não existem, ou apenas não havia sido criada até o momento uma máquina poderosa o suficiente para encontrá-las. “É consenso que o Modelo Padrão é bom”, diz Arthur Maciel, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, membro de uma das equipes do Cern. “Mas não explica tudo. Talvez ele seja apenas uma boa aproximação de algo mais completo que não conhecemos.” Atrás da resposta, pesquisadores do mundo todo não vêem a hora de os prótons começarem a colidir dezenas de metros abaixo dos campos e plantações nos arredores de Genebra. As apostas são de que o LHC seja a tão aguardada máquina. Ainda que esse acelerador forneça energia suficiente para espatifar os prótons e resolver essas questões – o choque entre dois prótons resultará numa energia de 14 TeV, elevadíssima para uma partícula, mas insuficiente para ligar um celular por mais que alguns segundos –, os físicos terão muito trabalho antes de confirmar se encontraram o que buscavam. Como as partículas fun­damentais são instáveis e em frações de segundo originam outras gerações de partículas, os pesquisadores se valem de gigantescos aparelhos chamados detectores para saber o que se passou no local da colisão. Com forma de barril ou de cilindro, os detectores são construídos ao redor do ponto em que ocorre o cho­que e são compostos por quatro camadas de materiais distintos que registram a energia e a velocidade das partículas que os atravessam, além do caminho percorrido. Com base nesses dados, calculam outras propriedades como a massa e a carga elétrica. Mas têm de trilhar o caminho inverso feito pela segunda ou terceira geração de partículas – do ponto em que desaparecem àquele em que surgem –, para descobrir quais foram as geradas inicialmente na colisão. “É uma espécie de engenharia reversa”, comenta o físico Dílson de Jesus Damião, da equipe de Alberto Santoro na UERJ, que desenvolve seu doutorado no Cern. No LHC são quatro os principais detectores. Dois deles, o maior, Atlas, com 46 metros de comprimento, 25 de altura e 7 mil toneladas, e o mais pesado, o Compact Muon Solenoid (CMS), 21 metros de comprimento, 12 de altura e 12,5 mil toneladas, se encarregarão de analisar os choques entre prótons em busca de partículas ainda não encontradas do Modelo Padrão e fenômenos desconhecidos da física. Já o Alice, acrônimo de A Large Ion Collider Experiment, funcionará apenas 3 meses por ano para analisar o resultado do choque de partículas mais pesadas (núcleos do elemento químico chumbo) e verificar a existência de um quinto estado da matéria: o plasma de quarks e glúons. Formado por dois tipos de partículas elementares – os quarks, partículas de matéria, e os glúons, partículas que carregam força –, esse plasma só deve existir a temperaturas elevadíssimas como as produzidas nos primeiros instantes após o Big Bang, a explosão que teria originado o espaço e o próprio tempo 13,7 bilhões de anos atrás. Depois de criada, essa sopa primordial de partículas teria existido por uma ínfima fração de segundo, num período que o Universo era muito quente e pequeno: sua temperatura chegava a 1 quatrilhão de graus – hoje é de -270°C – e se estendia por apenas 300 milhões de quilômetros, quase nada ante os atuais 117 sextilhões de quilômetros. Velha conhecida - Um detector de dimensões mais modestas, o LHCb, investigará especificamente a desintegração de partículas elementares de matéria chamadas méson B em outras partículas. O objetivo é tentar compreender por que no Universo a quantidade de matéria é diferente da de antimatéria, formada por partículas de mesma massa, com cargas opostas e sentido de rotação contrário. “Os valores que outros dois experimentos, o BaBar e o Belle, já mediram não justificam a diferença observada no Universo”, explica o engenheiro eletrônico Rafael Nóbrega, que faz doutorado no Instituto Nacional de Física Nuclear de Roma e passou os últimos meses testando 15 mil chips e 1.400 câmaras de um sistema de detecção do LHCb que registra eventos de bilionésimos de segundo. À medida que se aproxima a inauguração do novo acelerador do Cern, uma partícula em especial ganhou as páginas de jornais e revistas do mundo todo, a ponto de já ser tratada quase como uma velha conhecida: o bóson de Higgs. Talvez até se justifique o frisson, embora o estardalhaço tenha incomodado a comunidade dos físicos, em especial depois que o norte-americano Leon Lederman, que recebeu o Nobel de Física de 1988, chamou-a de partícula Deus no livro The God particle: if the Universe is the answer, what is the question?, publicado em 2006. Proposta pelo físico escocês Peter Higgs em 1964, essa partícula de interação, se encontrada, explicará a massa de todas as outras partículas elementares – ou por que algumas têm massa e outras não. “Os [físicos] teóricos se divertem discutindo o que seria pior: descobrir o bóson de Higgs com as propriedades previstas pelo Modelo Padrão ou descobrir que não há bóson de Higgs”, escreveu o físico inglês John Ellis, do Cern, em artigo publicado em julho de 2007 em um especial da Nature sobre o LHC. O primeiro caso representaria mais um sucesso dessa teoria, até o momento aprovada em todos os testes a que foi submetida, mas não traria nada de novo para a física. Se essa partícula não existir, o Modelo Padrão estará condenado, e os físicos terão de justificar o resultado aos políticos que apoiaram o financiamento do LHC. “Seja qual for o caminho que a natureza escolher, a boa notícia é que o LHC nos dará uma resposta experimental definitiva e porá fim às especulações”, afirmou Ellis. “A física se tornará mais interessante se o bóson de Higgs não for encontrado, porque teremos de repensar tudo o que foi feito até agora”, comentou o físico brasileiro Roberto Salmeron, que vive em Paris e fala com a experiência de quem viu nascer boa parte da física moderna. Último assistente brasileiro do italiano Gleb Wataghin, que formou a primeira geração de físicos no Brasil, Salmeron foi trabalhar em 1956 no Cern, 2 anos após sua fundação. “O Prêmio Nobel Patrick Blackett, meu orientador na Universidade de Manchester, sugeriu ao Cern convidar físicos que estudavam raios cósmicos para pensar experimentos a serem feitos, quando o primeiro acelerador estivesse pronto”, disse. “No início do Cern trabalhávamos em barracas de madeira emprestadas pelo aeroporto de Genebra.” Em vez de barracos, hoje se assentam nos arredores da cidade centenas de prédios de poucos andares, que não dão o menor sinal de que abaixo da superfície pesquisadores investigam os fenômenos mais íntimos da matéria. O início do funcionamento do LHC representa a concretização de um sonho de pelo menos 3 décadas. Antes mesmo de o antigo acelerador entrar em funcionamento, os pesquisadores europeus já imaginavam substituí-lo por um equipamento maior e mais poderoso, razão por que insistiram na construção de um túnel tão extenso. A idéia ganhou força em meados da década de 1980, quando o grupo de planejamento de longo prazo do Cern – chefiado pelo italiano Carlo Rubbia, que compartilhou o Nobel de Física de 1984 pela descoberta das partículas carreadoras da força nuclear fraca (os bósons W e Z) – sugeriu que esta seria uma forma saudável de a física de partículas européia se manter competitiva diante da norte-americana. Na época os Estados Unidos pretendiam construir por conta própria o Superconducting Super Collider (SSC), um acelerador mais caro e cerca de seis vezes mais potente que o LHC. Mas o projeto foi cancelado em 1993 depois de o Congresso impor cortes ao financiamento. Os norte-americanos correram atrás de cooperações internacionais que haviam recusado anteriormente, mas não obtiveram sucesso. Era tarde demais. O poder de convencimento de Rubbia e palestras realizadas em diversos países da Europa criaram um ambiente favorável à construção do LHC. A extinção do SSC levou especialistas norte-americanos a recomendarem ao governo dos Estados Unidos a adesão ao projeto do novo acelerador do Cern, que também recebeu apoio da Rús­sia, do Japão e da Índia, conta Chris Llewellyn Smith, diretor do Cern de 1994 a 1998, no especial da Nature. Não foi a primeira vez que um projeto colaborativo multinacional prevaleceu sobre iniciativas individuais de países. Aliás, a união de esforços está na própria origem do Cern. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou em 1945, a Europa estava arrasada do ponto de vista econômico e social, e alguns de seus mais importantes pesquisadores haviam migrado para os Estados Unidos. “Em uma conferência em 1949 em Lausanne, Suíça, o Prêmio Nobel de Física francês Louis de Broglie propôs a criação de laboratórios compartilhados pelos países europeus para reerguer a atividade científica no continente”, conta Salmeron. Outros dois físicos, o francês Pierre Auger e o italiano Edoardo Amaldi, gos­­­taram da idéia e batalharam pela criação de um laboratório de física de partículas. “Amaldi, que tinha uma rara visão global da ciência e do seu impacto na sociedade, sugeriu a filosofia de comportamento do Cern, seguida desde a origem: um laboratório aberto a todos os países, sem atividade secreta nem influência militar”, disse Salmeron, cuja atuação nos últimos anos tem sido fundamental para a participação dos brasileiros no LHC. Instabilidade - Com prestígio no país e no exterior, Salmeron coordenou anos atrás as negociações entre o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que resultaram em um orçamento de US$ 1 milhão (cerca de R$ 2 milhões) por ano durante 5 anos – a última parcela deve ser paga em julho deste ano. “Foi concedido apenas R$ 1,8 milhão, suficiente para pagar passagens, estadia e anuidades, mas não para produzir equipamentos”, comentou Salmeron, inconformado com o fato de o Brasil ter perdido para o Paquistão a chance de fabricar componentes de um eletroímã do Cern. Segundo Salmeron, a participação brasileira só não é comprometida por causa da boa vontade de grupos amigos no exterior, que financiam os brasileiros. Ele não é o único a se queixar da falta de apoio consistente e constante do governo federal à física de partículas. Coordenadores das equipes brasileiras no Cern afirmaram que a falta de planejamento nacional de longo prazo gera uma instabilidade prejudicial à área. “Tudo funciona à base de pedidos de financiamento individuais”, diz Jun Takahashi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que trabalha no detector Alice. “Num experimento desse porte, não pode haver incerteza.” Fernando Marroquim de Almeida, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), comenta: “Há quase 20 anos trabalho no detector Atlas e todo ano tenho de ir ao CNPq pedir dinheiro e explicar o que faço. Pelo visto, o governo não quer comprometimento de longo prazo. A direção do Cern cobra do Brasil um memorando de entendimento, já assinado por países menores e mais pobres, como o Marrocos, o Chile, o Arzebaijão e a Polônia”. “Há anos temos um acordo de colaboração, que precisa ser renovado oportunamente (o último convênio de cooperação foi assinado em 2006)”, afirma José Roberto Drugowich de Felício, diretor de programas horizontais do CNPq. A agência mantém duas linhas de apoio: uma relacionada às taxas de manutenção e operação e outra para cobrir gastos com a construção de equipamentos. “De 1999 a 2004 o CNPq pagou R$ 1,2 milhão para a construção de um equipamento para o detector Atlas”, conta. “Além disso, temos apoiado os grupos de pesquisa com bolsas de doutorado sanduíche com duração de 2 anos, em vez de 1, como o normal.” A ausência de planejamento em nível nacional também pode comprometer o impacto do trabalho brasileiro nesse projeto, afirma a física Renata Funchal, da Universidade de São Paulo (USP), que anos atrás participou de uma equipe francesa que trabalhava no antigo acelerador do Cern. “A comunidade brasileira é pequena e se pulverizou nos quatro experimentos do LHC, enquanto, nesses programas grandes, os Estados Unidos e os países da Europa mantêm uma política agressiva e direcional, focando a participação em um ou outro experimento”, comenta Renata. Ainda assim o país atua de modo efetivo no projeto Cern. Na UFRJ, a equipe de Marroquim desenvolveu chips que foram produzidos e testados por duas empresas paulistas e estão instalados no detector Atlas. Também no Rio e em São Paulo os grupos de Alberto Santoro, da UERJ, Alejandro Szanto Toledo e Marcelo Munhoz, da USP, e Sergio Novaes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), implantaram no país um complexo computacional que equivale a mil computadores trabalhando em rede, ligados entre si e ao Cern por conexões ultra-rápidas de internet. “Assim, o dinheiro investido e o conhecimento gerado ficam no Brasil e contribuímos de forma efetiva para analisar os dados do Cern”, afirma Novaes. Não são apenas partículas e possivelmente física desconhecida que devem surgir nos arredores de Genebra. “Há um ganho importante, difícil de medir, que é o educacional, obtido só nesse tipo de colaboração”, afirma Taka­hashi. “Meus alunos trabalham em cooperação com mil pessoas de forma produtiva, aprendem programação em linguagem avançada e depois vão para empresas nacionais.” O LHC em números Os feixes de partículas serão mantidos à temperatura de -271°C As partículas serão aceleradas em um anel com 27 quilômetros de extensão. Os prótons atingirão a velocidade de 1,079 bilhão de quilômetros por hora ou 99,9999991% da velocidade da luz A cada segundo, as partículas completarão 11.245 voltas no anel do acelerador Calcula-se que ocorrerão 600 milhões de colisões por segundo Energia da colisão será de 14 trilhões de elétrons-volt, elevadíssima para as partículas, mas suficiente para manter um celular ligado apenas por poucos segundos As colisões devem gerar 70 mil gigabytes de dados por segundo Cerca de 10 mil físicos e engenheiros participarão dos experimentos do LHC. O orçamento do Cern foi de quase US$ 1 bilhão em 2007
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Política de C & T > Competitividade Lições dos inovadores Estudo mapeia estratégias de sete países que produzem pesquisa de classe mundial e faz recomendações para o Brasil Fabrício Marques De que maneira o Brasil pode inspirar-se no exemplo de paí­ses que conseguiram aperfeiçoar seu ambiente acadêmico e empresarial e passaram a produzir pesquisa e inovação de classe mundial? Divulgada no final de abril, a pesquisa Mobit – Mobilização Brasileira para a Inovação teve o mérito de compilar as iniciativas adotadas por sete países para formar redes de pesquisa, articular recursos e esforços públicos e privados e, talvez o mais importante, formar um consen­­so sobre os objetivos a atingir. O estudo comparou as políticas industriais e de inovação dos Estados Unidos, França, Canadá, Irlanda, Reino Unido, Fin­lândia e Japão. E também se estendeu ao Brasil, onde foram entrevistados em­presários e autoridades. O resultado é um diagnóstico do que aproxima e do que separa nosso ambiente do das demais nações. O estudo evita apontar soluções ca­tegóricas para o Brasil, pois as iniciativas deram certo em países com culturas e estágios de desenvolvimento bem diferentes. “Não é possível fazer transposições mecânicas nem afirmar que existem saídas únicas e salvadoras. Mas esses países compartilham um conjunto de estratégias e comportamentos que deixam lições”, diz o soció­logo Glauco Arbix, coordenador da Mo­­­bit e do Observatório de Inovação e Competitividade, sediado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP). O estudo foi encomendado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e executado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Durante 10 meses, os pesquisadores liderados por Arbix percorreram os sete países, entrevistaram autoridades e formuladores de políticas públicas e levantaram dados sobre os planos adotados e seus resultados. Observaram, por exemplo, que todos dão à inovação o status de fator mais importante de suas estratégias competitivas, engajando atores como o meio empresarial, as universidades e o governo. “Cada um a sua maneira, esses países caminharam para um paradigma em que o conhecimento ocupa lugar central na reprodução de novas relações econômicas e sociais”, diz Glauco Arbix. Isso se deu, segundo o estudo, por meio de mobilizações que aperfeiçoaram seus sistemas nacionais de ciência e tecnologia a fim de que produzissem pesquisa e inovação de classe mundial. “A preocupação deles é com o que está sendo feito de melhor no mundo”, afirma o sociólogo. Uma característica marcante é o lugar atribuído às empresas nessas estratégias. O setor privado tem um papel central. Todos os esforços estão orientados para aperfeiçoar as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no ambiente empresarial. Há consenso de que é através da empresa que a economia irá movimentar-se e gerar bem-estar econômico. Nos sete países pesquisados as universidades são pressionadas a colaborar. “Não se trata de discutir sua autonomia, mas sim a relevância de sua pauta de pesquisa. As universidades são estimuladas a se adaptar às mudanças para ajudar as empresas e estão cumprindo esse papel cada vez mais”, diz Arbix. Ao setor público cabe a missão fundamental de articular os esforços, patrocinar políticas públicas e leis que desanuviem os entraves do ambiente empresarial e acadêmico e, é claro, de investir em educação básica e superior e na infra-estrutura de pesquisa. “Nos órgãos públicos dos países que visitamos a inovação não é vista mais como tecnologia. Inovar significa incorporar conhecimentos, novos ou maduros, de modo inédito, por meio de processos que podem se manifestar em todos os setores. No Reino Unido, por exemplo, há grande ênfase na inovação do setor financeiro, uma vez que o país pretende se consolidar como o maior centro de finanças do mundo”, afirma o coordenador da pesquisa. Outro importante denominador comum é a persistência e a durabilida­de das políticas públicas voltadas à inovação. Entre os exemplos citados, um dos mais eloqüentes é o dos Estados Unidos, onde a política para a inovação adotada pelo governo Bush é rigorosamente a mesma traçada na década de 1990 pelo governo Clinton, apesar de todas as diferenças que separam os dois governos. Em alguns casos, a “concertação” é antiga, mas isso não é regra. Se a Finlândia alcançou esse consenso há décadas, a Irlanda estabeleceu seu Social Partnership em 1987 – experiência apontada como central para o crescimento econômico dos últimos anos. Até meados da década de 1980, as universidades irlandesas eram muito mais voltadas à docência do que à pesquisa, pois se valiam dos avanços tecnológicos da influente vizinha Inglaterra. Incubadoras - As dificuldades do Brasil também foram mapeadas e analisadas sob a perspectiva dos sete países visitados. O estudo aponta problemas, como o hábito de confundir política industrial com a redução do chamado “custo Brasil”, o baixo número de em­presas inovadoras que exportam e as resistências para a ampliação da cooperação entre empresas e universidades. A lista é mais extensa: inclui a ausência de coordenação política, o baixo apro­­­­veitamento do poder de compra governamental, o prazo longo para a liberação de recursos, a incerteza jurídica, a deficiência de gestão e a carência de empreendedores, a ação insuficiente das incubadoras tecnológicas... O diagnóstico é acompanhado por um elenco de recomendações, como o aprofundamento do diálogo com lideranças empresariais, o levantamento dos pesquisadores brasileiros radicados no exterior e a conseqüente tentativa de engajá-los em redes nacionais, e a criação de um fundo nacional de inovação, com forte viés de capital de risco, para estimular o surgimento de novas empresas e de novos produtos. O estudo sugere incentivos para o desenvolvimento de pólos, arranjos e redes voltados à inovação e que envolvam obrigatoriamente empresas e instituições de pesquisa. A proposta se inspira na experiência francesa dos Pólos de Competitividade e no modelo finlandês dos Centros Estratégicos para Ciência, Tecnologia e Inovação. “Mas não vamos avançar em nossos parques tecnológicos ou arranjos produtivos regionais se não fizermos escolhas. A especialização é fundamental para alcançar resultados”, diz Arbix. Recomenda-se ainda o financiamento de dezgrandes projetos de desenvolvimento tecnológico a serem selecionados. Eles devem estar vinculados a problemas ­reais, a exemplo dos esforços feitos pela França para criar o TGV, trem de alta velocidade, e pelo Japão na pesquisa de supercomputadores. Os resultados do estudo Mobit tiveram boa repercussão entre especialistas do campo da inovação. Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, lembra que parte do diagnóstico já era conhecido, mas diz que o estudo avança ao apontar novos caminhos. “O que há de mais relevante para nós é a ênfase que o estudo dá para a necessidade de redesenhar as instituições envolvidas com inovação, de fechar coisas que estão em funcionamento e abrir novas, além de ter um consenso estratégico de onde se quer chegar. Temos grande dificuldade de fazer isso no Brasil”, afirma. Outra lição importante, segundo Pacheco, diz respeito à necessidade de discutir estratégias de médio e de longo prazo “Estamos sempre ocupados discutindo os instrumentos e há uma overdose deles. Se uma empresa for acompanhar todos os editais e chamadas que surgem todos os anos, não fará outra coisa. Mas não paramos para debater estratégias e encontrar mecanismos para atingi-las. Em que setores queremos nos destacar dentro de 20 anos? Que mecanismos institucionais precisamos criar para atingir esses objetivos?”, indaga. David Kupfer, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vê dificuldades em adotar algumas experiências dos países analisados no estudo. “A economia brasileira vive a transição para uma economia de serviços, mas não somos uma economia pós-industrial como esses países. Ainda precisamos viver uns 20 anos como economia industrial até alcançar esse estágio”, diz. Ele avalia que a “concertação” observada nos países inovadores é uma quimera no Brasil. “Não temos consenso sequer dentro do governo sobre a política macroeconômica – o Banco Central pensa uma coisa e o Ministério da Fazenda, outra. Políticas de inovação são políticas de longo prazo. E há uma enorme dificuldade em criar políticas de longo prazo num país tomado pelas necessidades prementes de atacar mazelas do subdesenvolvimento.” Obstáculo cultural - Para o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, um aspecto fundamental do estudo é o papel central atribuído à empresa no ambiente de inovação dos sete países. “O Brasil perdeu muito tempo achando que as universidades e os institutos de pesquisa eram o lugar para desenvolver inovação”, diz Brito Cruz. A mudança do foco da inovação no Brasil – da universidade para a empresa – começou em 1999 e ganhou força em 2001, na 1ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. A idéia de que os setores público e privado devem articular-se também foi destacada. “Ainda existe um obstáculo cultural em relação a isso no Brasil. Supõe-se que o setor privado quer se aproveitar do setor público ou que o setor público quer se pôr à venda. Os exemplos desses países mostram que os dois setores podem colaborar, em benefício tanto do interesse público quanto do privado, e que isso pode ser bom para o país.” Brito destacou também que é preciso entender e respeitar os diferentes papéis que as instituições devem ter num sistema de inovação. No caso da colaboração entre universidades e empresas, é preciso evitar a mistificação que tenta fazer da universidade um apêndice da empresa. Mesmo nos Estados Unidos os custos da pesquisa acadêmica são bancados majoritariamente pelo Estado e somente 7% desses custos são financiados por colaborações com empresas. “Não se trata de transformar a universidade no laboratório de pesquisa e desenvolvimento que a empresa não quer criar. É preciso ter uma universidade dedicada ao progresso do conhecimento, para que ela continue a gerar conhecimento relevante em favor da sociedade, e não apenas para contribuir com as empresas.”
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Política de C & T > Indicadores O retorno do investimento Avaliação revela alto grau de eficiência em quatro programas da FAPESP Fabrício Marques Quatro grandes programas de pesquisa oferecidos pela FAPESP passaram por um inédito processo de avaliação, que, em linhas gerais, revelou um elevado grau de eficiência no apoio a pequenas empresas de base tecnológica, no estímulo a parcerias entre empresas e universidades, no fomento à formulação de políticas públicas relevantes e no impulso à ascensão profissional de jovens pesquisadores com carreira consistente. A avaliação foi desenvolvida pelo Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi), vinculado ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a partir de uma iniciativa do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP. “O estudo apresenta não só os principais resultados de cada programa como também seus impactos, ou seja, os efeitos que esses resultados têm em diversas dimensões, entre elas econômica, social, industrial e de capacitação de recursos humanos”, disse Sergio Salles Filho, professor do DPCT e coordenador do projeto. “Estimamos, por exemplo, que as pequenas empresas de base tecnológica beneficiadas já recolheram em impostos um valor muito próximo ao investimento feito pela FAPESP”, diz Salles. Os dados foram coletados com os responsáveis pelos projetos de pesquisa encerrados até 2006 e vinculados a quatro programas: Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe), Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), Programa de Pesquisa em Políticas Públicas e Apoio a Jovens Pesquisadores. O trabalho do grupo prosseguirá. De um lado, serão aprimoradas as metodologias de coleta de dados, para que o processo de avaliação se torne rotineiro na FAPESP. De outro, serão iniciadas as avaliações de outros programas da Fundação. A seguir, os principais resultados das avaliações: Pequenas empresas A avaliação do programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) mostra que aproximadamente 60% dos projetos avaliados geraram inovações tecnológicas, índice considerado bastante satisfatório. “Isso representou 111 inovações, sendo 59 consideradas novidades no país e 17 novidades em âmbito global”, afirmou Sergio Salles Filho. “Essas inovações se referem fundamentalmente a produtos, seguidos por softwares e processos. São inovações de base tecnológica, seguindo, assim, a proposta inicial do Pipe.” Ao todo, foram examinados 214 projetos – 63% do total de concluídos até 2006. Eles receberam R$ 52,9 milhões, média de R$ 247 mil por empresa. O Pipe foi lançado em 1997, com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de pesquisas inovadoras em empresas com potencial de crescimento. O índice de mortalidade observado nas empresas, na casa dos 8%, foi muito inferior ao padrão brasileiro – 70% das pequenas e médias empresas desaparecem em 5 anos. O faturamento da maioria das empresas é modesto – em média R$ 480 mil anuais cada uma –, mas a tendência é de aumento crescente. A amostra estudada faturou, ao todo, R$ 146 milhões, mas 11 projetos concentram 90% desse valor. Dez por cento das empresas já obtiveram aporte de capital, sendo oito de capital semente (pequenos investimentos para transformar uma idéia em produto) e sete de capital de risco (investimentos para expandir a capacidade de produção). Apenas cinco tiveram aumento de faturamento ligado à atividade exportadora. Um dos destaques da avaliação foi a identificação das características comuns às empresas de maior sucesso. De modo geral, trata-se de empresas que são spin-offs de outras (e herdaram com­­­­­­­­petência empreendedora), não foram incubadas (certa fragilidade caracteriza as empresas que recorrem ao ambiente protegido das incubadoras), tiveram coordenadores que se tornaram sócios da empresa e que tinham formação em pós-graduação. Para João Furtado, professor da Escola Politécnica da USP e um dos coor­denadores do Pipe, o desempenho superior das empresas cujos coordenadores são pós-graduados se explica pela experiência marcante que um mestrado ou um doutorado promovem no perfil profissional. “Quem fez pós-graduação tem uma vantagem, que é a experiência em cumprir prazos e metas e ter compromisso com resultados – comportamentos que fazem diferença dentro de uma empresa”, diz Furtado. Ele julga que um dos dados mais relevantes é o que aponta o crescimento constante do faturamento dessas empresas. “O mercado está reconhecendo que o que essas empresas produzem vale dinheiro. E vários desses produtos têm um enorme potencial”, afirma. O número de empregados nessas empresas cresceu 29% na vigência do programa, mas os avaliadores encontraram um dado negativo: parte significativa dos coordenadores de projeto (40% do total) deixou os quadros após o término do projeto. Surgiu um dado curioso ao avaliar o que aconteceu com projetos contemplados na primeira fase do Pipe, mas que não foram aprovados para passar à fase II. Na­da menos do que 20% dos projetos de­ne­gados alcançaram inovações, num si­nal de que o rigor com que foram avaliados não os impediu de prosseguir. Parceria para inovação O programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) semeou frutos duradouros. Um dado eloqüente: 69% das empresas e 76% das instituições de pesquisa celebraram novas parcerias após o Pite e apontam a experiência propiciada pela FAPESP como uma grande motivação para a repetição. O Pite foi lançado em 1995, com o objetivo de financiar estudos em instituições acadêmicas ou de pesquisa, desenvolvidos em cooperação e com co-financiamento de empresas. A intenção, pioneira na época, era estimular um tipo de parceria que tivesse como alvo pesquisas inovadoras ancoradas nas universidades e também garantisse o comprometimento das empresas com o processo de transferência do conhecimento, por meio de contrapartidas financeiras e da participação nos riscos do projeto. Os avaliadores analisaram 65 projetos concluídos até 2006. As parcerias envolvem, na maioria, universidades e institutos públicos (95%) e grandes em­­­­­­­­presas brasileiras (67% com mais que 500 empregados; 82% com capital nacional). A ini­ciativa partiu das universidades em 70% das propostas, com os 30% restantes ori­ginários das empresas. A FAPESP investiu R$ 43,1 milhões neles, ou R$ 525 mil em média para ca­da um. Com a con­­­­­trapartida das empresas, o valor total investido por pesquisa subiu para R$ 1,1 milhão. Os da­­dos mostram que 60% dos projetos resultaram no desenvolvimento de tecnologias e conhecimento novo, mas sem aplicação imediata, enquanto 30% geraram inovações em âmbito nacional e mundial e 10% inovações no âmbito da empresa. Esses dados levaram os avaliadores a considerar que o número de empresas que efetivamente produziram inovação, 26 num universo de 65, ficou aquém do esperado. “Cerca de 60% dos projetos Pi­te não geraram inovação e, por isso, devemos investigar melhor as razões para o não aparecimento de mais atividades dessa natureza”, observou. “Isso mostra que o Pite, muito mais do que um programa de inovação, é voltado às parcerias que geram desenvolvimento tecnológico de longo prazo”, apontou. Para Sérgio Queiroz, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp e um dos coordenadores do Pite, a interpretação desses dados pode levar a uma confusão. “Não se pode dizer que houve um desvio do objetivo na porção de projetos em que o Pite gerou avanços de conhecimento, mas não inovações”, afirma Queiroz. “Muitas empresas precisam desses avanços para superar gargalos que, mais adiante, permitirão que inovem. No orçamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas são gastos em geral 20% com pesquisa e 80% com desenvolvimento. Pode-se afirmar que, em muitos casos, as empresas recorrem à parceria para resolver entraves no campo da pesquisa que, num segundo momento, permitirão avanços em suas equipes de desenvolvimento”, diz Queiroz. O professor lembra ainda que os projetos Pite são classificados em três categorias (Pite 1, 2 e 3), divididas segundo o risco tecnológico envolvido na proposta – a contrapartida da FAPESP é maior nos projetos Pite 3, que têm maior risco. “É natural que em projetos de maior risco a produção de inovações não seja tão expressiva quanto nos de menor risco”, afirma. A percepção dos parceiros – universidades e instituições de pesquisa – revela uma elevada satisfação com o Pite. Do lado da instituição de pesquisa, a principal competência relatada foi P&D, mas também houve impacto em quesitos como a gestão de projetos e a identificação de demandas das empresas. Do lado das empresas, além do P&D, os destaques foram os ganhos de competência na negociação com atores públicos e conhecimento de fontes de financiamento. Políticas públicas No Programa de Pesquisa em Políticas Públicas, que financia parcerias entre pesquisadores e instituições voltadas ao atendimento de demandas sociais, foram analisados 75 projetos de 1999 a 2006, o que representou 85% dos concluídos no período. A FAPESP investiu R$ 10,2 milhões na amostra examinada, uma média de R$ 137 mil por trabalho. Um resultado importante foi a criação de uma cultura de inovação nas organizações executoras de políticas públicas. Cinqüenta e quatro projetos relataram ter alcançado, no total, 180 resultados, entre os quais 89 inovações tecnológicas. Nada menos do que 89% desses resultados foram implementados, parcial ou totalmente, como políticas públicas pelas instituições parceiras. A FAPESP criou o programa em 1998 com o objetivo de apoiar pesquisas capazes de produzir e sistematizar conhecimentos relevantes para a definição e implementação de políticas públicas. Os projetos obrigatoriamente se desenvolvem por meio de parcerias entre pesquisadores e um órgão ou instituição governamental, ou com uma organização que atue no campo das políticas públicas. A intenção é assegurar que os resultados da pesquisa sejam levados à prática. No caso da amostra avaliada, a maioria dos parceiros eram instituições públicas da administração direta, sendo 48% na esfera municipal e 38% na estadual, e 12% com entidades privadas. Foram geradas ainda 3,8 dissertações de mestrado e 2,2 teses de doutorado por projeto do programa. “Mais de 80% dos projetos desenvolveram algum tipo de capacitação, sendo a maior parte para representantes das instituições parceiras que formularam e executaram políticas, o que contribuiu para a transferência mútua de conhecimentos. Isso sem contar que 89% dos resultados dos projetos foram implementados como políticas públicas pelas instituições parceiras”, disse Salles Fi­­lho. A conclusão dos avaliadores é que o programa promove a interação entre instituições de pesquisa e as entidades que formulam políticas públicas e que a pesquisa é realimentada pelo contato com a política real. Entre as sugestões para aperfeiçoar o programa, figuram idéias como estimular mais a iniciativa das instituições parceiras – a maioria dos projetos veio de pesquisadores – e incentivar propostas mais densas em termos de recursos e parcerias. Jovem pesquisador O programa Apoio a Jovens Pesquisadores da FAPESP foi lançado em 1995 com a proposta pioneira de estimular a independência e o amadurecimento de doutores, naquela fase da carreira em que se enfrentam percalços como a falta de vínculo empregatício e as dificuldades materiais para liderar projetos robustos. O objetivo era criar oportunidade de trabalho para pesquisadores ou grupo de pesquisadores de grande potencial, de preferência em centros emergentes. “Entre as principais vantagens desse programa estão a fixação e a nucleação de novos grupos de pesquisa nos lugares por onde esses jovens pesquisadores passaram”, disse Sergio Salles Filho. Foram examinados 340 projetos ou 86% das pesquisas finalizadas de 1996 a 2007. A FAPESP investiu R$ 64,6 milhões na amostra, o equivalente a R$ 190 mil por projeto. Os beneficiados foram profissionais já com densa experiência em pesquisa – 72% têm pós-doutorado. A média de idade é de 42 anos. Apesar do nome do programa, não há restrição em relação à idade dos proponentes. Os avaliadores constataram que vá­rios propósitos do programa foram al­cançados. Um deles foi a ambição de criar novos núcleos de pesquisadores. Os dados mostram que 70% dos jovens pesquisadores criaram ou impulsiona­ram grupos de pesquisa ativos, na maio­­­­ria, até hoje. O destaque coube aos beneficiários instalados em instituições privadas distantes dos grandes centros urbanos. As áreas que mais inspiraram a criação de grupos de pesquisa foram Ciências Exatas e da Terra, Ciências Bio­­­lógicas e Engenharias. No total, 87% dos indivíduos estavam contratados no período em que o levantamento foi realizado. Cerca de 26% dos pesquisadores apoiados pelo programa já estavam contratados pelas instituições, 42% foram admitidos durante ou após o auxílio e 19% foram admitidos por outras instituições de ensino superior. Do universo de pesquisadores e instituições entrevistados, 70% afirmaram que o auxílio teve impacto nos programas de pós-graduação, especialmente quanto à criação de novas disciplinas. A produtividade média dos jovens pesquisadores, mensurada pelos números de publicações em periódicos cientí­ficos, também cresceu consideravelmente depois do recebimento do auxílio da FAPESP. Houve, contudo, objetivos do programa que não foram atendidos, segundo os avaliadores. Observou-se, por exemplo, que uma grande maioria de jovens pesquisadores vincularam-se a instituições públicas que já tinham programas de pós-graduação, sugerindo que a meta de estimular a criação de centros emergentes não foi propriamente alcançada. Essa conclusão desencadeou um debate durante a apresentação dos dados da avaliação, no dia 16 de abril, no auditório da FAPESP. Presente na apresentação, o professor Rogério Meneghini, um dos idealizado­res do programa Jovens Pesquisadores, afirmou que a idéia inicial não era apenas criar novos centros, mas também fortalecer instituições com tradição em pesquisa ainda em desenvolvimento: “Já no ponto de partida o programa deu certo, porque as universidades com mais tradição, como USP e Unicamp, entendendo o propósito da iniciativa, apresentaram menos propostas do que, por exemplo, a Unesp, que tinha uma carência maior de desenvolver novos núcleos de pesquisa”, disse Meneghini. Entre as sugestões apresentadas pelos avaliadores para aperfeiçoar o programa, destacaram-se a melhor definição de centros emergentes e o fomento a propostas fora das instituições de pesquisa tradicionais.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Política de C & T > Políticas Públicas Com força de lei Mapa do Biota-FAPESP vira parâmetro para retirada de verde nativo em São Paulo Os dados científicos acumulados pelo Programa Biota-FAPESP passaram a orientar os critérios para autorização de retirada da vegetação nativa em território paulista. Uma resolução da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA) estabeleceu que a análise de todos os pedidos para uso de áreas com florestas nativas deverá se basear nas categorias de importância para a restauração definidas no mapa “Áreas Prioritárias para Incremento para Conectividade”. Pesquisa FAPESP publicou em novembro de 2007 (edição 141) um grande mapa que contém os dados de conectividade, entre outros. O trabalho foi desenvolvido nos últimos 2 anos por 160 pesquisadores do Biota-FAPESP (Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo) em parceria com a SMA. “Fornecer diretrizes às políticas públicas era um dos objetivos iniciais do programa. Depois de 10 anos, pudemos reunir um volume de dados suficiente para alcançar esse propósito”, disse à Agência FAPESP o coordenador do programa, Ricardo Ribeiro Rodrigues. Segundo ele, a resolução demonstra a efetividade do uso dos dados científicos na formulação das políticas pú­blicas estaduais na área ambiental. “O mais importante é que os critérios agora terão uma base científica”, disse Rodrigues, que é professor do Departamen­to de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). Desde sua criação em 1999 o Biota-FAPESP permitiu a descrição de mais de 500 espécies de plantas e animais espalhados pelos 250 mil quilômetros quadrados do território paulista, produziu 75 projetos de pesquisa, 150 mestrados e 90 doutorados, além de gerar 500 artigos em 170 periódicos, 16 livros e dois atlas, graças a um investimento médio anual de US$ 2,5 milhões feito pela FAPESP. Áreas prioritárias – A resolução utiliza os dados do Biota para determinar os critérios usados para não autorizar o uso de áreas que se prestam ao papel de corredores ecológicos e de abrigo de biodiversidade. O mapa de conecti­vidade assinala essas áreas prioritá­rias. “Nos mapas identificamos os fragmentos que são considerados prioritários para conservação e indicamos essas áreas para a compensação da reserva legal das propriedades agrícolas, além de recomendar a interligação desses fragmentos pela restauração da mata ciliar funcionando como corredor ecológico”, disse. De acordo com o professor, dos 3,5 milhões de hectares de vegetação remanescente no estado, apenas 760 mil estão em unidades de conservação. “O restante está em mãos de proprietários particulares. Para conservar esses locais a proposta é transformá-los em reserva legal. Para as melhores áreas desses trechos, recomendamos a transformação em Reserva Particular de Patrimônio Natural”, afirmou. Segundo a resolução, quem quiser solicitar a supressão de vegetação nativa dentro dos limites das áreas demarcadas como prioritárias pelo Biota deverá apresentar um estudo de fauna e flora, independentemente do estágio de regeneração em que se encontrar a vegetação. Só serão permitidas a supressão e a exploração da área nativa se a vegetação não abrigar espécies da fauna e flora silvestres ameaçadas de extinção. A concessão de autorização atenderá a critérios fixados pelo mapa de conectividade.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Política de C & T > Parceria Esforço integrado FAPESP e governo federal vão financiar projetos em bioenergia e mudanças climáticas Um protocolo de intenções celebrado entre a FAPESP, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estabelece a ampliação do Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência (Pronex) para financiar projetos de pesquisa nas áreas de bioenergia e mudanças climáticas globais no estado de São Paulo. O documento foi assinado no dia 16 de abril, na presença de membros do Conselho Superior da FAPESP, pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, pelo diretor de programas horizontais e instrumentais do CNPq, José Roberto Drugowich de Felicio, pelo presidente da FAPESP, Celso Lafer, e pelo diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz. O MCT e a FAPESP comprometem-se a prover R$ 40 milhões em 4 anos para a execução do Pronex. A FAPESP dará a metade do valor para financiamento de projetos e o CNPq concederá os outros R$ 20 milhões para o pagamento de bolsas. Outros R$ 30 milhões, de um convênio firmado em 2003 entre FAPESP e CNPq, serão disponibilizados para o esforço conjunto. Sérgio Rezende afirmou que os dois temas escolhidos encaixam-se nas estratégias do Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação, lançado pelo governo federal em 2007. “O plano tem quatro prioridades e, em uma delas, que é voltada para pesquisa e desenvolvimento em áreas estratégicas, as áreas de bioenergia e mudanças climáticas globais têm importância muito grande”, afirmou o ministro.“Em 2007, o MCT identificou que o estado de São Paulo, que tem peso muito grande em todos os setores de pesquisa, destaca-se ainda mais nessas duas áreas específicas, nas quais a FAPESP estava trabalhando para ter programas estaduais mobilizadores. Por isso, nosso programa nacional terá uma parte importante no estado, que será feita de maneira articulada com a FAPESP”, afirmou. O presidente da FAPESP, Celso Lafer, ressaltou a importância da parceria. “A bioenergia é fundamental para o país e para o estado de São Paulo, ao passo que a preocupação com a mudança climática é sem dúvida nenhuma um dos grandes temas da agenda brasileira e da agenda internacional. Estamos convencidos de que, mediante os recursos que disponibilizaremos em con­junto, poderemos avançar no conhecimento nessas áreas e na sua aplicação prática”, disse. “Essas são preocupações de longo prazo e preocupações de Estado. O esforço que a gente está fazendo é de dar a isso um respaldo institucional, convencidos que estamos que esse é um interesse do Brasil que precisa ser cuidado”, resumiu. Segundo o diretor científico Carlos Henrique de Brito Cruz, o memorando sinaliza um compromisso da FAPESP, do MCT e do CNPq para o financiamento das duas áreas de pesquisa. “O objetivo é a criação de conhecimento relevante e de impacto mundial na área de bioenergia e na área de mudanças climáticas globais”, destacou. O diretor científico salientou que o protocolo conduzirá à articulação de projetos do MCT com dois programas organizados pela FAPESP, um sobre bioenergia e outro sobre mudanças climáticas, que ainda serão anunciados. “O MCT organizou uma rede nacional de pesquisas sobre mudanças climáticas globais, que vai trabalhar de forma articulada com o programa da FAPESP e, eventualmente, com programas que outras instituições do país venham a desenvolver. Ao mesmo tempo, vamos discutir como a FAPESP poderá contribuir com o Centro de Pesquisas sobre Bioenergia que o MCT está organizando”, afirmou Brito Cruz.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Política de C & T > Medicamentos Pronto para começar Butantan aguarda o aval da Anvisa para fornecer ao Ministério da Saúde fármaco que salva bebês prematuros Fabrício Marques Já está pronta para entrar em operação a primeira fábrica brasileira de surfactante pulmonar, criada pelo Instituto Butantan, em São Paulo. Com capacidade para produzir 100 mil doses anuais do medicamento, a planta irá abastecer o Ministério da Saúde, que repassará gratuitamente o produto para as unidades de terapia intensiva neonatais de maternidades e hospitais públicos de todo o país. Espera-se que a distribuição tenha impacto nos índices de mortalidade infantil. Atualmente, cerca de 36 mil crianças recém-nascidas, a maioria prematuras, morrem no Brasil da chamada síndrome do desconforto respiratório (SRD). Essa doença se caracteriza pela deficiência de surfactante pulmonar, substância natural que protege os alvéolos pulmonares, mas só é produzida adequadamente no final da gravidez – metade dos nascidos antes das 32 semanas de gestação (8 meses) apresenta o problema. Quando o bebê nasce prematuro e os alvéolos não se abrem, é preciso aplicar uma dose de surfactante na traquéia prontamente. “Para salvar a criança, o medicamento precisa estar disponível logo após o nascimento”, diz Flávia Saldanha Kubrusly, pesquisadora do Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan. As versões importadas do produto custam de R$ 350 a R$ 500. Cada dose do surfactante do Butantan custará cerca de R$ 100. Por enquanto, a planta funciona apenas de forma experimental. Não há nenhuma restrição de ordem técnica para o início da operação, mas o Instituto Butantan só poderá começar a produzir e fornecer o surfactante quando o medicamento for aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A autorização, esperada desde 2007, não veio até agora. Os ensaios clínicos para validação do medicamento foram realizados, com sucesso, em 33 unidades de terapia intensiva neonatal distribuí­das nas diferentes regiões do Brasil. A realização desses ensaios clínicos demonstrou que o surfactante produzido pelo Instituto Butantan é seguro e eficaz como os produtos do gênero produzidos fora do país e já disponíveis comercialmente. O projeto que resultou na fábrica do surfactante foi financiado em conjunto pela FAPESP e pelo Ministério da Saúde. Caminhão frigorífico O biofármaco é produzido a partir de pulmões suínos. O instituto celebrou uma parceria com a indústria de alimentos Sadia para fornecimento de pulmões de porco, usualmente descartados no beneficiamento. O processo de fabricação, desenvolvido a partir de 1997 e patenteado pelo Butantan, é baseado numa tecnologia original e calcado na reciclagem de insumos, o que permitiu a redução de custos. Quando o surfactante foi isolado pela primeira vez, a purificação foi possível graças a repetitivos processos de ultracentrifugação dos pulmões. A estratégia do Butantan é diferente. Um caminhão frigorífico foi adqui­­rido para buscar, todas as semanas, entre 150 e 300 quilos de pulmões num matadouro da Sadia em Uberlândia (MG). Inicialmente os pulmões são lavados e moídos. Depois são submetidos a processos extrativos. Os dois componentes mais caros usados no processo – uma resina e um dos solventes orgânicos – são recuperados quase integralmente, permitindo um gasto mui­to baixo com reagentes. Ciclo virtuoso Há outros dois projetos relacionados à planta do surfactante pulmonar que os pesquisadores do Butantan qualificam como “ciclo virtuoso”, por acenar com um aproveitamento ainda maior da estrutura da fábrica. Um deles consiste em criar uma nova formulação de surfactante para uso também de adultos vitimados por moléstias respiratórias. A idéia é purificar e utilizar ums das proteínas do surfactante (colectina SP-A), que usualmente se perde no processo de produção do biofármaco. Essa proteína, uma das quatro que compõem os surfactantes produzidos naturalmente pelo pulmão, não faz falta à formulação do medicamento para recém-nascidos. “Como a maioria das doenças respiratórias em adultos também apresenta algum tipo de comprometimento na ação dos surfactantes, o medicamento enriquecido com essa proteína poderia ampliar as chances de sucesso do tratamento”, diz Flávia Kubrusly. O segundo projeto é o aproveitamento de extratos pulmonares para purificar a aprotinina, proteína usada para controlar hemorragias durante as cirurgias de ponte de safena no coração. A aprotinina é um inibidor de enzimas. Uma delas é a elastase, que, durante grandes inflamações respiratórias, como a provocada pela pneumonia, agride o pulmão e complica ainda mais o quadro causado pela infecção. A proteína poderia ser usada como um fator protetor. “O objetivo é bloquear os mediadores químicos que lesionam o pulmão”, diz Celso Moura Rebello, coordenador da Unidade de Pesquisa Experimental do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), que participou do desenvolvimento do surfactante. Um estudo publicado numa edição recente da revista Biotechnology Letters, assinado por pesquisadores do Butantan, mostra que os pulmões suínos também podem fornecer a aprotinina – até então imaginava-se que apenas órgãos de ruminantes, como os bois, fossem fontes da proteína. O aguardado aval da Anvisa também permitirá que o Butantan comece a exportar seu surfactante para países como Paquistão, Índia e Coréia do Sul, que já demonstraram interesse em adquirir o fármaco e algumas vacinas produzidas pelo instituto, como a anti-rábica. No caso do Paquistão, será necessário substituir o pulmão suíno pelo bovino, pois a religião muçulmana restringe o uso de produtos de origem suína. Já no caso da Índia, onde a população de origem hindu venera as vacas como animais sagrados, o surfactante de pulmão suíno seria a escolha acertada.