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brasil
As obras de arte vandalizadas nas invasões em Brasília
Um rico acervo guardado nesses edifícios do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto sofreu diversos tipos de danos. Nesta terça-feira (10/1), a Câmara dos Deputados divulgou um levantamento preliminar dos prejuízos na Casa com computadores, impressoras, TVs, entre outros, que ultrapassa os R$ 3 milhões. O cálculos das perdas com os objetos de arte ainda serão quantificados, mas a Câmara divulgou uma lista atualizada de obras danificadas. Os responsáveis pelos prédios lamentaram a perda de parte importante desse acervo, que é apontado por eles como um capítulo importante da história nacional. Fim do Matérias recomendadas Os estragos são avaliados pelas autoridades e ainda não se sabe o que poderá ser reparado futuramente. "O valor do que foi destruído é incalculável pela história que representa. O acervo é uma representação de todos os presidentes que representaram o povo brasileiro nesse longo período que se inicia com JK. Esse é o seu valor histórico", disse à BBC o diretor de curadoria dos Palácios Presidenciais, Rogério Carvalho. Abaixo, veja uma lista com algumas dessas obras que foram danificadas no domingo: O quadro é a principal peça do Salão Nobre do Planalto e tem um valor estimado em R$ 8 milhões, embora seu valor de venda possa ser cinco vezes maior em leilões, de acordo com o governo. A obra de 1962 é uma das mais importantes já produzidas pelo pintor carioca Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo (1897-1976). O Planalto informou que foram encontrados sete rasgos de diferentes tamanhos. Elizabeth Di Cavalcanti, filha do artista, esclareceu ao jornal O Globo que, embora a tela esteja sendo chamada na imprensa e nas redes sociais de As Mulatas, ela não tinha nome, porque seu pai não batizava suas obras. "Esse quadro também já apareceu muito na mídia com o nome 'Mulheres na varanda'. Mas ele não intitulava as obras, quem fazia isso eram colecionadores e agentes do mercado secundário", disse ela ao jornal. Ainda segundo Elizabeth, a obra provavelmente foi feita por encomenda da companhia de navegação estatal Lloyd Brasileiro, hoje extinta, para decorar o salão nobre de um dos seus navios turísticos. "Depois que a Lloyd acabou, essa obra foi parar na sede do governo brasileiro", disse a filha do pintor. A escultura de bronze do artista paulista Bruno Giorgi (1905-1993) foi "completamente destruída", informou o governo. A peça, avaliada em R$ 250 mil, ficava no 3º andar do Planalto, onde está localizado o gabinete presidencial. Giorgi é o autor de outras obras muito conhecidas instaladas em palácios públicos em Brasília, como Meteoro, no Itamaraty, e Os Candangos, na Praça dos Três Poderes. A pintura de 1995 reproduz a bandeira nacional hasteada diante do Planalto. O governo federal informou que ela foi encontrada boiando sobre a água que inundou todo o local após os hidrantes instalados ali serem abertos. A obra vandalizada está entre as registradas nas fotos feitas por Ricardo Stuckert e compartilhadas pelo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta (PT), em sua conta no Twitter. A escultura em madeira ficava instalada na parede do terceiro andar do Planalto. A obra foi quebrada em diversos pontos, informou o governo, e pedaços dos galhos que a compunham foram atirados para longe. O valor da peça é estimado em R$ 300 mil, disse o Planalto. Com um valor "fora de padrão", segundo o Planalto, o relógio de pêndulo do século 17 foi totalmente destruído pelos invasores. A peça foi dada de presente pela Corte francesa a Dom João 6º. Seu criador, Balthazar Martinot (1636-1714), era o relojoeiro do rei francês Luís 14. Segundo o Planalto, restam apenas dois relógios feitos por ele no mundo. O segundo está no Palácio de Versalhes, mas tem metade do tamanho do exemplar que foi destruído. A escultura de 1961 que fica diante do palácio do Supremo Tribunal Federal (STF) foi pichada com a frase "Perdeu, mané". As palavras foram ditas por um dos ministros da Corte, Luís Roberto Barroso, ao ser questionado por apoiadores de Bolsonaro sobre fraudes na última eleição em viagem a Nova York, nos Estados Unidos em novembro passado. A peça em granito de mais de três metros de altura do artista plástico mineiro Alfredo Ceschiatti (1918-1989) retrata uma Têmis, deusa da justiça, da lei e da ordem, com os olhos vendados, segurando uma espada no colo. De acordo com o STF, uma perícia técnica está sendo realizada para verificar os danos causados no interior do edifício. "Depois da perícia, o STF vai iniciar o trabalho de catalogar os estragos e quantificar os prejuízos. Também não há previsão para a conclusão deste trabalho", informou a Corte. A obra "Muro escultório", do artista plástico e professor Athos Bulcão, passou a fazer parte da decoração do Salão Verde da Câmara dos Deputados na década de 70, após ampliação do Edifício Principal, que teve o projeto de decoração elaborado por Oscar Niemeyer. O muro escultórico, de Athos Bulcão, que era colaborador de Niemeyer, foi criado especificamente para o local, segundo texto compartilhado na página da Câmara dos Deputados. Durante o vandalismo de domingo, a obra foi perfurada na base, segundo a assessoria de imprensa da Câmara dos Deputados. A escultura em bronze polido, dos anos 1920, que retrata uma bailarina também foi alvo de ataques neste domingo na Câmara dos Deputados. A obra "Bailarina", do escultor italiano Victor Brecheret representava a fase parisiense dele, na qual prevalece a delicadeza das formas e a sutileza com que tratava os temas femininos, diz texto compartilhado no site da Câmara dos Deputados. Os invasores radicais retiraram a bailarina do pedestal, segundo a assessoria de imprensa da Câmara. A escultura em bronze Maria, Maria, da artista Sônia Ebling também foi alvo dos ataques. A obra de 1980 está localizada na Câmara dos Deputados e foi marcada com pauladas durante a invasão de domingo. A peça, presente do presidente da Assembleia Nacional do Sudão, na África, em visita de 2012 foi furtada durante a invasão ao prédio da Câmara dos Deputados. Um presente de uma delegação chinesa que esteve presente na Câmara dos Deputados em 2008 em visita oficial foi quebrado.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64217624
brasil
'Reação da classe política no Brasil após invasões foi mais corajosa que nos EUA após Capitólio'
A classe política brasileira demonstrou maior coragem na defesa da democracia após os ataques de Brasília no domingo (8/1) do que os republicanos americanos depois da invasão do Capitólio, em 2021. A avaliação é do brasilianista Christopher Sabatini, especialista sênior da Chatham House, instituto de política internacional com sede em Londres. Ele cita como exemplos do compromisso com a democracia o fato de que muitos governadores — mesmo os que fazem oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), terem marchado com o presidente em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) na segunda-feira, um dia após a destruição de prédios públicos por manifestantes bolsonaristas. Sabatini observa que até mesmo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) — aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro — acatou sem reservas a suspensão de 90 dias do cargo imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Reações como essa não aconteceram nos Estados Unidos após a invasão do Capitólio. Na ocasião, muitos políticos republicanos se recusaram a criticar os manifestantes. Fim do Matérias recomendadas Sabatini avalia que Lula ganhou uma espécie de "lua-de-mel" entre políticos da oposição e do centrão para lidar com a grave crise que se estabeleceu após os protestos. Por outro lado, os protestos tiram um pouco do capital político de Bolsonaro, que se vê mais isolado tanto dentro da política brasileira quanto internacionalmente. No entanto, o ex-presidente demonstrou que segue tendo forte apoio de sua base mais radical. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Confira abaixo a entrevista do especialista à BBC News Brasil. BBC News Brasil: Lula prometeu unificar o Brasil, mas agora ele vai precisar prender e processar talvez centenas de bolsonaristas. É possível fazer as duas coisas simultaneamente: estabelecer paz e ordem ao Brasil? Christopher Sabatini: É uma tarefa difícil. E ele precisa garantir que as pessoas sejam responsabilizadas pelo que foi claramente um ataque premeditado à democracia. E isso não envolve apenas as milhares de pessoas que marcharam e depois vandalizaram prédios do governo, mas também aqueles que podem ter apoiado implicitamente dentro do Estado, como policiais, por exemplo, ou governadores. Por um lado, existe a busca por responsabilidade. Por outro, existe a questão de não querer inflamar ou transformar isso em uma caça às bruxas partidária. Há ainda um terceiro elemento nisso. Lula precisa enfrentar uma série de desafios sociais e econômicos muito prementes, como o aumento da pobreza e da inflação e o problema fiscal. O crescimento econômico é crucial para que Lula consiga unificar o país. Lidar com essa tentativa de golpe irá distraí-lo dessas outras questões sociais de longo prazo que são essenciais. É uma espécie de desafio de três partes. Acho que a marcha [realizada por Lula ao lado de governadores rumo ao Supremo Tribunal Federal na segunda-feira] é um sinal positivo. Ele tinha todos os governadores lá. Foi amplo, foi popular, foi uma manifestação de apoio à democracia. Acho que ele precisa tentar desafiar sistematicamente a ideia de que a eleição foi roubada. Ele precisa mostrar determinação e compromisso com as instituições democráticas e não prolongar a permanência dos militares nas ruas em estado de emergência de uma forma que possa ser vista como desnecessariamente inflamatória. Mas ele tem que achar os responsáveis. Isso foi uma insurreição. BBC News Brasil: Lula enfrentou enormes protestos no domingo, mas recebeu muito apoio de instituições, líderes estrangeiros e brasileiros em geral. O senhor acha que ele saiu fortalecido ou enfraquecido dos protestos? Sabatini: Eu acho que, internacionalmente, o comprometimento e a reação rápida da mídia foram muito positivas [para Lula]. Acho que isso fortalece o Brasil se o país quer ser uma potência mundial e ser visto como um mediador nas relações internacionais. O apoio a Lula e ao governo democrático é fundamental para isso. E acho que o protesto deu a ele uma espécie de período de lua-de-mel. O que está em jogo não é apenas uma questão partidária ou uma eleição disputada. Trata-se dos fundamentos da democracia: as instituições básicas, o Supremo Tribunal e o palácio presidencial. E expõe um grupo de criminosos que não mostraram nenhum escrúpulo em destruir prédios do governo e belas obras de arte, seja a arquitetura de Oscar Niemeyer ou a arte pós-moderna que está lá. Acho que isso permite a Lula levantar uma espécie de bandeira que pode unir alguns brasileiros. Mas a médio e longo prazo, ainda haverá um elemento marginal persistente e raivoso. Essas pessoas considerarão qualquer atitude de Lula como uma perseguição. Eles vão continuar a fomentando a raiva. Especialmente se a situação econômica e social continuar derrapando ou até piorando. Isso fornecerá um solo mais fértil para os tipos de descontentamento que vimos. Mesmo que esse descontentamento seja construído sobre mentiras, desinformação e ódio, como vimos no domingo. BBC News Brasil: A mesma pergunta poder ser feita sobre Bolsonaro. Ele mostrou no domingo que ainda tem milhares de apoiadores fieis. Mas os protestos causaram uma enorme reação negativa contra ele. O bolsonarismo saiu fortalecido ou enfraquecido dos protestos? Sabatini: Acho que o bolsonarismo perdeu parte de seu apelo. As pessoas gostam de comparar o que aconteceu ontem com o dia 6 de janeiro [a invasão do Capitólio, nos EUA, em 2021]. Mas acho que neste momento os políticos brasileiros estão mostrando mais coragem em defender a democracia do que os republicanos dos EUA na época. E isso é positivo. Líderes dentro do Brasil, como os governadores que marcharam com Lula, claramente estão dispostos a se opor ao desastre e ao horror que viram no domingo. Eu acho isso muito, muito positivo. Acho que Bolsonaro perdeu alguns dos políticos que o apoiavam. Mas sua base principal — aqueles que permanecem profundamente leais e que acreditam que Lula é comunista e uma ameaça ao seu modo de vida — não vai mudar. Portanto, os protestos podem ter enfraquecido parte do apelo de Bolsonaro junto ao centro, e também seu discurso de lei e ordem. As imagens de pessoas derrubando um policial do cavalo e destruindo propriedade pública deixam claro a caixa de Pandora que se abriu. Mas eu acho que para muitos de seus principais seguidores, o Brasil vive uma batalha entre o bem e o mal. BBC News Brasil: O senhor acha que Bolsonaro perdeu um pouco do seu capital político? Sabatini: Sim, ele perdeu parte de seu capital político, certamente entre os políticos democratas de qualidade. Até o governador do Distrito Federal aceitou ser suspenso com uma reação bastante apartidária. Agora vamos ver o que os Estados Unidos decidem fazer. Mas vai ser difícil para vários líderes internacionais serem capazes de apoiá-lo da maneira que faziam antes - mesmo para elementos do Partido Republicano nos EUA. BBC News Brasil: Voltando à política internacional, o que o senhor acha que o Brasil tem a ganhar com a demonstração de apoio que tem recebido? Sabatini: Acho que o Brasil precisa aproveitar a preocupação internacional e o apoio que está recebendo. O Brasil precisa de investimentos e apoio para construir sua economia. Também os EUA e a UE e outros atores internacionais têm se mostrado dispostos a aplicar sanções do tipo Magnitsky [como são conhecidas sanções internacionais contra indivíduos] a indivíduos corruptos ou antidemocráticos em lugares como Rússia, Venezuela e Nicarágua. Eu acho que o mesmo deveria acontecer no Brasil. Acho que quem for considerado culpado, seja em cargo público ou fora do país, precisa ser responsabilizado. Essa resposta internacional pode ajudar a demonstrar que Lula tem a legitimidade do voto popular de uma forma inegável e reconhecida em todo o mundo. BBC News Brasil: Algumas pessoas levantaram a possibilidade de Bolsonaro ser expulso dos EUA. Essa é uma perspectiva realista? Sabatini: Se for determinado que ele foi direta ou indiretamente responsável pelo que aconteceu, eu acho que ele deveria ser. Mas isso exige que o governo brasileiro peça uma extradição. Eu não sei de evidências contra ele. Mas acho que você não pode dar os fósforos às pessoas, a gasolina, apontar para uma casa e depois alegar que o incêndio criminoso não é sua culpa. A declaração que Bolsonaro emitiu no Twitter [no domingo] foi OK. Claro, ele também fez falsas comparações descabidas com protestos do passado. Mas acho que se for determinado que ele teve responsabilidade nos protestos, a comunidade internacional deveria responder. Ele deveria ser extraditado e provavelmente deveria ter seu visto revogado e algum tipo de sanção Magnitsky global deveria ser aplicada. BBC News Brasil: O senhor mencionou que isso dependeria de um pedido das autoridades brasileiras. Isso não seria explosivo demais em um contexto em que o Brasil está tentando encontrar um pouco de paz? Sabatini: Seria. Mas esta é uma questão delicada. Você não quer permitir que Bolsonaro se faça de vítima, o que ele faz muito bem. Mas as pessoas têm que ser responsabilizadas por essa tragédia. Se as autoridades brasileiras puderem demonstrar alguma responsabilidade direta, acho que isso precisa ser feito. O próprio Lula cumpriu pena na prisão — e não estou entrando no mérito de sua passagem pela prisão ou na forma como o processo foi anulado — mas Lula estava cumprindo pena por corrupção. Temos que exigir o mesmo nível de responsabilização pelos crimes agora. Neste caso, a insurreição é algo acima da disputa partidária. BBC News Brasil: Estamos a cerca de um mês das eleições no Congresso. Como o senhor acha que os protestos afetaram a influência de Lula no Congresso? Ele perdeu ou ganhou deputados e senadores nesse processo? Sabatini: Não acho que ele tenha ganhado ou perdido senadores, mas acho que ele ganhou a simpatia e uma espécie de lua-de-mel. Ficou difícil para muitos dos senadores do Centrão apoiar Bolsonaro. A menos que você seja um republicano dos Estados Unidos, é difícil justificar apoiar ou defender políticos que possam ser considerados, talvez indiretamente, responsáveis pela destruição de sua própria instituição. BBC News Brasil: O senhor mencionou os desafios de Lula, como pobreza e inflação. Mas agora ele tem a tarefa urgente de lidar com as consequências dos protestos. Seu mandato ficou ainda mais difícil agora? Sabatini: Sim. Ele enfrenta um dilema político histórico. E o país segue ainda muito dividido, embora eu ache que o bolsonarismo tenha sido deslegitimado em alguns setores. Ao mesmo tempo, ele está enfrentando uma pobreza crescente. Vai ser muito difícil administrar todos esses difíceis desafios estruturais, econômicos, sociais e políticos ao mesmo tempo. BBC News Brasil: O STF demonstrou força ao determinar a prisão e investigação de centenas de pessoas, e a suspensão do governador do Distrito Federal. Essa concentração de poder em uma instituição ou em um juiz, no caso Alexandre de Moraes, é perigosa para a democracia brasileira? Sabatini: Uma concentração semelhante de autoridade judicial ocorreu sob Sergio Moro. Portanto, existe um precedente. Eu acho que oscilações violentas de autoridade judicial em momentos de crise são um perigo. Isso aconteceu com Sergio Moro e corre o risco de acontecer agora. O desafio será lidar com esta investigação e os indiciamentos sem inflamar acusações de partidarismo por parte das instituições. Isso precisa ser diferente de como foi, por exemplo, na tentativa pós-golpe na Turquia, onde Erdogan aproveitou aquela oportunidade para fazer uma caça às bruxas. Eu não acho que Lula faria isso, mas ele e o STF têm que evitar percepções de que estão aproveitando esse ataque à democracia para consolidar ainda mais seu poder. Isso é um desafio muito difícil, principalmente pelos níveis de polarização e pelo fato de que Lula tem índices de reprovação ainda muito altos. Lula tem seus simpatizantes, mas também muita gente o apoia simplesmente porque ele não é o Bolsonaro. BBC News Brasil: O que o STF fez até agora estaria dentro do comportamento democrático normal? Sabatini: Sinceramente, não sei avaliar. Mas eu acho que as coisas precisam acontecer rapidamente. Havia uma enorme desconfiança sobre o governador do Distrito Federal e isso precisava de alguma resposta. E o governador lidou muito bem com a questão, dizendo "tudo bem, vou me afastar". Ele só foi suspenso por 90 dias. Acho que o desmantelamento dos acampamentos é uma coisa muito positiva. A questão agora é sobre a detenção e investigação das milhares de pessoas que invadiram os prédios do governo. Acho que a questão vai ser como isso será tratado. BBC News Brasil: O senhor acha que existe um caminho para o Brasil ter paz no futuro? Ou a situação vai ficar ainda mais tensa e violenta? Sabatini: Acho que precisa haver [um caminho para paz]. Isso vai exigir a presença de um político muito habilidoso. Vai exigir um esforço para reduzir a polarização partidária. Uma coisa preocupante, por exemplo, é o número de pessoas que estavam de vermelho [as cores do PT] nas marchas de ontem. Essa não é uma bandeira partidária. Ela precisa ser enquadrada como uma questão brasileira. E acho que isso deve ser feito também em cooperação com a comunidade internacional. Felizmente, ao contrário de Bolsonaro, Lula é um político muito habilidoso. Espero que com suas habilidades e com a simpatia de grandes segmentos da população brasileira com as instituições democráticas e com a comunidade internacional em apoio às instituições democráticas, isso proporcione, pelo menos por enquanto, um ambiente positivo.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64226502
brasil
O que se sabe sobre quedas de torres elétricas com 'indícios de vandalismo e sabotagem'
Três torres de transmissão de energia elétrica caíram, com "indícios de vandalismo e sabotagem", em diferentes locais do país, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). As quedas ocorreram entre a noite de domingo (8/1) e a madrugada de segunda-feira (9/1), após as invasões e atos de vandalismo em Brasília, mas não está claro se as quedas têm relação com o ocorrido na capital. Não houve interrupção no fornecimento de energia. Um gabinete de crise foi criado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), sob a coordenação da Aneel, para garantir a segurança do sistema elétrico após os episódios. O ONS afirmou que está adotando medidas "tradicionalmente implementadas em eventos especiais como, por exemplo, Eleições e Copa do Mundo e Olimpíadas". "Ao longo do trabalho de monitoramento, o Operador foi comunicado de quedas de torres, mas nesta época do ano de condições climáticas severas, o incidente pode ser considerado normal. Neste momento, as causas estão sendo investigadas pelos respectivos agentes", disse o ONS. Fim do Matérias recomendadas O MME disse em nota que acompanha desde 1º de janeiro eventos com indícios de vandalismo nos setores de energia elétrica, mineração e combustíveis. "Um grupo de trabalho segue monitorando e subsidiando com informações necessárias às decisões para assegurar o suprimento energético e a preservação da cadeia mineral. Paralelamente, foram acionados os órgãos de segurança federais e estaduais de modo a apurar e prevenir novos atos." A primeira queda ocorreu em Rondônia, na linha de transmissão entre Samuel (AC) e Ariquemes (RO), operada pela Eletronorte, às 21h30 de domingo. Houve ainda uma "torção" em duas torres adjacentes, segundo a Aneel. O boletim da agência afirma que "há indícios de vandalismo". Por sua vez, a Eletronorte afirmou que a torre foi "derrubada", com "indícios de sabotagem". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "A Eletronorte informa ainda que atua também no encaminhamento de informações e registro de ocorrência policial para que os órgãos competentes apurem os fatos e identifiquem os responsáveis", disse a companhia. A segunda queda, também com "indícios de vandalismo", de acordo com a Aneel, foi registrada na cidade de Medianeira, no Paraná, na linha de transmissão operada por Furnas entre Foz do Iguaçu (PR) e Ibiúna (SP). Também foram danificadas três outras torres próximas. Segundo a agência, "não foram identificadas condições climáticas adversas que possam ter causado a queda de torres". A terceira queda ocorreu às 00h40 na linha de transmissão do Complexo do Madeira, que conecta as usinas hidrelétricas de Jirau, em Porto Velho (RO), e Santo Antônio, em Sertãozinho (SP). De acordo com a Aneel, a Evoltz, empresa responsável pela linha, informou que "há indícios de sabotagem" na queda da torre, após ter sido verificado o corte de dois estais (cabos que dão sustentação à estrutura). De acordo com a ONS, não há previsão de quando a operação das linhas será normalizada após as quedas em Rondônia e na linha do Madeira. Na linha de Furnas, a expectativa é que isso ocorra até o próximo dia 13. Após as quedas, foi criado um Gabinete de Acompanhamento da Situação do Sistema Elétrico, sob a coordenação da Aneel, para monitorar "informações referentes a qualquer tentativa de ataque ou efetivo vandalismo, tanto sob o aspecto de integridade física como também cibernética das instalações". A ONS também informou ao MME e à Aneel que passou a realizar uma "operação diferenciada para aumento da segurança eletroenergética". As medidas incluem aumentar o envio de energia entre regiões do país "visando minimizar ou mesmo evitar atuação dos esquemas especiais de proteção, sempre que possível".
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64229804
brasil
O que é a intervenção federal no DF decretada por Lula e aprovada no Congresso
Após apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadirem e vandalizarem as sedes dos três Poderes em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) determinou a intervenção federal na área de segurança pública do Distrito Federal até 31 de janeiro. "Não existe precedente (para) o que essa gente fez e, por isso, essa gente terá que ser punida. Nós vamos inclusive descobrir quem são os financiadores desses vândalos que foram a Brasília e todos eles pagarão com a força da lei esse gesto de irresponsabilidade, esse gesto antidemocrático e esse gesto de vândalos e fascistas", disse Lula, ao anunciar a medida. Na terça-feira (10/1), o Senado aprovou o decreto presidencial que determinou a intervenção. No dia anterior, a Câmara dos Deputados já havia aprovado a medida. Apesar de estar em vigor desde o domingo, a intervenção decretada pelo presidente Lula precisava ser ratificada pelo Congresso. A possibilidade de intervenção está prevista no artigo 34 da Constituição Federal. Ele diz que o presidente pode decretar a intervenção com objetivo de "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública". A Constituição também determina que o decreto de intervenção do presidente seja submetido ao Congresso Nacional em até 24 horas. Como os parlamentares estão de recesso, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fará uma convocação extraordinária para analisar a questão. Fim do Matérias recomendadas Lula nomeou como interventor Ricardo Capelli, que é o secretário executivo do Ministério da Justiça, ou seja, o número dois da pasta e nome de confiança do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB). Antes de ocupar essa função, Capelli foi secretário de Comunicação do governo do Maranhão, quando Dino governava o Estado. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Como interventor, ele fica diretamente subordinado ao presidente da República. O decreto dá a Capelli plenos poderes para comandar as forças de segurança do Distrito Federal. Também estabelece que ele poderá "requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Distrito Federal afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção". Neste domingo (08/01), bolsonaristas invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Eles encontraram pouca resistência das forças de segurança do Distrito Federal, que não mobilizou efetivo suficiente para conter o avanço dos invasores pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, onde ficam os edifícios invadidos. O secretário de Segurança do DF no cargo no momento desses atos violentos era o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro Anderson Torres, que assumiu a função na última semana. Ele está nos EUA e foi exonerado do cargo pelo governador Ibanês Rocha (MDB) após as invasões. A medida adotada por Lula não é inédita. Em 2018, por exemplo, o então presidente Michel Temer (MDB) também decretou a intervenção federal na área de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Na avaliação do constitucionalista Daniel Sarmento, professor da UERJ, a intervenção se justifica no caso do Distrito Federal agora porque a tensão se mantém há várias semanas na capital federal, sem uma ação eficiente de repressão pelas forças de segurança, tendo culminado na grave invasão e depredação das sedes dos três Poderes neste domingo. No dia 12 de dezembro, data da cerimônia de diplomação de Lula como presidente eleito, bolsonaristas já tinham tentado invadir a sede da Polícia Federal e ateado fogo em carros e ônibus. "Eu não acho que a simples exoneração do Anderson Torres resolva tudo, porque esse cenário é anterior. Se havia dezenas de ônibus vindo para a Esplanada, era quase que crônica de uma morte anunciada que ia dar uma confusão muito grande", afirmou. "Não se viu um efetivo suficiente, nenhuma ação de dissuasão para evitar que cenas lamentáveis como gente quebrando o Congresso, o Supremo ocorresse", disse ainda.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64205789
brasil
Invasões em Brasília: 3 semelhanças (e 3 diferenças) com a invasão do Capitólio nos EUA há 2 anos
As cenas de caos e destruição protagonizadas por bolsonaristas durante a invasão das sedes do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) no domingo (08/01) lembram o que aconteceu em Washington, nos Estados Unidos, há dois anos. Na ocasião, milhares de apoiadores do presidente Donald Trump invadiram o Capitólio, sede do Congresso americano, para tentar impedir a certificação do resultado da eleição que elegeu o atual presidente Joe Biden. Mas quais são as semelhanças e diferenças entre os dois incidentes? Em ambos os casos, os manifestantes tomaram os prédios institucionais à força, deixando um enorme rastro de destruição por onde passaram. Tanto em Washington quanto em Brasília, os manifestantes conseguiram passar pelo pequeno número de policiais que tentaram detê-los e abriram caminho quebrando janelas e arrombando portas. Fim do Matérias recomendadas No domingo, os bolsonaristas saíram das imediações do Quartel General do Exército onde estavam acampados e avançaram cerca de oito quilômetros até a Praça dos Três Poderes para invadir o Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. Vestidos com as cores da bandeira nacional, sendo que muitos enrolados na própria bandeira brasileira, eles praticaram inúmeros atos de vandalismo, destruindo tudo o que encontravam pela frente — quebraram vidraças, móveis antigos, obras de arte, equipamentos de informática e arquivos. Como aconteceu no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, vários vídeos publicados nas redes sociais mostram como alguns dos invasores levaram "troféus" do Congresso Nacional. Em ambos os casos, muitos manifestantes vieram de lugares distantes no país. Em Washington, eles se reuniram pela manhã na esplanada conhecida como The Ellipse, em frente à Casa Branca, para ouvir os discursos de Trump e de alguns de seus aliados. De lá, marcharam para o Capitólio. Muitos haviam chegado no dia anterior. Em Brasília, dezenas de ônibus com manifestantes chegaram horas antes de outras partes do Brasil para se juntar ao acampamento de bolsonaristas na capital. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, 40 desses ônibus já foram identificados, assim como quem os financiou. A violência não foi apenas patrimonial. Cerca de 70 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde, ficaram feridas no domingo, incluindo policiais e jornalistas, que foram agredidos pela multidão. Pelo menos 1,2 mil pessoas foram detidas. Em Washington, cinco pessoas morreram e cerca de 140 policiais ficaram feridos. Quatro policiais que responderam ao ataque cometeram suicídio desde então. Tanto os apoiadores de Donald Trump quanto os de Jair Bolsonaro estão convencidos, sem nenhuma prova, de que houve fraude nas eleições em que seus candidatos perderam — e que, portanto, eles estavam lutando para corrigir uma injustiça. Assim como Trump fez (e continua a fazer nos EUA), Bolsonaro passou meses alimentando a narrativa de que as eleições em que foi derrotado não foram limpas — e semeando dúvidas sobre as urnas eletrônicas, que poderiam ser manipuladas, segundo ele, seguindo retórica semelhante a que tem sido usada pelo ex-presidente dos Estados Unidos. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Em uma votação bastante apertada, o petista Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições presidenciais em 30 de outubro e tomou posse em 1º de janeiro. Lula conseguiu se candidatar e vencer as eleições após a condenação por corrupção que o fez passar 580 dias na cadeia ter sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal. Em um país profundamente dividido, em que posições extremistas se acentuaram diante do populismo de extrema-direita representado pela gestão de Bolsonaro, a volta de um presidente de esquerda — sobretudo após sua passagem pela prisão — foi demais para seus opositores. Desde a derrota de Bolsonaro nas urnas, muitos de seus apoiadores se organizaram em grupos de WhatsApp e Telegram para planejar manifestações e acampamentos como os que acontecem em frente aos quartéis em várias cidades do país. Esse discurso de conspiração que se ouve no Brasil lembra aquele que faz parte da estratégia da equipe de Donald Trump desde que ele perdeu as eleições. Na verdade, desde a derrota nas urnas, a equipe de Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo, tem mantido contato tanto com Trump quanto com seu estrategista Steve Bannon e seu ex-porta-voz Jason Miller, conforme revelou o jornal americano The Washington Post. O próprio Bannon, ideólogo da nova direita radical populista, descreveu Bolsonaro como um "herói" e alimentou a teoria de "eleição roubada" em seu podcast War Room e na rede social Gettr, criada pelo ex-presidente americano. Ambas as invasões aconteceram alguns meses depois das eleições em que seus candidatos foram derrotados. Joe Biden venceu as eleições em 3 de novembro de 2020, embora só tenha tomado posse como presidente em 20 de janeiro de 2021. Lula venceu o segundo turno das eleições presidenciais em 30 de outubro de 2022, e tomou posse em 1º de janeiro, uma semana antes das invasões em Brasília. Durante esses dois meses, a retórica em torno da suposta fraude eleitoral — nunca comprovada — foi ganhando força nas redes e canais de comunicação dos seguidores dos candidatos derrotados, até resultar nos ataques às instituições. Esse tempo também permitiu que os invasores se organizassem. No caso do Brasil, o Ministério da Justiça está agora investigando não só os autores dos atos de violência no domingo, como também quem os iniciou e financiou. Diferentemente do que aconteceu nos EUA, onde os trumpistas estavam determinados a retomar o poder por seus próprios meios, no Brasil os bolsonaristas pedem uma intervenção militar para levar Bolsonaro de volta ao Palácio do Planalto. Até domingo passado, o Exército, que desempenhou um papel de destaque durante o mandato do ex-presidente, parecia ter tolerado o acampamento desses manifestantes em frente aos seus quartéis. "As principais figuras militares apoiaram a agenda de direita radical de Bolsonaro por um longo tempo e, mesmo recentemente, mostraram total apoio a várias manifestações a favor do golpe de Estado que ocorreram em diferentes partes do país nos dias que antecederam o ataque", afirmou Rafael R. Ioris, professor de história da América Latina, em artigo publicado no site de notícias acadêmicas The Conversation. Durante a gestão de Bolsonaro, vários militares de alto escalão ocuparam cargos no governo, incluindo no Ministério da Defesa e até mesmo no Ministério da Saúde durante o auge da pandemia de covid-19. Estima-se também que cerca de 6 mil militares ativos receberam cargos não militares no governo nos últimos 8 anos. Desde que assumiu o cargo, Lula manteve uma postura "conciliadora" com as Forças Armadas. O papel da polícia durante as invasões também levantou questionamentos. A imprensa brasileira divulgou vídeos que mostram uma aparente passividade dos policiais militares da capital diante dos invasores, chegando a conversar com eles de forma descontraída. O secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, que foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro, foi exonerado do cargo pelo governador, e a Advocacia-geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal sua prisão. Durante as eleições, alguns setores da polícia também foram criticados por instalarem barreiras policiais nas rodovias para dificultar o acesso às zonas eleitorais nas regiões em que Lula seria eleito. A invasão do Capitólio em 2021 aconteceu ainda sob o mandato de Donald Trump. Apesar de já ter perdido as eleições, o republicano ocuparia a Casa Branca até o dia 20 de janeiro, então naquele momento ele era a autoridade máxima. Bolsonaro, no entanto, deixou o cargo em 31 de dezembro — e se encontra, desde então, nos Estados Unidos, especificamente na Flórida. Alguns meios de comunicação brasileiros interpretaram essa saída como uma estratégia para evitar comparecer à posse de seu sucessor, enquanto seus opositores veem uma fuga preventiva diante do fim da sua imunidade presidencial, o que poderia colocar o ex-presidente perante a Justiça. Na mesma manhã da invasão ao Capitólio, Donald Trump fez um discurso aos seus apoiadores no qual afirmou que nunca aceitaria o resultado das eleições, e no qual pediu ao seu vice-presidente, Mike Pence, que revogasse o resultado. Embora não tenha feito um apelo explícito à violência, o discurso dele estava repleto de imagens violentas e pedia, inclusive, que (seus apoiadores) marchassem até o Capitólio e "lutassem como demônios" porque, do contrário, segundo ele, "vocês não terão mais um país" . Já Bolsonaro, embora alimente há meses teorias de que as eleições foram fraudadas, se desvinculou no domingo dos acontecimentos em Brasília. "Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra", escreveu Bolsonaro no Twitter. Ambos, no entanto, levaram várias horas para reagir depois que os incidentes começaram. O ex-presidente foi esfaqueado em 2018 e desde então enfrenta dores abdominais. Outra diferença entre os dois ataques é que a invasão em Brasília aconteceu em um domingo, com todas as instituições fechadas. Já a invasão do Capitólio, em Washington, ocorreu em meio a uma sessão legislativa. E não era uma sessão qualquer, era a sessão do Legislativo que certificaria a vitória de Joe Biden nas eleições. Os trumpistas pretendiam, portanto, impedir a transferência pacífica de poder. Diferentemente do que aconteceu nos Estados Unidos, os bolsonaristas não invadiram apenas a sede do Poder Legislativo, mas também a do Executivo e do Judiciário, à espera possivelmente de que outros se juntassem à sua luta, inclusive o Exército. Os manifestantes vagaram pelos edifícios-sede dos Três Poderes, cujos projetos arquitetônicos são de Oscar Niemeyer, quase sem encontrar obstáculos até a polícia conseguir retirá-los de lá. Na invasão ao Capitólio, no entanto, o prédio estava repleto de representantes políticos e suas equipes, além de jornalistas e forças de segurança, o que causou pânico entre os presentes. Muitos tiveram que se esconder em seus escritórios, outros em seus assentos nas câmaras, enquanto alguns conseguiram ser retirados em cenas que nunca haviam sido vistas no país.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64220636
brasil
Após ordem do ministro Alexandre de Moraes, acampamentos bolsonaristas são desmontados em todo o Brasil
Após a invasão de manifestantes antidemocráticos que depredaram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e Supremo Tribunal Federal no último domingo (8), em Brasília, o acampamento no quartel general do Exército, que reunia uma minoria de bolsonaristas extremistas, começou a ser desmontado na última segunda-feira (9), após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). No acampamento de Brasília, cerca de 1,5 mil ativistas radicais foram presos. Imagens mostradas em canais de TV como a GloboNews na última segunda-feira mostraram manifestantes deixando o acampamento pacificamente. A invasão ocorreu após diversas convocações feitas em grupo de redes sociais como o WhatsApp. Os invasores pedem o fechamento do Congresso Nacional, intervenção militar e contestam a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Apesar de haver policiais militares na área próxima aos manifestantes, a PM do Distrito Federal não conseguiu impedir a invasão. A demora em restabelecer a ordem foi considerada omissão, o que levou ao afastamento do governador do Estado, Ibaneis Rocha (MDB). De acordo com informações da Polícia Federal, todos os policiais da Superintendência Regional do DF estão convocados para trabalhar na identificação dos criminosos que participaram diretamente das ações ou ajudaram a financiá-las ou organizá-las. Fim do Matérias recomendadas Os acampamentos bolsonaristas erguidos em outros Estados também foram desmontados ao longo da segunda-feira (9), conforme a ordem de Moraes. De acordo com levantamento da CNN Brasil, ao menos 70 acampamentos já foram desmontados em todo o país. A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que não há mais qualquer ponto de concentração de pessoas no Estado do Rio de Janeiro. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O comando da Corporação ressalta que, ao longo da segunda-feira (09/01), foram desmobilizados os acampamentos localizados na frente da Base Naval, em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no Sul Fluminense e no Centro da Cidade do Rio de Janeiro, próximo ao Comando Militar do Leste. "Cabe informar que as pessoas que estavam concentradas nessas áreas deixaram os locais por conta própria sem que fosse necessário o uso da força policial", informou a assessoria, em nota, à BBC News Brasil. Belo Horizonte A Guarda Municipal de Belo Horizonte desmontou na sexta-feira (6) o acampamento em frente ao Comando da Quarta Região Militar do Exército, após a agressão a um repórter fotográfico do jornal Hoje em Dia e a outros jornalistas no dia anterior. Sobre os outros acampamentos, a Polícia Militar de Minas Gerais informou apenas que "monitora, por meio da Diretoria de Inteligência, todas as movimentações no Estado e que pontos sensíveis já estão sendo ocupados pela instituição para manutenção da ordem pública". São Paulo A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou à BBC News Brasil que todos os pontos de acampamentos foram desmobilizados. Paraná Acampamentos antidemocráticos também foram desmontados em Curitiba, capital do Estado, no dia 9 de janeiro. Em nota, o governo do Paraná, via Secretaria de Estado da Segurança Pública, afirmou que vem atuando desde o domingo (8) para impedir bloqueios em rodovias estaduais ou nos municípios. Também está dialogando com forças federais. "Houve uma tentativa de bloqueio de acesso na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, mas ela foi desmobilizada após atuação rápida do Batalhão de Choque da Polícia Militar. Duas pessoas foram presas no local. Lideranças estão sendo identificadas e seus nomes serão encaminhados para o Poder Judiciário." "As forças de segurança também estão preparando as ações para desmobilização dos atos que ainda estão na frente dos quartéis, em respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)." Após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva no dia 1º de janeiro, acampamentos bolsonaristas já haviam sido espontaneamente desmontados em locais como Porto Alegre (RS), Juiz de Fora (MG) e Ariquemes (RO). Mato Grosso do Sul De acordo com a assessoria de comunicação da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, havia apenas um acampamento, localizado em frente a sede do Comando Militar do Oeste, que foi desmontado na última segunda-feira (9). Espiríto Santo, Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina também estão entre os estados que cumpriram a determinação de Moraes e desmontaram os acampamentos bolsonaristas.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64212926
