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economizava a fim de comprar minha liberdade.
? “Quando estiver livre, o que fará?”, quis saber seu avô.
? “Bem”, respondi, “tenciono tornar-me comerciante.”
“Foi aí que ele me confidenciou uma coisa de que eu nunca tinha suspeitado.
“Aposto que não sabe que sou também um escravo. Formei uma sociedade com
o meu amo.” “
— Alto lá! — interveio Hadan Gula. — Não ouvirei mentiras que ultrajem meu
avô. Ele não foi escravo. — Seus olhos faiscavam de raiva.
Sharru Nada manteve-se calmo.
— Respeito seu avô por ter superado o infortúnio, tornando-se um cidadão
proeminente em Damasco. Acha que você, seu neto, é feito do mesmo molde? E
homem suficiente para encarar a verdade ou prefere viver alimentando falsas
ilusões?
Hadan Gula endireitou-se na sela. Numa voz sufocada por profunda emoção,
replicou:
— Meu avô foi estimado por todos. Seus dons eram incontáveis. Numa época de
fome, foi seu ouro que comprou cereais no Egito, foi sua caravana que os trouxe
para Damasco, distribuindo-os para que as pessoas não morressem de inanição.
Agora você está me dizendo que ele não passava de um desprezível escravo na
Babilônia.
— Tivesse permanecido como escravo na Babilonia, teria muito bem podido ser
desprezível. Quando, porém, através de seus próprios esforços, tornou-se um
grande homem em Damasco, os deuses realmente condoeram-se de seus
infortúnios e dedicaram-lhe todo o respeito celeste.
“Depois de ter me contado que era um escravo”, continuou Sharru Nada,
“explicou como estivera ansioso para ganhar sua liberdade. Agora que tinha o
dinheiro para comprá-la estava muito confuso quanto ao que devia fazer. Havia
muito não fazia boas vendas e temia deixar a proteção de seu amo.
“Condenei sua indecisão: *Não fique grudado por muito tempo a seu amo.
Experimente novamente a sensação de ser um homem livre. Aja e obtenha êxito
como um homem livre! Decida o que deseja realizar, e então o trabalho o
ajudará a fazé-lo!º Ele seguiu seu caminho, dizendo estar contente por eu tê-lo
censurado por sua covardia. *
*Os costumes dos escravos na antiga Babilonia, ainda que possam parecer inconsistentes para nós, eram
rigorosamente regulados pela lei. Por exemplo, um escravo podia ter sua própria propriedade e até outros
escravos sobre os quais seu amo não tinha qualquer direito. Escravos casavam-se livremente com não-
escravos. Filhos de mães livres eram livres. A maioria dos comerciantes da cidade eram escravos. Muitos
destes formavam sociedade com seus amos e eram ricos de pleno direito.
“Um dia fui novamente além dos portões da cidade e fiquei surpreso ao
encontrar uma multidão compacta ali reunida. Tentei informar-me a respeito, e
um homem me disse: “Então não soube? Um escravo fugido que matou um dos
guardas do rei foi trazido para a justiça e ainda hoje será açoitado até a morte
por seu crime. O próprio rei estará aqui em pessoa.”
“O ajuntamento era tão cerrado em volta do pelourinho que temi aproximar-me
sem que minha bandeja de bolinhos de mel não fosse atirada para o alto. Subi
por isso a um recanto em obras da muralha de onde podia ver acima das
cabeças das pessoas. Pude ter dali uma ótima visão do próprio Nabucodonosor
conduzindo seu carro de ouro. Nunca tinha contemplado tanta grandeza, túnicas
tão magníficas e cortinas de pano dourado e veludo.
“Eu não podia ver o castigo, embora conseguisse ouvir os gritos lancinantes do
pobre escravo. Admirava-me que alguém tão nobre como o nosso magnífico rei
tivesse condições de apreciar aquele sofrimento, mas, quando vi que ele estava
rindo e brincando com os cortesãos, percebi que ele era cruel e compreendi por
que tarefas tão desumanas eram exigidas dos escravos que construíam as
muralhas.
“Depois que o escravo morreu, seu corpo foi preso a um poste de madeira por
uma corda ligada a um de seus pés para que todos pudessem ver. Como a
multidão começava a desfazer-se, cheguei mais perto. Sobre o peito cabeludo do
supliciado reconheci a tatuagem das duas serpentes entrelaçadas. Era Pirata.
“Na próxima vez que encontrei Arad Gula, ele era um homem mudado.
Cumprimentou-me cheio de entusiasmo: “Veja, o escravo que você conheceu é
agora um homem livre. Havia mágica em suas palavras. Minhas vendas e meus
lucros cresceram. Minha esposa não cabe em si de contente. Ela era uma mulher
livre, sobrinha de meu amo. Ela deseja bastante que nos mudemos para outra
cidade onde ninguém saiba que já fui um escravo. Desse modo, nossos filhos
estarão livres de censuras devido ao infortúnio do pai. O trabalho se tornou meu