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Ambiente > Amazônia A sociedade da floresta Abertura para especialistas em ciências sociais, nacionalização e reestruturação orçamentária marcam nova fase de programa de pesquisas Carlos Fioravanti, de Manaus* Sociólogos, antropólogos, economistas, geógrafos e todos aqueles que se sentem pouco à vontade diante de um microscópio ou da famosa equação de Einstein, a E=mc2, são agora bem-vindos na segunda fase do maior programa de pesquisas da Amazônia. Durante os primeiros 10 anos do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) predominaram especialistas em ciências naturais, que estudaram fenômenos essencialmente físicos e biológicos como a dispersão de gases atmosféricos e a formação de chuvas. À medida que mais especialistas em ciências humanas se integrem à equipe (até agora eram raros e se diluíam na multidão de físicos, biólogos e agrônomos), a Amazônia pode deixar de ser vista essencialmente como uma floresta e começar a ser analisada mais intensamente como uma sociedade humana sujeita a conflitos políticos, econômicos e sociais. Outros fenômenos além do desmatamento e da transformação da floresta em pastagens ou plantações, já estudados no LBA, poderão ganhar força. Um deles é a urbanização, cujas conseqüên­cias se tornam visíveis. “Temos congestionamentos todo dia”, conta o taxista Edmilton Castelo Branco Feitosa, acrea­no que vive há 15 anos no trânsito de Manaus. No final de abril, chuvas mais fortes que o comum nesta época do ano inundaram os bairros periféricos desta metrópole de 1,6 milhão de habitantes. Como as outras cidades da região, a capital do Amazonas cresce, se adensa e se transforma. Sob um olhar mais abrangente, porém, o vazio demográfico ainda impera: em uma área equivalente a dez Franças, os nove estados da Amazônia Legal abrigam 23 milhões de pessoas – um pouco menos de um terço da população da França e pouco mais que a da Grande São Paulo. Outra mudança em andamento é a nacionalização do LBA. A Nasa e outras instituições dos Estados Unidos cobriram cerca de metade dos US$ 100 milhões (R$ 300 milhões, considerando a variação do dólar) gastos nos primeiros 10 anos, o Brasil entrou com 40% e a Europa com o restante. Como a Nasa anunciou que não participaria da segunda etapa do programa, que começa no próximo ano, a principal fonte de financiamento agora é o Plano Plurianual (PPA) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), que assegura a liberação anual de R$ 3,8 milhões, o bastante para cobrir os custos fixos com instalações, equipamentos e pessoal. Aos poucos começam a brotar apoios complementares. Antonio Manzi, gerente executivo do LBA, cita como exemplo os fundos setoriais, dos quais os líderes de dois grupos conseguiram R$ 7 milhões. Segundo ele, a necessidade de reestruturação orçamentária, ainda que crie incertezas, poderá beneficiar a formação de pesquisadores no Brasil: “Equipes e instituições de outros países podem participar e ajudar, mas as pesquisas adiantam pouco se não formarem massa crítica local”. A mudança da sede do LBA – do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em São José dos Campos, interior paulista, para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus em 2004 – parece ter funcionado para aumentar o interesse das instituições da Região Norte para o maior programa de pesquisas sobre a Amazônia: em 10 anos o LBA motivou a publicação de quase 1.500 artigos em revistas científicas e a criação de cursos de graduação e de pós em áreas como ciências atmosféricas e antropologia nos estados do Amazonas, Acre, Mato Grosso, Pará e Rondônia. Começa agora a etapa de aproveitar ao menos uma parte dos pesquisadores e estudantes que cresceram com o LBA. José Aldemir de Oliveira disse que em breve a Secretaria de Ciência e Tecnologia, que ele coordena, publicará um edital de R$ 1,2 milhão para financiar projetos do estado do Amazonas. Mateus Batistella, pesquisador da Embrapa em Campinas, assumiu em maio de 2007 a presidência do comitê científico internacional do LBA com a tarefa de batalhar por financiamentos e atrair geógrafos, economistas, sociólogos e antropólogos que conhecem a história e os povos da Amazônia, mas se mantinham como observadores do LBA. Adalberto Val, diretor do Inpa, considera-se otimista sobre as possibilidades de maior interação entre especialistas de áreas diferentes. “Já atravessamos momentos mais difíceis”, conta. A seu ver, não será fácil, porém, lidar com uma sociedade regional marcada por uma rica e muitas vezes conflitante diversidade cultural – de pecuaristas a quilombolas, de migrantes a mais de cem povos de etnias nativas. Cada grupo social parece agora mais convencido de que pode expressar e defender seus interesses. No início de abril, por exemplo, representantes de povos nativos de 11 países latino-americanos se reuniram em Manaus para contar que querem saber o que exatamente se passa em suas florestas. Querem também ser ouvidos – e participar – nas negociações sobre as possibilidades de reduzir os impactos das mudanças climáticas. Desconfiança mútua - “Já procuramos fazer pesquisas integradas, sempre que possível”, informou Flávio Luizão, que não achou difícil lidar com quem não era biólogo como ele. Algumas áreas são evidentemente mais permeáveis que outras: economistas e sociólogos possivelmente vão se sentir mais úteis nos estudos sobre mudanças no uso da terra do que nos que tratam da geoquímica do solo. Todos, porém, terão de vencer a desconfiança recíproca, em parte justificável porque adotam metodologias de trabalho distintas e nem sempre convergentes. “Diferentemente dos cientistas naturais, é comum encontrar cientistas sociais que nem cogitam a possibilidade de existirem leis universais”, observa Diógenes Alves, pesquisador do Inpe e caso atípico de matemático que nos últimos anos tem intensificado as leituras sobre filosofia e sociologia da ciência. O LBA parece cada vez mais aberto a pensadores multidisciplinares dispostos a pensar o futuro da Amazônia de modo amplo. Batistella é outro exemplo: fez duas graduações, em biologia e em filosofia, e passou por um doutorado em ciências ambientais nos Estados Unidos que exigiu muita leitura de sociologia e antropologia. Os cientistas sociais, embora menos numerosos que os colegas das naturais, também têm o que contar. Em 2004 Alves foi um dos coordenadores de um seminário em que economistas, antropólogos e geógrafos procuraram as lacunas do conhecimento sobre a Amazônia, mapearam os interesses que regem a ocupação da região e selecionaram alguns temas, como urbanização, demografia e uso da terra, relacionados às mudanças climáticas, já estudadas no LBA. Esse encontro resultou no primeiro volume da coleção Dimensões humanas da biosfera-atmosfera na Amazônia; o segundo deve sair ainda este ano, com estudos sobre demografia, ordenamento territorial e economia regional. Tanto quanto os povos nativos, os cientistas sociais circulam há bom tem­po na região que cobre metade do Brasil. Um exemplo é o antropólogo cubano naturalizado norte-americano Emílio Moran, que chegou à Amazônia há 30 anos para estudar as mudanças provocadas pela construção da rodovia Transamazônica. Mesmo depois de ter sido contratado como professor na Universidade de Indiana, Estados Unidos, não deixou de acompanhar as transformações econômicas e sociais vividas por pequenos agricultores do Pará – e foi um dos primeiros a propor um olhar mais amplo sobre os impactos do aquecimento global, normalmente visto apenas sob a abordagem das ciências físicas e biológicas. Novamente foi a campo, desta vez com seu colega Eduardo Brondizio, antropólogo brasileiro e atual chefe do departamento de antropologia em Indiana, para ver como os pequenos agricultores do interior do Pará reagem às alterações climáticas extremas. Concluíram que as famílias que vivem no campo estão bastante vulneráveis e desamparadas, sem informação sobre como agir e onde buscar ajuda. Observaram também que variações climáticas intensas como o El Niño de 1997-1998 podem arruinar as plantações e forçar a migração para as cidades. Os resultados não são puramente acadêmicos. Além de um artigo publicado em uma edição da Philosophical Transactions of the Royal Society B dedicado à Amazônia, esse trabalho inspirou um manual para os próprios agricultores preverem – e se prevenirem contra – modificações bruscas do tempo acompanhando as variações de freqüência e intensidade das chuvas. Clima favorável - “Precisamos não só de mais investimentos, mas também de mais aliados”, afirma Odenildo Sena, diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). Um dos especialistas atentos a essas alianças – já formadas ou potenciais – é o sociólogo norte-americano Timmons Roberts, que atualmente leciona no College of William and Mary, uma das mais antigas escolas de ensino superior dos Estados Unidos, fundada em 1693. Em 1989 e 1990 Roberts viveu em Parauapebas, no Pará, para estudar as formas de sobrevivência dos trabalhadores subcontratados da Companhia Vale do Rio Doce para extrair minério de ferro da serra de Carajás. “A Vale foi pioneira em terceirizar a força de trabalho. O resultado foi uma extrema desigualdade entre os funcionários da empresa e os que formavam a força de trabalho periférica”, diz ele. “Mostrei que a Vale tinha mais responsabilidade pelos impactos sociais e ambientais na área além de seus portões, já que tinha criado todos aqueles problemas e se beneficiado da força de trabalho que custava muito pouco.” Em 2007, como um dos organizadores de uma conferência na Inglaterra sobre a Amazônia, ele se impressionou com o interesse de biólogos e físicos sobre temas políticos e sociais. “Estávamos separados no início, mas depois de 1 ano começamos a trabalhar de fato juntos e a entender melhor dos temas um do outro.” Em outro artigo da Philosophical Transactions, ele e a economista brasileira Maria Carmen Lemos defendem a idéia de que as redes de organizações não-governamentais ambientalistas se tornaram relevantes para deter as políticas de de­senvolvimento econômico, geralmente apoiadas por instituições financeiras internacionais, que induzem à destruição da maior floresta tropical do mundo, cada vez mais pressionada pelo desmatamento, pelas commodities agrícolas como a soja e pela expansão das cidades (a edição de 27 de maio de 2008 da Philosophical Transactions of the Royal Society B reúne 25 artigos de acesso aberto sobre mudanças ambientais e perspec­tivas de integração entre ciências naturais e sociais na Amazônia). O papel da maior floresta brasileira na regulação do clima no mundo emergiu nos últimos anos como um argumento extra que reforça a atenção e a participação de instituições de outros países; essa é também uma fonte de tensões entre o governo e as organizações não-governamentais e outros países. “Estes são tempos cruciais para o futuro da Amazônia e para o clima global”, diz Roberts. No livro A climate of injustice – Global inequality, North-South politics, and climate policy, lançado em 2007, Roberts e Bradley Parks oferecem alternativas conciliatórias às percepções opostas que regem os debates sobre mudanças climáticas e examinam as possibilidades de ação de países em desenvolvimento como o Brasil. Agora, no recém-lançado Greening aid?: Understanding the environmental impact of development assistance, Roberts, Parks e outros dois co-autores avaliam o impacto dos projetos financiados todos os anos por doadores internacionais como forma de ajudar os países pobres a resolver seus problemas ambientais. Ainda não se sabe ao certo como motivar os cientistas sociais a entrarem no LBA – possivelmente por meio de editais de financiamento a projetos de pesquisa – nem se eles aceitarão o convite. Outro desafio de Batistella – e de quem o suceder à frente do comitê científico do LBA – é descobrir como converter em políticas públicas as pesquisas que possivelmente chegarão às páginas de revistas científicas. Em um dos momentos de avaliação da primeira fase, Carlos Nobre, um dos idealizadores e coordenadores do programa, observou que haviam falhado em transformar as descobertas sobre a Amazônia em ações concretas que beneficiassem os moradores da região. Talvez a nova equipe do LBA consiga unir o mundo da ciência com o das políticas públicas à medida que especialistas de áreas diferentes comecem a formular e a estudar em conjunto as mudanças ambientais e suas conseqüências na sociedade. * Carlos Fioravanti esteve em Manaus a convite da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam). (texto)
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Ciência > Geologia Terra em trânsito Supercontinente que existiu 1 bilhão de anos atrás ganha novas formas Maria Guimarães Cerca de 1 bilhão de anos atrás, boa parte das massas terrestres fazia parte do supercontinente Rodínia, nome derivado do termo russo para Terra-mãe. Até aí os especialistas parecem estar de acordo. Mas reconstituir essa imensa extensão de terra é um quebra-cabeça difícil de resolver mesmo com todas as ferramentas da geologia moderna. Em busca de se aproximar desse passado distante, um grupo internacional arquitetado em 1999 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) juntou esforços e reuniu novas evidências nos respectivos continentes. Eles não chegaram a um consenso, mas a edição de fevereiro da revista Precambrian Research traz a versão até agora mais cotada entre os autores. O mundo se aglomerava num único continente, praticamente inteiro ao sul do Equador. Os resultados vêm em bom momento, já que a própria Unesco declarou 2008 como o ano do planeta Terra. Segundo o trabalho multinacional, Rodínia estava quase inteiramente ao sul do Equador. “Sabemos isso por causa de vestígios de glaciação que indicam quais regiões estavam perto dos pólos naquela época”, explica Benjamim Bley Brito Neves, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IG-USP). Territórios que hoje são a Índia e a China, agora no hemisfério Norte, estavam na linha equatorial. Ao norte estavam blocos que hoje integram Austrália e Sibéria. A Amazônia estava colada ao sul de Laurentia, que hoje é a América do Norte, com um fragmento a leste que hoje faz parte do México. O oeste da África estava ao sul da Amazônia, com parte de seu território no pólo Sul. A região que hoje abriga parte do sertão nordestino e por onde corre o rio São Francisco fazia parte da porção oeste da Amazônia e do ocidente africano. Já o que hoje é Bahia estava mais a noroeste, no bloco do Congo. Comparado à distribuição atual dos continentes, esse mapa parece insano aos olhos de quem não é geólogo. Parece que as peças que formam o mundo estavam misturadas ao acaso. Os especialistas vêem algum sentido nos movimentos das massas terrestres, mas as informações de que dispõem para uma época tão remota não permitem certezas. As informações que permitiriam localizar com mais precisão os continentes naquela época são escassas porque estão preservadas em rochas e associações rochosas raras. O geólogo da Universidade de Brasília (UnB) Reinhardt Fuck, que participou do projeto da Unesco, explica que rochas vulcânicas são material precioso porque se formam por um resfriamento rápido que cristaliza em seu interior o registro do campo magnético terrestre daquele momento. Milhões e milhões de anos depois, um especialista pode analisar esses dados paleomagnéticos e determinar a que distância do pólo aquela rocha se formou e qual era a sua orientação naquele momento. A partir disso o pesquisador pode reconstruir a trajetória que aquele pedaço de continente percorreu desde a sua origem. Esse tempo, a idade das rochas, é determinado por técnicas de datação por isótopos radiogênicos, em que elementos químicos se transformam por decaimento radioativo. “Isótopos de urânio e de tório se transformam em isótopos de chumbo”, conta Fuck, “numa taxa que conhecemos razoavelmente bem”. É essa taxa que lhe permite estimar a idade das rochas a partir das proporções de elementos que as compõem. O paleomagnetismo resolve parte do quebra-cabeça: permite dispor as peças na orientação em que estavam, o lado superior para cima e assim por diante, e na distância correta em relação aos pólos. Mas qual fica à direita e qual à esquerda? Como elas se encaixam? Encontrar essas informações – a paleolongitude – requer um trabalho meticuloso: analisar a composição química e outras propriedades das rochas e compostos rochosos de cada área estudada e procurar onde há composições semelhantes em outros pontos do mundo. “Comparar fragmentos da crosta com base na geologia é o que os geólogos fazem todos os dias”, conta Fuck. Quando encontram associações de rochas com composição e idades semelhantes em continentes diferentes, presumem que aquelas regiões estiveram juntas em algum momento da história geológica. Assim o quebra-cabeça vai aos poucos encontrando forma, mas os encaixes dependem muito de interpretação. “Cada um tem sua opinião”, diz o geólogo da UnB, “e as hipóteses obviamente pululam”. É por isso que o mapa de Rodínia está em constante mutação desde a primeira proposta em 1991 (ver Pesquisa FAPESP no 75). Nessa época o canadense Paul Hoffman, agora na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, cometeu o que Bley bem-humoradamente descreve como “um ato de irresponsabilidade científica” e, ao mesmo tempo, “um golpe de genialidade”. Consultado sobre por que os fósseis de plantas indicavam não haver barreiras à livre circulação e reprodução dos seres vivos, Hoffman reuniu as (insuficientes) informações já publicadas por ele e por outros pesquisadores, e propôs um supercontinente. Essa primeira versão era necessariamente inexata – e por isso poderia ser chamada de irresponsável – mas teve o efeito importante de lançar especialistas do mundo todo em busca de melhores encaixes. Geólogos brasileiros até agora acharam em poucas áreas rochas com cerca de 1 bilhão de anos, a época de Rodínia. O mais recente mapa dos descendentes desse supercontinente na América do Sul está também na Precambrian Research de fevereiro. Elaborado por Fuck, Bley e Carlos Schobbenhaus, do Serviço Geológico do Brasil, o trabalho mostra que representantes de Rodínia se concentram no sul da Amazônia, no estado do Mato Grosso, e na Região Nordeste, sobretudo Bahia e Pernambuco. “A América do Sul é um mosaico de fragmentos de Rodínia”, afirma Bley. Sem certezas – Parte das rochas necessárias para reconstruir Rodínia está agora inacessível – embaixo de cadeias montanhosas, de bacias sedimentares ou no fundo do mar. O custo de amostrar essas áreas é proibitivo para pesquisadores, que acabam dependendo de empreendimentos de grande porte como perfurações em busca de petróleo. Foi esse tipo de amostras que permitiu incluir no mapa do projeto da Unesco a região de Paranapanema, hoje no Sudeste brasileiro, cujas rochas se escondem debaixo da bacia do Paraná e que por isso até agora fora ignorada em reconstituições de Rodínia. Os pesquisadores brasileiros estão bastante convencidos de que o bloco amazônico compunha Rodínia pelo menos nas proximidades do continente Laurentia, que reunia as atuais América do Norte e Groenlândia. Talvez estivesse encostado. Mas há discussões quanto à posição relativa das duas massas terrestres. Manoel D’Agrella Filho, do Instituto de Astronomia, Geo­física e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), é um dos que não estão convencidos da versão publicada pelo grupo ligado à Unesco. Para ele, o bloco amazônico se chocou contra o sul de Laurentia, que depois contornou em sentido horário. Esse modelo, proposto pelo norte-americano Eric Tohver, também do IAG, explica as cicatrizes deixadas pelo choque no continente norte-americano – deformações geológicas conhecidas como cinturão Grenville – e encaixa o território amazônico a sudeste da posição atual da América do Norte durante o período de Rodínia. A grande diferença entre a proposta internacional e a dos pesquisadores do IAG não é a posição relativa das atuais Amazônia e América do Norte. Eles discordam, porém, a respeito das características da colisão entre as duas massas terrestres. Para D’Agrella, o mapa de Rodínia era mais dinâmico do que aparece nas propostas vigentes. Um trabalho coordenado por ele, publicado este ano na Earth and Planetary Science Letters, uma das revistas de maior prestígio nas ciências da Terra, reforça a idéia de que o bloco amazônico deslizou em torno de Laurentia e dá força a um continente em que a posição relativa das massas terrestres mudou constantemente. Diante do trabalho do grupo da Unesco, o pesquisador do IAG mantém sua opinião, mas admite que por enquanto não há como declarar vencedores no debate. “Os dados paleomagnéticos podem ser interpretados de diversas maneiras”, diz. E as informações disponíveis não permitem refutar nenhuma das hipóteses. Outro ponto de contenda diz respeito à bacia do rio São Francisco. No mapa do grupo internacional, o blo­co que hoje abriga a bacia do rio São Francisco faz parte de Rodínia. Para D’Agrella, porém, essa interpretação não leva em conta indícios do grande oceano Brasiliano que nessa época separaria boa parte dos blocos africanos e sul-americanos – a região do São Francisco inclusive – do conjunto formado por Amazônia, Laurentia e oeste da África. Para D’Agrella, o oceano realmente separava Rodínia do território que agrupava o que hoje é a bacia do rio São Francisco e as regiões africanas do Congo e o Kalahari. Continentes ciganos - Seja qual for seu tamanho e forma, um continente muito grande não pode persistir. “Estamos sobre uma bomba térmica”, explica Bley. Debaixo dos nossos pés há entre 150 e 300 quilômetros de litosfera, ou crosta terrestre, sólida. É uma membrana finíssima em relação ao resto do planeta – cerca de 6 mil quilômetros até o centro da Terra. As altas temperaturas do manto terrestre, a camada abaixo da crosta, conferem características viscosas aos minerais que o compõem, que ao longo dos milhões de anos fazem movimentos com o efeito de liberar o calor. Quando um supercontinente se forma, o calor se acumula sob a litosfera e pode chegar a rachá-la, como quando se apóia uma chaleira com água fervente sobre uma mesa de vidro. É o que aconteceu com Rodínia: o continente se quebrou em quatro grandes massas – Laurentia, Gondwana, Báltica e Sibéria – que há cerca de 230 milhões de anos voltaram a congregar-se em Pangéia. Foi esse supercontinente, mais conhecido, que deu origem ao mapa-múndi de hoje. Enquanto geólogos discutem hipóteses e escavam rochas em busca de respostas, os continentes continuam sua incansável migração. As placas oceânicas são mais pesadas do que as continentais e por isso tendem a entrar por baixo dos continentes. Nesse processo o oceano Pacífico enrugou a América do Sul, dando origem à cordilheira dos Andes, e causa terremotos freqüentes ao longo do litoral. Muito lentamente o Pacífico se está fechando, enquanto o Atlântico, o Índico, o Tasmânico, o mar Vermelho e o golfo Pérsico se alargam alguns centímetros por ano. Se as rotas atuais continuarem as mesmas, em cerca de 50 milhões de anos os geólogos prevêem que Ásia e América se encontrarão num novo grande continente. Ele ainda não existe mas já tem nome: Amásia.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Ciência > Neurologia O doce da vida Por que adoramos comer tortas, bolos e outros doces Maria Guimarães Atrás da vitrine de uma doceria, tortas de limão, musses de chocolate e outros doces atiçam o apetite. Cremosos, crocantes ou macios, para fincar os dentes ou derreter na boca, doces de sabor delicado, forte ou azedo deixam as glândulas salivares em polvorosa. Difícil não querer uma porção, mais difícil ainda parar na primeira colherada. Gula? Neurocientistas têm outro no­­­­­­­me: sistema dopaminérgico de recompensa. Sentir o gosto açucarado na língua leva o cérebro a produzir dopamina, neu­rotransmissor que estimula neurônios responsáveis pelo prazer. Esse mecanismo fez com que por muito tempo o paladar fosse considerado o principal instigador ao consumo de açúcar, mas o neurocientista Ivan de Araújo descobriu que a absorção de calorias pelo organismo também estimula o sistema de recompensa. Os resultados, publicados na edição de março da revista científica Neuron, podem ajudar a entender a atração por doces na origem de muitos problemas de obesidade. Radicado no Laboratório John B. Pierce, afiliado à universidade norte-americana Yale, Araújo acredita que o paladar, uma ferramenta para encontrar alimentos calóricos na natureza, ajuda os animais a sobreviver. Mas ele queria entender melhor o mecanismo que leva à preferência por calorias. Por isso aprofundou sua especialização durante um pós-doutorado na Universidade Duke, nos Estados Unidos, onde Sidney Simon e o brasileiro Miguel Nicolelis uniram conhecimento sobre o funcionamento das células que detectam o paladar na língua a técnicas de registro detalhado de atividade cerebral que acompanham a atividade de conjuntos de neurônios em tempo real. Os dois pesquisadores criaram assim uma linha de pesquisa que busca esmiuçar as conexões entre as papilas gustativas da língua e o cérebro -- a neurofisiologia da gustação. Associado a esse grupo, Araújo montou um experimento usando camundongos geneticamente modificados que não produzem uma proteína necessária para sentir sabores doces, amargos ou de aminoácidos. Ele verificou que se puderem optar por beber água pura ou com sacarose, camundongos normais preferem a água doce. Para os alterados, não faz diferença. O pesquisador deu então aos camundongos alterados um tempo maior para que pudessem usar os efeitos metabólicos para avaliar cada um dos líquidos. Em dias alternados, punha em um lado da gaiola uma garrafa com água pura ou uma garrafa com água doce no lado oposto. Ao oferecer cada líquido separadamente, o animal tinha tempo suficiente para absorver -- ou não -- o açúcar e sentir seus efeitos. O resultado apareceu no comportamento: quando o pesquisador punha garrafas de água nos dois lados das gaiolas ao mesmo tempo, os camundongos sem paladar rapidamente preferiam o lado da gaiola onde nos dias anteriores encontravam água adoçada. Eles tinham aprendido a associar a localização da garrafa ao conteúdo energético do líquido. ``Fica claro que a recompensa que os animais buscam não é o paladar, mas as calorias'', conclui Araújo. Para não deixar margens à dúvida, repetiu o experimento com camundongos novos. Desta vez usou sucralose, um adoçante com sabor semelhante ao do açúcar, mas que não é absorvido pelo intestino. De novo as cobaias com paladar intacto escolhiam a água doce. No entanto, como o produto não é usado pelo organismo, os camundongos modificados já não podiam contar com a via metabólica para detectar açúcar e não desenvolveram preferência por nenhum dos lados da gaiola. Para investigar o mecanismo por trás do comportamento, o grupo mediu os teores de dopamina no cérebro das cobaias. Viram que nos animais normais a quantidade do neurotransmissor no cérebro aumenta tanto em resposta à água com sacarose como na com sucralose, mas os alterados só reagiram à sacarose. Para Araújo, os resultados provam que duas vias independentes estimulam o sistema de recompensa: a gustativa e a metabólica. Os adoçantes se acoplam aos receptores nas células da língua da mesma forma que o açúcar, e assim enganam o organismo. Mas não por muito tempo. Um estudo publicado este ano por pesquisadores norte-americanos mostrou que alimentos com adoçantes na verdade levam animais a ingerir mais calorias no longo prazo. ``É provável que o perfil temporal da liberação dopaminérgica nas duas vias seja diferente'', explica Araújo. O paladar provoca uma produção instantânea de dopamina, mas o pesquisador acredita que a estimulação não dure mais do que alguns segundos. Já o efeito da via metabólica, que de­pende da absorção do açúcar pelo organismo, pode durar minutos ou mesmo horas. Por isso mesmo provoca uma produção mais sustentada de dopamina. ``Parece que a via metabólica tem um efeito cumulativo que a via do paladar não tem'', especula o neurocientista, que ressalta a importância de mais estudos usando uma tecnologia mais precisa para medir as concentrações de dopamina ao longo do tempo. Circuitos açucarados - Quando um animal consome sacarose, o organismo produz insulina, um hormônio essencial para processar açúcares. Essa insulina é transportada para o cérebro e ali potencialmente estimula os neurônios dopaminérgicos. A dopamina que é produzida em conseqüência ativa uma série de circuitos cerebrais que afetam as emoções. Araújo ainda não sabe em detalhes como essa via que parte da detecção de calorias pelo organismo atua no cérebro. A dificuldade em traçar a rota do paladar não é problema para o pesquisador. Pelo contrário, ele parece preferir trajetos intrincados. Formado em filosofia, Araújo se encantou pela lógica e fez mestrado em matemática. Ainda em busca da lógica, se embrenhou por redes neurais virtuais num mestrado na área de inteligência artificial e robótica. Descobriu ao fim que as redes de neurônios reais são mais interessantes e se doutorou em neurofisiologia do comportamento alimentar. Agora quer mapear as conexões entre os neurônios ligados ao paladar e os que incitam a comer. Em busca de parceiros de pesquisa, Araújo apresentou um seminário no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP). Lá conheceu a neuroanatomista Sara Shammah-Lagnado, que lhe mostrou os resultados da exploração anatômica pela região cerebral que abriga o reconhecimento de alimentos calóricos. Em artigo a ser publicado este ano na revista Neuroscience, Sara e sua equipe mostram interconexões entre uma área do cérebro ligada a motivação e outra vinculada a reações motoras. ``É uma interface entre motivação e ação'', resume a pesquisadora. O encontro fortuito entre grupos de pesquisa deu início a uma busca multidisciplinar. Araújo espera em breve ter um mapa detalhado dos circuitos cerebrais envolvidos na via de sinalização entre a insulina e o sistema de recompensa, entre ver um chocolate e comê-lo. ``Nós vemos relações anatômicas e não podemos lhes atribuir funções'', diz Sara, ``e o Ivan faz experimentos funcionais que permitem testar hipóteses baseadas em circuitos neurais''. Com a abordagem integrada, a equipe da USP espera indicar exatamente em que zonas do cérebro Araújo deve medir a concentração de dopamina depois que um camundongo ingere calorias. Os dados preliminares do grupo de Sara indicam que estão procurando a relação entre comer e sentir-se satisfeito no lugar certo. ``É uma linha de pesquisa que ainda vai frutificar'', ressalta ela. É a busca pela morada da gula, que antes de ser pecado garantiu a sobrevivência e a proliferação da vida animal no planeta.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Tecnologia > Biotecnologia Alternativa animal Cabras, vacas, galinhas e camundongos transgênicos são um novo meio para produção de medicamentos Marcos de Oliveira Um medicamento em forma de ampolas com caixa azul e branca semelhante a muitos outros existentes em farmácias e hospitais acaba de ser lançado na Europa para tratamento de tromboembolismo em cirurgias de pacientes com deficiência antitrombina hereditária, doença que provoca coágulos no interior dos vasos sangüíneos. Até aí nada de muito inusitado em lançar um medicamento. A grande diferença é que ele é produzido a partir de uma substância extraída do leite de cabras transgênicas desenvolvidas pela empresa norte-americana Genzyme Transgenics Corporation (GTC) Biotherapeutics, também produtora do medicamento, e distribuído pela dinamarquesa LEO Pharma para toda a Europa e Canadá. A substância é a antitrombina humana III (AIII), proteína introduzida no genoma de uma cabra por uma técnica conhecida como DNA recombinante. Essa molécula, por meio de recursos biotecnológicos, é colocada no embrião, nos primeiros momentos da sua formação, na forma de um gene codificador da mesma proteína. Posteriormente, a AIII é produzida nas células mamárias do animal. Cada cabra produz, durante o período de amamentação, 3 litros de leite por dia, o que equivale à produção de cerca de 3 quilos de proteína (já purificada) por ano. A estratégia tecnológica de transgenia animal está presente em muitas empresas e institutos de pesquisa principalmente nos países europeus e nos Estados Unidos. Vários medicamentos estão em testes, em diferentes fases, antes de serem liberados para o mercado. No Brasil, esse tipo de pesquisa está restrito a grupos de pesquisadores em universidades e centros de pesquisa. São cerca de dez grupos de pesquisa no país que produzem animais transgênicos para expressar alguma proteína de interesse medicamentoso ou para uso em experimentos científicos, como camundongos modificados geneticamente. Grande parte desses pesquisadores esteve presente no I Simpósio Brasileiro de Tecnologia Transgênica realizado em março na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e assistiu à palestra de abertura com o ganhador do Nobel de Fisiologia e Medicina de 2007, Oliver Smithies (leia em Pesquisa Fapesp nº 146). “Fiquei muito surpreso com os grupos de pesquisa brasileiros. Não sabia que existiam tantos e percebi que muitos se conheceram no simpósio. Isso é muito importante para a indústria do país”, disse o espanhol Lluís Montoliu José, presidente da Sociedade Internacional de Tecnologia Transgênica, ISTT na sigla em inglês, criada em 2006, e também professor da Universidade Autônoma de Madri, na Espanha. Para Montoliu, o uso de animais transgênicos tem um am­­­plo espectro para a ciência e para outros setores econômicos. “Há muito o que pesquisar, mas já sabemos, por exemplo, que purificar proteínas no leite é relativamente fácil enquanto no sangue é mais complicado (pela possi­bilidade de transmissão de doenças). Além da produção de proteínas humanas e de futuras vacinas por meio do lei­te de animais, temos também a pro­dução de exemplares para estudos de doenças, animais transgênicos para me­lhorar a produção e evitar doenças na pecuária, curar enfermidades em peixes e transplantar órgãos de porcos, por exemplo, para seres humanos.” Os animais transgênicos usados para produção de proteínas, chamados de biorreatores, estão se tornando uma solução para se obter fármacos que funcionam como repositórios de substâncias produzidas naturalmente pela maioria dos humanos, mas ausentes ou em níveis diminutos em alguns. “Esse sistema é mais barato que as técnicas de pro­dução de proteínas recombinantes feitas em grandes estruturas de laboratório com o auxílio de bactérias, leveduras ou células de mamíferos e com a necessidade de um reator de custo alto ou ainda de plasma humano para ser produzida”, diz o professor João Bosco Pesquero, diretor do Centro de Desenvolvimento de Modelos Experimentais para Medicina e Biologia (Cedeme) da Unifesp e coordenador do simpósio. Entre os medicamentos fabricados com a técnica de DNA recombinante com bactérias ou com o cultivo de células de ová­rios de hamster-chinês, na sigla CHO em inglês, estão o hormônio de crescimento huma­no (hGH) e o fator IX de coagulação san­­güínea, essencial aos hemofílicos e também produzido com plasma humano. O gasto atual por paciente hemo­fílico pode ultrapassar R$ 70 mil por ano no Brasil com medicamentos comprados no mercado externo e pagos pe­los governos estaduais e federal. São proteí­nas fundamentais para evitar hemorragias em pessoas hemofílicas. Dois anúncios feitos em abril último pro­metem garantir com tecnologia tradicional o suprimento dos fatores VIII e IX com produção nacional e baixo custo. O primeiro pela Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobras), vinculada ao Ministério da Saúde, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o outro pelo Instituto Butantan, que começa a preparar a sua Unidade de Processamento de Plasma. Embora prometendo preços baixos, os novos medicamentos com origem transgênica ainda são caros. No caso do Atryn, nome do antitrombótico da GTC, o preço de cada ampola é de € 2,5 mil no mercado europeu. Nos Estados Unidos, ele está na fase final de aprovação clínica. “O desenvolvimento de animais transgênicos está ligado a empresas de biotecnologia que têm investido muito nesses últimos anos na área. Com eles fica mais fácil e barato testar novas drogas porque se experimenta o princípio ativo contra determinada proteína humana no camundongo, por exemplo”, diz Pesquero. “Isso elimina algumas etapas dos testes clínicos. Um gene importante para o diabetes pode ser testado num camundongo preparado com um gene humano no lugar do gene do animal. Se a droga se ligar na proteína humana, ela funciona. Isso diminui o tempo para testes de novas drogas e verificação dos efeitos colaterais. Além disso são usados muito menos animais de laboratório.” Pela ajuda que traz ao estudo de doen­­ças e no desenvolvimento de novas drogas, os animais transgênicos mais presentes são aqueles destinados a laboratórios. “Já são milhares de animais transgênicos, principalmente camundongos, em todo o mundo. A maioria produzida por laboratórios associados às universidades.” Existem até empresas, como a australiana Ozgene e a suíça Polygene, que produzem tais animais também sob encomenda. Um grupo de camundongos que tenham o gene nocauteado, a técnica que faz desligar um gene e conseqüentemente a não produção de uma proteína, situação que pode provocar uma doença, por exemplo, pode custar até US$ 45 mil. A equipe de Pesquero da Unifesp desenvolve camundongos para pesquisadores da Unifesp e de outras instituições, como o Instituto do Coração, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Uma das conquistas do grupo foi a produção de uma fêmea que expressou no leite o fator IX (leia em Pesquisa Fapesp nº 117). Em 2005, a idéia era expressar a proteína no camundongo e, se tudo corresse bem, o siste­ma seria transferido para gerar bovinos na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília. “A meta no momento é a geração de vacas ou cabras capazes de transformar capim em leite de uma forma barata. Mesmo com a fase de purificação da proteína no leite, essa opção custa menos”, diz Elíbio Rech, pesquisador da Embrapa. “Precisamos pensar ainda que os anticorpos monoclonais, moléculas produzidas por engenharia biotecnológica, estudados principalmente para tratamentos de câncer, além de poder atuar como meio de diagnósticos e em vacinas, também podem ser produzidos nas glândulas mamárias”, lembra. A pesquisa e a produção desses animais são muito importantes para o Brasil. Se não produzirmos animais transgênicos aqui estaremos dentro em breve importando-os,” prevê Pesquero, que atualmente também trabalha com coelhos transgênicos para expressar proteínas terapêuticas e de interesse comercial como fator IX e hormônio folículo estimulante (FSH) para bovinos. “Uma vez estabelecida a técnica em coelhos poderemos pro­du­zir diferentes proteínas.” O simpósio mostrou que o país já possui grupos produzindo em diferentes níveis. A mais recente novidade nesse sentido foi o nascimento de dois caprinos, uma fêmea e um macho, entre 11 e 20 de março deste ano em Fortaleza, no Ceará. São dois animais transgênicos que possuem em seu genoma o gene produtor da proteína do fator estimulante de colônia de granulócitos humanos, que possui a sigla em inglês hG-CSF, usado em casos de imunodeficiência, como Aids, na recuperação de pessoas com câncer que fazem uso de quiomioterapia ou que tiveram infarto do miocárdio ou isquemia cerebral (derrames). O experimento foi realizado por uma equipe da Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará (Uece) coordenada pelo professor Vicente José Freitas em parceria com a equipe do professor Antonio Carlos Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além das pesquisadoras Irina Serova e Ludmila Andreeva, da Academia de Ciências da Rússia. No começo de abril, Freitas obteve a confirmação de que os dois caprinos mais um natimorto, num lote de 23 nascidos, possuíam em seu genoma o gene para o hG-CSF. Os testes foram realizados na universidade cearense e confirmados na UFRJ. Essa é a segunda tentativa do grupo. A primeira, realizada em 2006, apenas um cabrito nasceu transgênico, mas morreu 19 dias depois com infecção não relacionada ao procedimento de transgenia. O método utilizado por Freitas é o mais comum usado por pesquisadores do mundo, o de injeção pró-nuclear, em que uma solução com cópia do DNA e o gene da proteína que se quer expressar são injetados no óvulo recém-fecundado. Depois o embrião é transferido para o útero de uma fêmea procriadora que não necessariamente é a doadora do óvulo. Agora com um casal transgênico, será possível cruzar o bode com a cabra para obter cerca de 75% de filhotes com a proteína humana. “Nossa alegria se estende também ao fato de o casal ser da raça canindé, em via de extinção no Nordeste brasileiro”, diz Freitas. A raça foi formada por animais trazidos pelos portugueses desde os tempos da colonização. “Com a transgenia agregamos valor à ra­ça porque o bode transgênico pode cruzar com uma fêmea não-transgênica da mesma raça, com a chance de 50% dos filhotes serem transgênicos, produtores da proteína hG-CSF.” Outra possibilidade é a clonagem desses animais. O cruzamento deles resultaria em 100% de transgênicos. Freitas acredita, como a GTC, que as cabras levam vantagem sobre outros animais no papel de biorreatores para produzir grande parte das proteínas de uso médico. “Elas não raro parem três filhotes em 5 meses de gestação, enquanto um bovino tem apenas um filhote numa gestação de 9 meses, e raros são os gêmeos.” Na América Latina, nos estudos com transgenia em animais, o Brasil está atrás da Argentina. A empresa Bio Sidus daquele país já havia anunciado em 2004 a produção de uma vaca que produz hormônio de crescimento humano no seu leite, embora ainda não comercialize o produto do animal. Em abril do ano passado, a empresa divulgou também o nascimento de vacas transgênicas capazes de produzir insulina humana no leite. São quatro vaquinhas da raça jérsei, especializada na produção de leite. A empresa informou que um lote de 25 vacas seria suficiente para suprir toda a necessidade de insulina na Argentina, país com cerca de 1,5 milhão de diabéticos. Mas a Bio Sidus diz corretamente que a produção de animais transgênicos com esse potencial é apenas uma parte do caminho tecnológico para se chegar a um produto final. É preciso elaborar com segurança a extração e a purificação da proteína humana no leite bovino pa­ra eliminar possíveis contaminações. No Brasil, outro grupo, dessa vez na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, inicia pesquisas com galinhas transgênicas. Por meio da diluição do gene codificador da proteí­na verde fluorescente, GFP na sigla em inglês, no esperma de galo, seguida da inseminação, os pesquisadores, coordenados pelo professor João Carlos Des­champs, conseguiram um exem­plar que nasceu morto, mas que expressou tal proteína. “O experimento serviu para mostrar que a técnica funciona”, diz a professora Denise Bongalhardo, do mesmo grupo. “Experimentos realizados na Europa mostram que os ovos transgênicos são viáveis, embora expressem muito pouca proteína e, portanto, ainda não são viáveis comercialmente”, explica Denise. “As galinhas têm como vantagem o fato de produzirem cerca de 330 ovos por ano e possuí­rem pequeno intervalo entre as gerações, além de ter a clara de ovo naturalmente estéril. Afinal, o ovo é fácil de estocar e a proteína já vem empacotada.” O próximo passo do grupo gaúcho é expressar uma proteína de coagulação sangüínea humana, como o fator IX, em ovos de galinhas. Denise também aponta futuros usos de frangos transgênicos, como a manipulação de características de produção, melhoramento genético e resistência a doenças. Além da produção de medicamentos via leite dos animais para obtenção de proteínas humanas ou mesmo de ovos, é possível combater enfermidades como dengue e malária, por meio da manipulação genética dos mosquitos transmissores dessas doenças. Uma alternativa que ainda dá seus primeiros passos para verificação de sua possibilidade prática é a introdução num mosquito vetor, o Aedes aegypti, da dengue, ou o Anopheles spp., da malária, de um gene que possa bloquear a atividade tanto do vírus da primeira como o protozoário da segunda, que vivem dentro desses insetos, e conseqüentemente barrar a transmissão das doenças. Com esse objetivo, a equipe do pesquisador Luciano Andrade Moreira, do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte, Minas Gerais, desenvolveu uma linhagem de mosquitos Aedes fluviatilis que pode ser vetor do parasita da malária aviária. A ação contra o Plasmodium gallinaceum no interior do mosquito é acionada por meio da proteína fosfolipase A-2, na forma mutada e inativa, encontrada no veneno da abelha e já muito estudada. “Essa proteína deve formar uma barreira no intestino do mosquito que não deixa o plasmódio penetrar na parede intestinal e, após formar um cisto, atingir a glândula salivar do inseto e ser transferida para outra ave no momento da picada”, diz Moreira. Para fazer os insetos transgênicos, Moreira e sua equipe utilizam a técnica de microinjeção da construção de DNA nos ovos do mosquito, na fase de embrião. “Estamos na trigésima geração de mosquitos transgênicos criados em laboratório”, conta Moreira. Pesquisa semelhante com o mosquito da dengue está em desenvolvimento sob a coordenação da professora Margareth Guimarães, da Universidade de São Paulo (leia em Pesquisa Fapesp nº 131). A transgenia animal começou a dar seus primeiros passos em 1982 com pesquisadores norte-americanos das universidades de Washington, Pensilvânia e Califórnia que produziram um camundongo que expressava o hormônio de crescimento de um rato. Resultado: o camundongo cresceu mais que o normal. “Hoje existe muita gente trabalhando com transgênicos, o que torna fundamental patentear o resultado dos estudos”, alerta Pesquero. “Em biotecnologia, qualquer desenvolvimento é passível de patenteamento, mas o animal transgênico não é patenteável no Brasil. A patente deve ser do projeto de construção genética do animal”, afirma o engenheiro químico especializado em propriedade intelectual Ricardo Amaral Remer, sócio na consultoria Atem&Remer que deu palestra sobre o tema no simpósio na Uni­fesp. “É o sistema de expressão ou a construção gênica, ou ainda o conteúdo e a forma de introduzir o gene no animal que é patenteável”, explica Remer. Mesmo expressando uma proteí­na presente em outro animal, como o fator IX, é possível patentear outro processo de produção relacionado a essa substância.
