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“Vários dias depois, quando já parecia que me encontrava no limite de minha
resistência, ainda sem atinar com qualquer solução, Sasi me procurou. Um
mensageiro veio em nome de meu mestre buscar-me para me levar de volta à
Babilonia. Desenterrei meu precioso alforje, enrolei—me nos restos andrajosos
de minha túnica e segui caminho, montado atrás do mensageiro.
“A medida que progredíamos, os mesmos pensamentos de um furacão atirando-
me de um lado para outro assaltaram meu cérebro nervoso. Eu parecia estar
vivendo as misteriosas palavras de uma canção de Harroun, minha cidade
natal:
Atacando um homem como um redemoinho,
Conduzindo-o como uma tempestade,
Cujo curso ninguém pode seguir,
Cujo destino ninguém pode prever.
“Estava destinado a ser sempre punido em razão de algo que desconhecia? Que
novas desgraças e decepções me aguardavam?
“Quando entramos no pátio da casa de meu mestre, imagine minha surpresa
quando vi Arad Gula me esperando. Ele me ajudou a apear e me abraçou como
a um irmão há muito desaparecido.
“Quando nos pusemos a andar em direção ao interior da casa, quis ir atrás dele
como um escravo deve seguir o amo, mas ele não me permitiu fazê-lo. Passou o
braço pelo meu ombro, dizendo: '*Procurei-o por toda parte. Quando já me dava
por vencido, encontrei Swasti, que me falou sobre o emprestador de dinheiro,
que me conduziu até seu nobre dono. As negociações foram difíceis, por causa
dele, que ainda me fez pagar um preço exorbitante, mas você merecia todos os
sacrifícios. Sua filosofia e iniciativa foram minha inspiração para esse novo
sucesso.”
2 “A filosofia de Megiddo, não minha”, atalhei.
2 “A filosofia de Megiddo e sua. Graças a ambos, estamos indo a Damasco, e eu
preciso de você como meu sócio. Veja”, exclamou ele, *em um momento você
será um homem livre" Dizendo isso, retirou de sob a túnica a tabuinha de argila
onde estava gravado meu título de propriedade. Levantou-a acima da cabeça e
arremessou-a contra o chão de pedras. Com satisfação, esmagou com os pés os
fragmentos até que se reduzissem a pó.
“Lágrimas de gratidão encheram-me os olhos. Eu sabia que era o homem de
mais sorte na Babilonia.
“Como vê, o trabalho, no tempo de minhas maiores desgraças, provou ser meu
melhor amigo. Minha disposição para o serviço capacitou-me a escapar de ser
vendido para fazer parte das turmas de escravos nas muralhas. Isso também
impressionou seu avô, que me escolheu como seu sócio.”
— O trabalho é a chave secreta de meu avô para os seus siclos de ouro? —
perguntou Hadan Gula.
— Era a única chave que ele possuía quando o conheci — replicou Sharru
Nada. — Seu avô adorava o trabalho. Os deuses apreciaram seus esforços e o
recompensaram com liberalidade.
— Começo a ver — disse Hadan Gula, pensativo. — O trabalho atraiu seus
muitos amigos, que admiraram sua diligência e o sucesso que isso trouxe. O
trabalho trouxe-lhe o respeito de que tanto gozou em Damasco. O trabalho
trouxe-lhe todas essas coisas que aprovei. E eu que achava que o trabalho
somente convinha a escravos.
— A vida é repleta de prazeres que os homens podem gozar — comentou Sharru
Nada. — Cada um deles tem o seu lugar. Fico contente com que o trabalho não
esteja restrito a escravos. Fosse assim, eu me veria privado de meu maior
prazer. Não há nada que me dé uma soma maior de satisfação do que o
trabalho.
Sharru Nada e Hadan Gula seguiram cobertos pelas sombras das muralhas
torreadas até os maciços portões de bronze da Babilonia. À aproximação deles,
os guardas ali postados tiveram a atenção despertada e respeitosamente
saudaram um honrado cidadão. Com a cabeça erguida, Sharru Nada passou
com sua grande caravana pêlos portões e subiu as ruas da cidade.
— Sempre aspirei a tornar-me um homem como meu avô — confidenciou-lhe
Hadan Gula. — Nunca tinha percebido o tipo de homem que ele foi. Você me
mostrou isso. Agora, que compreendo, admiro-o ainda mais e sinto-me muito
mais determinado a ser como ele. Temo que nunca lhe poderei pagar por ter me
dado a verdadeira chave do sucesso dele. Daqui por diante usarei essa chave.