brasil
'Se não tiver mais acampamento, vamos para WhatsApp': a visão de bolsonarista que passou 70 dias em quartel
Membro do acampamento bolsonarista erguido há 70 dias em frente ao Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, o policial militar da reserva Celso Otávio Lopes, de 57 anos, diz que o movimento diante dos quartéis deve deixar de existir "fisicamente" conforme polícias e as Forças Armadas agem para desmontar as barracas. "O movimento começou espontâneo e, com os atuais acontecimentos, está terminando espontaneamente também. Então todos vão seguir suas vidas e nos comunicaremos através do WhatsApp", diz Lopes à BBC. Lopes, que passou à reserva da PM paulista como subtenente e hoje trabalha como segurança, foi um dos primeiros a participar do acampamento diante da principal base do Exército em São Paulo, logo após o segundo turno da eleição presidencial. Ele costuma voltar para casa à noite para dormir, retornando ao acampamento no dia seguinte. É bastante ativo nas redes: todas as noites, envia para uma lista de transmissão no WhatsApp vídeos que ele mesmo grava no acampamento. Seu grupo pede uma intervenção das Forças Armadas para anular a eleição e diz que o pleito foi fraudado - afirmação contestada pela Justiça Eleitoral e por entidades que monitoraram a disputa. Fim do Matérias recomendadas Na entrevista à BBC News Brasil, Lopes diz ainda que quem depredou as sedes dos Três Poderes em Brasília durante as invasões do último domingo (08/01) deve ser punido. "Condeno essas ações. Essas pessoas têm que ser ouvidas e julgadas, isso é crime". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Confira os principais trechos da entrevista, concedida por chamada de vídeo. BBC News Brasil - Qual é a sua avaliação do que aconteceu em Brasília? Celso Otavio Lopes - Primeiramente a gente deve notar que, ao longo desses 70 dias de manifestação, sempre existiram infiltrados. São pessoas que desconheço se são pagas. São pessoas que vão até as manifestações para provocar as pessoas que lá estão. E ontem não aconteceu diferente. Inclusive a Força Nacional prendeu um infiltrado com um material explosivo e gasolina. Até recebi um relato de uma pessoa que está lá (em Brasília). Ela me disse que, quando chegaram lá (nos edifícios), já havia depredações, já havia alguns indivíduos lá dentro quebrando tudo. BBC - Mas a depredação de patrimônio público foi bem grande. Houve muitas vidraças quebradas, computadores foram destruídos, móveis foram revirados, várias obras de arte foram danificadas. Ainda que houvesse um ou outro infiltrado, isso explicaria a dimensão da destruição? Lopes - Veja bem, os ânimos estão à flor da pele. Tem muita gente que está há 70 dias no acampamento se alimentando mal, dormindo mal, tem muita gente estressada. Então, uma ação inicial desastrosa acaba gerando mais desastre ainda. E tem relatos de infiltrados que incitam o povo a entrar e quebrar. BBC - Ainda que nem todos tenham depredado, milhares de pessoas entraram em prédios públicos que estavam fechados num domingo. A partir do momento em que tanta gente entra nesses edifícios, não fica difícil de controlar o que essa multidão faz lá dentro? Lopes - Perfeitamente. Inclusive quando não se tem comando e as pessoas, cada uma reage de uma forma. Os ânimos estão à flor da pele. As pessoas querem justiça. Você quer ver um povo revoltado? Você trata esse povo com injustiça. As pessoas não dormem direito. As pessoas não se alimentam direito. E, quando são injustiçadas, isso se torna revolta. BBC - Você pretende voltar para o acampamento? Lopes - Eu tenho notícias de que a Polícia Militar está lá com bombeiros, com o próprio Exército. O major do Exército pediu para que fossem retiradas as barracas. Então, talvez no horário que eu fosse para lá, eles não estariam mais lá. Se não houver mais acampamento, nós vamos nos comunicar pela rede social, através do WhatsApp. BBC - Quais podem ser os próximos passos para o movimento se o acampamento for desativado? Lopes - O movimento começou espontâneo. E, com os atuais acontecimentos, está terminando espontaneamente também. Então todos vão seguir suas vidas e nos comunicaremos através do WhatsApp. BBC - Qual vai ser a repercussão do que aconteceu no domingo para o movimento? Lopes - A ação depredatória, de patrimônio público, é claro que é ruim para as duas partes, como houve em 2017, quando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) invadiu o Congresso, o Planalto. Nota da redação: A invasão do MST em 2017 foi no Ministério da Fazenda, durante um protesto do grupo contra a reforma da Previdência. Segundo a polícia, cerca de 200 participaram do ato, que deixou vidros quebrados e portas arrombadas. BBC - Qual é a sua avaliação da atitude que o ex-presidente Jair Bolsonaro tem tido nas últimas semanas? Ele viajou para os Estados Unidos e, em relação a esse episódio de domingo, ele condenou a destruição. Lopes - Acho correto. Eu também condeno a destruição. Essas pessoas têm que ser ouvidas e julgadas. Isso é crime. E a atitude dele (Bolsonaro) foi legítima. Ele saiu do país. Ele não tem mais controle, aliás, nunca teve nos quatro anos o controle. Quem teve o controle foi o STF (Supremo Tribunal Federal). BBC - Bolsonaro ainda exerce influência sobre vocês? É uma referência para o movimento? Lopes - Não. Esse é um movimento que se iniciou por causa do escândalo das urnas, e não com a saída do Bolsonaro. A Simone Tebet poderia ser eleita, estaria tudo bem. Outro candidato poderia ser eleito, estaria legitimamente. BBC - Se a Simone Tebet se elege, haveria um movimento mesmo assim? Lopes - Não, porque ela não é ex-presidiária. BBC - Então é uma questão com o Lula? Lopes - Com a situação pregressa dele. BBC - Considerando o cerco que vai se fechando agora, inclusive por parte das Forças Armadas, que estão participando da remoção dos acampamentos, o que você espera que ainda possa acontecer? Lopes - Nós esperamos que se faça justiça. Uma esperança seria o Congresso, através da inelegibilidade da chapa Lula-Alckmin. Ou de uma justiça internacional. Ou a justiça de Deus. Com as Forças Armadas, nós não contamos mais.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64205793
brasil
Cinco perguntas ainda sem respostas sobre a ação de bolsonaristas em Brasília
Enquanto as investigações começam, especialistas em segurança pública apontam que há perguntas importantes sobre os eventos que antecedeu a invasão que ainda não foram respondidas. A BBC News Brasil ouviu o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, que elencou cinco questões ainda sem respostas sobre os episódios do domingo. Segundo ele, as principais perguntas são: - Por que o ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal viajou às vésperas da manifestação? - Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro, tratou com Bolsonaro sobre as manifestações do domingo? Fim do Matérias recomendadas - Qual foi a atuação do comando-geral da PM do Distrito Federal nas horas que antecederam a invasão? - Qual o papel do governador afastado Ibaneis Rocha no episódio? - Por que o Batalhão de Guarda Presidencial não conseguiu impedir a invasão do Palácio do Planalto? Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Na tarde de domingo, milhares de militantes apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) insatisfeitos com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e defendendo pautas como o fechamento do Congresso Nacional invadiram as sedes dos três poderes da República. Eles chegaram a Brasília ao longo dos últimos dias e ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central da cidade, ao longo do dia. A presença de policiais militares na área não conseguiu impedir a invasão. A ordem foi restabelecida horas depois, após a chegada de reforços policiais. Horas mais tarde, o ministro do STF, Alexandre de Moraes, afastou temporariamente o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). O cargo passou a ser exercido pela vice-governadora, Celina Leão (PP). Na avaliação de Renato Sérgio de Lima, a atuação ou omissão durante a crise do agora ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres é um dos pontos que precisa ser melhor esclarecido. Torres foi ministro da Justiça de Bolsonaro e era tido como um dos seus aliados mais fiéis. Logo após a posse de Lula e sua exoneração, Torres foi nomeado por Ibaneis como secretário de segurança, cargo que exercia antes de assumir o Ministério da Justiça. Durante sua gestão como ministro da Justiça, ele foi alvo de críticas da oposição por, supostamente, usar seu cargo em favor do então candidato à reeleição Jair Bolsonaro. Um dos episódios mais marcantes foi a operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em rodovias do Nordeste que parou diversos ônibus que transportavam eleitores de Lula para as suas zonas eleitorais. À época, ele negou qualquer irregularidade. As suspeitas sobre sua eventual conivência com os atos do domingo aumentaram depois que passou a circular a informação de que, no final de semana, ele estaria na Flórida, mesmo Estado onde Bolsonaro passa uma temporada desde antes do fim de seu mandato. "Em relação a Anderson Torres, há duas perguntas que precisam ser respondidas. A primeira é: Por que ele viajou para os Estados Unidos às vésperas de uma manifestação prevista? Essa manifestação estava sendo divulgada havia dias. O que fez o chefe da segurança pública viajar às vésperas de um evento tão importante?", indaga Lima. "A segunda é: ele se encontrou com Bolsonaro e tratou dessas manifestações com o ex-presidente? Se esse tipo de conversa ocorreu, é algo que a sociedade precisa saber", disse o especialista. A BBC News Brasil enviou um conjunto de 10 questões a Anderson Torres por meio de um aplicativo de troca de mensagens. A reportagem questionou se ele se encontrou com Bolsonaro e se tratou das manifestações com o ex-presidente. A reportagem também telefonou para o ex-secretário e ex-ministro, mas ele não atendeu às ligações e nem respondeu às mensagens. Em sua página no Twitter, Torres admitiu que está no exterior, mas não deu indicações sobre onde estaria. Ele também rebateu as críticas de que ele teria sido conivente com os atos do domingo. "Sempre pautei minha vida pelo respeito às leis e às instituições [...] nesse sentido, lamento profundamente que sejam levantadas hipóteses absurdas de qualquer conivência minha com as barbáries que assistimos", disse Torres. A possibilidade de omissão de Anderson Torres foi aventada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em uma petição enviada pelo órgão ao STF. No documento, a AGU pede a prisão de Anderson Torres e quaisquer outros agentes públicos que tenham sido omissos ou que tenham contribuído com a invasão das sedes dos três poderes. "Dentre os pedidos, figuram a prisão em flagrante do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, exonerado na tarde de hoje, e de demais agentes públicos responsáveis por atos e omissões", disse uma nota divulgada pela AGU. Renato Sérgio de Lima pontua que um outro ponto que vem sendo pouco destacado desde a invasão do domingo foi o papel do comandante-geral da PM do Distrito Federal, coronel Fábio Augusto Vieira. "É preciso saber os motivos que levaram a PM a permitir o acesso de pedestres à Esplanada dos Ministérios apesar de todos os alertas indicarem que havia a possibilidade de atentados", disse Lima. Outro ponto que chamou atenção durante a invasão foram as imagens de militares da PM do Distrito Federal tirando selfies e fotografias com bolsonaristas enquanto os prédios públicos eram invadidos. Em entrevista coletiva, o ministro da Justiça, Flávio Dino, responsabilizou o aparato de segurança do Distrito Federal pela invasão. Segundo ele, o acordo entre o governo local e o governo federal era de que os bolsonaristas não teriam acesso à Esplanada dos Ministérios. Dino afirmou, no entanto, que na manhã do domingo, foi informado que as autoridades locais haviam mudado de ideia e permitido a entrada de pedestres na área. "O contingente policial estava absolutamente desconforme com a decisão de deixar (os bolsonaristas) descer a Esplanada (dos Ministérios). Tanto é assim que quando os efetivos foram ampliados, uma hora e meia após o início dos episódios, rapidamente a situação foi controlada", disse Dino. "Isso mostra que ela (invasão) era absolutamente evitável se não fosse essa mudança de planejamento de última hora. As investigações vão mostrar as razões (para a mudança). Se foi puramente um erro técnico ou se houve, realmente, uma estratégia, um ardil", disse o ministro. Na segunda-feira (9/1), o Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito para apurar a suposta omissão do alto comando da PM do Distrito Federal no atos do domingo. Enquanto isso, Dino afirmou ainda que o interventor federal na Segurança Pública do Distrito Federal, Ricardo Capelli, deverá fazer mudanças no comando da PM. "Haverá revisão das equipes. O secretário Capelli está com essa missão e nós abrimos um diálogo com a governadora em exercício Celina Leão", disse Dino ao ser questionado sobre o assunto. A BBC News Brasil enviou questionamentos à Polícia Militar do Distrito Federal, mas não houve respostas. "Ibaneis era, em última instância, o responsável pelo que estava ocorrendo. Ele tinha acesso a informações, relatórios de inteligência e outros dados. A atuação do governador nos momentos que antecederam a invasão precisa ser esclarecida", diz o especialista. "O descaso e conivência do ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública e, até então, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres [...] só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do Governador do DF, Ibaneis Rocha", disse o ministro em seu despacho. "Absolutamente nada justifica a omissão e conivência do Secretário de Segurança Pública e do Governador do Distrito Federal com criminosos que previamente anunciaram que praticariam atos violentos contra os Poderes constituídos", completou o ministro. A BBC News Brasil enviou questões sobre o assunto a Ibaneis Rocha e à sua assessoria de comunicação, mas não obteve respostas. Pelo Twitter, o governador afastado disse respeitar a decisão de Alexandre de Moraes e que vai aguardar "com serenidade" o desenrolar das investigações sobre a invasão. Em entrevista coletiva, Dino disse não ver, até o momento, elementos jurídicos que possam levar à responsabilização jurídica de Ibaneis Rocha. "Não há até aqui, juridicamente falando, nenhum elemento de que ele (Ibaneis) foi responsável. Evidentemente, cabe ao Supremo e ao Judiciário julgar e discernir quanto a isso", disse Flávio Dino. Apesar do foco na atuação da Polícia Militar durante a ação dos militantes bolsonaristas, Renato Sérgio de Lima aponta que é preciso entender porquê os soldados do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) não impediram a invasão do Palácio do Planalto. De acordo com o site do BGP, a unidade tem como uma de suas atribuições a de "guardar as principais instalações do Governo Federal e do Comando do Exército, na capital da República". "Talvez o BGP não pudesse impedir a invasão das sedes do Congresso, do STF e do Planalto ao mesmo tempo, mas acho que seria plausível imaginar que eles impedissem a invasão do Palácio do Planalto, ao menos", disse. Normalmente, esses soldados ficam posicionados em diferentes pontos do Palácio do Planalto e contam com escudos e equipamentos de proteção para protestos. No dia da invasão, porém, eles não foram páreo para os invasores. Em entrevista coletiva, o ministro da Justiça Flávio Dino foi questionado sobre a atuação do BGP, mas disse que a questão deveria ser encaminhada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), atualmente comandado pelo general da reserva Gonçalves Dias. A BBC News Brasil enviou questões sobre a atuação do BGP ao Ministério da Defesa e ao GSI, mas até o momento, nenhuma resposta foi enviada.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64220631
brasil
Invasão de bolsonaristas em Brasília é comparável a protestos em 2013 e 2017?
Após a invasão do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro condenou nas redes sociais "depredações e invasões de prédios públicos". Ele, que viajou para os Estados Unidos dois dias antes de seu mandato terminar, comparou os atos violentos de domingo (8/1) com os "praticados pela esquerda em 2013 e 2017" em Brasília. "Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra", escreveu no Twitter. Nas redes sociais, diversos apoiadores do ex-presidente reproduziram o discurso e citaram também outros episódios em que grupos tentaram invadir a Esplanada dos Ministérios ou a praça dos Três Poderes para tentar justificar e minimizar a ação violenta de domingo. Em sua postagem, Bolsonaro parece se referir a pelo menos dois momentos específicos ocorridos durante os governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). O primeiro deles, quando grupos romperam o cordão de isolamento da Polícia Militar e ocuparam a marquise do Congresso Nacional, onde ficam as cúpulas da Câmara e do Senado, em junho de 2013. Fim do Matérias recomendadas Tratava-se de um protesto que pedia recursos para educação, saúde, passe livre no transporte público e era contra os gastos públicos na Copa das Confederações e do Mundo, de 2014. Já em maio de 2017 todos os prédios da Esplanada dos Ministérios foram evacuados após grupos colocarem fogo, quebrarem vidros, picharem e invadirem as sedes de alguns ministérios. Mas para cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, os atos violentos deste domingo não podem ser comparados com os episódios anteriores citados pelo presidente, especialmente por seus objetivos antidemocráticos. Segundo Cláudio Couto, professor adjunto do Departamento de Gestão Pública da FGV EAESP, a intenção dos bolsonaristas ao invadir os prédios públicos implica diferenças fundamentais. "Em 2013 e 2017, os grupos envolvidos nos atos pressionavam por conta de políticas públicas específicas. Já o que vimos no domingo foi um atentado contra o próprio regime público", diz. "O que aconteceu no domingo me parece completamente sem precedentes no Brasil". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Para Francisco Fonseca, professor da FGV/Eaesp e da PUC-SP, o nível de depredação infringida também diferencia o ato bolsonarista dos anteriores. "Os atos perpetrados contra as sedes dos Três Poderes foram extremamente violentos e selvagens, com depredação de obras de arte, pessoas defecando e urinando nas dependências", afirma. Para o cientista político, outra diferença fundamental está na organização centralizada e na reação das forças de segurança diante do ato bolsonarista. "Há no episódio mais recente um nível de organização muito mais centralizado", diz. "Em 2013, os movimentos surgiram de forma quase espontânea e eram compostos por uma polifonia de demandas". "Já o ato bolsonarista foi organizado de forma centralizada, com financiamento abundante e até participação de autoridades e ex-membros do governo", completa Fonseca, que aponta a omissão das forças policiais como indício do envolvimento de algumas autoridades. Em pelo menos dois momentos de 2013, pessoas foram detidas por romperem cordões de proteção na Praça dos Três Poderes, em Brasília, local onde estão localizados o Supremo Tribunal Federal (STF), o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. O primeiro episódio ocorreu em 17 de junho, quando, aos gritos de "a-ha, u-hu, o Congresso é nosso", centenas de pessoas conseguiram furar o bloqueio, invadiram a área externa do Congresso Nacional e subiram na marquise do prédio. Após cerca de cinco horas, o grupo deixou o local pacificamente e de forma espontânea, colocando fim a uma das cenas mais marcantes da onda de manifestações que se espalhou por pelo menos 11 estados brasileiros em 2013. Mas diferente do que aconteceu em 2023, os invasores não entraram no prédio do Congresso em 2013. Segundo informações divulgadas pela polícia naquele momento, agentes foram atacados com água e tinta, dois policiais e um manifestante ficaram feridos e um carro da PM teve os vidros quebrados, mas não foram registrados maiores danos. O secretário de Segurança Pública do Distrito Federal à época confirmou ao menos dois detidos. Já no ato mais recente, 1.500 bolsonaristas foram presos, segundo informações divulgadas até o final da tarde de segunda-feira (9/1). Também em 2013, em novembro, cerca de 50 pessoas foram detidas após outra manifestação na Praça dos Três Poderes. O grupo rompeu as barreiras de proteção do STF e do Planalto. De acordo com os próprios invasores, um dos motivos do protesto era o que chamaram de "regalias" para os condenados no processo do mensalão (Ação Penal 470), um dos grandes escândalos de corrupção dos governos petistas. De acordo com a Polícia Militar, não houve pichação ou depredação do Palácio do Planalto ou do Supremo Tribunal Federal. O grupo também foi detido antes de tentar adentrar os edifícios. Em ambos os casos, não havia uma organização centralizada clara dos atos e tampouco é possível dizer que se tratavam de grupos homogêneos da esquerda. "Todas as pesquisas mostram que houve um conjunto bastante heterogêneo de grupos se manifestando naquele momento", diz a cientista política Flávia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB). "A gente pode dizer que a origem das manifestações de 2013 vem do campo da esquerda, contra o aumento do valor das tarifas de ônibus. Mas aos poucos novas demandas foram incluídas, inclusive com um componente anti-política muito forte que foi central para o fortalecimento de uma extrema-direita posteriormente". Em 18 de abril de 2017, um grupo de cerca de 3 mil manifestantes contrários à reforma da Previdência também invadiu a Câmara de Deputados. Os manifestantes, em sua maioria sindicalistas ligados à Polícia Civil, chegaram a passar pela chapelaria, entrada principal da Câmara que dá acesso aos salões negro e verde. Eles quebraram parte dos vidros da portaria principal da Câmara, mas foram contidos pela Polícia Legislativa pouco depois. Em um outro episódio, em 24 de maio, todos os prédios da Esplanada dos Ministérios tiveram que ser evacuados após grupos colocarem fogo e depredarem pelo menos sete ministérios. Em resposta, o então presidente Michel Temer autorizou a instalação de uma missão de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Distrito Federal, em que os militares recebem de forma provisória "a faculdade de atuar com poder de polícia". Tudo aconteceu durante um ato organizado contra o governo Temer e as reformas em tramitação no Congresso por movimentos sociais da esquerda e centrais sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical. Grupos violentos depredaram sete ministérios e criaram focos de incêndio nos prédios da Agricultura, da Cultura e da Fazenda. Houve confronto com a Polícia Militar, que foi acusada de agir com extrema violência por congressistas apoiadores do movimento. Vídeos mostram policiais usando armas de fogo contra as pessoas. Ao todo, 49 pessoas tiveram que receber atendimento médico - inclusive um homem baleado, um estudante que teve a mão decepada por um rojão e oito policiais. Nas redes sociais, muitos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro citaram também um episódio de junho de 2006 - quando integrantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) ocuparam a Câmara dos Deputados -, alegando que atos violentos contra as sedes dos poderes em Brasília não eram exclusividade da direita. O ato organizado pelo grupo dissidente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foi considerado por muitos um dos maiores atos de vandalismo contra o Congresso até aquele momento. Os envolvidos empurraram e viraram um carro contra a portaria de vidro do Congresso. Enquanto seguranças e policiais tentavam impedir a entrada, eles atiraram paus, pedras e cones de sinalização. Após alguns minutos, os sem-terra romperam o cerco e entraram na Câmara. Foram depredadas luminárias, computadores, portas de vidro e algumas peças de arte em exposição. Cerca de 1.200 manifestantes tomaram todos os andares do prédio, reivindicando a liberação de recursos para a reforma agrária. Mais de 540 manifestantes foram detidos. Durante a invasão, foram feridas mais de 20 pessoas, a maioria funcionários da Casa. Um deles sofreu traumatismo craniano. Algumas postagens nas redes sociais também relembram uma tentativa de invasão ao STF por integrantes do MST em fevereiro de 2014. Durante o ato, a sessão na Corte precisou ser paralisada por cerca de 50 minutos. Os militantes radicais, que pediam ao governo mais agilidade na reforma agrária, derrubaram as grades que protegiam o local, mas foram contidos pelos seguranças do próprio STF e policiais militares. Muitos dos posts, porém, afirmam que o episódio de fevereiro de 2014 teria sido financiado pelo governo, por meio da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas a informação não é totalmente verdadeira. A Caixa e o BNDES fecharam contratos sem licitação de R$ 200 mil e R$ 350 mil, respectivamente, para patrocinar a Mostra Nacional de Cultura Camponesa, evento que fez parte do 6º Congresso Nacional do MST. Os valores foram destinados à Associação Brasil Popular (Abrapo), que era próxima da liderança do MST. O ato contra o STF ocorreu durante um dos dias do congresso. Uma marcha organizada pelo movimento percorreu cerca de cinco quilômetros até a Esplanada dos Ministérios e se uniu com outros grupos que estavam acampados em frente à Corte, ameaçando invadir o prédio. Do ponto de vista jurídico, a intenção dos envolvidos e o objetivo dos atos (o chamado dolo, em linguagem jurídica), também difere as manifestações políticas que ocuparam órgãos públicos no passado dos eventos deste domingo, segundo a promotora Celeste Santos, presidente do Instituto Pró-Vítima. É essa intenção que faz com que os eventos do domingo sejam classificados pelo STF como atos de terrorismo e o mesmo não aconteça com manifestações políticas que não são contrárias à democracia. As principais demandas dos atos do domingo, segundo os próprios extremistas, eram a intervenção militar na democracia e nos Três Poderes, incluindo o fechamento do STF, a criação de uma nova Constituição e a destituição do Presidente da República por vias não institucionais - o que torna o pedido diferente de um pedido de impeachment, por exemplo. Do ponto de vista jurídico, o dolo no caso torna a situação distinta de demandas normais da democracia de ambos os lados do espectro poltíco - como reforma agrária ou maior restrição ao aborto. Essas demandas envolvem a reivindicação por direitos, liberdades e garantias Constitucionais - e mesmo que os lados discordem sobre qual preceito deve ter prevalência - fazem parte do jogo democrático. A própria Lei Antiterrorismo prevê em seu artigo 2º: "O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei." E, de qualquer forma, lembra Celeste, mesmo membros de manifestações legítimas podem ser punidos por crimes comuns caso os cometam durante os atos - como dano ao patrimônio público (caso haja depredação) ou lesão corporal (caso machuquem alguém). * Com reportagem de Letícia Mori, de São Paulo
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64218057
brasil
Por que invasões em Brasília são consideradas atos terroristas pelo STF
Na decisão que determinou o afastamento do governador do no Distrito Federal e a prisão em flagrante dos envolvidos na invasão dos prédios dos Três Poderes no domingo (8/1), o ministro do STF Alexandre de Moraes cita as ações dos bolsonaristas como "atos terroristas contra a Democracia e as Instituições Brasileiras". O uso do termo terrorismo não é apenas força de expressão. Desde 2016 existe no Brasil uma lei específica que classifica certos crimes como terrorismo, a Lei 13.260. Para Moraes, tanto extremistas que participaram das invasões no domingo quanto pessoas que ainda estão acampadas em frente aos Quartéis Generais do Exército cometem até quatro dos crimes previstos nesta legislação, dependendo do papel que tiveram nas invasões e nos acampamentos. Podem ser punidos com pena de doze a trinta anos radicais que cometam o crime de transportar explosivos ou conteúdos que podem promover destruição em massa, como gases tóxicos; de sabotar o funcionamento ou tomar o controle, mesmo que temporário, de instalações públicas e o crime de atentar contra a vida e a integridade de pessoa, todos descritos no art. 2° da lei. Quem promover, integrar ou ajudar organização terrorista (art. 3º da lei), pode ser condenado de 5 a 8 anos de cadeia. Fim do Matérias recomendadas Empresários e personalidades que financiaram os atos podem pegar penas mais pesadas. De acordo a Lei Antiterrorismo, quem investir recursos, bens ou valores para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos na lei (art. 6º) pode ter pena de 15 a 30 anos de cadeia. A promotora Celeste Santos, membro do MP-SP e presidente do Instituto Pró-Vítima, explica que são crimes considerados muito graves - o que pode ser visto pela possibilidade de aplicação de pena máxima - e que, por isso, mesmo quem apenas participa na preparação pode ser condenado. Isso é previsto no artigo 5º da lei, que estabelece que é crime realizar atos preparatórios com o objetivo de realizar os crimes descritos na lei. "Normalmente atos preparatórios não são punidos, mas nesse caso, são. É um crime em que a tentativa é punida como um crime consumado", explica. Segundo Moraes, há também outros crimes cometidos pelos envolvidos no evento de domingo, contidos no Código Penal: associação criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático, tentativa de golpe de Estado, ameaça, perseguição e incitação ao crime. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Alguns Bolsonaristas argumentaram nas redes que não foram os primeiros a invadir prédios públicos - manifestações passadas já tiveram ocupações de prédios públicos. Do ponto de vista jurídico, no entanto, a diferença de manifestações políticas que ocuparam órgãos públicos no passado de eventos deste domingo é a intenção dos envolvidos e o objetivo dos atos (o chamado dolo, em linguagem jurídica), explica a promotora Celeste Santos, presidente do Instituto Pró-Vítima. É essa intenção que faz com que os eventos do domingo sejam classificados pelo STF como atos de terrorismo e o mesmo não aconteça com manifestações políticas que não são contrárias à democracia. As principais demandas dos atos do domingo, segundo os próprios extremistas, eram a intervenção militar na democracia e nos três poderes, incluindo o fechamento do STF, a criação de uma nova Constituição e a destituição do presidente da República por vias não institucionais - o que torna o pedido diferente de um pedido de impeachment, por exemplo. O dolo no caso torna a situação diferente de demandas normais da democracia de ambos os lados do espectro poltíco - como reforma agrária ou maior restrição ao aborto. Essas demandas envolvem a reivindicação por direitos, liberdades e garantias constitucionais - e mesmo que os lados discordem sobre qual preceito deve ter prevalência - fazem parte do jogo democrático. A própria Lei Antiterrorismo deixa isso bem claro em seu artigo 2º: "O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei". E mesmo que não fossem enquadrados na Lei Antiterrorismo, a intenção faz diferença. São os objetivos antidemocráticos que fazem com que os atos de domingo possam ser enquadrados nos crimes de abolição violenta do Estado Democrático e golpe de Estado, por exemplo, de acordo com a decisão de Moraes. E de qualquer forma, lembra Celeste Santos, mesmo membros de manifestações legítimas podem ser punidos por crimes comuns caso os cometam durante os atos - como dano ao patrimônio público (caso haja depredação) ou lesão corporal (caso machuquem alguém). Em sua decisão, Moraes afirmou, inclusive, que foi a omissão o fato do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha - agora afastado - não ter tido uma "reação proporcional" a outros atos antidemocráticos do passado recente. "Atos de depredação do patrimônio público, com tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal, já haviam ocorrido em 12/12/2022", escreve o ministro, "com objetivo de impedir a posse do Presidente da República eleito e o regular exercício dos poderes constitucionais, sem que houvesse uma atitude proporcional por parte do Governador do Distrito Federal." Para Celeste Santos, o destaque da decisão de Moraes é a forma como o ministro deixou bem claro que agentes públicos que tinham o dever de agir para garantir a ordem democrática também podem ser enquadrados nos crimes descritos. "A omissão das autoridades públicas, além de potencialmente criminosa, é estarrecedora, pois, neste caso, os atos de terrorismo se revelam como verdadeira 'tragédia anunciada', pela absoluta publicidade da convocação das manifestações ilegais pelas redes sociais e aplicativos de troca de mensagens, tais como o WhatsApp e Telegram", escreveu o ministro. A Lei Antiterrorismo foi proposta por iniciativa do Poder Executivo e aprovada em 2016, durante o Governo Dilma Rousseff, como preparação para a realização das Olimpíadas - a ideia do governo era prevenir e ter previsão legal para punir possíveis atos terroristas nos Jogos. Na época da tramitação e da aprovação, a lei era bem vista por setores da direita e Dilma foi fortemente criticada por intelectuais, ativistas de esquerda e por membros do próprio PT. A legislação era vista como uma possível ferramenta para criminalizar movimentos sociais. Como resposta, a lei foi aprovada com o dispositivo para garantir que demandas legítimas por direitos constitucionais, tanto de esquerda quanto de direita, não sejam enquadradas como terrorismo quando houver protestos em prédios públicos. Durante o governo Bolsonaro, em 2020, o parlamentar de direita Daniel Silveira (PSL-RJ) tentou incluir na lei a classificação de grupos "antifas" (grupos que declaram lutar contra o fascismo) como terrorista, mas o projeto não foi para a frente e não houve modificação. - Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64218257
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64218257
brasil
Pesquisador vê aumento 'assustador' de menções a refinarias em grupos bolsonaristas
Além de termos como "caravana" e "festa da Selma" (uma alusão disfarçada à saudação militar "selva"), que circularam bastante em redes bolsonaristas antes da invasão a prédios públicos de Brasília no domingo (8/1), uma outra palavra chamou a atenção pela frequência que passou a ser usada: refinaria. "Desde o dia 2 de janeiro, no mínimo, já vinha ocorrendo essa movimentação para organizar caravanas para Brasília por meio de postagens de convocação, de memes em grupos de WhatsApp e do Signal [outro aplicativo de mensagens]. Houve uma semana de preparação para o que aconteceu. E o que a gente observa agora é o aumento assustador da palavra 'refinaria' nesses grupos", observa o pesquisador Leonardo Nascimento, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele desenvolve ao lado de Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Paulo de Freitas Castro Fonseca, também da UFBA, um trabalho de monitoramento de grupos radicais de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Nos primeiros oito dias de 2023, houve 2.828 menções ao termo "refinaria" em 439 canais (que só transmitem anúncios) e 228 grupos (onde é possível trocar mensagens) bolsonaristas no app Telegram — enquanto nos oito dias anteriores foram apenas 39 menções à palavra, o que representa um aumento de mais de 7.000%. Fim do Matérias recomendadas "Ou seja, eles têm alvos específicos", diz. As mensagens repetem bordões comuns nos grupos como "o povo, para o povo, pelo povo!" e fazem uma convocação para ajudar outros radicais que estão em refinarias e distribuidoras de combustível. A Federação Única dos Petroleiros (FUP), sindicato da categoria, disse estar em alerta desde a noite do domingo para verificar a situação de risco e anormalidade nas refinarias da estatal e informou que enviou um documento à Gerencia Executiva de Inteligência e Segurança Corporativa (ISC) da Petrobras. Houve registro de tentativa de bloqueios de acesso a refinarias em locais como Araucária (PR), Canoas (RS) e São José dos Campos (SP), afirmou a FUP. Segundo o sindicato, a situação foi normalizada. O senador Jean Paul Prates (PT-RN), indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da Petrobras, postou no Twitter que convocações para bloquear acessos e provocar desabastecimento "foram todas evitadas com reforço na vigilância, na inteligência e apoio das forças policiais dos respectivos estados". O pesquisador da UFBA diz que focos de outros ataques começaram a ser cogitados nesses grupos. E afirma que gerar o medo constante é a essência do terrorismo — ele cita a visão formada pelo filósofo francês Jean Baudrillard sobre o tema. "O medo de que ocorra algum evento catastrófico é a vitória deles. Isso é o terror. No momento em que você diz assim vai acontecer algo, não vai ter gasolina, que é o que eles estão falando, isso já é instaurar o terror." "Minha maior preocupação é que esse tipo de ocorrência venha a se tornar frequente e com consequências desastrosas para o país", diz. Os bolsonaristas que invadiram e depredaram Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto cometeram diversos crimes e podem pegar, se somadas as penas, mais de 15 anos de prisão em regime fechado, segundo professores de Direito Penal. Segundo os criminalistas, os invasores podem ser enquadrados em crimes contra as instituições democráticas, de associação criminosa e danos ao patrimônio público.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64213689
brasil
Bolsonaristas confiam que há 'grande plano' em curso, diz pesquisador de grupos radicais
A sequência caótica dos eventos do 8 de janeiro em Brasília tem uma narrativa mais coesa dentro de grupos bolsonaristas porque existe a ideia de um "grande plano" em curso, afirma Leonardo Nascimento, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Segundo o pesquisador, acontecimentos relacionados ao universo de apoiadores de Jair Bolsonaro sempre têm uma explicação e uma justificativa porque, na visão deles, "tudo foi planejado antes e faz parte de uma estratégia bem definida". "É uma potência narrativa mesmo. Nada escapa a ela. Então há a ideia de que existe um grande plano por trás, silenciosamente executado, e que o patriota deve acreditar no ex-presidente", diz. "Essa arquitetura depende da ação de certos agentes para que ela aconteça da forma ideal, acreditam eles. Por isso que devem ir para a rua para ativar os militares e permitir que Bolsonaro volte." As cenas de quebra-quebra e vandalismo que resultaram em destruição de espaços, peças históricas e obras de arte dentro do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal levaram figuras públicas ligadas ao bolsonarismo a criticar os atos ou a se manter em silêncio. Fim do Matérias recomendadas Mas a tônica dentro de grupos de apoiadores, no dia seguinte aos ataques, foi de apostar na narrativa dos "esquerdistas infiltrados". "Eles estão dizendo que a manifestação livre democrática do povo foi um sucesso, mas que o 'Estado comunista' já tinha tudo articulado para tentar incriminá-los através de 'esquerdistas infiltrados'. A trama é essa, a narrativa é toda essa. Quem atacou e quem quebrou? Eles justificam que 'não eram patriotas, porque patriota não quebra patrimônio, patriota não ataca policial'", diz o pesquisador da UFBA. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "Há uma dimensão performativa para ocultar o próprio ataque." Até o silêncio e a ambiguidade desempenham um papel na forma como as narrativas se desenrolam dentro das redes bolsonaristas. O pesquisador diz que o recolhimento e os raros pronunciamentos do ex-presidente após a derrota no segundo turno da última eleição também ganham uma interpretação de seus apoiadores. "Os psicanalistas têm uma expressão interessante: 'aquilo que não é dito prolifera nas sombras'. Ou seja, quando você não fala, você dá margem para proliferar o trabalho do inconsciente, para milhões de coisas. Tudo isso serve de elemento para a construção de uma grande narrativa oculta, silenciosa." É uma característica semelhante a de um outro movimento que se baseia em teorias conspiratórias — o QAnon nos Estados Unidos. O perfil anônimo da internet, que serviu para galvanizar uma grande base de apoio para o ex-presidente norte-americano Donald Trump, ficou conhecido por divulgar mensagens cifradas. Chegou a passar um ano e meio sem postagens. Mas seus seguidores especulavam e criavam teorias sobre a natureza desse silêncio. "Costumam falar que é preciso tomar a red pill [pílula vermelha] para entender o que está acontecendo", diz Nascimento, em referência ao termo que se popularizou em fóruns de extrema direita e tem origem em Matrix (1999). No filme das irmãs Lilly e Lana Wachowski, o protagonista Neo tem que escolher entre tomar a pílula azul, que permite seguir em um mundo de ilusões, e a vermelha, para encarar a realidade. O conceito virou uma metáfora para aceitar os preceitos de diversos grupos radicais. Nascimento, que desenvolve há alguns anos um monitoramento do material postado em redes bolsonaristas junto a Letícia Cesarino, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Paulo de Freitas Castro Fonseca, também da UFBA, afirma que essa "potência narrativa" tem uma dinâmica que não é obra do acaso. "Existe uma coordenação. E isso é uma coisa que a gente percebe desde 2020, durante a pandemia, quando a gente começou a analisar posts sobre cloroquina no Twitter. E quando a gente conseguiu ter uma visão de rede ampliada, detalhada e complexa do Telegram, aí foi possível entender como essa coordenação funcionava." "É tudo muito bem organizado no sentido de promover certas narrativas ou dar o start para determinadas narrativas." E esse trabalho tem sido facilitado pela automatização de postagens que tem o objetivo de espalhar e ampliar as ideias de um determinado grupo — algo que vem sendo replicado também pelos usuários humanos. Os pesquisadores estão analisando o que chamam de "botificação" de participantes dessas redes radicalizadas. Bots são aplicativos programados para executar tarefas de uma maneira que simula uma ação humana. É comum que bots, muitas vezes sob o avatar ou a imagem de um usuário humano, disparem em um determinado horário do dia vídeos e notícias que vão pautar um grupo no Telegram, por exemplo. "As pessoas de carne e osso, ao interagir com esses perfis botificados, elas de certa forma se modificam. Elas repetem padrões, disseminam conteúdos sem que necessariamente interajam como humanos." "Existem pessoas que postam vídeos todos os dias, o dia todo, de diversos canais, com conteúdo que incita a radicalização e a violência. Algumas delas dedicam bastante tempo do seu dia. E vão entrando cada vez mais nessas narrativas", afirma ele.