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Pesquisa FAPESP Edição 147 - Maio 2008 Tecnologia > Física Filamentos versáteis Nova geração de fibras ópticas amplia uso desses dispositivos para além das telecomunicações Yuri Vasconcelos Há cerca de 30 anos o Brasil ingressava no então seleto grupo de países que pesquisavam e usavam fibras ópticas, filamentos de vidro ou material polimérico da espessura de um fio de cabelo capazes de transmitir em alta velocidade dados em forma de luz. Uma das primeiras redes construídas com o material foi instalada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em maio de 1977, para testes de telecomunicações, setor que passou por uma verdadeira revolução com a massificação do uso das fibras ópticas no lugar de fios de cobre. Hoje, três décadas depois, a Unicamp continua na vanguarda das pesquisas sobre essa tecnologia e sedia um laboratório focado no estudo e desenvolvimento de fibras de cristal fotônico, consideradas uma nova geração de fibras ópticas que ampliam o uso desses materiais, por exemplo, para a biologia e para a química, na análise de gases e líquidos. No ano passado, pesquisadores desse laboratório depositaram, em conjunto com pesquisadores de outras instituições brasileiras e estrangeiras, três patentes relativas às fibras de cristal fo­tônico, que serão discutidas no workshop internacional Fibras Ópticas Especiais e Suas Aplicações, programado para acontecer na cidade de São Pedro, no interior paulista, em agosto deste ano (www.wsof2008.org). O evento deve reunir especialistas mundiais nesse tipo de fibra óptica desenvolvida no final dos anos 1990 pelo britânico Philip Russell, na Universidade de Bath, na Inglaterra, um dos principais centros de pesquisa desse material. As fibras de cristal fotônico fazem parte de um grupo maior conhecido como fibras ópticas especiais, porque possuem inovações estruturais que as diferenciam das demais. A principal diferença entre as fibras de cristal fotônico e as tradicionais é que as primeiras possuem um arranjo regular de buracos, da ordem de 1 micrômetro de diâmetro, equivalente a 1 milionésimo do metro, e que corre paralelo ao eixo da fibra e por todo o seu comprimento. A vantagem desses microfuros é permitir um rígido e extenso controle do guiamento da luz, o que torna a fibra mais versátil. Isso ocorre porque a microestrutura pode ser projetada de diferentes formas, de maneira a lhes conferir as propriedades que se desejar. Assim, é possível elaborar fibras para um amplo conjunto de aplicações. Além de redes e equipamentos do setor de telecomunicações, as fibras de cristal fotônico, também conhecidas pela sigla PCF (de Photonic Crystal Fiber), podem ser usadas na fabricação de dispositivos a laser, fontes de luz ou sensores ópticos ultra-sensíveis capazes de monitorar um ambiente com um gás perigoso ou um líquido contaminado por bactérias, por exemplo. “As fibras de cristal fotônico representam uma inovação de largo espectro”, afirma o físico Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Unicamp. “A liberdade que temos para mexer nas características das fibras ópticas tradicionais é muito limitada, mas quando inserimos buracos em sua estrutura a liberdade de escolha de suas propriedades ópticas aumenta muito”, diz Cordeiro. Fios guiados – Apesar de ser uma tecnologia relativamente nova, as fibras de cristal fotônico já chegaram ao mercado. A empresa pioneira é a dina­marquesa Crystal Fibre, que desde o ano 2000 comercializa diferentes tipos de fibras, bem como equipamentos feitos com esse material para a área de telecomunicações. Na Unicamp, uma das principais inovações desenvolvidas é uma fibra de cristal fotônico com eletrodos (fios metálicos) integrados a ela, num trabalho do mestrando Giancarlo Chesini. Com isso, simultaneamente ao guia­men­to de luz, é possível aplicar voltagem à fibra ou fazer passar corrente elétri­ca por ela. “A luz pode ser modulada com a corrente elétrica, abrindo novas perspectivas de uso do material na área de sensoriamento e de dispositivos, como, por exemplo, na fabricação de moduladores ópticos usados em redes de transmissão de dados”, explica Cordeiro, que fez seu pós-doutorado junto ao Centro de Fotônica e Materiais Fotônicos da Universidade de Bath. Outra novidade do grupo, que integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de Campinas (CePOF) sediado também no IFGW-Unicamp e financiado pela FAPESP, é uma fibra batizada de Y. A particularidade es­trutural dela é o núcleo reduzido, de apenas 1 micrômetro de diâmetro – o núcleo das fibras tradicionais mede por volta de 10 micrômetros e seu diâmetro total chega a 125 micrômetros. Além disso, ela tem apenas três buracos em sua microestrutura, que são bem grandes quando comparados aos das fibras de cristal fotônico comuns. A redução do núcleo torna a fibra mais sensível e adequada para aplicações de sensoriamento químico ou biológico. Isso ocorre por causa do efeito de difração que estende a propagação da luz para além do núcleo. “O fenômeno da difração é péssimo na transmissão de dados numa rede de telecomunicações, mas desejável em sensoriamento. Os buracos da fibra permitem que a luz entre em contato com o material de interesse a ser identificado e analisado, como um líquido ou gás qualquer”, explica o pesquisador da Unicamp. A primeira patente depositada em abril do ano passado pela Agência de Inovação da Unicamp (Inova) trata da estrutura das fibras de cristal fotônico. “Além dos buracos em torno do núcleo, fizemos outros nas laterais, perpendiculares ao eixo da fibra, para des­vincular a entrada da luz e do material. Assim, a luz continua entrando pela extremidade da fibra, exatamente como acontece com qualquer outra, enquanto o material a ser examinado entra pelas laterais”, conta o também físico Christiano José Santiago de Matos, professor do Laboratório de Comunicações Ópticas e Fotônica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, co-autor da patente. Para funcionar como um sensor, a luz precisa entrar em contato com o material examinado. A análise acontece por meio da difração de parte da luz que viaja no núcleo para a casca da fibra, gerando um campo evanescente, em que a luz tenta escapar para fora do núcleo. Com a abertura dos furos laterais, o material analisado, seja líquido ou gás, adentra a fibra por eles e entra em contato com este campo evanescente. O pedido de patente dessa tecnologia deu entrada no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) no final do ano passado. Um processo parecido, com o mesmo objetivo de acessar o interior da fibra pelas laterais, resultou numa segunda patente, desta vez internacional, que contou com a parceria entre o grupo da Unicamp e o do Centro de Tecnologia de Fibra Óptica (OFTC) da Universidade de Sydney, na Austrália, um dos mais avançados no estudo de fibras ópticas especiais. No lugar de furos laterais foi feito um rasgo de dezenas de centímetros ao longo da fibra. “Essa tecnologia teve um grande impacto não apenas por ser internacional, mas porque é a que está mais próxima de uma aplicação prática na área de sensoriamento químico, monitorando, por exemplo, vazamentos químicos em indústrias ou mesmo em poços de petróleo”, diz Cristiano Cordeiro. Um artigo sobre esta tecnologia foi publicado recentemente na Optics Express, revista on-line da Optical Society of America, considerada de grande impacto na área de óptica. A terceira patente, depositada em outubro de 2007 no INPI, mais uma vez em parceria com a Universidade Mackenzie, é relativa a uma fibra de cristal fotônico com núcleo e casca (a parte da fibra que envolve o núcleo) preenchidos com diferentes líquidos como água, etanol ou metanol. “Nesse trabalho usamos água na casca e uma mistura de água e glicerina no núcleo. Ela será empregada principalmente nas áreas de sondagem e sensoriamento, como, por exemplo, para realizar a análi­se espectroscópica de líquidos, para medir a emissão ou absorção de radiações eletromagnéticas da substância. O núcleo líquido das fi­bras microestruturadas pode proporcionar alta interação da luz com o material examinado, facilitando sua análise. “Mas para evitar que a onda de luz viaje em velocidades e caminhos diferentes dentro do núcleo líquido, um fenômeno conhecido como dispersão modal, usamos um segundo líquido na casca da fibra, controlando o guiamento do primeiro”, diz Christiano de Matos, do Mackenzie. Criou-se, assim, uma fibra monomodo, um dos tipos das fibras tradicionais, as preferidas do mercado, por permitirem que a luz faça uma “viagem” mais regular, proporcionando um melhor sinal. O desenvolvimento dessa fibra exigiu a superação de vários obstáculos, como, por exemplo, preencher espaços tão diminutos, como o núcleo e a casca de uma fibra óptica, sem misturar os dois líquidos. A fibra de núcleo e de casca líquidos deverá ser mostrada no workshop a ser realizado em São Pedro e que já conta com o apoio de sociedades internacionais como OSA e SPIE além da própria FAPESP. Dos 30 palestrantes convidados, 25 são de outros países, entre eles o físico inglês Jonathan Knight, da Universidade de Bath, que participou do desenvolvimento da primeira fibra de cristal fotônico, e a pesquisadora australiana Maryanne Large, da Universidade de Sydney, responsável pelo desenvolvimento pioneiro das fibras plásticas de cristal fotônico. O Projeto Fibras de cristal fotônico Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) Coordenadores Hugo Fragnito – Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) na Unicamp Cristiano Cordeiro – Subprojeto Investimento R$ 1.000.000,00 por ano para todo o CePOF (FAPESP)
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Ciência > Geologia Terra sacudida Tremores recorrentes ajudaram a moldar o relevo nordestino Maria Guimarães O Nordeste brasileiro é terra de agitos, não só por causa do Carnaval e outras festividades. De acordo com pesquisadores do Rio Grande do Norte e de São Paulo, os terremotos que de vez em quando sacodem a região estão longe de ser novidade: já aconteciam muito antes de existir gente no planeta, e ocorrem até hoje. O geólogo Francisco Hilario Bezerra, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), recorre à cultura popular para ressaltar a concepção errada que impera sobre os movimentos do solo brasileiro: “Vai, vai, vai, suba aqui na minha moto/ Vem, vem, vem, aqui não tem terremoto”, diz a música Insolação do coração, de Carlinhos Brown, interpretada por Claudia Leitte. Segundo o pesquisador, não é nada disso. No Brasil, sobretudo em sua região natal, tem muito terremoto. “O Nordeste é o lugar do Brasil onde mais acontecem terremotos”, diz Bezerra, “não se sabe bem por quê”. Os resultados do grupo da UFRN deixam claro que terremotos têm sido comuns na região nos últimos 400 mil anos. Além de explicar o relevo nordestino, esse conhecimento pode também ter utilidade prática direta, como orientar a engenharia civil. “Se determinamos que uma zona é caracterizada, há milhares de anos, por terremotos de magnitude 5, por exemplo, é preciso que as construções resistam a esses tremores”, explica o geólogo. A caracterização tectônica da região faz parte de um projeto mais amplo coordenado pelo geólogo Reinhardt Fuck, da Universidade de Brasília, no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Estudos Tectônicos. Parte do trabalho foi feita por Francisco Cézar Nogueira durante o doutorado sob orientação de Bezerra. Ele estudou uma falha tectônica com comprimento de 35 quilômetros por onde corre o rio Jundiaí, que corta a cidade de Natal, e viu que, mais ou menos a cada 16 mil anos, os movimentos dessa ruptura no terreno causam tremores, segundo artigo publicado este ano no Journal of Geodynamics. A principal fonte de informações para Nogueira foi a areia que preenche as rachaduras profundas do solo. Como matéria-prima para análises geológicas, a areia pode ser desafiante. As zonas arenosas em climas áridos são pouco propensas à preservação de fósseis e por isso são difíceis de datar pela técnica mais comum, de carbono-14. A dificuldade foi resolvida por uma associação com o laboratório de Sonia Tatumi, da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP), especialista em análises de luminescência opticamente estimulada. A técnica mede a posição dos elétrons dentro dos grãos de quartzo da areia para avaliar sua idade. A luz solar atrai esses elétrons para a camada mais externa, mas eles voltam para o interior do grão quando a camada de areia é enterrada. Com esse método é possível estimar há quanto tempo o grão está no subsolo, dentro de um máximo de 1 milhão de anos. Ao pressupor que a areia infiltrada na falha Jundiaí foi soterrada em consequência da rachadura, as datações permitiram estimar que ela se formou cerca de 100 mil anos atrás. E esteve ativa desde então, o que não se podia saber observando os registros históricos. Durante os 200 anos em que há histórico sobre a atividade sísmica ­no Nordeste, não foram registrados tre­mores fortes na falha Jundiaí, o que poderia levar a crer – incorretamente – que ela não está ativa. Solo movediço – Estudar falhas não é a única forma de investigar a sismologia de uma região. Mesmo sem ter acesso direto à falha que causa tremores em determinada área, o grupo da UFRN usa também outras alterações no solo para inferir movimentos passados. Um desses fenômenos é a liquefação, que acontece quando uma mistura de água e areia presa no subsolo é submetida a grande pressão, como a gerada por um terremoto. Bezerra ajuda a compreender fazendo uma analogia com a pressão que se cria quando uma garrafa de champanhe é sacudida. “A rolha, que no caso do solo pode ser uma rocha, impede a mistura de se expandir e a pressão aumenta até que estoura”, explica. No caso do champanhe é festivo, desde que a rolha não atinja alguém; mas quando grãos de quartzo se agitam com um terremoto e são ejetados, junto com a água, depois que a rocha se rompe, o resultado é destruição e, hoje, prédios demolidos. As marcas desse tremor depois se solidificam e ficam registradas: é o que Elissandra Moura-Lima tem estudado durante seu trabalho de doutorado. As testemunhas providenciais aí são seixos por cima da areia. Mais uma vez, Bezerra recorre a uma imagem para deixar clara a instabilidade dessa disposição: “Imagine uma gelatina, dessas que a gente come, com um ferro de passar em cima”. Basta um tremor para acabar com o equilíbrio e fazer o ferro afundar. E provavelmente fará isso de lado, descendo pela gelatina na posição que oferece menos resistência. É o que acontece com os seixos: quando são flagrados debaixo da superfície em posição vertical, os pesquisadores podem inferir o trajeto que percorreram. E, mais uma vez com ajuda da luminescência, estimar quando aconteceram esses movimentos. Elissandra usou também uma espécie de tomografia dos sedimentos conhecida como GPR, sigla em inglês para radar que penetra o solo (ground penetrating radar). Isso lhe permitiu caracterizar, no vale do rio Açu, parte da bacia Potiguar, as estruturas em domo formadas quando os seixos penetram solo adentro e empurram a areia para cima. Mapear essas deformações do solo no contexto da rede de falhas que percorre a região permite estimar o momento e a magnitude de tremores que ocorreram há milhares de anos. Um tremor de magnitude 5 ou 6, por exemplo, causa alterações num raio de dois quilômetros. No vale do rio Açu, o grupo mostrou que terremotos já eram recorrentes há 400 mil anos. As falhas que correm por baixo desse vale são, por isso, fortes candidatas a responsáveis por boa parte da atividade sísmica do passado na bacia Potiguar. Mais que paisagem – Uma vantagem de ser geólogo especializado nessa região é poder trabalhar num cenário mais atraente do que pedreiras ou zonas desérticas. As falésias que caracterizam boa parte da costa nordestina são, além de deslumbrantes, uma fonte rica de informações. Naquelas paredes com até 30 metros de altura que se erguem junto ao mar coloridas com tons de vermelho, amarelo, roxo e branco está exposto um histórico sísmico e geológico que remonta a dezenas de milhares de anos. Basta a um especialista olhar para essas falésias para perceber as linhas horizontais que delimitam sedimentos com idades diferentes e reconhecer características que revelam a influência de atividades sísmicas em sua formação. É nessa paisagem que se dá parte do trabalho de Dilce Rossetti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que também analisa faces rochosas onde for possível, como as cortadas pela abertura de estradas. “A costa nordestina é ideal para esse tipo de estudo”, explica a pesquisadora, “pela abundância de falésias que se estendem por muitos quilômetros”. Isso lhe permite comparar as deformações no terreno causadas pela liquefação em contextos diversos, como perto de uma falha e longe dela, além de ter acesso, num único ponto de uma praia paradisíaca, a uma história com dezenas de milhares de anos. Em artigo que será publicado em janeiro de 2011, junto com o de Elissandra, numa edição especial sobre paleoterremotos da Sedimentary Geology, Dilce usa essas deformações para mostrar como a ponta da Paraíba, último ponto do continente americano a se desligar da África, não é passiva como se pensava. A atividade sísmica ali é disseminada. Para datar esses eventos ela tem usado carbono-14, quando há matéria orgânica, e luminescência, cujos resultados estão em fase final de preparação para publicação. Ela viu que por cima da formação geológica conhecida como Barreiras, formada há cerca de 20 milhões de anos, há várias camadas com sinais de perturbação sísmica. Chegou a encontrar rochas com idade de 178 mil anos numa falésia paraibana, mas o mais comum é ter registros dos últimos 67 mil anos. “Nessa época já havia sismicidade em vários locais da Paraí­ba, e em outros estados do Nordeste também”, afirma. Segundo Dilce, esses movimentos de terra foram responsáveis por modelar parte do relevo da região, como as falésias e a localização dos leitos de alguns rios. Não é possível extrapolar os resultados obtidos no Nordeste para outras regiões do Brasil. “Cada falha tem um comportamento específico”, explica Bezerra. Por isso as falhas paulistas de Taubaté e de Santos, por exemplo, podem ter uma periodicidade e um modo de ação distintos que ainda precisam ser estudados. Para ele, a grande importância desses trabalhos, em conjunto, é mostrar que olhar os fenômenos atuais da natureza não é suficiente para entender o que acontece hoje. “O conhecimento histórico e instrumental não basta, é preciso examinar as camadas do passado distante.” > Artigos científicos 1. NOGUEIRA, F. C. et al. Quaternary fault kinematics and chronology in intraplate northeastern Brazil. Journal of Geodynamics. v. 49, n. 2, p. 79-91. mar. 2010. 2. MOURA-LIMA, E. N. et al. 3-D geometry and luminescence chronology of Quaternary soft-sediment deformation structures in gravels, northeastern Brazil. Sedimentary Geology. no prelo. 3. ROSSETTI, D. F. et al. Sediment deformation in Miocene and post-Miocene strata, Northeastern Brazil: Evidence for paleoseismicity in a passive margin. Sedimentary Geology. no prelo. OS PROJETOS 1. Estudos geofísicos e geológicos na província Borborema 2. Integração de sedimentologia, sensoriamento remoto e geoquímica aplicada ao mapeamento da sucessão cretáceo-terciária na porção central da bacia Paraíba - nº 2006/04687-7 Modalidade 1. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa (FAPESP) Co­or­de­na­dores 1. Reinhardt Fuck – IG/UnB 2. Dilce de Fátima Rossetti – Inpe Investimento 1. R$ 3.400.000,00 2. R$ 125.659,43
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Ciência > Matemática Equações da vida A mesma estrutura de códigos une sequências de DNA e comunicação digital Marcos de Oliveira Explicar os fenômenos da natureza com equações matemáticas é uma tarefa rotineira e incorporada aos estudos da física, da química e da própria matemática. A biologia tem uma tradição menor nesse sentido. Essa relação é perseguida por vários grupos de estudo na Europa e nos Estados Unidos que buscam uma vinculação dos genomas de seres vivos com estruturas matemáticas para tentar compreender melhor a formação da vida no planeta. Mas a primazia de encontrar tal vínculo coube a um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) que encontraram uma relação matemática entre um código numérico e a sequência do DNA, a sigla em inglês do ácido desoxirribonucleico que carrega os genes dentro das células. Outros pesquisadores já haviam sugerido essa relação, mas não conseguiram provar. Os brasileiros descobriram que as bases nitrogenadas timina (T), guanina (G), citosina (C) e adenina (A) se organizam segundo uma lógica numérica. “A distribuição dessas bases possui um código matemático que prevaleceu ao longo da evolução dos seres vivos”, diz o professor Márcio de Castro Silva Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP. “Descobrimos que uma proteína ao perder a função biológica devido a uma mutação, por exemplo, deixa de ser representada por uma estrutura matemática”, diz Silva Filho, um dos coordenadores do grupo. Os pesquisadores não desenvol­veram um código novo para explicar a sequên­cia do DNA. Eles verificaram que existe uma relação entre certas sequências de DNA com o código corretor de erros (ECC, sigla de error-correcting code), que são equações matemáticas utilizadas em todo processo digital, usado em sistemas de comunicação e de telecomunicações, em memórias de computador e memórias flash de pen-drives para corrigir ruídos ou defeitos que surjam nas transmissões. O código também é conhecido pelas letras BCH, que são as iniciais de seus descobridores – os indianos Raj Chandra Bose e Dwijendra Kumar Ray-Chaudhuri e o francês Alexis Hocquenghem –, e não apenas identifica o erro mas também faz a correção. A atribuição da associação de códigos de correção de erros com sequências de DNA não é nova. É objeto de pesquisa desde a década de 1980 e um dos principais estudiosos é o professor Hubert Yockey, que trabalhou na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, e publicou dois livros: Information theo­ry and molecular biology, em 1992, e Information theory, evolution, and the origin of life, em 2005, ambos editados pela Cambrigde University Press. Outro pesquisador da área é Gérard Battail, professor aposentado da Escola Nacional Superior de Telecomunicações, da França, que tem escrito artigos propondo a relação entre código corretor de erros e o genoma. Eles têm demonstrado o processo e levantado hipóteses, mas não apresentaram as relações matemáticas com o DNA. Os brasileiros conseguiram estabelecer essa relação nas sequên­cias do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) que geram as proteínas. “Ao conhecermos a estrutura matemática da proteína é possível alterar a ordem das bases e também corrigir as mutações ou erros que possam acontecer para voltar à condição normal de uma proteína”, diz o professor. Problema molecular – A capacidade de corrigir uma mutação ou um erro celular poderia, por exemplo, no futuro utilizar uma solução matemática para atuar sobre a falta de produção de insulina pelas células do pâncreas, corrigindo erros em um gene específico. “Seria possível identificar a estrutura matemática das mutações e onde elas ocorreram e talvez corrigir esse problema molecular para o organismo voltar a produzir insulina, revertendo as estruturas anteriores. Outra possibilidade seria fabricar proteínas a partir do código matemático ou ainda encontrar proteínas não conhecidas existentes nas células”, diz o professor Reginaldo Palaz­zo Júnior, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp, outro coordenador do grupo. “A correção ou a forma de reverter o erro nas células acontece da mesma forma que num disco rígido (HD), que tem um setor danificado e o ECC reconstitui as informações.” Com tantas possibilidades de uso na indústria, além do significado científico importante da descoberta, os pesquisadores resolveram, antes de publicar a novidade em periódicos científicos, depositar uma patente internacional pelo Tratado de Cooperação em Patentes (PCT, na sigla em inglês), em vários países, e outra nos Estados Unidos, com financiamento da FAPESP e gerenciamento da Agência de Inovação da Unicamp e da Agência USP de Inovação. Laboratórios do mundo poderão usar, se licenciarem a patente, as estruturas matemáticas descobertas pelo grupo, possivelmente na forma de um software, para testar proteínas em um amplo leque de produtos. “Essas informações são importantes para desenvolver vacinas, medicamentos ou proteínas para elaboração de queijos e amaciantes de roupa, por exemplo”, diz o professor Silva Filho. Hoje se faz uma alteração na sequência de DNA que codifica uma proteína e depois são feitos os testes em laboratório para verificar a eficácia da reação num experimento de tentativa e erro. Com as equações matemáticas será possível testar a afinidade e a estabilidade da proteína em um trabalho preliminar de forma a verificar mutações e, posteriormente, testá-las a partir de experimentos de laboratório para confirmar se a mutação na sequência de DNA deu o resultado esperado. “Se a estrutura matemática não se mantiver, a alteração não vai ser efetivada e não produzirá os resultados esperados.” A descoberta da existência de um código matemático que transcreve a sequên­cia de DNA aconteceu quase por acaso e começou com o professor Palaz­zo, que lançou um desafiante objetivo a duas alunas de doutorado, Luzinete Cristina Bonani Faria e Andrea Santos Leite da Rocha, orientadas por ele na Feec e oriundas da graduação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp), com mestrado na Unicamp. Elas deveriam procurar as informações que transitam dentro de uma célula. “Dentro da mitocôndria, um órgão responsável pela respiração celular, existem moléculas de DNA para sintetizar certas substâncias, mas ela não tem todas as proteínas e precisa solicitar proteínas extras produzidas por genes localizados no núcleo de modo a realizar as funções na organela. Nesse caso, para os matemáticos, a proteína é informação e existe um código padrão para transmiti-la”, explica o professor Palazzo. O modelo apresentado pelos pesquisadores brasileiros se ajusta a qualquer sequência de DNA produtora de proteínas dentro da célula. Palazzo é um especialista na chamada teoria matemática da comunicação, área de estudo que pesquisa a transmissão de todo tipo de informação e seus códigos. Também chamada de teoria dos códigos, ela analisa as formas de transmissão independentemente do significado. Assim não importa a palavra que está sendo transmitida, mas como ela é enviada de um emissor A para um receptor B, dentro de um contexto matemático.“Essa teoria foi apresentada por Claude Shannon [matemático e engenheiro eletrônico norte-americano] em 1948”, lembra Palazzo. Para o estudo de Andrea e Luzinete, Palazzo sugeriu que elas procurassem os professores da Unicamp, da área da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), inicialmente, para encontrar componentes biológicos e se aprofundar no tema. Depois de muita procura, elas ouviram a sugestão do professor Anibal Vercesi, da FCM, para procurarem o professor Márcio de Castro Silva Filho na Esalq. “Fomos conversar com ele e estabelecemos um casamento de interesses”, diz Palazzo. “Começamos um diálogo tendo de um lado matemáticos e um engenheiro elétrico e eu, um geneticista especializado em transporte de proteínas”, lembra Silva Filho. A primeira amostra de DNA investigada pelas pesquisadoras da Unicamp foi da Arabidopsis thaliana, planta da família da mostarda, que serve de modelo para estudos genômicos. A partir daí, elas ficaram trabalhando durante seis meses. “Começaram a testar vários elementos matemáticos para tentar achar alguma sistematização em relação ao genoma”, explica Palazzo, que contou também com a colaboração no estudo do engenheiro da computação João Henrique Kleinschmidt, ex-aluno de doutorado e atual professor da Universidade Federal do ABC, em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo. “Um dia elas me chamaram na Unicamp e me mostraram os resultados. Quando percebi o que era fiquei sem fala. Pensei que fosse uma coincidência e passamos a repetir o trabalho usando outros genomas, do homem, de bactérias, fungos e plantas. Descobrimos que é um processo universal”, conta Silva Filho. Entender a linguagem – No final de 2009, eles submeteram um artigo às revistas Nature e Science, mas as duas recusaram dizendo que era algo muito específico. “Acredito que eles não entenderam a linguagem matemática do paper”, diz Silva Filho. “Isso faz parte da dificuldade da conversa entre biólogos, engenheiros, médicos etc.”, diz Palazzo. Aí eles resolveram enviar para a revista Electronics Letters, que em três semanas aceitou o trabalho e o elegeu o melhor artigo de fevereiro deste ano, colocando-o na capa do mesmo mês. Eles começaram a mostrar o estudo em congressos internacionais de teoria da informação e devem apresentar novos resultados com informações mais detalhadas e com outras ferramentas matemáticas. No artigo da Electronics Letters, “DNA sequences generated by BCH codes over GF(4)”, ou “Sequências de DNA geradas pelo código BCH sobre GF(4)”, eles apresentaram uma parte do trabalho utilizando a estrutura matemática chamada de corpo algébrico de Galois, enquanto novos resultados usam a estrutura de anel de Galois. Em uma simplificação, poderíamos dizer que em relação ao corpo o produto de dois números diferentes de zero resulta em um número diferente de zero, enquanto na estrutura de anel o produto pode ser zero. Para os matemáticos isso faz muita diferença na apresentação dos resultados. Até agora eles apresentaram apenas os resultados em corpo. O feito dos pesquisadores brasileiros apresenta uma solução importante e uma novidade para a biologia. Ela inicia uma nova fase em que os fenômenos que estuda passam a ser analisados por métodos quantitativos. “Em 1999, a Academia Real da Suécia indicou que um dos avanços da ciência no novo século seria a incorporação de mais matemática aos estudos da biologia”, lembra Silva Filho. Mas para isso tanto os pesquisadores brasileiros como Battail e Yockey concordam que é preciso um maior diálogo entre biólogos, matemáticos e engenheiros eletrônicos. “Como engenheiro, eu estou convencido de que a teoria da informação é uma ferramenta adequada para intercâmbio com a biologia molecular”, escreveu Battail em uma apresentação do livro de Yockey em 2006. “Ainda estamos distantes de uma interdisciplinaridade que permita a conversa entre áreas para projetos desse tipo. Mas nós já demos um bom passo”, diz o professor Palazzo. > Artigo científico Faria, L.C.B.; Rocha, A.S.L.; Kleinschmidt, J.H. ; Palazzo Jr., R.; Silva Filho, M.C. DNA sequences generated by BCH codesover GF(4). Electronics Letters. v. 46, n. 3, p. 202-03. fev. 2010. O PROJETO Código matemático de geração e decodificação de sequência de DNA e proteínas: utilização na identificação de ligantes e receptores – n° 2008/04992-0 Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi) Co­or­de­na­dor Márcio de Castro Silva Filho – USP Investimento R$ 13.200,00 e US$ 20.000,00 (FAPESP)
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Ciência > Astrofísica Chute gravitacional Fusão de galáxias expulsa buraco negro de seu núcleo Marcos Pivetta Descoberta nos céus do hemisfério Sul em 1752 pelo astrônomo francês Nicholas Louis de la Caille, a galáxia espiral M83 é provavelmente a formação celeste mais bonita da constelação de Hidra. De seu centro amarelado brotam dois braços, pontuados por estrelas em tom azul e vermelho, que formam uma figura semelhante a um cata-vento de papel. Por ser muito luminosa e estar situada relativamente próxima à Terra, a cerca de 15 milhões de anos-luz, pode ser avistada com o auxílio de um bom binóculo. Embora os contornos da galáxia sejam realmente fascinantes, um grupo de astrônomos do Brasil, Argentina e Espanha resolveu examinar um aspecto mais oculto da M83: a natureza de suas principais fontes de raios X. A análise desse tipo de emissão levou os pesquisadores a afirmar que ali houve provavelmente um evento extremamente raro: um buraco negro, um tipo de objeto invisível e extremamente denso que captura matéria ao seu redor, teria sido ejetado ao se aproximar do núcleo da galáxia, onde outros dois buracos negros, maiores, estariam a caminho de iniciar um processo de fusão. A expulsão do misterioso corpo celeste do centro da galáxia, também conhecida pelo nome de NGC 5236, seria decorrente das interações gravitacionais causadas pela inusitada tripla colisão. “O buraco negro menor se aproximou demais dos outros dois e sofreu um chute gravitacional”, diz o astrofísico Horacio Dottori, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), principal autor de um artigo publicado em 1o de julho na revista científica The Astrophysical Journal Letters em que propõe o cenário descrito acima. “Ele foi ‘estilingado’ para fora do núcleo óptico da galáxia a uma velocidade de algumas centenas de quilômetros por segundo.” As conclusões do estudo se baseiam numa nova análise de dados obtidos no ano 2000 pelo telescópio espacial Chandra, da Nasa, a agência espacial norte-americana, que detecta emissões de raios X vindas das regiões mais quentes do Universo. O satélite observou por 18 horas a M83, da qual produziu 150 imagens. Oito fotos flagraram o que parece ser a ejeção de um buraco negro da galáxia. Os astrofísicos passaram a suspeitar de que o fenômeno acima poderia ter ocorrido devido às características de uma misteriosa fonte de raios X e de ondas de rádio situada numa região relativamente periférica da galáxia, um objeto denominado J133658.3−295105. Afastado cerca de 3.300 anos-luz do coração da M83 de acordo com medições feitas no telescópio Gemini (do qual o Brasil é sócio), distância cerca de oito vezes menor do que a da Terra ao centro da Via Láctea, o objeto foi aparentemente jogado para fora do coração da galáxia e criou uma espécie de rastro de emissões em alguns comprimentos de ondas. Embora um buraco negro não forneça diretamente nenhum sinal de sua presença, o chamado disco de acreção formado ao seu redor é tão quente (atinge milhões de graus Kelvin) que faz a matéria em via de ser engolida, gás e poeira interestelar, liberar enormes quantidades de energia, basicamente na forma de jatos de raios X. A presença de grandes fontes de raios X nas proximidades de estrelas ou no centro das galáxias é, portanto, o principal indicativo de que por ali deve haver um buraco negro. O problema é que outros tipos de corpos celestes, como as estrelas de nêutrons e os quasares, também emitem raios X. Mas Dottori e seus colegas hispano-americanos estão convencidos de que o objeto J133658.3−295105 apresenta caraterísticas compatíveis com as de um buraco negro supermassivo. De acordo com seus cálculos, a massa do buraco negro ejetado do núcleo da M83 é cerca de 1 milhão de vezes maior do que a do Sol e equivale a um quinto da soma das massas dos dois buracos negros que se encaminham para a união no centro da galáxia. “Acreditamos que o buraco negro ejetado orbitará a galáxia por milhões de anos e seu disco de acreção vai capturar esporadicamente matéria do meio interestelar”, afirma Dottori, que usou em seu estudo simulações computacionais feitas pelo aluno de mestrado Guilherme Gonçalves Ferrari. “Dificilmente ele vai ser incorporado de novo pelo núcleo ativo da M83.” Colisão tripla ou dupla – Hoje a maioria dos astrofísicos acredita que há no centro de praticamente toda galáxia, inclusive da Via Láctea, um buraco negro supermassivo, dotado de uma massa milhões ou até bilhões de vezes maior do que a do Sol. Quando duas ou mais galáxias colidem e iniciam suas interações para se fundir, um processo relativamente comum na história do Universo, também os seus respectivos buracos negros interagem para se unir. É nesse contexto, de união de galáxias, que um buraco negro pode ser expelido do coração do sistema. O artigo científico do astrofísico da UFRGS não é o primeiro a defender a ideia de ter encontrado um buraco negro que foi ejetado de sua galáxia. Nos últimos cinco anos os trabalhos publicados sobre esse tema se intensificaram. Mas em nenhum dos casos relatados os cientistas têm evidências observacionais inequívocas sobre a ocorrência do elusivo fenômeno. Isso não é necessariamente um demérito dos artigos científicos, mas uma constatação da dificuldade de se comprovar esse tipo de achado. “O trabalho do Horacio Dottori é bom e foi aceito numa boa revista científica, mas não é conclusivo”, diz o astrofísico João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), especialista em galáxias com núcleos ativos. Os modelos matemáticos mostram que é plausível ocorrer uma colisão tripla na qual a dinâmica de interações entre os corpos provoque a expulsão do buraco negro de menor massa do núcleo de uma galáxia antes de os outros dois buracos negros se mesclarem. “No entanto, colisões triplas são muito mais raras do que as duplas”, afirma Steiner. Há casos em que os cientistas dizem que um buraco negro foi deslocado do centro de uma galáxia, mas não sabem precisar se o fenômeno ocorreu em razão de uma trombada dupla ou tripla. Em 1o de julho deste ano, mesma época em que saiu o trabalho de Dottori, astrofísicos do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (CfA) publicaram um artigo no Astrophysical Journal em que tratavam de uma possível descoberta envolta por essa dúvida. Eles encontraram um buraco negro supermassivo – na verdade, uma fonte emissora de raios X denominada CID-42 – que teria sido expulso do núcleo de uma galáxia localizada na constelação de Sextante e distante 3,9 bilhões de anos-luz da Terra. Saber se o deslocamento decorre da colisão de dois ou três buracos faz toda a diferença. A dinâmica de eventos envolvida numa situação é diferente da outra. Se o CID-42 se afastou do centro do sistema em razão da colisão de três buracos negros, houve um processo de expulsão semelhante ao descrito por Dottori na M83. O menor buraco negro teria sido “estilingado” para fora do núcleo da galáxia ao se aproximar em demasia dos outros dois. Ou seja, a nova galáxia que está se formando permaneceria com dois buracos negros (ainda não fundidos) em seu centro e um, menor, na periferia. Caso se trate de um encontrão de apenas dois objetos sugadores de matéria, um tipo de evento supostamente mais comum, a causa do deslocamento do buraco negro seria outra – e esse detalhe mudaria tudo. Ondas gravitacionais – Nesse segundo cenário, primeiro ocorreria a fusão dos dois buracos negros. Suas massas se somariam e eles gerariam um novo e único buraco negro no núcleo da galáxia. O buraco negro resultante seria então jogado para fora do coração do sistema pela ação das chamadas ondas gravitacionais, cuja existência foi prevista por Albert Einstein na teoria da relatividade geral há quase um século, mas ainda não comprovada experimentalmente. “Nesse caso, depois da ejeção, a galáxia não tem mais nenhum buraco negro”, afirma o astrofísico David Merritt, do Instituto de Tecnologia de Rochester (EUA). “A detecção desse fenômeno seria a confirmação das teorias de Einstein.” Quando a velocidade de ejeção não é muito elevada, o buraco negro apenas oscilaria em torno do núcleo da galáxia por um tempo e, depois de alguns milhões de anos, retornaria ao seu lugar habitual. Não se pode esquecer de que o cenário dos buracos negros faz parte do Universo einsteniano em que o espaço tem quatro dimensões, as três da física clássica mais o tempo. As ondas gravitacionais são definidas como deformações causadas na curvatura do espaço-tempo pela presença de grandes massas em movimento. Da mesma forma que o navegar de um barco produz oscilações no oceano, o deslocamento de corpos celestes geraria ondas gravitacionais que se propagariam à velocidade da luz. Em tese, uma galáxia com dois buracos negros a caminho da fusão seria um ambiente ideal para confirmar a existência dessa nova forma de energia. “Quando dois buracos negros se fundem, as ondas gravitacionais não são emitidas de forma simétrica, mas preferencialmente em algumas direções. Isso provoca no buraco negro um efeito semelhante ao recuo causado pelo lançamento de um foguete”, afirma a astrofísica Stefanie Komossa, do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, da Alemanha, que em 2008 encontrou um provável caso de ejeção de buraco negro numa galáxia distante 10 bilhões de anos-luz da Terra. Dessa forma, o buraco negro seria arremessado para fora da galáxia na direção oposta à das ondas gravitacionais. “Só agora estamos vendo esses eventos na natureza”, diz Komossa. “Eles são importantes para entender a formação e a evolução das galáxias.” > Artigo científico DOTTORI, H. et al. The missing goliath’s slingshot: massive black hole recoil at M83. The Astrophysical Journal Letters. v. 717, n.1, p. L42-L46. 1o jul. 2010.
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Tecnologia > Química Versatilidade marinha Algas podem ser aplicadas na limpeza de áreas contaminadas Dinorah Ereno De formas e coloridos diversos, as delicadas algas marinhas guardam um riquíssimo arsenal químico, composto de aminoácidos, lipídeos, açúcares, carotenoides e pigmentos que as tornam particularmente interessantes como fonte de novos fármacos e substâncias bioativas com potencial econômico para uso na agricultura ou ainda para produção de biocombustível. Versáteis, esses organismos aquáticos também podem ser utilizados para limpar áreas contaminadas por substâncias orgânicas e por metais pesados, processo chamado de biorremediação. “As algas têm em sua estrutura celular uma grande área chamada de vacúolo, um tipo de cavidade limitado por uma membrana, onde conseguem estocar grandes quantidades de substâncias”, diz o professor Pio Colepicolo Neto, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), que há mais de 20 anos se dedica ao estudo das algas e atualmente coordena um projeto temático com a participação de nove grupos de pesquisa, financiado pela FAPESP, que engloba estudos de bioprospecção de macroalgas marinhas. “Em uma área com metais pesados, elas podem funcionar como uma esponja biológica, absorvendo esses poluentes, e dentro da célula, por mecanismos bioquímicos, ocorre uma imobilização dos materiais no vacúolo”, relata. No final do processo, basta incinerá-las e retirar o metal concentrado nas cinzas. Para testar na prática o conhecimento de anos de pesquisa, Colepicolo entregou recentemente um projeto para a Petrobras, que está em análise pela empresa, de utilização de macroalgas nos tanques das refinarias para limpeza dos metais pesados resultantes dos processos de produção de petróleo. Uma das propostas embutidas no projeto é estudar os níveis de concentração de dióxido de carbono (CO2) não só em refinarias, mas também em usinas de fermentação de etanol, para que esse poluente atmosférico possa ser canalizado e bombeado para o cultivo de algas. “Com a absorção do dióxido de carbono será possível ajudar a despoluir a atmosfera e com isso ganhar créditos de carbono”, diz Colepicolo. As algas marinhas estão na base da cadeia alimentar e são geradoras de biomoléculas importantes como antioxidantes, aminoácidos essenciais, vitaminas, carotenoides, polissacarídeos e ácidos graxos como o ômega-3 e o ômega-6. “O dióxido de carbono irá funcionar como alimento para a alga ganhar biomassa”, diz o pesquisador. Em estudos feitos em parceria com o Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema), vinculado à USP e sediado em Cubatão, na baixada santista, o grupo de pesquisa do Instituto de Química tem testado a degradação de alguns poluentes orgânicos, como o fenol, por algas marinhas. Além de conseguir degradar um composto extremamente tóxico, a alga usa o carbono do fenol para construir aminoácidos, lipídeos e ácidos nucleicos. “As estruturas químicas de diversos compostos das algas marinhas são completamente diferentes das estruturas produzidas por plantas terrestres”, diz Colepicolo. Como elas vivem em um ambiente altamente adverso, onde são atacadas o tempo todo por outros organismos que se alimentam delas e também recorrem a elas como refúgio, possuem uma diversificada gama de substâncias químicas extremamente sofisticadas para se defender. Uma dessas substâncias são os aminoácidos tipo micosporinas (ou MMAs, do inglês mycosporine-like amino acids), composto químico de baixo peso molecular sintetizado por algas e fungos com alta capacidade de absorção da radiação ultravioleta, que foram isolados e caracterizados no laboratório da USP. “Isolamos mais de 20 micosporinas de diferentes macroalgas do gênero Gracilaria encontradas na costa brasileira. No início do projeto nosso objetivo era desenvolver uma abordagem unicamente voltada à ciência básica, mas, com a sua alta capacidade de absorção de radiação ultravioleta (UV), foi inevitável pensar na aplicação dessas moléculas nos mais diferentes produtos que ficam expostos à luz solar. Além de protetores solares, essas substâncias podem ser usadas diretamente em tecidos ou em tintas e vernizes para residências e barcos”, diz Colepicolo. Proteção solar – Um dos extratos obtidos mostrou excelente potencial para uso em formulações cosméticas destinadas à proteção solar. O projeto para obtenção de uma substância fotoprotetora natural foi desenvolvido em parceria com a empresa Natura, como parte do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), financiado pela FAPESP. “A radiação ultravioleta que elas absorvem é altíssima e comparável aos compostos sintéticos usados na composição dos atuais protetores comerciais”, diz Colepicolo. “Um grande diferencial dessas micosporinas é que elas absorvem UVB (na região espectral de 280 a 330 nanômetros), onde poucas moléculas o fazem.” Com o aumento gradual da incidência solar sobre o planeta, há a necessidade de proteção na região de UVB. “A adição de sustâncias naturais com a mesma eficiência dos sintéticos agrega valor ao produto, tornando-o diferenciado e com valor de mercado competitivo”, diz o pesquisador. A Natura já fez os testes de estabilidade da substância e de avaliação de citotoxicidade, ensaio feito em cultura de células necessário para verificar a biocompatibilidade dos materiais. “Nos ensaios citotóxicos verificou-se que a micosporina não mata as células nem pela absorção da radiação ultravioleta nem sob o efeito da luz branca.” Além das micosporinas, as algas produzem diversos outros compostos com propriedades anti-inflamatórias, bactericidas e fungicidas. “Algumas substâncias extraídas de algas, quando borrifadas no mamão, figo e berinjela, aumentam o tempo de vida útil de prateleira desses produtos”, diz Colepicolo. “Em alguns vegetais houve um aumento de 30 dias na vida útil após a aplicação.” Mas até ser considerado um produto é preciso testar a toxicidade das substâncias pós-consumo e também os efeitos que elas possam ter sobre as frutas em que foram aplicadas – um trabalho que deve demorar cerca de dois anos. Para chegar às substâncias de interesse, os pesquisadores analisaram dezenas de espécies de algas. “Após triturar a alga, preparamos extratos com diferentes polaridades químicas e testamos em larga escala”, diz Colepicolo. Nos Estados Unidos, alguns produtores estão usando extratos de algas enriquecidos de carotenoides misturados à ração das galinhas poedeiras para dar uma coloração mais atrativa aos ovos e, de quebra, deixar os animais mais saudáveis. Isso ocorre porque os carotenoides encontrados nesses organismos são precursores da síntese da vitamina A em animais. O principal problema para o uso em larga escala é que essas substâncias ainda são caras. “Uma dúzia de ovos com extratos de algas custa entre US$ 4 e US$ 5”, diz Colepicolo. Cultivo integrado – Uma das linhas de biorremediação contempladas no temático tem como foco o cultivo integrado de camarão e algas. No caso, as macroalgas são cultivadas em viveiros semelhantes a tanques nas fazendas produtoras de crustáceos no Rio Grande do Norte. Os estudos têm demonstrado que as águas residuais da aquicultura intensiva – ricas em nitrogênio e fósforo – podem ser usadas como fonte de nutrientes para o crescimento das macroalgas. Nesse caso, é importante encontrar uma espécie algal que seja tolerante ou resistente a um determinado nutriente de maneira a melhorar o potencial de produção e biorremediação. Como resultado dessa parceria, o ambiente se torna mais equilibrado e favorável ao crescimento dos organismos cultivados. Duas fazendas produtoras participam do projeto, coordenado pela professora Eliane Marinho-Soriano, do Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Uma delas é a Primar, a única empresa orgânica de cultivo de camarões certificada do Brasil, e a outra, Tecnarão, pertencente a um grupo argentino. As duas estão instaladas às margens da laguna Guaraíras, a 70 quilômetros de Natal, margeada por mangues. Em viveiros de cerca de 1,5 metro de profundidade e com 3 a 4 hectares cada um, os camarões são alimentados com ração vitaminada várias vezes ao dia até atingirem o tamanho comercial. Ao final de três meses, quando os camarões estão prontos para serem coletados, a água utilizada no cultivo é devolvida ao ambiente natural, o que resulta em um aumento excessivo da carga de nutrientes. Quando as algas (Gracilaria domingensis e Gracilaria birdiae) são cultivadas nos tanques de camarões, elas se alimentam dos detritos expelidos pelos crustáceos, o que no final resulta em uma água mais limpa que pode ser devolvida para os mangues ou reutilizada nos sistemas de cultivo. A biomassa das macroalgas produzida nesses sistemas pode ser usada para alimento humano, ração para animais e compostos bioativos com alto valor econômico. Eliane coordena ainda um projeto de cultivo de algas em mar aberto na praia do Rio do Fogo, a 80 quilômetros de Natal, atividade realizada em parceria entre a UFRN, o Ministério da Pesca e Agricultura e famílias de pescadores da comunidade. O trabalho teve início em 2001 como um projeto piloto financiado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para ajudar no desenvolvimento de comunidades carentes. “Mostramos que havia viabilidade econômica para o cultivo de algas nessa região”, diz Eliane. O projeto engloba o manejo dos bancos de algas, a restauração desses bancos, assessoria técnica, além de fornecimento de dados para órgãos ambientais. Atualmente, cerca de 25 pessoas estão envolvidas na coleta da Gracilaria, espécie nativa do litoral nordestino. Em Rio do Fogo, o cultivo de Gracilaria foi instalado em 2005, a aproximadamente 50 metros da praia, em sistemas de cultivo denominados balsas flutuantes. Essas estruturas são compostas de canos de PVC e cordas que permanecem na superfície da água com o auxílio de boias. Nas cordas são inseridos os talos das algas (mudas), que após três meses estarão prontas para serem coletadas. Como as plantas terrestres, as macroalgas realizam fotossíntese e são capazes de converter a energia solar em energia química, metabolizando compostos em materiais necessários para o seu crescimento. Além da clorofila, responsável pelo processo básico de fotossíntese, as algas possuem outros pigmentos que lhes conferem variadas colorações, que vão do verde-claro ao roxo. Com base na pigmentação, as macroalgas são classificadas no grupo das algas verdes (Chlorophyta), das pardas (Ochrophyta) ou das vermelhas (Rhodophyta), a que pertencem as espécies de Gracilaria. Valor substancial – “Dependendo da espécie, as algas podem ser encontradas tanto nas áreas mais rasas como em maiores profundidades”, diz Eliane, que em 2009 publicou o Manual de identificação das macroalgas marinhas do litoral do Rio Grande do Norte, um guia de campo simples e prático. Pelas suas propriedades nutricionais e medicinais, há muito tempo as algas têm sido usadas pelos povos orientais. Mas são alguns polissacarídeos, como ágar e carragenana, utilizados nas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmética como estabilizantes, amaciantes e espessantes, que conferem a esses organismos aquáticos substancial valor econômico. “São consumidas no mundo cerca de 25 mil toneladas de carragenana por ano, o que corresponde a US$ 200 milhões”, diz Colepicolo. É um mercado com crescimento de 5% ao ano. O ágar responde por 10 mil toneladas anuais, ou US$ 10 milhões, com crescimento de 7% ao ano. “Toda a carragenana utilizada no Brasil é ainda importada, porque não temos produção para suprir a necessidade do mercado nacional”, ressalta. No Brasil, até poucos anos atrás, existiam várias empresas que processavam algas. Só que elas não eram cultivadas, mas extraídas da natureza, o que resultou em falta da matéria-prima. Hoje apenas uma empresa na Paraíba trabalha com o processamento de algas. “Para manter as empresas funcionando, é preciso haver biomassa disponível e a única maneira de fazer isso é com o cultivo, como fazem o Chile, a Indonésia, o Japão e a China”, diz Eliane. Uma das linhas de pesquisa no projeto temático trata dos cultivos e geração de mudas em laboratório, tarefa conduzida pelas pesquisadoras Nair Sumie Yokoya e Mutue Toyota Fujii, do Instituto Botânico, vinculado à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Essa vertente do projeto gera mudas de macroalgas que são capazes de ser cultivadas em temperaturas e salinidades diferentes. “A pesquisa desenvolvida no Instituto Botânico é fundamental para o sucesso do projeto, porque, em um país em que a extensão litorânea chega aos 8 mil quilômetros com diferentes condições climáticas, é preciso distribuir as mudas de acordo com a sua tolerância e capacidade de crescer e produzir bioativos variados”, diz Colepicolo. Nair é também a coordenadora da Rede Nacional em Biotecnologia de Macroalgas Marinhas, criada em 2005. Participa ainda do temático o professor Ernani Pinto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, que conduz a pesquisa para produção de bioativos de algas marinhas e coordena os ensaios farmacológicos do projeto, além da análise de bioprospecção, viabilidade e estudos mercadológicos. “Por sua complexidade e diversidade, as moléculas de macroalgas podem preencher lacunas importantes na descoberta de novos fármacos”, diz Ernani. O grupo do professor Norberto Peporine Lopes, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP, é responsável pela elucidação estrutural de substâncias químicas isoladas das macroalgas com bioatividade, e um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, liderado pelo professor Paulo Horta, cuida dos cultivos e da caracterização das atividades biológicas das substâncias extraídas. Na Universidade Federal da Paraíba o professor George Miranda coordena um cultivo de algas de espécies Gracilaria caudata diferentes das cultivadas no Rio Grande do Norte. Na Universidade Federal de Pelotas a professora Márcia Mesko é responsável pelo biomonitoramento e pela biorremediação de metais pesados pelas macroalgas. Capacidade antiviral – Pesquisas re­lacionadas às atividades antifúngica, antibacteriana, antiviral, anticoagulante e antioxidante das algas têm sido desenvolvidas por vários grupos de pesquisa. No Brasil, as professoras Valéria Teixeira e Izabel Paixão, da Univer­si­dade Federal Fluminense, estão condu­zindo estudos na fase pré-clínica de com­postos isolados de macroalgas com capacidade antiviral, enquanto o grupo do professor Paulo Mourão e Yocie Valentin, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, isolou polissacarídeos com capacidade anticoagulante, como apresentado no workshop sobre biodiversidade marinha, promovido pela FAPESP em setembro deste ano. Além da pesquisa de novos fármacos e bioativos de interesse comercial, o grupo de Colepicolo faz estudos para aproveitamento da biomassa da alga para produção de biodiesel e etanol. São duas vertentes para obtenção de biocombustíveis, uma a partir de lipídeos (gorduras) e outra de polissacarídeos (açúcar), extraídos das algas. As pesquisas envolvem tanto as macroalgas como as microalgas, que não podem ser vistas a olho nu. Ângela Tonon, pós-doutoranda do laboratório da USP, está transformando molecularmente algumas vias de síntese de açúcar para a de lipídeos de microalgas. É uma forma de ter extração constante, já que a colheita de microalgas é feita a cada dois ou três dias, enquanto a de macroalgas demora cerca de três meses. O pesquisador Richard Sayre, diretor do Instituto Erac para Combustíveis Renováveis, um centro de pesquisa mantido pela iniciativa privada em Saint Louis, Estados Unidos, mantém estreita colaboração com a pesquisa desenvolvida na USP na parte de modificação molecular de microalgas para produção de lipídeos. A outra via para obtenção de biocombustível é pela degradação dos polissacarídeos das algas em monossacarídeos. A vantagem das algas em relação à biomassa da cana é que não é preciso quebrar a lignina e as outras fibras para fazer a degradação enzimática. Atualmente os pesquisadores estão selecionando leveduras e enzimas eficientes que degradam os polissacarídeos de macroalgas para a produção de etanol. A busca e a varredura de novos microrganismos incluem isolamento de fungos de macroalgas de diferentes localidades. “A região antártica, onde algas de até cinco metros de comprimento vivem em condições extremas, também será contemplada”, diz Colepicolo, que é o coordenador de um projeto recentemente aprovado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Marinha do Brasil, dentro do Programa Antártico Brasileiro. “Um grupo de 12 pesquisadores do projeto está indo para a Antártida em dezembro fazer coleta de algas.” A proposta não é fazer bioprospecção, mesmo porque não existe possibilidade de cultivo em larga escala dessas algas fora do ambiente antártico. “Além da caracterização das linhagens que lá existem, vamos estudar as leveduras e fungos que vivem em simbiose com essas algas”, relata. A expectativa é esses microrganismos poderem ser usados nos processos de fermentação do bioetanol. > Artigo científico CARDOZO, K.H.M. et al. Metabolites from algae with economical impact. Comparative Biochemistry and Physiology. v. 146, p. 60-78. 2007. OS PROJETOS 1. Estudos de bioprospecção de macroalgas marinhas, uso da biomassa algal como fonte de novos fármacos e bioativos economicamente viáveis e sua aplicação na remediação de áreas impactadas (biodiversidade marinha) – nº 2010/50193-1 2. Algas marinhas da costa brasileira: isolamento e caracterização de substâncias bioativas com potencial uso para formulações cosméticas – nº 2003/08735-8 Modalidade 1. Projeto Temático – Biota 2. Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) Co­or­de­na­dor 1 e 2. Pio Colepicolo Neto – USP Investimento 1. R$ 776.576,35 e US$ 320.746,40 (FAPESP) 2. R$ 190.614,03 (FAPESP) e R$ 170.000,00 (Natura)
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Tecnologia > Empreendedorismo Genômica express Empresa presta serviços de consultoria e sequenciamento genético A linha de produção da empresa Helixxa, instalada em Campinas, no interior de São Paulo, parte de uma ideia simples e inédita no Brasil, a de prestar serviços genômicos. Ela é um reflexo da era da genômica em que o conhecimento dos genes torna-se de uso mais amplo, tanto que, em 10 anos, o custo da análise de um genoma, em média, está 1 milhão de vezes mais barato. O plano de negócios da companhia está baseado, na ponta de entrada, em uma única, porém diversificada, matéria-prima: qualquer tipo de material genético é aceito. Na porta de saída estão os resultados genômicos, e suas interpretações, que poderão atender a projetos públicos e privados em várias áreas do conhecimento. O mais complicado, dentro de um cronograma que começou há quase três anos, admitem os sócios, foi reunir os R$ 4 milhões investidos na ideia até agora. ``Contamos com a família e os amigos'', diz João Bosco Pesquero, professor do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e um dos sócios da Helixxa. ``Não temos ainda nenhum recurso de investidores ou de fundos de capital de risco. Essa pode ser a próxima etapa'', afirma o empresário-pesquisador. Mesmo com o dinheiro investido, e uma ideia mais ou menos definida na cabeça para desenvolver, era preciso comprar equipamentos adequados. As ferramentas para unir as duas pontas do negócio seriam decisivas. Como na prática os sócios pretendiam tornar a empresa um sofisticado provedor de serviços na área da genômica, eles também resolveram escolher máquinas de sequenciar genes de ponta. O sequenciador 454 da Roche foi uma das plataformas escolhidas. O equipamento é considerado um dos mais rápidos e modernos para ler genes no mundo. Como máquinas não funcionam sozinhas, a empresa também contratou profissionais da área para trabalhar com as amostras que chegavam. ``Temos que ter realmente um bom prazo na entrega das análises, além de preço competitivo'', diz Pesquero. Ele mesmo, como pesquisador, é um conhecedor da burocracia para a importação de reagentes utilizados nas pesquisas. ``Mas também nos estruturamos para entregar um pacote completo, a partir do material que é enviado pelos pesquisadores ou empresas. Outra vantagem nossa é que também oferecemos serviços de consultoria, assim podemos sentar junto com o pesquisador e discutir soluções mais adequadas para os projetos.'' O 454 em operação na Helixxa é um dos cinco em uso no Brasil. É o único equipamento instalado em um laboratório privado. As outras quatro instituições que operam uma máquina do mesmo tipo são o Instituto Evandro Chagas, no Pará, o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), no Rio de Janeiro, a Universidade Católica de Brasília e o Instituto de Química da Universidade de São Paulo. ``Tanto a instalação quanto a entrada em operação da máquina ocorreram em maio deste ano'', diz o administrador de empresas Mario de Oliveira Júnior, outro sócio da empresa. ``Até o dia 12 de novembro 17 sequenciamentos bem- -sucedidos foram realizados no equipamento. Cada um custa em média R$ 50 mil'', diz Oliveira Júnior. Genoma bovino -- Nesses seis meses de vida, a Helixxa atendeu a clientes privados internacionais, como a própria Roche, que validou os resultados gerados pela máquina vendida por ela no Brasil. Também realizou vários serviços para a indústria farmacêutica Pfizer, empresa que escolheu, segundo Pesquero, a Helixxa para ser o seu laboratório de genômica animal na América do Sul. Para a Embrapa, outro cliente, a Helixxa realizou a análise de milhares de marcadores para gado bovino. Também em Campinas, um projeto em desenvolvimento na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) abriu outra possibilidade de negócio para a Helixxa: a de fazer a venda de seus serviços diretamente para o pesquisador de uma instituição científica, modelo que já existe em países como Estados Unidos e em várias regiões da Europa. Pesquisadores da universidade interessados em estudar a genômica dos microrganismos da flora intestinal recolheram amostras de fezes humanas e mandaram para o laboratório da Helixxa. Um dos objetivos da pesquisa é entender como a constituição da flora se comporta depois da aplicação de determinadas drogas. Por isso, ter resultados rápidos do genoma dos vírus, bactérias e fungos do sistema digestivo, antes e depois das aplicações dos medicamentos ao paciente, passa a ser interessante para responder às perguntas científicas feitas pelo laboratório produtor do fármaco. Pesquero diz que, nesse caso, a empresa entregou todos os resultados ao pesquisador em uma semana, a um custo de R$ 54 mil. ``Esse preço pode variar de acordo com o objetivo e tamanho do projeto. Caso o pesquisador tenha verba para importação de reagentes e queira usar essa possibilidade, esse custo cairia para R$ 30 mil'', diz Oliveira Júnior. ``Essa opção existe para que os pesquisadores das universidades e centros de pesquisa do país possam baratear e facilitar a utilização dos nossos serviços.'' Processo competitivo -- Pesquero diz que a ideia da Helixxa surgiu para ``revolucionar'' a pesquisa no Brasil. ``Existem muitos problemas que fazem com que a pesquisa não ande.'' Os pesquisadores, diz o agora empresário, não foram formados e treinados para serem ``jóqueis de equipamento''. Isso significa que eles não deviam utilizar o tempo deles para aprender a operar a máquina, mas sim fazer perguntas científicas importantes dentro do trabalho. Segundo Pesquero, a intenção deles, além do lucro que é bem-vindo em qualquer tipo de iniciativa privada, é ``acelerar os processos de pesquisa no país, dentro da área genômica, tornando nossa ciência mais competitiva no âmbito inernacional, além de oferecer oportunidades de carreira para alunos recém-formados, mostrando que existe vida fora da universidade nessa área''. Se hoje a Helixxa sequencia e quantifica o genoma, no futuro técnicas ainda mais aprofundadas da área, como a análise das proteínas, também poderão estar disponíveis na empresa. As próximas etapas, os próprios donos sabem, vão depender da consolidação da etapa atual.
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Tecnologia > Computação Aprendizado inteligente Máquina absorve conhecimento de forma contínua Yuri Vasconcelos Não é de hoje que a ideia da existência de computadores inteligentes, capazes de raciocinar, aprender e tomar decisões de forma autônoma desperta a curiosidade e é retratada na ficção. A mais famosa dessas máquinas é, sem dúvida, o HAL 9000, personagem dotado de avançada inteligência artificial imortalizado no filme 2001, uma odisseia no espaço, dirigido por Stanley Kubrick em 1968. Mas será que um dia essas máquinas poderão sair do universo ficcional e tornar-se realidade? Vários pesquisadores, em todo o mundo, tentam responder a essa pergunta com projetos para tornar os computadores mais inteligentes. Um deles é o Read the Web -- ou leitura na web --, um programa desenvolvido em parceria por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Carnegie Mellon, dos Estados Unidos. O grupo desenvolve um computador capaz de aprender de forma autônoma e de utilizar os conhecimentos já adquiridos para evoluir seu próprio aprendizado. O problema proposto é criar uma máquina que leia páginas da web e, a partir daí, melhore a capacidade de aprendizado do computador, de forma contínua. ``Queremos mostrar que com o atual desenvolvimento das técnicas de aprendizado de máquina, recupe­ração de informação e processamento de linguagem é possível construir um computador `inteligente' e com ca­pacidade para adquirir mais e mais conhecimentos, exatamente como nós fazemos'', explica o professor Estevam Rafael Hruschka Junior, do Departamento de Computação da UFSCar, coordenador brasileiro da iniciativa. Para atingir esse objetivo, a equipe construiu um programa de computador, batizado de NELL (iniciais de never-ending language lear­ner), que busca um novo padrão de aprendizado de máquina chamado ``aprendizado sem fim''. ``É um novo paradigma. O computador aprende continuamente e não somente um tipo de conhecimento específico, mas também conhecimentos gerais e de senso comum que o auxiliarão a ampliar sua capacidade de aprendizado com o passar do tempo'', explica Hruschka. Um aspecto importante do aprendizado sem fim é o acúmulo de experiência. Assim como nós, seres humanos, aprendemos conceitos mais complexos após adquirirmos conhecimentos mais básicos e simples -- é mais fácil aprender álgebra depois de ter aprendido as operações aritméticas básicas --, o NELL se vale de sua experiência acumulada no processo de aprendizado futuro. ``Da mesma forma que um funcionário mais antigo em uma empresa identifica situações que podem levar a equívocos e evitá-las, com o passar do tempo o NELL identifica estratégias sem muito sucesso no aprendizado e pode alterá-las de forma a aperfeiçoar o processo de aprendizado'', conta o pesquisador. E como se dá o processo de aprendizado do NELL? Inicialmente, ele recebe informações que definem qual deve ser o seu foco específico no aprendizado. ``Inserimos no NELL, em forma de arquivos de entrada, os conceitos que estamos interessados que ele aprenda e que relacionamentos entre esses conceitos são importantes para nós'', explica Hruschka. A partir daí o programa começa a ``ler'' arquivos na internet para extrair conhecimento de temas específicos. Para entender como esse aprendizado funciona, ele conta como o NELL aprende o nome das cidades do mundo. ``Em princípio fornecemos ao computador algumas dicas de leitura que o auxiliarão na identificação de cidades em termos encontrados na internet. Podemos dizer a ele que sempre que achar a sentença `X é uma cidade localizada ...', o termo X refere-se a uma cidade. Após a leitura e identificação de algumas cidades, o NELL tem condições de definir autonomamente novas formas de identificação de cidades, utilizando, por exemplo, a sentença `a Prefeitura Municipal de X'.'' No geral, o NELL aprende fatos que são relação entre duas categorias, como ``eu moro em... (cidade, país, etc.)'' ou ``ele joga no... (time de vôlei, futebol)''. No total, o computador já domina 280 tipos de relações -- e esse número cresce continuamente. Para evitar o aprendizado e a propagação de erros, toda informação apreendida passa por uma validação interna feita por meio de um modelo probabilístico que considera a quantidade de evidências de que aquele determinado fato possa ser verdadeiro e a quantidade de evidências falsas. É isso que faz, por exemplo, que o NELL não confunda o nome de um país com o de uma cidade ao se deparar com a frase ``José Saramago nasceu em Portugal''. Segundo os autores da pesquisa, um programa de computador inteligente como o NELL poderia ser usado em inúmeras aplicações. Na própria internet, por exemplo, ele poderá originar mecanismos de busca mais sofisticados que, em vez de simplesmente encontrar páginas relacionadas com temas que procuramos, forneçam respostas às nossas perguntas. Em empresas, sistemas computacionais poderão ir adquirindo experiência e, assim como funcionários mais antigos, acumular conhecimento que os tornem mais eficientes com o passar do tempo. Também poderão ser usados como assessores pessoais vir­tuais que aprendem sobre o perfil de seus usuários e os atendem cada vez melhor -- por exemplo, desempenhando o papel de assistentes de notícias que buscam automaticamente conteúdos na web de interesse do usuário. O projeto Read the web nasceu em 2008 durante uma visita que Estevam Junior fez ao laboratório do professor Tom Mitchell, da Universidade Carnegie Mellon. Os dois já se conheciam havia três anos. Na época o pesquisador brasileiro tinha um projeto do programa Jovem Pesquisador da FAPESP sobre banco de dados. Embora os objetivos do projeto de Hruschka fossem diferentes, surgiram interesses comuns de pesquisa e eles passaram a trabalhar em parceria. ``Em janeiro de 2008, quando cheguei à Carnegie Mellon, iniciamos, Tom e eu, o trabalho oficial do Read the web. Após o primeiro ano de trabalho conseguimos definir uma arquitetura inicial e os princípios básicos do novo paradigma de aprendizado sem fim. Assim, iniciamos um protótipo do NELL'', conta o pesquisador brasileiro. Em fevereiro de 2010 ele retornou ao Brasil e iniciou o projeto Leitura da web em Portu­guês, cujos resultados deverão ser in­tegrados no futuro ao NELL. Aqui no Brasil a iniciativa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nos Estados Unidos, recebe recursos da empresa Google, da Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês) e do Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa), escritório de pesquisa do Departamento de Defesa norte-americano. A Yahoo cedeu o supercomputador M45 e a Microsoft Research financia uma bolsa de doutorado. Outras instituições e empresas financiam programas com a finalidade de dotar os computadores de algum tipo de inteligência. É o caso da IBM, detentora de um projeto chamado Respostas a Perguntas (Question Answering) para investigar técnicas que permitam uma máquina responder a perguntas feitas por seres humanos. Já o grupo do professor Oren Etzioni, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, também atua na extração de conhecimento de páginas da web, mas com um conjunto fixo de páginas previamente armazenadas e sem aplicar técnicas de aprendizado contínuo. ``Temos um ótimo relacionamento com os dois grupos.'' Em relação às funções do NELL, Hruschka destaca que ``ele não possui autonomia para nenhum outro tipo de ação diferente da de aprender na web, armazenar esse conhecimento adquirido e interagir com humanos -- ou com a própria web -- para tirar dúvidas''. Ou seja, o risco de o NELL se transformar no futuro no HAL 9000 ou no Skynet, o programa de computador do filme Exterminador do futuro, que dominou o mundo aprendendo a partir da internet, é nulo. ``Mudar a forma como os computadores aprendem não é algo simples nem tampouco rápido. Na versão atual do NELL já temos um computador inteligente, mas acreditamos que até meados de 2014 poderemos mostrar boa parte do potencial desta ideia.''