2023-01-10
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64213693
brasil
Biden telefona para Lula: a reação de líderes mundiais às invasões em Brasília
As ações de bolsonaristas em Brasília no domingo (8) tiveram repercussão mundial — e foram repudiadas por representantes de vários países e organismos internacionais. Um deles foi o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que telefonou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta segunda-feira. Segundo uma nota do governo federal, "o presidente Biden transmitiu o apoio incondicional dos Estados Unidos à democracia do Brasil e à vontade do povo brasileiro, expressa nas últimas eleições do Brasil". "O presidente Biden condenou a violência e o ataque às instituições democráticas e à transferência pacífica do poder", declarou a gestão petista. De acordo com a nota divulgada na noite desta segunda-feira, Biden convidou Lula para visitar Washington em fevereiro. Ambos "comprometeram-se a trabalhar juntos em temas enfrentados pelo Brasil e pelos EUA, entre os quais mudança do clima, desenvolvimento econômico, paz e segurança", declarou a Presidência da República. Fim do Matérias recomendadas Além do presidente americano, a invasão e a depredação de prédios públicos, como o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, geraram manifestações de diversos líderes mundiais. Confira a seguir um resumo das principais postagens divulgadas por representantes estrangeiros nas últimas horas. No domingo, o próprio Joe Biden declarou no Twitter que "condena o ataque à democracia e à transferência pacífica de poder no Brasil". "As instituições democráticas do Brasil têm nosso apoio total e a vontade do povo brasileiro não deve ser minada", escreveu. Ainda nos EUA, vários congressistas do Partido Democrata pediram a expulsão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está na Flórida desde 31 de dezembro. "Nós devemos nos solidarizar com o governo democraticamente eleito de Lula. Os Estados Unidos devem parar de conceder refúgio a Bolsonaro na Flórida", afirmou Alexandria Ocasio-Cortez, deputada por Nova York. Dimitry Peskov, porta-voz do governo russo, disse que o Kremlin condena "de forma veemente" o que aconteceu em Brasília. O representante ainda assegurou que a Rússia apoia o presidente Lula. O primeiro-ministro Rishi Sunak escreveu no Twitter que "condena qualquer tentativa de minar a transferência de poder pacífica e a vontade democrática do povo do Brasil". "O presidente Lula e o governo dele têm o apoio total do Reino Unido e espero fortalecer os laços estreitos entre nossos países nos próximos anos." O presidente da França, Emmanuel Macron, postou uma declaração em francês e em português nas redes sociais. Ele afirmou que "a vontade do povo brasileiro e das instituições democráticas deve ser respeitada". "O presidente Lula pode contar com o apoio incondicional da França." Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República de Portugal, disse querer "exprimir o mais veemente repúdio pelo ataque ao Congresso do Brasil". "Toda a solidariedade às instituições democráticas brasileiras e, em particular, ao Senado e à Câmara dos Representantes", disse. O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, emitiu uma nota em que afirma ter conversado por telefone com Lula logo após a invasão. "Esses atos, além de inconstitucionais e ilegais, são inadmissíveis e intoleráveis na democracia, reforçando o apoio e a total solidariedade de Portugal para com o poder legitimamente eleito no Brasil." A primeira-ministra Giorgia Meloni também expressou preocupação com a invasão de Brasília. "O que está acontecendo no Brasil não pode nos deixar indiferentes. As imagens da irrupção nos gabinetes institucionais são inaceitáveis e incompatíveis com qualquer forma de dissidência democrática", escreveu no Twitter. "O retorno à normalidade é urgente e nos solidarizamos com as instituições brasileiras", completou. O porta-voz do Ministério de Negócios Estrangeiros chinês, Wang Wenbin, afirmou numa entrevista coletiva nesta segunda (9) que o país se opõe ao que aconteceu em Brasília. "A China está acompanhando a situação cuidadosamente e se opõe firmemente ao violento ataque contra as autoridades federais ocorrido no Brasil", disse. Além disso, Wenbin disse que o governo chinês "apoia as medidas tomadas pelo governo brasileiro para acalmar a situação, restaurar a ordem social e preservar a estabilidade nacional". Alberto Fernandez, presidente da Argentina, escreveu que "a democracia é o único sistema político que garante liberdades e nos obriga a respeitar o veredicto popular". "Quero expressar meu repúdio ao que está acontecendo em Brasília. [Declaro] meu apoio e o apoio do povo argentino a Lula diante dessa tentativa de golpe de Estado que está enfrentando", escreveu. Fernandez também afirmou que, como presidente do Mercosul, colocará em alerta os países-membros do bloco. Ele disse que o objetivo é "união diante dessa inaceitável reação antidemocrática que tenta se impor no Brasil". Gustavo Petro, presidente da Colômbia, prestou "toda solidariedade a Lula e ao povo brasileiro" "A direita não conseguiu manter o pacto de não violência. É hora urgente de reunir a OEA [Organização dos Estados Americanos] se ela quiser seguir viva como instituição para aplicar a carta democrática", pontuou. O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, compartilhou uma nota oficial do Ministério de Relações Exteriores do país, e disse "lamentar e condenar as ações que ocorreram no Brasil que atentam contra a democracia e as instituições". O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, escreveu que condena "os ataques às instituições democráticas brasileiras". "A vontade do povo brasileiro e das instituições do país devem ser respeitadas." "Estou confiante que isso vai acontecer. O Brasil é um grande país democrático", concluiu.
2023-01-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64210028
brasil
Deportação? Extradição? O que pode acontecer com Bolsonaro nos EUA após vandalismo em Brasília
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está sendo pressionado por políticos democratas a mandar o ex-presidente Jair Bolsonaro de volta ao Brasil, depois de seus apoiadores terem invadido e vandalizado as sedes dos três Poderes da República em Brasília no domingo (08/01). Bolsonaro deixou o país rumo aos EUA no dia 30 de dezembro, dois dias antes da posse do novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e se instalou em Orlando, no Estado da Flórida. "Quase 2 anos depois do dia em que o Capitólio dos EUA foi atacado por fascistas, vemos movimentos fascistas no exterior tentando fazer o mesmo no Brasil", escreveu no Twitter a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, em referência a invasão do Congresso americano em 6 de janeiro de 2021, por apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump. "Os EUA devem parar de conceder refúgio a Bolsonaro na Flórida", acrescentou ela. Biden, por sua vez, condenou no Twitter, o vandalismo de bolsonaristas, mas não se pronunciou sobre a situação de Bolsonaro nos EUA. Fim do Matérias recomendadas "Condeno o atentado à democracia e à transferência pacífica do poder no Brasil. As instituições democráticas do Brasil têm todo o nosso apoio e a vontade do povo brasileiro não deve ser prejudicada. Estou ansioso para continuar a trabalhar com @LulaOficial", escreveu no domingo. Diante da pressão de parlamentares democratas, qual seria a real possibilidade de Bolsonaro ser obrigado a deixar os Estados Unidos, seja por um processo de extradição ou de deportação? Especialistas do Brasil e dos Estados Unidos ouvidos pela reportagem consideram que, ao menos até o momento, não há elementos jurídicos que permitam um processo de extradição. Por outro lado, o governo americano poderia, em tese, revogar o visto do ex-presidente, obrigando sua deportação. Isso dependeria de uma avaliação política da administração Biden, sendo difícil de prever qual será sua decisão. Além disso, mesmo que seu visto seja anulado, Bolsonaro poderia tentar alongar sua estadia nos Estados Unidos entrando com um pedido de asilo político, sob alegação de que sofreria perseguição no Brasil. Um processo desse tipo pode levar meses ou anos para ser concluído e a pessoa que solicita o asilo, independentemente de ser um ex-presidente, pode permanecer nos EUA até que essa análise seja concluída. "A deportação ocorre quando a pessoa passa a não ter mais documentos válidos. Se o visto expirou, por exemplo, a pessoa passa a ser um imigrante irregular e é automaticamente deportado quando é identificado, devolvido ao país de origem", explica o advogado especialista em cooperação internacional Yuri Sahione. "Ou o próprio governo dos Estados Unidos poderia simplesmente cancelar o visto. Até porque dar o visto é uma prerrogativa de cada país, um ato soberano", acrescentou. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Não há informações claras sobre qual o atual status de Bolsonaro nos EUA. Como ele ainda era presidente do Brasil quando deixou o país, é possível que ele tenha entrado em solo americano com um visto do tipo A1, concedido a autoridades. Outra opção é que ele esteja usando um visto de turista, que dá um prazo máximo de seis meses no país. A Embaixada americana em Brasília disse que não poderia esclarecer a situação de Bolsonaro porque o visto de qualquer pessoa é considerado uma informação privada e sigilosa. Independentemente de qual seja o visto de Bolsonaro, porém, qualquer modalidade poderia ser cancelada pelo governo americano, a qualquer momento. Sem mencionar o caso específico de Bolsonaro, o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Ned Price, disse a jornalistas que pessoas que tenham entrado no país com o visto A1 e não estejam mais em missão oficial por seu país são obrigadas a deixar os EUA no prazo de 30 dias ou solicitar um novo tipo de visto. "Se um indivíduo não tem base para estar nos Estados Unidos, ele está sujeito a remoção pelo Departamento de Segurança Interna", disse ainda Price, segundo a agência de notícia Reuters. Um processo de extradição já é algo mais complexo que a deportação. O advogado americano Jacques Semmelman, especialista em extradição nos Estados Unidos, explicou à BBC News Brasil que um processo do tipo precisa passar pelo sistema judicial americano. Ou seja, não seria uma decisão exclusiva do governo Biden. Segundo ele, para que esse processo se inicie, seria necessário atender a alguns requisitos, entre eles, a existência de um processo criminal contra Bolsonaro no Brasil, o que não há até o momento. E, a partir de um processo criminal, o governo brasileiro precisaria pedir ao governo americano a extradição. "A acusação ou acusações criminais devem ser baseadas em causa provável (probable cause), o que significa basicamente provas suficientes para apoiar uma crença razoável de que o acusado cometeu o crime ou crimes pelos quais foi processado", disse ainda Semmelman. A partir daí, o sistema judicial americano analisaria o caso, havendo espaço para Bolsonaro apresentar sua defesa contra o pedido de extradição. Esse tipo de processo tende a levar meses ou anos. O assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, afirmou a jornalistas nesta segunda-feira (9/1) que a Casa Branca não recebeu qualquer pedido oficial do governo brasileiro sobre Bolsonaro. "Se ele ainda está nos EUA, não estamos, que eu saiba, em contato direto com Bolsonaro. Portanto, não posso falar com certeza sobre o paradeiro dele", disse Sullivan. "Não recebemos, até o momento, nenhum pedido oficial do governo brasileiro relacionado a Bolsonaro. Claro, se recebemos tais pedidos, nós os tratamos da maneira que sempre os tratamos: com seriedade", disse ainda o assessor de Segurança Nacional. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), por sua vez, apresentou nesta segunda-feira uma petição ao ministro do STF Alexandre de Moraes para que inclua Bolsonaro no inquérito que investiga os atos antidemocráticos e que fixe um prazo máximo de 72 horas para o ex-presidente retorne ao Brasil para prestar esclarecimentos. Calheiros pediu ainda que, na hipótese de Bolsonaro não atender esse prazo para voltar ao Brasil, seja decretada sua prisão preventiva com base no artigo 312 do Código de Processo Penal. Esse artigo prevê que "a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria". Na avaliação de Yuri Sahione, o pedido de Calheiros tem mais caráter político do que fundamentação jurídica, parecendo pouco provável que seja atendido. Ele ressalta que é o Ministério Público que tem autoridade para pedir investigação criminal, embora Moraes já tenha tomado decisões em inquéritos sem ouvir o órgão, por exemplo com base em pedidos da Polícia Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral. O advogado lembra também que a lei brasileira não obriga uma pessoa investigada a conceder um depoimento, como pede Calheiros, já que o acusado tem direito a permanecer em silêncio. Foi esse princípio, inclusive, que levou o STF a decretar inconstitucional a condução coercitiva de investigados para depor, como determinou em algumas ocasiões o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, hoje senador eleito do Paraná, pelo União Brasil. "Não tem materialidade para que ele seja obrigado a voltar ao Brasil. Até porque, mesmo que ele seja incluído como investigado, ele pode continuar a ser investigado estando nos Estados Unidos. Ele pode participar virtualmente de atos (como depoimentos). Isso não tem nenhum problema", explicou Sahione. "E não tem nenhuma indicação que ele, caso esteja nos Estados Unidos, vá se furtar a algum tipo de ato processual ou de investigação", acrescentou.
2023-01-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64215892
brasil
Bolsonaro está internado em hospital nos EUA, diz Michelle
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está hospitalizado com dores abdominais, confirmou nesta segunda-feira (9/1) sua esposa Michelle Bolsonaro, em postagem no Instagram. A internação ocorre um dia após milhares de seus apoiadores invadiram e depredarem prédios públicos em Brasília. Bolsonaro foi internado em um hospital perto de Orlando, na Flórida, segundo relatos. O ex-presidente foi esfaqueado em 2018 e desde então enfrenta dores abdominais. Uma fonte próxima à família diz que o estado de saúde de Bolsonaro "não é preocupante", segundo a Reuters. Bolsonaro trocou o Brasil pelos Estados Unidos há cerca de 10 dias. Ele se recusou a participar da passagem de poder para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada. Fim do Matérias recomendadas O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, enfrenta pressão de membros de seu partido para expulsar Bolsonaro do país. "Bolsonaro não deveria estar na Flórida", disse o deputado democrata Joaquin Castro à CNN. "Os Estados Unidos não deveriam ser um refúgio para esse autoritário que inspirou o terrorismo doméstico no Brasil. Ele deveria ser enviado de volta ao Brasil." Alexandria Ocasio-Cortez, outra democrata no Congresso, em um tuíte pediu aos EUA que "deixem de conceder refúgio a Bolsonaro na Flórida". O conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, disse na segunda-feira que os EUA não receberam "nenhum pedido oficial" do governo brasileiro relacionado ao visto de Bolsonaro.
2023-01-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64217977
brasil
Como EUA identificaram invasores do Capitólio e prenderam mais de 950
Dois anos depois da invasão do Capitólio, o edifício que abriga o Congresso na capital dos Estados Unidos, mais de 950 pessoas, das mais de 3 mil que participaram da ação, foram presas nos 50 Estados do país. O Departamento de Justiça divulgou um balanço das investigações até o momento. E a estratégia da apuração e punição dos responsáveis revela que houve a preocupação de partir dos envolvidos diretamente com o ataque para, aos poucos, alcançar os possíveis coordenadores e mandantes. Por isso, as primeiras condenações foram leves, e as sentenças mais graves e de prazo mais longo ainda não foram anunciadas. No dia 6 de janeiro de 2021, manifestantes furaram o bloqueio da polícia do Capitólio, do lado de fora do Congresso, por volta da 1 hora da tarde. Meia hora depois eles já estavam na porta do Capitólio. Às 14 horas manifestantes quebraram a primeira janela do edifício e a invasão começou. Foram quatro horas de quebra-quebra e vandalismo. Somente às 18 horas a polícia começou a varredura e assegurou controle do Capitólio. Fim do Matérias recomendadas Nos primeiros seis meses após a invasão, 535 pessoas foram presas. Uma média de três por dia. No fim do ano de 2021, 725 cidadãos tinham sido acusados por crimes federais. Mas no dia da invasão, a polícia do Capitólio prendeu apenas 14 pessoas. O Departamento de Polícia do Distrito Federal prendeu outras seis. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O trabalho do Departamento de Justiça tem sido cuidadoso e cumulativo, levado a cabo por um grupo de 20 promotores públicos que também têm o apoio de agentes do FBI, a polícia federal americana. Os primeiros acusados, julgados e sentenciados foram pessoas que agiram no dia 6 de janeiro de 2021. Essas pessoas foram filmadas, fotografadas e flagradas cometendo crimes dentro do Capitólio. O governo também investiga as perdas materiais, um trabalho que ainda não terminou, mas já identificou danos no valor de US$ 2,7 milhões (R$ 14,3 milhões). A investigação tem outras linhas de trabalho: busca os responsáveis que planejaram e organizaram a invasão e ações que ao longo dos meses de novembro e dezembro tentaram reverter o resultado das eleições de 2020 nos Estados onde a disputa foi mais acirrada. Com relação a possíveis mandantes do crime, assessores do ex-presidente Donald Trump, derrotado nas urnas por Joe Biden, já prestaram depoimento à Justiça. Marc Short, chefe de gabinete do ex-vice-presidente Mike Pence, também já foi ouvido. Na outra linha de investigação, sobre a tentativa de reverter o resultado das eleições, os promotores públicos reuniram dados a respeito da criação de listas falsas de delegados do colégio eleitoral em sete Estados do país. A suposta lista dos eleitores falsos seria enviada e entregue em Washington, e eles votariam em Donald Trump, apesar do resultado da eleição nesses Estados ter dado vitória a Joe Biden. As imagens do ataque aos prédios públicos de Brasília no domingo (8/1) têm semelhanças fortes com o que se viu nos Estados Unidos. Outro aspecto das investigações americanas, que pode se repetir no Brasil, é a possível conivência de algumas autoridades. A Comissão de Inquérito da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos apontou que agentes federais detectaram os planos dos invasores com antecedência. Sabiam que integrantes do grupo extremista Proud Boys tinham a intenção de cometer atos violentos em Washington. Mas o chefe de polícia da capital não se preparou para conter os manifestantes e, agora, está sob investigação e suspeita de ter relações estreitas com os líderes do Proud Boys. Além da equipe de promotores e dos agentes do FBI, a investigação, que entra agora no terceiro ano de trabalho, também conta com a ajuda de investigadores voluntários que reviram a internet em busca de provas. São organizações e indivíduos que vasculharam mais de 5,1 mil perfis do Facebook, 1,4 mil contas do YouTube, 600 perfis do Instagram, 1,6 mil contas do Twitter, outras 200 do Rumble e mais 900 do TikTok. Mais de 100 pessoas que estavam na lista de agentes violentos da invasão do Capitólio, compilada pelo FBI, foram identificadas por esses voluntários. O FBI está analisando mais de 30 mil vídeos de câmeras de policiais e de segurança. Ao todo, são mais de 9 terabytes de informação. No Brasil, o influenciador Felipe Neto tomou a iniciativa de usar a conta que tem no Twitter para convidar outros brasileiros a ajudar a identificar as pessoas que participaram da invasão e do quebra-quebra nos prédios públicos de Brasília. Enquanto 860 detidos nos Estados Unidos foram indiciados por entrar e permanecer em uma área restrita do governo federal, 50 foram acusados por conspiração. São dois crimes de gravidade distinta com penas também diferentes. O julgamento do líder do grupo de extrema direita Oath Keepers foi observado de perto por promotores públicos e por advogados de outras lideranças e organizações radicais. Stewart Rhodes, o homem de 57 anos que usa um tapa olho e lidera o Oath Keepers, já foi condenado por sedição. Outros quatro membros do Oath Keepers estão no banco dos réus no momento em Washington. O promotor Troy Edwards abriu o julgamento deles acusando os quatro de terem aceitado o convite de Rhodes para perverter a ordem constitucional e tentar barrar a transição pacífica de poder à força. Segundo Edwards, eles estavam em contato direto com o líder Stewart Rhodes e tinham a intenção de promover uma guerra civil para manter Trump no poder. Stewart Rhodes e o braço direito dele, Kelly Meggs, líder do grupo na Flórida, foram condenados por um júri popular, no dia 29 de novembro, depois de dois meses de julgamento. A acusação que pesou contra eles é a mais séria já apresentada na Justiça até o momento nos processos ligados à invasão do Capitólio. Eles foram condenados por conspirar e organizar a sedição. Outros três membros do grupo também foram julgados com eles, mas não foram condenados por tentativa de sedição e, sim por conspirar para obstruir o trabalho do Congresso que confirmava a vitória eleitoral do presidente Joe Biden. Eles podem ser condenados a até 20 anos de prisão. A Justiça ainda não marcou a audiência na qual a sentença de todos eles será anunciada, mas Rhodes ainda tem a chance de negociar uma pena em troca de informações que levem à condenação de outros responsáveis. Se ele não aproveitar essa oportunidade, pode passar o resto da vida na cadeia. Durante o julgamento de Rhodes, os jurados viram imagens de membros do grupo desembarcando em um hotel da Virgínia e estocando ali um arsenal de armas e munições que, diziam, poderiam ser usados e levados de barco para a capital do país. Membros do Proud Boys também estão sendo julgados. O líder da organização, Henry Tarrio, não estava em Washington quando a invasão do Capitólio aconteceu. Mas observava tudo de um quarto de hotel em Baltimore, em Maryland. Ele também é acusado de conspirar para cometer sedição. O trabalho da promotoria é, novamente, convencer os 12 membros do júri popular que não houve uma explosão espontânea no dia 6 de janeiro de 2021 e, sim, um ataque premeditado à democracia. A seleção do júri popular levou duas semanas e os primeiros depoimentos do caso serão ouvidos na terça-feira (10/1). Eles são acusados de coordenar a movimentação de 200 a 300 pessoas dentro e fora do Capitólio no dia 6. Até agora, 48 integrantes do Proud Boys já foram indiciados, 16 admitiram culpa e alguns estão colaborando com as investigações, fornecendo informações. O Departamento de Justiça americano designou Jack Smith como promotor especial para supervisionar as investigações, e ele escolheu dois assessores diretos para dar continuidade ao trabalho que agora tem como foco chegar aos possíveis mandantes do crime e determinar até que ponto se pode responsabilizar Trump pelo que aconteceu. No dia da invasão, o ex-presidente convocou manifestantes para uma concentração chamada Stop the Steal (Parar o Roubo, em tradução livre), uma referência às fraudes nas eleições, que não aconteceram. Advogados de Trump moveram 60 ações na Justiça questionando o resultado das urnas e perderam todas elas. A Comissão da Câmara dos Deputados que investigou o 6 de Janeiro divulgou um relatório de 800 páginas com as conclusões do trabalho que descreve um plano de várias etapas para barrar a transferência pacífica de poder e responsabilizar Donald Trump. "Sem ele", diz o relatório, "nada disso teria acontecido". O Ministério da Justiça brasileiro disse que cerca de 1,2 mil pessoas foram detidas e levadas para a sede da Polícia Federal (PF) em Brasília depois que palácios do governo foram invadidos. A maioria das prisões aconteceu em frente ao quartel-general do Exército na segunda-feira (9/1), onde apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estavam acampados desde dezembro. De acordo com a polícia, dezenas de ônibus foram usados na operação. Na noite de domingo, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), afirmou que 200 pessoas foram presas em conexão com atos de vandalismo na capital do Brasil. Dino afirmou que 40 ônibus foram apreendidos após serem usados para transportar manifestantes de outras regiões do país para Brasília. A investigação agora está tentando estabelecer quem financiou os protestos. Em mensagens enviadas ao longo da semana no Telegram, os organizadores ofereciam vagas em "ônibus gratuitos" com "tudo de graça: água, café, almoço, jantar". As inspeções dentro dos palácios do governo incluem a coleta de vestígios de DNA deixados em superfícies e itens pessoais deixados para trás. Imagens de drone coletadas pela PF durante os ataques também estão sendo usadas para ajudar a identificar os manifestantes.
2023-01-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63880481
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A brasileira que aprendeu percussão em ONG de SP e hoje toca em programa de sucesso na TV americana
Os ritmos podem variar do jazz ao forró, do samba ao pop. O que não muda é a alegria transbordante de Nêgah Santos comandando a percussão na banda do programa Late Show com Stephen Colbert, na rede americana CBS. Na gravação da primeira quarta-feira do ano, ela entrou correndo no palco, de bustiê de lantejoulas prateadas e um contagiante sorriso que não largou o rosto dessa brasileira nem mesmo depois que as câmeras foram desligadas. "Eu sou a pessoa mais feliz do mundo de fazer o que eu faço e vou te passar isso, você vai sair daqui sorrindo", disse. Paulista da zona oeste, nascida e criada na Cohab Educandário, Nêgah fala do trabalho com a banda de Colbert, um lugar disputadíssimo no mercado da música americana, como se tivesse acabado de chegar. Em 2015, Colbert substituiu o famoso apresentador David Letterman na condução do Late Show. Mas ela foi convidada — e aceitou o convite — em dezembro de 2017. Mesmo com cinco anos de estrada e muita história para contar, ela confidencia: "até hoje é difícil de acreditar". Não é modéstia. É história de vida escrita com garra, dedicação, e talento. A infância não foi fácil, mas foi de muito aprendizado. "Meu pai não estava presente. Minha mãe trabalhava em três empregos. E sempre dizia pra gente: você quer alguma coisa, vai e busca! ", conta. Ao mesmo tempo, preocupada em dar a melhor educação possível aos filhos, ela esteve sempre pesquisando cursos e programas gratuitos para as crianças. Quando ouviu falar do projeto Meninos do Morumbi, só sossegou quando encontrou vaga para os dois. Fim do Matérias recomendadas A ONG Meninos do Morumbi, criada pelo baterista Flávio Pimenta, começou no quintal da casa do músico onde ele ensinava as primeiras noções de percussão a crianças de Paraisópolis. Mas o interesse era tanto, a carência tão grande, que o fundo do quintal virou uma organização sem fins lucrativos onde Nêgah teve uma revelação. "Minha mãe me inscreveu na aula de dança e o meu irmão na de percussão. Assim que ela saiu, fui atrás dele. Queria fazer tudo que meu irmão fazia. Quando o professor pendurou um tambor no meu ombro e eu dei a primeira batida, descobri o que eu queria fazer pro resto da minha vida! ", conta. A gente já sabe que ela conseguiu chegar lá. Mas como? Um milionário americano, filantropo ativo, acompanhou um workshop da ONG no qual Nêgah participou como colaboradora. Nessa época ela já tinha feito audição e entrado no conservatório Tom Jobim, em Itapecerica da Serra. No fim do dia, o tal milionário perguntou à Nêgah o que ela queria fazer na vida. A resposta estava na ponta da língua: estudar na prestigiosa escola de música Berklee, com sede em Boston. Ele prometeu ajudar mas deixou claro que ela tinha que procurar as informações e saber o que seria necessário. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Berklee é uma das grandes e prestigiadas escolas e universidade de música nos Estados Unidos. A outra é a Julliard, em Nova York. A essa altura, Nêgah já sabia do que estava falando. E correu atrás. Fez a audição no Brasil e ganhou uma bolsa integral. O americano compareceu e ajudou com as passagens e a estadia. Ela só não conta o nome do mecenas. "Ele não quer", justifica. Mas é alguém da área de tecnologia. Na Berklee, universidade por onde passaram mais de 300 ganhadores do Grammy (entre eles, Esperanza Spaulding, Diana Krall, Al DiMeola, Branford Marsalis), Nêgah estudou com Terri Lyne Carrington, baterista consagrada que tocou com Dizzy Gillespie, Stan Getz, Herbie Hancock, Wayne Shorter e Al Jarreau, entre outros. Terri se tornou mentora da brasileira. No começo, as aulas eram um desafio e tanto. O inglês era uma barreira. E Nêgah precisava manter boas notas para não perder a bolsa. Ela gravava as aulas para ouvir tudo novamente. Foi se virando, ralando, sempre se aprimorando. Ganhou a confiança da mentora e no último dia de aula, no ano da formatura, surgiu o convite para acompanhara turnê do grupo irlandês Riverdance. Nêgah agarrou a oportunidade sem piscar. Na hora de voltar, foi barrada na imigração, na Alemanha. O visto para os Estados Unidos estava quase vencendo. Mas a agente da imigração tinha visto o show do Riverdance e reconheceu a brasileira. Um pouco de conversa, uma história inventada na hora, e o embarque acabou acontecendo. Ela não sabia o que esperar, mas sabia que Nova York era o destino. Com o dinheiro do trabalho na Europa, pagou seis meses de aluguel e começou a buscar trabalho. Tocou com vários grupos e durante uma apresentação no Harlem, um tal de Jon Batiste estava na plateia. Ele era, na época, o líder da banda de Stephen Colbert no Late Show. Pediu o contato de Nêgah, que já sabia bem quem ele era. Por isso mesmo achou que o telefone não tocaria jamais. Mas a produção do show ligou, uma semana depois, convidando a brasileira para três noites de trabalho com o grupo. Depois da experiência, foi convidada para uma festa de Natal da banda na casa do próprio Stephen Colbert. Ela se beliscava durante o evento. "Estou na casa do Colbert!", pensava. Foi ele mesmo, o ator-comediante, que fez o convite: "Nêgah, nós gostamos muito de você, não quer ficar na banda? ". Isso foi há cinco anos. O trabalho na banda continua estimulante e enriquecedor. Toda semana os músicos criam novas trilhas para o programa, em conjunto. E ainda dá tempo de fazer shows nos fins de semana e se arriscar em projetos mais ousados. Nêgah acaba de lançar um disco de forró, com produção do líder da banda do Late Show, Louis Cato, músico que já tocou todos os instrumentos do grupo, no programa, além de ter tocado com Beyoncé, Lauryn Hill e tantos outros. E por que forró? Ela foi quebrar um galho, substituir um amigo por um mês em um grupo de forró, e o amigo demorou a voltar. Lá se foi um ano de trabalho com o ritmo nordestino que ela abraçou e usou como base para compor músicas que agora estão no álbum. E assim, nesse ritmo de oportunidades e desafios, ela vai navegando nessa cidade tão difícil mas tão cheia de possiblidades. Tantas que Nêgah já virou até personagem de um desenho animado que faz parte de um show de variedades no YouTube, o Cory and the Wongnotes. Nêgah é uma das integrantes da banda do show, liderada pelo guitarrista Cory Wong. "Nova York é o melhor lugar para se desenvolver musicalmente. A quantidade de talento nessa cidade! Aqui não é preciso ensaiar. A galera está sempre pronta"! Ela também. Sempre.
2023-01-09
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64193584
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Como Steve Bannon e outros aliados de Trump estimularam invasões de bolsonaristas em Brasília
As cenas de bolsonaristas invadindo as sedes dos três Poderes da República, em Brasília, no domingo (08/01) lembram de forma desconcertante o que aconteceu no Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro de 2021 — e há também conexões mais profundas entre os dois eventos. "A coisa toda cheira mal", disse um convidado do podcast de Steve Bannon, principal estrategista do ex-presidente americano Donald Trump, um dia após o primeiro turno das eleições no Brasil em outubro do ano passado. A corrida presidencial havia ido para o segundo turno, e o resultado final não estava nem perto de ser conhecido. Mas Bannon espalhou rumores infundados sobre fraude eleitoral, como vinha fazendo havia semanas. Em vários episódios do seu podcast e postagens de rede social, ele e seus convidados alimentaram as alegações de uma "eleição roubada" e forças sombrias. Fim do Matérias recomendadas Bannon, ideólogo da nova direita radical populista, foi apenas um dos vários aliados importantes de Trump que adotaram a mesma estratégia usada para lançar dúvidas sobre os resultados das eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos. E, como aconteceu em Washington em 6 de janeiro de 2021, esses relatos falsos e rumores não comprovados ajudaram a exortar uma multidão que quebrou janelas e invadiu prédios do governo na tentativa de promover sua causa. Um dia antes da invasão do Capitólio, Bannon disse a seus ouvintes do podcast: "A coisa vai pegar fogo amanhã." Ele foi condenado a quatro meses de prisão por se recusar a cumprir uma ordem para testemunhar perante um comitê do Congresso que investigou o ataque, mas está em liberdade enquanto aguarda recurso. Assim como outros assessores proeminentes de Trump que espalharam rumores de fraude, Bannon não demonstrou consternação no domingo, mesmo quando surgiram imagens da destruição generalizada em Brasília. "Lula roubou a eleição... os brasileiros sabem disso", ele escreveu repetidamente na rede social Gettr. E chamou as pessoas que invadiram os prédios de "lutadores pela liberdade". Ali Alexander, um ativista que emergiu após a eleição de 2020 como um dos líderes do movimento pró-Trump "Stop the Steal" ("parem de roubar", em tradução livre) , insuflou a multidão, escrevendo: "Façam o que for necessário!", e alegando ter contatos no Brasil. Os militantes apoiadores de Bolsonaro protestaram online sobre uma crise existencial e uma suposta "dominação comunista" — exatamente o mesmo tipo de retórica que conduziu os manifestantes em Washington há dois anos. Uma reunião em novembro entre o ex-presidente e um dos filhos de Bolsonaro no resort de Trump na Flórida expôs os laços entre o ex-presidente e o movimento de Trump. Durante essa viagem, Eduardo Bolsonaro também conversou com Bannon e Jason Miller, ex-assessor de Trump, de acordo com reportagens publicadas pelo jornal The Washington Post e outros meios de comunicação. Assim como nos EUA em 2020, negacionistas eleitorais concentraram sua atenção nos mecanismos de votação. No Brasil, eles lançaram suspeitas sobre as urnas eletrônicas. Um cartaz exibido pelos manifestantes no domingo declarava em português e inglês: "Queremos o código-fonte" — uma referência aos rumores de que as urnas eletrônicas foram de alguma forma programadas ou hackeadas para prejudicar Bolsonaro. Várias contas brasileiras proeminentes do Twitter que espalharam rumores negacionistas sobre as eleições foram restabelecidas após Elon Musk comprar a plataforma, de acordo com uma análise feita pela BBC. As contas haviam sido banidas anteriormente. O próprio Musk sugeriu que alguns dos próprios funcionários do Twitter no Brasil eram "fortemente tendenciosos politicamente" sem dar detalhes ou provas. Alguns dos adversários de Trump nos EUA foram rápidos em culpar o ex-presidente e seus assessores por encorajar os distúrbios no Brasil. Jamie Raskin, membro do Partido Democrata da Câmara dos Representantes e membro do comitê que investigou a invasão do Capitólio, chamou os manifestantes brasileiros de "fascistas que se espelharam nos desordeiros de Trump de 6 de janeiro" em um tuíte. A BBC tentou entrar em contato com Bannon e Alexander para comentar o caso. Com reportagem da equipe de desinformação da BBC.
2023-01-09
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'Ataque à democracia': imprensa internacional repercute invasão de Brasília por bolsonaristas
A invasão de Brasília por bolsonaristas que depredaram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto foi destaque da imprensa internacional nesta segunda-feira (9/1). O tema foi o principal destaque nas capas de praticamente todos os grandes veículos internacionais de imprensa, como New York Times, Wall Street Journal, Financial Times, Economist e El País — entre outros. O jornal espanhol El País publicou um editorial intitulado "Ataque à Democracia no Brasil" em que opina que "Lula terá que impor a lei e punir sem atenuantes os culpados da agressão". O El País criticou Bolsonaro, dizendo que o ex-presidente "esperou várias horas antes de falar da Flórida, para onde foi para evitar comparecer à cerimônia de transferência de poder". "Só após o fracasso do ataque ele afirmou que 'invasão de prédios públicos está fora de regra' e repudiou as acusações que o implicavam no atentado. Foram palavras tardias, mesquinhas diante da gravidade dos acontecimentos e que mostram, mais uma vez, o perigo que Bolsonaro sempre representou para a democracia", afirma o jornal espanhol em seu editorial. "Por trás do que aconteceu [em Brasília] está, em última análise, não apenas a incapacidade de Bolsonaro de aceitar a derrota, mas o veneno de uma estridente extrema-direita que, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil e em outros países, não é capaz de aceitar as regras do jogo democrático e procura por todos os meios, incluindo a força bruta, tomar o poder." Fim do Matérias recomendadas "O episódio vivido neste domingo em Brasília, como o ataque ao Capitólio (nos EUA) há dois anos, deve servir como lembrete do enorme perigo que representam esses movimentos radicais e da necessidade de as forças democráticas permanecerem unidas e evitarem dar-lhes oxigênio." O editorial conclui que Lula não terá uma "jornada fácil" pela frente para lidar com a crise política no Brasil. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "Seu antecessor deixou um país quebrado e a gravíssima crise deste domingo só aprofundou essa fratura. Para superá-la, Lula terá que impor a lei e punir os culpados sem atenuantes, mas também apelar para os valores que lhe permitiram vencer nas urnas e avançar em um caminho que permita aos brasileiros recuperar a normalidade democrática." A revista britânica The Economist comparou a invasão de Brasília ao ataque ao Capitólio em 2021 por apoiadores do ex-presidente Donald Trump. "Mas se os distúrbios em Washington revelaram lapsos na inteligência e na coordenação da polícia, a versão brasileira sugere que há algo mais sinistro. Embora não haja evidências de que a polícia foi cúmplice da insurreição, eles foram, no mínimo, passivos. Logo após o início da invasão do Congresso em Brasília, um grupo de policiais foi flagrado conversando com manifestantes, tirando selfies e filmando o caos, em vez de agir para detê-lo", escreveu a revista. "Os pedidos de reforço do chefe da polícia do Senado ao governador do Distrito Federal, que é aliado de Bolsonaro, foram ignorados até o final da tarde. (Em uma aparente tentativa de livrar sua cara mais tarde, ele demitiu seu secretário de segurança, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro.)" A revista afirma que o governo Lula precisará concentrar seus esforços em lidar com essa crise, adiando qualquer outro plano. "A intervenção federal dá ao governo de Lula amplos poderes para investigar e demitir qualquer policial que tenha violado seus deveres por causa de suas convicções políticas. Isso poderia dar início a esforços de reforma semelhantes em outros Estados brasileiros. Isso pode desviar a atenção de outros assuntos urgentes, como uma série de reformas econômicas urgentes. Quaisquer reformas que exijam mudanças constitucionais terão que esperar até que a intervenção federal termine." "Depois de anos de tumulto político e econômico, os brasileiros estão desesperados por estabilidade. Eles vão ter que esperar um pouco mais", diz a Economist. O jornal americano The New York Times disse que a invasão de Brasília "foi o ápice violento de incessantes ataques retóricos aos sistemas eleitorais do país por parte de Bolsonaro", que fez falsas alegações contra a eleição de outubro, quando foi derrotado por Lula. O New York Times afirma que Bolsonaro está "entocado há milhares de milhas na Flórida", enquanto a violência ocorria em Brasília. Em outro artigo, o jornal americano comparou a invasão de Brasília com o ataque ao Capitólio. Em ambos os casos, segundo o jornal, os movimentos foram fomentados por líderes derrotados nas urnas que acusaram fraudes eleitorais sem provas — Donald Trump e Jair Bolsonaro. O jornal americano Washington Post destacou o papel das redes sociais na depredação de Brasília por bolsonaristas. "Nas semanas que antecederam os violentos ataques de domingo ao Congresso do Brasil e outros prédios do governo, os canais de mídia social do país estavam cheios de apelos para que se atacasse postos de gasolina, refinarias e outras infraestruturas, bem como para que as pessoas viessem a uma 'festa do grito de guerra' na capital, de acordo com pesquisadores brasileiros de mídia social." "Pesquisadores brasileiros disseram que entre os apoiadores de Bolsonaro, uma contranarrativa começou a circular no domingo, culpando o governo Lula e pessoas do partido de Lula por se infiltrarem em manifestações pacíficas e democráticas para virar o país contra os apoiadores de Bolsonaro. A contranarrativa também lembra a insurreição de 6 de janeiro, na qual muitos apoiadores de Trump culparam ativistas de esquerda pela violência." O britânico Financial Times destacou que "embora os prédios do governo estivessem desocupados e o Congresso não estivesse em sessão, as violações provavelmente levantarão dúvidas sobre a segurança das instituições políticas e judiciais do Brasil. O incidente também apresenta escolhas difíceis para Lula, que assumiu a presidência há apenas uma semana prometendo unir a nação, mas estará sob pressão para reprimir os apoiadores radicais de Bolsonaro".
2023-01-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64208685
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Meta vai bloquear conteúdo pró-invasão em Brasília das redes sociais
A Meta — empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp — anunciou que vai começar a remover e bloquear de suas redes sociais conteúdo em defesa das invasões às sedes dos três Poderes da República, em Brasília, no domingo (08/01). As invasões foram protagonizadas por milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) insatisfeitos com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um porta-voz da Meta disse à BBC que excluiria imediatamente postagens "pedindo que as pessoas peguem em armas ou invadam à força o Congresso, o Palácio do Planalto e outros prédios federais". "Também estamos classificando isso como um ato de violação, o que significa que removeremos conteúdo que apoie ou enalteça essas ações", acrescentou o porta-voz. "Estamos acompanhando a situação ativamente e continuaremos excluindo conteúdo que viole nossas políticas." Fim do Matérias recomendadas A Meta já sinalizou outros incidentes graves — incluindo a invasão do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021 — como atos de violação. A política permite que a empresa acelere a remoção do conteúdo prejudicial. Na tarde de domingo, milhares de militantes apoiadores do ex-presidente Bolsonaro ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central de Brasília e, de lá, invadiram e depredaram as instalações do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). A invasão ocorreu após diversas convocações feitas em redes sociais, como grupos de WhatsApp. Os invasores, que são contra a eleição do presidente Lula, pedem o fechamento do Congresso e a intervenção militar. "Não existe precedente (para) o que essa gente fez e, por isso, essa gente terá que ser punida. Nós vamos inclusive descobrir quem são os financiadores desses vândalos que foram a Brasília, e todos eles pagarão com a força da lei esse gesto de irresponsabilidade, esse gesto antidemocrático e esse gesto de vândalos e fascistas", declarou Lula, ao anunciar a medida.
2023-01-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64208677
brasil
Os 3 erros que levaram às invasões em Brasília, segundo especialistas
Alertas subestimados, demora para mobilizar tropas e leniência com o acampamento de bolsonaristas em Brasília. Esses foram os três principais erros apontados por especialistas em segurança pública ouvidos pela BBC News Brasil que, segundo eles, teriam levado à invasão do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal (STF). Neste domingo (8/1), milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ocuparam a Esplanada dos Ministérios, na área central de Brasília e, de lá, invadiram e depredaram as instalações do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do STF. Os prédios são as sedes dos três Poderes da República. A invasão aconteceu após diversas convocações feitas em redes sociais como grupos de WhatsApp. Os invasores pedem o fechamento do Congresso Nacional, intervenção militar e são contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em resposta, Lula anunciou neste domingo (08/01) uma intervenção federal na área de Segurança Pública do Distrito Federal. Fim do Matérias recomendadas Para chegar aos edifícios, os invasores enfrentaram policiais militares e as equipes de segurança do STF, Congresso e Palácio do Planalto. De acordo com imagens e relatos feitos por canais de TV como a GloboNews, os bolsonaristas danificaram gravemente diversos ambientes dos três prédios. A invasão, no entanto, aconteceu em uma das áreas que, supostamente, deveriam ser mais bem guardadas do país. Diante disso, a pergunta que especialistas têm se feito nas últimas horas é: que erros foram cometidos pelas autoridades e que levaram à invasão de três dos mais importantes prédios do Brasil? Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A possibilidade de invasão a prédios públicos na Esplanada dos Ministérios e na Praça dos Três Poderes, na área central de Brasília, já vinha circulando em grupos de WhatsApp bolsonaristas há pelo menos quatro dias. Diversas convocações foram feitas pelas redes sociais e a expectativa era de que dezenas de ônibus com apoiadores de Bolsonaro chegassem a Brasília neste final de semana. A BBC News Brasil teve acesso a um vídeo que circulou em um desses grupos em que há uma clara convocação para a invasão. "Ninguém está falando em acampar, nada… nós estamos falando de tomar Brasília como o povo do Sri Lanka fez", diz um trecho do vídeo com imagens da invasão do palácio presidencial do país asiático, em julho de 2022. Para o ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal Arthur Rodrigues, houve negligência das forças de segurança locais em relação ao tamanho das manifestações. "Essa manifestação estava prevista e era de conhecimento público. Sabia-se há muito tempo sobre a possibilidade de haver quebra-quebra. Claramente, o efetivo colocado para lidar com essa manifestação não foi compatível com o tamanho da mobilização", diz o ex-secretário. Até o momento, não foram divulgados os números oficiais sobre a quantidade de invasores e a quantidade de policiais militares presentes na área atingida. As imagens veiculadas, no entanto, mostram que o número de agentes de segurança era bastante inferior ao de invasores. Imagens transmitidas por canais de TV mostram um agente de segurança montado em um cavalo sendo cercado e agredido por bolsonaristas nas imediações do Congresso Nacional sem qualquer apoio ou reforço policial. Para o presidente do conselho de administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Cássio Rosa, os alertas em relação às manifestações foram subestimados. "O aparato de segurança colocado pelo governo do Distrito Federal não era adequado para o tamanho da manifestação. A PM local é extremamente bem treinada para lidar com multidões. Se o efetivo fosse compatível, dificilmente estaríamos tendo esse tipo de invasão", afirmou Rosa. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) não respondeu às questões da reportagem. Um outro elemento destacado pelos especialistas foi a demora na mobilização das tropas da Força Nacional. No sábado (7/1), o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), anunciou que autorizou o uso da Força para garantir a segurança na área da Esplanada dos Ministérios em função dos protestos que estavam sendo convocados por bolsonaristas. "Além de todas as forças federais disponíveis em Brasília, e da atuação constitucional do Governo do Distrito Federal, teremos nos próximos dias o auxílio da Força Nacional. Assinei agora portaria autorizando a atuação, em face de ameaças veiculadas contra a democracia", disse Dino em seu perfil no Twitter. A previsão inicial era de que a manifestação mais forte fosse ocorrer na segunda-feira (9/1). A autorização dada por Dino previa o emprego de tropas da Força Nacional entre o sábado e a segunda-feira. Na avaliação do ex-policial civil, cientista político e membro do FBSP Guaracy Mingardi, houve demora na utilização das tropas. "O governo federal demorou a mobilizar Força Nacional. Os agentes dessa tropa, que são formados por policiais militares de todo o país, deveriam ter sido reunidos mais cedo e colocados de prontidão. Ainda é cedo para avaliar, mas acredito que pode ter faltado agilidade nessa mobilização", afirmou Mingardi. Arthur Rodrigues, por sua vez, avalia que a convocação da Força Nacional pode ter tido um efeito colateral em relação ao objetivo final do governo federal, que era garantir a segurança da Esplanada dos Ministérios. "O uso da Força Nacional foi inócuo porque aliviou, em certa medida, a responsabilidade do governo do Distrito Federal de garantir a segurança na região, e colocou isso no colo do governo federal. Quem está acostumado a atuar naquela região é a PM", disse Rodrigues. A reportagem questionou o Ministério da Justiça sobre as alegações feitas pelos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, mas o órgão não respondeu às perguntas até o momento. Outro ponto indicado por especialistas que pode ter contribuído para a dimensão dos atos deste domingo foi a suposta leniência das autoridades em relação ao acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel General do Exército e com os militantes violentos que participaram de atos de vandalismo nas últimas semanas. No dia 12 de dezembro do ano passado, data da diplomação de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um grupo de bolsonaristas ateou fogo em carros, ônibus e tentou invadir a sede da Polícia Federal, em Brasília. Os atos aconteceram após a prisão de um indígena bolsonarista determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Apesar da violência empregada pelos militantes, a PM do Distrito Federal não prendeu ninguém, o que gerou críticas de uma suposta conivência das forças de segurança locais com os bolsonaristas. Dias depois, porém, um militante bolsonarista foi preso por sua ligação com uma tentativa de atentado a bomba ao Aeroporto Internacional de Brasília. George Washington de Sousa confessou ter montado a bomba ,segundo a polícia. Segundo depoimento prestado por ele à Polícia Civil do Distrito Federal, sua intenção era que a bomba gerasse caos e levasse à imposição de um estado de sítio antes da posse de Lula como presidente. Em seu depoimento, Sousa disse que encontrou militantes dispostos a conduzir o atentado no acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel General do Exército. Apesar disso, as autoridades do Distrito Federal não desmobilizaram o acampamento. Centenas de pessoas ocupam uma área em frente à sede da força há pouco mais de um mês. Agentes do governo local chegaram a tentar desocupar a região, mas foram rechaçados pelos militantes e recuaram. Nos dias que se seguiram, bolsonaristas e militantes em favor de pautas como o fechamento do Congresso Nacional e intervenção militar seguiam indicando o acampamento em Brasília como um ponto de encontro do grupo. Para Cássio Rosa, a forma como as autoridades locais lidaram tanto com o acampamento quanto com os atos de vandalismo do dia 12 de dezembro deram combustível para os episódios deste domingo. "Os momentos seguintes aos atos de vandalismo no ano passado foram uma oportunidade de arrefecer os ânimos. Era uma chance de negociar, conversar e tirar aquelas pessoas daquele acampamento, mas, infelizmente, isso não aconteceu", disse.
2023-01-08
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64205792
brasil
AGU pede ao STF prisão de invasores e do ex-secretário de Segurança do DF
A Advocacia Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a prisão em flagrante de todos os envolvidos nas invasões ao Congresso, ao Palácio do Planalto e ao STF neste domingo (08/01), bem como a prisão do agora ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres. Ex-ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro, Torres está em viagem nos EUA e foi exonerado do cargo neste domingo pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). A AGU pediu também a prisão de outros "agentes públicos responsáveis por atos e omissões" relacionados às invasões. Na petição, o órgão solicitou a "imediata desocupação de todos os prédios públicos federais em todo o país, e a dissolução dos atos antidemocráticos realizados nas imediações de quartéis e outras unidades militares". O pedido requer que, para tais medidas, "sejam utilizadas todas as Forças de Segurança Pública do Distrito Federal e dos Estados". Fim do Matérias recomendadas "Com o objetivo de buscar futura responsabilização dos manifestantes radicais, a AGU também pediu ao STF que determine às plataformas de mídias e de redes sociais a interrupção da monetização de perfis e transmissão das mídias sociais que possam promover, de algum modo, atos de invasão e depredação de prédios públicos", diz a petição. O órgão também solicitou que as empresas de telecomunicações "guardem por 90 dias registros de conexão suficientes para definição ou identificação de geolocalização dos usuários que se encontram nas imediações da Praça dos Três Poderes e no Quartel-General do Exército no DF". Outro pedido da AGU foi a "apreensão de todos os veículos e demais bens utilizados para transporte e organização dos atos criminosos". "A AGU solicitou ao STF ainda que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) mantenha registro de todos esses veículos que ingressaram no DF entre os dias 5 e 8 de janeiro deste mês", diz a petição.
2023-01-08
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64205791
brasil
Leia a íntegra do decreto de intervenção no Distrito Federal assinado por Lula
Diante da violência generalizada e atos de vandalismo causados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) neste domingo (08/01) em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou uma intervenção federal na área de segurança pública do Distrito Federal. O decreto afirma que que a medida tem como objetivo "pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública". Leia abaixo a íntegra do decreto: "DECRETO Nº, DE 08 DE JANEIRO DE 2023. Decreta intervenção federal no Distrito Federal com o objetivo de pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública, nos termos em que especifica. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso X, e no art. 34, inciso III, da Constituição, Fim do Matérias recomendadas DECRETA: Art. 1º Fica decretada intervenção federal no Distrito Federal até 31 de janeiro de 2023. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast § lº A intervenção de que trata o caput se limita à área de segurança pública, conforme o disposto no art. 117-A da Lei Orgânica do Distrito Federal. § 2º O objetivo da intervenção e pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado no Distrito Federal, marcada par atos de violência e invasão de prédios públicos. Art. 2º Fica nomeado para o cargo de lnterventor Ricardo Garcia Cappelli. Art. 3º As atribuições do lnterventor são aquelas necessárias às ações de segurança pública, em conformidade com os princípios e objetivos previstos no art. 117-A da Lei Orgânica do Distrito Federal. § lº O Interventor fica subordinado ao Presidente da República e não está sujeito às normas distritais que conflitarem com as medidas necessárias à execução da intervenção. § 2º O lnterventor poderá requisitar, se necessário, os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do Distrito Federal afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção. § 3º o lnterventor poderá requisitar a quaisquer órgãos, civis e militares, da administração pública federal, os meios necessários para consecução do objetivo da intervenção. § 4º As atribuições previstas no art. 117-A da Lei Orgânica do Distrito Federal que não tiverem relação direta ou indireta com a segurança pública permanecerão sob a titularidade do Governador do Distrito Federal. § 5º O lnterventor, no âmbito do Estado do Distrito Federal, exercerá o controle operacional de todos os órgãos distritais de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e no art. 117-A da Lei Orgânica do Distrito Federal. Art. 4º Poderão ser requisitados, durante o período da intervenção, os bens, serviços e servidores afetos as áreas da Secretaria de Estado de Segurança do Distrito Federal, da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Distrito Federal e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, para emprego nas ações de segurança pública determinadas pelo lnterventor. Art. 5º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 08 de janeiro de 2023; 202º da lndependência e 135º da República Luiz Inácio Lula da Silva"
2023-01-08
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64206414
brasil
Lula decreta intervenção no DF após apoiadores de Jair Bolsonaro invadirem Congresso, STF e Palácio do Planalto
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decretou intervenção federal na área de Segurança Pública do Distrito Federal após milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadirem neste domingo (08/01) áreas do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto. O decreto de Lula, com validade até o dia 31 de janeiro, designa o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Garcia Capelli, como interventor. "Não existe precedente ao que essa gente fez e, por isso, essa gente terá que ser punida", afirmou Lula momentos antes de anunciar o decreto. "Nós vamos inclusive descobrir quem são os financiadores desses vândalos que foram à Brasília e todos eles pagarão com a força da lei esse gesto de irresponsabilidade, esse gesto antidemocrático e esse gesto de vândalos e fascistas", disse o presidente. Lula chamou os invasores de "nazistas e fascistas" e disse que a esquerda nunca realizou atos desse tipo no Brasil. Fim do Matérias recomendadas "Eles vão perceber que a democracia garante direito de liberdade, livre expressão, mas ela também exige que as pessoas respeitem as instituições que foram criadas para fortalecer a democracia", afirmou. O grupo de bolsonaristas, que estava concentrado na frente do Quartel-General do Exército, se deslocou para a Esplanada dos Ministérios no início da tarde de domingo. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Imagens veiculadas por emissoras de TV mostraram centenas de pessoas nas rampas que dão acesso ao Congresso e ao Palácio do Planalto e em volta do prédio do STF. No Congresso, centenas de pessoas subiram na laje do edifício, enquanto parte do grupo ingressou no Salão Verde e no plenário do Senado. As imagens mostraram vidraças quebradas e pessoas enroladas em bandeiras do Brasil caminhando com tranquilidade dentro do prédio. Outras imagens mostraram membros do grupo dentro do Palácio do Planalto e no plenário do STF. Nesses locais, vidros foram quebrados, e móveis e obras de arte foram depredados. Por volta das 17h, segundo imagens de helicóptero transmitidas pela emissora GloboNews, seguranças haviam conseguido retomar o prédio do STF e expulsar os invasores. Aos poucos, as forças de segurança foram retomando os demais edifícios, conforme mais policiais chegaram à Esplanada. Até a noite, no entanto, bolsonaristas seguiam agrupados nas proximidades dos edifícios. Por ser domingo, os edifícios estavam vazios no momento das invasões, contando apenas com poucos seguranças e funcionários responsáveis por serviços essenciais. Na Praça dos Três Poderes, veículos policiais chegaram a disparar jatos de água no grupo para tentar dispersá-lo. Também foram usadas bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. Um vídeo que circula em grupos bolsonaristas no Whatsapp mostra um grupo festejando a chegada à sede do STF. "Pegamos o STF. Fora, acabou, o Brasil venceu", grita um homem. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estava em Brasília no momento da invasão. Ele visitava Araraquara (SP) para visitar vítimas de temporais recentes, mas antecipou o retorno à capital. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse no Twitter ter conversado sobre os incidentes com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). "O governador me informou que está concentrando os esforços de todo o aparato policial no sentido de controlar a situação", afirmou. "Repudio veementemente esses atos antidemocráticos, que devem sofrer o rigor da lei com urgência", disse Pacheco. O ministro da Justiça, Flavio Dino (PSB), afirmou no Twitter: "Essa absurda tentativa de impor a vontade pela força não vai prevalecer. O Governo do Distrito Federal afirma que haverá reforços. E as forças de que dispomos estão agindo. Estou na sede do Ministério da Justiça". Também no Twitter, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o governo do Distrito Federal "foi irresponsável frente à invasão de Brasília e do Congresso Nacional". "É um crime anunciado contra a democracia, contra a vontade das urnas e por outros interesses. Governador e seu secretário de segurança, bolsonarista, são responsáveis pelo que acontecer", afirmou. Enquanto as invasões se desenrolavam, o secretário de Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, foi exonerado. Momentos antes, ele disse no Twitter considerar "inconcebível a desordem e inaceitável o desrespeito às instituições". "Determinei que todo efetivo da PM e da Polícia Civil atue, firmemente, para que se restabeleça a ordem com a máxima urgência. Vandalismo e depredação serão combatidos com os rigores da lei", afirmou Torres. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), disse: "Estou em Brasília monitorando as manifestações e tomando todas as providências para conter a baderna antidemocrática na Esplanada dos Ministérios."