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Humanidades > Arquitetura A cidade dos engenheiros A trama urbana paulista foi criada pelos "saberes técnicos e eruditos" Carlos Haag "Se até 1900 os interessados na questão ‘alojamento’ reuniam-se na casa dos higienistas, passaram eles a residir em separado. O engenheiro mantém com os higienistas relações proveitosas e cordiais, visitam-se com regularidade, mas não os vemos mais de braço dado: os primeiros encontram mais conveniência em se aproximar dos urbanistas”, afirmou Victor da Silva Freire, engenheiro e diretor de Obras Públicas da prefeitura de São Paulo, em 1914, em sua conferência A Cidade Salubre, proferida no Grêmio Politécnico. “Entre 1890 e 1950, é impossível separar, no plano conceitual, o vocabulário do ‘urbanista’ (engenheiro e arquiteto) daquele do administrador público de São Paulo”, explica a historiadora Maria Stella Bresciani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do projeto temático Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço urbano: estado de São Paulo, séculos XIX e XX, apoiado pela FAPESP. Segundo a pesquisadora, o saber erudito de técnicos e autoridades, propondo e acreditando-se capazes de dar respostas adequadas aos desafios de uma cidade que se modernizava, foi responsável pelas modificações ocorridas em São Paulo e marcou profundamente a relação entre o poder público e os interesses do capital privado, que tiveram grande peso na configuração do espaço urbano paulista. Segundo a pesquisadora, o que distingue esse projeto de outros estudos sobre o mesmo tema são as indagações teóricas e históricas em dois eixos que se cruzam. “Em termos de história, indicamos a forma como os pressupostos do higienismo-sanitarismo permanecem ativos mesmo quando se estabelece o campo profissional de especialistas da cidade. Estudamos de que forma esses pressupostos se mantêm ao serem traduzidos em preceitos técnicos e incorporados à disciplina urbanística nos anos 1920, mesmo que engenheiros e arquitetos procurassem autonomia sobre o que chamavam de ‘rigidez teórica dos higienistas’”, observa ainda. “Pelo lado teórico, quisemos entender como funcionava o ‘intervalo’ entre a promulgação de leis, projetos e planos e sua efetiva aplicação ou execução, já que seriam – como outros estudos afirmam – meras cópias de ideias e modelos estrangeiros e, assim, inadequados à situação local”, continua. Avenidas – A historiadora lembra, para exemplificar a primeira situação, o Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia (1896-1965), concebido na década de 1930 e só implementado nos anos 1970. O segundo ponto é mais complexo, pois envolve, nota Stella, ir além da linha interpretativa das “ideias fora do lugar”, pois “usar o argumento da importação de ideias para a configuração urbana de São Paulo impede a reflexão mais atenta sobre o processo de constituição de um campo concei­tual do urbanismo como sendo um ‘saber de domínio comum’, composto de vários saberes e experiências, difundido e aplicado com mudanças por causa de situações específicas em diversos países quando se acrescentam opções práticas ao urbanismo abertamente pragmático”, afirma. Basta recordar o que dizia, nos anos 1920, o engenheiro e prefeito de São Paulo, Anhaia Mello (1896-1974), ao lado de Prestes Maia um dos polos intelectuais que propuseram uma maneira de se pensar a configuração urbana da cidade. Embora preconizasse que “as ideias têm hoje uma efetividade imensa e um raio de ação quase ilimitado e imediato, que abraça o globo e vai sondar outros planetas”, Anhaia Mello avisava que era preciso conhecer como os outros resolveram os problemas urbanos e “aplicar com inteligência, e não servilmente ou por mero espírito de imitação, os métodos e processos que se adaptem às nossas condições locais. Acima de tudo, afirmamos a importância de acompanhar a formação acadêmica e a atuação dos especialistas e, nesse processo, entender os momentos de definição de suas opções teóricas”. Assim, além de revelar a permanência dos pressupostos sanitários no urbanismo paulista e de superar a teoria da importação de modelos como forma de compreender a formação da cidade, o temático trouxe outro resultado significativo aos estudos existentes: a demonstração do poder do capital privado na configuração do espaço urbano paulista. Obras feitas pelos especialistas em questões urbanas que, acredita Stella, acabaram por atribuir à cidade a sua configuração moderna. “Além disso, os pressupostos desse saber científico e técnico desenvolvido na capital foram também aplicados na criação de novas cidades ao oeste, frutos da expansão da fronteira cafeeira resultante da implantação da rede ferroviária que influenciou a urbanização de toda essa área até os limites da cidade de São Paulo. As nossas pesquisas revelam o poder das companhias privadas e dos donos de propriedades rurais no estabelecimento das ferrovias e na feição urbana de cada nova cidade surgida nesse processo.” “As atividades desses grupos foram importantes para uma reconfiguração do espaço urbano do estado de São Paulo, para a difusão da arquitetura eclética e para a constituição do repertório paisagístico e para a remodelação dos antigos largos, praças e jardins”, observa o arquiteto Adalberto Retto Junior, coordenador do grupo de professores da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação de Bauru (Faac) que integram uma área do temático. Segundo estudos desses pesquisadores, por causa das iniciativas que exigiram a construção de equipamentos e edificações voltados à produção e construção da malha ferroviária, as cidades formadas no oeste paulista, a zona de expansão da produção cafeeira, apresentam, ainda hoje, uma paisagem bastante homogênea no seu desenho urbano: o quadriculado contínuo da malha urbana se detém ao encontrar uma barreira natural ou os leitos de ferrovias e rodovias, independentemente da topografia existente. Para Retto Junior, o espaço público dessas novas cidades, muitas criadas em função da passagem das ferrovias, houve uma reprodução da legislação da capital em seu processo de difusão e a circulação dos preceitos higiênicos e inovações técnicas. A implantação dessas cidades, segundo o grupo de estudos, pode ser considerada um marco no planejamento urbano, cujo objetivo maior era obter um rápido retorno do investimento feito. Após serem substituídas pelas rodovias, as estruturas arquitetônicas criadas pela expansão da rede ferro­viária no interior do estado se transformaram em “ruínas modernas”, também existentes na capital. “É preciso questionar para quem se preservam áreas e imóveis, por que e em nome de que passado. Ainda que essa preservação tenha sido feita em nome de uma ‘linha de continuidade com o passado’, ela deve ser pensada como trabalho seletivo de reconstrução desse passado”, analisa a historiadora Cristina Meneguello, da Unicamp, integrante do temático. “Essa preservação virou ‘tema favorito’ nos meios de comunicação e no discurso político, mas é preciso questionar isso para além do seu lado ‘positivo’. A apropriação da história não deve ser apenas uma citação material e visual, mas algo que mostre em si a possibilidade de transformação”, continua. Engenheiros – Para entender, aliás, essa transformação em seu processo, é preciso compreender como se chegou ao predomínio dos engenheiros. Afinal, antes deles, quem comandava esse desenvolvimento eram os higienistas. “As prescrições sanitárias eram baseadas na teo­ria miasmática, que atribuía ao ‘veneno’ presente no ambiente a causa das epidemias. Daí o surgimento de um corpo de profissionais que deveriam combater os ‘males’ aos quais as cidades estavam submetidas, realizando intervenções práticas para reduzir os ‘miasmas’”, explica a arquiteta e historiadora Ivone Salgado, da PUC-Campinas, integrante do temático. Uma epidemia de febre amarela em Campinas e Santos levou o poder público a decretar a inspeção dos cortiços do bairro de Santa Ifigênia. “Os médicos higienistas sentiram-se no direito de entrar no espaço privado das habitações coletivas, mais pobres, para uma intervenção ‘ordenadora’ da cidade e sugeriram a localização das futuras habitações de trabalhadores em vilas construídas numa distância de 15 quilômetros da capital. Era o início de um processo de segregação espacial que marca a cidade até hoje, designada pelos especialistas como ‘padrão periférico de crescimento urbano’”, continua Ivone. Mas uma inovação científica, a microbiologia, levou à decadência da teoria miasmática, causando a emergência de um novo profissional responsável pelo saneamento urbano: o engenheiro sanitário. “Os novos programas de saneamento básico ficaram para os engenheiros municipais que se tornaram o braço técnico do movimento de reforma sanitária. A profissão de engenheiro experimentou um crescimento rápido”, observa Ivone. “Os engenheiros a serviço da cidade eram chefes entre a elite tecnocrática, que construía e administrava a nova infraestrutura urbana e foram surgindo ao lado da classe emergente burocrática de funcionários permanentes da cidade.” Ou, nas palavras de Victor Freire: “Passam eles a residir em separado”. “É preciso ver a cidade moderna como um organismo complexo inserido num plano de expansão. Temos hoje, para sorte da sociedade, soluções técnicas”, escreveu ele em 1918. Era a vitória dos “argumentos técnicos, científicos e econômicos”, considerando todas as manifestações da vida da cidade em conjunto, em suma, “na essência do urbanismo”. “Nas décadas finais do século XIX houve mudanças importantes nas formas de legitimar a autoridade municipal e as intervenções na cidade. Uma ‘nova política urbana’ surgiu, embasada na possibilidade de o Estado estabelecer critérios ‘objetivos’ para solucionar problemas ‘reais’ da coletividade”, nota Stella. A parceria entre o engenheiro e o médico, continua a pesquisadora, indiscutível no século XIX, dá lugar, no fim da década de 1920, à parceria desigual entre o engenheiro urbanista e o especialista em sociologia urbana, seu colaborador. Em 1914, praticamente todas as cidades com alguma expressão econômica já contavam com serviços urbanos modernos. Havia base para tanto desenvolvimento. A criação da Politécnica em 1894 e da Escola de Engenharia Mackenzie em 1896 deu nascimento a um núcleo institucional, de um centro a partir do qual se definiram as políticas para a ação oficial e privada no setor de construção civil. Foi o passo decisivo para a união entre o engenheiro e o administrador. “Seja porque os prefeitos procuravam esses profissionais para tocar os vários departamentos da administração pública, seja porque eles mesmos eram, na sua maioria, engenheiros formados pela Politécnica e falavam a mesma linguagem”, nota Stella. São Paulo se orgulhava de sua independência e de seu saber erudito e técnico na relação entre o crescimento demográfico e espacial e as intervenções realizadas na cidade pelo poder público associado à iniciativa privada. Livre – “Vimos as várias terras da província se cobrirem de vias férreas sob os auspícios fecundos da iniciativa privada; vimos se formarem ricas associações e companhias para explorar, sem a intervenção do poder estatal, os ramos mais importantes da indústria, agricultura e comércio; vimos a província do estado de São Paulo mudar completamente de aparência em poucos anos, impulsionada pelo poder admirável das associações livres, da vontade individual”, escreveu o presidente de São Paulo, Paulo Egydio, em artigo ao jornal O Estado de S. Paulo em 1888. São tempos dos “melhoramentos”: os empresários ricos da província passam a se estabelecer de vez na capital, o que levou as autoridades públicas a investir nas obras de “melhoramento e embelezamento” da cidade. É afirmação recorrente na historiografia que a forma de se pensar a cidade pode ser dividida entre duas correntes representadas pelos engenheiros Anhaia Mello e Prestes Maia, ambos ocupantes da cadeira de prefeito de São Paulo em tempos distintos (Mello entre 1930 e 1931; Maia entre 1938 e 1945, durante o Estado Novo). “Mello propunha solucionar os problemas de congestão da cidade pela contenção e retração do crescimento urbano para criar uma ‘transição equilibrada entre campo e cidade’. Prestes Maia, em posição oposta, defendia o ‘esgotamento das potencialidades da metrópole e a remoção dos problemas por novas obras e novos planos’. Ambos representavam opções distintas do uso dos saberes técnicos e eruditos na configuração da cidade”, diz a pesquisadora. Sylvia Ficher transcreve em Os arquitetos da Poli (Edusp) o depoimento do engenheiro-arquiteto Leo Ribeiro de Moraes, seguidor de Anhaia, em 1954. “Para lidar com questões de urbanismo são possíveis duas atitudes: a prática e a científica. A primeira, que foi advogada por Prestes Maia, é a que tem sido tomada até hoje pelos governos que se empenham em fazer ‘alguma coisa’. A outra, adotada por Anhaia Mello, é a aplicação dos preceitos do urbanismo moderno para alcançar algo mais que a simples desobstrução do trânsito e a ornamentação de praças e avenidas.” Abridor – “Para Prestes Maia causava estranheza o ‘esquema Anhaia’, o que previa a proibição da instalação de novas indústrias em São Paulo e a limitação do crescimento da cidade, que dizia serem medidas para ‘ananicar a nossa cidade por meio da forma’. Mas Anhaia Mello defendia a posição teórica correta, enquanto Prestes Maia se apoiava na posição mais pragmática de ‘abridor de avenidas’”, continua Ribeiro. Em 1929, numa coletânea de artigos, Mello designava, aponta Stella, a “ciência do urbanismo” como “cooperação” e criticava aqueles que “confundiam uma ciência tão bela e vasta com a simples técnica da engenharia municipal” ao subestimarem a necessidade da “colaboração do sociólogo, do legislador, do jurista, do político, do administrador, do economista e de todo o cidadão”. O saber erudito vitorioso dos engenheiros, na visão de Mello, tinha novos preceitos: o “verdadeiro objetivo da civilização – construir belas cidades e viver nelas em beleza – exigia preparar o ambiente e formar uma psicologia urbana e anseio cívico, uma opinião pública esclarecida”. Era preciso “limitar a expansão indefinida e desordenada de São Paulo” e “criar espaços de lazer para os operários”. Mais importante, o esquema Anhaia criticava estruturas monopolistas e defendia o controle estatal sobre companhias privadas que ofereciam serviços públicos. Prestes Maia caminhava na direção oposta e apostava no valor do capital privado, na opção por grandes avenidas perimetrais para fluidez da circulação, na adoção de soluções técnicas para o “ajuste permanente da metrópole às exigências de organização da sociedade moderna: a necessidade é evitar não o crescimento da metrópole, mas a interrupção do processo pela ineficiência do funcionamento urbano”, afirmava. “Para Prestes Maia, a apresentação dos planos para a população pela imprensa só deveriam acontecer depois que o projeto já tivesse sido desenvolvido e elaborado pelos engenheiros da municipalidade”, diz a pesquisadora. O saber erudito segundo Prestes Maia venceu a disputa. “Foi apenas nos anos 1950, após o fim do regime Vargas e o fim do mandato de Prestes Maia, que os profissionais do Departamento de Urbanismo começaram a incorporar algumas das ideias de Anhaia Mello.” Mas a cidade já criara uma nova feição: os cidadãos estavam apartados das decisões de políticas urbanas. “As descobertas do temático revelam que a estrutura baseada no sanitarismo, na engenharia e na arquitetura não foi sucedida por um urbanismo técnico e mais adequado a lidar com a cidade. O caráter sanitário ainda se mantém como guia das ações urbanas”, nota Stella. “Construir cidades é construir homens. O ambiente urbano é que plasma o caráter humano, de acordo com sua própria feição, para a fealdade ou para a beleza”, já observava, com grande antevisão, Anhaia Mello em 1929. O PROJETO Saberes eruditos e técnicos - nº 2005/55338-0 Modalidade Projeto Temático Co­or­de­na­dora Maria Stella Bresciani Investimento R$ 673.955,00
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Humanidades > Antropologia A televisão paulistana entre o popular e o erudito Estudo investiga o que os musicais representaram para o país Fernanda Cirenza Em São Paulo, em 1954, três emissoras de TV, comandadas por grupos particulares, disputavam a preferência dos telespectadores nos 34 mil aparelhos existentes no país. Nas grades de programação, uma extensa e heterogênea oferta de programas musicais, todos apresentados ao vivo e utilizando as grandes orquestras que haviam se formado nas rádios. A pioneira TV Tupi (canal 3), inaugurada em 1950, em São Paulo, pelo empresário Assis Chateaubriand, apostava nas árias, óperas, balés e apresentações de música estrangeira com cantores brasileiros, como se pode verificar numa pesquisa recente feita na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A TV tinha pouquíssimo ou quase nenhum alcance fora de São Paulo, mas mostrava musicalmente o que a cidade era naquele momento”, afirma a pesquisadora Rita de Cássia Lahoz Morelli, professora do Departamento de Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Segundo ela, exibir programas musicais para italianos, espanhóis e portugueses que viviam na cidade funcionaria como uma espécie de TV agregadora de grupos. “Para se ter ideia da importância disso, a Tupi mantinha em seu quadro duas artistas que cantavam em espanhol, Lolita Rodrigues e Triana Romero”, diz a pesquisadora. Rita de Cássia, autora de livros como Indústria fonográfica: um estudo antropológico (Editora da Unicamp) e Arrogantes, anônimos, subversivos: interpretando o acordo e a discórdia na tradição autoral brasileira (Mercado de Letras), agora está analisando como se deu o processo de difusão musical no Brasil por meio da televisão entre 1954, ano em que o presidente Getúlio Vargas cometeu suicídio, e 1969, pouco depois do AI-5, o decreto cuja primeira consequência foi o fechamento do Congresso Nacional. “Sabe-se pouco a respeito da produção desse período. Os estudos feitos até agora trazem afirmações genéricas, como a de que as programações eram feitas para um público de elite. Quero entender por que havia tanta variedade musical e quais eram os interesses dos investidores em divulgar, ao mesmo tempo, música erudita e popular”, afirma Rita de Cássia. A pesquisa Músicas e músicos na TV de São Paulo: trabalho, distinção e identidade (1954-1969), que contou com o apoio da FAPESP, busca as raízes da televisão em São Paulo. Segundo Rita de Cássia, há poucos estudos sobre o tema e nem mesmo o conhecido jornalista e crítico musical José Ramos Tinhorão, um dos que mais estudaram o tema, aprofundou-o em suas pesquisas. “Os estudos dele estão muito mais focados na produção musical da TV carioca”, observa a pesquisadora. Rita de Cássia investiga duas questões básicas e empíricas. Ela quer saber se, durante o período selecionado para a pes­quisa, os telespectadores consumiam música erudita como sinal de status e também se a música se tornou objeto de uma identidade nacional. No período analisado, ela identificou 4.078 programas e, dentre esses, 1.068 (ou 26,2%) foram classificados como “musical-arte” – muito mais do que as novelas, que somam 308 no tempo pesquisado. O projeto ainda está em andamento, mas, segundo ela, depois da Tupi, as emissoras que surgiram em São Paulo também investiram fortemente em programações musicais. A TV Paulista canal 5, que entrou no ar em 1952, igualmente chegou com um vasto investimento em repertórios musicais. Era a menor televisão de São Paulo: sua sede funcionava em um pequeno apartamento do edifício Liége na rua da Consolação, perto da avenida Paulista. Seus estúdios eram montados na garagem e em uma área do térreo do prédio, conta Rita de Cássia. Apesar das condições improvisadas e precárias – a redação foi instalada na sala e o laboratório de revelação na cozinha –, importantes nomes artísticos da TV brasileira passaram pela emissora, como Hebe Camargo e o maestro e compositor Guerra Peixe. Repertório – “A TV Record, aberta no ano seguinte pela família Machado de Carvalho, também apostou pesadamente em programações musicais, mas mais focada em repertório nacional e popular, um pouco diferente da Tupi”, diz a pesquisadora. Entre os artistas da emissora estavam nomes como Ary Barroso, Inezita Barroso, Dorival Caymmi, Elizete Cardoso, Ataulfo Alves, Jacob do Bandolim e Aracy de Almeida. “Foi então que o marketing do canal passou a ser o de ‘cadeia verde-amarela’. Ainda assim, a emissora também foi responsável pelo início do processo de ‘internacionalização’. Vários artistas estrangeiros se apresentaram aqui, como Louis Armstrong, Nat King Cole e muitos outros. Mas não dá para afirmar que a presença deles caracterizava um estrangeirismo”, explica Rita de Cássia. Seria a Record uma emissora visionária? Para a professora não é possível se afirmar isso. “O que se sabe é que, sem o videoteipe, era mais fácil e econômico registrar os shows do que produzir novelas”, explica. O rock começava a aparecer e expressões como teenager surgiam em comentários televisivos e publicações de jornais. “Ainda não é conclusivo, mas talvez essas referências tenham sido importantes na construção das grades de programação dirigidas ao público jovem”, avalia a autora. Até o final dos anos 1950, as emissoras de TV de São Paulo apresentavam quadros musicais ainda mais heterogêneos: operetas, fados, boleros, samba, rock, música romântica, pois havia público para todos os gostos. A década de 1950, toda passada no chamado interregno (o intervalo entre dois governos, o democrático, ocorrido entre o fim do Estado Novo e o golpe militar), é vista com importância pela pesquisadora. “Foram anos marcados por um refluxo do Estado na cultura nacional. As TVs são por concessão pública, mas quem assume o comando são grupos privados, deixando as programações sem interferência institucional. A mesma coisa acontecia nos jornais”, afirma. A televisão crescia rapidamente. Em 1958, o país tinha 344 mil aparelhos de TV e estima-se que havia 1 milhão e meio de telespectadores. Com isso, havia muitos programas culturais e começaram a surgir os anunciantes. Rita de Cássia lembra que Maysa, cantora, compositora, atriz, por exemplo, teve um programa chamado Espetáculos Piraquê. Mas houve outros, diz a professora, nos mesmos moldes de negociação. “O Antarctica no mundo do som era patrocinado pela marca de bebidas e reunia uma orquestra enorme e maestros importantes”, lembra. À medida que o final da década se aproximava, o chamado samba-canção, nas vozes de Ângela Maria, Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira, Maysa, entre tantos outros, passava a dividir o repertório com a música jovem: o iê-iê-iê, de Roberto Carlos, e o rock americano, de Elvis Presley. Em 1960, a Rede Excelsior, do empresário Mário Wallace Simonsen, entrou no ar para competir também com musicais. No Teatro Cultura Artística, centro de São Paulo, alugado pela emissora, foram organizadas atrações como Brasil 60, com Bibi Ferreira. O programa recebia cantores e compositores como João Gilberto, Roberto Carlos, Elis Regina e Dercy Gonçalves. Por outro lado, a TV Paulista produzia o Bom Tom, apresentado por ninguém menos do que Tom Jobim. ”Novos programas começam a surgir, apresentando uma grande e nova variedade de estilos. Tem a jovem guarda, a bossa nova, o rock. É um momento rico da produção musical”, diz Rita de Cássia. Política – Em 1964 o golpe militar mudou radicalmente os rumos do país e interferiu nesse desenvolvimento. Mas a nova situação política, ressalta a pesquisadora, não afetou de imediato a programação das TVs. Em São Paulo, um novo tipo de música brasileira começava a dominar reu­niões universitárias, bares e teatros, um som contestatório, bem diferente da bossa nova, que já vivia seus tempos de glória. De olho nessa tendência, a Excelsior organizou em 1965 o primeiro festival de música que consagrou a cantora Elis Regina. No ano seguinte, Excelsior e Record competiram na audiência pelos festivais, levando Edu Lobo, Chico Buarque, Nara Leão, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, os Mutantes, nomes e bandas até então nem tão conhecidos. Com o sucesso desses programas, as TVs investiram ainda mais em programas de valorização da música brasileira. Novas emissoras surgiram em São Paulo: a Bandeirantes, em 1967, e a Cultura, dois anos mais tarde, quando as TVs já tinham alcance quase nacional – a exceção era o estado do Amazonas, que passou a ter transmissões a partir de 1970. “Há estudos que apontam os militares como os responsáveis pela divulgação nacional. Era uma questão política”, afirma Rita de Cássia. Se por um lado a ideia era levar o sentimento nacionalista a todos os estados, por outro, fez com que os gêneros musicais chegassem a todo canto do país. Qual terá sido o impacto disso? Rita de Cássia ainda não tem todas as respostas. A autora lembra que a repressão do regime militar, iniciada com o AI-5, levou vários artistas a deixar o país e iniciou-se um processo de censura e controle. “A minha pesquisa se estende até 1969. O que realmente me interessa é justamente esse período entre os dois governos, bem como os efeitos do golpe e do AI-5 sobre as programações musicais.” Para levantar esse estudo antropológico sobre a música erudita e popular divulgada nas emissoras de televisão de São Paulo, Rita de Cássia conta com as fontes vivas, as pessoas que ajudaram a fazer os primórdios da televisão paulistana. O PROJETO Musicas e músicos na TV de São Paulo (1954-1969): trabalho e identidade. nº 2008/55025-0 Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Co­or­de­na­dora Rita de Cássia Morelli – Unicamp Investimento R$ 40.957,00
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Pesquisa FAPESP Edição 178 - Dezembro 2010 Humanidades > Sociologia A Bahia tão dessemelhante Pesquisa feita nos EUA revela riqueza cultural soteropolitana Joselia Aguiar Na década de 1950, o então luxuoso Hotel da Bahia é inaugurado no centro de Salvador para acolher principalmente os turistas estrangeiros. Em sua parede, um grande mural do pintor Genaro de Carvalho (1926-1971), chamado de Festas regionais, apresenta uma cena que podia ser observada nas ruas daquela terra ``histórica e pitoresca'', como a descreveu o artista na época à imprensa local. Na tela há as famosas baianas de acarajé, mulheres vestidas com roupa branca suntuosa, panos e turbante, como no século XIX, que lavam a escadaria da igreja do Bonfim sob a proteção de Iemanjá, orixá do candomblé. Esse episódio -- o hotel, o mural, a declaração do pintor -- sintetiza, para a historiadora americana Anadelia A. Romo, da Universidade do Texas, uma das principais tensões observadas na sociedade baiana, não só naquele tempo mas também hoje, em 2010: as tradições, vistas como apaziguadas e estáticas, estão vivas num dia a dia que é, porém, urbano, dinâmico e desigual. Sem dúvida, essa Bahia tradicional, tal como é pintada pelo mestre Genaro, é a que se vê nos principais pontos turísticos e a divulgada pelas agências e guias de viagem. A história de como se configura essa imagem, entre 1888 e 1964, é contada por Anadelia em Brazil's living museum -- Race, reform, and tradition in Bahia (em tradução livre, ``O museu vivo do Brasil -- Raça, reforma e tradição na Bahia''), obra publicada pela editora da Universidade da Carolina do Norte. A pesquisa começou quando ela ainda era estudante de graduação na Universidade Princeton e foi aluna do historiador baiano João José Reis, então professor visitante. Por mais de uma década o interesse persistiu, e o seu estudo incluiu diversas visitas aqui para pesquisar em arquivos brasileiros. Anadelia concluiu seu Ph.D. em história pela Universidade Harvard e hoje é professora na área de América Latina da Universidade do Texas. E a quem interessa essa imagem de ``museu vivo''? Como explica a pesquisadora, vários setores se apropriaram e se beneficiaram dele. Reforçar os laços africanos contribuiu, por exemplo, para fortalecer a identidade de grande parte da população afrodescendente. ``Não foi um processo fácil, dada a discriminação racial e cultural que existe e é secular'', diz. A tensão, no entanto, permanece. ``Afinal, isso não se traduziu em maior igualdade e é um dos problemas centrais que abordo no livro.'' Se, por um lado, a cultura afro-baiana é incorporada pelo discurso oficial, por outro seus habitantes têm sofrido no decorrer do século por causa da negligência do Estado em lhes oferecer bem-estar, mobilidade social e acesso a saúde e educação, como descreve a pesquisadora. A Bahia que vive dias de esplendor até o século XIX inicia o século XX em profundo imobilismo -- um período de desgraça econômica que, nos anos 1930, foi descrito por intelectuais locais como ``o enigma baiano''. O mistério de tal ostracismo é mais tarde analisado em profundidade pela historiadora Kátia de Queirós Mattoso, em seu livro Bahia século XIX -- Uma província no Império (Nova Fronteira), resultado de sua tese de doutorado na Sorbonne: após a defesa, seria a primeira titular da cadeira de história do Brasil daquela universidade francesa. Essa Bahia negra e mulata, pobre e quieta, ainda sem as marcas do progresso, é então remodelada a partir de novas formulações de raça e cultura, como descreve Anadelia A. Romo. A presença cultural africana -- estima-se em 4 milhões o número de escravos trazidos principalmente para Salvador e outras cidades do Recôncavo Baiano -- logo se torna um dos atrativos para turistas de outros pontos do país e do exterior. E vai inspirar artistas, compositores e escritores baianos e de outras partes. Jorge Amado foi o criador que mais exaltou a cidade em sua obra, mas a imagem da Bahia como, em resumo, um lugar místico e incomum também se propagou com a contribuição de compositores como Dorival Caymmi, igualmente baiano, e Ary Barroso, mineiro; pintores como Carybé, argentino; e o etnofotógrafo Pierre Verger, francês. A ideia de que existia uma ``democracia racial'' na Bahia -- na comparação com o modelo americano da época, extremamente estratificado -- começa a atrair pesquisadores estrangeiros já na década de 1930. Sob a coordenação da Unesco, uma grande pesquisa é iniciada no começo dos anos 1950 -- é quando entra em cena intelectuais como o paulista Florestan Fernandes, para quem o racismo se esconde sob a aparência da mistura. ``O que é interessante observar é que a `democracia racial' passa a ser rejeitada por acadêmicos do sul do país, como São Paulo, mas muitos deles na Bahia continuam a defendê-la, como se a Bahia fosse uma exceção'', diz a pesquisadora americana, que está dedicada agora ao estudo do intercâmbio entre os antropólogos brasileiros e americanos. A partir da década de 1970, a visão de que há um ``paraíso racial'' foi trocada por outra, a de que há um ``inferno racial'', como diz o antropólogo Jocélio Teles dos Santos, diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais e professor da Universidade Federal da Bahia, autor de, entre outros, do livro O poder da cultura e a cultura no poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil (Edufba). Segundo ele, via-se aqui uma América portuguesa católica e tolerante em oposição à América protestante e déspota, que eram os Estados Unidos. ``Nas últimas décadas ocorre a politização cada vez mais crescente e surge a cultura da reivindicação'', diz. O curioso é que o paradoxo se mantém, acrescenta o pesquisador. Os governos que se sucedem -- à direita ou à esquerda -- reforçam a ideia de uma Bahia tradicional, ligada à africanidade, e ao mesmo tempo existem ainda necessidades não atendidas de políticas públicas ante as desigualdades raciais. O interesse de historiadores norte-americanos pela Bahia é muito grande e crescente, sobretudo para aqueles que pesquisam escravidão e história cultural do negro, como afirma o historiador João José Reis, professor da Universidade Federal da Bahia e autor de livros pioneiros, como Rebelião escrava no Brasil, A morte é uma festa e A invenção da liberdade, editados pela Companhia das Letras. ``Essa história de `democracia racial' é um pouco velha. O negro brasileiro -- o baiano incluído --, e não só o negro, mas também os antirracistas em geral, desejam que se torne realidade, mas não é. Basta ver a última campanha de ódio contra os nordestinos recentemente na internet. É o mesmo caldo cultural do racismo'', lembra o historiador. João José Reis conta que os baianos já se acostumaram com a ideia de uma Bahia fortemente ``africana'': comem acarajé, dançam ao som do Olodum e da Timbalada, vestem-se de branco na sexta-feira. Ali não existem grupos organizados de supostos brancos que preguem a supremacia racial, como ocorre em outras partes do país. As cotas foram adotadas nas nossas universidades públicas baianas sem o conflito racial previsto por antropólogos e parte da mídia. ``A Bahia é, porém, racista como o resto do Brasil, só que de maneira menos organizada. Toda hora aparece denúncia de racismo na imprensa, a matança de jovens negros da periferia é como se fosse um dado natural, são os negros que estão nas ruas como pedintes, loucos. São raros os negros entre a elite local'', diz.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Carta da Editora > O equilíbrio necessário A capa desta edição trata de um assunto a princípio conhecido por todos, a importância da dieta equilibrada das gestantes e dos bebês para que estes cresçam saudáveis. A obviedade do tema, porém, é apenas aparente. Sempre se soube que recém-nascidos amamentados só com leite materno nos seis primeiros meses de vida, filhos de mulheres que se alimentaram corretamente durante a gravidez, têm grande chance de se tornarem menos suscetíveis às doenças. O que não se conhecia e foi revelado por pesquisadores que trabalharam em estudos populacionais em países em desenvolvimento é que há um período específico em que os pais devem agir para diminuir o risco de transformar uma criança saudável em um adulto obeso. Esse espaço de tempo foi chamado de mil dias de oportunidade. Trata-se dos 270 dias da gestação somados aos 730 dos dois primeiros anos de vida em que os cuidados com a dieta devem ser constantes. O relato é do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, a partir da página 16. Um tema mais espinhoso é tratado pelo editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques. Ele conta os embates entre o Ministério do Meio Ambiente e cientistas que dependem de coletas de espécies retiradas da natureza para fazer pesquisa (página 28). Para cada trabalho é preciso pedir autorização, que, em alguns casos, pode levar anos para sair. As razões do ministério são de ordem legal, já que atua para evitar o contrabando da biodiversidade brasileira. O excesso de rigidez burocrática acaba por emperrar linhas de pesquisa em todo o país, embora haja a promessa de se diminuir as exigências. Quem decide não esperar pelos trâmites excessivamente demorados ou não cumpre com rigor o que é exigido recebe multas pesadas que chegam frequentemente a milhões de reais. Na editoria de tecnologia voltamos às boas notícias: o Instituto de Física da Universidade de São Paulo já tem um novo acelerador de partículas funcionando, segundo relata o editor Marcos de Oliveira (página 66). Os testes iniciais do mícrotron, que acelera elétrons até perto da velocidade da luz, começaram em agosto. O equipamento foi projetado e construído por pesquisadores brasileiros. Com ele será possível fazer pesquisa básica e com finalidades médicas, como estudos sobre a interação entre radiação e corpo humano. Também em tecnologia, destaque para uma nova ferramenta biotecnológica que permitirá usar marcadores moleculares para identificar os animais -- no caso, bovinos -- com predisposição genética para ter carne mais macia, de acordo com reportagem de Evanildo da Silveira (página 70). O trabalho ganha importância quando se sabe que o Brasil tem o segundo rebanho do mundo -- o primeiro está na Índia -- e é o segundo maior produtor de carne, atrás dos Estados Unidos. A relação entre o Brasil e o automóvel é o tema da principal reportagem da editoria de humanidades, escrita pelo editor Carlos Haag (página 80). Ele conta que, por décadas, o carro foi transformado em força motriz do progresso nacional e fonte de poder e hierarquização. Segundo os pesquisadores entrevistados, mesmo que fosse um bem de consumo ao qual apenas uma parcela ínfima da população tinha acesso, o carro mobilizou a atenção dos poderes públicos e largas fatias do orçamento em prol do asfalto nas cidades e das estradas. Essa origem da introdução do automóvel no Brasil tem efeitos até hoje, já que o frequente comportamento tão pouco civilizado observado no trânsito das cidades brasileiras resulta do fato de todos se sentirem superiores aos pedestres apenas por estarem no volante.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Memória > Gonçalves Dias, etnógrafo Maior poeta do Romantismo brasileiro pesquisou, escreveu e coletou material sobre índios Neldson Marcolin A procura pelas origens brasileiras foi uma das motivações do Indianismo, movimento literário que teve o poeta maranhense Antonio Gonçalves Dias e o romancista cearense José de Alencar como seus principais criadores em meados do século XIX. Gonçalves Dias, porém, levou essa busca para além da literatura. O poeta escreveu um ensaio, coletou material e produziu notas e diários que se perderam no mesmo naufrágio em que ele morreu, no litoral do Maranhão. O autor de um dos mais conhecidos poemas da língua portuguesa, a Canção do exílio, foi também etnógrafo e participou da Comissão Científica do Império, a primeira a contar apenas com especialistas brasileiros. Gonçalves Dias (1823-1864) nasceu em Caxias, no Maranhão. Em 1838 foi para Portugal terminar os estudos secundários e, em seguida, cursar direito na Universidade de Coimbra. Na Europa conheceu e recebeu influência dos escritores e poetas românticos. Em 1845 voltou ao Brasil e fixou-se no Rio de Janeiro onde ensinou história e latim no Colégio Pedro II. Junto com Manuel de Araújo Porto-Alegre e Joaquim Manuel de Macedo criou a revista Guanabara em 1849, para divulgar o Romantismo. Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1850 o escritor estava interessado em conhecer a história do Brasil pelo ponto de vista dos seus primeiros habitantes. “Ele chegou a ir a Portugal, em missão do IHGB, em busca de documentos que ajudassem a compor uma história brasileira”, diz a historiadora da ciência Kaori Kodama, da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz. Foi naquele ano que dom Pedro II encomendou a ele um estudo comparando os indígenas nacionais com os da Oceania. O poeta dedicou-se à tarefa e produziu Brasil e Oceania, usando como base relatos de viajantes. “Ele admirava naturalistas como Von Martius, mas se preocupava em desmentir ‘calúnias’ e ‘exageros’ publicados sobre o Brasil no exterior”, conta Kaori. O escritor também tinha uma visão diferente da corrente na época e considerava que a civilização era que havia desvirtuado o “índio puro”. De 1859 a 1860 Gonçalves Dias integrou a Comissão Científica do Império. A meta era levar especialistas brasileiros (geógrafos, zoólogos, botânicos, geólogos e astrônomos) a conhecer a natureza brasileira de modo objetivo. A expedição foi analisada no livro Comissão Científica do Império, organizado pela historiadora da ciência Lorelai Kury (Andrea Jakobsson Estúdio Editorial, 2009). O Ceará foi o estado escolhido para a missão por ter sido pouco explorado. Ao constatar que não havia “tipos puros” entre os indígenas daquela região, o escritor rumou para o Amazonas, onde anotou observações sobre as línguas faladas e enviou objetos etnográficos para o Rio, incorporados depois à coleção do Museu Nacional. © Biblioteca Nacional / Reprodução de Jaime Acioli Peças da Amazônia reunidas por Gonçalves Dias para exposição de 1861 A maior parte do seu trabalho na comissão ficou desconhecida. Supõe-se que o material estava no navio que naufragou quando ele voltava da Europa, em 1864. Em 2002, a Academia Brasileira de Letras publicou Gonçalves Dias no Amazonas: relatórios e diário da viagem ao rio Negro, com introdução do escritor maranhense e acadêmico Josué Montello, com informações sobre aquele período. “A etnografia feita por Gonçalves Dias era muito diferente da que é praticada hoje”, afirma o antropólogo João Pacheco de Oliveira, professor do Museu Nacional. No século XX esse ramo da antropologia se tornou um trabalho de pesquisa de campo sistemático e de contato direto com as culturas que se quer estudar. Já o trabalho científico do poeta era realizado por meio de leituras e comparações entre os relatos de viajantes e naturalistas implicando hipóteses sobre o desenvolvimento e difusão das culturas. “Ele estava sintonizado com seu tempo tanto ao fazer literatura quanto ciência, sendo o impacto de sua obra equivalente à de Castro Alves com o tráfico negreiro.”
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Entrevista > Maílson da Nóbrega: O economista tranquilo Ex-ministro da Fazenda lança sua autobiografia com os bastidores do poder político nacional Carlos Haag "Nós criamos no Brasil uma ideia equivocada de que quem resolve o problema do país são os economistas. São aqueles sujeitos que têm a capacidade de análise profunda, macroeconômica etc. e tal, e que se sentam à mesa e formulam um programa e assim vai. A responsabilidade maior de atacar os problemas de uma sociedade, a sua modernização, enterrar o passado etc., isso não é tarefa de economistas. Isso é tarefa da classe política'', afirma o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, durante o governo de José Sarney (1985-1990). Uma ponderação importante em face da tendência nacional de conceder superpoderes aos responsáveis pela política econômica. Ao contrário dos ``magos'' da economia, Maílson pautou sua carreira pela competência do ``técnico'', como se percebe na leitura de sua recém-lançada autobiografia Além do feijão com arroz (Civilização Brasileira), o retrato de uma trajetória de self made man, iniciada na minúscula Cruz do Espírito Santo, na Zona da Mata paraibana, aos 10 anos, como descastanhador de caju e vendedor ambulante. Seu nome é tão singular quanto sua história, embora característico da região: o Ma vem da mãe, Maria José, e o Ilson do pai, o alfaiate Wilson. Sua ascensão seguiu os passos seguros da então mais do que honrosa carreira no Banco do Brasil (BB) que o levaram a Brasília, onde foi secretário-geral do Ministério da Fazenda, e, mais tarde, ao posto de ministro de Estado. Foi um dos responsáveis pela modernização das finanças públicas e conseguiu extinguir, como ministro, a famosa ``conta de movimento'' do BB, um orçamento paralelo que não passava pela aprovação do Congresso. Esse agir com raízes tecnocráticas, herança de sua passagem pela economia dos governos militares, se manteve em sua gestão pública, marcada sempre por uma visão austera e controlada do fazer econômico. Subiu os degraus da burocracia com passadas modestas e contínuas, um perfil muito diverso do de seus colegas de cargo, em geral, como ele mesmo recorda, economistas acadêmicos ou empresários de sucesso. Maílson foi, por muito tempo, o assessor modelo de ministros que duraram pouco em suas funções. Assumiu como ministro da Fazenda numa situação complexa de inflação altíssima, que atingiu temerários 416% em 1987, imenso déficit público e falta de acesso ao crédito internacional, consequência da moratória unilateral da dívida externa decretada por Sarney. Diante da pasta cercada por expectativas de mudanças radicais optou pela economia ``do feijão com arroz'', sem congelamento de preços e salários. Enfrentou a ira de um Roberto Marinho, empresário dono da Rede Globo, fez, como era prerrogativa do seu cargo, um plano econômico, o Plano Verão (que, como os outros do mesmo período, não funcionou), encerrando sua gestão com um plano de renúncia do presidente da República. Entregou o cargo para Zélia Cardoso de Mello para descobrir, no dia seguinte ao Plano Collor, que não tinha dinheiro para financiar seus planos futuros de uma consultoria, como a que dirige hoje em São Paulo, a Tendências. Do alto da sabedoria de quem já lutou com o ``dragão da inflação'', sem, no entanto, domá-lo, Maílson é otimista sobre o futuro do Brasil, que, afirma, é ``intolerante à inflação e ao voluntarismo inconsequente de maus governantes''. Embora se considere um ``economista prático'', Maílson foi professor visitante da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde fez a pesquisa que rendeu o livro O futuro chegou. Leia trechos da sua entrevista à Pesquisa FAPESP. Lendo o seu livro sente-se um paralelo entre sua história e a do país em busca da modernização e da redemocratização. Como o senhor vê a trajetória do Brasil em paralelo com a sua? Acho que o Brasil, nesse tempo, superou muitos de seus obstáculos, entre os quais os das restrições ao desenvolvimento e o pessimismo sobre o futuro. É um percurso extraordinário porque, da nação que mal conseguia exportar café e açúcar, o Brasil se tornou uma sociedade complexa, com uma base industrial ampla, ainda que muito ineficiente em algumas áreas, e construiu uma democracia sólida. Isso porque fincamos alicerces que servirão de sustentáculo para a construção do nosso futuro. O primeiro deles é a democracia, que se consolidou como um valor da sociedade, ainda que nem todas as pessoas percebam isso. Dificilmente haverá no Brasil alguém com coragem de defender a volta do regime militar. É uma democracia jovem, com muitos defeitos, e nosso desafio é radicalizá-la com reformas institucionais que melhorem seu sistema eleitoral, aumentem a capacidade decisória do Congresso, ampliem a participação popular na definição do destino do país, enfim, que sejamos uma democracia como a das sociedades mais maduras. O outro alicerce é a estabilidade. Uma das grandes transformações da sociedade brasileira do pós-guerra foi a percepção, finalmente, de que inflação é algo indesejável. Nos tornamos intolerantes à inflação. Houve uma época em que não era assim. Eu me recordo que aprendi que a inflação tinha um papel no desenvolvimento. Lembro de ter lido uma entrevista do Celso Furtado, e eu já era economista, e ele dizia que uma inflação de 15% não fazia mal nenhum, era inclusive uma forma de financiar de maneira mais barata o setor público. O pilar mais importante, porém, é a educação. Até pelo menos os anos 1980 havia uma percepção de que a educação seria o subproduto do desenvolvimento: bastava o Estado atuar com a proteção à indústria, concessão de subsídios, incentivos fiscais, oferta de serviços de infraestrutura, crédito subsidiado, e assim por diante, que o desenvolvimento geraria o ambiente para a educação. Acho que invertemos essa lógica e há uma percepção crescente de que a educação é base, e não consequência do desenvolvimento. Se você olhar o que aconteceu da redemocratização para cá, particularmente nos governos Fernando Henrique e Lula, a educação avançou muito. Não tanto quanto se gostaria ou precisa, mas o contingente de analfabetos no Brasil está diminuindo. Não por conta de programas de alfabetização, mas como dizia um amigo meu, economista, muito cruelmente, mas corretamente, o contingente de analfabetos está diminuindo porque eles estão morrendo. Estão chegando à idade adulta, à velhice, estão morrendo e não estão sendo substituídos. Então a tendência do Brasil é a redução do analfabetismo formal. Claro que temos que enfrentar alguns tabus, entre eles a ideia de que a educação superior tem que ser universal e gratuita. Quem pode pagar não deve estudar de graça. Eu não me conformo que um filho de um milionário paulista possa entrar na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e estudar de graça. Acho que não é a mensalidade que vai financiar a escola, mas é uma coisa de justiça social. Os pobres não podem subsidiar a educação superior dos ricos nas melhores escolas. Assim, com esses pilares já fixados, cruzamos o Rubicão, não tem mais retrocesso. O Brasil construiu instituições que inibem o retrocesso permanente na gestão da economia brasileira. Você pode ter até retrocessos, mas as instituições funcionam no sentido de reverter e restabelecer a trajetória de estabilidade. Mesmo que tenhamos maus governos no Brasil, e vamos ter, isso não significa uma interrupção do processo, apenas uma pausa que não tira o país dessa sua trajetória. Dentro de duas décadas o Brasil será uma das cinco maiores economias do mundo. O país é muito mais aberto, mais integrado aos fluxos mundiais de comércio e finanças, somos avaliados, acompanhados, não apenas por nós mesmos, mas por especialistas internacionais. E esses mecanismos funcionam no sentido de punir eventuais irresponsabilidades na condução da economia. O senhor, então, não acredita em problemas no novo governo? Vamos dar um exemplo concreto: digamos que a nova presidente decida que é contra a ação do Banco Central e como o Banco Central ainda não é formalmente autônomo ela poderá determinar o nível da taxa de juros que acha adequado para manter a estabilidade dos preços. Ao tomar uma decisão dessas, ela emite um sinal de irresponsabilidade e isso acende várias lâmpadas de alerta que vão criar outro ambiente. A confiança no país despenca, os estrangeiros que estão investindo acreditando no nosso futuro vão embora, porque são covardes. Eles sabem ``precificar'' [riscos], mas não têm o poder de impor qualquer coisa a governos, e a ``precificação'' do risco significa a fuga de capitais, que produz uma rápida desvalorização da moeda, acarreta uma queda brutal da bolsa de valores, os mecanismos de mercado futuro sinalizam uma piora de ambiente e tudo isso recebe uma atenção forte, intensa, da imprensa, dos jornais, da TV, do rádio, e vai reverberando em ondas sucessivas, criando um ambiente de insegurança para o eleitor. O eleitor percebe que a inflação pode voltar, que ele pode perder seu emprego, perder seu patrimônio, e muda de opinião em relação ao governo e a popularidade cai, o que significa dizer: a legitimidade política do presidente da República e de seu governo, que implica a capacidade de articulação, de condução do país, de governar o país, cai abruptamente. E como a democracia já está consolidada, isso equivale a um suicídio político, porque a popularidade despenca e abre espaço para a ascensão de outra pessoa. A democracia fornece uma blindagem contra a irresponsabilidade. E o Brasil se distancia, sob esse aspecto, do populismo latino-americano. Isto é, os presidentes da República até têm o poder de fazer coisas erradas, de enveredar por caminhos da aventura, mas eles serão barrados pela operação das instituições. O Brasil é um país muito bem-sucedido, até porque, enquanto a Europa começa sua marcha para a prosperidade por volta do final do século, nós fomos tardios nesse processo, mas estamos queimando etapas e talvez cheguemos, em mais três gerações, a ombrear, em matéria de bem-estar e democracia, as nações ricas hoje. Como é acatar ordens de alguém que não é um especialista em economia? Acho um equívoco no Brasil achar que precisamos de um gestor na Presidência da República. Acompanhei a campanha eleitoral e se evidenciou essa qualidade de gestor tanto na Dilma quanto no Serra. O presidente da República não precisa entender de economia. Na verdade, nem o ministro da Fazenda precisa ser um especialista em economia. O fato de nomearmos ministros da Fazenda economistas é um cacoete do período militar. De 1964 para cá foram pouquíssimos os ministros da Fazenda que não tinham diploma de economista. É interessante notar que o ministro da Fazenda que foi capaz de coordenar um conjunto de pessoas, de ideias, de ações para pôr fim ao grande mal da inflação era um sociólogo, Fernando Henrique Cardoso. Como o ministro da Fazenda se relaciona com a política, com o Congresso? Em geral, eles se queixam de que os planos econômicos não dão certo por culpa dos políticos. É um mito que os planos anteriores ao Real não deram certo por questões de dificuldade de relacionamento político. Eu tenho a convicção hoje de que nenhum dos planos anteriores ao Real tinha condições de dar certo. Nenhum deles. O Plano Cruzado, o mais promissor de todos, tinha probabilidade de dar certo próximo de zero. Por uma razão muito simples: um congelamento de preços numa inflação altíssima como era a brasileira naquela época, de 15%, 20% ao mês, contexto em que surgiu o Plano Cruzado, provoca transformações também muito intensas. A primeira delas, a interrupção da corrosão inflacionária dos salários. A segunda, a criação de um ambiente de confiança, de que a inflação acabou, que o cálculo econômico é possível. Nasce a disposição do sistema financeiro de ofertar mais crédito, porque está mais confiante na estabilidade das regras, na estabilidade da renda de seus clientes. E tudo isso forma um contexto que se associa a uma propensão a consumir do brasileiro, que é muito alta, por conta de necessidades não atendidas, o que produz uma explosão de consumo. E essa explosão de consumo não é correspondida com a ampliação da oferta. A demanda subia de elevador e a oferta de escada. Rapidamente as mercadorias sumiam das prateleiras. Por que o Plano Real deu certo? O problema do descompasso entre oferta e demanda não existia: a demanda subiu de elevador e a oferta também, suprida por importações. Uma economia ``feijão com arroz'' foi novidade num país com a tendência de trabalhar com ideias ``grandiosas''? A ideia do ``feijão com arroz'' foi um acidente. Fiz a primeira reunião com a minha equipe antes da posse e discutimos. ``Precisamos desmontar a ideia de que vamos sair amanhã com um plano, que vamos congelar preços, salários.'' Sabíamos que não íamos fazer um congelamento, mas era preciso desfazer essa expectativa, porque as pes­soas começavam a agir preventivamente e isso geraria problema de aumento de preços, estocagem de produtos etc. Não havia a ilusão de se fazer grandes transformações no país. E nessa conversa surgiu esse conceito de ``vamos fazer o feijão com arroz'', a ideia de que vamos fazer o trivial. Eu quis mostrar que vinha da burocracia e o burocrata não é dado a grandes voos. Na minha primeira entrevista como ministro, uma jornalista falou: ``Ministro, qual é sua política?'' Eu respondi: ``Vamos fazer o feijão com arroz'', achando que a entrevista já havia terminado. No outro dia, o Estadão botou na primeira página: ``Ministro anuncia política de feijão com arroz''. Ficamos preocupados: ``Escuta, o que vão dizer? Essa turma de burocratas não tem mesmo nenhuma imaginação. Não está preparada para enfrentar os desafios?''. Então recebi algumas ligações: ``Que sacada! Quem assessorou vocês?''. O senhor foi sabatinado pelo jornalista Roberto Marinho antes de assumir seu cargo de ministro e ele, mais tarde, tentou derrubá-lo de sua posição. Como foi isso? Figuras como o Roberto Marinho existiram em outros países, inclusive num país de democracia muito sólida, os Estados Unidos: Cidadão Kane é isso, não é? Eu não procurei esse confronto com ele, mas foi a revelação de que o Brasil havia mudado. Ou seja, o doutor Roberto, que foi um grande empresário, acho que o país deve muito a ele, imbuiu-se do poder que possuía e o exerceu de forma muito intensa. Todos os presidentes da República iam ao aniversário dele, inclusive Lula. Ele se indignou na primeira reunião que tivemos porque, confesso, fui inábil. Ele tinha um projeto de exportação de casas prefabricadas. O governo tinha oferecido o benefício de trocar dívida externa por exportação. Mas interrompemos o programa quando ele já estava embalado. Roberto Marinho deve ter pensado: ``Fui induzido a investir tempo e dinheiro nesse projeto e esse ministro da Fazenda quer mudar a regra do jogo''. No fundo, ele pensou que iria mudar tudo novamente porque tinha acesso à Presidência da República e conseguiu marcar um almoço com o presidente Sarney, que me convidou para participar. Cheguei no fim do almoço e aí percebi que ele estava tentando gerar um constrangimento com o presidente para restabelecer o programa. Minha inabilidade foi dizer: ``Doutor Roberto, esse programa não interessa ao país''. Ele se sentiu ofendido e me perguntou: ``Ministro, você acha que estou propondo algo contra o país?''. E nasceu naquele momento uma animosidade. Ele dizia que eu era um ingrato porque ele tinha sido responsável por minha nomeação, o fato de ele ter conversado comigo para dar o sinal verde para o presidente me nomear. A partir daí eu diria que trincou essa relação. Mas, antes disso, eu estava há poucas semanas no ministério e ele me convidou para almoçar com ele lá no Jardim Botânico. Sem eu perguntar, ele disse: ``Indiquei o Antônio Carlos Magalhães e o Leônidas Pires para os ministérios, são minhas indicações''. Eu fiquei pensando: ``Que poder!''. Ou ele estava se exibindo ou estava dizendo: ``Você é o terceiro''. Outros fatores contribuíram para azedar essa relação, que foi a ação de um delegado da Receita Federal do Rio de Janeiro. O doutor Roberto se julgava um homem benfeitor do país mais do que era e não admitia ser fiscalizado. Ele achava que era tão bom para o país que fiscalizá-lo era quase uma ofensa. A televisão brasileira foi equipada com câmeras, spots, mesas de edição e tudo mais, grande parte de importação irregular. Certamente o Roberto temia que uma fiscalização pegasse lá, vamos dizer, não sei se era isso, um equipamento sem nota, um equipamento irregularmente importado. Acho que isso o preocupava também. E aí quando entrava o fiscal na TV Globo, ele estrilava. Lembro que, uma das vezes, ele pegou um avião e foi ao presidente protestar. Até que ele, não entendo a razão, decidiu que eu teria que sair. E o presidente começou a negociar um pacto social com as principais lideranças do Congresso, em que o governo se comprometia com uma série de medidas. Ao que tudo indica houve uma reunião para fechar o pacto e um senador perguntou ao presidente: ``Bom, e com isso temos que substituir a equipe econômica, refazer o ministério''. O presidente disse: ``Perfeitamente''. Um senador ligou para o Roberto Marinho dizendo: ``O Maílson está fora''. O doutor Roberto, imprudentemente, foi à redação do jornal às 21 horas e mudou pessoalmente a primeira página com um título que não esqueci jamais: ``Inflação derruba Maílson''. E aí acho que ficou clara a mudança que ele não tinha percebido: toda a imprensa ficou do meu lado. A reação foi tão forte que ele teve que recuar. Enfim, os ministros militares conversaram com o presidente que ele não podia demitir o ministro da Fazenda naquele momento. Pegava muito mal. E o doutor Roberto cometeu, primeiro, um erro de avaliação e, segundo, não percebeu que fazendo isso me fortalecia. E aí eu fiquei até o fim. Eu sobrevivi ao Roberto Marinho. No início do seu livro o senhor diz ``como um menino pobre da Paraíba pode chegar e procurar o presidente para ele renunciar e ser levado a sério''. Como foi isso? Acho que o país teria enfrentado uma inflação menor se ele tivesse aceitado a minha proposta. O que temíamos, felizmente, não aconteceu. Estávamos com uma aceleração da inflação, que começava a se aproximar dos 50%. Quando as eleições se aproximaram, o processo começou a se agravar. E nós associamos a incerteza das eleições como tendo um efeito na aceleração dos preços. Eu me lembrava bem do que tinha acontecido na Argentina. Menem, candidato à Presidência, tinha uma plataforma populista, prometendo um ``salariaço'', uma irresponsabilidade total, e foi eleito. No momento em que isso ocorreu, o sistema de preços argentino enlouqueceu e a inflação foi rapidamente a 200% ao mês. Na Argentina eram quase sete meses entre a eleição e a posse e o país ia se arrastar por esse tempo todo com uma inflação parecida com a da Hungria. Então houve um acordo entre o presidente Raúl Alfonsín e Menem, e a posse foi antecipada. Quando ele assumiu antes do prazo previsto, a inflação acabou. No Brasil, eram três meses entre a eleição e a posse. Temíamos que nesses meses o processo fugisse do controle. Conversei com o presidente Sarney sobre a hipótese da sua renúncia. Não porque ele não pudesse governar o país, mas como uma ação para a súbita renovação de legitimidade. E que um presidente eleito, com grande apoio popular, tivesse as condições de enfrentar o problema de maneira crível e com grande apoio da opinião pública e do Congresso. O presidente ouviu minha argumentação. O presidente disse: ``Vou pensar''. Um dia me ligou e disse: ``Acho que está na hora de discutirmos essa sua ideia''. Fizemos uma reunião secreta, em Brasília, com 10 ministros. Foi um debate muito tenso, com momentos dramáticos, em que as vozes se levantaram. O ministro do Exército achou que era covardia o presidente sair. Ele pediu um tempo para pensar e eu saí com a sensação de que tinha decidido ficar. Hoje acho que foi o melhor, porque poderíamos ter tido um efeito inflacionário danoso à sociedade e à economia menor do que foi, mas eu diria que esse custo foi muito inferior ao benefício da conclusão do período de governo, de transição tranquila, apesar dos dramas da economia e da entrega do poder ao presidente eleito em ambiente de plena normalidade institucional e política. Eu diria que, se hoje voltasse no tempo e me sentasse àquela cadeira, provavelmente estaria sendo contra minha própria ideia. Para finalizar, quais são as suas expectativas sobre o novo governo? O discurso da nova presidente no dia da vitória teve um conteúdo muito animador, porque ela assumiu compromissos muito sérios em áreas fundamentais. Compromissos com a democracia, com a liberdade de imprensa, com a autonomia das agências reguladoras (algo que, no governo Lula foi considerado um ``estorvo''), compromisso com a gestão macroeconômica responsável, com o câmbio flutuante, superávit primário, com a autonomia do Banco Central. Diria que todos devemos dar à nova presidente um crédito de confiança. A escolha do ministro da Fazenda a permanecer no cargo, em princípio, é contraditória com essa ideia, porque ele foi o responsável pela deterioração grave da situação fiscal e dos princípios que regem um bom sistema de finanças públicas. Ninguém mais hoje acredita nos números do governo. Mas eu também dou o benefício da dúvida. O ministro passou a falar coisas que são incompatíveis com sua própria ação, mas entendo que ele já externa uma orientação recebida da nova presidente. Creio que duas indicações nos levam a reforçar esse crédito de confiança. A escolha do Alexandre Tombini para a presidência do Banco Central. Ele é um dos melhores técnicos do Banco Central. Outra coisa boa é a indicação do Antonio Palocci, um dos mais sensatos membros do PT em questões econômicas. Ter um homem como ele num posto-chave como a Casa Civil é algo que tranquiliza. Ele será uma barreira a eventuais tentativas de desvio dessas bases fundamentais que a presidente anunciou no dia da sua vitória. Mas a presidente assume num ambiente muito desafiador. Ela vai exercer o seu poder sem ter tido a oportunidade de enfrentar um desafio parecido ou de passar mais tempo em atividade executiva de governo. A economia, que vinha num ritmo forte, deve desacelerar, porém o emprego e a renda continuarão em alta; a taxa de câmbio ficará estável; a inflação ficará perto da meta, se for mantida a política econômica; e a taxa de juros voltará a subir já nesse início do ano. Temos um sistema financeiro sólido, resultado do antigo Proer e da estabilidade macroeconômica (câmbio flutuante, Banco Central autônomo, superávits primários no setor público, inflação baixa e sob controle) e uma situação externa confortável com reservas internacionais superiores à dívida externa. A presidente tem como desafios reverter a deterioração fiscal e promover investimentos em infraestrutura e supôs como pouco prováveis grandes reformas. Mas, como já disse, no Brasil de hoje as instituições inibem o populismo ou o autoritarismo e a legitimidade depende da estabilidade econômica, sem esquecer do papel da imprensa, que pune politicamente ações voluntaristas inconsequentes. Enfim, o país vai continuar a dar certo.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Ciência > Capa Mil dias que valem uma vida Introdução de outros alimentos durante a amamentação altera o paladar e aumenta o risco de obesidade Ricardo Zorzetto Os pais têm uma oportunidade rara de influenciar o desenvolvimento dos filhos e de ajudá-los a se tornarem adultos mais saudáveis. Mas é preciso estar atento e agir rápido. Essa chance surge cedo e dura pouco. Começa na concepção e segue por apenas mil dias -- os 270 da gestação mais os 730 dos dois primeiros anos de vida. Em princípio, a possibilidade de fazer uma criança que nasce com boa saúde crescer desse modo e assim permanecer por décadas exige a adoção de medidas aparentemente simples: oferecer proteção e aconchego ao bebê e alimentá-lo adequadamente. A alimentação apropriada inclui uma dieta equilibrada da mãe na gravidez, o aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida e, a partir daí, a amamentação acompanhada de água, sucos, chás, papinhas e alimentos sólidos ricos em proteínas, vitaminas e sais minerais, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). A receita não é nova, mas pode evitar problemas graves de saúde mais tarde. Experimentos com roedores indicam que a substituição do leite materno por outros alimentos -- outros tipos de leite, inclusive -- nessa fase do desenvolvimento altera o paladar e instala no organismo um desequilíbrio hormonal que pode durar a vida toda e favorecer o ganho de peso. Já a nutrição correta reduz o risco de desenvolver na idade adulta obesidade e doenças cardiovasculares, atestam estudos populacionais conduzidos em cinco países em desenvolvimento (Brasil, África do Sul, Guatemala, Filipinas e Índia). Ainda segundo esses trabalhos, o aleitamento exclusivo favorece o desempenho intelectual. Por algumas décadas equipes desses países, entre elas a do epidemiologista brasileiro César Victora, avaliaram regularmente o crescimento de 10.912 crianças. Aquelas que começaram a receber outros alimentos antes dos 6 meses de idade -- o que ocorreu antes do terceiro mês com 69% dos bebês da amostra brasileira -- acumularam mais gordura corporal ao longo da vida. E quanto mais cedo consumiam papinhas, sucos e outros tipos de leite mais gordura concentravam, o que eleva o risco de problemas no coração e de acidente vascular cerebral, responsáveis por 30% das mortes no mundo, relataram os pesquisadores em setembro no International Journal of Epidemiology. ``O que mais influenciou o acúmulo de gordura não foi a duração do aleitamento, mas a precocidade da introdução de outros alimentos na dieta da criança'', afirma Victora, professor da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Há quase 30 anos Victora, Fernando Barros e uma equipe de epidemiologistas acompanham periodicamente a saúde de todas as crianças nascidas em 1982, 1993 e 2004 em Pelotas, município de 330 mil habitantes no extremo sul do país. Esse seguimento de longo prazo, conhecido como coorte, levou Victora e colaboradores de outros países a rever anos atrás o padrão adequado de desenvolvimento até os 5 anos de idade e a propor uma nova curva de crescimento, reconhecida pela OMS em 2006 e adotada por pediatras de mais de 100 países. As coortes feitas em Pelotas e em outras regiões do mundo mostraram que as crianças que só recebiam leite materno até o sexto mês de vida cresciam em ritmo diferente das que tomavam mamadeira. Bebês que só mamaram ao peito ganharam peso e ficaram mais altos mais rapidamente nos quatro primeiros meses de vida. Depois se desenvolveram mais devagar. ``São crianças saudáveis, mas mais magras'', afirma Victora. Já as que receberam leite em pó e outras formulações que tentam imitar o leite humano engordaram mais rapidamente a partir do segundo semestre após o nascimento. Uma possível explicação para o crescimento acelerado tardio é o consumo de mais calorias que o recomendado. Marina Rea, do Instituto de Saúde (IS) de São Paulo, e Ana Maria Corrêa, da Universidade Estadual de Campinas, verificaram anos atrás que as crianças que recebiam mamadeiras e outros alimentos nos primeiros meses de vida consumiam até 50% mais calorias que o ideal (ver Pesquisa FAPESP nº 123). ``Nunca é demais repetir: o leite materno é o único alimento de que a criança precisa nos primeiros seis meses'', diz Victora. Mais rico em açúcares e gorduras do que o leite de vaca, o leite humano contém ainda níveis adequados de proteínas e outros nutrientes para o bebê, além de mais de uma centena de compostos imunologicamente ativos. Mesmo assim, não é fácil seguir a indicação da OMS. A participação maior das mulheres no mercado de trabalho, aliada à desinformação sobre como e por quanto tempo amamentar, contribui para que a dieta das crianças mude antes da hora. ``Além disso'', conta Victora, ``muitos médicos não respeitam a orientação da OMS e introduzem cedo na dieta alimentos desnecessários nessa fase da vida''. O resultado é que a proporção de mulheres que amamentam exclusivamente ao peito por seis meses no Brasil é baixa, comparada à de outros países. Mas mais alta que a de 10 anos atrás. Hoje 51% das mães alimentam os filhos exclusivamente ao peito nos quatro primeiros meses de vida -- eram 36% em 1999 -- e 41% amamentam até o sexto mês, segundo levantamento do Ministério da Saúde coordenado pela pediatra Sonia Venancio, do IS. Ainda aquém do desejável, esse índice melhorou muito. Em 1974 metade das crianças recebia só leite materno por 2,5 meses. Esse tempo passou para 14 meses em 2006. Sonia avaliou dados de 2008 de 34,4 mil crianças de todas as capitais e do Distrito Federal e notou que, apesar da melhora recente, a evolução é lenta. No primeiro mês após o parto 18% dos bebês já tomavam outros líquidos e aos dois meses metade não mamava só ao peito. ``Há muito a fazer'', comenta Sonia, que publicou os dados em meados do ano no Jornal de Pediatria. Os benefícios da alimentação adequada no início da vida não são apenas físicos. Em outro estudo, publicado em fevereiro no Journal of Nutrition, Victora e colaboradores analisaram o desempenho escolar de 7.945 crianças da Índia, da Guatemala, das Filipinas, do Brasil e da África do Sul. As que apresentaram crescimento saudável na gestação, indicador de dieta materna adequada, e nasceram com peso superior ao da média tiveram mais chance de sucesso. Cada 500 gramas a mais de peso ao nascer representaram 2,5 meses a mais de escolaridade na vida adulta e risco 8% menor de repetir uma série. Mesmo as crianças que no parto tinham menos de 2,5 quilos, peso inferior ao desejável, conseguiram bom desenvolvimento intelectual quando, com dieta adequada, alcançaram o ritmo normal de crescimento e recuperaram o peso ideal para a idade até o segundo ano de vida. Nesse período, elas ganharam em média 9 quilos, e cada 700 gramas que cresceram além da média significaram cinco meses a mais de escolaridade. ``Nos dois primeiros anos a criança ainda tem oportunidade de crescer acima da média e se tornar um adulto saudável se, além da amamentação adequada, receber imunização e boa assistência à saúde'', diz o epidemiologista. Nessa fase crucial do desenvolvimento, que Victora chama de ``mil dias de oportunidade'', os órgãos ainda se encontram em formação: os ossos estão se alongando, os músculos se fortalecendo e o cérebro ganhando volume (atinge 70% do tamanho final no segundo ano). ``A partir do terceiro ano, o crescimento acelerado acarreta o acúmulo de gordura'', explica. As mudanças que os epidemiologistas observam usando balanças e fitas métricas começam a ganhar uma explicação fisiológica. Experimentos com roedores vêm ajudando a descortinar os mecanismos bioquímicos pelos quais a introdução de outros alimentos no período de amamentação exclusiva leva ao acúmulo de gordura. Um deles é a mudança no paladar. Em pesquisa orientada por Raul Manhães de Castro e Sandra Lopes de Souza, da Universidade Federal de Pernambuco, a nutricionista Lisiane dos Santos Oliveira interrompeu a amamentação de um grupo de ratos separando-os da mãe no 15o dia após o nascimento, o equivalente a três meses de vida de um bebê humano, e os deixou comer ração à vontade. Periodicamente, os animais foram pesados e o consumo alimentar foi medido, mas não houve diferença de peso nem de ingestão entre os desmamados cedo e os que receberam leite até o 30o dia de vida. O contraste só apareceu em um teste de preferência alimentar. Assim que os animais atingiram a idade adulta, os pesquisadores deixaram, simultaneamente, duas dietas distintas à disposição dos ratos por alguns dias: a ração padrão do biotério e outra mais palatável (à base de chocolate e avelã), mais calórica e rica em gorduras. Os dois grupos preferiram a dieta mais saborosa à ração comum. Mas os ratos que pararam de mamar antes comeram bem mais, relatam os pesquisadores em artigo a ser publicado na Behavioural Processes. ``Embora não houvesse mudança no peso nem no padrão diário de alimentação dos animais, a preferência por uma dieta mais calórica se manifestou assim que esse tipo de alimento se tornou disponível'', comenta Lisiane. ``No longo prazo a preferência por alimentos com alta densidade calórica pode levar a distúrbios metabólicos'', diz a nutricionista. Outro teste feito pelo grupo de Pernambuco mostrou que os ratos desmamados aos 15 dias, quando adultos, demoravam o dobro do tempo para se saciar. Após breve jejum, eles comiam continuamente por 42 minutos, enquanto os animais que receberam leite materno até o 30o dia davam-se por satisfeitos em 23 minutos. Segundo o trabalho, que será veiculado pela mesma revista, os roedores desmamados cedo apresentaram ainda alterações no padrão diário (circadiano) de consumo de alimentos: comiam mais em momentos do dia ou da noite diferentes daqueles em que os ratos amamentados por mais tempo se nutriam, embora o total fosse semelhante. Por trás das alterações de com­portamento há mudanças hormonais e metabólicas. Em trabalhos apresentados nos últimos anos no Journal of Endocrinology e no Journal of Physiology, a equipe do endocrinologista Egberto Gaspar de Moura, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mostrou que o desmame precoce al­tera a composição corporal e reduz a sensibilidade ao hormônio leptina, que induz à saciedade e à puberdade (leia texto na página 3). Adotando um modelo experimental diferente do anterior, o grupo do Rio provocou o desmame antecipado aplicando na rata um composto que impede a produção de prolactina, hormônio que induz a secreção do leite, em vez de tirar os filhotes de perto da mãe. Os animais que desmamaram mais cedo chegaram à idade adulta com peso 10% maior, 40% mais gordura total e até 300% mais gordura visceral (que se forma no interior dos órgãos e é mais nociva). Confirmando o efeito deletério da obesidade visceral, os roedores desmamados antes do tempo tinham níveis sanguíneos mais altos de glicose, colesterol e triglicerídeos e taxas menores de HDL, proteína que retira o colesterol do sangue e evita a formação de placas de gordura nos vasos. Reunidas, essas alterações configuram o que os médicos chamam de síndrome metabólica, condição que potencializa o risco de desenvolver diabetes e problemas cardiovasculares. Os animais que mamaram menos, quando adultos, também apresentavam níveis sanguíneos de leptina três vezes superior ao normal, observou a equipe do Rio. Apesar da quantidade brutal desse hormônio, que é produzido pelas células de gordura e indica ao corpo a hora de parar de comer, a leptina não produzia efeito nesses animais. Após jejum de 12 horas, os pesquisadores deram leptina a dois grupos de ratos: um amamentado pelo tempo habitual e outro cujo aleitamento fora interrompido. Os roedores do primeiro grupo, como esperado, comeram menos, mas os do segundo seguiram se alimentando -- sinal de que não respondiam ao hormônio. Moura observou ainda outro desequilíbrio hormonal: os ratos desmamados precocemente desenvolveram hipotireoidismo. Eles apresentavam níveis sanguíneos 50% mais baixos do hormônio tireotropina, que ativa a glândula tireoide, produtora de hormônios que estimulam o consumo de energia. Segundo o endocrinologista, o hipotireoidismo pode ser consequência da resistência à leptina. Como a leptina age numa região do cérebro chamada hipotálamo, que comanda a produção de outros hormônios (entre eles a tireotropina), a insensibilidade à leptina pode afetar o funcionamento da tireoide. ``Aparentemente essa alteração hormonal e metabólica é um fenômeno de programação epigenética [alteração no funcionamento dos genes]'', diz Moura. Mas ainda é preciso comprovar. Enquanto não se descobre o que dispara essas alterações e como as controlar de modo eficiente, o melhor é prevenir o problema por meio do aleitamento exclusivo por ao menos seis meses. Em Recife, a equipe da pediatra Sonia Coutinho mostrou que é possível estimular as mães a amamentarem por mais tempo adotando ações baratas, como o treinamento de profissionais da saúde, em especial os agentes comunitários do Programa de Saúde da Família, para orientá-las (ver Pesquisa FAPESP nº 119). Na Universidade de São Paulo, uma equipe do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) tem uma proposta mais ousada, que não previne as alterações metabólicas associadas ao desmame precoce, mas pode amenizar os problemas de saúde por elas provocados. A sugestão é melhorar a dieta do brasileiro incentivando o consumo de frutas, verduras e legumes, que atualmente é inferior a um quarto do recomendado. Uma das razões do baixo consumo é o preço elevado. Rafael Claro, do Nupens, calculou quanto custaria para as pessoas consumir a quantidade indicada desses alimentos, que deveria corresponder a 12% do total de calorias ingeridas. Como resultado, a dieta ficaria 30% mais cara. Mas, com redução no preço, mesmo os mais pobres poriam mais vegetais no prato. Em 2007, durante alguns meses, a equipe do Nupens montou no Grajaú, um dos bairros mais pobres da cidade de São Paulo, um ponto que vendia frutas e hortaliças por um preço subsidiado. Como se imaginava, o consumo desses produtos aumentou. ``O custo desses alimentos é uma barreira importante ao consumo'', afirma Claro. Como saída, ele propõe que o Estado reduza os impostos sobre esses alimentos e sobretaxe os ultraprocessados, que contêm conservantes, corantes e estabilizantes, além de mais açúcar, gordura e sal. ``O dinheiro que o Estado deixaria de recolher'', diz, ``seria economizado com a redução em tratamentos de saúde''. Puberdade antecipada Ação do hormônio leptina em região do hipotálamo desencadeia o amadurecimento sexual A neurocientista brasileira Carol Elias deu um passo para desvendar um fenômeno que alarma os médicos norte-americanos: a antecipação da puberdade feminina. Carol e equipe identificaram a região cerebral em que o hormônio leptina age e desperta o amadurecimento sexual. É o núcleo pré-mamilar ventral. Anos atrás surgiram pistas de que a leptina, secretada por células de gordura e conhecida por reduzir a fome, induzia o desenvolvimento dos órgãos sexuais e a fertilidade. Sem leptina, camundongos e seres humanos não passavam pelas transformações fisiológicas que preparam o corpo para procriar. Quando esteve na Universidade Harvard, Carol, hoje pesquisadora da Universidade do Texas, ajudou a identificar as regiões cerebrais que produzem receptores de leptina, proteínas às quais o hormônio se liga e estimula o funcionamento dos neurônios. Entre as regiões do hipotálamo que expressam esses receptores, chamou a atenção o núcleo pré-mamilar ventral (NPV), grupo de células que se conecta a uma área cerebral que produz hormônios sexuais. Mas comprovar que a ação da leptina no NPV induzia a puberdade demorou. Convidada a integrar a equipe de Joel Elmquist no Texas, Carol e os pesquisadores José Donato Júnior, Roberta Cravo e Renata Frazão desenvolveram camundongos geneticamente alterados para, em certas condições, produzir receptor de leptina só nesse núcleo. Segundo artigo publicado em dezembro no Journal of Clinical Investigation, fêmeas inférteis entraram na puberdade com o estímulo da produção desse receptor no NPV. Há uma explicação: os neurônios desse núcleo acionam células secretoras do hormônio liberador de gonadotrofinas que, por sua vez, ativa a liberação de hormônios sexuais. Esse efeito ajuda a entender por que há mais meninas com 7 e 8 anos de idade na puberdade nos Estados Unidos. ``É possível que as taxas mais elevadas de leptina nas crianças obesas estejam estimulando regiões cerebrais que normalmente só seriam ativadas mais tarde'', diz Carol. > Artigos científicos 1. VICTORA, C.G.; et al. Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. Lancet. v. 371(9.609), p. 340-57. 26 jan. 2008. 2. DE MOURA, E.G. et al. Maternal prolactin inhibition during lactation programs for metabolic syndrome in adult progeny. Journal of Physiology. v. 587(20), p. 4.919-29. 15 out. 2009. 3. OLIVEIRA, L. S. et al. Early weaning programs rats to have a dietary preference for fat and palatable foods in adulthood. Behavioural Processes. No prelo.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Política de C & T > Bioprospecção Emaranhado burocrático Multas acirram divergências entre pesquisadores e autoridades ambientais sobre lei antibiopirataria Fabrício Marques O ano de 2011 promete um novo round no estranhamento entre cientistas e ambientalistas causado pela rigidez da legislação sobre biopirataria que, criada para evitar o desvio das riquezas da biodiversidade brasileira, vem trazendo sérios problemas para várias linhas de pesquisa no país. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) definiu uma nova estratégia para avaliar pedidos de licença de pesquisadores interessados em coletar e estudar espécies. De um lado, promete diminuir as exigências burocráticas -- permitindo que licenças mais amplas sejam concedidas e que vários órgãos além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como a Anvisa e o Ministério da Agricultura, possam oferecê-las. A má notícia é que o MMA também ensaia uma ofensiva contra infratores -- e os pesquisadores que, nos últimos tempos, levaram adiante seus estudos sem seguir a legislação à risca têm motivos para se preocupar. ``Até agora punimos quem descumpriu a legislação mas havia nos procurado para regularizar sua situação. Daqui por diante vamos atrás de quem não se deu ao trabalho de pedir licenças e as penas serão muito mais severas'', avisa Braulio Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA. A disposição do MMA deverá atiçar a percepção de vulnerabilidade dos pesquisadores, que se torna mais aguda sempre que é anunciada alguma nova punição -- a última delas ocorreu em novembro com a autuação, em R$ 21 milhões, da empresa de cosméticos Natura por uso da biodiversidade sem autorização. ``Com a multa da Natura, a comunidade acadêmica de pesquisa com acesso ao patrimônio genético ficou extremamente apreen­siva. Se a Natura, que é uma empresa, e teria tudo a perder por cometer uma infração judicial, foi autuada, imaginem os pesquisadores'', diz Roberto Berlinck, professor do Instituto de Química de São Carlos da USP. Berlinck acompanha os efeitos da legislação desde que ela foi criada, como medida provisória, em junho de 2000, e estabeleceu regras de acesso ao patrimônio genético existente no país, ao conhecimento tradicional associado a ele e à repartição dos benefícios resultantes de sua exploração. Logo após a publicação da MP, 10 anos atrás, Berlinck entrou com um pedido de autorização de coleta em diferentes locais. ``Minha solicitação levou sete anos para ser atendida. Claro que é necessário haver uma legislação que combata a biopirataria, mas ela não pode ser um obstáculo para o trabalho dos cientistas'', diz ele, que, no entanto, vem observando melhoras nos últimos tempos. O principal avanço foi a possibilidade de os pesquisadores pedirem a licença não somente ao Ibama, mas atualmente também ao CNPq, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. ``Agora a licença sai rapidamente, mas só permite que se façam coletas para estudos básicos. Se houver alguma possibilidade de aplicação comercial, o pedido tem uma tramitação muito mais detalhada e longa, uma vez que inclui a possibilidade de se solicitar patentes'', afirma Berlinck. Ciclo de vida -- No caso da Natura, a punição ocorreu porque a empresa não quis esperar os trâmites demorados do MMA. Pela regra atual, qualquer acesso a espécies da fauna e da flora brasileiras para pesquisa depende de uma autorização prévia do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), colegiado vinculado ao MMA e criado também por uma medida provisória, essa de agosto de 2001. Para um produto ser colocado no mercado, é necessária a permissão do chamado provedor (seja o governo ou uma comunidade tradicional ou indígena) e um contrato de repartição de benefícios, que é a compensação econômica do detentor da biodiversidade. A Natura diz que 100% de seus produtos têm repartição de benefícios, mas reclama que não pode esperar dois anos por uma autorização de pesquisa do CGEN. ``Dois anos é o ciclo de vida de um produto no mercado'', disse Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos e relações governamentais da Natura. ``A empresa foi pioneira no Brasil em acordos de repartição de benefícios com comunidades tradicionais. Também possui a maioria dos pedidos de autorização de acesso à biodiversidade no Brasil, sendo responsável por 68% das solicitações ao órgão regulador'', afirma. Pesquisadores também receberam autuações por descumprirem a legislação enquanto tentavam levar adiante seus estudos. Em 2006, o professor Massuo Kato, do Instituto de Química da USP, foi abordado por fiscais do Ibama no Aeroporto de Belém e não pôde embarcar para São Paulo, por transportar partes aéreas secas (folhas e ramos finos) de espécimes de Piper e Peperomia, coletadas na Floresta Nacional de Caxiuanã. O material havia sido coletado legalmente por uma botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi e se imaginou que a licença para coletá-lo permitia também o seu transporte. Kato prepara-se para pedir novas licenças e está fazendo de tudo para seguir a legislação à risca. ``Estamos tentando interpretar corretamente as normas para que nossas solicitações de licença para coletas sejam enviadas ao CNPq e ao Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, o Sisbio'', diz. ``De uma forma geral, o processo foi simplificado e, para várias atividades que envolvem somente pesquisas básicas, não há necessidade sequer de licenças'', afirma. ``Por outro lado, até hoje o Sisbio ainda não conseguiu regularizar o recebimento de relatórios de licenças concedidas e com vencimento expirado'', complementa. A exigência de várias licenças e a demora em obtê-las tornam inviáveis a pesquisa, diz a professora Maria Fatima das Graças Fernandes da Silva, do Laboratório de Produtos Naturais da Universidade Federal de São Carlos. Ela cita um estudo de que vem participando para combater pragas de madeiras nobres, como cedro e mogno, no norte do país. ``Introduziu-se o mogno-africano, que é resistente a um inseto que ataca o mogno da região, mas ele agora vem sendo atacado por um fungo. Precisávamos trazer para São Paulo o material doente e o fungo, mas isso no aeroporto não passa'', exemplifica. A falta de uma licença do Ibama para transportar o material é o problema. ``Os funcionários do Ibama são sempre atenciosos, mas há um problema burocrático que parece insolúvel. Temos lutado contra isso na Sociedade Brasileira de Química (SBQ) há um bom tempo. Já mandamos cartas, votamos moções em congressos, mas pouca coisa mudou. A licença do CNPq facilitou um pouco, mas há sempre questionamentos e nem sempre é possível deslocar-se com vegetal e inseto de uma região para outra'', afirma. O medo da punição é um detalhe secundário quando se avalia o prejuízo que a legislação vem impondo à pesquisa sobre a biodiversidade no país. Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), chama atenção para um paradoxo: ao criar dificuldades para a pesquisa básica que se faz nas universidades e institutos de pesquisa, a legislação está impedindo que se estude em profundidade o universo micromolecular e que posteriormente se descubra se algumas substâncias da biodiversidade podem ter valor real. ``A falta de conhecimento mais profundo sobre biologia, química e farmacologia de alguns ambientalistas e fiscais induz a análises simplistas sobre a biodiversidade, e a impressão que se tem é que as plantas dos biomas brasileiros são fontes milionárias -- folhas representam dólares!'', diz Vanderlan. ``Em seu estado fundamental, a biodiversidade não tem o valor que lhe é atribuido. A natureza é uma fonte inesgotável de formas de vida, levou muitos anos de evolução, regulação, adaptação, mas não dá nada de mão beijada a ninguém. Nós é que temos que entendê-la, estudá-la em todos os aspectos para que possamos descobrir seu funcionamento e o que ela pode oferecer, ou o que podemos copiar desta riqueza'', afirma a professora, que coordena o Bioprospecta, iniciativa de procura de novas moléculas da natureza que tenham interesse econômico no âmbito do programa Biota-FAPESP. ''Sobrestado'' -- Vanderlan coordenou um projeto temático financiado pela FAPESP, com 40 cientistas envolvidos, voltado para a busca e o estudo de moléculas com potencial farmacológico entre espécies do cerrado e da mata atlântica. O projeto começou em 2005 e se encerrou em 2009 sem que a pesquisadora obtivesse licença para estudar as plantas de que precisa. O processo foi ``sobrestado'' (interrompido) porque o CGEN julgou não dispor de procedimentos internos capazes de avaliar e conceder a autorização. Ainda assim, foram aplicadas multas vultosas, na casa dos milhões de reais, devido a uma confusão. ``Houve um mal-entendido. O Ibama considerou que o grupo havia enviado patrimônio genético para o exterior quando o que ocorreu, na verdade, foi um depósito de patente via Tratado de Cooperação de Matérias de Patentes (PCT, na sigla em inglês), em que foi dado prosseguimento em fases nacionais em determinados países'', diz Leopoldo Zuaneti, assessor jurídico da Agência Unesp de Inovação. ``Estamos elaborando um recurso administrativo e tentando uma aproximação maior com os órgãos responsáveis pela matéria para a regularização do processo'', afirma. Vanderlan Bolzani defende a existência de uma legislação ou mecanismo que proteja as riquezas naturais do país. ``Não é à toa que me empenhei muito para obter licença no CGEN, seguindo todo o protocolo. Antes de cientista sou cidadã e como tal não posso agir fora da legalidade'', afirma. ``Não coletamos nada desde 2005 devido a um despacho emitido pelo CGEN, não nos dando a licença que pleiteávamos ansiosos, mas nos informando de que o processo estava `sobrestado'. É difícil de entender! A lei não se aplica? Juridicamente, não deveríamos ser multados se desde então nunca nos foi enviado qualquer documento acusando irregularidade na solicitação. Estamos formando recursos humanos na área e produzindo pesquisa que elevam o patamar científico do país nos índices internacionais, usando os extratos de plantas coletadas na primeira fase do Biota. Fomos, aliás, um grupo pioneiro neste programa da FAPESP, hoje um modelo bem-sucedido de pesquisa organizada sobre a biodiversidade'', conta. Em 2007, Vanderlan foi convidada pela American Chemical Society para ministrar conferência num congresso internacional na cidade norte-americana de Las Vegas, onde relatou os problemas de coleta enfrentados pelos pesquisadores brasileiros que atuam em produtos naturais e farmacologia. ``Um dos pesquisadores que coordenavam o evento enfatizou: professora, venha coletar na América. Nós não proibimos pesquisadores de fazer ciência aqui'', disse. Segundo a professora, há uma certa dificuldade do CGEN de lidar com projetos diagnosticados como ``bioprospecção''. ``Ultimamente tenho refletido muito sobre o estresse que tem sido fazer pesquisa em química de produtos naturais e se vale a pena! Penso muito se em meu próximo projeto vou usar esse termo, que é malcompreendido e tem trazido tantos problemas. O fato de uma pesquisa vislumbrar algum potencial econômico não significa que esse potencial econômico será alcançado. Isso é imprevisível e não faz sentido bloquear qualquer pesquisa que trate da busca de modelos ou protótipos de fármacos, cosméticos, agroquímicos, suplementos alimentares'', afirma. Um caminho, diz Vanderlan, seria expandir o modelo de licença do CNPq, que ela ajudou a testar, como convidada do conselho. ``Na época elogiei muito e achei que foi um enorme avanço que poderia ser ampliado para agilizar as licenças para pesquisas com potencial comercial e assegurar que, se adiante surgir uma patente, as partes interessadas tratariam de discutir a repartição de benefícios.'' Vanderlan enfatiza que o Brasil tem uma vocação natural para pesquisa em produtos naturais e que existe um número enorme de pesquisadores atuan­do sem se dar conta de que está ilegal. ``Muita gente continua a fazer pesquisa sem perceber que está vulnerável'', afirma a professora. ``No Ano Internacional da Biodiversidade, durante a Conferência das Partes, ocorrida em Nagoya, o mundo comemorou avanços substanciais, incluindo a comitiva brasileira, tida como forte negociadora do acordo. Enquanto Nagoya era exemplo de avanço político, a avalanche de multas emitidas pelo Ibama para empresas nacionais que geram emprego e riqueza e para instituições públicas que desenvolvem pesquisa de alto nível, e com verba pública, não dá motivo para comemorar'', diz. Coleção -- A Extracta Moléculas Naturais, empresa especializada em exploração da biodiversidade sediada no Rio de Janeiro, também se ressente da burocracia. Em 2004, a empresa obteve do CGEN uma licença para constituir uma coleção de extratos com finalidades comerciais, que vem sendo renovada a cada dois anos. Na prática, essa coleção já estava pronta, pois a empresa começou a criá-la em 1999, antes das medidas provisórias. A licença obtida, contudo, não permite que a extratoteca, hoje com 30 mil substâncias potencialmente ativas, possa ser utilizada pela própria Extracta para pesquisar e desenvolver produtos. ``A regulação vigente exige que cada projeto seja registrado no CGEN e isso é um processo de pelo menos 11 meses, antes que se possa iniciar a bioprospecção do banco'', afirma Antonio Paes de Carvalho, presidente da empresa e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ``Enquanto isso, a Extracta obteve apoio da Finep e da Faperj para dois projetos de inovação, com potencial de realização econômica e parcerias industriais. Ambos os projetos foram registrados no CGEN. Recentemente fomos informados de que devem seguir o ritual de 11 meses. Deve haver algum problema de informação, pois seguir a instrução ao pé da letra seria um malefício para a possibilidade de utilizar nossa biodiversidade na inovação de fármacos no Brasil'', diz Carvalho. Bois de piranha -- Em 1999, a Extracta celebrou um contrato com a multinacional farmacêutica GlaxoSmithKline, prevendo atividades de coleta para formação da extratoteca, transferência de tecnologia, investimentos na infraestrutura de triagem robótica de alta velocidade, além de bioprospecção da coleção para isolar pelo menos 10 moléculas capazes de atingir alvos de interesse da pesquisa em saúde humana. ``Na época, foi o maior contrato de terceirização tecnológica de uma grande empresa farmacêutica no hemisfério Sul e chegou a ser noticiado na revista Nature. E tudo foi feito respeitando a Convenção da Diversidade Biológica de 1992'', lembra Carvalho. Com as medidas provisórias de 2000 e 2001, o trabalho da Extracta retraiu-se e a Glaxo optou por não renovar o contrato. ``O marco regulatório gerou uma fuga do empresariado internacional da arena da bioprospecção e do aproveitamento de nossa biodiversidade'', diz. Braulio Dias, o secretário de Biodiversidade e Florestas, afirma que a legislação veio para ficar. ``Quem apostar que voltaremos à situação anterior sairá perdendo'', ele diz. ``O mundo muda, a sociedade é dinâmica e as expectativas da sociedade se refletem no marco legal. Há 100 anos, por exemplo, não havia pedidos de patente no Brasil. Qualquer um se apropriava do conhecimento gerado pelos outros. E havia quem achasse que isso era bom. A patente surgiu como um incentivo para a empresa ter garantias e houve a necessidade de se adequar à nova realidade.'' Segundo ele, a questão de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios é parecida. ``A Constituição reconhece os direitos indígenas, dos quilombolas. E a Convenção da Diversidade Biológica apontou a necessidade de assegurar repartição de benefícios. Respeitar esses direitos é importante do ponto de vista ético e ambiental. Se não valorizar a floresta, ela não vai permanecer de pé'', afirma. O secretário admite, porém, a procedência de críticas dos pesquisadores e diz que será feita uma revisão dos procedimentos internos do CGEN para agilizar a concessão de licenças. ``Na fase inicial, as autorizações para uso comercial eram mais demoradas. Tivemos uma curva de aprendizado e, na verdade, ainda não saímos dessa curva. Os primeiros pedidos sofreram mais, foram bois de piranha'', afirma. Uma das frentes que o ministério pretende atuar é o da concessão de autorizações especiais, extensivas a todos os pesquisadores de uma instituição. ``Hoje esse tipo de autorização já é possível e a intenção é aperfeiçoar e desburocratizar a avaliação'', diz Dias. O secretário também concorda com uma crítica contumaz à legislação, que é de exercer controle e estabelecer penas, mas não criar instrumentos de incentivo à pesquisa. ``Temos de ampliar os esforços de pesquisa. O governo começou a fazer isso, ao lançar programas como o PPBio e o Sisbiota, mas não é suficiente'', diz. O secretário referiu-se ao Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), criado pelo MCT para dar suporte a coleções e a inventários biológicos e financiar projetos em manejo sustentável da biodiversidade e bioprospecção, e ao Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (Sisbiota), rede de pesquisa com a finalidade de aumentar o conhecimento sobre a biodiversidade, lançado com recursos do governo federal e de 18 fundações estaduais de amparo à pesquisa, entre as quais a FAPESP. ``A ação do Ibama é um paradoxo. É o governo autuando o governo. Sem tornar o sistema de registro eficiente, as ambições do PPBio e do Sisbiota poderão ficar comprometidas'', diz Vanderlan Bolzani. Marco definitivo -- Ainda que a legislação tenha vindo para ficar, Braulio Dias afirma que ela precisa ser aperfeiçoada. ``Medida provisória é legislação de urgência. É preciso votar um marco definitivo'', afirma. Essa tarefa não será fácil nem mesmo dentro do governo federal. Em 1995, a senadora Marina Silva apresentou um primeiro projeto de lei sobre recursos genéticos e o Congresso iniciou um debate sobre o assunto. A discussão acabou atropelada pela edição das medidas provisórias de 2000 e 2001, mas em 2004 o CGEN encaminhou à Presidência da República um anteprojeto para regular o assunto. As divergências entre o Ministério do Meio Ambiente e as pastas da Ciência e Tecnologia, Agricultura, Defesa e Relações Exteriores levaram o projeto à gaveta. Para Braulio Dias, a aprovação do Protocolo de Nagoya (ver Pesquisa FAPESP nº 178) traz boas perspectivas para a mudança da legislação brasileira. ``Não será necessário tanto controle para ver se o material saiu ilegalmente do Brasil, pois os países que receberem esse material terão legislações restritivas também'', afirma. Os pesquisadores preferem não esperar, pois serão necessários ao menos dois anos para que o acordo de Nagoya comece a vigorar. ``É necessária uma grande mobilização de pesquisadores, instituições de ensino e pesquisa e agências de fomento para discutirmos com o CGEN uma mudança radical na legislação'', afirma Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas e coordenador do programa Biota-FAPESP.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Política de C & T > Conferência de Cancún Queda de braço multilateral Combate à mudança do clima avança no México, mas acordo mais global fica em suspenso Maria Guimarães * Durante a tarde da sexta-feira dia 10 de dezembro em Cancún, no México, a atmosfera era de desânimo. Último dia da 16ª Conferência das Partes sobre mudanças do clima, a COP-16, tudo levava a crer que não seria possível um acordo, sobretudo devido à resistência da Bolívia e da Venezuela. O jogo começou a virar às 18 horas, quando a chanceler mexicana Patricia Espinosa, presidente da conferência, apresentou os documentos elaborados sobre o Protocolo de Kyoto e as ações de cooperação de longo prazo (LCA) e não permitiu discussões na plenária do prédio Azteca, sede de parte das reuniões. Ao adiar a sessão por duas horas para que o trabalho se desse em grupos menores, foi aplaudida por vários minutos pela maior parte dos delegados dos cerca de 190 países presentes. Um ano antes, na COP-15 em Copenhague, foi nesse momento que a conferência desmoronou em discordâncias incendiadas. ``Nos 11 anos em que venho participando das negociações ligadas ao clima, nunca tinha visto um apoio em massa como a mexicana teve'', diz a estatística Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Foi o sinal para uma mudança de ânimos e para um esforço final de trabalho no texto que seria aprovado -- ainda sem o aval da Bolívia -- cerca de 10 horas depois. Pouco antes da chegada da mexicana, Thelma, como parte da equipe técnica da delegação brasileira, se preocupava com discordâncias de alguns países sobre as propostas em relação às emissões decorrentes de queimadas de florestas e mudanças no uso da terra. ``Depois de Copenhague, em que não se conseguiu um acordo, precisávamos sair de Cancún com algum resultado'', comentou depois da conferência. O texto aprovado, mesmo que ainda distante dos anseios gerais, é fonte de alívio. ``Saí confiante de que o processo está vivo.'' Consciente de que é melhor construir resultados ao longo do tempo, a pesquisadora do Inpe comemora a aprovação do texto sobre Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação, o REDD+, que destina fundos para que países compensem emissões com projetos de redução de desmatamento. O processo da conferência é comparável ao futebol, diz Paulo Gustavo Prado, diretor de Política Ambiental da organização não governamental (ONG) Conservação Internacional (CI) do Brasil, integrante técnico da delegação brasileira na COP. ``É como uma final de campeonato cujo placar se mantém em 2 a 2 até os 45 minutos do segundo tempo'', compara. ``Nas últimas oito horas de uma conferência, que correspondem aos pênaltis, é que a vontade política fala mais alto, abandonando diferenças menores.'' A delegação boliviana protestou até o final, mas num desfecho coerente com a transparência e firmeza com que conduziu as duas semanas de reunião, Patricia Espinosa declarou que um único país não deveria impedir avanços, mesmo que modestos. Na falta do apoio de outros países, a bola afinal entrou: gol para o combate às mudanças do clima por meio do REDD+. Um dos avanços importantes é o estabelecimento do Fundo Verde, que contará, até 2020, com US$ 100 bilhões anuais para financiar projetos de redução de emissões, adaptação e transferência de tecnologia com o objetivo de ajudar os países menos desenvolvidos a se adaptarem às já inevitáveis mudanças do clima. Ainda não está definido quanto cada país desenvolvido contribuirá nem quais serão contemplados. Para Paulo Prado, o Brasil está numa posição privilegiada, uma vez que pode (e deve) avançar no processo de redução do desmatamento e das emissões decorrentes da mudança do uso da terra. ``Temos a capacidade científica e condições de orçamento interno.'' Prado acredita que o Brasil está bem encaminhado na direção correta, já que as metas assumidas pelo governo -- reduzir, até 2020, o desmatamento da Amazônia em 80% e do cerrado em 40% -- devem ser atingidas quatro anos antes do esperado, de acordo com previsões do Ministério da Ciência e Tecnologia. É um ponto importante, afinal entre 1990 e 2005 61% das emissões de carbono do Brasil se deveram a desmatamento de floresta tropical. O especialista da CI afirma que o país tem boas condições para trabalhar nos três pilares do acordo -- mitigação, adaptação e redução de emissões -- controlando emissões enquanto promove um crescimento apoiado em bases sustentáveis. Ambientalismo lucrativo -- ``Não se trata de amor cego pela natureza'', afirma Prado deixando o romantismo de lado. ``A mitigação e a adaptação em relação ao clima envolvem forte interesse social e econômico.'' E haverá lucros e oportunidades na transferência de tecnologia para os planos de adequação dos países com economias emergentes. Essa transferência de fundos já acontece, mas não o suficiente, como afirmou o presidente da Guiana, Bharrat Jagdeo, em evento sobre REDD+ paralelo à COP-16. Seu país tomou a dianteira numa economia baseada em valorizar a floresta, mesmo que signifique um crescimento econômico mais lento. Mas a estratégia só pode funcionar se o financiamento se tornar mais eficiente. ``Mostramos que atingimos nossas metas, mas isso não significa que receberemos os fundos'', protestou. Países que não têm a riqueza de florestas também podem entrar no processo se concentrando em desenvolver novas fontes de energia, segundo o meteorologista kuwaitiano Essa Ramadan, pesquisador do Instituto de Meteorologia do Kuwait e integrante técnico da delegação de seu país. ``É preciso que nos tornemos verdes'', afirma o pesquisador. É possível, acredita, desde que os políticos e os homens de negócios ouçam o que a ciência tem a oferecer. Esse tipo de visão não é problema nem mesmo para um país cuja economia se baseia no petróleo. ``Há muitas coisas para se fazer com petróleo além de queimá-lo'', lembra Ramadan. Ele defende que se invista em usos alternativos, além de mudar a matriz energética para solar e eólica. No Kuwait, assim como em muitos outros países, as mudanças do clima já se fazem sentir. O meteorologista informa que, até os anos 1980, o ressequido país recebia em média 125 milímetros anuais de chuva. Depois disso os índices foram caindo e hoje a média está em 115 milímetros por ano. Uma mudança perigosa para uma região de água já tão escassa. ``No inverno chegamos a zero grau Celsius (°C), mas no verão muitas vezes a temperatura vai aos 49°C'', conta. ``Em 2010 tivemos uma sequência de quase um mês com essa temperatura.'' Com isso aumenta a incidência de tempestades de pó que chegam a altitudes e distâncias suficientes para danificar aviões em voo sobre a Europa, e os problemas de saúde se multiplicam. ``É difícil fazer projeções de mudanças no clima, são muitos os fatores envolvidos'', comentou, no ônibus para o centro da conferência, depois de traçar com o dedo, sobre a tela de um iPad, uma série de curvas fictícias de emissões de gás carbônico até o ano 2050. Conforme a projeção ali improvisada, o programa lhe dava quantos graus o mundo estará mais quente, em média. Segundo o aplicativo que se prestava a testar, o resultado era quase sempre mais de 2°C, o máximo almejado por quem teme as consequências do aquecimento, a não ser que fosse bem ousado nas reduções. ``É pouco realista'', lamentou. Na busca por reduzir emissões, já em Copenhagen ficou definido que os países deveriam produzir inventários de quanto lançam na atmosfera. A ideia ficou reforçada agora, mas de acordo com Thelma Krug, que colabora com a produção do relatório brasileiro junto com uma equipe do Ministério da Ciên­cia e Tecnologia, ainda não está claro quem vai pagar pela sua elaboração nos países em desenvolvimento. Agora se busca reduzir o prazo para a produção de inventários, talvez a cada dois anos. O Brasil entregou em Cancún o documento sobre emissões entre 1994 e 2002, com estimativas até 2005. Segundo a pesquisadora do Inpe, em breve o país será capaz de gerar informações mais detalhadas, com base em dados do Inpe, do Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Estatística (IBGE) e outras instituições. ``O Brasil está assumindo de forma doméstica um compromisso maior do que o exigido e faz avaliações mais rigorosas até do que muitos países desenvolvidos'', afirma. Vitória apertada -- Mas a regulamentação internacional avança devagar. O acordo obtido na madrugada do dia 11 de dezembro foi fraco no que toca à limitação de emissões, avalia o diplomata Sergio Serra, até dezembro embaixador extraordinário para a mudança do clima. ``Isso já se sabia, agora não há condições para metas mais ambiciosas, como as preconizadas pelo IPCC, devido ao momento político nos Estados Unidos e à crise econômica na Europa'', afirma o diplomata cujo crachá pendia, em Cancún, de um cordão que dizia ``Kyoto: just do it'', e que media o quanto andava pela conferência com ajuda de um aparelhinho preso ao cinto, parte de uma campanha da ONG Greenpeace que preconiza que se caminhe mais e se fale menos. Ele prevê ainda que um acordo assim ainda não está no horizonte próximo, visto que 2011 é ano pré-eleitoral nos Estados Unidos e sem a sua adesão outras grandes potências continuarão hesitando em assumir grandes compromissos. ``Falar de mudança do clima, lá, é como falar de aborto ou de maconha, há muitos interesses em jogo.'' Avançou-se, portanto, o quanto era possível dentro da conjuntura internacional. Mesmo assim, para o embaixador a saída está no contexto da Organização das Nações Unidas, a ONU. Por isso, a recuperação da confiança no processo multilateral, desacreditado em Copenhague, é justamente, para ele, a grande conquista da COP-16. Neste ano devem acontecer pelo menos três grandes reuniões em preparação para a COP-17 em Durban, na África do Sul. Para o climatologista do Inpe Carlos Nobre, coordenador do Programa FAPESP sobre Mudanças Climáticas Globais, ainda não é hora de comemorar. Ele atribui o otimismo pós-Cancún à baixa expectativa que havia em relação aos resultados da conferência. ``Mas uma somatória de microprogressos não equivale necessariamente a um macroprogresso'', alerta. Para ele, avanços incrementais não são suficientes para se evitar as consequências das mudanças climáticas. ``É necessária uma mudança paradigmática, que só pode ser atingida por um grande acordo global'', afirma. O estabelecimento do Fundo Verde é um avanço, mas não além do que se esperava. É preciso também mudar com urgência a matriz energética e entrar para valer na economia de baixo carbono. Até 2020, US$ 100 bilhões podem estar longe de ser suficientes. ``O Fundo Verde é uma proporção da nossa inação; se não houver mitigação, os custos se tornarão proibitivos na escala mundial'', diz Nobre. E mesmo que metas sejam cumpridas, em 2020 o mundo terá um enorme excesso de emissões em relação ao que seria necessário, ideal­mente abaixo dos níveis de 1990. Ele alerta que o clima muda mais depressa do que as negociações, mas concorda com Sergio Serra num ponto: avanços reais só podem vir de um grande acordo multilateral. Vale lembrar que o jogo só termina no apito final. (*) Maria Guimarães viajou para Cancún a convite da Conservação Internacional (mais informações na página 27).