2023-01-08
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64205788
brasil
Como deve mudar relação do Brasil com a China no novo governo Lula
Foi em 2009, penúltimo ano do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora de volta à Presidência, que a China se tornou o principal parceiro comercial do Brasil, ultrapassando os Estados Unidos. Desde então, a relação econômica entre os dois países ganhou força e se consolidou. Mas, no plano político, os últimos quatro anos, sob a presidência de Jair Bolsonaro (PL), representaram um ponto fora da curva nesses laços: foram marcados por animosidade, com direito, inclusive, a troca pública de farpas, como o episódio que envolveu Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, e o então embaixador chinês em Brasília, Yang Wanmig (relembre no fim desta reportagem). Apesar disso, o atrito não esfriou o comércio entre os dois países que, ao que tudo indica, pode bater novo recorde em 2022. Como está, então, a relação entre o Brasil e a China e o que deve mudar neste terceiro mandato de Lula? Animosidade 'teatral'? Fim do Matérias recomendadas Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem acreditar que, se por um lado, não deve haver grandes mudanças no comércio bilateral entre os dois países, por outro, esperam uma reaproximação no campo político, além de um enfoque maior em setores como sustentabilidade e meio ambiente, uma agenda já definida como prioritária pelo novo governo brasileiro. Um bom sinal nesse sentido, na opinião deles, veio com o anúncio de que Lula vai visitar a China, além de Estados Unidos e Argentina — os três países são, atualmente, os principais parceiros comerciais do Brasil. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Os especialistas alertam, contudo, que o novo governo petista deveria estabelecer bases para uma relação "mais sofisticada" com a China dentro do próprio agronegócio, bem como reduzir sua dependência da exportação de commodities (matérias-primas como petróleo e soja), por meio de produtos de maior valor agregado. Parcerias em setores estratégicos, como energia e tecnologia, têm que ser aprimoradas e intensificadas, acrescentam. "A relação política com a China esfriou muito no governo Bolsonaro. Mas ainda assim a parte comercial em si não foi particularmente prejudicada, tendo inclusive crescido no ano passado (até novembro; os dados de dezembro ainda não foram divulgados). Acho curioso que, apesar desse desinteresse — e até mesmo certa animosidade — de parte do governo Bolsonaro, a relação com a China fluiu muito bem em termos práticos na área econômica. Os investimentos aumentaram, o comércio bateu recorde atrás de recorde, abriram novos mercados para produtos agrícolas na China", explica à BBC News Brasil Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). "Então, no fim das contas, acho que todo esse suposto afastamento da China foi uma coisa "teatral" de uma minoria do governo passado. Até porque existem setores poderosos absolutamente interessados na manutenção de boas relações com o país, com é o caso do agronegócio e da mineração. Até mesmo parte da indústria (aquela que compra insumos importados) busca intensificar as relações com a China", acrescenta. Cariello lembra que, a despeito das tensões políticas entre Brasil e China, com declarações repetidas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pessoas do seu entorno contra o gigante asiático durante seu governo, o Ministério da Agricultura criou um "Núcleo China", uma unidade especial que cuidava das relações com aquele país, a pedido da ex-ministra Teresa Cristina e ligada diretamente a seu gabinete. De fato, segundo documento intitulado "Investimentos chineses no Brasil: histórico, tendências e desafios globais (2007-2020)", do CEBC, o mais abrangente já realizado sobre o tema, as ações concretas do governo brasileiro indicaram "mais continuidade do que ruptura na relação bilateral" com a China. Entre 2007 e 2021, a China investiu no Brasil US$ 70 bilhões — só em 2021, os investimentos totalizaram US$ 5,9 bilhões, o maior valor desde 2017. E, no ano passado até novembro (os dados de dezembro ainda não foram divulgados), a corrente de comércio bilateral já aponta novo recorde: US$ 139,4 bilhões, cifra que supera a marca de US$ 135,4 bilhões registrada em todo o ano de 2021. Vale lembrar também que o maior superávit (diferença entre exportações e importações) do Brasil com um só país é com a China — isso significa que mais recursos estão entrando no país, melhorando a economia e gerando mais renda, do que saindo. E também representa algo pouco comum, uma vez que geralmente é a China quem tem superávit com seus parceiros (ou seja, vende mais do que compra). Larissa Wachholz, que chefiou o 'Núcleo China' do Ministério da Agricultura sob a gestão Bolsonaro e é atualmente senior fellow do Núcleo Ásia do CEBRI (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), um think tank de relações internacionais, diz esperar uma relação "muito positiva" do novo governo brasileiro com a China, mas ressalva que ela ainda não é explorada em seu potencial. "As interações pessoais são muito importantes na cultura asiática e isso se aplica à China. Agora, isso voltou a ser possível com o governo chinês suspendendo as medidas mais severas contra a covid. O Brasil segue sendo um parceiro importante para a segurança alimentar e energética da China, mas em termos de estratégia de desenvolvimento, precisamos ir mais longe", diz. Wachholz lembra que os três principais produtos exportados pelo Brasil à China ainda são petróleo, minério de ferro e soja. Mas apesar de o Brasil, como tradicional exportador de commodities (matérias-primas), ter se beneficiado do acelerado crescimento econômico chinês ao longo dos anos, "isso não é suficiente", em sua visão. "Tem sido muito benéfica para nós (exportação de commodities para a China), mas acho que não é suficiente. Acho que deveríamos almejar ir além. O Brasil tem uma ambição correta, a meu ver, de ser uma economia diversificada. Poderíamos fazer uso das nossas competências e da nossa grande capacidade de exportação, de recursos naturais, de commodities para alcançar o nosso objetivo de sermos uma economia diversificada. A China pode ser um parceiro excelente para que esse objetivo seja alcançado", opina. Ela assinala que, apesar de ser a segunda maior economia do mundo, a China ainda investe muito pouco do seu PIB (Produto Interno Bruto, ou soma de bens e serviços de um país) no exterior, ao contrário do Japão (acima de 60%), Estados Unidos (40%) e União Europeia (30%). "É muito pouco para a segunda maior economia do mundo. Tem muito potencial de crescimento e o Brasil pode ser um grande receptor desses investimentos. E esses investimentos podem auxiliar o Brasil nesse projeto de desenvolvimento e de ter uma economia diversificada". "Acho que essa é a grande reflexão. Aonde a gente quer chegar? Quais perfis de cadeias industriais a gente quer atrair? A China pode ser parte disso. Por isso digo que deveríamos almejar ir além". "São investimentos que podem gerar emprego e renda no Brasil. Que não vão apenas abastecer o mercado nacional brasileiro, mas que podem tornar o Brasil um polo exportador desses produtos na América do Sul", acrescenta. Tanto Wachholz e Turiello fazem um alerta: na opinião deles, a China já deu sinais de que não quer depender de poucos fornecedores para garantir sua segurança alimentar e energética e, por isso, vem buscando ampliar o escopo de países de quem compra matérias-primas — nesse sentido, o Brasil pode acabar "ficando para trás" no "longo prazo". "A China tem a pretensão de aumentar seu potencial agrícola nacionalmente. Isso é difícil. Ela já trabalha com a produção agrícola no limite. Mesmo que ela passe a produzir mais, sua produção não dá conta da demanda", ressalva Wachholz. É o caso da soja. Hoje, a China já produz o grão localmente. Mas só 16 milhões de toneladas das 100 milhões de que precisa todos os anos. "Para produzir muito mais do que isso, a China teria que produzir menos arroz, trigo ou milho, que também são commodities importantes para a sua segurança alimentar. Mas qual é o risco? A China se sente encorajada de desenvolver outros fornecedores no mundo, que possam ajudar a atender sua demanda, como países africanos", acrescenta Wachholz. Cariello, do CEBC, concorda. "Não temos como mais nos pautar só nessa ideia vender a commodity bruta para a China, produtos primários. Por que a própria China, no longo prazo, está querendo aumentar sua autossuficiência. Os chineses querem diminuir a dependência deles em relação à importação de produtos agrícolas, por exemplo", diz. "Acho que o novo governo Lula tem uma grande chance de estabelecer bases para uma relação mais sofisticada com a China dentro do próprio agronegócio. Mas os grandes parceiros da China na área agrícola, como é o caso do Brasil, precisam explorar mercados diferentes dentro da China com maior valor agregado, com uma cesta de produtos maior e ser menos dependente de poucos produtos". Segundo o especialista, Lula também terá que lidar com uma realidade diferente da de seus dois primeiros mandatos. "O contexto de Lula 1 e Lula 2 era de muita euforia com a China. Empresas chinesas faziam grandes investimentos no exterior e houve um maior fluxo de comércio, sobretudo na área das commodities", lembra. Um desses desafios, segundo Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil em Pequim (China) e em Washington (Estados Unidos), é a postura que o Brasil vai adotar diante da guerra comercial e diplomática travada entre China e Estados Unidos. Em meio a um processo que descreve como "reconstrução" da política externa brasileira após um "imenso retrocesso" durate o governo Bolsonaro, Abdenur diz que o Brasil vai precisar manter uma posição de "equidistância, equilíbrio" nesse contexto. "Não podemos nos alinhar com a China, claro, nem tampouco os Estados Unidos, como fez de maneira ultrajante e vexatória Bolsonaro sob o governo Trump, em que ele se submeteu humildemente aos caprichos, às políticas, aos preconceitos, às ideias reaciónarias do agora ex-presidente americano". Diretamente envolvido no lançamento da Parceria Estratégica Brasil-China, que lançou as bases para o fortalecimento das relações econômicas entre os dois países, em sua época como embaixador em Pequim, o diplomata aposentado e atual conselheiro do CEBRI diz ser "perfeitamente possível votar contra um país no plano multilateral e preservar com ele uma boa relação bilateral". "O Brasil sempre votou contra os Estados Unidos nas questões envolvendo Israel e Palestina e na censura ao injusto embargo econômico contra Cuba", exemplifica. Seria, portanto, um abandono do alinhamento automático aos EUA e um retorno à tradicional postura de neutralidade por meio do diálogo que sempre pautou a política externa brasileira. As relações entre Brasil e China ficaram estremecidas no plano político no governo anterior. Mesmo antes de ser eleito presidente, Bolsonaro fez críticas à China, ainda durante sua campanha. Os ataques também vieram de pessoas próximas ao presidente, como seus filhos. Em fevereiro de 2019, Bolsonaro visitou Taiwan, irritando os chineses — o país é considerado uma "província rebelde" por Pequim. Em novembro de 2020, Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL-SP) e filho do ex-presidente, publicou (e depois apagou) mensagem dizendo que o governo brasileiro apoiava uma "aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China". Em comunicado, a embaixada chinesa em Brasília falou sobre o governo brasileiro "arcar com consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil". Em maio de 2021, Bolsonaro insinuou que a pandemia de coronavírus seria parte de uma "guerra biológica" chinesa e que "os militares sabem disso". Logo depois, o ex-presidente afirmou que o Brasil é "muito importante" para a China e negou ter citado o país asiático em declaração sobre a origem do novo coronavírus. Uma semana antes, seu então ministro da Economia, Paulo Guedes, havia dito numa reunião que "o chinês inventou o vírus". Posteriormente, pediu desculpas. - Essa reportagem foi originalmente publicada em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64183029
2023-01-07
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64183029
brasil
STF pode acabar com demissão sem justa causa? Entenda julgamento em 3 pontos
A informação de que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar em 2023 um julgamento que se arrasta há 25 anos sobre uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) levou alguns perfis nas redes sociais e grupos de WhatsApp a reproduzirem comentários indignados de que a corte poderia proibir a demissão sem justa causa no Brasil. Não se trata disso, conforme os advogados que falaram à reportagem da BBC News Brasil. Derrubar essa regra seria inconstitucional. A empresa continua podendo demitir unilateralmente, conforme as regras estabelecidas pela legislação brasileira, mas passaria a precisar evidenciar o motivo do desligamento — mesmo que ele não fundamente uma "justa causa". "O fato de o texto da convenção usar a expressão 'justificar' é que talvez tenha causado confusão [com a 'justa causa' da legislação trabalhista brasileira]", comenta Fabíola Marques, sócia do escritório Abud Marques Sociedade de Advogadas e professora da PUC-SP. Fim do Matérias recomendadas A seguir, a BBC News Brasil explica em 3 pontos os detalhes técnicos dessa discussão e o que está em jogo no julgamento do STF. Nela, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) questionam a decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso de retirar o Brasil da convenção 158 da OIT. O Brasil havia ratificado o dispositivo em 1995, após votação do Congresso. Em novembro de 1996, contudo, FHC revogou a participação do país no tratado internacional — ou "denunciou", no jargão jurídico. A ação da Contag argumenta que o presidente não poderia ter unilateralmente decidido pela retirada do país. Da mesma forma que a ratificação foi aprovada pelo Legislativo, sua retirada também deveria sê-lo. E é esse o mérito em discussão no STF: se o decreto assinado pelo presidente na época é ou não constitucional. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Caso o Supremo decida que a revogação foi inconstitucional, a convenção 158 da OIT poderia, então, passar a valer no Brasil. O que ainda não se sabe é de que forma. Entre os 8 votos de ministros já computados desde o início do julgamento, em 1997, já há maioria formada em torno do entendimento de que o decreto presidencial é inconstitucional. Alguns acreditam, contudo, que a norma internacional precisaria de uma lei complementar feita pelo Congresso para que pudesse entrar em vigor; enquanto outros avaliam que ela seria "autoaplicável", diz Fabíola Marques. Esse entendimento se fundamenta na emenda constitucional 45, de dezembro de 2004, que estabelece que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". A professora acrescenta que a tendência é que o STF, ao concluir o julgamento, module a decisão, ou seja, que estabeleça como a norma seria aplicada e a partir de quando. "Eles podem dizer que a medida vale, por exemplo, dos últimos 5 anos para cá, dos últimos dois anos para cá ou só daqui pra frente", ela exemplifica. Otavio Pinto e Silva, sócio da área Trabalhista da SiqueiraCastro e professor da USP, avalia que, seja qual for a decisão, pouca coisa mudaria na prática na forma como acontecem as rescisões de contrato de trabalho no país. Como a maioria das normas internacionais, a convenção 158 é bastante genérica, ele explica. Assim, cabe a cada país que a ratifica compatibilizá-la com as leis locais. No Brasil, a demissão sem justa causa se fundamenta no artigo 7º da Constituição, no inciso I, que diz que são direitos dos trabalhadores a "relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória". Essa lei complementar, diz o professor da USP, nunca foi redigida e votada pelo Congresso. Desde 1988, um dispositivo transitório da Constituição estabelece que, enquanto a lei complementar não fosse aprovada, o FGTS valeria como a indenização a que o artigo 7º faz referência. E é isso o que acontece até hoje: quem é demitido sem justa causa recebe a multa do fundo de garantia e pode sacar o dinheiro, além de outros direitos. "Na prática, nós sempre tivemos uma regra dizendo que o trabalhador tem sua relação de trabalho protegida contra dispensa. A proteção depende de lei complementar, que deveria prever a indenização compensatória. Mas a Constituição tem 34 anos e a lei complementar nunca veio", ele comenta. Segundo o professor, a ideia de revogar a convenção nos anos 1990 se deu porque ela gerou "certa confusão" na época, com algumas decisões do judiciário de reintegração de funcionários demitidos aos seus empregos. A medida, contudo, acabou gerando um problema jurídico maior. "O que está em discussão no Supremo há 25 anos é se o Fernando Henrique podia ou não ter denunciado a convenção 158 sem ouvir o Congresso", reitera. Com a convenção em vigor, na avaliação de Pinto e Silva, o empregador passaria a precisar fundamentar o motivo da demissão, seja ele qual for. Enquanto não houver lei que detalhe como essa fundamentação deve ocorrer, pode haver insegurança jurídica, ele acrescenta. "O juiz pode ser chamado a resolver um caso concreto e decidir de maneira desfavorável à empresa — mas não necessariamente vai ser essa a conduta dos juízes." De forma geral, diz Paulo Renato Fernandes da Silva, doutor em Direito, professor da FGV Direito Rio e advogado no Fernandes e Silva Advogados Associados, a convenção não poderia vedar a demissão sem justa causa justamente por conta do artigo 7º inciso I da Constituição. "A regra já está definida na Constituição. Você pode criar alguns critérios que protejam um pouco mais o emprego, mas isso dependeria da redação de uma legislação especifica", diz o advogado, que também é professor da Universidade de Coimbra. Ele ressalta ainda que não há regra de estabilidade no regime jurídico brasileiro, a não ser para alguns grupos em situações específicas. "Nossa Constituição estabelece que é direito unilateral do empregador romper o contrato de trabalho mediante indenização, salvo nos casos específicos em que há estabilidade", completa, referindo-se, por exemplo, às trabalhadoras gestantes, que não podem ser demitidas até 5 meses após o parto. Para ele, toda a discussão tem "gerado mais polêmica do que deveria". O assunto deve voltar à pauta do Supremo no primeiro semestre de 2023 por conta de uma mudança no regimento interno da corte nos últimos dias de 2022. Foi estabelecido prazo de 90 dias para a devolução de pedidos de vista feitos pelos ministros. Caso eles não o façam, o processo fica automaticamente liberado para que o julgamento seja retomado. Até então, havia um prazo regimental, de 30 dias, para devolução dos pedidos de vista. Mas, como ele não incorria em sanção caso descumprido, sempre foi comum que os ministros demorassem meses e até anos para se manifestar, atrasando a conclusão do julgamento. A expectativa é que a mudança seja oficialmente publicada neste mês — o que traria o julgamento sobre a convenção 158 da OIT para a pauta ainda neste primeiro semestre. O processo foi paralisado em outubro do ano passado justamente por um pedido de vista feito pelo ministro Gilmar Mendes. "Eu costumava falar para os meus alunos, quando ensinava sobre formas de rescisão de contrato de trabalho, que a gente provavelmente não viveria para ver a conclusão desse julgamento — mas parece que isso deve mudar", comenta Fabíola Marques. Fernandes da Silva elogia a mudança no regimento do STF, que deve reduzir o tempo de julgamento de uma série de processos. "Um ministro pede vista e não tem prazo para devolver o processo, é uma excrescência jurídica. Isso finalmente parece que acabou. Demorou muito para vir, mas finalmente veio. Tem que haver prazo para julgar os processos."
2023-01-06
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64192542
brasil
Vídeo, Quais são as chances de Lula anistiar Bolsonaro?Duration, 6,11
Ao deixar o mandato, dando lugar ao novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro perdeu o foro privilegiado e passará a responder a eventuais processos na Justiça comum. Ainda que Bolsonaro não seja atualmente réu em qualquer processo judicial e nem tenha sido condenado, as investigações que pairam sobre ele e a tensa rivalidade política no país levaram personalidades da vida pública a sugerir, desde a campanha eleitoral de 2022, que fossem levadas em consideração possibilidades de perdão para eventuais crimes cometidos durante o mandato em nome da "pacificação" do país. Neste vídeo, nossa repórter Laís Alegretti explica esse debate, as indicações de Lula sobre o tema e outras alternativas de anistia que não teriam de passar pelo presidente. E o que dizem especialistas sobre a possibilidade de uma anistia a Bolsonaro de fato acontecer? Assista e confira.
2023-01-05
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64179934
brasil
O que se sabe sobre a XBB.1.5, nova variante da ômicron
Uma nova subvariante da covid está gerando preocupação nos EUA, onde se espalha com rapidez. Alguns casos também foram registrados no Reino Unido. No Brasil, ainda não há relatos de casos da XBB.1.5. Em novembro, a Rede de Alerta das Variantes, coordenada pelo Instituto Butantan, detectou pela primeira vez no Brasil duas outras sublinhagens da ômicron: a XBB.1 e a CK.2.1.1. O que você precisa saber sobre XBB.1.5? Trata-se de mais uma ramificação da variante ômicron, que é a dominante hoje no mundo. Ela superou as variantes anteriores de coronavírus — Alfa, Beta, Gamma e Delta — desde que surgiu no final de 2021. A ômicron também deu origem a muitas outras subvariantes contagiosas. Fim do Matérias recomendadas Acredita-se que os sintomas de XBB.1.5 sejam semelhantes aos das cepas anteriores. A maioria das pessoas apresenta sintomas semelhantes aos do resfriado. A XBB.1.5 evoluiu da XBB, que começou a circular no Reino Unido em setembro de 2022. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A XBB tinha uma mutação que a ajudava a vencer as defesas imunológicas do corpo, mas essa mesma qualidade também reduzia sua capacidade de infectar células humanas. A professora Wendy Barclay, do Imperial College London, disse que a XBB.1.5 tem uma mutação conhecida como F486P, que restaura essa capacidade de se ligar às células, mas também tem a capacidade de evitar a defesa imunológica. Isso faz com que ela se espalhe com mais facilidade. Ela diz que o vírus evoluiu e encontrou novas maneiras de contornar os mecanismos de defesa do corpo. O Wellcome Sanger Institute em Cambridge, na Inglaterra, está sequenciando pelo menos 5.000 amostras de covid por semana, como parte de esforços para rastrear variantes. Ewan Harrison, do instituto, acredita que a XBB.1.5 provavelmente surgiu quando alguém foi infectado com dois tipos diferentes de ômicron. "Um pedaço do genoma de um vírus se une a outro pedaço de um segundo vírus, e eles se fundem, e isso passa a ser transmitido." A Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou que a XBB.1.5 tem uma "vantagem de crescimento" sobre outras subvariantes vistas até agora. Mas a OMS disse que não há indicação de que ela seja mais grave ou prejudicial do que as variantes anteriores. Mais de 40% dos casos de covid nos Estados Unidos são da XBB.1.5, segundo estimativas. Com isso, essa subvariante já é a dominante no país. No início de dezembro, ela representava apenas 4% dos casos, mas desde então ela ultrapassou rapidamente outras versões da ômicron. As internações hospitalares por covid aumentaram nas últimas semanas nos EUA, e o governo reiniciou seu programa de testes gratuitos. A subvariante pode se tornar dominante também no Reino Unido. Barclay disse que espera mais hospitalizações no Reino Unido em breve. A professora Barclay disse não estar preocupada com a população geral do Reino Unido porque não existe "nenhuma indicação" de que a XBB.1.5 possa vencer a proteção contra doenças graves fornecida pelas vacinas. Mas ela está preocupada com o efeito potencial nas pessoas mais vulneráveis. O professor David Heymann, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, afirma que ainda há muito a se aprender sobre essa última variante. Mas ele disse que é improvável que a subvariante cause grandes problemas em países com altos níveis de vacinação. Sua preocupação é com países como a China, onde havia baixa aceitação de vacinas e pouca imunidade natural por causa de lockdowns prolongados. "A China precisa compartilhar informações clínicas sobre pessoas infectadas para ver como a variante se comporta em uma população não imune", afirma o professor Heymann.
2023-01-05
https://www.bbc.com/portuguese/geral-64177246
brasil
Censo do IBGE: a polêmica sobre tamanho da população que pode tirar dinheiro de municípios
No apagar das luzes de 2022, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou uma nova projeção para a população brasileira: 207,8 milhões de habitantes. O dado — uma estimativa feita a partir do Censo ainda inacabado de 2022 —, chamou a atenção por ser mais de 7 milhões inferior à projeção populacional de 215 milhões de habitantes, feita pelo próprio IBGE, com base na última edição do Censo, de 2010. O número menor do que a projeção já era esperado, devido à pandemia, à migração de brasileiros para o exterior e à gradativa redução no número de nascimentos. O fato de a projeção estar 12 anos distante do último Censo e de não ter sido realizada uma contagem populacional prevista para 2015, também contribuem para a discrepância entre os números. Mas, após a publicação do dado, técnicos do IBGE afirmam que o número pode estar subestimado e revelam que sua divulgação foi controversa dentro do próprio instituto. "Fizeram uma conta de padaria com base no que já está feito no Censo, mas o método é bem duvidoso, teve bastante discordância sobre isso", relata um técnico do IBGE que conversou com a BBC News Brasil sob condição de anonimato. Fim do Matérias recomendadas "Isso é uma invenção, nenhum país no mundo faz o que eles fizeram", diz outro técnico. "Vejo com muita preocupação. Primeiro, porque foi uma metodologia que nunca foi aplicada em lugar nenhum do mundo. É aquilo que a gente chama de uma jabuticaba", afirma. "E pior: estão usando duas metodologias diferentes para tratar entes federados, que são os municípios, de mesmo porte populacional. Então vai ter município que o resultado dele é o Censo e município que o resultado é uma estimativa. Ninguém vai ficar satisfeito e isso vai gerar ações na Justiça", acrescenta este segundo técnico. "Então há um aspecto legal insustentável e um aspecto metodológico também muito frágil." Cimar Azeredo, presidente interino do IBGE, afirma que as críticas não procedem, que o instituto tem muita transparência em seus processos, seguindo à risca os princípios fundamentais das estatísticas oficiais. Ele afirma ainda que os dados foram discutidos com os técnicos, submetidos a uma comissão consultiva composta de 13 membros e que são a melhor informação possível, se comparada com os dados populacionais projetados a partir do Censo anterior, por apresentarem maior grau de acuidade. Poderia ser apenas uma discordância entre visões técnicas distintas, mas a contagem populacional tem consequências práticas. Isso porque municípios que perdem população passam a receber menos dinheiro do governo federal. Ao fim de todos os anos, por obrigação legal, o IBGE encaminha ao TCU (Tribunal de Contas da União) a relação da população de cada um dos municípios brasileiros. Os dados são usados para calcular as quotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para o ano seguinte. Pelas regras do fundo, Estados e Distrito Federal recebem 22,5% da arrecadação do IR (Imposto de Renda) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Esse valor então é distribuído aos municípios, de acordo com o número de habitantes. O repasse é estabelecido com base em faixas populacionais e as diferentes faixas têm direito a valores maiores quanto maior a população. Assim, se um município perde população e, com isso, muda de faixa, ele acaba perdendo recursos. Isso afeta particularmente os municípios menores, que têm populações pequenas demais para gerar arrecadação própria e têm no FPM sua principal fonte de receita. A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que 702 municípios perderão recursos com base na estimativa populacional da prévia do Censo, somando mais de R$ 3 bilhões. Os Estados com mais municípios impactados são Bahia (99), Minas Gerais (83) e São Paulo (72). Em anos em que não há Censo, o IBGE envia ao TCU, para o cálculo das quotas do fundo, a população dos municípios com base na projeção populacional. Em 2022, no entanto, com o Censo ainda incompleto, o instituto optou por uma imputação a partir dos dados parciais da pesquisa. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A CNM argumenta que os municípios estão protegidos por uma lei (Lei Complementar 165/2019) que, na interpretação da entidade, determinou o congelamento dos coeficientes do FPM para perdas até a finalização do Censo. O texto da lei, contudo, não fala explicitamente em "finalização", mas apenas "até que sejam atualizados com base em novo censo demográfico". O TCU considerou que o IBGE enviou informações com base no novo Censo e, por isso, recalculou as quotas do fundo, com perdas para os municípios que tiveram redução de população. Por discordar dessa interpretação, a CNM está recomendando que todos os municípios afetados recorram no TCU. Alguns deles já contestam a decisão do órgão na Justiça, tendo recebido liminares favoráveis, segundo a entidade representativa. "O governo não fez a recontagem populacional em 2015, não fez o Censo em 2020 e 2021. Foi fazer agora, de maneira muito claudicante. Isso soa para nós como uma irresponsabilidade total do governo, que não cumpre a lei", diz Paulo Ziulkoski, presidente da CNM. "Já temos liminares suspendendo isso daí [a decisão do TCU] e olha a confusão que vão armar no Brasil. A cada município que tiver uma liminar concedida, será necessário recalcular a quota dele e de todos os demais. Uma quota de um município mexe em toda a estrutura do Estado inteiro", alerta Ziulkoski. A BBC News Brasil pediu um posicionamento ao TCU quanto às críticas da CNM. O tribunal respondeu que "eventuais contestações que vierem a ser apresentadas pelos municípios ao Tribunal de Contas da União serão naturalmente avaliadas pela Corte, como ocorre em todos os anos, nos termos de sua Lei Orgânica e do seu regimento interno. Esses questionamentos serão analisados somente em relação ao cálculo e não às estatísticas utilizadas, que são da competência do IBGE e, por definição legal, o TCU não possui qualquer ingerência." Programado para acontecer em 2020, o Censo teve de ser adiado por conta da pandemia de covid-19. Em 2021, sofreu novo adiamento, por falta de orçamento — mais de 90% da verba prevista foi cortada na tramitação da lei orçamentária no Congresso. Após determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), o governo federal liberou R$ 2,3 bilhões para realização da pesquisa, 26% menos que os R$ 3,1 bilhões inicialmente previstos. Técnicos e ex-presidentes do IBGE alertaram à época que o valor seria insuficiente, mas a diretoria do instituto — então sob a presidência de Susana Cordeiro Guerra, indicada de Paulo Guedes para o cargo — tomou medidas como reduzir o questionário e seguiu com o Censo assim mesmo. A pesquisa em campo teve início em agosto de 2022, com previsão de ir até o fim de outubro. Com dificuldade para contratar recenseadores devido à baixa remuneração, o término da coleta foi adiado para o começo de dezembro, depois para o fim do ano, novamente para janeiro e, agora, o instituto já cogita esticar a pesquisa até fevereiro. Diante dos sucessivos adiamentos, o IBGE chegou ao fim de 2022 — quando tem a obrigação legal de encaminhar ao TCU a relação da população de todos os municípios brasileiros — sem os números finalizados do Censo. Com cerca de 84% da população recenseada até 25 de dezembro, o órgão de pesquisa optou por divulgar uma "prévia do Censo", estimativa feita a partir dos dados já coletados. Não são apenas os técnicos do IBGE que questionam os 207 milhões de habitantes divulgados pelo instituto na prévia do Censo. O demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE, também considera o número baixo e avalia que o resultado pode sinalizar problemas de cobertura do Censo. Para embasar sua opinião, Eustáquio cita os dados de nascimentos e óbitos do Ministério da Saúde. Entre agosto de 2010 e julho de 2022, período de referência entre os dois Censos, nasceram 34,4 milhões de crianças e morreram 16 milhões de pessoas, o que resulta em um crescimento vegetativo da população de 18,3 milhões, diz o demógrafo. Como a população em 2010 era de 190,8 milhões, conforme a edição do Censo daquele ano, seriam 209 milhões de pessoa em 2022, considerando apenas o crescimento vegetativo. O número da população poderia ser menor do que isso, caso houvesse uma migração significativa de brasileiros para o exterior, diz Eustáquio. Mas, embora muitos brasileiros tenham deixado o país no período, particularmente para Europa e Estados Unidos, também teve muita gente entrando, como os venezuelanos, cuja presença elevou a população de Roraima em 41% em 12 anos, por exemplo. Por esse mesmo cálculo, que considera fecundidade, mortalidade e migração, o demógrafo observa que a população de 2010 também pode ter sido subestimada e poderia ser mais próxima de 194 milhões. Assim, com o crescimento vegetativo de 18 milhões, a população em 2022 poderia ser mais próxima de 212 milhões. "Então, o que eu esperava para esse Censo é algo entre 209 milhões e 212 milhões de habitantes. Cheguei a escrever artigo dizendo que de jeito nenhum ia chegar em 215 milhões, principalmente depois da pandemia, que aumentou o número de óbitos e diminuiu o de nascimentos", afirma. "Mas 207 milhões é pouco." O segundo técnico ouvido pela BBC News Brasil sob anonimato faz cálculo semelhante. Usando dados de nascimentos e óbitos do registro civil, e dados migratórios da Polícia Federal de entradas e saídas no país, ele chega a 212 milhões de habitantes estimados para 2022. "Ou seja, 207 milhões está muito abaixo. Algo entre 211 milhões e 213 milhões me parece muito mais razoável", diz o técnico. Para o professor aposentado da Ence/IBGE, o problema da prévia do Censo é ainda mais grave em nível municipal. Ele cita o exemplo de Porto Alegre, que tinha 1,409 milhão de habitantes no Censo de 2010, 1,492 milhão em uma estimativa feita pelo IBGE em 2021 e, agora na prévia do Censo 2022, teve sua população estimada em 1,404 milhão, abaixo do Censo de 2010. Outro exemplo é São Gonçalo (RJ), que em 2010 tinha 999,8 mil habitantes, 1,1 milhão na estimativa de 2021 e 929 milhões na prévia do Censo. "Isso está na cara que está errado, porque o crescimento vegetativo de São Gonçalo foi de 35,7 mil pessoas no período, então a população já deveria estar acima de 1 milhão. Isso só não seria verdade se tivesse uma migração enorme de São Gonçalo para outros municípios, mas não conheço nenhuma evidência que mostre isso", observa Eustáquio. "Evidentemente tem problema de cobertura nesse negócio", opina o demógrafo. "Tínhamos duas opções: divulgar as estimativas de 2022 ou os dados do Censo. Estamos falando de uma estimativa que tinha como referência o Censo de 2010. Quando você se afasta muito desse Censo, a tendência vai perdendo qualidade", afirma Cimar Azeredo, presidente interino do IBGE, que assumiu o cargo após a exoneração de Eduardo Rios Neto, com a mudança de governo. "Além do que, o método prevê uma contagem no meio da década, que não aconteceu, o que enfraquece essa estimativa. Por isso foi tomada a decisão, já que estávamos com o Censo praticamente concluído, de imputar os dados, como fazemos em todo Censo [com a parcela da população que não pôde ser recenseada]. Utilizamos uma metodologia nova, recomendada por um estatístico da comissão consultiva, e que já vínhamos implementada há meses", diz Azeredo, em entrevista à BBC News Brasil. "O IBGE, por orientação metodológica, tem que escolher o melhor número para entregar ao TCU. O melhor número, sem dúvida, avaliado inclusive pela Comissão Consultiva do Censo, é o número da prévia do Censo." O presidente interino diz que o IBGE está muito tranquilo com os questionamentos dos municípios, porque isso acontece sempre que um município perde população. "O fato de se ter atrasado não prejudica em nada a qualidade desse Censo", diz Azeredo. "Vamos entregar o melhor Censo que esse país já teve." Diferentemente de José Eustáquio e dos técnicos do IBGE, o demógrafo Ricardo Ojima, ex-presidente da Abep (Associação Brasileira de Estudos Populacionais) e professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), não se surpreendeu com os 207 milhões de habitantes divulgados pelo IBGE em 28 de dezembro. "A grande questão é que o número de nascimentos e o número médio de filhos por mulher vêm caindo mais rápido do que os cenários que se colocam para o futuro", diz Ojima. "Isso contribui para que o ritmo de crescimento da população seja cada vez menor a cada ano." Ele defende a opção do IBGE por divulgar a prévia do Censo. "Não faria sentido não utilizar as coletas em municípios onde a cobertura já estava concluída ou muito avançada. A grande questão são as localidades onde falta muita gente [ser recenseada], mas a combinação da informação coletada com estimativa, eu penso que seja uma informação segura", avalia. Ojima, no entanto, discorda da avaliação do presidente do IBGE de que o atraso não prejudica em nada a qualidade do Censo. "Afeta com certeza, não necessariamente em termos de volume da população, que é um dado menos complexo, mas para a qualidade das informações das características da população", diz. Isso porque o Censo tem uma data de referência para as perguntas: 31 de julho de 2022 — por exemplo, o recenseador pergunta: "Quantas pessoas moravam nesse domicílio em 31 de julho de 2022?". Assim, quanto mais distante dessa data, pior a memória das pessoas e mais eventos que distorcem os dados acontecem, como mudanças de endereço e migrações. "Se você demora seis, sete, oito meses, a informação vai se perdendo. Isso é muito ruim, prejudica a qualidade das informações", avalia o professor da UFRN. Wasmália Bivar, economista e ex-presidente do IBGE (2011-2016), avalia que o imbróglio em torno da prévia do Censo e o atraso da pesquisa são uma espécie de "tragédia anunciada". "A equipe técnica do IBGE cansou de falar que para realizar o Censo, num país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e com uma projeção à época de 211 milhões de habitantes, era preciso um orçamento suficiente. Afinal de contas, a maior parcela do orçamento do Censo é para colocar o recenseador na porta do domicílio, treinado, equipado e com todos os sistemas testados e aprovados", diz Wasmália. "O que a direção fez? Cortar o questionário sem uma discussão com os técnicos, justificando o corte de orçamento da ordem de 30%. Foi muita inexperiência e uma tentativa de ignorar o que os técnicos estavam falando. Então certamente o orçamento insuficiente é o fator mais importante", avalia a ex-presidente do IBGE. Ela critica o argumento do IBGE de que a dificuldade de contratar recenseadores se deveria a um "mercado de trabalho muito aquecido", lembrando que o país tem quase 40% de trabalhadores na informalidade e 23 milhões de ocupados subutilizados. Além disso, lembra Wasmália, em 2010, com um mercado de trabalho muito mais favorável e em ano de eleição (evento que gera milhares de empregos temporários), esse problema não aconteceu. "O corte orçamentário tornou a remuneração dos recenseadores muito aquém do que mesmo um mercado de trabalho bastante precário estava oferecendo. Isso se combinou com falhas de pagamento, que gerou uma desconfiança, isso foi parar na redes sociais e muitos desistiram. Eles acabaram contratando um número insuficiente e pouco motivado de recenseadores." Segundo Cimar Azeredo, a previsão era de contratação de 180 mil recenseadores, mas o IBGE conseguiu chegar no máximo a 120 mil. Questionada se é possível de fato o IBGE "entregar o melhor Censo que esse país já teve", como promete o presidente do instituto, Wasmália se mostra descrente. "Impossível nessas condições, com o orçamento, o número de recenseadores, o prazo que teve. Com todas as falhas de sistema de pagamento, de gestão, da ausência de publicidade. É impossível. Mas tenho certeza de que a equipe que está lá, que veste a camisa, que se compromete com a instituição, vai tentar que esse não seja o pior Censo que o país já fez."