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Política de C & T > Internacionalização Interesse em diversidade Grupo da Unesp em Rio Claro é referência para biólogos estrangeiros Fabrício Marques O laboratório do zoólogo Célio Fernando Baptista Haddad, professor do Instituto de Biociências de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp), tornou-se referência para pesquisadores de várias nacionalidades interessados em participar de estudos sobre a biodiversidade brasileira. Nos últimos tempos, ele recebeu estudantes e pesquisadores dos Estados Unidos, Alemanha, Argentina e Portugal, apenas para citar alguns exemplos. “Minha rede de colaboradores internacionais começou a crescer depois que passei um período sabático na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1997”, diz Haddad, que é membro da coordenação do Programa Biota-FAPESP. “O Brasil, como país megadiverso, é uma plataforma de pesquisa importante. E meu grupo foi se tornando um interlocutor de vários pesquisadores estrangeiros. Eu praticamente não tenho tido trabalho de procurá-los, pois muita gente me procura”, afirma. A trajetória acadêmica de Haddad credenciou-o a fazer as parcerias. O foco principal de sua pesquisa são os anuros, ordem de animais que inclui sapos, rãs e pererecas, cuja taxonomia e comportamento serviram de mote para uma extensa produção acadêmica, que já reúne mais de 100 trabalhos em revistas indexadas, com 1.675 citações associadas. Sua coleção científica, a terceira maior do Brasil, tem cerca de 30 mil exemplares e 700 espécies de anfíbios. Ele próprio já descreveu mais de 30 espécies de sapos, rãs e pererecas, mais do que as que existem no Canadá. A mata atlântica abriga grande abundância de anuros, com os mais diversos tamanhos, cores e vozes. Essa diversidade envolve dezenas de estratégias reprodutivas, ciclos de vida, composições químicas e estados de conservação. Para estudar essa imensidão, Haddad trabalha com estudantes e colaboradores, que em conjunto buscam desvendar a riqueza natural da floresta brasileira – o pesquisador e sua equipe produziram um CD com amostras do canto de 70 espécies de sapos, rãs e pererecas da mata atlântica. Em 2006, Haddad participou de uma iniciativa internacional que mudou a classificação dos anfíbios: o Amphibian tree of life, publicado em 2006 no boletim do Museu Americano de História Natural. “Havia outro grupo, apoiado pelo NSF americano, que tinha sido contratado para fazer esse trabalho, mas nós publicamos na frente, com apoio da Nasa” diz Haddad. Até recentemente, Célio Haddad abrigava em seu laboratório dois pesquisadores estrangeiros que obtiveram auxílios no programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes da FAPESP: o argentino Julian Faivovich e o português João Alexandrino. Ambos permaneceram em Rio Claro por cerca de quatro anos, seguem vinculados ao programa de pós-graduação da Unesp orientando estudantes, mas trabalham em outras instituições. Alexandrino passou num concurso e se tornou professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Diadema, enquanto Faivovich retornou à Argentina, como pesquisador do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia. “O programa Jovens Pesquisadores é muito importante, pois ampliou nossa capacidade de atrair talentos de fora”, diz Haddad. Lançado em 1995, o programa busca estimular a independência e o amadurecimento de doutores, naquela fase da carreira em que se enfrentam percalços como a falta de vínculo empregatício e as dificuldades materiais para liderar projetos robustos. Nesse programa, um recém-doutor com currículo excelente e capacidade demonstrada para criar um novo grupo de pesquisa num centro emergente pode receber auxílio de valor significativo para seu projeto e, caso não tenha vínculo empregatício com a instituição na qual desenvolve suas atividades, também uma bolsa com duração máxima de quatro anos, além de uma soma anual destinada ao financiamento de viagens para participação em eventos e atividades de intercâmbio com centros no exterior. Filogeografia – Entre 2001 e 2004, João Alexandrino fizera um estágio de pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, Berkeley. “Na Califórnia, me sugeriram que viesse para o Brasil, onde poderia desenvolver um trabalho original, e que procurasse o Célio Haddad”, diz Alexandrino, cuja especialidade é a filogeografia, o estudo geográfico da diversidade genética, que permite inferir a história das populações no tempo e no espaço. “Havia, na época, poucos trabalhos usando ferramentas moleculares em estudos sobre a diversificação da biodiversidade”, afirma. Haddad gostou do perfil do biólogo português e viu no interesse do pesquisador a oportunidade de reforçar seu grupo nesse campo do conhecimento. Alexandrino foi para Rio Claro estudar padrões filogeográficos de seis espécies de anuros com ampla ocorrência na mata atlântica. Ele passou o primeiro ano com uma bolsa da União Europeia e obteve em 2005 o apoio da FAPESP. “Fiquei admiradíssimo com o programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. Uma das razões de ter deixado os Estados Unidos foi justamente a impossibilidade de ser responsável por um projeto. E o que me ofereceram aqui era exatamente a chance de liderar um projeto. Consegui nuclear um pequeno grupo de pesquisa que contribuiu para a formação de alunos de mestrado e de doutorado”, diz. Para Alexandrino, a internacionalização da pesquisa brasileira está tomando contornos semelhantes aos que ele testemunhou em Portugal, com a integração do país à União Europeia. “O Célio é extremamente aberto a colaborações internacionais, o que ajuda o grupo a se tornar referência”, afirma. Já Julian Faivovich é especialista em filogenética, que é o estudo das relações evolutivas entre espécies conhecidas, e trabalhava no Museu Americano de História Natural. “Conheci o Julian ainda como aluno de graduação na Argentina e me impressionou a dedicação com a qual ele desenvolvia suas pesquisas já nesta fase. Posteriormente soube do trabalho fora do comum que ele desenvolvia nos Estados Unidos como parte do seu doutorado, o qual terminou em 2005. Ele pensava em voltar para a Argentina, mas sabia do seu interesse em trabalhar no Brasil. Procurei-o e propus que viesse trabalhar comigo. Disse: venha que você vai ter recurso”, diz Haddad, que o aconselhou a solicitar o auxílio ao programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. O doutoramento de Faivovich na Columbia University versou sobre a filogenia da família Hylidae, as pererecas, e de um gênero chamado Scinax, que são encontradas do México até a Argentina. “Eu aceitei o convite porque já conhecia o Célio. Tínhamos trabalhado juntos durante minha tese. E, além disso, o Brasil combinava duas circunstâncias únicas: é o país com maior diversidade da família com que mais trabalho, a Hylidae, e tinha também as pessoas que mais conhecem sua taxonomia e biologia”, explica. Ele elogia o programa Jovens Pesquisadores. “É dos melhores que eu conheço e acho muito valioso que a FAPESP mantenha essa iniciativa”, diz. A presença do pesquisador argentino ajudou o grupo de Haddad a tornar mais robusta a pesquisa em filogenia. “Embora o Célio já tivesse muito interesse no assunto, essa linha de pesquisa não estava tão desenvolvida como outras. Agora há vários estudantes com interesse em filogenia, inclusive eu oriento com o Célio dois alunos de lá”, afirma. Temporadas – A teia de colaborações criou situações curiosas. Atualmente, o laboratório de Célio Haddad está recebendo dois estudantes de doutorado, um da Universidade Técnica Braunschweig, na Alemanha, e outra da Universidade do Porto, em Portugal, que passam temporadas anuais em Rio Claro realizando estudos de campo. Os dois doutorandos são brasileiros que procuraram o exterior para aperfei­çoar sua formação, mas acabaram retornando ao Brasil graças ao elo que seus orientadores europeus mantêm com o grupo de Rio Claro. Marcelo Coelho Gehara, de 28 anos, fez mestrado na PUC do Rio Grande do Sul em filogeografia de leões-marinhos. Em 2009 conseguiu uma bolsa de uma fundação católica alemã e foi admitido no programa de doutorado de Braunschweig, sob orientação do biólogo Miguel Vences. “O Miguel e o Célio se conhecem e, como queria trabalhar com anfíbios, a aproximação foi natural”, diz Gehara, que pretende seguir fazendo pesquisa na Europa depois que concluir o doutoramento. Em Rio Claro, ele trabalha no mesmo ambiente de Tuliana Oliveira Brunes, bióloga graduada pela Universidade Católica de Goiás, que desde 2006 se transferiu para a Universidade do Porto, onde concluiu mestrado em 2009 com um estudo da diversificação de um complexo de anuros, orientada por João Alexandrino, no Brasil, e por Fernando Sequeira, em Portugal. Atualmente está fazendo doutorado, com bolsa de uma fundação vinculada à Universidade do Porto. “Como queria estudar anfíbios endêmicos da mata atlântica, parte de minha pesquisa é feita no Brasil”, afirma Tuliana, que planeja retornar ao país quando concluir o doutoramento. Fernando Sequeira, que trabalha na Universidade do Porto, faz pós-doutorado sob a supervisão de Haddad. Haddad também mantém colaborações produtivas com duas pesquisadoras dos Estados Unidos. Kelly Zamudio, pesquisadora do Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade Cornell, frequentemente passa temporadas no Brasil – sua próxima estada deve acontecer em meados de 2011. Um carro utilizado pela equipe de Haddad para fazer estudos de campo foi cedido pela Universidade Cornell, como parte da parceria. Em colaboração com Haddad, Kelly liderou um projeto financiado pela Fundação Nacional de Ciências norte-americana (NSF, na sigla em inglês), em que compara três espécies de anuros com níveis diferentes de especialização ecológica: uma que vive somente em bromélias, outra que circula por qualquer lugar ao longo da mata atlântica e uma terceira que depende de áreas mais úmidas para se reproduzir. O pesquisador também desenvolve um projeto importante com a bióloga brasileira Ana Carolina Carnaval, doutora em biologia evolucionária pela Universidade de Chicago e atualmente pesquisadora da City University de Nova York. “Nós estamos estudando anfíbios de baixada e de altitude para tentar entender como se processou a evolução nestas condições. Este projeto envolve alunos e colegas de outras universidades do Brasil e dos Estados Unidos e já resultou em um artigo na revista Science”, diz Haddad. O estudo, publicado em fevereiro de 2009, utiliza dados coletados por Haddad e explica a alta biodiversidade do sul da Bahia por meio da antiguidade de sua floresta. A vegetação de mata atlântica permaneceu ali, mesmo durante o auge da última era glacial, há 21 mil anos. Esta é a quinta reportagem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo Veja as outras reportagens da série: Atração de talentos A preparação do salto Ambiente multicultural Babel de vidro Interesse em diversidade
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Ciência > Saúde Coração sufocado Responsável por alterações cardíacas, apneia pode ter diagnóstico sanguíneo Maria Guimarães No embalo do sono, quando o corpo relaxa e se prepara para deixar entrar o mundo dos sonhos, de repente o ar não passa pela garganta. Sem consciência disso, o dormidor acorda apenas o suficiente para aspirar uma boa dose de ar. É o que acontece, dezenas de vezes por noite, com quem sofre de apneia obstrutiva do sono. Essa falta de ar intermitente causa uma série de problemas de saúde e, de acordo com o grupo da médica Dalva Poyares, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é responsável por alterações estruturais e funcionais no coração. Os pesquisadores agora buscam reverter esses efeitos e encontrar um marcador diagnóstico barato e eficiente para detectar a apneia obstrutiva do sono, um mal que na capital paulista aflige um terço da população. A pesquisa é parte de um projeto desenvolvido e coordenado pelo médico Sergio Tufik, diretor do Instituto do Sono, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP e referência mundial em distúrbios do sono. ``Quando a pessoa tem apneia, ela faz todo o movimento de respirar, mas o ar não entra'', conta Dalva. O resultado é uma pressão negativa dentro do tórax que reduz o retorno de sangue do pulmão para o lado direito do coração e impede que se encha por inteiro, forçando o átrio esquerdo a se contrair mais. Essa musculação cardíaca altera a estrutura do átrio esquerdo, a ponto de reduzir o volume de sangue bombeado. O efeito não tinha sido detectado até agora porque os estudos anteriores usaram ecocardiografias convencionais, de imagens bidimensionais. ``Esse exame usa parâmetros em duas dimensões para medir as partes do coração'', explica Dalva, ``mas o resultado é pouco preciso porque o órgão tem formas irregulares''. Com a ecocardiografia mais detalhada, em três dimensões, feita pelo médico ecocardiografista Wercules Oliveira, o grupo da Unifesp conseguiu detectar um aumento do átrio que, embora não saia do espectro considerado normal, é típico dos pacientes apneicos. Essa característica pode explicar pelo menos parte dos problemas cardiovasculares comuns em quem sofre dessa dificuldade respiratória noturna. Um átrio esquerdo aumentado já tinha sido apontado pelo estudo Framingham, um projeto norte-americano de epidemiologia cardiovascular, como associado a uma maior incidência de acidentes vasculares cerebrais e indicador de aumento de mortalidade. O estudo da Unifesp, publicado no final de 2009 na Heart, avaliou 56 pacientes com diagnóstico de apneia recente e mostrou que parte do funcionamento do átrio esquerdo pode ser restabelecida com o uso de CPAP, um aparelho acoplado a uma máscara que, durante o sono, lança ar nariz adentro e regulariza a respiração e deve ser usado todas as noites por quem tem apneia. O achado sublinha a participação da apneia no desenvolvimento das dificuldades cardíacas e ressalta a eficácia do CPAP como tratamento não só para amenizar a falta de ar e tornar o sono mais constante e restaurador, mas também para contra-arrestar as consequên­cias da apneia no organismo. O experimento feito no Instituto do Sono limitou o uso do CPAP a 24 semanas, o suficiente para melhorar a capacidade de esvaziamento do átrio esquerdo, mas não para diminuir a força contrativa do átrio e reduzi-lo ao tamanho normal. ``Ainda não sabemos se é possível reverter a mudança de forma, talvez seja preciso ampliar para um ano o uso de CPAP'', diz Dalva. É um avanço, mas uma dificuldade permanece: detectar a apneia do sono. O exame definitivo é a polissonografia, em que o paciente dorme ligado a aparelhos que medem parâmetros como respiração, atividade do cérebro e do coração. Mas muitas pessoas que sofrem de hipertensão, tosse e depressão, por exemplo, acabam consultando médicos de várias especialidades sem que nenhum deles perceba que os problemas estão relacionados à qualidade do sono. Ainda não há um exame simples e barato que possa ser feito por qualquer médico, mas o grupo de Dalva pode estar prestes a sanar essa deficiência. Diagnóstico -- Eles mediram no sangue de 75 pacientes e 75 voluntários saudáveis substâncias ligadas ao estresse oxidativo, uma característica da apneia. Os resultados, publicados este ano na Chest, indicam o aminoácido cisteína como um possível marcador da doença. Quanto mais grave a apneia, mais alta a concentração de cisteína no sangue. ``É a única substância, entre as que examinamos, cujos níveis elevados só estão relacionados à apneia, e não à hipertensão, à obesidade ou a outros fatores comuns nos apneicos'', Dalva afirma. A descoberta se deu um pouco ao acaso. A cisteína é parte do metabolismo da homocisteína, um aminoácido que já se sabia estar ligado a problemas cardiovasculares. ``Mas ninguém presta atenção à cisteína'', conta a bióloga Vânia D'Almeida, também da Unifesp. Ela é uma das autoras do trabalho da Chest e desde 1997 estuda a homocisteína (ver Pesquisa FAPESP nº 60). Alterações nos níveis da cisteína foram uma surpresa no doutorado de Juliana Perry, orientado por Tufik e por Vânia, e publicado em 2007 na Respiratory Physiology & Neurobiology. Num modelo que reproduz a falta de ar intermitente dos apneicos, ratos expostos a uma baixa concentração de oxigênio -- com 10% de oxigênio em vez dos 21% normais -- e com privação de sono têm mais cisteína no sangue do que o normal. Veio daí a ideia de medir esse parâmetro em seres humanos. Agora é preciso examinar pessoas com apneia em fase inicial, ainda sem sintomas. ``Precisamos saber se a cisteína é apenas um marcador da progressão da doença ou se pode servir como diagnóstico precoce'', afirma Vânia. Um bom banco de dados seria o Episono, mas só a homocisteína foi medida nos mais de mil participantes do estudo. ``Precisamos reanalisar as amostras para medir a cisteí­na, além de repetir as dosagens com os voluntários que participaram do estudo'', planeja Vânia. Não são planos vagos. O assunto já foi discutido com Tufik, que declarou: ``Precisamos disso para ontem''. "> Artigos científicos 1. CINTRA, F. et al. Cysteine: A potential biomarker of obstructive sleep apnea. Chest. on-line jul. 2010. 2. OLIVEIRA, W. et al. Impact of continuous positive airway pressure teatment on left atrial volume and function in patients with obstructive sleep apnea assessed by real-time three-dimensional echocardiography. Heart. v. 95, n. 22, p. 1.872-8. nov. 2009.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Ciência > Geologia Ilhas de savana Manchas de cerrado surgiram sobre leitos de antigos rios da Amazônia Marcos Pivetta Vista de longe, a Amazônia é quase sempre homogênea. Um mar verde, de floresta. O desmatamento (ainda) se concentra em suas bordas, nas áreas de fronteira agrícola, como o norte de Mato Grosso e Rondônia e o centro-sul do Pará. Nesses lugares em que antes havia uma vegetação densa e fechada surgiram pastos, plantações, cidades ou simplesmente regiões devastadas. É razoável supor que zonas desflorestadas pelo homem há poucas décadas e posteriormente abandonadas podem dar origem inicialmente a uma formação verde mais aberta, no estilo dos campos e cerrados. Mas o que explicaria a ocorrência de grandes manchas de savana – vegetação de clima bem mais seco do que da Região Norte – coladas a florestas em lugares da Amazônia onde quase não houve desflorestamento recente, como na porção leste da ilha de Marajó, em trechos às margens do rio Madeira e também do rio Branco, em Roraima? Para a geóloga Dilce Rossetti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos (SP), a resposta está intimamente relacionada à história natural que moldou as características das bacias hidrográficas e do relevo da Amazônia. Antigos leitos de rios, por onde não corre mais água há alguns milhares de anos, sofreram um processo de sedimentação, viraram paleocanais e paleorrios – e foi justamente em cima desses segmentos aterrados de rios do passado que uma vegetação mais esparsa, com predomínio de gramíneas e poucas árvores, floresceu de forma natural. E não foi só isso. De acordo com o cenário proposto pela pesquisadora, especializada na reconstituição de paisagens do passado com o auxílio de dados de sensoriamento remoto, mudanças climáticas podem não ter sido o único fator que alterou o curso dos rios de outrora. “A reativação de falhas tectônicas deve ser a responsável por esse fenômeno”, afirma Dilce. “As pessoas pensam que a Amazônia é extremamente estável, mas ela tem oito regiões de ocorrência de sismos.” Embora não costumem gerar notícias, pois seu epicentro é em geral em zonas despovoadas e de floresta, alguns terremotos na região podem ser de grande magnitude e atingir até 6 ou 7 graus na escala Richter. Essa teoria ganhou corpo depois que Dilce coordenou entre 2005 e 2008 um amplo trabalho multidisciplinar numa área piloto da Amazônia, a região do baixo Tocantins e da ilha de Marajó, no nordeste do Pará. O projeto Marajó, como os pesquisadores denominam a iniciativa que contou com financiamento da FAPESP, reconstituiu a história geológica da área desde o período Neógeno, há 23 milhões de anos, até os dias atuais. Vários aspectos da região foram estudados: as variações dos padrões de vegetação no tempo geológico; a ocorrência de deslocamentos de terrenos por movimentação ao longo de falhas tectônicas; os sedimentos formados dentro de antigos ambientes, como rios, lagos, planícies de inundação; a variação do nível do mar; e as mudanças climáticas. Diversas ferramentas de análise foram empregadas nos estudos. Imagens de satélite e de radar foram utilizadas para caracterizar espacialmente a área e amostras de sedimentos em profundidades de até 120 metros foram coletadas. Foram ainda usadas técnicas de datação e de análise química da matéria orgânica preservada nos sedimentos para melhor reconstituir a sucessão de paisagens ao longo do tempo. Localizada na foz do rio Amazonas, distante alguns quilômetros do continente, a ilha de Marajó se estende por quase 50 mil quilômetros quadrados – 33 vezes a área da cidade de São Paulo – e apresenta um padrão de cobertura vegetal com disposição singular: cerca de dois terços de sua área, em especial na porção centro-oeste, são tomados por mata fechada, a típica floresta equatorial; o outro terço, na parte leste, apresenta um mosaico de matas mais abertas cortadas por campos alagados e formações no estilo da savana. Essa divisão da ilha em dois perfis distintos de vegetação tem origem em sua história geológica, segundo a pesquisadora do Inpe. Separação do continente – Até cerca de 10 mil anos atrás, havia praticamente apenas florestas fechadas em Marajó, com exceção das áreas cortadas por sua antiga bacia hidrográfica. A ilha ainda fazia parte do continente e sua porção norte atual estava sob o mar. Braços do rio Tocantins serpenteavam por seu território. Então começou o seu processo de separação da terra firme. A reacomodação de uma falha tectônica mudou o curso do Tocantins, cujas águas trocaram o sentido noroeste pelo nordeste, e abriu caminho para cortar a ligação física de Marajó, hoje considerada a maior ilha fluviomarinha do mundo, com o resto do Pará. Uma falha que divide grosseiramente a ilha ao meio também se movimentou. “Isso fez com que a porção leste da ilha sofresse um afundamento suave e ficasse mais sujeita a alagamentos, inicialmente por invasão da água do mar e, depois que este se retirou, por inundação nos períodos de chuva”, afirma Dilce. Estavam criadas as condições naturais para que a ilha passasse a apresentar dois tipos distintos de vegetação. À medida que o Atlântico se retirou da ilha, areia e lama foram tampando o leito de antigos estuários e rios. As cheias periódicas nesse setor inviabilizaram a permanência de matas densas e criaram as condições ambientais para que, há 6.700 anos, se desenvolvesse uma vegetação de campos abertos em determinados períodos do ano. Em paralelo, no trecho ocidental de Marajó, mais estável, a floresta permaneceu intacta. Desconectados do rio Tocantins desde o início do processo de separação da ilha do continente, boa parte dos cursos d’água dessa zona secou e, com o tempo, tornou-se sítios onde a vegetação passou a crescer, inicialmente como gramíneas e arbustos, e depois como espécies de floresta. Com as imagens de satélite, sobretudo as de radar, que esquadrinham as características do terreno mesmo em dias cheios de nuvens, o esqueleto da rede de paleorrios e paleocanais pode ser divisado pelos olhos treinados dos cientistas. Vêm à tona feições que hoje se encontram encobertas e camufladas pelo solo e sua vegetação. Às vezes, o antigo leito abandonado, hoje coberto por floresta ou savana, se encontra numa área em que não sobrou mais nenhum curso d’água nos arredores. Tudo foi aterrado. Em outras ocasiões, está próximo ao que restou do velho rio, que, devido ao tectonismo, teve de alterar o caminho pelo qual suas águas cortavam o relevo. Situado na porção dominada pela savana em Marajó, o atual maior lago da ilha, o Arari, está encaixado no paleoestuário que era alimentado por um rio hoje desaparecido que se originava no continente. Em outras partes da Amazônia, o movimento nas falhas tectônicas igualmente alterou o curso de importantes rios e deixou uma série de paleocanais interconectados como vestígios desse chacoalhão na topografia. No centro-sul de Roraima, numa região dentro do Parque Nacional do Viruá a cerca de 190 quilômetros da capital Boa Vista, foi encontrada uma rede de paleorrios próximo da margem esquerda do atual rio Branco. Nessa mesma zona há uma extensa porção de savana em meio à floresta. “Alguns desses paleocanais ainda são ativos e podem ser tomados pelas águas na época das cheias”, diz o geógrafo Hiran Zani, que estuda a área em seu trabalho de doutorado sobre sensoriamento remoto no Inpe. “Datações preliminares da matéria orgânica preservada em amostras de sedimentos indicam que houve ali uma alteração de paisagem ao longo dos últimos 20 mil anos.” Novo e velho Madeira – Um caso semelhante é o do rio Madeira na porção mais ao sul do estado do Amazonas. Nessa área, um segmento de 200 quilômetros de extensão do rio foi deslocado para leste em razão de um rearranjo de falhas tectônicas ocorrido há alguns milhares de anos. Vários dos afluentes da margem direita do Madeira também mudaram de lugar. Sobre os antigos leitos desses rios, que foram entupidos com sedimentos arenosos, cresceu uma vegetação do tipo campo ou cerrado. Em imagens de sensoriamento remoto e em fotos aéreas, esse tipo de vegetação mais aberta contrasta fortemente com a floresta de seu entorno. “Como na ilha de Marajó, as manchas de savana nessa região coincidem exatamente com os cursos dos antigos rios, hoje abandonados na paisagem”, afirma Dilce. “Somente mudanças climáticas no passado não teriam sido capazes de produzir faixas de savana que serpenteiam dentro da floresta e mimetizam os rios.” Atribuir em boa medida a origem desses pontos isolados de savana na Amazônia à ocorrência de paleocanais de origem tectônica é uma ideia nova e ainda não consensual. O físico Luiz Carlos Pessenda, do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), que participa de alguns estudos com Dilce na ilha de Marajó e em outros pontos da Região Norte, concorda apenas em parte com a tese da pesquisadora do Inpe. “Os dados geo­lógicos são importantes, mas complementares”, afirma Pessenda. “A questão climática é sempre relevante independentemente dos dados sobre tectonismo.” Segundo o físico, as manchas de campos e cerrados surgiram devido à maior aridez do clima na região entre 9 mil e 3 mil anos atrás. Estudos isotópicos e geoquímicos em solos e sedimentos lacustres indicam que pode ter chovido bem menos na Amazônia e na Região Nordeste durante esse período, inviabilizando a manutenção da floresta tropical em certas zonas e abrindo caminho para a instalação de campos e cerrados. Numa questão Pessenda e Dilce estão 100% de acordo: as áreas de savana natural parecem estar perdendo espaço nos últimos anos e as florestas densas e fechadas caminham para tomar seu território. Isso deve ocorrer – a menos que haja novas mudanças de fundo no relevo ou no clima da Amazônia. O PROJETO Integração de dados biológicos e geológicos no baixo Tocantins-ilha de Marajó: chave na análise da biodiversidade – nº 2004/15518-6 Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Co­or­de­na­dor Dilce Rossetti – Inpe Investimento R$ 423,269.10 (FAPESP)
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Ciência > Astrofísica Na rota segura Simulação explica por que a Terra não colidiu com o Sol Marcos Pivetta A situação era desconcertante. Nas duas últimas décadas, toda vez que um astrofísico fazia uma simulação computacional sobre a origem do sistema solar o resultado era, invariavelmente, o mesmo: a Terra deveria ter desaparecido há muito tempo. Cerca de 100 mil anos depois de sua gênese, antes mesmo de ter se formado por completo, o planeta deveria ter entrado numa espiral suicida que o faria colidir com o Sol. De acordo com os modelos tradicionais que tentam explicar o surgimento de sistemas planetários, a Terra seria mais um corpo celeste destinado a trombar com a estrela-mãe. Claro que nada disso ocorreu e o impacto fatal nunca houve. Mas só recentemente alguns pesquisadores formularam uma teoria alternativa capaz de explicar por que o planeta não foi engolido pelo astro-rei. “Conseguimos a primeira simulação em que a Terra não ‘cai’ no Sol”, afirma o astrofísico Wladimir Lyra, um brasileiro de 29 anos que faz pós-doutorado no Museu Americano de História Natural (AMNH, na sigla em inglês) de Nova York. O pesquisador foi o responsável por abastecer de dados e conduzir o ensaio digital que, nos computadores, mudou o curso da história evolutiva da Terra. Como os demais planetas de nosso sistema, a Terra surgiu a partir do acúmulo de poeira e gás do disco protoplanetário, nuvem que envolvia o Sol logo após essa estrela ter se formado, há cerca de 4,6 bilhões de anos. Hoje há quase um consenso entre os cientistas de que os planetas do sistema solar – e também os mais de 500 mundos extrassolares até agora descobertos (ver quadro na página 53) – não se originaram no mesmo lugar em que se encontram atualmente. Nasceram num ponto do disco e, depois de uma série de interações gravitacionais com o gás e os objetos do sistema, migraram para outra região. Ali encontraram uma órbita de equilíbrio em torno do Sol e se estabeleceram. Nos últimos 20 anos, os modelos computacionais adotados por vários grupos de astrofísicos partiam do princípio de que, embora a temperatura ao longo de todo o disco variasse (quanto mais próximo do Sol, mais quente), qualquer flutuação térmica sofrida pelo gás num determinado ponto era instantaneamente irradiada para o ambiente externo. Na prática, isso equivalia a dizer que o eventual excesso de calor num lugar específico era transferido para o espaço e a temperatura em cada ponto do disco se mantinha sempre constante. As consequências de tal forma de pensar, que é usada sem problemas no estudo de galáxias, eram catastróficas nas simulações sobre a evolução do sistema solar: não só a Terra, mas todos os planetas trombavam com o Sol. “Quando introduzimos flutuações locais de temperatura no disco, os planetas começaram a migrar para órbitas mais afastadas do Sol”, diz Lyra, que foi o primeiro autor de um artigo publicado na edição de 1o de junho de 2010 do Astrophysical Journal Letters (ApJL) com os resultados das novas simulações. De acordo com os pesquisadores, o novo modelo prevê a evaporação total da nuvem protoplanetária após 5 milhões de anos e é capaz de explicar a migração de planetas com massa até 40 vezes maior do que a da Terra. “Durante seu processo de evolução, o disco perde gás e fica com uma densidade tão baixa a ponto de não conseguir mais mover os planetas, que acabam então entrando em sua nova órbita”, explica o astrofísico Mordecai-Mark Mac Low, coordenador do trabalho do brasileiro no AMNH e coautor do estudo. As ideias centrais que permitiram abastecer a simulação computacional derivam em grande medida de trabalhos recentes de outro astrofísico da nova geração. Desde 2006, o holandês Sijme-Jan Paardekooper, de 31 anos, que hoje faz pós-doutorado no Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da Universidade de Cambridge, Inglaterra, publica estudos sobre os possíveis efeitos decorrentes de variações de temperatura no gás de um disco protoplanetário. “Sempre procuramos o modelo teórico mais simples que possa explicar um fenômeno físico”, diz Paardekooper, que também assinou o artigo na ApJL. A questão-chave é entender como a trajetória dos embriões de planetas podia mudar de curso numa simulação em função de alterações térmicas em pontos específicos da nuvem de gás. Antes disso, é preciso ter em mente que a órbita final de um planeta em formação é determinada por uma série de variáveis, sobretudo as interações gravitacionais com os demais componentes do sistema (a estrela-mãe, outros planetas e o disco de gás). “Alguns fatores favorecem a ocorrência de uma migração na direção do Sol e outros para longe dele”, comenta Paardekooper. Por didatismo, a explicação que se segue aborda o mecanismo central que, segundo as simulações de Lyra e seus colegas, tirou a Terra da rota de colisão com o Sol. Em um disco protoplanetário, a força gravitacional de um planeta modifica a órbita original do gás que o circunda. Em resposta a esse fenômeno, o planeta também altera sua órbita, só que na direção oposta da que o gás foi deslocado. Até aí nada de novo. Tudo isso é previsto pela lei da ação e da reação de Isaac Newton. O pulo do gato vem agora. De acordo com as novas simulações, ao incorporar eventuais variações locais de temperatura no disco protoplanetário, os pesquisadores perceberam que o gás se torna mais denso nas zonas mais próximas ao Sol e é capaz de deslocar a Terra para uma órbita segura. Terras troianas – Antes do trabalho sobre por que a Terra não migrou para dentro do Sol, Lyra produziu outra simulação computacional com discos protoplanetários que também gerou grande interesse. Num estudo publicado com destaque de capa numa das edições de janeiro de 2009 da revista científica Astronomy & Astrophysics, o brasileiro e outros três autores divulgaram cálculos e equações que indicam a possibilidade de haver mundos rochosos, de massa semelhante à da Terra, escondidos bem “nos ombros” de exoplanetas gigantes e gasosos. Seriam as Terras troianas. Objetos que seguem a mesma órbita de um corpo celeste muito maior, sem no entanto nunca se chocarem com esse avantajado companheiro de viagem, são denominados troianos. Eles se situam em duas regiões, nos chamados pontos lagrangianos da órbita, 60 graus antes e 60 graus depois do local em que se encontra o objeto maior. Os pontos são assim chamados porque foram propostos pelo matemático e astrônomo ítalo-francês Joseph Louis Lagrange (1736-1813). Não faltam objetos celestes que carreguem o adjetivo troiano. O gigante gasoso Júpiter gira em torno do Sol em companhia de dois grupos de rochas celestes situados nos pontos lagrangianos, os asteroides troianos (de cujo nome veio a inspiração para denominar o fenômeno) e os asteroides gregos. Saturno, Marte e Netuno também são escoltados por objetos troianos. Mas nunca foi encontrado um planeta troiano, nem mesmo fora do sistema solar, onde foram descobertos exoplanetas orbitando mais de 420 estrelas. “As simulações do Wladimir mostram que precisamos dos seguintes ingredientes para que haja Terras troianas: planetas gasosos gigantes, como Júpiter, têm de se formar rapidamente num disco protoplanetário cheio de seixos e pedregulhos”, afirma o astrofísico dinamarquês Anders Johansen, de 34 anos, da Universidade Lund, Suécia, um dos coautores do estudo com Lyra. “À medida que se concentram nos pontos lagrangianos, os sólidos originam um corpo tão denso a ponto de formar planetas similares ao nosso.” Ao menos esse foi o resultado do modelo computacional rodado pelo brasileiro. Na simulação, os seixos e os pedregulhos que se juntaram para gerar Terras troianas virtuais tinham entre 1 centímetro e 1 metro. “Começamos o experimento com objetos menores”, conta Lyra. “Dessa forma, conseguimos resolver a hidrodinâmica do gás, a força de arrasto nas partículas e sua atração gravitacional conjunta.” Os cientistas sabem que diminutos grãos de poeira se juntam facilmente em discos protoplanetários, mas a manutenção do processo se torna incerta à medida que os corpos sólidos ficam maiores. Ainda assim, se os cálculos dos astrofísicos estiverem corretos, a possibilidade de haver Terras troianas na vizinhança de grandes exoplanetas gasosos é real. Faltaria apenas o homem ter meios de detectá-las. Baco em vez de HD 128311 b Astrofísico propõe a adoção de nomes da mitologia greco-romana para os exoplanetas conhecidos Não são nomes de planetas. São placas de carros. Assim Wladimir Lyra define a terminologia empregada para se referir aos mais de 500 exoplanetas, mundos desabitados localizados fora do sistema solar, descobertos desde outubro de 1995. Até agora, a regra tem sido chamá-los com o nome da estrela em torno da qual orbitam acrescido de mais uma letra (b, c, d e assim por diante). Três planetas giram, por exemplo, ao redor de uma estrela da constelação de Virgem, o pulsar PSR 1257+12 (ilustração acima). Na literatura científica, são conhecidos como PSR 1257+12 b, PSR 1257+12 c e PSR 1257+12 d. Lyra propõe batizá-los com nomes da mitologia greco-romana associados à constelação da estrela. O trio de planetas seria então denominado Sísifo, Íxion e Tântalo. Não se trata de brincadeira. O brasileiro escreveu uma proposta formal, com nomes para mais de 400 exoplanetas, e a submeteu à União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês), órgão que trata desse tipo de assunto. A ideia não foi aceita. Disseram que os cientistas usam a sopa de letras e números para se referir aos planetas sem qualquer problema. “Eles se esquecem de que os astrofísicos também fizeram parte um dia do público em geral”, diz Lyra. “Com 6 anos de idade, fiquei fascinado pela ideia de que havia outros mundos como a Terra e passava dias decorando nomes de satélites como a Lua.” Lyra ainda não desistiu da proposta e vai reapresentá-la à IAU. > Artigos científicos 1. LYRA, W. et al. Orbital migration of low-mass planets in evolutionary radiative models: Avoiding catastrophic infall. Astrophysical Journal Letters. v. 715, n. 2, p. L68-L73. 1º jun. 2010. 2. LYRA, W. et al. Standing on the shoulders of giants – Trojan Earths and vortex trapping in low-mass selfgravitating protoplanetary disks of gas and solids. Astronomy & Astrophysics. v. 493, n. 3, p. 1.125-39. jan. 2009.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Ciência > Imunologia Lanterna microscópica Marcação de células permite conhecer como ocorre a seleção dos anticorpos mais eficazes Cristina Caldas, de Boston Gabriel Victora estava acostumado a longos ensaios solitários quando era pianista profissional. Hoje, como imunologista, passa horas sozinho em uma sala escura e fria de um laboratório buscando entender como amadurecem os linfócitos B, as células produtoras de anticorpos. Ele ainda acha que tocar piano é mais difícil do que marcar células, mas a disciplina herdada da música o ajudou a persistir em uma pesquisa liderada pelo imunologista brasileiro Michel Nussenzweig na Universidade Rockefeller, Estados Unidos, cujos resultados foram apresentados em novembro na revista Cell. Os pesquisadores começam agora a entender um fenômeno velho conhecido e pouco compreendido dos imunologistas: a maturação da afinidade – produção e seleção dos linfócitos B que geram os anticorpos mais efetivos conforme uma infecção progride. Acreditava-se que tal refinamento ocorria à medida que os linfócitos B entravam em contato com antígenos, moléculas reconhecidas pelos anticorpos. Agora se viu que é a interação com outras células do sistema imune que determina quais linfócitos B se tornarão produtores de anticorpos. “É preciso considerar a interação entre essas células no desenho de vacinas. Olhar só para a interação do linfócito B com o antígeno não é necessariamente a saída”, diz Victora. O trabalho recebeu destaque na Cell e mereceu o comentário de Jason Cyster, da Universidade da Califórnia em São Francisco, um dos líderes mundiais da pesquisa na área, na mesma edição da revista. Numa infecção, os linfócitos B migram do sangue para órgãos linfoides como as amígdalas ou os linfonodos da axila. Ali se agrupam no chamado centro germinativo, onde há alta concentração de pedaços dos agentes infecciosos (antígenos) presos à superfície de outras células do sistema imune, as células dendríticas foliculares, além de linfócitos T recrutados por esses antígenos. Nesses centros os linfócitos B inserem alterações aleatórias nos genes que codificam os anticorpos e geram células com genoma diferente do das demais células do corpo. Mutantes - A maioria das células mutantes é menos eficiente que o linfócito B original, mas umas poucas se tornam altamente eficazes e são selecionadas para produzir anticorpos. Nesse sentido, os centros germinativos são como bibliotecas: guardam grande quantidade de informação que pode estimular e aperfeiçoar habilidades ou propagar dados após uma sugestão instigadora. “É ali que os anticorpos evoluem em tempo real e permitem responder a patógenos com ciclo evolutivo mais rápido que o nosso”, explica Victora. “Sem isso, sempre perderíamos a corrida evolutiva contra as infecções.” O centro germinativo abriga acontecimentos desconhecidos que controlam o percurso e o destino das células em amadurecimento. Para saber como os linfócitos B são selecionados, Victora teve de entender a dinâmica das duas regiões desses centros: uma com poucos núcleos de células, a zona clara; e outra repleta de linfócitos B, a zona escura. Na zona clara, os linfócitos B misturam-se às células dendríticas foliculares carregadas de antígenos e aos linfócitos T. Os imunologistas acreditavam que os linfócitos B se replicavam na zona escura e migravam para a clara. Com a evolução de técnicas para obtenção de imagens, começaram a notar um movimento bidirecional, com células da zona clara voltando para a escura. Faltava saber como elas migram e no que isso influencia a seleção. Para delimitar as duas zonas, Victora desenvolveu uma forma de marcar com precisão microanatômica as células dos centros germinativos para, em seguida, acompanhar seus percursos em tempo real no animal vivo, antes de resgatá-las para estudos de caracterização fenotípica e de perfil de expressão gênica. Isso só foi possível com o uso de camundongos transgênicos que expressam uma versão modificada da proteína verde fluorescente, a GFP, ativável pela luz de um laser de dois fótons. Como tem comprimento de onda mais longo, esse laser penetra em órgãos intactos e ativa regiões profundas. É como se Victora usasse uma lanterna para iluminar uma região específica das células. Com uma combinação de técnicas, ele ativou os linfócitos B de cada zona e mediu quanto tempo levavam para ir de uma a outra. Após quatro horas da fotoativação, metade dos linfócitos B da região escura migrou para a clara. Mas, passadas seis horas, só 15% dos linfócitos B tinham ido da área clara para a escura, sugerindo que é nesse retorno que acontece a seleção dos mais aptos a combater a infecção. Após separar os linfócitos B das duas regiões, os pesquisadores avaliaram a expressão gênica deles. Nas células da zona escura predominou a ativação de genes ligados à divisão celular e à ocorrência de mutações. Na zona clara, os linfócitos tinham mais genes ativos envolvidos com a seleção, que depende do reconhecimento de antígenos. Eles mostraram ainda que ao facilitar a interação dos linfócitos T da zona clara com os B, estes migram em massa para a região escura, onde embarcam em outro ciclo de divisão celular e mutação. Trabalhos recentes indicam que a presença de um número elevado de linfócitos T da zona clara pode levar as células B a produzir altas quantidades de anticorpos contra o próprio organismo, como ocorre em doenças autoimunes, a exemplo do lúpus. No congresso da Sociedade Brasileira de Imunologia, realizado em novembro, Nussenzweig destacou que, caso se encontre um modo de estender o tempo da seleção de linfócitos B nos centros germinativos, talvez se possa gerar uma grande diversidade de anticorpos de alta afinidade e eficazes em captar e inativar patógenos invasores, como o HIV. > Artigo científico VICTORA, G. D. et al. Germinal center dynamics revealed by multiphoton microscopy with a photoactivatable fluorescent reporter. Cell. v. 143, p. 1-14. 12 nov. 2010.
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Ciência > Evolução Buenos días, cangurus Os parentes mais antigos dos marsupiais australianos podem ter vivido na América do Sul Carlos Fioravanti Marsupiais como o canguru e o coala começaram a se diversificar na Austrália há milhões de anos a partir de espécies do mesmo grupo que viveram na América do Sul, de acordo com uma hipótese recente que ganha força. Essa abordagem sustenta que os marsupiais brasileiros – os mais conhecidos são o gambá, a cuíca e a catita – formam o ramo mais antigo desse grupo de animais ainda com representantes vivos. As linhagens que viveram na Europa ou na Ásia se extinguiram (apenas uma espécie vive nos Estados Unidos e Canadá), restando apenas as da América do Sul e da Austrália. Essa visão, reforçada por um estudo de pesquisadores da universidade alemã de Münster publicado em julho de 2010 na revista PLoS Biology, indica que o ramo de marsupiais que abarca as espécies brasileiras deu origem a outro, hoje com apenas uma espécie viva, o monito del monte (Dromiciops gliroides), animal de até 25 gramas das matas do Chile e da Argentina. O pequeno monito pode ser o parente vivo mais distante das quase 200 espécies de marsupiais australianos, incluindo as variedades mais encorpadas de cangurus, que podem pesar 70 quilogramas (kg). “Geneticamente”, diz Ariovaldo Cruz Neto, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro que estuda esses animais em colaboração com colegas australianos, “o monito exibe um grau de parentesco maior com as espécies australianas do que com as da América do Sul”. Os marsupiais brasileiros, embora mais antigos, não guardam mais parentesco direto com nenhum dos que vivem na Austrália. Segundo outra hipótese, apresentada em 2008 na PLoS One por um grupo da universidade australiana de Nova Gales do Sul, a espécie que originou os marsupiais australianos teria sido outra, a Djarthia murgonensis, que viveu há 30 milhões de anos a leste de um supercontinente que incluía as atuais América do Sul e Austrália. Apesar da distância, os marsupiais americanos e australianos guardam outras semelhanças além do fato de os filhotes nascerem incompletos, sem pelo e cegos, após uma gestação de uma ou duas semanas, e seguirem para as mamas da mãe, normalmente protegidas por uma bolsa chamada marsúpio, onde crescem por mais dois ou três meses antes de verem a luz. Cruz Neto e seus colaboradores da Austrália verificaram que o organismo dos marsupiais da América do Sul e da Austrália funciona de modo muito semelhante para produzir e queimar energia, independentemente do porte ou do tipo de ambiente em que vivem. A maioria das quase 90 espécies de marsupiais das Américas pesa entre 10 gramas e 1 kg, vive em geral em florestas e se alimenta principalmente de insetos. Já um canguru pode ter o porte de um homem adulto, embora a menor das 21 espécies desse grupo pese 400 gramas. Na Austrália, os marsupiais vivem em túneis, no deserto ou em florestas úmidas e, como os americanos, se alimentam principalmente de invertebrados e frutos pequenos, embora uma espécie prefira néctar e a outra seja carnívora. Organismos semelhantes – Os pesquisadores examinaram o metabolismo de representantes de duas espécies de cuíca da América do Sul, a Gracilinanus agilis e a Micoureus paraguayanus. A primeira apresentou uma temperatura corporal média de 33,5o Celsius e a outra, de 33,3o Celsius, pelo menos dois graus abaixo da temperatura média dos mamíferos placentários, o grupo ao qual pertencemos. Outra medida foi a da taxa metabólica basal, que indica o nível mínimo de energia de que o animal necessita para manter as funções vitais do corpo. Para manter essa taxa, cada uma das duas espécies gasta, respectivamente, 4,8 quilocalorias (kcal) e 5,5 kcal por dia. A temperatura corporal e a taxa metabólica dos dois marsupiais brasileiros estavam muito próximas às de outros marsupiais australianos que já haviam sido examinados. “Do ponto de vista fisiológico”, diz Cruz Neto, “uma vez marsupial, sempre marsupial, apesar dos milhões de anos de evolução independente e das diferenças de dieta e hábitat das espécies que vivem na América do Sul e na Austrália”. Segundo ele, aparentemente não houve pressão seletiva que levasse à modificação do plano fisiológico, que foi suficiente para esses animais colonizarem a Austrália. “É como se os marsupiais tivessem uma mala com roupas que lhes permitissem viver em diferentes ambientes.” Os marsupiais da América do Sul, embora menos diferentes entre si do que os autralianos, exibem distinções sutis e relevantes no tamanho e no formato do crânio, da mandíbula, da escápula e da pélvis que expressam seus hábitos alimentares e os ambientes em que vivem. Diego Astúa, professor da Universidade Federal de Pernambuco, comparou as medidas do crânio de 2.932 animais da família dos didelfí­deos, que abarca a maioria dos marsupiais brasileiros, de marsupiais que vivem nos Andes e do monito del monte. Em um trabalho publicado em 2010, ele mostrou que metade dos didelfí­­deos apresentava diferenças no tamanho e na forma do crânio – em todos os casos, os machos eram mais cabeçudos que as fêmeas. > Artigos científicos 1. ASTÚA, D. Cranial sexual dimorphism in New World marsupials and a test of Rensch’s rule in Didelphidae. Journal of Mammalogy. v. 91, n. 4, p. 1011-24. 2010. 2. COOPER, C.E.; WITHERS, P.C.; CRUZ-NETO, A.P. Metabolic, ventilatory and hygric physiology of a South American marsupial, the long-furred woolly mouse opossum. Journal of Mammalogy. v. 91, p 1-10. 2010. O PROJETO Energética de morcegos e marsupiais: bases estruturais e significado funcional da taxa metabólica basal – nº 00/09968-8 Modalidade Jovem Pesquisador Co­or­de­na­dor Ariovaldo Pereira da Cruz Neto – Unesp Investimento R$ 441.455,78
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Pesquisa FAPESP Edição 179 - Janeiro 2011 Tecnologia > Física Elétrons em alta velocidade Acelerador de partículas é projetado e construído no Instituto de Física da USP Marcos de Oliveira Existem vários modelos de aceleradores de partículas, com tamanhos diferentes e características próprias. São máquinas que levam, no interior de uma tubulação, feixes de partículas até um alvo específico para quebrar um átomo, entrar em choque com partículas subatômicas ou entender a formação de um material, orgânico ou inorgânico. No mundo, o mais famoso é o gigantesco Large Hadron Collider (LHC), localizado na Europa. No Brasil, o maior é o Síncrotron, instalado em Campinas, no interior paulista. O mais recente exemplar desse tipo de máquina no país é um mícrotron que acelera elétrons até perto da velocidade da luz e foi, de forma quase completa, aqui projetado e construído por pesquisadores do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) com recursos financeiros da FAPESP – principalmente para a compra de equipamentos e bolsas de estudo –, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), num total de investimentos de cerca de R$ 1,5 milhão. Os primeiros testes que validaram o equipamento e produziram feixes de elétrons foram realizados em 2008 e os experimentos iniciais com o novo acelerador aconteceram em agosto de 2010. Esse começo de trabalho tratou de análises e diagnóstico para detecção do feixe e da emissão de radiação gerada pelo acelerador, estudos que estão relacionados com a construção do complemento do aparelho. Hoje o acelerador opera com um feixe de energia de 1,9 milhão de elétrons-volts (MeV). O objetivo para os próximos cinco anos é atingir os 38 MeV, que o transformarão em uma máquina única no mundo porque não existe outro mícrotron com essa configuração. O maior mícrotron do planeta está na Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, na Alemanha, instituição que colaborou com a equipe do IF ao longo de todo o projeto, possuidora de um acelerador com energia de até 1,5 bilhão de elétrons-volts (GeV). O mícrotron da USP deverá atingir um estágio intermediário de 6 MeV, com um feixe de boa qualidade, em 2012 ou 2013. “Com 6 MeV será possível fazer estudos com finalidades médicas porque é a mesma energia dos aceleradores usados em radioterapia para tratamento de cânceres”, diz o professor Vito Vanin, coordenador do mícrotron e chefe do Departamento de Física Experimental do instituto. “Com ele poderemos estudar a interação entre a radiação e o corpo. Nesses casos, para aplicação da radioterapia, hoje se prepara uma máscara para a radiação atingir apenas o local onde está o tumor. Ocorre que as beiradas dessa área também são afetadas e gostaríamos de contribuir para minimizar esse problema. Os dados experimentais atuais sobre esse tema são escassos”, diz Vanin. Nesses estudos, os brasileiros terão a colaboração de pesquisadores das universidades de Barcelona e Politécnica da Catalunha, ambas na Espanha, e da Universidade Duisburg-Essen, na Alemanha, que possuem trabalhos teóricos sobre o assunto e pretendem entrar numa fase experimental com o equipamento do IF da USP. Em estudos de física básica o novo acelerador poderá colaborar para um melhor entendimento das rea­ções de fissão em núcleos pesados, como átomos de urânio, tório e outros elementos em que será possível retomar as linhas de pesquisa interrompidas com o antigo acelerador linear de elétrons do IF, aposentado definitivamente em 1993. Era uma máquina que foi doada pela Universidade Stanford, dos Estados Unidos, para o IF em 1967 com a intermediação do professor José Goldemberg, da USP. “Nós pensávamos em construir um novo acelerador ainda com o antigo funcionando”, diz Vanin. Embora com mais energia, igual a 60 MeV, o antigo acelerador era do tipo pulsado, enquanto o ideal e mais avançado para a área de pesquisa seria um acelerador com um feixe contínuo de elétrons em altíssima velocidade e sem pulsos. “Essa característica é importante por ser mais bem adequada para fins experimentais, embora seja mais trabalhoso implementar uma máquina de feixe contínuo, muito mais complexa que uma pulsada.” O feixe de elétrons na interação com um alvo-radiador, que é um material normalmente metálico colocado dentro da tubulação antes do material a ser analisado, produz fótons, partículas elementares de luz, com energia suficiente para investigar a estrutura nuclear de forma independente dos processos da interação que ocorrem entre prótons e nêutrons, o que garante uma nova ferramenta para o estudo do núcleo dos átomos. A colisão dos elétrons contra esse alvo-radiador também gera raios X e gama que são radiações penetrantes usadas em vários tipos de análise, inclusive as nucleares. “A interação do feixe de elétrons com uma amostra arranca elétrons da camada interna desse material e o preenchimento do buraco por outro elétron do átomo produz raios X. Pode acontecer também o efeito de bremsstrahlung, que é a radiação de freamento repentino dos elétrons pelo núcleo do átomo, fenômeno no qual se baseia a produção dos raios X nos aparelhos de uso médico. Esses processos, mais a radiação óptica de transição, que é a luz gerada pelo elétron quando ele deixa o vácuo por onde transita para ingressar em um meio material, estão sendo estudados em nossos primeiros experimentos com o acelerador.” O projeto do novo acelerador começou a tomar corpo por meio de um acordo com o IF da USP e o Laboratório Nacional Los Alamos, dos Estados Unidos, que forneceu um projeto para a construção das estruturas aceleradoras do mícrotron no início dos anos 1990. O instituto norte-americano também estava construindo um acelerador desse tipo de maior energia que chegou a funcionar, mas mostrou-se instável e foi desativado. “Nós queríamos trabalhar com energias mais baixas e o professor Jiro Takahashi [do próprio IF da USP] redesenhou o projeto e construiu as estruturas aceleradoras”, diz Vanin. No início do projeto e construção do acelerador, a coordenação dos trabalhos esteve com o professor Marcos Martins, que atualmente é diretor de pesquisa e desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). “Todos os componentes do mícrotron foram construídos com tecnologia nacional, comprados de indústrias brasileiras, com exceção da válvula Klystron, que amplifica micro-ondas, e alguns acessórios. Ao construir a máquina nós ganhamos o domínio das condições experimentais, conhecemos os limites e as possibilidades de todos os componentes, além de a manutenção ser feita por nós e sabermos se as mudanças serão fáceis ou difíceis, caras ou baratas.” Parceiros da usinagem – Alguns componentes, como as câmaras de vácuo de um equipamento chamado de booster, ao longo do mícrotron, foram usinados pelo Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. É no interior dessas câmaras, colocadas dentro de eletroímãs, que o feixe de elétrons dá voltas para repassar numa estrutura aceleradora e ganhar velocidade. Outra contribuição veio do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), que usinou os canais por onde passa a água de refrigeração das estruturas aceleradoras. A máquina, neste estágio inicial, possui seis metros de comprimento para condicionamento dos elétrons e alguns metros quadrados para o booster. A válvula klystron, de origem francesa, foi financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1989, num valor total, que inclui um equipamento de testes, de cerca de US$ 200 mil. Ela é um amplificador de micro-ondas que fornece ondas eletromagnéticas para servir de meio de aceleração dos elétrons no percurso ao longo do equipamento até atingir a amostra a ser analisada. São dezenas de quilowatts de potência inseridos na tubulação, o equivalente a uma centena de fornos domésticos de micro-ondas. Os elétrons são gerados num canhão, capaz de produzir 100 quilovolts, que retira essas partículas de um componente eletrônico chamado de catodo. O feixe de elétrons possui uma corrente elétrica de 50 micro-amperes, que parece pequena quando comparada ao consumo de um eletrodoméstico, mas corresponde ao fluxo de centenas de bilhões de elétrons por segundo. O canhão foi projetado e construído no IF com o aperfeiçoamento de uma solda realizada em um forno a vácuo para a ligação entre peças metálicas e cerâmicas. O tubo cerâmico do canhão de elétrons foi doado pela empresa NGK do Brasil, fabricante de velas de ignição para motores automobilísticos. Viagem do feixe – Depois de produzido no canhão de elétrons, o feixe viaja em uma espécie de túnel com diâmetro de um centímetro e meio. Ao longo do trajeto, quando o túnel atravessa câmaras chamadas de cavidades, as micro-ondas são injetadas e formam um campo elétrico na direção do feixe. Nas pontas da estrutura aceleradora do booster existem dois grandes eletroímãs que fazem o feixe retornar para ela, de modo a fornecer novo impulso ao feixe. Para que tudo funcione sem interferências externas, uma parte do equipamento possui uma blindagem magnética que bloqueia, inclusive, o campo magnético da Terra. Ao longo de todo equipamento há uma série de microcontroladores que checam vários parâmetros. Entre os sistemas necessários ao bom funcionamento do mícrotron está o de proteção pessoal. “Existe um sistema de intertravamento que desliga o acelerador caso alguém entre no prédio da máquina, por medida de precaução contra possíveis problemas com a radiação X ou gama – ninguém fica ao lado do mícrotron enquanto ele funciona.” O controle do equipamento é feito de outra sala do instituto com um sistema dotado de um software exclusivo desenvolvido pela equipe do mícrotron. O projeto e a construção do mícrotron mostram o esforço de independência de um grupo de pesquisadores em dotar o país de um instrumento de grande importância não apenas para a ciência básica como também para a indústria. “Cada vez mais com o avanço tecnológico haverá necessidade de aceleradores industriais para analisar peças com feixes de alta energia, por exemplo, e nós provamos que temos capacidade científica e tecnológica para a construção de um acelerador de elétrons. Assim podemos transmitir conhecimentos em aceleradores para quem necessite construir um”, diz o professor Vanin. Ele conta também que o grupo do mícrotron tem interesse em manter intercâmbio com pesquisadores de outras instituições que desejem usar o acelerador. Mícrotron total Completo como mostra o esquema ao lado, o mícrotron ocupará duas grandes salas do Instituto de Física. Hoje está na primeira, à esquerda, sem o acelerador principal e com o alvo, o material a ser analisado. A produção do feixe começa no canhão. Depois segue pelo injetor, ganha velocidade no booster, atinge o alvo e gera fótons. Como linhas auxiliares existem as de irradiação pelo feixe de fótons e por Bremsstrahlung, além do absorvedor do feixe. © Daniel das neves OS PROJETOS 1. Montagem da sala de controle do mícrotron – nº 98/15389-9 2. Aquisição de dados no laboratório do acelerador linear – nº 97/04084-0 3. Sistema de transporte do feixe do mícrotron booster – nº 03/07008-5 4. Instalação e caracterização da rede de micro-ondas de alta potência do acelerador mícrotron do IFUSP – nº 06/01017-0 Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenadores 1 e 3. Marcos Nogueira Martins – USP 2 e 4. Vito Roberto Vanin – USP Investimentos 1. R$ 40.835,45 e US$ 31.425,00 (FAPESP) 2. R$ 44.047,73 e US$ 55.659,50 (FAPESP) 3. R$ 166.665,00 (FAPESP) 4. R$ 124.812,50 e US$ 25.700,00 (FAPESP)
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Pesquisa FAPESP Edição 89 - Julho 2003 Tecnologia > Mais conforto e eficiência Microesferas biodegradáveis e implantes oculares eliminam as injeções em vários tratamentos Liliane Nogueira O avanço tecnológico na produção de medicamentos segue necessariamente a procura por soluções menos agressivas e mais eficazes de absorção das drogas pelo organismo. Nos países desenvolvidos, a indústria farmacêutica investe fortunas na busca de qualidade terapêutica e para proporcionar mais conforto aos pacientes. No Brasil, apesar de os investimentos nesse setor serem pequenos, surgem exemplos de competência e de domínio tecnológico, com resultados semelhantes aos dos grandes laboratórios multinacionais. É o caso de uma patente depositada em abril deste ano no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que registra a técnica de encapsulamento de insulina em microesferas (compostas de polímeros) biodegradáveis. Assim, o medicamento poderá ser administrado na forma de aerossol, como as bombinhas usadas por aqueles que têm asma, uma maneira mais agradável de substituir as injeções subcutâneas aplicadas todos os dias pelos diabéticos do tipo 1.O encapsulamento de insulina é um processo desenvolvido pela equipe do professor Armando da Silva Cunha Júnior, do laboratório de Farmacotécnica e Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da UFMG, em Belo Horizonte. A utilização de polímeros biodegradáveis no preparo de novos medicamentos também é usada por ele na área oftalmológica. "Desenvolvemos implantes, na forma de bastão para ser instalado na parte posterior do olho, que libera drogas por alguns meses, enquanto o material polimérico se degrada no organismo", explica Cunha Júnior. Por enquanto, as pesquisas com o implante oftálmico estão concentradas nos medicamentos destinados ao tratamento das uveítes. Originalmente, a doença é uma inflamação do trato uveal, composto pela íris, corpo ciliar e coróide (membrana situada na frente da retina), mas o termo tem sido empregado também para inflamações em estruturas adjacentes, como a retina e o nervo óptico.As uveítes podem ser causadas por traumas cirúrgicos ou acidentais, por microrganismos externos, ou surgirem de forma secundária associadas a doenças como a tuberculose, a toxoplasmose e outras. O primeiro passo é tratá-la com os colírios convencionais à base de corticóide. Entretanto, na maioria das vezes, essa prática não gera resultados, tornando-se necessário a utilização do medicamento por via oral ou injeções intra-oculares. Além de dolorido, o tratamento quase nunca dá bons resultados e é causa de cegueira em grande proporção. Interesses na inovação Cunha Júnior está entusiasmado com a repercussão que esse implante oftalmológico poderá ter entre as indústrias farmacêuticas brasileiras. "Já fizemos alguns contatos com laboratórios nacionais interessados em desenvolver o produto", revela. Mas o mesmonão acontece com as microesferas de insulina. "O problema é que não há empresa no país que se interesse em transformar essa inovação em produto", diz o professor. A pesquisa desenvolvida por ele foi realizada com insulina cedida pela Biobras - única fábrica desse medicamento no Brasil, localizada em Montes Claros, no norte de Minas Gerais -, que produz o hormônio. Os testes foram feitos em ratos e camundongos diabéticos, que responderam bem ao tratamento com a insulina encapsulada. O próximo passo seria a realização dos ensaios clínicos em humanos, mas não houve tempo suficiente. Em fevereiro de 2002, a Biobras foi vendida para o laboratório farmacêutico Novo Nordisk, da Dinamarca, e a pesquisa da UFMG foi interrompida. "Acreditamos que, com a venda da empresa brasileira, as perspectivas mercadológicas desapareceram. No momento, não há, no Brasil, nenhum interesse na insulina encapsulada, mesmo porque não temos mais uma empresa genuinamente nacional que produza o hormônio e queira desenvolver aqui um novo método terapêutico. Conhecendo o mercado como eu conheço, não tenho esperanças", desabafa o pesquisador. E ele fala com conhecimento de causa. No período entre a graduação na Faculdade de Farmácia da UFMG, em 1986, e a pós-graduação (mestrado e doutorado) na França, na Universidade Paris XI, de 1993 a 1997, Cunha Júnior trabalhou com a insulina em sua forma tradicional, na Biobras. Foi nessa época que ele começou a se interessar por novas formas farmacêuticas, tema de sua dissertação de mestrado e da tese de doutorado. Em 1997, ele recebeu da Association de Pharmacie Galénique Industrielle, ou Associação de Farmácia Galênica Industrial - galênica significa farmacotécnica ou manipulação farmacêutica - e da Association de Recherches Scientifiques Paul Neumann, ou Associação de Pesquisas Científicas Paul Neumann, fundador do antigo laboratório Hoechst, vinculada atualmente à empresa Aventis, o prêmio de melhor tese em tecnologia farmacêutica desenvolvida na França, naquele ano. O fato é que a insulina em aerossol certamente chegará por aqui, ainda que importada. Ao mesmo tempo em que a pesquisa se desenvolvia na Faculdade de Farmácia da UFMG, dois pequenos laboratórios norte-americanos de alta tecnologia, o Inhale Therapeutics of San Carlos e o Aradigm Corporation, ambos na Califórnia, associados aos gigantes Pfizer e Aventis, investiam em pesquisa semelhante, que, com algumas diferenças no processo tecnológico, também resultou nos produtos base para o aerossol. A diferença é que lá o novo formato de insulina está prestes a entrar no mercado. Doses menores Mesmo desiludido com a atual impossibilidade de a insulina em aerossol com tecnologia brasileira chegar ao mercado, Cunha não se furta de apontar as vantagens dessa nova forma farmacêutica. Ele garante que o microencapsulamento da insulina proporciona a proteção necessária para a estabilidade do hormônio e facilita a absorção pelo organismo. Além disso, há mais conforto na aplicação e na eficiência do tratamento."O alvéolo pulmonar é extremamente fino e permeável, transformando-se em uma barreira muito mais fácil de transpor do que o tecido subcutâneo. As doses poderão ser menores que as utilizadas pela via subcutânea e o efeito, mais satisfatório", afirma o pesquisador. Os polímeros usados nas pesquisas, conhecidos como PLGA, são derivados dos ácidos glicólico e lático - a mesma matéria-prima usada na confecção de fios biodegradáveis para sutura. No trabalho que resultou no implante foi necessário um outro tipo de tecnologia adicional. "Em conjunto com o Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG, nós projetamos e construímos um protótipo de um equipamento para a compressão do pó contendo droga e polímero, que é então moldado em formato de bastão, com 4 milímetros de comprimento por 1 milímetro de diâmetro, que serve de base para um implante intra-ocular", explica o pesquisador. O implante é feito em uma pequena cirurgia, quando o bastão biodegradável é colocado na parte posterior do olho. "Agora, minhas esperanças estão concentradas na linha oftalmológica." Por enquanto, os implantes estão sendo testados em coelhos, que apresentam uma estrutura ocular semelhante à humana, inclusive no tamanho. Esses estudos são realizados em conjunto com a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. O próximo passo é elaborar também uma patente desse novo método terapêutico.
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Pesquisa FAPESP Edição 89 - Julho 2003 Memória > Barreiras rompidas Há 40 anos começava, na prática, o programa espacial brasileiro Neldson Marcolin O momento era de pura excitação. Desde outubro de 1957, quando os soviéticos mandaram o primeiro satélite artificial ao espaço, se antecipando aosnorte-americanos em quatro meses, o mundo acompanhava a então recente corrida espacial com encantamento. A possibilidade de alcançar e conhecer novos mundos fora da Terra contagiou a todos e deu início a uma era de desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes. Para não ficar à margem desses avanços, o governo brasileiro criou em 1961 uma comissão para estudar e sugerir uma política de pesquisas espaciais. Uma dúzia de pessoas, todas oriundas dos quadros da Aeronáutica, começou a trabalhar no Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Em 1963, engenheiros do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) se uniram a esses pioneiros e passaram a procurar um lugar no Nordeste brasileiro, próximo à linha do Equador, que pudesse servir como um campo de lançamento de foguetes suborbitais de pequeno e médio porte. A escolha recaiu sobre um sítio de 5 mil metros quadrados distante 18 quilômetros de Natal, no Rio Grande do Norte, chamado pelos pescadores de Barreira do Inferno - no local há uma falésia vermelha que brilha com intensidade ao nascer do sol e, do mar, dá a impressão de estar em chamas. O sítio escolhido é perto do Equador, o que economiza combustível, a localização é em uma praia, que garante segurança no momento do ponto de impacto dos vários estágios dos foguetes e, por fim,o clima é estável, com regime de chuvas bem definido. Foi lá que começou, na prática,a pesquisa espacial brasileira. Em 15 de dezembro de 1965, com o Centro de Lançamento de Barreira do Inferno parcialmente montado, o foguete Nike-Apache, da Nasa, a agência espacial norte-americana, foi disparado e rastreado com sucesso - o objetivo era fazer medições nas camadas inferiores da ionosfera. Desde então, a Barreira do Inferno teve um grande número de lançamentos e pôde construir e testar foguetes brasileiros. Mais tarde, quando se pensou em projetos mais audaciosos, o centro ficou pequeno. Foi quando surgiu o Campo de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, localizado numa área muito maior e que permite economia de combustível de 25% em relação a Cabo Canaveral, nos Estados Unidos, quando coloca satélites em órbita equatorial. "Mas a Barreira do Inferno nunca deixou de lançar foguetes", afirma Adauto Motta, chefe do Centro Regional do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no Nordeste. Motta escreveu o livroEsboço Histórico da Pesquisa Espacial no Brasil (Editora Foco) e foi por seis anos chefe de operações em Barreira do Inferno. Hoje, o local é usado para testar foguetes com fins militares e de pesquisa, com carga útil do Inpe.
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Ciência > Capa Os olhos do deserto Começa a etapa final da construção do Observatório Pierre Auger no oeste da Argentina com o propósito de captar os raios cósmicos de alta energia Carlos Fioravanti (texto) e Miguel Boyayan (fotos), de Malargüe A um passo dos comandos da caixa de controle instalada na parede um dia antes, Sérgio Luiz Carmelo Barroso, um físico de 34 anos, observa a descida da cortina de chamois azul que protege os espelhos de um dos telescópios do Observatório Pierre Auger, em construção no oeste da Argentina. Não parece muito satisfeito. No centro do pano grosso, forma-se um círculo vermelho intenso, como efeito da luz ultravioleta que atravessa uma lente de 5 metros de diâmetro. "Não está ruim", consola-se, porque seu plano era que nenhuma luz dessa manhã ensolarada de domingo atravessasse a cortina. "O que queremos é a perfeição." Barroso e Marcelo Augusto Leigui de Oliveira, de 33 anos, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), só chegaram à perfeição três dias depois, quando trocaram a cortina azul por uma preta, capaz de barrar por completo qualquer luz. Os dois paulistas trabalharam semanas na penumbra instalando outras caixas de controle e proteções dos espelhos, em meio a largas cortinas de espesso plástico preto que separam cada conjunto de espelhos e lembram os bastidores de um teatro. Lá fora, sob um céu azul cobalto sem nuvens, os Andes se exibem a oeste com nitidez, os picos cobertos de neve, o corpo alongado como um bloco de madeira dura talhado a golpes secos de facão. Distante pelo menos 100 quilômetros, a cadeia de montanhas mais altas da América do Sul parece próxima por causa da excelente visibilidade, que resulta da baixa umidade e da ausência quase absoluta de poluição. As condições climáticas e a amplidão desta planície, cuja linha do horizonte, a leste, parece fundir-se com um mar imaginário, fizeram dessa região semidesértica argentina o espaço perfeito para abrigar o Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos, um dos maiores e mais ambiciosos empreendimentos da história da física, que neste mês de agosto inaugura uma nova fase. Começa a etapa de produção, a terceira eúltima, com amontagem intensiva de equipamentos segundo os padrões testados e definidos nas duas fases anteriores, de protótipo e de pré-produção, que tomaram os últimos três anos. Maior laboratório a céu aberto já projetado, o Pierre Auger começou em fevereiro de 2000 a ocupar os arredores de Malargüe, cidade de estimados 20 mil habitantes (e dois cruzamentos com semáforo) a 420 quilômetros de Mendoza, o centro urbano mais próximo dotado de linhas aéreas regulares. Para cobrir seus custos, estimados em US$ 54 milhões, formou-se um consórcio com instituições de 18 países. O Brasil participa com R$ 2,5 milhões, por meio de um projeto temático da FAPESP (R$ 1,8 milhão) e do Programa de Núcleos de Excelência em Pesquisa (Pronex) do Ministério da Ciência e Tecnologia (R$ 700 mil). O chairman dofinance board, que reúne representantes dos países, é o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. "O fato de o chairman ser um brasileiro dá a dimensão da importância da pesquisa brasileira para o projeto", diz ele. O propósito dessa empreitada que reúne 250 cientistas é detectar e interpretar os raios cósmicos, partículas subatômicas com uma energia colossal, pelo menos 100 milhões de vezes superior à daquelas produzidas no mais potente acelerador de partículas, o Tevatron, nos Estados Unidos. Em termos mais concretos, esses raios cósmicos têm uma energia equivalente à de uma bola de futebol movendo-se a 54 quilômetros por hora ou à de uma bola de tênis após o saque por um profissional como o Guga. Quando estiver operando a plena capacidade, daqui a provavelmente três anos, o Pierre Auger deverá ocupar 3 mil quilômetros quadrados, o dobro da área da cidade de São Paulo, e os resultados que fornecer talvez sejam valiosos para entender uma série de fenômenos físicos, da constituição da matéria à formação do universo. Desde já, porém, impõe-se à paisagem ao pé dos Andes. Contrastes - Entre touceiras de plantas espinhosas que crescem sobre um solo pedregoso, espalham-se os chamados tanques Cerenkov, cada um com 3,7 metros de diâmetro. Dentro deles há 11 mil litros de água puríssima e, por fora, um painel solar, que lhes fornece a energia armazenada em uma bateria feita pela empresa Moura, de Recife, e usada por um miniprocessador acoplado a uma antena de rádio. A esse conjunto dá-se o nome de detector de superfície, um dos recursos usados para registrar os raios cósmicos de forma indireta, já que ao entrar na atmosfera os raios cósmicos formam trilhões de outras partículas. Ao atravessarem as paredes do tanque e passarem pela água, as partículas formadas pela fragmentação dos raios cósmicos geram uma radiação azulada, a luz Cerenkov. Captada por sensores, é enviada por ondas de rádio para a sede do observatório, uma construção moderna na entrada de Malargüe, com paredes laterais de vidro, das quais se pode ver, ao longe, fileiras de álamos que nesta época do ano, por causa da seca e do frio, estão cinzas, completamente desfolhados. Até agora, estão montados 131 tanques, dos quais 50 em funcionamento. Separados por uma distância regular de 1,5 quilômetro entre si, estão alinhados com os detectores de fluorescência, como são chamados os telescópios munidos de espelhos e fotodetectores, os tais olhos-de-mosca que registram a luz tênue emitida pelo nitrogênio do ar após a colisão com as partículas na alta atmosfera - equivalente à energia de uma lâmpada de 5 watts a 20 quilômetros de distância. Por serem tão sensíveis é que os detectores de fluorescência só funcionam às escuras, em noitessem lua, enquanto os tanques captam os raios cósmicos o tempo todo. O Pierre Auger será o primeiro observatório a integrar esses dois métodos de observação, até hoje adotados isoladamente em observatórios menores, como o Fly's Eye, que funcionou de 1981 a 1992 nos Estados Unidos com 67 telescópios, e o Agasa, no Japão, com 111 detectores de superfície. Há hoje dois telescópios em operação - só um deles, o número 4, está completo, agora com a cortina de chamois. Ambos fazem parte de um prédio - ou olho - em formato de semicírculo, o Los Leones, que ocupa um morro a 6 quilômetros de Malargüe. Sob a supervisão de Carlos Escobar, da Unicamp, a equipe brasileira - 22 pesquisadores paulistas, incluindo dois da Universidade de São Paulo (USP), e outros dez do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro, e das universidades federais fluminense (UFF) e da Bahia (UFBA) - trabalha nos telescópios e na instalação dos tanques, fabricados pela Alpina, uma empresa de São Paulo. No Los Leones, os brasileiros põem para funcionar os motores e as caixas de controles dos shutters, portas que protegem os telescópios. Têm ainda pela frente a montagem das lentes corretoras - produzidas pela Schwantz, de Indaiatuba, interior paulista - nos outros quatro telescópios a serem instalados em Los Leones. Feitas com vidro alemão, as lentes convergentes em formato de trapézio, com 25 centímetros de altura, formam um anel corretor ao longo das bordas do diafragma, que regula a entrada de luz, como o diafragma de uma câmera fotográfica, e aumenta o raio da lente de 85 para 110 centímetros, sem perder a qualidade da imagem. Quando osshutters e as cortinas estão abertos, a tênue luz gerada pelos raios cósmicos atravessa os filtros ultravioleta e a lente, incide em um espelho parabólico, formado na verdade por 60 espelhos, e se reflete nos fototubos, conjuntos de 440 células de 4 centímetros cada, os olhos-de-mosca. Luzes raras De acordo com o planejado, haverá quatro prédios - dos outros três, apenas o segundo, Coihueco, a 60 quilômetros de Los Leones, já está construído, em fase inicial de montagem dos equipamentos. Juntas, as quatro construções terão 24 telescópios, com um ângulo de visão que cobre quase a superfície até 32o do céu do Hemisfério Sul. A planície andina será também pontuada por um total de 1.600 tanques Cerenkov, de modo que se possa captar o maior número possível dessas raras partículas cósmicas. Calcula-se que chegue à Terra uma partícula de alta energia por quilômetro quadrado por século. Portanto, quanto maior a área ocupada com os equipamentos, maior a probabilidade de registrar mais eventos. Com todos os detectores de superfície e de fluorescência em operação, espera-se registrar 20 ou 30 eventos por ano. Rumo a essa meta, trabalha-se intensamente. No início de julho, físicos eslovenos, italianos, franceses, brasileiros, norte-americanos e argentinos - na maioria pós-doutores na casa dos 30 anos - montavam equipamentos durante o dia nos tanques ou em Los Leones e, à noite, muitas vezes até 3 da madrugada, nas oficinas do prédio da cidade. E é provável que esse ritmo se intensifique a partir deste mês, quando começa a montagem em série de equipamentos. Pretende-se chegar a dezembro com ao menos 250 tanques e seis telescópios em operação (quatro em Los Leones e dois em Coihueco). Por respeito aos prazos é que, no mesmo domingo em que os dois paulistas testavam a cortina no Los Leones, o francês Xavier Bertou e o norte-americano Patrick Allison subiam os tanques instalados no campo, expostos ao vento frio, montando caixas de controle mais compactas e com menos fios que a versão usada nos tanques Cerenkov mais antigos - o plano deles era terminar a instalação de 50 novos tanques em algumas semanas. "Às vezes chove por aqui", diz Bertou, "e o equipamento protótipo não estava bem protegido contra a água." Quem os visse na oficina da cidade nos dias anteriores, apertando parafusos ou montando com destreza as novas caixas de controle dos tanques, com peças que vieram dos Estados Unidos, da França e da Inglaterra, poderia pensar que seriam eletricistas ou, vá lá, engenheiros, mas dificilmente pós-doutorandos em física de altas energias. "Temos de fazer o que for preciso", diz o diplomático francês de 30 anos, ligado à Universidade de Chicago, Estados Unidos, que parece desfrutar muito pouco a solenidade de seu cargo de coordenador de operações científicas. Bertou deixou Paris no começo do ano passado para se instalar em Malargüe e hoje não passa mais sem o chimarrão no final de tarde. Allison, um dos mais jovens integrantes da equipe, tem 26 anos, mas parece ter menos de 20. "Esse garoto é um crânio", comenta o argentino Ricardo Perez ao observá-lo testando os controles eletrônicos dos tanques. "Graças a ele existe o Auger", reforça Perez. Foi o jovem norte-americano, doutorando da Universidade da Pensilvânia, quem criou os programas de comunicação entre os detectores de superfície e o escritório central, com o horário exato, a intensidade e a localização precisa dos registros de raios cósmicos. Mesmo tendo vindo a Malargüe 14 vezes desde que entrou no projeto, há sete anos, Allison ainda fala pouquíssimo espanhol. A razão, ele explica, é que se sente irritado por não conseguir se expressar em outro idioma tão rapidamente como em inglês. Discreto, preferindo falar dos outros, Perez é essencial no dia-a-dia. E não apenas por resolver problemas práticos de instalação dos tanques Cerenkov. Como responsável pela manutenção, esse argentino de 31 anos nascido em Malargüe acompanhou a montagem dos primeiros tanques, que no início não funcionavam por uma razão simples: as vacas do pasto em que ficam os tanques comiam os fios de transmissão de dados. Foi Perez, técnico em mineração, quem bolou uma caixa de proteção dos fios - e as vacas nunca mais atrapalharam a ciência. Seu valor vai além. Perez parece ter conseguido entender, respeitar e conciliar o estilo de trabalho dos alemães, franceses, norte-americanos e argentinos. "Temos de valorizar as coisas boas e amenizar as deficiências de cada grupo", comenta Perez, com uma clara visão da grandiosidade desse trabalho. Para ele, o fato de ao menos oito tanques Cerenkov terem sido batizados com o nome de Paz, em português, inglês, espanhol, francês e mesmo em árabe - embora a maioria dos tanques tenha nomes de mulheres, a partir de um primeiro nomeado por pesquisadores cariocas -, significa que é possível deixar de lado a política e estabelecer uma colaboração internacional com objetivos comuns, com base na ciência. Incertezas Por meio dos programas de Allison e dos fios agora protegidos das mordidas bovinas (nos controles eletrônicos novos os fios são embutidos), chegaram informações sobre cerca de 300 episódios - alguns registrados ao mesmo tempo por 20 tanques - com energia superior a 1018 (o número 1 seguido de 18 zeros) elétrons-volts (eV), 1 milhão de trilhão de vezes superior à de um elétron. São resultados preliminares, sujeitos a confirmações, mas já num patamar de energia 3 mil vezes mais alto que odos raios cósmicos detectados pelo físico francês Pierre Victor Auger (1899-1993), inspirador desse projeto por ter registrado o primeiro chuveiro de partículas, em 1938. A esperada matéria-prima da pesquisa começa a chegar. Mas existe um acordo entre os pesquisadores: a despeito da tentação, decidiram não parar para analisar os dados - até porque ainda são considerados poucos - enquanto as obras de construção dos detectores não estiverem próximas do fim. Há, porém, uma questão intrigante que ocupa os momentos de descanso dos físicos. É a diferença - ou discrepância - entre os dados registrados pelos dois tipos de detectores: os de superfície captaram partículas com o dobro da energia da que foi verificada nos detectores de fluorescência, de acordo com os métodos de análise de cada tipo de equipamento (e são as mesmas, sim, porque chegaram exatamente no mesmo horário). "Os modelos teóricos de análise de dados estão provavelmente errados", assegura Allison, diante do impasse, que na verdade se exibe como uns dos primeiros trunfos desse gigantesco trabalho: "Se não tivéssemos dois tipos de detectores, não saberíamos que algo pode estar errado". Não há dúvidas de que é um desafio rever as bases conceituais de algo cuja natureza se desconhece. O que são, afinal, os raios cósmicos? "Podem ser prótons (partículas que formam o núcleo atômico), fótons (partículas de luz) ou mesmo núcleos inteiros de átomos como os de ferro", diz Miguel Mostafa, engenheiro nuclear de 33 anos que integra a equipe da Universidade do Novo México, Estados Unidos. Antes de se mudar, há um ano, para Albuquerque, no Novo México, esse argentino de Bariloche fez o pós-doutoramento na Universidade de Turim, na Itália, com Rosanna Cester - com mais de 70 anos, ela acompanha pessoalmente a construção das lentes dos telescópios. Foi ela quem orientou o pós-doutoramento de Marcelo Oliveira de fevereiro de 2000 a maio de 2001 e agora faz o mesmo com Michela Chiosso, doutoranda que em julho trabalhava num contêiner anexo a Los Leones no aparato de emissão de laser que controla a precisão dos detectores de raios cósmicos. "Por enquanto", prossegue Mostafa, deliciando-se com as dúvidas que os motivam a trabalhar, "os raios cósmicos podem ser qualquer coisa, porque não sabemos de onde eles vêm, nem como se formam e se aceleram." Acredita-se que sejam partículas formadas num raio de até 3,2 milhões de anos-luz (1 ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros), nas bordas ou logo além de nossa galáxia, a Via Láctea, e interajam com fótons remanescentes do Big Bang, a explosão que teria originado o universo. Numa demonstração de como até mesmo os conceitos básicos estão sujeitos a ajustes, Mostafa diz que as partículas cósmicas devem entrar na atmosfera em linha reta a partir do ponto em que se formaram, enquanto o norte-americano Brian Fick, físico da Universidade de Utah, Estados Unidos, e um dos líderes do grupo, com 50 anos, cogita outra possibilidade: "Pode ser que os campos magnéticos, que são fracos, mas estão em toda parte, desviem as partículas". O problema é que ninguém mediu ainda os campos magnéticos extragalácticos, cuja intensidade varia 500 vezes, de acordo com o modelo teórico que se adotar. Outro ponto da teoria a ser revisto é o chamado limite GZK, abreviação dos sobrenomes de três físicos, Kenneth Greisen, George Zatsepin e Vadem Kuzmin, que em 1966 postularam que os raios cósmicos com energia superior a 5 x 1019 eV seriam absorvidos à medida que viajassem pelo espaço e nunca seriam observados na Terra. Mas foram. O Fly's Eye registrou em 1993 partículas com 3 x 1020 eV - são justamente as partículas com esse patamar de energia as mais aguardadas no Pierre Auger, porque poderão dizer se esse recorde mundial é realmente válido ou se houve algum erro nas medições. O que já se conhece relativamente bem é o processo de fragmentação dos raios cósmicos, o chamado chuveiro de partículas. Ao entrar na atmosfera terrestre, vindos sabe-se lá de onde, em apenas 100 microssegundos - eis outra razão para a sofisticação dos equipamentos -, os raios cósmicos colidem com as partículas do ar, em especial o nitrogênio, e se desfazem, em sucessivas colisões, formando cerca de 10 trilhões de partículas, captadas pelos detectores por meio da luz que produzem. O eixo do chuveiro, a uma distância de até mil metros do ponto da primeira colisão, é constituído por prótons, elétrons e fótons. Nas laterais e nas regiões mais baixas, formam-se, além dos elétrons, outros tipos de partículas, como múons (semelhantes aos elétrons, mas 200 vezes mais pesadas) e neutrinos, aparentemente com massa muito reduzida. Mas reconstituir o chuveiro em detalhes e conhecer a direção e a natureza da partícula que o originou "é como descobrir a cor do cabelo de seu tatatataravô a partir de sua própria cor de cabelo", compara Barroso. O privilégio de lançar hipóteses mais concretas sobre que raios são os raios cósmicos talvez seja do indonésio Richard Randria, assíduo piloto dos computadores da Central de Aquisição de Dados, no primeiro andar do edifício da cidade, para a qual convergem os registros dos detectores de superfície e de fluorescência. Desde que entrou no projeto, há um ano e meio, como integrante da equipe da Universidade de Jussieu, em Paris, esse engenheiro eletrônico de 29 anos que já morou na Guiana e em Lisboa fez cerca de dez programas para tratar as informações dos diferentes estágios da cascata de partículas. "Tenho de prever o futuro e preparar os programas para lidar com uma quantidade muito elevada de informações", diz Randria. Ele sabe: as informações que circulam por esses computadores, depois de analisadas, podem derrubar ou confirmar modelos de interação de partículas atômicas, de evolução de estrelas e de constituição do universo. A perspectiva de contribuir para rever as leis básicas da física parece ser um estímulo para encarar as viagens de avião até Mendoza e depois as seis horas de carro ou ônibus (com sorte, Randria gasta 41 horas de Paris a Malargüe). Quando descobrirem o que são os raios cósmicos, é provável que se apaguem do rosto dos cientistas os sinais de cansaço, a ansiedade ou a inquietação pelo atraso dos equipamentos, pelo frio irritante e pelas coisas que custam a dar certo. "Será um dia de satisfação, mas talvez seja um pouco triste", imagina Fick, que trabalha no Auger desde 1992, quando esse projeto era apenas uma idéia. Neste momento, vendo os cientistas trabalhando neste fim de mundo, vem à mente um conto do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro a respeito de um homem que tentou durante anos pescar um robalo. O peixe sempre fugia, parecia gostar da perseguição, até que um dia se entregou. O homem lhe acertou o arpão e levou-o à mesa, em silêncio, com a impressão de que naquele dia o peixe queria morrer. Algo havia se perdido. Sim, de fato, a ciência é uma pescaria que exige resultados. Destas mesmas terras argentinas, que há 150 milhões de anos eram um golfo, já se desenterraram ictiossauros, crocodilos marinhos e esqueletos que levaram à conclusão de que neste trecho da Argentina a ocupação humana começou há cerca de 7 mil anos. Mas os físicos não têm nenhuma garantia de que o céu lhes será tão generoso. Como em qualquer empreendimento científico, não é inteiramente descabida a possibilidade deque essas partículas se mantenham enigmáticas mesmo com o Pierre Auger funcionando a plena capacidade. "Pode ser que cheguemos à conclusão de que é preciso construir algo ainda maior", cogita Oliveirada Unicamp. "Só daqui a 20 anos saberemos." Os Projetos Observatório Pierre Auger Coordenador Carlos Ourívio Escobar - Unicamp Investimento R$ 1.884.287,12 (FAPESP) R$ 600 mil (Pronex, MCT) Projeto Pierre Auger Coordenador Ronald Cintra Shellard - CBPF Investimento R$ 100 mil (MCT)
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Ciência > Encontros fugazes A sobrevivência de árvores de até 40 metros depende de minúsculos insetos e pássaros polinizadores Marcos Pivetta Em silêncio, após passarem até 12 horas seguidas no alto das torres de madeira de 30 metros de altura, espalhadas na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, biólogos da Embrapa Amazônia Oriental começam a desvendar os mecanismos de reprodução de algumas espécies de árvores tropicais comercialmente importantes como fonte de madeira nobre. Esse trabalho de observação é uma forma de identificar quem são e como atuam os agentes polinizadores - normalmente insetos - de um conjunto de sete espécies arbóreas com nomes populares de sonoridade bem brasileira: jatobá, andiroba, parapará, maçaranduba, cumaru, anani e tatajuba. Até recentemente não havia estudos precisos sobre o processo de polinização da maioria dessas árvores, mas já há o que comemorar. A equipe da Embrapa descobriu que uma espécie de pica-pau do gênero Celeus, de pelagem alaranjada com pontos pretos, é um dos polinizadores do anani (Symphonia globulifera ), árvore de até 40 metros de altura cujo tronco solta um látex de um amarelo intenso. "Foi uma surpresa", afirma a bióloga Márcia Motta Maués, coordenadora do grupo de seis pesquisadores. "Vimos o pica-pau procurar as flores avermelhadas da árvore três vezes num mesmo dia." Já havia registros de beija-flores e sobretudo de aves da ordem dos Passeriformes, como o pipira-vermelho (Ramphocelus carbo ), que agem como polinizadores do anani, mas ainda não de uma ave tão grande como esse pica-pau de 25 centímetros de comprimento, visto do alto de uma das seis torres de observação. Quando os animais visitam as flores, normalmente buscam comida - as flores do anani, por exemplo, mesmo sem perfume, que facilitaria sua localização, são ricas em néctar, uma mistura de açúcares. Enquanto se alimentam, pássaros e insetos cumprem uma tarefa vital para as plantas, a polinização, ao transportarem os grãos de pólen de uma flor, com as células sexuais masculinas, até o estigma, a estrutura feminina, de outra flor. E assim os seres vivos - ou mesmo o vento e a água da chuva - detonam o processo reprodutivo, ao unir as células sexuais masculinas e femininas. Desse modo se formam os frutos e as sementes, que garantem a sobrevivência e a diversidade genética das plantas. Conhecer os polinizadores das árvores mais ameaçadas pela ação do homem na Amazônia é fundamental para determinar com precisão o limite máximo de exploração racional das espécies arbóreas. "Se descobrirmos que uma espécie de árvore é polinizada só por um determinado inseto ou animal, a preservação do polinizador se torna essencial para a sobrevivência da planta", explica Márcia, cujo trabalho integra o projeto Dendrogene - Conservação Genética em Florestas Manejadas da Amazônia, gerenciado pela Embrapa Amazônia Oriental e com participações de instituições do exterior, como o Department for International Development (DFID), do governo britânico. Os pesquisadores estão cada vez mais preocupados, à medida que conhecem melhor a profunda dependência entre as árvores e os polinizadores - o desaparecimento de um grupo implica o desaparecimento do outro. Em 1998, especialistas do mundo inteiro, reunidos durante a Convenção da Biodiversidade, lançaram a Declaração de São Paulo, com recomendações de proteção e pesquisas mais intensas sobre o declínio dos insetos polinizadores, com ênfase nas abelhas. Abundância e escassez A maçaranduba (Manilkara huberi ), uma árvore que chega a 40 metros de altura, dotada de pequenas flores brancas, exibiu uma riqueza de polinizadores sem paralelo entre as espécies estudadas. Borboletas, moscas, vespas, besouros, pássaros e pelo menos 15 espécies diferentes de abelhas, entre elas aApis mellifera e as sem ferrão, visitam as flores da árvore. "Havia representantes dos principais grupos de agentes polinizadores na maçaranduba, com exceção de morcegos", conta a bióloga. Essa forte atração provavelmente decorre do fácil acesso às recompensas alimentares das flores dessa árvore, nas quais o néctar e o próprio pólen não se encontram protegidos por estruturas da flor. Mas se a fartura de polinizadores daManilkara huberi é uma boa notícia, a eventual escassez de flores a serem fertilizadas preocupa. A equipe da Embrapa verificou que a maçaranduba pode ficar até quatro anos sem florir, provavelmente por causa de mudanças climáticas provocadas pelo El Niño, o aquecimento anormal das águas superficiais do Pacífico Sul que altera o regime de chuvas e as temperaturas em parte do planeta. O cumaru, com 30 a 35 metros de altura - de seu fruto se extrai a cumarina, usada na indústria de cosméticos -, é outra espécie que apresenta uma notável variedade de polinizadores. Pelo menos 25 espécies de mariposas, vespas, besouros, beija-flores e abelhas de várias famílias, entre as quais aEpicharis , visitam as flores e podem carregar o seu pólen. Além do néctar, as flores brancas com detalhe violáceo oferecem outro atrativo para insetos e animais: são muito aromáticas, como dá a entender o nome científico dessa espécie de árvore, Dipteryx odorata. Para estudar a polinização do jatobá (Hymenaea courbaril ), os biólogos tiveram de varar madrugadas na torre situada ao lado de um exemplar dessa espécie, que chega a 50 metros de altura. Por fim, descobriram que as flores do jatobá na Amazônia só abrem depois das 22 horas, o que significa que as condições ideais de polinização se concentram à noite. Notívagos, os morcegos parecem constituir um importante grupo polinizador do jatobá. O problema é que esses mamíferos alados destroem as flores, o que as torna pouco interessantes para polinizadores diurnos como as abelhas. Situação semelhante ocorre com a flor lilás do parapará (Jacaranda copaia ), procurada por vários grupos de abelhas. Só que, nesse caso, o papel de polinizador-vilão cabe a uma espécie de mamangava corpulenta, uma abelha de até 5 centímetros de comprimento, aXylocopa frontalis , além de algumas borboletas, que perfuram as flores em busca de néctar. Flores hermafroditas A reprodução das árvores parece simples, mas às vezes surgem complicações. O pólen está na estrutura masculina das flores e o estigma se encontra na parte feminina. Mas, com exceção da andiroba (Carapa guianensis ) e da tatajuba (Bagassa guianensis ), as outras cinco espécies arbóreas estudadas têm flores hermafroditas, com estruturas reprodutivas de ambos os sexos - em outros termos, são masculinas e femininas ao mesmo tempo. Mas o hermafroditismo não quer dizer necessariamente que nessas espécies possa ocorrer a chamada autofecundação, quando as células sexuais masculinas encontram as femininas da mesma flor. "O pólen de uma flor hermafrodita de uma maçaranduba não consegue fertilizar o estigma dessa mesma flor", diz Márcia. "E também não tem sucesso em fertilizar outras flores hermafroditas da mesma maçaranduba." O pólen só é capaz de fecundar flores de outra maçaranduba - e se for transportado por um polinizador. A situação da andiroba, aparentemente polinizada por abelhas sem ferrão, besouros e mariposas, é diferente. Suas flores são chamadas de monóicas: na mesma planta há dois conjuntos de flores, as masculinas e as femininas. No início do período de florescimento, que dura cerca de cinco meses, a andiroba apresenta apenas flores masculinas e depois flores de ambos os sexos - mas nunca hermafroditas. Só que as flores de uma mesma andiroba, ainda que de sexos diferentes, não conseguem promover a fecundação entre si. Testes preliminares indicaram que, para ocorrer a fecundação nessa espécie, o pólen de uma andiroba deve ser levado até uma flor feminina de outra andiroba. "A exemplo do que ocorre com as árvores tropicais dotadas de flores hermafroditas, as espécies arbóreas com flores monóicas parecem ter mecanismos de proteção de sua diversidade genética que impedem a autofecundação", explica Márcia. Árvores que se fecundam com seu próprio pólen tendem a perder variabilidade genética e põem em risco a sobrevivência da espécie. Os pesquisadores notaram uma peculiaridade das flores masculinas da andiroba, ligeiramente maiores que as femininas, que podem dificultar o trabalho dos polinizadores. No período de floração, elas permanecem abertas por menos de 24 horas e, em seguida, despencam da árvore. Os insetos que espalham o pólen dessa espécie têm de agir rápido. Caso contrário, não há fertilização. Talvez a tatajuba, espécie relativamente rara na Amazônia, da mesma família da figueira, apresente o contexto reprodutivo mais complicado entre as variedades de árvores estudadas. Trata-se de uma espécie dióica. Algumas tatajubas são árvores machos, apenas com flores masculinas. Outras tatajubas são árvores fêmeas, só com flores femininas. "Vimos que apenas um tipo de inseto, os tripes, visitam as flores, de aroma forte e adocicado", conta Márcia. Os tripes ou lacerdinhas são insetos de poucos milímetros, da ordem Thysanoptera, cuja eficiência na polinização depende de um fator natural: o vento. Se venta bastante, muitos tripes desembarcam na tatajuba. Se venta pouco, esse número se reduz bastante. Para complicar, há a questão do sexo das árvores. Marivana Borges Silva, pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), associada ao projeto, procura saber se a proporção de tatajubas macho e fêmea é a mesma. O que já se verificou é que os conjuntos de flores (inflorescências) masculinas e femininas são distintas: as inflorescências masculinas são em forma de espiga, com flores extremamente simples, sem pétalas nem sépalas, as estruturas de proteção da base das flores, enquanto as femininas também são nuas e lembram uma minibola de golfe. Mas os madeireiros, ao derrubar uma árvore dessa espécie, raramente prestam atenção nesses detalhes. Resultado: ainda não se sabe aocerto, mas a tatajuba pode estar correndo o risco de desaparecer, sobretudo em áreas de intensa exploração madeireira, devido ao desequilíbrio entre a proporção de plantas masculinas e femininas.