2023-01-05
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64170957
brasil
Fora do comum? Jovem conta por que passou por cirurgia para diminuir o clitóris
Ter um clitóris grande, fora do "comum", não é uma patologia, mas, sim, uma disfunção chamada atualmente de diferença do desenvolvimento sexual (DDS). A causa pode englobar desde problemas genéticos até distúrbios hormonais (por exemplo, como consequência do uso de anabolizantes). Recentemente, a Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC), do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará, vinculado à rede Ebserh, realizou duas cirurgias de clitoroplastia — um procedimento de correção do clitóris. Uma das pacientes operadas foi uma cearense de 22 anos. Em entrevista à BBC News Brasil, a jovem Maria* conta que fazia um tratamento hormonal no complexo hospitalar desde dezembro de 2021, mas sempre se queixava com a médica sobre o tamanho do seu clitóris, que aumentava ainda mais durante suas relações sexuais, algo que a deixava extremamente constrangida. "Quando comecei a ter relação, com 18 anos, eu percebi que o meu clitóris inchava fora do comum. E isso era uma coisa que me incomodava muito", diz. Ela perguntou à ginecologista em uma das consultas se havia a possibilidade de diminuir o órgão, pois sofria com essa situação havia anos. Fim do Matérias recomendadas De acordo com os médicos, Maria apresenta uma condição genética que acabou ocasionando uma hipertrofia, ou seja, um acrescimento anormal do clitóris. "No dia a dia, ele [o órgão] não me incomodava, eu me sentia normal, mas, no ato da relação sexual, eu olhava e ficava pensando que aquilo não era normal. Por isso eu queria diminuir de qualquer jeito", relata a jovem, acrescentando que o seu parceiro sexual nunca demonstrou incômodo com a situação, mas a aconselhava a buscar um tratamento já que ela própria se queixava constantemente. Como não havia cirurgião especialista no hospital, o procedimento demorou um pouco. Por fim, às vésperas do último Natal, o hospital no Ceará contou com a ajuda de um ginecologista especialista de São Paulo, que aceitou se deslocar para fazer a operação. "A cirurgia foi muito bem e a minha recuperação está sendo ótima. Agora eu me sinto uma mulher completa, porque, para mim, antes eu não era normal. Para muita gente, isso é só um probleminha, mas para quem vive assim é difícil", descreve. "Ter um clitóris aumentado é uma alteração do desenvolvimento comum, mas não é uma doença", afirma Marcelo Praxedes Monteiro Filho, ginecologista responsável pelas cirurgias e doutorando em urologia pela Universidade de São Paulo (USP). A paciente conclui que "vão ser dois meses de recuperação, mas hoje eu sou uma mulher realizada e não vou mais ser constrangida na relação sexual". É uma cirurgia para diminuir o tamanho do clitóris — mas não sua função. Afinal, o órgão conta com mais de 8.000 terminações nervosas responsáveis, especialmente, por gerar prazer no ato sexual. Esse órgão, semelhante a um "botãozinho", varia de tamanho de pessoa para pessoa, mas costuma ter bulbos com 10 centímetros de comprimento de cada lado da glande, dentro da vagina. Clitoromegalia é o nome técnico para o aumento do clitóris. Monteiro Filho, que tem sua linha de pesquisa baseada em cirurgia de afirmação de gênero, cita algumas causas para essa hipertrofia. São elas: Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O especialista explica que na síndrome dos ovários policísticos (SOP), por exemplo, há um aumento dos hormônios androgênicos (masculinos). "SOP é considerada a doença endócrina mais comum nas mulheres em idade reprodutiva. Sua prevalência é de 5% a 17% nessa faixa etária. E pode causar irregularidade menstrual, acne, excesso de pelos no corpo. E, em casos mais graves, aumento do clitóris", comenta Monteiro Filho. O clitóris tem tecidos (corpos cavernosos) que se enchem de sangue quando há excitação, o que faz com que ele aumente, naturalmente, de tamanho. Isso é comum em todas as mulheres, mas, no caso de quem tem clitoromegalia, ele aumenta ainda mais devido ao tecido erétil. Isso pode causar uma ereção maior do que a esperada, gerando desconforto durante as relações sexuais. Além disso, segundo os especialistas, muitas mulheres também não se sentem confortáveis ao usar biquínis ou roupas muito justas (como calça jeans) pelo tamanho do órgão, que pode chamar a atenção. "Na cirurgia, nós retiramos justamente esses tecidos que estão aumentados, que são os corpos cavernosos. Mas preservamos toda a parte sensitiva e vascular da paciente, que são as mais importantes", explica o médico ginecologista. Não há um tamanho padrão para o clitóris. Por isso, o ideal é buscar um especialista quando realmente houver um incômodo visual ou sexual. "A paciente não deve ficar medindo se o clitóris está aumentado ou não, porque, na verdade, isso é uma questão muito pessoal. E se estiver um pouquinho aumentado e ela estiver satisfeita, não tem problema", aconselha o pesquisador em cirurgia de afirmação de gênero. Contudo, há uma classificação na literatura médica chamada de Prader, que varia, numericamente, de 1 até o 4, usada para definir o grau de anomalia física da genitália. Essa avaliação, no entanto, só pode ser feita por um especialista. Apesar de causar grande desconforto em muitas mulheres, o clitóris aumentado ainda não é uma prioridade em hospitais públicos. Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil alegam que se trata de um procedimento delicado, que necessita de cirurgião especializado — por isso a dificuldade de acesso. De qualquer forma, a porta de entrada são os grandes hospitais públicos, como os universitários, que contam com profissionais capacitados. Após a avaliação inicial e realização de exames, os próprios médicos encaminham as pacientes para o hospital que realize o procedimento mais perto de sua residência. Para se ter ideia da dificuldade de acesso, essa é apenas a terceira vez que clitoroplastias são realizadas no Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará. E todas foram com finalidade de ensino médico. Zenilda Vieira Bruno, ginecologista, chefe da Divisão Médica da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Famed-UFC), destaca que a proposta da divisão é diminuir o clitóris de mulheres que têm problemas genéticos ou que sofreram de alguma patologia que causou o aumento do órgão. "Se a pessoa toma anabolizantes, ela sabe que vai correr o risco de ter reações e, entre elas, está o aumento do clitóris, o surgimento de espinhas e pelos no corpo. A nossa indicação é que a paciente pare de tomar e normalmente o sintoma regride depois", explica a professora da UFC. Ela afirma que as cirurgias não foram realizadas em pacientes transexuais, mas em mulheres com alterações no seu órgão genital. Os médicos que costumam operar o clitóris são os cirurgiões pediátricos, pois o ideal é corrigir anomalias ainda na infância. Ginecologistas e urologistas também se especializam nesse tipo de procedimentos. Por fim, vale ressaltar que ainda existe um tabu muito grande quando o assunto é sexo, mas é importante que mulheres tenham um conhecimento maior do próprio corpo para que busquem ajuda médica em caso de desconforto estético ou mesmo funcional. *Nome trocado para preservar a identidade da entrevistada
2023-01-04
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64144718
brasil
Rita de Cássia: o que é a fibrose pulmonar, quadro que levou compositora à morte
A compositora Rita de Cássia, de 50 anos, morreu horas depois após ser internada na última terça-feira (3/1) em um hospital particular de Fortaleza, no Ceará, onde tratava um quadro de fibrose pulmonar idiopática (ou seja, sem causa conhecida). Rita interpretou grandes sucessos do forró brasileiro e foi autora de mais de 500 composições. Após a notícia de sua morte, fãs, personalidades da música, como Xand Avião e Lucy Alves, além do governador do Ceará, Elmano Freitas (PT), prestaram homenagens nas redes sociais. De acordo com a assessoria da artista, Rita será velada e sepultada em sua cidade natal, Alto Santo, no interior cearense. Ainda não foi confirmado se as cerimônias serão abertas ao público. A fibrose pulmonar não é uma doença específica, mas sim a consequência de algum dano sofrido pelos pulmões. No caso de Rita de Cássia, não se sabe o que gerou esse quadro. Fim do Matérias recomendadas "No processo de tentar reparar os danos, que podem ter causas diversas, os pulmões produzem, como resposta, uma proliferação de colágeno [um tipo de proteína] em quantidade que não é natural para a estrutura do órgão", explica João Marcos Salge, pneumologista do Fleury Medicina e Saúde. Assim são criadas espécies de cicatrizes que deixam os pulmões mais duros. "A elasticidade é prejudicada, e as células pulmonares perdem a capacidade de captação do oxigênio e de difundir os gases, passando o ar pelo sangue. Os danos são irreversíveis", indica Mauro Gomes, chefe de pneumologia do Hospital Samaritano. Como consequência, a pessoa acometida pela fibrose pulmonar pode sentir, dependendo da extensão do quadro, falta de ar, tosse seca e fadiga. Doenças de naturezas bem diversas podem gerar fibrose. "Entre elas, estão as doenças autoimunes [lúpus e esclerodermia, por exemplo], pelas quais o organismo produz anticorpos que agridem o epitélio [mucosa que reveste o trato respiratório], gerando essa resposta enviesada do pulmão", diz Salge. Doenças infecciosas que afetam os pulmões, incluindo a covid-19 em sua forma mais grave, também são possibilidades para o surgimento das cicatrazes. Há também a possibilidade de o quadro ser causado por pneumonite por hipersensibilidade — ao mofo ou penas de aves, por exemplo — ou inalação de partículas tóxicas como o amianto. "Alguns remédios para arritmia, quimioterápicos e outros também têm como consequência esse dano aos pulmões." Há, por fim, um grupo grande de pacientes, do qual a compositora Rita de Cássia fazia parte, que têm fibrose pulmonar de causa desconhecida, "idiopática". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A condição não tem cura e apresenta evolução lenta. "O pulmão tem milhões de alvéolos que são comprometidos focalmente aos poucos." "Para os casos idiopáticos, mais recentemente foram desenvolvidas no mercado duas drogas, chamadas de antifibróticas, que podem ser usadas na redução da progressão da doença", afirma Gomes. "Sua função é aumentar a qualidade e o tempo de vida desses pacientes. Infelizmente não existe tratamento que faça a fibrose pulmonar regredir." Outra opção, quando a fibrose pulmonar já está em estágio extenso, é o transplante de pulmão. "Quando examinamos um paciente com fibrose, investigamos para saber se podemos tratar a causa. Em casos de covid-19 por exemplo, o uso de corticoides foi muito útil para estancar os danos. Já se o prejuízo for causado por doenças autoimunes, o acometimento será progressivo, porque o corpo continua a produzir os anticorpos que ferem o pulmão", explica o pneumologista do Fleury.
2023-01-04
https://www.bbc.com/portuguese/geral-64164711
brasil
O mistério do 'Falsificador Espanhol', desconhecido que adulterava obras e hoje é vendido em leilões de arte
Pela primeira vez, duas páginas de um antigo mistério do mundo da arte estão mais perto do público brasileiro: a Casa Museu Ema Klabin, em São Paulo (SP), passou a expor duas folhas de pergaminho creditadas ao "Falsificador Espanhol", uma pessoa que forjou pinturas medievais entre o final do século 19 e início do 20 — e até hoje não se sabe de quem se trata. Apesar do apelido, nem mesmo a nacionalidade dele é conhecida. Hoje, suas pinturas e seus manuscritos iluminados estão espalhados por museus e bibliotecas do mundo e são identificados por historiadores da arte e curadores como sendo do Falsificador Espanhol por alguns traços em comum — e incomuns na Idade Média, quando foram pintados os quadros que ele falsificava. Os decotes exagerados das mulheres, a mistura de vestimentas de diferentes locais e épocas e a aplicação do dourado ao final da pintura, e não no início, como no período medieval, são alguns desses traços. Em algumas peças, foram realizadas também análises dos pigmentos por meio de microscópio e exames de fluorescência por raio-X. Fim do Matérias recomendadas Foi provado também que os pigmentos usados não podiam ser da Idade Média, pois só passaram a serem fabricados a partir do século 18. Segundo o estudo, mais de 300 peças do Falsificador Espanhol já foram catalogadas pelo mundo. A Biblioteca Morgan, em Nova York, é a principal responsável pela catalogação. Foi uma antiga diretora da biblioteca, Belle da Costa Greene (1879-1950), quem primeiro denunciou a falsificação de uma peça que chegou a ela, atribuída a Jorge Inglés, pintor espanhol do século 15 — daí a denominação "Falsificador Espanhol". Era o quadro Noivado de Santa Úrsula. A partir daí, Greene continuou por anos investigando peças do falsificador e alertando colegas. Depois, William Voelkle, curador da Biblioteca Morgan por 50 anos, que se aposentou em 2019, assumiu o protagonismo na pesquisa e catalogação do trabalho do Falsificador Espanhol. Em 1978, ele organizou na biblioteca uma marcante exposição em Nova York com cerca de 75 peças atribuídas ao falsificador. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Não se sabe exatamente por quais caminhos, mas duas pinturas sobre pergaminho, intituladas Partida para Caça e A Chegada da Noiva, chegaram às mãos da empresária e colecionadora brasileira Ema Klabin (1907-1994). Pesquisando o acervo dela, o curador da Casa Museu Ema Klabin, Paulo de Freitas Costa, buscou a origem daquelas folhas quando estava nos Estados Unidos. Foi indicado que ele procurasse a Biblioteca Morgan, que atestou a autoria do Falsificador Espanhol após o curador enviar imagens das peças. "A gente sabe que esses pergaminhos foram comprados em 1975 de outro colecionador aqui de São Paulo. Temos um recibo, mas a assinatura é ilegível", diz Costa, quando perguntado pela reportagem sobre a identidade da pessoa que vendeu os pergaminhos a Ema Klabin. "É difícil a gente saber se a dona Ema sabia ou não que eram falsificações. Provavelmente, ela comprou achando que eram autênticas, mas ela deve ter sabido logo depois que não, porque teve a exposição em Nova York, que teve repercussão." De acordo com o curador, mestre em Artes pela Universidade de São Paulo (USP), as peças que estão na Casa Museu não passaram por exames como raio-x, mas por uma análise de seu estilo. Os pergaminhos passaram a ser exibidos ao público, pela primeira vez, na exposição ReviraVolta, que ficará em cartaz até 12 de fevereiro de 2023. As pinturas foram feitas sobre livros de canto litúrgico autênticos do século 15. Como em outras peças do falsificador, algumas folhas originais foram mantidas: no verso das folhas de pergaminho da Casa Museu Ema Klabin pintadas por ele estão partituras musicais. Até hoje são vendidas peças do Falsificador Espanhol. A tradicional casa de leilões Christie's vendeu, em dezembro de 2020, uma folha de pergaminho pintada por ele por 3.750 libras (cerca de R$ 24 mil), com título An Encounter between a Lord, Lady and a Knight. A peça mais cara do Falsificador Espanhol vendida pela Christie's foi um manuscrito iluminado inteiro com a obra De Vita Caesarum: Divus Lulius, biografia do imperador romano Júlio César escrita por Caio Suetónio Tranquilo em 121 d.C. O manuscrito pintado pelo falsificador foi leiloado em 2012 por 21.250 libras (R$ 135 mil). Segundo textos da Christie's anunciando as peças, há "evidências crescentes" de que o Falsificador Espanhol supervisionava um ateliê em Paris, pois restos de jornais parisienses foram encontrados em alguns quadros. Entretanto, Paulo de Freitas Costa diz que alguns pesquisadores têm apontado que a origem dele pode ter sido os Estados Unidos, "porque as primeiras páginas (de sua autoria) apareceram lá". Em uma entrevista antiga ao jornal Washington Post, de 1978, William Voelkle afirmou que o falsificador poderia ser até mesmo mais de uma pessoa trabalhando em conjunto. Costa explica que a identificação da autoria de obras de arte antigas não pode ser inteiramente precisa — e cita um exemplo recente, o quadro mais caro já vendido: o Salvator Mundi. Enquanto a pintura é atribuída por alguns especialistas e instituições a Leonardo da Vinci, esta autoria é até hoje debatida e incerta. O quadro foi vendido em 2017 por US$ 450 milhões. "Essa obra corresponde à época do Leonardo — a madeira, os pigmentos, mas ainda tem muita dúvida. Muitos acham que a obra foi feita por seguidores de Leonardo, e não pelo próprio. Outras acham que foi feita pelo estúdio do Leonardo, e que ele teria tido pouca participação", exemplifica. "São os especialistas em determinado período, em determinado artista, que resolvem esse tipo de coisa. Mas eventualmente no futuro surgem outras informações que podem alterar isso. Nunca é uma certeza 100%." Sobre o Falsificador Espanhol, uma coisa é certa: ele forjou peças medievais em um período em que elas estavam sob forte demanda na Europa. "Foi um movimento grande que teve, a partir de meados do século 19. Apesar de todo o desenvolvimento da arte, o que era considerado mais autêntico europeu era a arquitetura gótica, o período medieval. Isso foi muito valorizado na segunda metade do século 19 e comecinho do século 20. Foi justamente o momento em que ele produziu. Houve um interesse renovado das pessoas comprarem manuscritos, páginas iluminadas, coisas do período medieval", explica Costa. Em suas pesquisas, William Voelkle constatou que muitas das referências do falsificador em temas e no próprio desenho das imagens vieram de livros de Paul Lacroix (1806-1884) sobre a Idade Média e a Renascença, ricos em ilustrações. "Ele recriava esse material", explica Paulo de Freitas Costa. O curador da Casa Museu Ema Klabin avalia que a produção do Falsificador Espanhol levanta a questão sobre se falsificações como a dele têm valor como obra de arte. "Eticamente é errado, provavelmente ele faturou muito alto fazendo essas falsificações. Mas elas são criações originais, elas não são cópia de nada. Ele que criou aquela ilustração", afirma Costa. O curador considera que há valor nas obras e cita os argumentos do Museu Victoria & Albert para explicar a compra de itens do falsificador. Em entrevista ao jornal The Art Newspaper, o então curador do museu britânico, Mark Evans, afirmou que as peças eram importantes "pelo que elas nos contam sobre as percepções do século 19 sobre a arte medieval". As cinco folhas de pergaminho pintadas que hoje estão em Londres foram obtidas por meio do sistema "acceptance in lieu", através do qual objetos considerados de importância para o Reino Unido podem ser usados para cobrir impostos sobre heranças. As peças pertenciam à curadora Jean F. Preston (1928-2006) e, após a morte dela, foram direcionadas pelo governo britânico ao Museu Victoria & Albert.
2023-01-04
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brasil
Vídeo, Em 5 pontos, promessas de Lula para o eleitor ficar de olhoDuration, 6,11
Do valor do Bolsa Família à retomada de políticas de educação saúde; do combate a crimes ambientais ao fim do sigilo de cem anos, Luiz Inácio Lula da Silva começa seu terceiro mandato presidencial com várias promessas. Neste vídeo, nossa repórter Laís Alegretti detalha as principais promessas feitas pelo novo presidente e os desafios em cumpri-las.
2023-01-04
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64164369
brasil
Os profissionais brasileiros que sāo valorizados no exterior e talvez você não saiba
"'Oh, futebol, samba, carnaval!", é o comentário, quase sempre acompanhado de um sorriso, que muitos ouvem no exterior quando mencionam que são brasileiros. Mas, se por um lado essa é uma face bastante conhecida do Brasil fora de suas fronteiras, muita gente pode não saber que profissionais dessa nacionalidade também são disputados pelo mundo em outros ramos. A BBC Brasil reúne aqui algumas histórias que contrariam o "complexo de vira-lata" e mostram áreas em que profissionais brasileiros são valorizados pela excelência técnica e eficiência profissional — e em que características "típicas" como espontaneidade e paixão ajudaram bastante. Priscila Kolbe, que atua em Londres há 15 anos, costuma dizer que ninguém senta na cadeira do dentista porque quer, mas que seus pacientes definitivamente se sentem aliviados por estarem sendo tratados por uma dentista brasileira. "O dentista brasileiro não trabalha só com as mãos, ele trabalha com o coração. Nós como brasileiros, pelo menos eu que sou de Salvador, temos uma energia diferente. É um ser humano por trás de um profissional", afirma. Fim do Matérias recomendadas Para além do tratamento e da comunicação com o paciente, a odontologia brasileira é conhecida internacionalmente pela excelência técnica. O curso de odontologia da USP, por exemplo, foi considerado em 2022 o melhor do mundo na classificação internacional SCImago Institutions Rankings (SIR), ranking anual que é ligado ao Conselho Superior de Investigaçōes Científicas (CSIC), agência do Estado espanhol dedicada ao fomento da investigação científica e tecnológica. O Brasil também é exportador de novas técnicas de odontologia como o Digital Smile Design (DSD), conceito desenvolvido em 2007 pelo dentista e ceramista brasileiro Christian Coachman, que permite ao dentista projetar tratamentos e mostrar ao paciente uma prévia do resultado. Para Priscila os negócios vão bem e expansōes estão a caminho. "No Reino Unido essa é uma profissão bem reconhecida e, consequentemente, bem remunerada. Comecei como uma dentista individual que trabalhava muito, um dia abri minha primeira clínica, seguida pela segunda e pela terceira. Hoje nós somos um time de dentistas brasileiros atendendo em Londres" conta a profissional baiana, que também faz sucesso no Instagram com quase 30 mil seguidores. Em 2022, o Brasil foi novamente um dos destaques do Festival de Criatividade de Cannes, o principal prêmio da publicidade mundial. Foram 70 Leōes trazidos para casa e um deles conquistado pela equipe de Daniel Schiavon, da Ogilvy. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "É o terceiro país mais premiado do mundo no geral, não é pouca coisa. A gente está competindo com os Estados Unidos e Londres, que são os primeiros lugares, que tem verbas muito maiores, onde estão as matrizes das maiores marcas. E a gente aqui com muito menos eu acho que a gente consegue fazer bastante coisa", diz. O segredo, para Schiavon, está na "mistura" característica do país. "Toda essa miscigenação brasileira faz com que a gente consiga conversar com pessoas com bagagens culturais muito diferentes e isso faz com que a gente performe muito bem em festivais globais. A publicidade brasileira se beneficia do tamanho do país", afirma o publicitário. Para Schiavon, o jeito brasileiro de ser também contribui muito para o sucesso na publicidade. "A gente de fato se comunica muito bem, seja em qual língua for e consegue expressar nossas opiniões sem medo de se colocar e se posicionar. Essa forma latina de saber trazer alegria, emoção e todos esses sentimentos muito fortes ajudam a gente a construir bons projetos porque grandes ideias com uma história contada sem emoção não conseguem performar", diz. Com reputação de inovadora, a publicidade brasileira tem servido de exemplo no mundo todo. "Às vezes a gente acha que a inovação vai partir de um país de primeiro mundo, onde a tecnologia está mais presente. Mas nós aqui com a Lu do Magalu, que foi o case vencedor do Leão de Ouro em Cannes esse ano, somos um projeto que a Ogilvy China usa para vender Inteligência Artificial no país deles". Daniel acha que o motor por trás da inovação é a forma apaixonada de fazer as coisas e uma consequente curiosidade maior que a média. A (personagem digital) Lu do Magalu citada por ele é hoje a maior influenciadora digital virtual do mundo, na frente de nomes como Barbie e Minnie Mouse, mesmo falando português ao invés de inglês. "A Lu já era a Lu antes de se falar de metaverso, as pessoas nem sabiam ainda que existia o metaverso por que faltava um Mark Zuckerberg cunhar um termo", diz o publicitário. Pedro Alvim, Social Media Manager do Magalu, revela que o sucesso da Lu já gera receita ao invés de gastos: "o custo da tecnologia 3D é muito alto, não é uma tecnologia muito democrática. É legal falar que a Lu já paga as roupinhas dela, é mais caro que um Chanel", conta. Quem sente o cheiro do tucupi sendo aquecido em uma das ruas no bairro londrino de Bethnal Green pode até estranhar, mas é que ali funciona uma cozinha que é comandada pelo chef brasileiro Rafael Cagali. Sempre inclinado a usar ingredientes brasileiros em suas descobertas gastronômicas, o paulista tem feito sucesso com o restaurante Da Terra, criado há apenas 3 anos, mas já com duas estrelas Michelin. "Foi em janeiro de 2021 que a gente recebeu a segunda estrela. Foi uma sensação que me arrepia só de lembrar", conta o chef. O nome de Rafael está longe de ser o único de destaque fora do Brasil — onde Helena Rizzo já foi eleita a melhor chef mulher do mundo e Alex Atala chegou ao posto de sexto melhor restaurante global com o autoral D.O.M. Para Rafael, um dos segredos desse sucesso é "o modo do brasileiro ser, muito trabalhador e com muita vontade de fazer acontecer. Isso ajuda a se destacar mais", opina. A biodiversidade do país, que gera sabores únicos em biomas tão diferentes, também é vista por ele como um dos fatores que diferencia a comida de chefs brasileiros. "O pessoal gosta muito da pimenta cumari. Os clientes querem levar pra casa, querem saber onde compra. Eles ficam empolgados para experimentar mais coisas do Brasil", diz. Outra categoria em que brasileiros acumulam prêmios no exterior pode surpreender: é a de mecânicos. O paulista Fernando Henrique Cruz, por exemplo, foi eleito o melhor mecânico do mundo em 2019 no Global TechMasters Truck, uma competição global promovida pela Mercedes-Benz a cada dois anos. Para Marcos Giglioli, que tem, desde 2019, uma oficina mecânica de sucesso em Bournemouth, litoral da Inglaterra, um dos diferenciais no seu ramo é um velho conhecido da cultura brasileira. "O nosso famoso jeitinho brasileiro não é bom para muitas coisas, mas para o nosso ramo aqui, focado em correção e manutenção de veículos, se torna uma vantagem, porque às vezes conseguimos corrigir o problema sem ter que trocar todas as peças como é costume se fazer por aqui", conta. Rogério diz que trocar peças é mais fácil para o mecânico, mas que nem sempre é necessário e torna o serviço mais caro. "Às vezes a gente tem uma peça de suspensão que se eu trocar uma bucha do braço inferior da suspensão resolve o problema, mas aqui eles querem trocar o braço todo", explica, acrescentando que isso faz os clientes serem fiéis aos mecânicos brasileiros quando os conhecem. A habilidade do improviso é, inclusive, uma das razões pelas quais, na hora de contratar, Rogério prefere escolher profissionais da mesma nacionalidade: "Muitos profissionais não gostam de sair dessa caixinha do 'preciso fazer mais rápido para poder ganhar mais'. Para nós que trabalhamos de acordo com o que aprendemos lá no Brasil, vamos sempre optar por contratar o brasileiro porque já trabalhamos no mesmo padrão", diz. A mão de obra mecânica, segundo Rogério, é concorrida e difícil de encontrar no Reino Unido, onde a agenda de sua oficina não tem mais lugar para nenhum cliente pelas próximas semanas. Segundo um estudo do Institute of The Moto Industry, a economia do Reino Unido pode enfrentar um déficit de 2.6 milhões de trabalhadores desse setor até 2030. A escassez de profissionais aliada à eficiência do jeitinho brasileiro formam uma conjuntura positiva para mecânicos brasileiros no exterior. "Se eu for para o Japão sem falar uma vírgula de japonês eu consigo achar um bom trabalho e ganhar um valor que vai me garantir uma vida boa, é uma mão de obra sempre solicitada", conta.
2023-01-04
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O quadro com divindades africanas retirado no governo Bolsonaro e que voltará ao Planalto, segundo Janja
Um quadro da pintora brasileira Djanira da Motta e Silva (1914-1979), que retrata três divindades africanas, voltará a ser exibido no Salão Nobre do Palácio do Planalto, segundo a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. A pintura Orixás foi retirada da sede do Poder Executivo Federal durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022). A informação foi comunicada à imprensa durante a posse da ministra da Cultura, Margareth Menezes. De acordo com Janja, a pintura foi avariada. "Havia um furo feito de caneta na tela. Mas vai voltar ao local que pertence, o Palácio do Planalto. Vai estar numa exposição agora em janeiro, mas vai voltar. Aliás, faremos todo o trabalho de recomposição do acervo, vamos tratar isso com muito carinho", disse. O Salão Nobre, maior espaço do Palácio do Planalto, é usado para eventos de grande porte, como posses de ministros e recepções a chefes de Estado. Também chamado de Salão dos Espelhos por ter uma parede completamente espelhada. Quase não tem mobília em toda a sua extensão. Fim do Matérias recomendadas Era ali que ficava Orixás, uma obra dos anos 1960 que foi posta na reserva técnica do acervo (ou seja, no arquivo) e saiu da exposição pública nos anos Bolsonaro. A pintura vai em breve ser exibida na exposição Brasil Futuro: As Formas da Democracia, que entra em cartaz no Museu Nacional da República, em Brasília. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast As circunstâncias sobre por que Orixás foi retirado do Salão Nobre do Palácio do Planalto ainda não são totalmente conhecidas. Na época, a Secretaria-Geral da Presidência (SG) negou que o motivo da retirada tivesse sido religioso. No fim de 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo afirmou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que é evangélica, havia mandado retirar obras de arte e imagens com simbologia católica do Palácio da Alvorada, onde o casal iria morar. A previsão era que Orixás, por sua vez, "escondido" durante o governo militar de Ernesto Geisel (1974-1979), que era luterano, seria retirado e cedido ao Masp (Museu de Arte de São Paulo) para uma exposição, viajando pelo país posteriormente, o que não ocorreu. Na época, Bolsonaro desmentiu a informação de que mexeria nas obras do Alvorada, mas nada mencionou sobre Orixás. À Piauí, a secretaria da Presidência alegou que a retirada da obra foi um "procedimento usual que visa o descanso e o rodízio das peças de arte como medida de conservação preventiva, conforme as boas práticas da museologia". Em entrevista ao portal de notícias UOL em agosto de 2020, o arquiteto Rogério Carvalho descreveu como "absurda" a explicação sobre o rodízio e disse que um palácio de governo não é um "museu". Carvalho foi curador da Comissão de Curadoria para as obras de arte, a arte decorativa e o mobiliário do Palácio da Alvorada e do Palácio do Planalto em 2009, durante o segundo mandato de Lula e servidor por 13 anos no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no Distrito Federal. Foi dele e de sua equipe a decisão de exibir Orixás no Salão Nobre a partir de 2010, após ampla reforma do Palácio do Planalto, a mais completa desde sua inauguração, em 1960, entre 2009 e 2010, durante o segundo mandato do presidente Lula. Antes, a obra já estava exposta no local, mas no terceiro andar. À Piauí, Nelson Fernando Inocencio da Silva, professor de artes visuais da UnB (Universidade de Brasília), doutor em artes e membro do núcleo de estudos afrobrasileiros da universidade, considerou a retirada do quadro um exemplo de "intolerância e abuso de poder". "O espaço é público, não é privado. O Planalto tem um acervo que representa a sociedade brasileira. Você tirar uma obra daquela por não estar em conformidade com sua crença é violento, violento. Se a cultura é diversificada, o quadro está ali representando um pouco dessa diversidade", disse ele à revista, lembrando que o Planalto não é a moradia do presidente, e sim o seu local de trabalho. Medindo 3,61 metros de largura por 1,12 metro de altura, Orixás foi pintado por Djanira em 1966 e teria valor estimado atualmente entre R$ 1 milhão e R$ 4 milhões. O quadro retrata três orixás: Iansã (guerreira), Oxum (fartura, maternidade e beleza) e Nanã (sabedoria). Ao lado das divindades, há duas filhas de santo que ajudam nas cerimônias. No seu lugar, foi colocado outro trabalho de Djanira, Pescadores, que antes ficava no Gabinete Presidencial, porém se tratava de uma réplica de um quadro datado de 1958. Profundamente cristã, Djanira era tão religiosa que ingressou na ordem das carmelitas, a Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro, segundo contou à Piauí o escritor e jornalista Gesiel Júnior, que escreveu uma biografia sobre a pintora. Quando ela faleceu, foi sepultada vestindo um hábito — fato confirmado por reportagens da imprensa na época de sua morte, em 31 de maio de 1979. Esse aspecto religioso está presente desde seu primeiro desenho, um Cristo (1939). Figura importante do modernismo brasileiro, ela foi, além de pintora, desenhista, cartazista e gravadora. Nascida em Avaré, no interior de São Paulo, Djanira cresceu em Porto União, Santa Catarina, antes de mudar para São Paulo em 1932. Cinco anos depois, foi internada com tuberculose em sanatório de São José dos Campos e ali começou a desenhar. Em 1939, abriu uma pensão no bairro de Santa Teresa onde passou, então, a conviver com artistas modernos como Milton Dacosta (1915-1988), a portuguesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), o húngaro Arpad Szènes (1897-1985), Carlos Scliar (1920-2001) e o romeno Emeric Marcier (1916-1990). Segundo diz em seu site o Itaú Cultural, "na obra de Djanira coexistem a religiosidade e a diversidade de cenas e paisagens brasileiras. Sua trajetória permite compreender a condensação de elementos apresentada em seus desenhos, pinturas e gravuras". Segundo o último Censo brasileiro, de 2010, 0,3% da população se diz seguidora de religiões minoritárias de raiz africana, como a umbanda e o candomblé. A BBC News Brasil entrou em contato com a Secretaria-Geral da Presidência para saber quando exatamente Orixás voltará ao Salão Nobre, mas não recebeu resposta até a conclusão desta reportagem.
2023-01-03
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64157633
brasil
Funeral de Pelé: veja a despedida ao rei do futebol em 11 imagens
O velório de Pelé, que morreu na última quinta-feira (29), aos 82 anos, teve presença de mais de 230 mil pessoas. Familiares, amigos e personalidades compareceram ao Estádio da Vila Belmiro, onde aconteceu a despedida, para prestar suas homenagens. Após o velório, o caixão seguiu em uma procissão por Santos e foi levado ao cemitério vertical Memorial Necrópole Ecumênica para o sepultamento. A viúva de Pelé, Marcia Cibele Aoki, recebeu condolências do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e de sua esposa Janja da Silva. Também prestaram suas homenagens personalidades como o presidente da FIFA, Gianni Infantino. O filho e a filha mais velhos do ídolo, Kelly e Edinho, foram também foram fotografados recebendo abraços e condolências. Fim do Matérias recomendadas No entanto, a ausência de atuais jogadores da seleção e dos últimos campeões mundiais pelo Brasil (com exceção do tetracampeão Mauro Silva) foi notada por comentaristas. O cortejo teve momentos emocionantes, com uma multidão acompanhando o caixão, que foi levado em um carro de bombeiros. Fãs do ídolo se emocionaram e até um bombeiro não conseguiu segurar o choro. Os sinos de Igreja do Embaré tocaram quando a procissão passou em frente ao templo. O cortejo também passou em frente à casa da mãe do ídolo, Dona Celeste, onde estavam a irmã do ex-jogador, Maria Lúcia Nascimento, e outros amigos e familiares. Pelé foi casado três vezes e teve 8 filhos: Edinho, Jennifer e Kelly com sua primeira esposa, Rosemeri Cholbi; Joshua e Celeste com sua segunda esposa, Assíria Nascimento; e Flávia e Sandra, frutos de casos extraconjugais. Sandra morreu antes do pai em, 2006. Veja abaixo em imagens dez momentos da despedida ao ídolo:
2023-01-03
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64156630
brasil
O que se sabe sobre semaglutida, injeção para tratar obesidade aprovada pela Anvisa
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou na segunda-feira (2/1) o medicamento Wegovy (semaglutida 2,4mg) para tratar sobrepeso (em caso de comorbidades) e obesidade no país. O medicamento que suprime o apetite é o primeiro injetável aprovado no Brasil para esse fim e deve ser aplicado semanalmente sob supervisão médica. Ele já é comercializado em outros países, como os Estados Unidos, para a mesma finalidade. A semaglutida já foi aprovada pela Anvisa em 2018 para outra função: o tratamento de diabetes tipo 2, por meio do medicamento Ozempic. Ainda não há data para que o Wegovy chegue ao mercado brasileiro. Isso porque após a aprovação da Anvisa, é necessário aguardar a finalização de outros processos como a definição de preços pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. A aprovação anunciada na segunda é baseada nos resultados de um programa de ensaios clínicos que apontou redução média de 17% de gordura corporal entre pacientes que consumiram o medicamento durante pouco mais de um ano. Fim do Matérias recomendadas Segundo nota da agência, o remédio é indicado "na presença de pelo menos uma comorbidade relacionada ao peso, por exemplo, disglicemia (pré-diabetes ou diabetes mellitus tipo 2), hipertensão, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono ou doença cardiovascular". Mas especialistas frisam que o remédio deve ser aliado a medidas como uma alimentação saudável e atividades físicas, condições presentes nos estudos que demonstraram bons resultados para perda de peso por meio do remédio. Os médicos também lembram que prescrição e acompanhamento médicos para uso da semaglutida são estritamente necessários. O medicamento não é recomendado para grávidas ou pessoas que estejam amamentando. Ele deve ser descontinuado ao menos dois meses antes de uma gravidez planejada. O medicamento atua sequestrando os níveis de apetite do corpo e imitando um hormônio — chamado GLP1 — que é liberado após uma refeição farta. Ele sinaliza a sensação de saciedade ao cérebro. O aval da Anvisa foi baseado em resultados do programa de ensaios clínicos Semaglutide Treatment Effect in People with Obesity (O efeito do tratamento com semaglutida em pessoas com obesidade, em tradução literal), que acompanhou aproximadamente 4.500 adultos com excesso de peso ou obesidade. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Esse estudo revelou que pacientes que usaram Wegovy conseguiram uma perda de peso corporal média de 17% em 68 semanas (aproximadamente 1 ano e meio) contra 2,4% do grupo placebo (substância sem nenhum efeito no corpo). No entanto, os estudos usaram o medicamento como um coadjuvante porque a perda de peso também incluiu aumento de atividades físicas e alimentação adequada. Após a aprovação da Anvisa, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) divulgou uma nota na qual enfatiza que o tratamento medicamentoso deve ocorrer com acompanhamento que inclui alimentação saudável, prática de atividade física, controle emocional, consulta com endocrinologista e exames sempre que necessário. "É uma notícia importante para a especialidade e os endocrinologistas. O trabalho do especialista é fundamental neste momento para a condução adequada do tratamento que conta, agora, com mais uma ferramenta extra", comentou Paulo Miranda, presidente da SBEM na nota divulgada pela sociedade. A SBEM reforçou na nota, que o medicamento, assim como qualquer outro, só deve ser utilizado sob prescrição e que é fundamental haver acompanhamento médico.
2023-01-03
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64156141
brasil
Funeral de Pelé: como funciona o sepultamento em cemitério vertical
Após o velório no Estádio da Vila Belmiro, em que compareceram mais de 230 mil pessoas, o corpo de Pelé será sepultado no segundo andar do mausoléu do cemitério Memorial Necrópole Ecumênica, que fica a 1 km de distância do estádio localizado na cidade do litoral paulista. A área para o lendário ex-jogador brasileiro na necrópole existe desde 2003 — Pelé já pensava onde seria seu descanso final e comprou um memorial para seu enterro. O fundador do cemitério, o argentino José Salomon Altstut, o Pepe Altstut, era amigo do rei do futebol e morreu em 2021. Segundo o diretor do cemitério, Evans Edelstein, o memorial de Pelé é bem maior do que a média dos memoriais — foi construída praticamente toda uma ala voltada para o ex-jogador. A família ainda vai definir quando a área ficará aberta para visitação do público, diz Edelstein. O memorial de Santos foi o primeiro cemitério vertical da América Latina: existe desde 1983. Mas a ideia de enterro vertical ainda é novidade para muitas pessoas. Fim do Matérias recomendadas Inovações costumam ter uma introdução lenta no setor funerário, onde o público tende a aderir a formatos mais tradicionais. O cemitério vertical de Santos tem três tipos de sepultamentos possíveis. Os memoriais são áreas mais amplas, onde o corpo fica em um espaço selado, e parentes e pessoas próximas têm um espaço exclusivo para homenagens. Há também os lóculos, que são túmulos menores enfileirados lado a lado e verticalmente em uma parede, onde também é possível fazer visitação e deixar flores. Famílias que optem pela cremação têm a possibilidade de deixar a urna com as cinzas em um espaço chamado cinério. Tanto nos lóculos quanto nos memoriais, os corpos ficam em uma câmara lacrada, onde ocorre a decomposição. "Tem toda uma tecnologia por trás, mas é como se fosse em um cemitério normal. A câmara é lacrada, não tem cheiro, não tem bichinho", explica Edelstein. Os líquidos provenientes da decomposição são colhidos por tubos especiais e descartados adequadamente. No Brasil, uma resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) já determina que, mesmo em cemitérios tradicionais, o líquido da decomposição seja tratado para que não contamine o solo. Na prática, no entanto, nem sempre isso acontece, pois os cemitérios mais antigos não foram instalados com a tecnologia necessária. O prédio do cemitério vertical começou com dez andares e foi crescendo: hoje tem 17 mil lóculos. O grupo de funerárias também oferece um serviço de transformar o cabelo do ente querido em um diamante — através de um processo químico que altera a estrutura da cadeia de carbono. O processo é feito no exterior e todo filmado. Demora de três a quatro meses. Pepe Altstut, o fundador do cemitério, explicou em uma entrevista de 2016 que a primeira experiência com a técnica foi realizada com o cabelo do próprio Pelé.