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Ciência > Identidade sem ambigüidade Laboratório da USP descobre as causas genéticas e as formas de tratamento de alterações hormonais raras Fabrício Marques Um prêmio concedido nos Estados Unidos pela primeira vez a um pesquisador brasileiro, a endocrinologista Ana Claudia Latronico, de 39 anos, chamou a atenção para a produtividade científica de uma equipe da Universidade de São Paulo (USP) que lida com um material riquíssimo. Todos os meses, o grupo da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento do Hospital das Clínicas da USP atende 400 pessoas vindas de todo o país com distúrbios hormonais que impedem o crescimento normal de crianças, interferem na puberdade de adolescentes ou geram anomalias no desenvolvimento dos órgãos sexuais, como o hermafroditismo, em que o indivíduo nasce com ovários e testículos, além de genitais externos mal definidos. Tamanha diversidade de pacientes - e a oportunidade de tratá-los e acompanhá-los - transformou a unidade em um centro de pesquisa de referência internacional. É ali que, sob a orientação de Berenice Bilharinho de Mendonça, Ana Claudia participa há 12 anos de uma série de estudos pioneiros que descrevem novas mutações genéticas causadoras de doenças hormonais. O conjunto desses trabalhos é que rendeu a Ana Claudia o Prêmio Richard E. Weitzman, concedido em junho pela Sociedade Americana de Endocrinologia a pesquisadores com menos de 40 anos de idade. A equipe de 25 pesquisadores liderada por Berenice - mulheres, na maioria, como é comum na área de endocrinologia - enfrenta diariamente o desafio de mostrar a quem aparece por lá em busca de atendimento que em geral é possível tratar esses problemas genéticos marcados por um forte preconceito. É o caso da identificação do sexo de indivíduos que nascem com genitais ambíguos - com estruturas masculinas e femininas completas ou não. Esse problema compreende três grupos de doenças diferentes. Um é o hermafroditismo verdadeiro, em que o indivíduo apresenta ovários e testículos e os órgãos genitais externos com estruturas masculinas e femininas, a chamada ambigüidade genital. Geneticamente, a maioria dos hermafroditas verdadeiros tem em cada célula dois cromossomos X - os homens normais têm um cromossomo X e um Y e as mulheres, dois X. Portanto, eles deveriam ser mulheres. Mas como explicar o desenvolvimento dos testículos? Provavelmente,isso se deve a alterações em genes ainda desconhecidos que atuam como o gene SRY do cromossomo Y, responsável pela formação dos testículos. O segundo grupo é o pseudo-hermafroditismo masculino: do ponto de vista genético, o indivíduo é um homem (XY), mas o pênis não se desenvolve completamente e a abertura da uretra fica em posição anormal. "Os pseudo-hermafroditas deveriam ter sido homens normais, mas não foram completamente virilizados, por causa de defeitos ocorridos ao longo do desenvolvimento sexual embrionário", diz Berenice. Até os dois meses de gestação, lembra ela, os homens e as mulheres têm a genitália idêntica - o que os diferencia, a partir desse momento, é a ação do hormônio sexual masculino, a testosterona. As mulheres pseudo-hermafroditas constituem a terceira categoria: apresentam dois cromossomos X e possuem o aparelho reprodutor feminino completo, como toda mulher qualquer, mas durante a vida intrauterina sofreram um processo de virilização dos genitais: o clitóris cresce excessivamente e se apresenta como uma estrutura semelhante ao pênis. Desde 1976, chegam a 500 os casos de ambigüidade genital diagnosticados nessa unidade do Hospital da Clínicas da USP. A causa mais freqüente - responsável por um em cada três casos - é uma doença de nome complicado, a hiperplasia adrenal congênita virilizante. Mutações no gene CYP21A2 resultam na deficiência de uma enzima, a 21 hidroxilase. A escassez dessa enzima impede a síntese do hormônio cortisol, produzido nas glândulas supra-renais. Numa reação em cadeia, a falta desse hormônio aciona uma glândula da base do cérebro, a hipófise, que intensifica a produção de outro hormônio, o hipofisário corticotrófico, estimulante da atividade das supra-renais. Em resposta a esse estímulo, as supra-renais aumentam de tamanho e produzem mais hormônio masculino, a testosterona. Nos fetos do sexo feminino, o excesso desse hormônio provoca virilização: as mulheres nascem com um clitóris hipertrofiado, que lembra um pênis, e uma bolsa escrotal sem testículos, que recobre completamente a vagina. Mas o aparelho reprodutor interno e os cromossomos são de uma mulher, caracterizando um caso clássico de pseudo-hermafroditismo feminino. "Às vezes, mesmo em berçários de maternidades grandes, esse tipo de bebê é registrado como menino", diz Berenice. Sem o auxílio de exames hormonais e da determinação dos cromossomos sexuais, médicos se confundem e imaginam que se trata de um bebê do sexo masculino cujos testículos só irão descer para a bolsa escrotal mais tarde. Nos fetos do sexo masculino, a mutação desse gene faz com que haja apenas o crescimento anormal das supra-renais, sem alterações nos genitais externos. Duas pesquisadoras dessa equipe, Tânia Bachega e Ana Elisa Billerbeck, descobriram, nos últimos quatro anos, cinco novas mutações do CYP21A2, como parte dos resultados de dois projetos temáticos apoiados pela FAPESP. Desse modo, a análise de mutações genéticas ligadas a doenças sexuais integrou-se ao diagnóstico pré-natal, permitindo assim às mulheres que já tiveram uma filha pseudo-hermafrodita evitar que o problema se repita. No terceiro mês de gestação, a futura mãe submete-se a um exame de um fragmento da placenta que revelará se o embrião é do sexo feminino e se apresenta alguma alteração no gene CYP21A2. Se o teste indicar mutações, a equipe de Berenice sabe como evitar as conseqüências: a mãe deverá tomar um medicamento, o corticóide sintético dexametasona, que evita que os órgãos sexuais da menina se apresentem como os de um menino. Chegando ao feto por meio da corrente sangüínea, a dexametasona ingerida pela mãe inibe a produção excessivado hormônio adenocorticotrófico (ACTH), que impede a produção exagerada do hormônio sexual masculino. Nesse caso, a equipe brasileira desenvolveu os estudos moleculares e atestou no Brasil a eficácia desse tratamento, criado em meados dos anos 70 na França. Puberdade precoce A identidade sexual se cristaliza por volta dos 2 anos de idade e, depois disso, é muito complicado mudá-la. Por essa razão, lembra Berenice, identificar precocemente a disfunção é essencial para evitar traumas nos pais e na criança. Mas, lamentavelmente, o diagnóstico tardio ainda ocorre com freqüência no Brasil. Metade dos casos de ambigüidade genital que chegam a esse ambulatório do HC é de pessoas adultas. Nesses casos, definir o sexo torna-se uma questão que não se resume à genética. Pode estar escrito no núcleo de cada célula se um indivíduo é uma mulher, se apresenta dois cromossomos X, mas o que fazer se foi criado como homem e desenvolveu uma identidade masculina? A equipe de Berenice enfrentou um caso desse tipo em junho, quando apareceu um hermafrodita verdadeiro, de 20 anos, com genitais masculinos e femininos. Havia sido registrado como mulher, mas criado como homem. Ele (o nome não pode ser divulgado, em respeito à privacidade) chegou ao HC depois de cumprir um calvário de constrangimentos públicos. Nascido no interior de Pernambuco, veio a São Paulo em busca de tratamento e foi parar num desses programas de televisão vespertinos que tratam anomalias como atração de circo. O programa lhe ofereceu tratamento médico, mas ele deveria dizer para a namorada, ao vivo, que era hermafrodita - ela não sabia. Aproveitando a exposição no programa, um médico disse que se disporia a tratá-lo, de graça. A violência moral só terminou quando o rapaz fez os exames para iniciar o tratamento e outro médico - um herói anônimo - encaminhou-o para o Hospital das Clínicas. A análise cromossômica, embora apresentasse genitais ambíguos, identificou dois cromossomos X. Portanto, geneticamente era do sexo feminino. Por opção própria, como apresentava identidade masculina, submeteu-se à retirada do útero, ovários e vagina e à chamada masculinização (a uretra foi transposta para a glande) dos genitais externos. Com freqüência, as pesquisas desse grupo da USP desvendam a origem de doenças raras ou que se confundem com outras, desse modo incentivando a busca de novos tratamentos. Por exemplo, um estudo conduzido pela médica Sorahia Domenice, publicado em setembro de 2001 noJournal of Clinical Endocrinology and Metabolism , mostrou que uma mutação já conhecida do gene DAX1 produzia manifestações mais amplas do que se acreditava. Os principais sintomas da doença eram o funcionamento precário da supra-renal e o atraso da puberdade. A equipe do HC descreveu há dois anos outra mutação no gene DAX1, encontrada em um menino, que, em vez do atraso, provocou puberdade precoce, com o surgimento de caracteres sexuais antes dos 3 anos de idade. Em um estudo de grande repercussão publicado em 1996 noNew England Journal of Medicine , os pesquisadores do HC descreveram um defeito genético no receptor do hormônio luteinizante (ou LH, na sigla em inglês), produzido pela hipófise, que estimula a fabricação de testosterona pelos testículos. Com a mutação no receptor do LH, o organismo não produz testosterona em quantidades adequadas e os fetos, embora apresentassem cromossomos masculinos, nasciam com genitália feminina ou ambígua. Um ano depois de pesquisadores do Hospital Universitário de Nijmegen, da Holanda, terem publicado a primeira descrição de uma mutação no receptor de LH causando pseudo-hermafroditismo masculino, o estudo brasileiro mostrou que o espectro dessa anomalia era maior, ao descrever um menino com micropênis e um efeito até então desconhecido: as irmãs dos portadores de pseudo-hermafroditismo masculino, devido à mutação do receptor do LH, são inférteis, com menstruação irregular ou ausente. A médica Regina Martin comprovou este ano a origem genética de outra moléstia rara, o excesso de aromatase, uma enzima que transforma testosterona em estrógeno, o hormônio feminino. Essa disfunção genética resulta do excesso de produção de estrógeno e faz os meninos apresentarem micropênis e desenvolverem seios, enquanto as meninas sofrem aumento do útero e crescimento exagerado dos seios. Em todos os casos, a síndrome provoca baixa estatura. O estudo que descreve a quinta família encontrada no mundo com essa doença - e a primeira no Brasil - saiu em junho noJournal of Clinical Endocrinology and Metabolism . Baixa estatura Um mês antes, Maria Cândida Fragoso publicou nessa mesma revista uma pesquisa sobre a identificação de duas mutações genéticas que podem causar a síndrome de Cushing ACTH-independente, doença caracterizada pelo aparecimento nas supra-renais de nódulos que produzem em demasia o hormônio cortisol, regulador do metabolismo do açúcar e da pressão arterial. O excesso desse hormônio na circulação provoca uma série de efeitos colaterais, como obesidade localizada no centro do corpo, a face em forma de lua cheia, atrofia da pele e hipertensão arterial. Segundo Berenice, a descoberta das mutações genéticas não altera os rumos do tratamento - que consiste na retirada das supra-renais seguida de reposição hormonal -, mas ajuda a entender essa doença, que pode ser causada por vários mecanismos diferentes. Até então, só se conhecia uma causa da moléstia: alguns pessoas produziam cortisol em excesso, devido, por exemplo, ao peptídeo chamado GIP, secretado pelo pâncreas em resposta à chegada de alimentos ao aparelho digestivo. Outra especialidade do grupo do HC é o estudo de doenças endocrinológicas que levam à baixa estatura, que afeta 3% da população. Nessa área, um trabalho de grande repercussão, devido à sua aplicabilidade, foi feito no ano passado pelo douto-rando Alexander Jorge, que mostrou a fragilidade do teste mais usado no diagnóstico de casos em que as aplicações do hormônio de crescimento parecem não funcionar para corrigir a baixa estatura. Jorge verificou que não havia reprodutibilidade: dois testes com amostras idênticas não apresentam os mesmos resultados. Este ano, em outra pesquisa, Eveline Gadelha, ex-aluna de Berenice e hoje professora na Universidade Federal do Ceará, avaliou a precisão dos exames que embasavam o diagnóstico de deficiência de hormônio de crescimento e concluiu: o diagnóstico laboratorial, muitas vezes, pode estar equivocado. As pesquisadoras, que publicaram os resultados deste estudo em maio naHormone Research , avaliaram 30 crianças normais e 26 com deficiência de hormônio de crescimento para definir o ponto de corte para os métodos mais modernos: a deficiência hormonal só pode ser realmente atestada quando a concentração de hormônio está abaixo de 3,3 nanogramas por mililitro de soro sangüíneo. Segundo Berenice, os médicos ainda utilizam o corte de 7 nanogramas, válido para métodos de dosagem mais antigos, com sensibilidade menor. "Há crianças com diagnóstico de baixa estatura que tomam hormônio sem nenhum problema endocrinológico", alerta a pesquisadora. "São mais baixas que a média devido à herança genética dos pais." Para meninos ou meninas de 4 ou 5 anos, por exemplo, deficiência de hormônio de crescimento significa ter 7 a 8 centímetros abaixo da média da altura esperada. Luciani Carvalho, aluna de doutorado de Ivo Arnhold, do mesmo laboratório, descobriu recentemente uma nova mutação no HESX1, gene que interfere no desenvolvimento da glândula hipófise. O defeito já era associado a uma manifestação gravíssima, a displasia septo-ótica: as vítimas nascem cegas e com alterações no sistema nervoso central. A contribuição desse estudo, a ser publicado noJournal Clinical Investigation , foi a descoberta de uma manifestação mais branda da mesma doença, quando o erro ocorre numa região diferente do gene. O caso que deu base à pesquisa pioneira é um exemplo típico da rotina do HC. Em 1985, a equipe de Berenice atendeu uma garotinha de 5 anos vinda de Recife com deficiência de crescimento - tinha 87 centímetros, 20 a menos do que deveria. Era uma deficiência grave na produção de hormônios, que pôde ser tratada com reposição. Para crescer, a menina tomou hormônio de crescimento e hoje, aos 23 anos, alcançou 1,65 metro de altura. Desenvolveu o útero e seios e menstrua regularmente. Os pesquisadores descobriram agora na amostra de DNA dessa menina a origem exata da doença: uma mutação no gene HESX1. Sua versão alterada só se expressa quando é herdada tanto do pai quanto da mãe, o que raramente ocorre, mas se deu nesse caso porque a menina era fruto de um casamento consangüíneo - os pais são primos. Antes dessa descoberta, seu caso se perdia em meio a centenas de outros. Na última década, a equipe de Berenice acumulou cerca de 300 amostras de DNA de brasileiros com baixa estatura de origem desconhecida e sabe que tem em mãos um tesouro genético que esconde histórias como a da garotinha do Recife. O Projeto Diagnóstico Molecular de Distúrbios da Diferenciação Sexual e Diagnóstico Molecular das Alterações do Eixo GHRH, GH, IGF1 Modalidade Projeto temático Coordenadores Berenice Bilharinho de Mendonça e Ivo Jorge Prado Arnhold - USP Investimento R$ 648.094,20 e R$ 1.565.450,00
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Ciência > Verdade oculta Autópsia aponta erros na identificação de causa de mortes Exames caros e modernos nem sempre são sinônimo de diagnóstico preciso. Um estudo coordenado pela oncologista Ana Lúcia Coradazzi, do Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, interior paulista, indica que a identificação correta de uma doença ainda depende mais da habilidade do médico em investigar as queixas do paciente e fazer um bom exame físico do que de novos testes de laboratório e equipamentos como os de ultra-som e tomografia, que produzem imagens dos órgãos internos do corpo. O objetivo do trabalho, publicado noBrazilian Journal of Medical and Biological Research e idealizado pelo patologista Mário Rubens Montenegro, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), era verificar se os novos métodos de diagnóstico poderiam substituir os exames feitos pelos médicos. Parece que não, e os resultados conferem com uma antiga suspeita de Montenegro, um dos primeiros professores da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu. A seu ver, os médicos atribuem importância excessiva à tecnologia e um menor valor aos métodos ainda hoje considerados mais acurados, como o exame clínico e a análise da história do paciente. Em parceria com o cardiologista Antônio Luís da Costa Morganti, da Universidade de São Paulo, os pesquisadores confrontaram o histórico médico de 252 pacientes atendidos no hospital da Unesp com as informações obtidas no exame pós-morte. Foram analisadas 96 autópsias feitas de 1975 a 1982 e outras 156 realizadas de 1992 a 1996, após a inauguração do setor de tomografia do hospital. A autópsia confirmou o diagnóstico das causas básicas de morte em 77% dos casos. Os outros 23% é que chamaram a atenção - o diagnóstico estava errado em quase metade deles e a causa de morte do restante, que não constava do prontuário médico, só foi determinada por meio da autópsia. Para Ana Lúcia, esses números são semelhantes aos de outros hospitais do Brasil ou de países nos quais são comuns os exames mais refinados. O nível de acerto dos médicos diminuiu mais ainda na hora de identificar a causa terminal da morte, o problema agudo que provoca o óbito. Em 40% desses casos, em geral atendidos por plantonistas, que não haviam acompanhado a evolução da doença, o resultado da autópsia foi diferente do diagnóstico dado pelo médico. E em um de cada quatro casos a causa imediata da morte só foi determinada na autópsia - por esse motivo, é considerada essencial para a obtenção de dados confiáveis sobre a freqüência das doenças e para o controle de qualidade dos serviços médicos. Outro dado que chamou a atenção: muitas vezes os médicos não registraram no prontuário as doenças secundárias, que não provocaram diretamente a morte, mas afetaram a saúde dos pacientes, como a obstrução de vasos sangüíneos ou mesmo câncer. "Testes específicos e de alta sensibilidade são necessários, mas não substituem a prática clínica para o diagnóstico correto de uma doença", conclui Ana Lúcia. "Sem a história clínica e o exame físico bem-feitos, o médico pode ser induzido a pedir exames desnecessários e a interpretá-los de maneira incorreta, encarecendo o diagnóstico sem torná-lo mais preciso."
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Ciência > Alívio multiplicado Substâncias extraídas do camapu são 30 vezes mais potentes que os antiinflamatórios hoje conhecidos Para um olhar menos atento, o camapu não passa de mato. Também chamado de balãozinho, é um arbusto de 1 metro, caule fino, folhas ovaladas e delicadas flores amarelas, que cresce em pastagens, plantações e à beira de estradas. Abundante em regiões quentes, essa planta é usada há tempos por povos da Ásia, da África e da América Latina em chás e infusões contra asma, hepatite, malária e reumatismo. Agora, pesquisadores da Bahia e do Rio de Janeiro constataram que ao menos três moléculas extraídas das folhas e do caule desse arbusto ajudam a regular o sistema de defesa do organismo e são até 30 vezes mais potentes que alguns dos medicamentos mais usados para aliviar inflamações, como atestam em um artigo publicado em janeiro noEuropean Journal of Pharmacology . Mas essas moléculas, as fisalinas, quimicamente classificadas como esteróides, ainda têm de passar por outros experimentos até se concluir se podem realmente substituir fármacos como a dexometasona e a hidrocortisona, que, em excesso, podem prejudicar a produção de hormônios sexuais e de outros, essenciais para o desenvolvimento do corpo. "São esses testes que indicarão se as fisalinas podem ser usadas com segurança em seres humanos", explica a imunologista Milena Soares, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Salvador, coordenadora dessa pesquisa, que faz parte do Instituto do Milênio do Semi-Árido, programa do Ministério da Ciência e Tecnologia destinado a investigar o potencial farmacológico de plantas nativas ou exclusivas do norte de Minas Gerais até o Piauí. Identificadas no início dos anos 70, as moléculas extraídas do camapu foram chamadas de fisalinas em referência ao nome científico da planta,Physalis angulata , chamada de balãozinho por dar frutos semelhantes a tomatinhos, encapsulados em folhas que formam uma espécie de bexiga (em grego,Physalis significa bexiga). Mais do que o amplo uso popular dessa planta, o que mais intrigava Milena era a estrutura molecular das fisalinas, bastante semelhante à dos glicocorticóides, hormônios produzidos pelo organismo que regulam a atividade do sistema imune e servem de base para a produção industrial da dexometasona e a hidrocortisona. Uma das dúvidas era saber se as fisalinas também agiam como os glicocorticóides e inibiam a atividade das células de defesa. Macrófagos sob controle Milena e sua equipe decidiram tirar a prova dos nove e verificar se as proteínas do camapu eram tão eficientes quanto os glicocorticóides. Em uma série de experimentos, feitos em colaboração com um grupo da Fiocruz no Rio, a pesquisadora aplicou as fisalinas dos tipos B, F e G - em doses que variaram de 0,01 micrograma por mililitro a 2 microgramas por mililitro - em tubos de ensaio com uma mistura rica em um dos principais tipos de células do sistema imune, os macrófagos. Quando ativados, os macrófagos chegam ao local da inflamação e liberam óxido nítrico, um mensageiro químico que recruta outras células de defesa para eliminar as células danificadas ou combater os microrganismos invasores. Em geral benéfica, essa ativação se torna nociva quando em excesso. Os resultados surpreenderam. Nas dosagens mais elevadas, uma das fisalinas, a B, reduziu em 90% a produção de óxido nítrico - uma eficiência 30 vezes superior à de doses equivalentes de dexometasona. Análises mais detalhadas revelaram que a ação da fisalina B não se restringe ao óxido nítrico. O esteróide do camapu, como se comprovou nesse trabalho, impede a produção de outros dois mensageiros químicos, as interleucinas 6 e 12. Doses altas de fisalina B diminuíram em 60% os níveis de interleucina 6 e em 90% os de interleucina 12. Reduziram ainda em um terço a fabricação do fator de necrose tumoral alfa. Uma das proteínas liberadas pelos macrófagos, o fator de necrose tumoral, auxilia o sistema imune a eliminar microrganismos estranhos. Em taxas elevadas, porém, diminui a pressão sangüínea e a oxigenação dos tecidos, uma situação conhecida como choque endotóxico, que pode levar à morte.Ultrapassada a etapa dos tubos de ensaio, os pesquisadores da Fiocruz testaram o efeito das fisalinas em camundongos, uma vez que os resultados no organismo podem ser muito diferentes. Aplicaram nos roedores doses letais de uma molécula formada por açúcar e gordura - um lipopolissacarídeo - da membrana de bactérias que aciona o sistema imunológico e estimula a produção intensa do fator de necrose tumoral alfa. Em seguida, deram doses variadas das três fisalinas a grupos separados de camundongos. Todos os animais apresentaram os sinais de um choque endotóxico, com pêlos eriçados e tremores, e quase não conseguiam se movimentar. Os sintomas dos que receberam fisalinas, porém, foram muito mais brandos. E, o mais importante: todos os camundongos tratados com doses elevadas (1 miligrama) dessas moléculas do camapu sobreviveram, enquanto os animais não-tratados morreram. "Esse teste mostrou que as fisalinas têm uma ação potente o suficiente para impedir a morte dos animais", comenta Milena. Num experimento complementar, a equipe da Bahia constatou ainda que as fisalinas, por um mecanismo ainda desconhecido, bloqueiam os mensageiros químicos do organismo de um modo diferente do da dexometasona. Os pesquisadores deram a grupos distintos de camundongos proteínas do camapu e dexometasona. Em seguida, aplicaram um composto que funciona como um antídoto contra a dexometasona, que, como esperado, cortou o efeito do glicocorticóide, mas - eis agora o inesperado - não apresentou ação nenhuma sobre as fisalinas. Enquanto aguarda os resultados dos testes de segurança, Milena pensa adiante e planeja um passo mais ousado: investigar se esses compostos seriam potentes o suficiente para controlar uma resposta imune muito mais exacerbada, como a que se observa em casos de transplantes de órgãos.
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Ciência > Vítimas do tempo Pesquisadores aperfeiçoam tratamentos de câncer em cães, cada vez mais longevos Mais bem tratados do que nunca, com rações especiais, vacinas, fisioterapia e até acompanhamento psicológico, os cães estão vivendo mais. Pode ser bom para seus donos, mas a longevidade traz um problema: amplia o risco de câncer, hoje visto como uma das principais causas de morte entre os animais domésticos, que mata mais da metade dos cachorros e um terço dos gatos criados nos lares norte-americanos. É um problema também no Brasil, onde vivem cerca de 28 milhões de cães (quase metade da população canina dos Estados Unidos) e 12 milhões de gatos, considerados idosos - e mais sujeitos ao câncer - após os 7 ou 8 anos de idade. Atentos a essa situação, pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Jaboticabal, criam alternativas para, de acordo com a tendência mundial, tratar e se possível curar os animais domésticos acometidos pela doença, para os quais há alguns anos só havia uma saída: eram sacrificados. Em vez da amputação, procedimento padrão em caso de osteossarcoma, tumor responsável por cerca de 85% das ocorrências de câncer ósseo canino, a equipe da Unesp demonstra a viabilidade, em muitos casos, do implante de ossos, cuja eficiência tende a aumentar com o uso de novos materiais. Em um estudo publicado em março naActa Cirúrgica Brasileira , um grupo de seis veterinários da Unesp atesta a possibilidade de uso no Brasil da resina poliuretana de mamona como cimento para o implante de fragmentos ósseos retirados de doadores saudáveis e conservados em glicerina à temperatura ambiente. Esse material substitui outra resina, o polimetil metacrilato, que libera gases tóxicos, desprende calor (chega a 70o Celsius) e pode provocar arritmias cardíacas. Cimento de ossos Os resultados se apóiam em um experimento com seis cães (quatro machos e duas fêmeas) sem raça definida, em cujas tíbias (o osso equivalente à canela da perna humana) se fez o implante. Cinco dos seis animais tratados apoiaram a pata operada no primeiro dia após o implante e corriam normalmente em média após um mês e meio. Nesse estudo, a resina de mamona - uma massa esbranquiçada usada para rechear o enxerto, no lugar da medula óssea retirada - deu maior resistência na fixação da placa metálica que faz o implante aderir ao osso original. E não desencadeou processos infecciosos, um resultado atribuído ao bom estado de saúde dos animais. Em outros estudos em que se utilizaram os mesmos procedimentos cirúrgicos, exceto o cimento ósseo, adotado experimentalmente há cerca de seis anos nos Estados Unidos, um terço dos animais tratados, em média, apresentou infecção. No experimento feito na Unesp também não se notou a absorção da resina nem sua substituição por tecido ósseo novo. Por atuar como bactericida, dispensou o uso de antibióticos, imprescindíveis com a resina anterior, o polimetil metacrilato. Tais evidências representam indicadores positivos para que a resina de mamona seja usada como cimento ósseo em uma escala mais ampla, no futuro, pelas clínicas veterinárias. Mas, lembra Carlos Roberto Daleck, da equipe da Unesp, o implante é uma alternativa à amputação somente se restar pelo menos metade do osso - o osteossarcoma, mais comum nas raças de maior porte, como o são-bernardo ou o doberman, é um tumor bastante agressivo, que muitas vezes leva à desintegração dos ossos. A preservação dos ossos atingidos leva em conta também o bem-estar dos proprietários dos animais. "Há casos em que seria mais simples amputar o membro afetado e o animal deixaria a clínica andando tranqüilamente sobre três patas", diz Daleck, "mas a idéia da mutilação costuma tirar o sono do dono do cão". Em outro estudo recente, a ser publicado naActa Cirúrgica , feito com dois grupos de seis cães, a equipe da Unesp de Jaboticabal mostrou que um medicamento chamado furosemida pode atenuar os efeitos indesejados, sobretudo as alterações nas funções renais, causados pela cisplatina, quimioterápico adotado para tratamento de câncer nos ossos, na bexiga ou nos testículos de cães, por exemplo. Outro trabalho, publicado no ano passado noArquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia , reitera a importância do tratamento precoce ao detalhar as possibilidades de diferenciar, por meio do exame no microscópio eletrônico de transmissão, as alterações que ocorrem em um tipo de célula da pele, os mastócitos: à medida que o tumor evolui, o núcleo dessas células ganha volume, surgem grânulos no citoplasma e as rugosidades da membrana se tornam mais evidentes. Com base nesses parâmetros, a equipe da Unesp curou 60% dos 108 cães atendidos nos últimos quatro anos com mastocitoma, o tipo de câncer de pele mais comum, que afeta especialmente buldogues e boxers a partir dos 8,5 anos de idade. É muito difícil saber com precisão quais as raças mais afetadas e os tipos de câncer mais comuns entre os cães no Brasil. Um levantamento publicado naArchives of Veterinary Science , com base em 333 cães atendidos no hospital veterinário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) entre 1998 e 2002, indicou que as fêmeas são mais suscetíveis que os machos, numa proporção de dois para um. Predomina o tumor de mama, encontrado em quase metade das fêmeas (45,6%), com um agravante: na maioria dos casos (68%), tratava-se de lesões malignas. De acordo com esse estudo, coordenado por Suely Rodaski, essa predominância pode estar associada ao uso de hormônios como método contraceptivo e à pouca atenção dada à castração precoce - a retirada dos ovários e do útero antes do primeiro cio reduz a quase zero o risco de surgimento de câncer de mama. A equipe do Paraná verificou também que, entre os cães com raça definida, o câncer é mais freqüente no pastor alemão (12,61% dos casos atendidos), poodle (11,41%) e boxer (10,81%), com maior incidência entre os animais de 6 a 12 anos. Quando submetidos a cirurgia e tratamento quimioterápico, ganharam uma sobrevida de em média 19 meses. O Projeto Quimioterapia com Cisplatina em Cães Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa Coordenador Carlos Roberto Daleck - FCAV/Unesp Investimento R$ 42.103,55
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Ciência > Visão das profundezas Equipe gaúcha faz o mapa do fundo do oceano próximo ao litoral brasileiro Em um exercício de imaginação, acompanhemos o olhar de um peixe oceânico que vive a centenas de quilômetros da costa - um atum, por exemplo. De um ponto situado, digamos, a 1.200 quilômetros de Ilhéus, no sul da Bahia, o peixe normalmente veria poucos metros adiante. Mas eis que, por um motivo qualquer, seu campo de visão aumenta a ponto de poder apreciar o fundo do mar com nitidez e profundidade, em qualquer direção. Quatro mil metros abaixo, o leito do oceano se apresenta como uma colcha de colinas. À sua frente, mais próximo ao continente, onde o fundo do oceano é mais ou menos plano, surge o Banco de Abrolhos, a mais rica formação de corais do Atlântico Sul, onde se situa o Parque Nacional dos Abrolhos. Desviando o superolhar para a esquerda, o atum encontra uma imponente cordilheira submersa de montanhas e vulcões extintos. É a cadeia Vitória-Trindade, que nasce no meio do oceano e morre à beira da capital do Espírito Santo. Seus picos mais altos, com cerca de 4 mil metros de altura, formam ilhas como a de Trindade, a 1.160 quilômetros do litoral capixaba. À direita, aparecem cerca de 40 elevações um pouco mais modestas, com 1.000 a 1.700 metros de altura, que formam os Montes Submarinos da Bahia, distantes 444 quilômetros do continente. Esse passeio é uma forma de entender o mapa digital, em três dimensões, que reproduz os contornos do fundo do mar entre o Cabo de São Tomé, norte do Estado do Rio de Janeiro, e o rio Real, na divisa da Bahia com Sergipe. Essa carta geográfica faz parte de uma série de mapas do leito do oceano que acaba de ganhar forma na tela dos computadores do Departamento de Oceanografia da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg), situada no município gaúcho de Rio Grande, a 320 quilômetros ao sul de Porto Alegre. "Vamos tornar esses mapas públicos e disponíveis para qualquer pesquisador em breve", assegura o oceanógrafo Lauro Saint Pastous Madureira, do Laboratório de Tecnologia Pesqueira e Hidroacústica, que coordena o trabalho de coleta de dados e de elaboração de cartas digitais com base na batimetria, uma técnica que permite mapear o fundo do mar (ou de um rio) usando o som - emitido em direção ao fundo, o som permite calcular a distância entre o leito do oceano e a superfície. Gerados a partir do processamento de dados fornecidos por satélite e sobretudo de medições feitas com a técnica de batimetria, que registra a profundidade do oceano com o auxílio de ecossondas (sensores de eco) instaladas em embarcações, os mapas detalham o relevo de uma área submersa que se inicia a poucos metros da costa brasileira e avança mais de 1.200 quilômetros mar adentro. Com até 7 milhões de pontos georreferenciados, com latitude, longitude e profundidade determinadas com rigor, as imagens do assoalho marinho revelam o que a água do mar normalmente esconde: as formações geológicas que constituem o leito do Atlântico. É um mundo impressionante de fendas, planícies, escarpas e montanhas permanentemente inundadas. O piso do oceano pode estar a 20 metros de profundidade, em pontos próximos do continente, ou a mais de 4 mil metros de fundura, em alto-mar. Cerca de 80% das informações usadas para fazer os mapas foram obtidas nos últimos cinco anos por meio de sete cruzeiros realizados pela equipe do laboratório de hidroacústica, cinco deles a bordo do navio oceanográfico Atlântico Sul, da Furg. "Usamos dados de satélite e de eventuais medições feitas por outras embarcações apenas para complementar nossos mapeamentos", afirma Madureira. O navio oceanográfico gaúcho conta com uma ecossonda científica, um tipo de sonar que transmite som em altas freqüências e registra os ecos provenientes das reflexões das ondas sonoras que encontram o fundo do mar - em geral, as embarcações usam versões menos precisas desse equipamento, que custou cerca de US$ 450 mil, para medir a profundidade do mar e identificar obstáculos ou cardumes. Por emitir sons apenas para baixo, a ecossonda do Atlântico Sul só registra a profundidade do trecho de fundo do mar que se encontra imediatamente abaixo do navio, mas com enorme precisão. "A ecossonda funciona de forma parecida com a ultra-sonografia usada para ver um bebê na barriga de uma gestante", compara o oceanógrafo. Instalado no casco do navio, o aparelho tem um sensor que vibra a uma alta freqüência fixa - no caso da ecossonda do Atlântico Sul, a 38 quilohertz - e gera ondas mecânicas em direção ao leito do oceano. Quando batem num obstáculo, geralmente o fundo do mar, as ondas retornam à superfície como eco, registrado no mesmo sensor da sonda. Como a velocidade do som na água varia em torno de 1.500 metros por segundo, o tempo de retorno da reverberação fornece a profundidade do local imediatamente abaixo do navio. Se o fundo do mar se encontra, por exemplo, a 750 metros abaixo de uma embarcação, o som vai demorar aproximadamente um segundo para retornar como eco. Nas viagens a bordo do Atlântico Sul, os pesquisadores gaúchos percorreram cerca de 16 mil milhas náuticas (29,2 mil quilômetros) e cobriram por completo o fundo do mar contíguo à costa das regiões Sul e Sudeste e da Bahia. Falta mapear a porção do leito do Atlântico vizinha aos demais estados do Nordeste, tarefa que se pretende cumprir ainda este ano. "Ainda não sabemos se vamos realizar o mesmo trabalho na região Norte ou se isso será feito por outro grupo de pesquisa", diz Madureira. Por isso, os primeiros mapas que mostram o fundo do mar ainda não cobrem a totalidade da costa nacional. Limitam-se a explorar a porção do litoral que começa no Arroio Chuí, no extremo sul do Rio Grande do Sul, e vai até o rio Real, na divisa da Bahia com Sergipe. Vistos a partir da perspectiva de um observador situado em terra firme, os mapas deixam claro que o aparecimento de diferentes relevos no fundo do mar segue uma ordem mais ou menos constante, mas não monótona. Colada ao ponto do continente onde começa o mar (a linha da costa), existe ao longo do litoral a plataforma continental, que pode ser descrita como uma planície submersa com ângulo de inclinação em torno dos 5 graus e no máximo 200 metros de profundidade. Sua extensão mar adentro pode variar de 320 quilômetros no Amazonas até meros 10 quilômetros em pontos do Nordeste. Em seguida, surge o talude, o ponto onde ocorre a quebra da plataforma, dando origem a algo como um desfiladeiro marinho, uma escarpa rochosa com elevado grau de inclinação. Daí para frente - ou melhor, para o fundo -, pode haver de tudo um pouco, de acordo como ponto da costa em questão: áreas mais ou menos planas, pequenas ondulações de terreno, fendas, grandes e médias cadeias de montanhas. Alguns montes submarinos podem ser tão altos que seus topos rasgam o mar, formando ilhas. Nos mapas, o azul mais claro representa áreas do oceano onde o fundo é plano e pode significar tanto áreas rasas (de 0 a 200 metros) quanto áreas planas profundas, as planícies abissais, a profundidades de até 4.500 metros. O azul mais escuro indica as áreas do oceano com elevado grau de inclinação, entre as mais altas e as mais baixas. Para realçar as variações de relevo no fundo do mar, os pesquisadores se utilizam de programas capazes de ampliar até 80 vezes as variações de profundidade detectadas no chão do oceano. Dessa forma, geram-se mapas digitais, em três dimensões, em que fica mais fácil, por exemplo, diferenciar uma área de planície de outra com uma leve ondulação. Trata-se de um recurso computacional com uma lógica semelhante à do emprego do microscópio na biologia, em que, com o auxílio de lentes, aumenta-se o tamanho do objeto de estudo a fim de conhecer melhor os seus detalhes anatômicos. Há, no entanto, alguns inconvenientes decorrentes do chamado exagero vertical. O pico das montanhas submarinas mais altas aparece nos mapas com um jeitão mais cônico do que realmente apresentam. "Mas, se não utilizarmos esse recurso, muitas vezes não dá para ver o início de uma depressão num fundo de oceano que seja relativamente plano", explica o oceanógrafo Christian dos Santos Ferreira, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que divide com Sandro Klippel a tarefa de fazer os computadores darem vida às imagens em três dimensões.A criação dos mapas é um subproduto de trabalhos feitos pelo laboratório de hidroacústica da Furg para o Programa de Avaliação do Potencial Sustentável de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (Revizee). Financiado pelo governo federal, o Revizee reúne 150 pesquisadores de 40 instituições nacionais, com o propósito de dimensionar os estoques de pescado marinho de uma área oceânica que começa onde acaba o mar territorial do Brasil, a 12 milhas náuticas da costa (22 quilômetros), e se estende por mais 188 milhas náuticas (cerca de 350 quilômetros) mar adentro - é a chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE). "Quando o Revizee fechar os dados sobre os estoques marinhos da costa brasileira", diz Madureira, "poderemos usar nossas imagens digitais como um pano de fundo para gerar mapas tridimensionais com a localização exata dos principais estoques de peixes do litoral, além de definir com maior precisão as correntes marinhas e as áreas de maior riqueza de plâncton, microrganismos marinhos que vivem próximos à superfície." Desse modo, segundo o pesquisador, será possível entender melhor como se organiza a riqueza biológica da costa brasileira, uma das mais extensas do mundo.
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Humanidades > O gigante que encolheu Pesquisador analisa as dificuldades para a retomada do crescimento Tatiana Petit O dinamismo exibido pela economia brasileira ao longo dos 50 anos corridos entre 1930 e 1980 distinguiram o Brasil no cenário mundial. Poucas foram as nações que lograram o crescimento médio de 6% ao ano, que destacou o país no período da moderna industrialização. A partir dos anos 80, no entanto, a história econômica nacional tomou rumo oposto e a expansão média do Produto Interno Bruto (PIB) encolheu para algo ao redor de 2% ao ano - um terço da média anterior. Em parte, é verdade, essa tendência refletiu a retração global das taxas de crescimento. O que tem inquietado parte dos economistas, contudo, é o fato de o Brasil não ter conseguido tirar partido de algumas condições favoráveis que, ao longo dos anos 90, marcaram a economia mundial, aí incluídos alguns países emergentes, e retomar a rota original. A desaceleração rompeu o século, as taxas de desemprego continuam aumentando, enquanto os rendimentos médios reais seguem encolhendo. Somados, esses indicadores têm afastado o Brasil do grupo de países dentre os quais se sobressaiu no século passado. Esse cenário tem levado alguns economistas a propor alternativas para romper essa espécie de "resistência" à retomada do crescimento. Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), faz parte desse grupo. Essa é a razão pela qual dedicou anos ao desenvolvimento de uma pesquisa em que buscou responder às razões pelas quais o país não conseguiu retomar o fôlego e fazer a necessária correção de curso. Conjuntura histórica A síntese desse empreendimento, que contou com o apoio da FAPESP por meio de uma bolsa de pesquisa no exterior e, posteriormente, com a continuação dos trabalhos no âmbito de projeto temático financiado pela instituição, resultou no livroDesenvolvimento em crise - A economia brasileira no último quarto do século 20 , que saiu pela Editora Unesp no ano passado. Nele, Carneiro examina as condições que permitiram ao Brasil crescer rapidamente entre 1930 e 1980; os motivos pelos quais elas saíram de cena; e de que modo esses fatores pesaram no "esgotamento do dinamismo do capitalismo brasileiro". O texto evidencia a permanente articulação entre fatores internacionais e domésticos que interferiram na vitalidade econômica brasileira, assim como o peso de conjunturas históricas específicas, que, ora fizeram preponderar determinantes externos ora internos como estímulo ou obstáculo ao crescimento brasileiro e pontua diferentes graus de dependência nacional à ordem econômica internacional. A relativa estabilidade do padrão tecnológico, que, até a década de 80 difundiu e consolidou a matriz produtivo-tecnológica originada na Segunda Revolução Industrial, sustenta o autor no livro, foi fundamental para que o país conseguisse superar até mesmo as contingências internacionais adversas que marcaram o período 1929-1950 e se mantivesse crescendo. Na mesma direção, o mercado interno foi extremamente relevante, ajudando no crescimento do produto brasileiro. Do ponto de vista externo, contribuíram ainda a disponibilidade de financiamentos e a vigência de uma ordem econômica internacional, cujas regras relativas ao comércio e às finanças favoreciam os países periféricos, permitindo-lhes maior autonomia no planejamento e execução das respectivas políticas econômicas domésticas. Do ângulo interno, a intervenção direta do Estado na economia e sua articulação com o setor privado representaram outro pilar. Estruturalmente, a combinação dos setores produtivos que lideraram a expansão econômica no período, junto com a possibilidade de sincronizar financiamentos de longo prazo para atender à demanda de investimentos nos prazos e volumes requeridos foram igualmente relevantes. No curso dessa trajetória, alguns solavancos definiram três períodos analisados emDesenvolvimento em Crise . O primeiro situa-se em 1973, época em que se abandona o regime de taxas cambiais fixas mas ajustáveis que pôs fim à ordem de Bretton Woods. Este foi o nome dado à Conferência Monetária e Financeira realizada em 1944 da qual participaram 44 países com o objetivo de planejar a estabilização da economia internacional e das moedas internacionais, então prejudicadas pela Segunda Guerra Mundial. Nessa reunião nasceram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird). Plano nacional No plano interno, em meados da mesma década, enquanto a elevação dos preços do petróleo esboçava uma crise internacional e doméstica, o governo de Ernesto Geisel anunciava, em 1975, o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (II PND), com a pretensão de transformar o Brasil em "potência emergente", e de incluí-lo no rol de países altamente industrializados por meio da substituição de importações, elevação das exportações e ampliação do mercado interno consumidor. O relativo insucesso do II PND, que teve por pano de fundo o crescente agravamento das condições internacionais e a dependência brasileira dos financiamentos externos, levou ao que Carneiro chama de derrocada do nacional-desenvolvimentismo. Os resultados que se apresentaram foram muito distintos dos almejados - entre outras coisas, elevar o PIB a US$ 120 bilhões e a renda per capta a US$ 1 mil, quatro anos mais tarde, em 1979. Segue-se a década de 80, conhecida como a "década perdida", caracterizada pela crise da dívida externa dos países periféricos e pela transferência de recursos ao exterior, fatos que desorganizaram crescentemente a economia brasileira e contribuem para pôr em curso a hiperinflação. A partir de então, o vigoroso e rápido crescimento obtido a partir dos anos 30 foi interrompido. Começa o segundo solavanco. Alternam-se ciclos breves de recessão e expansão econômica e a taxa de crescimento passou praticamente a acompanhar o aumento da população. O financiamento externo, até então abundante e fonte relevante dos investimentos no país, desapareceu. Simultaneamente, o pagamento do serviço da dívida externa estreita as alternativas de desenvolvimento. A rigor, a desaceleração no ritmo do crescimento já começou a ser constatada a partir de 1974, quando chegou ao fim o ciclo do "milagre econômico". Mas a chegada dos anos 80 imprimiu-lhe outro perfil, oscilando entre a redução absoluta e uma intensa, mas episódica, variação. Entre 1981 e 1983 a retração foi intensa. No intervalo entre 1984 e 1986, ano em que foi instituído o Plano Cruzado, houve uma expansão de intensidade equivalente à trajetória anterior. Finalmente, de 1987 a 1989 ocorre nova estagnação. Padrão de crescimento Essa foi a maior expressão da ausência de um padrão de crescimento sustentado retratado na profunda incerteza em relação ao cenário econômico brasileiro. O Brasil vira os anos 90 sem vitalidade, apesar da recuperação do cenário internacional, que abre espaço para oportunidades de melhora para os países periféricos, mas apresenta mudanças que se traduzem em imensos desafios para as nações em desenvolvimento. Com a queda das taxas de juros internacionais, as aplicações financeiras tornaram-se altamente atrativas nos países periféricos. A liberalização econômica e financeira patrocinada por muitos países latino-americanos combinada com a liquidez de capital em busca de lucros mais atrativos do que os oferecidos pelos países centrais, foram decisivos para a reinserção do continente e, junto com ele, o Brasil, no circuito financeiro internacional. De volta ao palco internacional e animados com a ampliação dos fluxos de comércio e financiamentos, muitos entre esses países animam-se a promover reformas estruturais nas áreas comercial, financeira e produtiva. No mundo, verifica-se a aceleração global das taxas de crescimento, embora de maneira desigual. Também ganha corpo a proposta de uma ordem plenamente liberal, em que se destacam a eficiência dos mercados como mecanismo de alocação de recursos e a idéia de que a interferência do Estado na economia é ineficaz. São intensas e velozes mudanças de toda ordem e em diferentes planos do tecido comercial, financeiro e produtivo na esteira da globalização. Muitas tornam-se protagonistas de decisivos revezes para os países periféricos. A velocidade impressa às inovações tecnológicas nos países centrais, já a partir dos anos 80, por exemplo, fez com que muitos deles deixassem de acompanhar o ritmo de atualização, dificultando e até impedindo a manutenção dos respectivos processos de substituição de importações. Com isso e por conta da indisponibilidade de tecnologia e de escalas de produção economicamente viáveis, a internalização de novos processos produtivos instituídos nos países desenvolvidos tornou-se mais difícil. A globalização impôs profundas transformações no comportamento do investimento direto estrangeiro. Entram em cena as fusões e aquisições e oglobal sourcing . A ação conjunta desses atores resulta em sobrecarga para o balanço de pagamentos dos países periféricos. Somados, eles passaram a ampliar a remuneração do capital sem a geração corres- pondente de divisas e a elevar de maneira global as importações realizadas por essas economias. Esse problema foi agravado pelo caráter volátil de parcela expressiva de financiamentos externos. Além disso, a integração do país à globalização resultou em flutuações exacerbadas nas taxas de câmbio e taxas de juros excessivamente altas, binômio que prejudicou o crescimento doméstico. O Brasil não escapou à intensidade e variedade das mudanças implementadas nos anos 90. Junto com a retomada dos fluxos de capital, instaurou-se uma âncora cambial, controlou-se a inflação, as importações cresceram, o processo de privatização das empresas estatais colocou o país na berlinda internacional e reduziu-se extraordinariamente o papel do Estado, enquanto ganhava espaço a abertura financeira. Um espaço, que do ponto de vista de Carneiro, foi muito liberal, mal regulamentado e permitiu uma excessiva vulnerabilidade externa da economia brasileira visível nas dimensões do endividamento externo de curto e longo prazo e na deficiente transformação produtiva, da qual a inserção pouco dinâmica do Brasil no comércio internacional é a resultante mais evidente. A partir de 1994, com a instituição do Real, a política econômica brasileira, em um ambiente de plena abertura financeira, adotou o câmbio fixo. O programa de estabilização deu impulso à recuperação do PIB e dos rendimentos, embora não tenha conseguido reduzir substancialmente o desemprego. Mas seu fôlego foi restrito. O ciclo de crescimento começou a desacelerar em meados de 1997. Não tardou para que os efeitos do câmbio fixo sobre o conjunto da economia provocassem uma deterioração constante e crescente dos indicadores, empurrando o país para uma crise. Ainda assim, foi mantido até 1998, quando uma nova correção de política econômica instituiu o câmbio flutuante, metas de inflação, política fiscal contracionista e uma política monetária independente. "Os resultados da mudança, traduzidos pela timidez da expansão do PIB, pela elevação da taxa de desemprego, e pela redução dos rendimentos médios reais, além da trajetória da inflação, mostram que essa receita também não funciona", afirma. Segundo Carneiro, ao adotar os sistemas de câmbio fixo e, posteriormente, o flutuante, o Brasil apenas substituiu seu foco de instabilidade econômica. Durante 20 anos, diz ele, a vilã foi a inflação. Agora, o país está submetido à instabilidade provocada pela excessiva flutuação da taxa de câmbio. Como país emergente, endividado e com baixa inserção no mercado internacional, o Brasil não atrai capital de longo prazo e sofre com os efeitos da volatilidade do capital de curto prazo e com seus reflexos sobre o aumento da dívida pública, parte dela indexada ao dólar. "A alternativa para retomarmos o crescimento e resolvermos os problemas atrelados à desaceleração é abandonar a idéia de que, num ambiente globalizado, seja possível promover o desenvolvimento simplesmente desregulando a economia e deixando o mercado conduzir o processo", diz Carneiro. "O Brasil não pode querer sustentar um modelo de política econômica como se fosse um país desenvolvido." O Projeto Liberalização, Estabilidade e Crescimento (Balanço e Perspectivas da Experiência Brasileira nos Anos 90) Modalidade Projeto temático Coordenador Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo - Instituto de Economia da Unicamp Investimento R$ 94.388,28
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Pesquisa FAPESP Edição 90 - Agosto 2003 Humanidades > RG com ritmo e muita cor Estudo mostra como adolescentes da periferia encontram identidade na cultura hip hop Carlos Haag Ser ou não ser? Se na fria Dinamarca de Hamlet se ouvisse hip hop ou, se o príncipe angustiado pudesse grafitar as paredes do castelo do titio malvado, talvez, a tragédia de Shakespeare tivesse um final menos sangrento. Disposta a entender o mecanismo da adolescência, em que o jovem se vê jogado em um limbo, definido pelo que não é (não mais uma criança e ainda não um adulto), forçado a "achar" sua identidade a qualquer custo, Viviane Melo de Mendonça Magro, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entrevistou jovens, moças e rapazes, da periferia de Campinas (SP). EmMeninas do Graffiti: Adolescência, Identidade e Gênero nas Culturas Juvenis Contemporâneas (título provisório) , sua tese de doutorado, somos apresentados a um novo retrato dos adolescentes, em especial os tão estigmatizados jovens negros da periferia das grandes cidades. Longe dos "marginais" de músicas barulhentas, temos um grupo que faz da cultura hip hop sua maneira de mostrar o que são e não são na sociedade. "A cultura hip hop é composta de três expressões principais: o rap, que é uma música com letras longas, quase faladas, e tem como basesamplers musicais e batidas fortes elaboradas pelos DJs; o grafite, uma técnica que compõe pinturas coloridas feitas em muros, metrôs e paredes; e obreakdance , que se constitui de coreografias baseadas nas músicas de rap e elaboradas com movimentos quebrados que simulam lutas ou robôs, e são geralmente dançadas em grupo", afirma a pesquisadora. Não parece grande novidade. Perceber a música pode ser um mediador para que os adolescentes tenham maior compreensão de si mesmos, mas Viviane vai mais longe ao revelar, empiricamente, que a cultura hip hop "se constitui pela necessidade de sociabilidade e afirmação étnica-cultural dos jovens e adolescentes, bem como oferece elementos para a configuração das suas identidades pessoais, marcados pela busca de outras alternativas de pensar o mundo e atuar dentro dele como resistência a uma pedagogia discriminadora, mercadológica e reificadora da exclusão social", como observa a autora. Assim, inusitadamente, "os jovens com sua cultura hip hop surgem como protagonistas de seu próprioprocesso educativo, no qual se tornam 'autores de si mesmos', ou seja, resgatam a educação como uma formação de 'autores-cidadãos' ". Esse é um ponto fundamental para a pesquisadora, que se preocupa em mostrar o jovem como um sujeito que formula questões relevantes no campo social e não o alienado mostrado pela mídia ou analisado por estudos conservadores. Acima de tudo, a professora quer fazer de sua pesquisa um instrumento prático que ressalte a importância da valorização desses movimentos culturais para a melhoria das condições de crescimento dos adolescentes. Em especial nos momentos mais recentes, nota a pesquisadora, há uma interpenetração crescente entre cultura juvenil, mídia da juventude e indústria da cultura juvenil: o que, de início, era fruto das experiências vividas por jovens, forma de expressar suas aspirações, em pouco tempo é reelaborada pela mídia e revendida para os adolescentes como tendências a ser seguidas, sob a pena da exclusão de quem não as segue. A contestação viramainstream e, assim, a cultura jovem cai em poder da lógica do mercado. Em várias entrevistas com jovens da periferia, a autora nota a incoerente admiração-ódio pelo hip hop, pelo rap, pelo grafite, ora visto como expressão legítima, ora corroído pelo comercialismo da sociedade capitalista. Longe de confusão, é a visão do real. "A juventude tem estado presente maciçamente na mídia, tanto no sentido de demonização como de sua glorificação", observa Viviane. A pesquisadora, porém, insiste na existência de novas perspectivas. "A relação adolescente, identidade e educação afasta-se da necessidade de uma definição de identidade, como meta ou um pré-requisito para a entrada no mundo adulto, pois não há uma identidade, mas instantes de identidades, sempre mutantes, em devir, em um processo constante de autorizar-se", avalia. Esse engano, constante na visão geral dos adolescentes, tem causa. "Raramente aquilo que é dito sobre os adolescentes emerge de suas próprias vozes, mas são ditos por meio de uma categoria vazia denominada adolescência, que é depositária da própria crise de sentido, de identidade, de lugar da sociedade contemporânea." A contradição, no entanto, vai mais longe e, no movimento de rebeldia estão, também, sementes da repetição. "As falas dos adolescentes são falas marginais, transgressoras e que estão construindo também sentidos que atuam como uma forma de resistência como um modo de manter aquela ordem social", observa. Nesse contexto, está o outro eixo importante da pesquisa de Viviane: as diferenças de gênero entre os adolescentes no mundo hip hop, e mais especificamente no grafite. É complexa a inserção das meninas nesse mundo contestador de sons e grafites e as entrevistas da pesquisadora revelam essas dificuldades. "As meninas vivem uma mesma situação de preconceito e discriminação por serem mulheres e gostar de hip hop, ou de ouvir rap ou de fazer grafite, embora respondam de forma diferenciada a essa situação", conta. "Elas demonstram uma necessidade de respeito e aceitação, por serem mulheres, negras e brancas, pobres que gostam e participam do hip hop. Parecem querer se superar, diferenciar, quebrar os padrões que se impõem sobre seus corpos para que assumam sua posição de 'verdadeira mulher'. " Assumindo um movimento fortemente marcado pelo masculino "um espaço de aceitação que as permite 'ser quem são', o que não exclui que continuem lutando mesmo dentro do movimento por esse espaço", observa Viviane. Afinal, tudo se resume a um processo de constituição de um sentimento de pertencimento a uma comunidade, em que consciência de si e consciência social estão amalgamadas, como nota a professora, levando "a uma necessidade de superação da situação de exclusão social juntamente com a transformação de si". Daí, o jogo complexo dos gêneros, repetindo modelos que pretende superar. "O hip hop é um instrumento de expressão de si próprios e de conscientização social, por meio do qual a masculinidade é afirmada, reproduzindo os papéis hegemônicos e dicotômicos de homem e mulher, em que o espaço público é tomado pelos homens e o espaço privado, subordinado, é ocupado pelas mulheres", nota. Seja como for, o movimento nascido nos Estados Unidos dos anos 70, para dar conta da desilusão de negros e hispânicos em meio à decadência doamerican dream , o hip hop chegou ao Brasil e se tornou para muitos jovens "a primeira forma de refletir culturalmente e lingüisticamente os problemas de sua comunidade e do mundo, assim como elaborar uma reflexão crítica de suas próprias experiências e posições, tornando-se o fundamento da auto-expressão juvenil", diz Viviane. "Em especial, nos espaços de exclusão social, de um país subdesenvolvido, nas periferias dos centros urbanos, no cotidiano, nas experiências de adolescentes e jovens negros e 'pardos' em uma manifestação cultural juvenil, no grafite, e principalmente nas experiências das meninas." A mistura de salto (hip) e balanço dos quadris (hop) serve a uma razoável gama de propósitos para esses jovens. Nas entrevistas, Viviane detectou alguns deles, como: a experiência de se identificar com a cultura hip hop, ou seja, um meio de se sentir pertencendo a um grupo, a uma comunidade e a uma nação, escapando da desesperança, dando sentido às suas vidas e com capacidade de ajudar aos outros colegas; a experiência do compromisso social, a capacidade de autonomia do "construir-se a si mesmo" como um ser em um mundo social, interessado e capacitado a mudar a mentalidade geral das pessoas sobre o que eles efetivamente são; a experiência de pertencer a uma família, ser aceito após amargarem a rejeição da família real e extensa; a experiência de ser alguém, já que o hip hop dá aos jovens excluídos um aumento na auto-estima e a compreensão do valor de suas idéias e sentimentos, expressos pelo movimento e pela capacidade de narrar a si próprios, a ponto de ser admirados por amigos e familiares; e, por fim, a experiência de ter amigos e de ser mulher e gostar de hip hop. Em suma, tudo aquilo quepermite aos jovens ser, mesmo que muitos adultos ainda insistam que eles não são. O ProjetoMeninas do Graffiti: Adolescência, Identidade e Gênero nas Culturas Juvenis Contemporâneas Modalidade Bolsa de doutorado Orientadora Isaura Rocha Figueiredo Guimarães - Faculdade de Educação/Unicamp Bolsista Viviane Melo de Mendonça Magro - Faculdade de Educação/Unicamp