2023-01-03
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64156629
brasil
Torcedores rivais vão a velório de Pelé: 'Transcende o futebol'
O funeral de Pelé criou uma cena impensável para o futebol brasileiro atual. Entre os presentes nesta segunda-feira (2/1) no velório do ex-jogador, no estádio da Vila Belmiro, havia muitas pessoas com camisas de clubes que são os maiores rivais do time anfitrião, o Santos. Torcedores com os uniformes do Corinthians, do Palmeiras e do São Paulo circulavam livremente pelas dependências do estádio no litoral paulista sem que qualquer incidente ocorresse. Pelo contrário, eles estavam ali justamente para exaltar o maior ídolo santista, a quem agradeceram até mesmo por derrotas impostas a seus clubes do coração. E foram bem recebidos pela torcida local. Fim do Matérias recomendadas "Pelé transcende o futebol e transcende as rivalidades", diz à BBC Flávio Pinheiro, um professor de São Paulo que foi ao velório de Pelé com uma camisa do Corinthians. "Criamos um ambiente de inimigos que têm de eliminar uns aos outros, mas acho que, num mundo plural e democrático, o grande adversário é reconhecido e honrado", afirma o professor, que visitava a Vila Belmiro pela primeira vez. "Honrar Pelé é um dever de todo mundo que gosta de futebol", completa. Pinheiro diz que cresceu ouvindo histórias de seu pai — também corintiano — sobre jogos entre o Corinthians e o Santos de Pelé, a maioria com vitórias santistas. Ele lembra que o time que mais sofreu gols de Pelé na história foi o Corinthians. "Meu pai sempre sofreu muito com o Pelé. Ele também contava do dia em que o Corinthians ganhou do Santos do Pelé e ficava emocionado. Um dia vou contar para meus filhos essas histórias também", afirma. Desde 2016, uma decisão da Federação Paulista de Futebol estabelece que torcedores com uniformes do Corinthians, São Paulo, Santos e Palmeiras não podem comparecer a estádios onde também haja torcedores dos outros três grandes rivais. É a chamada regra da torcida única. Ela determina que, quando dois desses quatro times se enfrentam, somente o time mandante pode levar seus torcedores ao campo. A iniciativa foi tomada após décadas de conflitos sangrentos entre as grandes torcidas paulistas. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "O Pelé é muito maior que um clube, ele é um ídolo do Brasil inteiro", diz à BBC o palmeirense Pietro, de 17 anos, que também visitava a Vila Belmiro pela primeira vez e vestia a camisa do clube alviverde. "Ele foi um cara revolucionário, coisas que ele fazia no passado hoje são recriadas por jogadores como Cristiano Ronaldo e Messi", afirma o palmeirense. A poucos metros dele, o são-paulino Renato Santos também era só elogios ao ídolo santista. "Independente se sou santista, corintiano, são paulino, o rei é maior", ele diz. "A gente tem que vir aqui reverenciar nosso Brasil e o maior expoente do futebol brasileiro", afirma. E como a torcida santista reagiu à presença de tantos torcedores de times rivais em seu estádio? "Acho muito incrível o fato de eles estarem vindo aqui", diz Maria Eduarda, uma santista de 12 anos. Ela se referia não só aos torcedores dos clubes paulistas rivais, mas a todos que vestiam camisas de outros times, como Flamengo, Fluminense e Atlético-MG. Maria Eduarda diz que, mesmo sem jamais visto Pelé jogar ao vivo, diz se sentir representada pelo ex-jogador. E, para ela, essa identificação ultrapassa as barreiras entre clubes. "Não estamos vindo aqui pelo Santos, estamos vindo aqui pelo Pelé", diz. "Pelé é um time que, por onde passa, vai juntando seus torcedores e criando seu próprio time, seu próprio estádio", completa.
2023-01-02
https://www.bbc.com/portuguese/geral-64148833
brasil
O que destino de Trump pós-derrota em 2020 pode indicar sobre futuro de Bolsonaro
Um presidente derrotado nas urnas após apenas um mandato. Uma forte base de apoiadores fiéis, parte dos quais não se conformaram com o resultado das eleições. Investigações e processos judiciais. A trajetória de Donald Trump nos últimos dois anos, desde que deixou a Casa Branca após sua tentativa fracassada de reeleição em 2020, e os rumos do trumpismo, o movimento político inspirado por ele, costumam ser comparados ao cenário no Brasil. No momento em que o presidente Jair Bolsonaro deixa o governo, após perder a eleição para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), muitos se perguntam se o bolsonarismo no Brasil pode ter destino semelhante ao trumpismo nos Estados Unidos. Para especialistas nos dois países, há várias semelhanças entre os dois movimentos, mas também diferenças importantes. "O trumpismo é um movimento com um partido, que controla um partido (o Republicano). O bolsonarismo é só um movimento, que não tem partido nenhum, por conta da estrutura partidária do Brasil", diz à BBC News Brasil o professor de relações internacionais Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, no Estado do Kentucky. Fim do Matérias recomendadas "Isso pode ser uma vantagem ou uma desvantagem, não há como saber. Pode ser que, justamente por não estar atrelado a nenhum partido, (o bolsonarismo) permaneça vivo por mais um tempo na sociedade brasileira", observa Poggio, que é especialista em relações entre Estados Unidos e Brasil. Nos Estados Unidos, Trump ainda mobiliza uma forte base de apoio, mas muitos acreditam que, quase dois anos depois de deixar a Casa Branca, sua influência vem diminuindo, e ele vem perdendo espaço para outros nomes no Partido Republicano. Isso ficou claro após as eleições de meio de mandato, realizadas em 8 de novembro. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Até meados de 2022, quando estavam sendo realizadas as primárias para decidir os candidatos republicanos nessas eleições, o poder de Trump parecia incontestável. Seu apoio foi decisivo em muitas das disputas entre republicanos pela indicação do partido para concorrer a cargos na Câmara, no Senado e nos governos estaduais. No entanto, depois de garantirem a nomeação para representar o Partido Republicano na disputa, vários desses candidatos apoiados por Trump acabaram perdendo para os adversários democratas. "O que mostra a fraqueza do trumpismo na sociedade americana como um todo, apesar de continuar forte dentro do Partido Republicano", afirma Poggio. Apesar dos baixos índices de aprovação do presidente democrata Joe Biden, além do padrão histórico segundo o qual o partido que está na Casa Branca costuma sofrer perdas nas eleições de meio de mandato, os republicanos não conseguiram conquistar o comando do Senado. Na Câmara, o partido obteve maioria, mas com margem menor do que a esperada. Entre os candidatos republicanos derrotados, estavam muitos dos que repetiam as alegações infundadas de Trump de que a eleição presidencial de 2020 foi roubada. "O principal golpe no trumpismo não foi a derrota de Trump (em 2020). A derrota de Trump manteve o trumpismo vivo, até pela narrativa que ele conseguiu estabelecer. A grande derrota do trumpismo veio este ano, com as eleições de meio de mandato", observa Poggio. "Acho que isso mudou completamente o clima político." Ao mesmo tempo em que vê a força de sua influência ser colocada em dúvida por alguns, Trump também segue sendo alvo de diversas investigações e processos judiciais relacionados ao período em que esteve no poder. Uma das principais investigações é sobre o papel do líder americano em incitar apoiadores a questionarem a legitimidade da vitória de Biden e tentar mudar o resultado da eleição. Tanto a derrota de Trump em 2020 quanto a de Bolsonaro em 2022 ocorreram em votações sem qualquer indício de irregularidade. No entanto, apoiadores dos dois presidentes, inconformados com os resultados, foram às ruas protestar. No Brasil, muitos bolsonaristas chegaram a obstruir estradas em várias partes do país e se concentrar em frente a instalações militares. Nos Estados Unidos, as manifestações culminaram em violência, com a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, quando o Congresso se reunia para contar os votos do Colégio Eleitoral e confirmar a vitória de Biden. No último dia 19 de dezembro, depois de meses de investigações, uma comissão especial da Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados), formada por sete democratas e dois republicanos, acusou Trump de uma série de crimes federais relacionados ao ataque, entre eles o de incitar uma insurreição e o de obstruir procedimentos do Congresso. De acordo com essa comissão, desde o dia da votação em 2020 Trump passou a disseminar "alegações falsas de fraude", que "provocaram seus apoiadores a cometer violência em 6 de janeiro (de 2021)". Segundo o relatório, após incitar seus apoiadores, Trump assistiu à invasão pela TV durante horas, sem tomar medidas para acalmar a situação. A comissão também concluiu que Trump pressionou autoridades eleitorais estaduais, "de maneira ilegal e sem qualquer evidência (de irregularidade)", para tentar reverter o resultado da eleição presidencial em seus Estados. Em uma decisão sem precedentes, mas de implicações mais políticas do que legais, a comissão encaminhou ao Departamento de Justiça documentos e evidências recomendando que Trump seja processado criminalmente. Mas o departamento, que já realiza sua própria investigação sobre o episódio, não é obrigado a aceitar a recomendação. Trump é alvo de várias outras investigações em andamento. Uma delas se refere à remoção de documentos do governo, muitos deles secretos, levados à residência de Trump na Flórida quando ele deixou a Casa Branca. Outra, na Geórgia, se concentra em supostos esforços para anular o resultado da eleição presidencial de 2020 naquele Estado. Há ainda investigações em Nova York relacionadas às operações da empresa da família de Trump. O ex-presidente descarta todas essas investigações como uma "caça às bruxas" movida por seus adversários políticos e motivada por interesses partidários. No Brasil, Bolsonaro também vem sendo foco de diversas investigações, entre elas sobre a divulgação de notícias falsas em relação à vacina contra a covid-19, sobre notícias falsas e ameaças contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre vazamento de dados sigilosos a respeito de ataque ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e sobre interferência na polícia federal. Ao deixar o governo, Bolsonaro perderá o foro privilegiado do qual desfruta como presidente, o que abriria a possibilidade de responder a processos na Justiça comum. "Nos Estados Unidos, nós vimos algum apoio judicial a investigações (envolvendo Trump), mas tem sido muito lento. Imagino que, no Brasil, isso seria ainda mais lento", diz à BBC News Brasil o cientista político Matthew Taylor, professor da American University, em Washington, e autor de vários livros sobre a política brasileira. "Devido à maneira como os tribunais operam no Brasil, enquanto é possível que haja investigações (levada adiante), essas seriam altamente políticas e politizadas, assim como ocorreu nos Estados Unidos", afirma. Taylor observa que o Judiciário brasileiro esteve "excepcionalmente ativo" nos últimos tempos, mas não acredita que isso se sustentará uma vez que Bolsonaro esteja fora do poder. "Acho que, no calor do momento eleitoral (no Brasil), havia a visão de que os tribunais eleitorais precisavam agir muito rapidamente", afirma, ao ressaltar que, passadas as eleições, sua expectativa é a de que o ritmo do Judiciário voltará ao que era antes. "Mesmo que sejam oferecidas denúncias, o que vai depender do Ministério Público, ainda haveria um longo período entre qualquer acusação e uma sentença", ressalta. "Sou um pouco cético em relação à possibilidade de que os tribunais sejam muito eficazes para conter o bolsonarismo no Brasil." Nos Estados Unidos, ainda não está claro o impacto que as investigações em curso poderão ter sobre o futuro político de Trump. Na metade de novembro, uma semana após as eleições de meio de mandato, Trump anunciou que vai buscar a nomeação de seu partido para ser o candidato republicano à Presidência no pleito de 2024. Enquanto alguns acreditam que as revelações a respeito do 6 de janeiro irão prejudicar suas chances, outros advertem que Trump mantém uma base de apoio robusta e não deve ser subestimado. Há inclusive quem aposte que o relatório da comissão especial da Câmara e a recomendação para que o ex-presidente seja processado poderão ter efeito contrário, ajudando a mobilizar seus eleitores. Enquanto analistas e estrategistas debatem as chances do ex-presidente de voltar ao poder, novos nomes, como o do governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, vêm despontando. Algumas pesquisas de intenção de voto nas primárias já mostram DeSantis à frente, o que pode ameaçar os planos de Trump de ser o candidato de seu partido à Presidência. "Se ele (Trump) tiver um desempenho muito ruim nas primárias, isso tudo afeta sem dúvida nenhuma Bolsonaro, cuja principal inspiração política é Donald Trump", afirma Poggio, do Berea College. Segundo Poggio, assim como o trumpismo nos Estados Unidos, o bolsonarismo no Brasil também deve permanecer vivo por algum tempo mas, eventualmente, pode perder força. "Certamente não vai sumir mas, em algum momento, isso pode enfraquecer. Como foi o caso agora de Trump. Demorou dois anos para começarmos a ver sinais de enfraquecimento do trumpismo", afirma. "Mas também não podemos descartar a possibilidade de Bolsonaro ser candidato de novo e inclusive vencer as eleições. Ou de Trump virar presidente de novo." Taylor, da American University, observa que pode haver uma continuação da extrema-direita, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, que não esteja mais centrada nas figuras de Trump e Bolsonaro. "Há (no Brasil) uma corrente de ativismo de extrema-direita que precede Bolsonaro e, acredito, irá continuar após Bolsonaro."
2023-01-02
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64094661
brasil
Como fica relação entre Brasil e EUA após posse de Lula
Depois de um período recente de esfriamento, há expectativa de que as relações entre Brasil e Estados Unidos ganhem novo fôlego sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu a Presidência em 1º de janeiro de 2023. Antes mesmo da posse de Lula, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, viajou ao Brasil e transmitiu um convite do presidente americano, Joe Biden, para que o brasileiro visite a Casa Branca. "Estou animado para conversar com o presidente Biden e aprofundar a relação entre nossos países", disse Lula após o encontro com Sullivan, no início de dezembro. Devido a compromissos internos, a visita a Washington ficou para depois da posse. "Esse foi um primeiro passo importante, e é mais do que simbólico. Mas o simbolismo também é relevante. Mostra a importância que os Estados Unidos dão ao Brasil", diz à BBC Brasil o ex-embaixador Melvyn Levitsky, que serviu em Brasília de 1994 a 1998 e atualmente é professor de política internacional na Universidade de Michigan. "O que não deveria ser de outra maneira, afinal são dois países enormes, com vários interesses mútuos, e alguns interesses conflitantes", ressalta Levitsky. Fim do Matérias recomendadas Para o ex-embaixador, o diálogo entre os dois países sofreu um pouco durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. "Alguns chamavam (Bolsonaro) de Trump da América Latina, mas não havia muita comunicação em termos de relações próximas (durante seu governo). E o Brasil, na minha opinião, em termos de política externa americana, caiu nessa escala particular", afirma Levitsky. "Então, há agora tanto um desejo quanto uma boa perspectiva de trabalharmos juntos de maneira mais cooperativa", ressalta. "Creio que a relação vai melhorar consideravelmente." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Levitsky lembra ainda que os Estados Unidos "já têm experiência com Lula", em referência aos dois mandatos anteriores do petista. Com o novo governo, a aposta de analistas é a de que a política externa brasileira voltará a ser mais pragmática e institucional. "Deve voltar ao princípio basilar de qualquer política externa, que é a relação entre países, não a relação entre pessoas", diz à BBC News Brasil o professor de relações internacionais Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, no Estado do Kentucky. "Bolsonaro partiu de um princípio muito equivocado, (de) que se fazia política externa com relação entre pessoas. Uma relação totalmente baseada em indivíduo, em relação pessoal, em quem eu gosto e quem eu não gosto, quem é de direita e quem é de esquerda", afirma. "O que não é a tradição da diplomacia brasileira nem nunca foi. Nem com PT, nem com PSDB, nem com ninguém. Nem com os governos militares foi assim", salienta Poggio, que é especialista em relações entre Brasil e Estados Unidos. Na análise de Poggio, a política externa do governo Bolsonaro pode ser dividida em duas fases. Com Ernesto Araújo, que foi ministro das Relações Exteriores de 2019 a 2021, o analista vê um "estrago (do qual) vai demorar algum tempo para o Brasil se recuperar". "Houve uma tentativa de destruição completa, que foi parcialmente bem sucedida, da diplomacia brasileira e da imagem do Brasil. Um ministro das Relações Exteriores que dizia orgulhar-se de transformar o Brasil em pária", afirma, referindo-se a declarações feitas por Araújo em 2020. "Isso não se reconstrói assim tão fácil", salienta Poggio. No entanto, o professor avalia que, após a saída de Araújo, a política externa brasileira voltou para o centro. "Retomou um pouco no caminho do regular, digamos assim." Nesse cenário, Poggio não crê em grandes mudanças nas relações bilaterais. "A minha perspectiva é a de que as relações entre Brasil e Estados Unidos tendem a não mudar muito, independentemente de quem está no governo", afirma. "É óbvio que há mudanças de retórica, mudanças talvez de postura. Mas, em termos de políticas substantivas, há pouca mudança", observa. "O Brasil não tem uma relação tão próxima com os Estados Unidos como tem o México. Nós somos aquilo que eu chamo de vizinhos distantes", ressalta Poggio. Segundo diplomatas e analistas nos dois países, o meio ambiente e a preservação da Amazônia deverão ser o ponto focal nas relações bilaterais com o governo Lula. "Mudança climática vai ser uma área de cooperação muito importante para nós", diz à BBC News Brasil o porta-voz do Departamento de Estado Christopher Johnson. "(Isso já ficou) evidente com o encontro entre o enviado especial (para o Clima) John Kerry e o presidente eleito Lula (em novembro, no Egito, durante a COP27, a conferência das Nações Unidas sobre clima)", observa Johnson. O desmatamento da Amazônia sofreu aceleração nos últimos anos. Quando ainda era candidato à Presidência, em 2020, Biden chegou a mencionar o Brasil durante um dos debates e sugerir a criação de um fundo internacional de US$ 20 bilhões para ajudar o país a não desmatar a Amazônia. "É raro em debates presidenciais americanos o Brasil ser mencionado", ressalta Poggio. "Abre-se para o Brasil uma série de oportunidades na questão ambiental que o governo Bolsonaro não soube aproveitar. Talvez o governo Lula saiba lidar melhor com essa questão." Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, segurança alimentar e paz internacional também são questões importantes para os Estados Unidos e a relação com o Brasil. Uma solução para a crise na Venezuela é outro tema no qual pode haver cooperação. "A democracia é muito importante para os Estados Unidos", afirma Johnson. "(Se) o Brasil pode nos apoiar em avançar esse objetivo de eleições livres, justas e transparentes, seria muito bem-vindo de nossa parte." Muitos analistas observam que há em Washington a expectativa de que o Brasil possa agir como facilitador em uma reaproximação com a Venezuela, um dos maiores países produtores de petróleo que ganha importância diante da crise energética gerada pela Guerra da Ucrânia. Observadores lembram ainda que os Estados Unidos não contam no momento com um aliado forte na América Latina. Mas Poggio, do Berea College, ressalta que a atuação do Brasil no cenário internacional também vai depender da situação doméstica. "(No primeiro mandato) Lula teve espaço para atuar internacionalmente porque foi um momento em que, do ponto de vista doméstico, as coisas estavam mais ou menos equacionadas, não havia grandes problemas de popularidade, a economia ia bem", lembra "A própria Dilma (Rousseff) já não foi alguém que teve uma atuação internacional relevante. Então tem algo aí que foge um pouco do controle e da vontade pessoal do Lula. (É preciso) saber como vai estar o Brasil do ponto de vista doméstico, para (saber) quanto tempo que ele vai poder dedicar a essas questões externas."
2023-01-02
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64145490
brasil
Quanto Bolsonaro vai ganhar agora que deixou Presidência?
Pela primeira vez sem um cargo público em 34 anos, Jair Bolsonaro (PL) vai deixar de receber salário como presidente — mas não ficará desemparado financeiramente. Agora que terminou seu mandato, após a posse Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro de 2023, ele acumulará duas aposentadorias — a de capitão reformado do Exército, que já recebe, e a de deputado federal, pelo período que ocupou o cargo, de 1991 a 2018. Bolsonaro foi vereador de 1989 a 1991. Juntos, os dois benefícios somam cerca de R$ 42 mil brutos (cerca de R$ 12 mil do Exército e cerca de R$ 30 mil da Câmara dos Deputados). Além disso, terá direito como ex-presidente a outros benefícios vitalícios, conforme prevê uma lei de 1986: quatro servidores para segurança e apoio pessoal; dois veículos oficiais, com os respectivos motoristas; e assessoramento de dois servidores ocupantes de cargos em comissão (ler mais abaixo). Gastos com diárias de hotel, passagens de avião, combustível e seguros também estão previstos. Todas as despesas são pagas pela Presidência da República e constam no Orçamento Federal. Não há aposentadoria para ex-presidentes. Fim do Matérias recomendadas Bolsonaro também deve receber um salário de seu partido, o PL, do qual será presidente de honra. Segundo integrantes do PL, a intenção do presidente do partido, Valdemar Costa Neto, é pagar a Bolsonaro um salário equivalente ao teto constitucional do setor público — que hoje está em R$ 39,2 mil e que deve subir para R$ 41,7 mil em 2023, chegando a R$ 46,4 mil em 2025 (valores brutos). Nesta semana, o Senado aprovou um projeto de lei, avalizado horas antes pela Câmara dos Deputados, que reajusta os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal, com efeito cascata sobre o funcionalismo público. Bolsonaro, que viajou aos Estados Unidos na sexta-feira (30/12), deve continuar morando em Brasília. O PL vai custear o aluguel da casa onde o ex-presidente vai morar na capital federal, bem como do escritório de onde ele despachará e que também servirá a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e ao seu candidato a vice na última eleição, Braga Netto. Sendo assim, considerando apenas as aposentadorias e o salário pago pelo PL, Bolsonaro poderá ter uma renda pessoal de mais de R$ 80 mil mensais. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Deputado federal entre 1991 a 2018, também terá direito, por lei, a uma aposentadoria pelo tempo de serviço como parlamentar. A aposentadoria concedida a Bolsonaro corresponde a 32,5% do subsídio parlamentar mais 20/35 (57%) do salário fixo dos membros do Congresso, segundo despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), assinado em 30 de novembro. A remuneração bruta atual de senadores e deputados federais é de R$ 33.763, ou seja, a aposentadoria de Bolsonaro será de cerca de 90% desse valor, totalizando R$ 30.265 por mês. A aposentadoria a ex-presidentes, como previa a Constituição de 1967, promulgada durante o regime militar, foi extinta pela Constituição de 1988. Bolsonaro já escolheu seus assessores. A lista dos nomes foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia 27 de dezembro passado. São eles: o advogado e assessor-chefe da Presidência, João Henrique Nascimento de Freitas; o capitão da reserva e assessor especial da Presidência Sérgio Rocha Cordeiro e o primeiro sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro Max Guilherme Machado de Moura, que já integrou a equipe de segurança de Bolsonaro; os segundos tenentes do Exército Osmar Crivelatti e Jossandro da Silva; o segundo sargento do Exército Estácio Leite da Silva Filho; o suboficial da Marinha Ricardo Dias dos Santos e o coronel Marcelo Costa Câmara, apontado como chefe do "serviço paralelo" de inteligência de Bolsonaro. No ano passado, segundo o Portal da Transparência, a Presidência gastou R$ 5,8 milhões com os benefícios dos ex-presidentes. Lula teve o maior gasto: R$ 1,1 milhão, seguida por Dilma Rousseff, com R$ 1,08 milhão, valor próximo de Fernando Collor (R$ 1,06 milhão). Michel Temer (R$ 910 mil), José Sarney (R$ 824 mil) e Fernando Henrique (R$ 762 mil) completam a lista. Tais benefícios são destinados exclusivamente a ex-presidentes e não são estendidos às suas famílias. Portanto, em caso de morte, as benesses deixam de ser pagas. Há projetos de lei, como o do atual senador Lasier Martins (Podemos-RS), que não se elegeu deputado federal para a próxima legislatura, que visa restringir tais benefícios. Também impede que os benefícios sejam concedidos ao ex-mandatário que tenha sido "condenado por improbidade administrativa, em decisão transitada em julgado", "perdido o cargo por condenação decorrente da prática de crime comum ou de responsabilidade", "sido condenado por infração penal cuja prática implique inelegibilidade ou pena privativa de liberdade, a partir do início do cumprimento da pena" ou "esteja no exercício de mandato eletivo federal". A ex-presidente Dilma Rousseff, por exemplo, tem, por lei, direito aos benefícios concedidos a ex-presidentes, apesar de ter sofrido impeachment, em 2016. Em 31 de agosto daquele ano, o plenário do Senado condenou Rousseff à perda de seu cargo por 61 votos a 20, sob a acusação de ter cometido crime de responsabilidade fiscal. Apesar das críticas, o Brasil não é o único país do mundo que concede o que muitos chamam de "regalias" a ex-presidentes. Nos Estados Unidos, ex-presidentes ganham aposentadoria (US$ 220 mil ou cerca de R$ 1,2 milhão por ano), tem as despesas com viagens pagas, escritório próprio e serviço de correio personalizado. Também recebem proteção feita pelo Serviço Secreto e relatórios da agência de inteligência do país, a CIA. Já na França, além da aposentadoria, ex-presidentes têm apartamento mobiliado com dois empregados (frequentemente utilizado como escritório), dois policiais para proteção pessoal, carro oficial com dois motoristas e sete assessores. Em 2019, em meio a protestos contra a reforma da Previdência, o atual presidente francês, Emmanuel Macron, decidiu renunciar à pensão vitalícia (cerca de 6,3 mil euros brutos por mês ou R$ 35 mil) a que terá direito no fim do seu mandato. Ele foi o primeiro mandatário do país a rejeitar o benefício.
2023-01-02
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64066340
brasil
Como fica relação entre Brasil e EUA após posse de Lula
Depois de um período recente de esfriamento, há expectativa de que as relações entre Brasil e Estados Unidos ganhem novo fôlego sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu a Presidência em 1º de janeiro de 2023. Antes mesmo da posse de Lula, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, viajou ao Brasil e transmitiu um convite do presidente americano, Joe Biden, para que o brasileiro visite a Casa Branca. "Estou animado para conversar com o presidente Biden e aprofundar a relação entre nossos países", disse Lula após o encontro com Sullivan, no início de dezembro. Devido a compromissos internos, a visita a Washington ficou para depois da posse. "Esse foi um primeiro passo importante, e é mais do que simbólico. Mas o simbolismo também é relevante. Mostra a importância que os Estados Unidos dão ao Brasil", diz à BBC Brasil o ex-embaixador Melvyn Levitsky, que serviu em Brasília de 1994 a 1998 e atualmente é professor de política internacional na Universidade de Michigan. "O que não deveria ser de outra maneira, afinal são dois países enormes, com vários interesses mútuos, e alguns interesses conflitantes", ressalta Levitsky. Fim do Matérias recomendadas Para o ex-embaixador, o diálogo entre os dois países sofreu um pouco durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. "Alguns chamavam (Bolsonaro) de Trump da América Latina, mas não havia muita comunicação em termos de relações próximas (durante seu governo). E o Brasil, na minha opinião, em termos de política externa americana, caiu nessa escala particular", afirma Levitsky. "Então, há agora tanto um desejo quanto uma boa perspectiva de trabalharmos juntos de maneira mais cooperativa", ressalta. "Creio que a relação vai melhorar consideravelmente." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Levitsky lembra ainda que os Estados Unidos "já têm experiência com Lula", em referência aos dois mandatos anteriores do petista. Com o novo governo, a aposta de analistas é a de que a política externa brasileira voltará a ser mais pragmática e institucional. "Deve voltar ao princípio basilar de qualquer política externa, que é a relação entre países, não a relação entre pessoas", diz à BBC News Brasil o professor de relações internacionais Carlos Gustavo Poggio, do Berea College, no Estado do Kentucky. "Bolsonaro partiu de um princípio muito equivocado, (de) que se fazia política externa com relação entre pessoas. Uma relação totalmente baseada em indivíduo, em relação pessoal, em quem eu gosto e quem eu não gosto, quem é de direita e quem é de esquerda", afirma. "O que não é a tradição da diplomacia brasileira nem nunca foi. Nem com PT, nem com PSDB, nem com ninguém. Nem com os governos militares foi assim", salienta Poggio, que é especialista em relações entre Brasil e Estados Unidos. Na análise de Poggio, a política externa do governo Bolsonaro pode ser dividida em duas fases. Com Ernesto Araújo, que foi ministro das Relações Exteriores de 2019 a 2021, o analista vê um "estrago (do qual) vai demorar algum tempo para o Brasil se recuperar". "Houve uma tentativa de destruição completa, que foi parcialmente bem sucedida, da diplomacia brasileira e da imagem do Brasil. Um ministro das Relações Exteriores que dizia orgulhar-se de transformar o Brasil em pária", afirma, referindo-se a declarações feitas por Araújo em 2020. "Isso não se reconstrói assim tão fácil", salienta Poggio. No entanto, o professor avalia que, após a saída de Araújo, a política externa brasileira voltou para o centro. "Retomou um pouco no caminho do regular, digamos assim." Nesse cenário, Poggio não crê em grandes mudanças nas relações bilaterais. "A minha perspectiva é a de que as relações entre Brasil e Estados Unidos tendem a não mudar muito, independentemente de quem está no governo", afirma. "É óbvio que há mudanças de retórica, mudanças talvez de postura. Mas, em termos de políticas substantivas, há pouca mudança", observa. "O Brasil não tem uma relação tão próxima com os Estados Unidos como tem o México. Nós somos aquilo que eu chamo de vizinhos distantes", ressalta Poggio. Segundo diplomatas e analistas nos dois países, o meio ambiente e a preservação da Amazônia deverão ser o ponto focal nas relações bilaterais com o governo Lula. "Mudança climática vai ser uma área de cooperação muito importante para nós", diz à BBC News Brasil o porta-voz do Departamento de Estado Christopher Johnson. "(Isso já ficou) evidente com o encontro entre o enviado especial (para o Clima) John Kerry e o presidente eleito Lula (em novembro, no Egito, durante a COP27, a conferência das Nações Unidas sobre clima)", observa Johnson. O desmatamento da Amazônia sofreu aceleração nos últimos anos. Quando ainda era candidato à Presidência, em 2020, Biden chegou a mencionar o Brasil durante um dos debates e sugerir a criação de um fundo internacional de US$ 20 bilhões para ajudar o país a não desmatar a Amazônia. "É raro em debates presidenciais americanos o Brasil ser mencionado", ressalta Poggio. "Abre-se para o Brasil uma série de oportunidades na questão ambiental que o governo Bolsonaro não soube aproveitar. Talvez o governo Lula saiba lidar melhor com essa questão." Segundo o porta-voz do Departamento de Estado, segurança alimentar e paz internacional também são questões importantes para os Estados Unidos e a relação com o Brasil. Uma solução para a crise na Venezuela é outro tema no qual pode haver cooperação. "A democracia é muito importante para os Estados Unidos", afirma Johnson. "(Se) o Brasil pode nos apoiar em avançar esse objetivo de eleições livres, justas e transparentes, seria muito bem-vindo de nossa parte." Muitos analistas observam que há em Washington a expectativa de que o Brasil possa agir como facilitador em uma reaproximação com a Venezuela, um dos maiores países produtores de petróleo que ganha importância diante da crise energética gerada pela Guerra da Ucrânia. Observadores lembram ainda que os Estados Unidos não contam no momento com um aliado forte na América Latina. Mas Poggio, do Berea College, ressalta que a atuação do Brasil no cenário internacional também vai depender da situação doméstica. "(No primeiro mandato) Lula teve espaço para atuar internacionalmente porque foi um momento em que, do ponto de vista doméstico, as coisas estavam mais ou menos equacionadas, não havia grandes problemas de popularidade, a economia ia bem", lembra "A própria Dilma (Rousseff) já não foi alguém que teve uma atuação internacional relevante. Então tem algo aí que foge um pouco do controle e da vontade pessoal do Lula. (É preciso) saber como vai estar o Brasil do ponto de vista doméstico, para (saber) quanto tempo que ele vai poder dedicar a essas questões externas."
2023-01-02
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64094677
brasil
Vídeo, 4 desafios de Lula no início do novo governoDuration, 12,42
Eleito por uma margem apertada, Luiz Inácio Lula da Silva assume o governo com desafios significativos: cumprir a promessa de mais gastos sociais sem desequilibrar as contas públicas; construir uma base na Câmara e no Senado considerando o fim do uso das emendas de relator (que ficaram conhecidas como Orçamento Secreto); governar uma sociedade polarizada; e reduzir a influência das Forças Armadas na política. Neste vídeo, nossa repórter Nathalia Passarinho destrincha esses desafios e mostra como eles podem ditar o rumo do novo governo. Confira.
2023-01-02
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64144752
brasil
Bolsonaristas 'atacam' redes sociais do Exército durante posse de Lula
Na página do órgão no Twitter, militantes se mostraram decepcionados com a atuação do Exército e criticaram uma publicação sobre o Toque de Alvorada, música que indica o início de um novo trabalho nos quartéis. A publicação, postada durante a posse de Lula, contém uma imagem de um soldado junto às hashtags #braçoforte e #mãoamiga. Vários bolsonaristas chamaram os militares de "covardes" e publicaram imagens com militares pintando meio-fio de calçadas, uma crítica às funções do Exército. Outra imagem recorrente era uma associação do Exército com uma melancia (verde por fora, e vermelha por dentro, em analogia às cores do PT e do comunismo). "Sim. Toquem a alvorada. Toquem músicas, pintem meio-fio, base de árvores, brinquem de faroeste, de guerrinha de travesseiros enquanto o povo que os Senhores deveriam proteger e aos quais se submeter, implorou inutilmente nas portas de seus quartéis", respondeu um dos apoiadores. Fim do Matérias recomendadas "Hj o povo que precisou de vcs, mas chegará um dia que vcs vão precisar do povo, espero que lembrem disso!", escreveu outro apoiador. "Sem palavras pra esses generais. Mas tudo vai retornar para vcs. Não se preocupem. Dinheiro um dia acaba, mas o caráter esse prevalece, e de vcs parece que faltou o caráter e muito. Abandonou o povo que tanto precisou de vcs. Eu queria estar enganada, mas diante dos fatos…", disse outra. "Vocês estão curtindo com a cara da população? Grava um toque novo aí, TOQUE DA FROUXADA combina mais com o momento", escreveu uma pessoa, aparentemente apoiadora de Bolsonaro. No Instagram, boa parte dos comentários era de pessoas dizendo que deixariam de seguir a página. O argumento é de que as Forças Armadas como um todo decepcionaram seus seguidores que esperavam por um golpe. Na publicação mais recente, que mostra tropas que fazem o patrulhamento de fronteiras na região da Amazônia, dezenas de comentários apontam uma "traição". "Caxias está decepcionado com os generais de seu valoroso exército. Um bando de burocratas com medo de perder suas regalias", disse um dos usuários na publicação. Outro comentário chega a xingar os oficiais do Exército de "palhaços", enquanto outro diz que a tropa se rendeu "a um bandido" e que aceitou a posse de "um ladrão". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "Nem pra pintar meio e fio e cortar grama de facão prestam! Acabou a admiração vcs são peso de impostos pra nós", disse um seguidor descontente com a postura do Exército. Por outro lado, algumas pessoas elogiaram a instituição por sua conduta "em apoio à democracia". Uma delas escreveu: "Como contribuinte parabenizo o Exército Brasileiro por estar se colocando no seu devido lugar, de defensor do Estado Democrático de Direito, de fazer valer a vontade da maioria da população brasileira que se mobilizou nos dois turnos das eleições para nos livrar do mal", escreveu uma mulher, em resposta à publicação. No sábado (31/12), o ex-vice-presidente Hamilton Mourão — então atuando como presidente em exercício — realizou um pronunciamento em rede nacional, em que mencionou as críticas que vêm sofrendo as Forças Armadas. A fala foi interpretarada como uma crítica velada a Bolsonaro. "Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país deixaram que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criasse um clima de caos e de desagregação social. E de forma irresponsável deixasse que as Forças Armadas de todos os brasileiros pagassem a conta. Para alguns, por inação, e para outros por fomentar um pretenso golpe ", afirmou Mourão, sem mencionar diretamente o ex-presidente.
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64141936
brasil
Posse de Lula: quem é homem fardado que se destacou carregando Bíblia na cerimônia
Em meio à cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma figura chamou a atenção e despertou reações nas redes sociais. Em diversos momentos do evento, um homem fardado carregando uma Bíblia aberta acima da cabeça, erguendo-a com a mão direita. Trata-se do deputado federal Pastor Isidório (Avante-BA). O deputado, que é ex-sargento da PM e pastor da Assembleia de Deus, costuma se apresentar com trajes militares e com a Bíblia na mão. Reportagens sobre o político apontam que, há cerca de 30 anos, criou a Fundação Doutor Jesus, que ele define como um centro de recuperação de usuários de drogas em Candeias, região metropolitana de Salvador. Em 2018, Isidório foi o parlamentar federal mais votado da Bahia, com 323 mil votos. Já em 2022, conseguiu ser reeleito, mas com uma votação menos expressiva: pouco mais de 77 mil votos. Em 2019, o pastor causou polêmica ao apresentar um projeto para conferir à Bíblia o título de "Patrimônio Nacional, Cultural e Imaterial do Brasil e da Humanidade". Fim do Matérias recomendadas Segundo reportagem publicada no jornal O Globo à época, o pastor se declara ex-gay e considera a homossexualidade um pecado. Ele, no entanto, nega que a sua fundação promova a "cura gay", mas afirma que é comum que gays admitidos no local digam que foram "curados" após o tratamento. Qualquer tipo de terapia que seja considerada "cura gay" é proibida no Brasil. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Oposição a Jair Bolsonaro durante o governo do ex-presidente, ele foi defensor ferrenho de Lula durante as eleições deste ano. Quando o atual presidente foi eleito, Isidório comemorou nas redes sociais. "Gratidão a todos e todas que depositaram o amor nas urnas hoje. A palavra é avançar! Vamos avançar com as políticas públicas que cuidam de gente", escreveu o deputado federal. "O amor venceu o ódio. Glória ao Deus da Bíblia", escreveu, na legenda de uma foto compartilhada em seu perfil no Instagram. Reportagem publicada pela revista Piauí em outubro de 2018 apresentava o pastor-sargento como um fenômeno eleitoral na Bahia; naquele ano, ele teve quase o dobro do número de votos do segundo deputado mais votado, Otto Alencar Filho, do PSD (185 mil votos). Casado e pai de sete filhos, Isidório costumava dizer que é um "ex-homossexual" convertido pelo Evangelho, de acordo com a publicação. Temas progressistas sobre sexualidade e identidade de gênero, sobretudo nas escolas, ganham o repúdio do pastor que recorrentemente defende a "preservação dos valores da família". Ainda de acordo com a reportagem, Isidório foi policial militar e entrou para a política após participar de greves de PMs, em Salvador, reivindicando aumento de salário e melhores condições de trabalho para a corporação. No episódio, acabou preso e torturado nas dependências da polícia. Mais tarde, o coronel responsabilizado pelo ato contra ele foi condenado por tortura. Em maio de 2019, o deputado viralizou nas redes sociais ao se oferecer para conversar com Bolsonaro sobre mudanças no decreto de flexibilização de armas. "Eu entendo que é chegada hora de buscar interlocução. Esta Casa precisa tirar uma comissão, ou um parlamentar, para conversar com o presidente da República", afirmou. "E pelo perfil dele, me sinto preparado para falar com ele se for necessário. Porque venho da Bahia, sou conhecido como doido. E para conversar com doido, só outro doido." Segundo reportagem publicada pelo site Poder360 à época, o congressista é um opositor da liberação do porte de armas defendida por Bolsonaro. Ele chegou a fazer uma performance em um corredor da Câmara dos Deputados, simulando que havia sido baleado. Caído ao chão, falava em voz alta as suas ideias. "Imagine o inferno que será esta nação com todos os políticos armados. Imagine a discussão da reforma da Previdência. Se por chamar o ministro de 'tchuchuca' terminou daquele jeito, agora imagine terminando na bala", dizia, segundo a reportagem. Após subir a rampa do Palácio do Planalto na tarde deste domingo (1/1), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu a faixa presidencial de maneira simbólica "das mãos do povo brasileiro", como foi narrado oficialmente na cerimônia de posse. O presidente da República chorou logo após receber a faixa. Lula subiu a rampa acompanhado por pessoas que representam a diversidade brasileira, além da cadela Resistência, pertencente a Lula e à esposa, Rosângela da Silva, conhecida como Janja, Um ponto incomum da cerimônia foi o fato de que a faixa presidencial não foi transmitida pelo presidente no cargo, como é de costume. Jair Bolsonaro (PL) não reconheceu publicamente a vitória de Lula e viajou para os Estados Unidos pouco antes da transmissão de cargo. A solução encontrada pela organização da cerimônia, liderada por Janja, foi que o grupo de pessoas assumisse essa função.
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64142130
brasil
Posse de Lula: a trajetória de Geraldo Alckmin e como deve ser sua atuação como vice-presidente
Rival de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial de 2006, Geraldo Alckmin se consagrou neste domingo (1/1) como vice-presidente no mandato do petista pelos próximos quatro anos, após reviravoltas próprias da política brasileira. Filiado ao PSB em março de 2022, após 33 anos no PSDB, Alckmin assumiu um papel simbólico e prático importante durante a campanha eleitoral de Lula e, depois da vitória, assumiu a coordenação da transição de governo. No mandato que se inicia, o paulista de Pindamonhangaba assume não só a função de vice, mas também de ministro da Indústria — demonstrando que ele deve ser bastante ativo no governo. A entrega de um ministério para ele fez parte do acordo do PT com o PSB para a formação da chapa. Aliados de Alckmin afirmam que ele tem também a expectativa de assumir a cadeira presidencial diversas vezes, já que Lula tem dito que pretende viajar para "recuperar a imagem e o prestígio" do Brasil no exterior. Cultivando a aura de homem simples, centrado e pai de família, Alckmin sempre manteve alta popularidade em São Paulo apesar da admitida falta de carisma. O apelido de "picolé de chuchu" foi levado com bom humor pelo candidato a vice durante a campanha ao lado de Lula — Alckmin chegou a dizer em uma propaganda que "lula é um prato que cai bem com chuchu". Fim do Matérias recomendadas "Ele nunca agiu de forma intempestiva. A coisa mais imprevisível que ele fez durante sua carreira política foi sua adesão à candidatura de Lula", descreve o cientista político Antonio Lavareda, presidente do Conselho Científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) e ligado à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mas é justamente a previsibilidade e a "ausência de carisma de Alckmin que contribuem para a composição da figura do Lula", explica o cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Para o analista, a escolha de Alckmin como vice pretendeu "fazer um aceno de moderação ao eleitorado conservador e ao mercado". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A notícia de Alckmin como vice de Lula foi oficializada em julho pelo PSB. A aliança com Lula vinha sendo costurada desde o ano anterior pelo ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e pelo ex-deputado federal Gabriel Chalita (PDT), que foi secretário de educação do governo de Alckmin em São Paulo entre 2002 e 2006. Em 2021, Alckmin estava ainda "em baixa". Ele vinha disputando espaço no PSDB com o próprio ex-afilhado político João Doria desde 2016, quando planejava se candidatar a governador, mas foi atropelado pelo empresário. O domínio de Doria no partido se ampliou quando Alckmin ficou em 4º lugar nas eleições de 2018, com o pior resultado de um candidato à presidência do PSDB — do qual ele sempre se orgulhou de ter sido um dos fundadores e pelo qual foi governador e deputado federal. Antes da fundação do PSDB, Alckmin havia sido prefeito, vereador e deputado estadual pelo MDB e pelo PMDB. Em 2019, ele deixou a presidência do partido e voltou a exercer a medicina — curso que concluiu em 1977, um ano depois de se tornar o mais jovem prefeito de Pindamonhangaba. Ele havia voltado a dar aulas e assinado um contrato com a TV Gazeta, de São Paulo, para fazer participações no programa de Ronnie Von. Seu desejo de dar aulas em universidades no exterior, no entanto, foi frustrado, entre outros motivos, pelo fato de que sua fluência em inglês até hoje está longe do exigido para um professor universitário. A articulação da candidatura de Alckmin à vice-presidência começou em reuniões na casa de Chalita quando a ideia de ter o ex-governador — personificação da ideia de tucano e rival histórico de Lula e do PT — parecia improvável. No entanto, a situação de Alckmin no PSDB e o fato de que seu principal antagonismo (e mágoa, dizem pessoas próximas) no momento era contra Doria — facilitaram a aproximação. Publicamente, as alfinetadas no ex-correligionário sempre tinham sido sutis. Quando questionado sobre a divergência, ele costumava repetir uma de suas frases favoritas: "Se não pode dizer algo bom sobre alguém, não diga nada". Em particular, no entanto, Alckmin chegou a acusar Doria cara a cara de traidor — um áudio com a conversa depois foi vazado para a imprensa. Uma acusação que pareceu ainda mais incisiva considerando o fato de que Alckmin sempre cultivou uma imagem de polido e nunca foi um adversário feroz nem mesmo para o PT. Quando perguntado sobre Lula em uma entrevista para a revista Piauí em 2014, o ex-governador disse que respeitava o adversário e o considerava inteligente. "O cara tem méritos, até pela perseverança dele, foi cinco vezes candidato a presidente. Mas é um estilo de política que não me agrada. O PT é difícil. Eu nunca fui próximo do PT", disse ele à Piauí. "Você tem uma ala em que é inacreditável a falta de limites. Mas tem bons quadros, como todos os partidos." Em 2022, no entanto, a resistência que alas do PT menos favoráveis à composição tinham ao ex-tucano — que migrou para o PSB para concorrer a vice — foi rapidamente vencida, mostrando o firme comando que uma decisão de Lula tem no partido como um todo. Até a militância — que sempre protestou contra a política de segurança pública de Alckmin, acusada de ser truculenta — pareceu aceitá-lo. Fotos de Alckmin usando um boné do MST, perdendo a voz ao tentar acompanhar a intensidade do discurso de Lula em comícios e sendo abraçado por militantes tomaram os círculos de esquerda nas redes sociais. Alckmin chegou a dizer que o encontro com o público era a "melhor parte da campanha". "Depois que você se elege, as pessoas se inibem um pouco", disse a repórteres. "Nas ruas, você sente melhor as pessoas, elas se abrem mais, falam mais". Lula afirmou em um comício que, diante de Bolsonaro, era a hora de "unir os divergentes para enfrentar os antagônicos". Para o PT, os benefícios de ter Alckmin como fiador político da campanha superaram as desavenças. "Alckmin tem um prestígio que é muito associado à sua imagem em geral, ao conjunto da obra. Sua popularidade em São Paulo não é de um governo específico — se o público tivesse memória somente do último governo, provavelmente não seria uma grande imagem", avalia Lavareda, que durante anos foi o responsável pelas pesquisas de opinião pública encomendadas pelo PSDB. Alckmin sempre foi bem visto entre a classe média paulista, explica Lavareda, mas também tinha uma forte inserção popular, especialmente no interior, entre eleitores que ganham de 0 a 2 salários mínimos. Um pesquisa Datafolha de junho de 2014 mostrou que o governo Alckmin era aprovado por 41% dos paulistas e considerado regular por 39% — isso em um ano em que sua administração sofreu enormes críticas pela forma como conduziu a crise hídrica que atingiu o Estado. A gestão de Segurança Pública do governador também estava sob a mira de opositores, com a Polícia Militar de São Paulo sendo acusada de truculência e com altos índices de mortalidade. No ano anterior, a forte repressão da polícia a manifestantes contra os aumentos nas tarifas de transporte foi um dos fatores que mudaram a visão da sociedade sobre os protestos em São Paulo, apontam cientistas políticos — o que por sua vez ajudou os protestos de 2013 a atingirem o tamanho que tiveram. Apesar de problemas, Alckmin foi reeleito em primeiro turno em 2014, com 57% dos votos válidos, derrotando Paulo Skaf, do PMDB. O então candidato do PT, Alexandre Padilha, ficou em terceiro lugar. "É difícil identificar um outro vice desde a redemocratização que tivesse tanto apoio eleitoral quanto Alckmin", diz Lavareda. Católico, Alckmin sempre foi o mais religioso entre os cabeças do PSDB, o seu antigo partido. Ele foi descrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como um homem "muito religioso". Alckmin vai à missa todos os domingos, participa de Encontros de Casais com Cristo ao lado da esposa Maria Lúcia (ou Dona Lu, como é mais conhecida) e tem um ramo da família ligado ao grupo ultraconservador católico Opus Dei — que teve como um de seus maiores expoentes no Brasil um tio do vice-presidente, José Geraldo Rodrigues de Alckmin, que foi ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). O ex-governador diz que nunca fez oficialmente parte da Opus Dei. Três reuniões de grupos de estudo ligados a ela chegaram a acontecer no Palácio dos Bandeirantes quando Alckmin era governador, mas o político se afastou do grupo na época da campanha presidencial de 2006 — embora tenha sustentado que nutre admiração pela corrente católica. Alckmin diz também ter grande admiração pelos franciscanos, corrente católica do qual seu pai era devoto. A ordem é conhecida pela caridade, assistência aos pobres, ascetismo e humildade. A principal igreja frequentada por ele e sua esposa é a de Nossa Senhora do Brasil, no Jardim América, na capital paulista. Foi ali que, em 2015, foi realizada a missa de sétimo dia do mais novo de seus três filhos, Thomaz Alckmin, que morreu em um acidente de helicóptero na grande São Paulo. Após a missa, o então governador disse que "perder um filho é uma dor sem limite". Na campanha com Lula, os laços com a Igreja Católica vieram a calhar: em setembro, se encontrou com o arcebispo Dom Walmor Oliveira, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); em outubro, levou o candidato a governador Fernando Haddad para receber as bênçãos do padre salesiano Rosalvino Viñayo em sua paróquia na zona leste de São Paulo; no mesmo mês, ajudou a divulgar entre católicos o episódio em que bolsonaristas vaiaram o bispo de Aparecida e agrediram jornalistas da TV Aparecida. "Mais respeito", pediu o candidato a vice. "Estou perplexo com as hostilidades. Igreja não é palanque. É lugar santo, de oração, e não de agressão", escreveu em suas redes sociais. Embora tenha tido uma carreira política prolífica, inclusive sendo membro da Assembleia Constituinte, foi como vice que Alckmin se alçou a um lugar de destaque. Em 1994, se elegeu vice-governador de Mário Covas em São Paulo e se tornou presidente dos conselhos diretores dos programas estaduais de privatização. Ele assumiu o governo em 1999, quando Covas se licenciou para a remoção de um tumor, e depois definitivamente em 2001, quando Covas morreu depois de um longo tratamento contra o câncer. Com apoio de Covas, Alckmin candidatou-se à Prefeitura de São Paulo nas eleições de outubro de 2000, vencida por Marta Suplicy, então no PT. Poucos meses depois, assumiu definitivamente o governo estadual com a morte de Covas, em 6 de março de 2001. Recém-empossado como governador, Alckmin teve que lidar com um episódio muito tenso: foi negociar pessoalmente com um sequestrador a libertação do apresentador Silvio Santos, que havia sido feito de refém apenas alguns dias depois de sua filha ter sido sequestrada. O episódio, que poderia ter tido um final trágico, terminou com a rendição do criminoso. Alckmin viria a ter mais três mandatos como governador, em um total de 12 anos no Palácio dos Bandeirantes. Agora, a partir de 1º de janeiro de 2023, sua bem-sucedida carreira como vice chega a uma nova etapa: a vice-presidência em Brasília.
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64142063
brasil
Lula toma posse e sobe a rampa: dezenas de milhares acompanham cerimônia em Brasília
Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto após tomar posse como novo presidente da República perante o Congresso Nacional, em Brasília, neste domingo (1/1). Dezenas de milhares de pessoas, vindas de todo o país, acompanham a cerimônia na Esplanada de Ministérios e na Praça dos Três Poderes. A decisão de desfilar com Alckmin foi mais um gesto para reforçar a importância dessa aliança. Em 2018, o agora ex-presidente Jair Bolsonaro não desfilou ao lado do seu vice, Hamilton Mourão, que veio em um carro fechado atrás. Quem o acompanhou foi a então primeira-dama, Michelle, e seu segundo filho, Carlos Bolsonaro. Já na sede do Poder Legislativo, o presidente assinou o termo de posse. Geraldo Alckmin também tomou posse como vice-presidente. Fim do Matérias recomendadas Lula ainda discursou no Congresso. Em sua fala, ele exaltou a democracia, a "grande vitoriosa" das eleições, e criticou o governo de Bolsonaro, classificado pelo petista com um "projeto de destruição nacional". Estiveram presentes na cerimônia de posse lideranças políticas nacionais, como os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Chefes de Estado de vários países também estavam no plenário, como os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo, e da Argentina, Alberto Fernández. A equipe de transição do governo previa um público de 300 mil pessoas para a posse em Brasília. A Polícia Militar do Distrito Federal não divulgou estimativa de público. O órgão deixou de fazer esse tipo de estimativa já há alguns anos. Apesar da preocupação com segurança, até o início da tarde não foi registrada nenhuma ocorrência grave. Apenas um homem vindo do Rio de Janeiro foi detido ao tentar entrar na área da posse com uma faca do tipo "peixeira" e fogos de artifício. Por medo de atos de violência, também havia dúvida se Lula desfilaria em carro aberto. Mas o presidente optou por atravessar a Esplanada dos Ministérios no tradicional Rolls-Royce. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Outro ponto incomum da cerimônia foi o fato de que a faixa presidencial não foi transmitida pelo presidente no cargo, como é de costume. Jair Bolsonaro não reconheceu publicamente a vitória de Lula e viajou para os Estados Unidos pouco antes da transmissão de cargo. A solução encontrada pela organização da cerimônia, liderada por Janja, foi que um grupo de pessoas representando o povo assumisse esssa função. O presidente subiu a rampa ladeado desses oito representantes, como o cacique Raoni, importante liderança indígena, a catadora Aline Sousa, e o menino negro Francisco, de dez anos, que diz que também quer ser presidente um dia. Ao lado deles, estava também Ivan Baron, representando os brasileiros portadores de deficiência. Ele sofreu paralisia cerebral quando era criança devido a uma meningite viral e se tornou referência na luta anticapacitista. Após o grupo subir a rampa, a faixa passou de mão em mão e foi vestida em Lula. O presidente então discursou, destacando o que o combate à desigualde será a prioridade em seu terceiro mandato.
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64141707
brasil
Posse de Lula é destaque na imprensa estrangeira: ‘Esperança, alegria e euforia’, diz jornal
A posse de Luiz Inácio Lula da Silva como novo presidente do Brasil ganhou destaque em diversos jornais e redes de televisão pelo mundo neste domingo (1/1). O jornal britânico The Guardian levou a notícia para a manchete de seu site: "Esperança, alegria e euforia: brasileiros saem às ruas para celebrar nova era sob Lula". O diário destacou no texto o discurso de Lula no Congresso Nacional, após tomar posse. "Luiz Inácio Lula da Silva prometeu tirar o Brasil da era de 'devastação', barbárie e ódio de Jair Bolsonaro depois de ser empossado como o novo presidente da maior democracia da América Latina", diz. O site da BBC News também destacou a notícia: "Lula toma posse como presidente do Brasil", diz a manchete. A reportagem dá ênfase à multidão de apoiadores do recém-empossado presidente que foram a Brasília acompanhar a cerimônia. Fim do Matérias recomendadas "Um mar de apoiadores de Lula se reuniu em frente ao Congresso desde o início da manhã - vestidos com a cor vermelha do seu Partido dos Trabalhadores. Eles viajaram para ver seu líder empossado - mas também para uma celebração", diz. O francês Le Monde também destacou o discurso no Congresso e classificou Lula como "ícone da esquerda brasileira". "A volta ao Palácio do Planalto marca um retorno excepcional para Lula, que passou pela prisão há apenas quatro anos após ser acusado de corrupção", diz o texto do jornal, em referência à condenação do petista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) posteriormente. O espanhol El País destacou uma declaração de Lula sobre o futuro do país: "Vamos reconstruir o Brasil". O jornal foi ainda mais além do Le Monde e classificou Lula como o "líder mais reconhecido da esquerda latino-americana". Já o diário argentino Clarín afirmou que Lula criticou seu adversário nas eleições, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que não participou da cerimônia de transferência de poder. "Na volta ao Palácio do Planalto, foi muito duro com o antecessor Jair Bolsonaro, a quem definiu como 'a barbárie' e agora se prepara para comandar um país fortemente polarizado", diz. Diversos jornais também destacaram a ausência de Bolsonaro. "Enquanto Lula se torna presidente do Brasil, Bolsonaro foge para a Flórida", diz matéria do jornal americano The New York Times. "Bolsonaro acordou no domingo a 6.000 milhas de distância, em uma casa alugada de um lutador profissional de artes marciais a alguns quilômetros da Disney World. Enfrentando várias investigações sobre seu tempo no cargo, Bolsonaro voou para Orlando na noite de sexta-feira e planeja ficar na Flórida por pelo menos um mês". O site do canal de notícias americano CNN preferiu destacar os temores em relação à segurança. "Lula da Silva toma posse como presidente do Brasil, em meio a temores de violência de apoiadores de Bolsonaro", diz a matéria publicada neste domingo. Já o site da emissora alemã Deutsche Welle deu ênfase ao anúncio do presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, sobre a reativação do Fundo Amazônia. Steinmeier anunciou que a Alemanha irá liberar 35 milhões de euros para o fundo, como um sinal imediato de cooperação e apoio ao governo do presidente Lula. "É bom saber que o Brasil está de volta ao cenário internacional", disse Steinmeier pouco antes da posse de Lula, segundo a Deutsche Welle. O South China Morning Post, um jornal de língua inglesa de Hong Kong, usou o termo "Lulapalooza", popularizado nas redes sociais, para definir a cerimônia de posse. "Cantando a plenos pulmões, desfilando com estilo carnavalesco e agitando bandeiras vermelhas gigantes com arco-íris, dezenas de milhares de pessoas inundaram a capital do Brasil no domingo para o 'Lulapalooza', uma posse presidencial com uma vibração de festival de rock."
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64141710
brasil
Quem são as pessoas que subiram a rampa e entregaram a faixa presidencial a Lula?
Após subir a rampa do Palácio do Planalto na tarde deste domingo (1/1), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu a faixa presidencial de maneira simbólica "das mãos do povo brasileiro", como foi narrado oficialmente na cerimônia de posse. O presidente da República chorou logo após receber a faixa. Lula subiu a rampa acompanhado por pessoas que representam a diversidade brasileira, além da cadela Resistência, pertencente a Lula e à esposa, Rosângela da Silva, conhecida como Janja, Um ponto incomum da cerimônia foi o fato de que a faixa presidencial não foi transmitida pelo presidente no cargo, como é de costume. Jair Bolsonaro (PL) não reconheceu publicamente a vitória de Lula e viajou para os Estados Unidos pouco antes da transmissão de cargo. A solução encontrada pela organização da cerimônia, liderada por Janja, foi que o grupo de pessoas assumisse essa função. O presidente subiu a rampa ladeado desses oito representantes, como o cacique kayapó Raoni Metuktire, líder indígena brasileiro, a catadora Aline Sousa e o menino negro Francisco, de 10 anos. Fim do Matérias recomendadas Os cidadãos que acompanharam o petista passaram a faixa de mão em mão, até que o objeto chegasse à catadora, de 33 anos, que colocou a peça em Lula. Aline Sousa trabalha recolhendo resíduos para reciclagem desde os 14 anos e é da terceira geração de catadores da família. O menino Francisco mora em Itaquera, na periferia da zona leste de São Paulo, e é corintiano — assim como Lula. Em 2022, ele ficou em primeiro lugar no campeonato da Federação Aquática Paulista (1° região). Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Em 2019, ele esteve em Curitiba para dar "Bom dia, Presidente Lula" quando o petista estava preso na Superintendência da Polícia Federal. A primeira vez que ele viu o presidente foi em 2019, em um jogo promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) entre "Amigos do Lula" e "Amigos do Chico Buarque". O garoto é filho de uma assistente social e um advogado que atuam em causas sociais. Depois de assistir a um filme sobre a vida do presidente Lula, Francisco teria dito que também pode se tornar presidente. As informações foram divulgadas pela assessoria de imprensa do novo governo. Ao lado deles, estava também Ivan Baron, representando os brasileiros portadores de deficiências. Ele sofreu paralisia cerebral aos 3 anos devido a uma meningite viral e se tornou referência na luta anticapacitista (contra a discriminação por motivo de deficiência). Weslley Rodrigues Rocha, de 36 anos, trabalha como metalúrgico na região do ABC, na Grande São Paulo, desde os 18 anos. O kayapó Raoni Metuktire é uma das mais conhecidas lideranças indígenas do Brasil, ativista das lutas pelos direitos dos povos originários. Segundo um site mantido pela ONG francesa Planète Amazone, parceira de longa data de Raoni, ele nasceu por volta de 1932 na aldeia Krajmopyjakare, no nordeste do Mato Grosso. Na época, o povo kayapó (autodenominado mebêngôkre) era nômade e não tinha contato regular com o mundo exterior. Em 1958, o indígena acompanhou uma expedição para demarcar o centro geográfico do Brasil, às margens do rio Xingu, em cuja bacia os kayapós vivem até hoje. O país era então presidido por Juscelino Kubitschek, que esteve com o próprio com Raoni em 1950. Em 1964, o cacique encontrou o rei Leopoldo 3º da Bélgica, que visitou o Brasil 13 anos após deixar o trono. Foi o primeiro de vários líderes estrangeiros com que ele teve contato, lista que inclui dois papas — João Paulo 2º e Francisco — e três presidentes da França: Fraçois Mitterrand (1981-1995), Jacques Chirac (1995-2007) e o atual mandatário, Emmanuel Macron. A fama internacional de Raoni foi catapultada por um encontro com o cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux. Os dois se conheceram em 1973 e, anos depois, o cineasta gravou um documentário sobre o indígena e seu povo. No grupo que acompanhou Lula estavam também a cozinheira Jucimara Fausto, o professor Murilo Jesus e o artesão Flavio Pereira. Já a cadela Resistência, inicialmente, foi carregada por Janja no colo e em seguida foi colocada no chão, sendo guiada em alguns momentos pelo presidente Lula.
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64142066
brasil
Lula discursa no Planalto: 'Vou combater todas as formas de desigualdade'; leia íntegra
Em discurso a apoiadores em frente ao Palácio do Planalto, após receber a faixa presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que o combate à desigualdade será a prioridade em seu terceiro mandato. "Assumimos o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade. De renda, de gênero e de raça. Desigualdade entre quem joga comida fora e quem só se alimenta de sobras. É inadmissível que os 5% mais ricos detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%", disse Lula em frente ao Planalto. "É inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo. Somos um povo de muitas cores, e todas devem ter os mesmos direitos. Ninguém terá mais ou menos amparo do Estado, ninguém será obrigado a enfrentar mais obstáculos pela cor de sua pele." O petista citou exemplos diversos das desigualdades brasileiras que pretende combater em sua gestão. Fim do Matérias recomendadas "Desigualdade entre a criança que frequenta a melhor escola particular, e a criança que engraxa sapato na rodoviária, sem escola e sem futuro. Entre a criança feliz com o brinquedo que acabou de ganhar de presente, e a criança que chora de fome na noite de Natal", disse. "É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%. Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O discurso do presidente na posse também teve tom pacificador, em que Lula pregou a união do país após a divisão da disputa eleitoral. "A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras", disse o presidente, O presidente, no entanto, rechaçou o comportamento do que chamou de "minorias violentas". "O povo brasileiro rejeita a violência de uma pequena minoria radicalizada que se recusa a viver num regime democrático. Chega de ódio, fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz", afirmou. Lula disse ainda que "não é hora para ressentimentos estéreis", momento em que foi interrompido por seus apoiadores, aos gritos de "sem anistia". Mais cedo em discurso no Congresso, Lula havia dito que "quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal", sem especificar a quem se referia. O petista também afirmou que "não haverá gastança" no governo, após dizer mais cedo que revogará o teto de gastos. "Nos nossos governos, nunca houve nem haverá gastança alguma. Sempre investimos, e voltaremos a investir, em nosso bem mais precioso: o povo brasileiro." Confira a íntegra do discurso: Quero começar fazendo uma saudação especial a cada um e a cada uma de vocês. Uma forma de lembrar e retribuir o carinho e a força que recebia todos os dias do povo brasileiro - representado pela Vigília Lula Livre -, num dos momentos mais difíceis d] a minha vida. Hoje, neste que é um dos dias mais felizes da minha vida, a saudação que eu faço a vocês não poderia ser outra, tão singela e ao mesmo tempo tão cheia de significado: Boa tarde, povo brasileiro! Minha gratidão a vocês, que enfrentaram a violência política antes, durante e depois da campanha eleitoral. Que ocuparam as redes sociais, e que tomaram as ruas, debaixo de sol e chuva, nem que fosse para conquistar um único e precioso voto. Que tiveram a coragem de vestir a nossa camisa e, ao mesmo tempo, agitar a bandeira do Brasil - quando uma minoria violenta e antidemocrática tentava censurar nossas cores e se apropriar do verde- amarelo, que pertence a todo o povo brasileiro. A vocês, que vieram de todos os cantos deste país - de perto ou de muito longe, de avião, de ônibus, de carro ou na boleia de caminhão. De moto, bicicleta e até mesmo a pé, numa verdadeira caravana da esperança, para esta festa da democracia. Mas quero me dirigir também aos que optaram por outros candidatos. Vou governar para os 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para quem votou em mim. Vou governar para todas e todos, olhando para o nosso luminoso futuro em comum, e não pelo retrovisor de um passado de divisão e intolerância. A ninguém interessa um país em permanente pé de guerra, ou uma família vivendo em desarmonia. É hora de reatarmos os laços com amigos e familiares, rompidos pelo discurso de ódio e pela disseminação de tantas mentiras. O povo brasileiro rejeita a violência de uma pequena minoria radicalizada que se recusa a viver num regime democrático. Chega de ódio, fake news, armas e bombas. Nosso povo quer paz para trabalhar, estudar, cuidar da família e ser feliz. A disputa eleitoral acabou. Repito o que disse no meu pronunciamento após a vitória em 30 de outubro, sobre a necessidade de unir o nosso país. "Não existem dois brasis. Somos um único país, um único povo, uma grande nação." Somos todos brasileiros e brasileiras, e compartilhamos uma mesma virtude: nós não desistimos nunca. Ainda que nos arranquem todas as flores, uma por uma, pétala por pétala, nós sabemos que é sempre tempo de replantio, e que a primavera há de chegar. E a primavera chegou. Hoje, a alegria toma posse do Brasil, de braços dados com a esperança. Minhas queridas amigas e meus amigos. Recentemente, reli o discurso da minha primeira posse na Presidência, em 2003. E o que li tornou ainda mais evidente o quanto o Brasil andou para trás. Naquele 1º de janeiro de 2003, aqui nesta mesma praça, eu e meu querido vice José Alencar assumimos o compromisso de recuperar a dignidade e a autoestima do povo brasileiro - e recuperamos. De investir para melhorar as condições de vida de quem mais necessita - e investimos. De cuidar com muito carinho da saúde e da educação - e cuidamos. Mas o principal compromisso que assumimos em 2003 foi o de lutar contra a desigualdade e a extrema pobreza, e garantir a cada pessoa deste país o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia - e nós cumprimos esse compromisso: acabamos com a fome e a miséria, e reduzimos fortemente a desigualdade. Infelizmente hoje, 20 anos depois, voltamos a um passado que julgávamos enterrado. Muito do que fizemos foi desfeito de forma irresponsável e criminosa. A desigualdade e a extrema pobreza voltaram a crescer. A fome está de volta - e não por força do destino, não por obra da natureza, nem por vontade divina. A volta da fome é um crime, o mais grave de todos, cometido contra o povo brasileiro. A fome é filha da desigualdade, que é mãe dos grandes males que atrasam o desenvolvimento do Brasil. A desigualdade apequena este nosso país de dimensões continentais, ao dividi-lo em partes que não se reconhecem. De um lado, uma pequena parcela da população que tudo tem. Do outro lado, uma multidão a quem tudo falta, e uma classe média que vem empobrecendo ano após ano. Juntos, somos fortes. Divididos, seremos sempre o país do futuro que nunca chega, e que vive em dívida permanente com o seu povo. Se queremos construir hoje o nosso futuro, se queremos viver num país plenamente desenvolvido para todos e todas, não pode haver lugar para tanta desigualdade. O Brasil é grande, mas a real grandeza de um país reside na felicidade de seu povo. E ninguém é feliz de fato em meio a tanta desigualdade. Minhas amigas e meus amigos, Quando digo "governar", eu quero dizer "cuidar". Mais do que governar, vou cuidar com muito carinho deste país e do povo brasileiro. Nestes últimos anos, o Brasil voltou a ser um dos países mais desiguais do mundo. Há muito tempo não víamos tamanho abandono e desalento nas ruas. Mães garimpando lixo, em busca do alimento para seus filhos. Famílias inteiras dormindo ao relento, enfrentando o frio, a chuva e o medo. Crianças vendendo bala ou pedindo esmola, quando deveriam estar na escola, vivendo plenamente a infância a que têm direito. Trabalhadoras e trabalhadores desempregados exibindo, nos semáforos, cartazes de papelão com a frase que nos envergonha a todos: "Por favor, me ajuda". Fila na porta dos açougues, em busca de ossos para aliviar a fome. E, ao mesmo tempo, filas de espera para a compra de automóveis importados e jatinhos particulares. Tamanho abismo social é um obstáculo à construção de uma sociedade verdadeiramente justa e democrática, e de uma economia próspera e moderna. Por isso, eu e meu vice Geraldo Alckmin assumimos hoje, diante de vocês e de todo o povo brasileiro, o compromisso de combater dia e noite todas as formas de desigualdade. Desigualdade de renda, de gênero e de raça. Desigualdade no mercado de trabalho, na representação política, nas carreiras do Estado. Desigualdade no acesso a saúde, educação e demais serviços públicos. Desigualdade entre a criança que frequenta a melhor escola particular, e a criança que engraxa sapato na rodoviária, sem escola e sem futuro. Entre a criança feliz com o brinquedo que acabou de ganhar de presente, e a criança que chora de fome na noite de Natal. Desigualdade entre quem joga comida fora, e quem só se alimenta das sobras. É inadmissível que os 5% mais ricos deste país detenham a mesma fatia de renda que os demais 95%. Que seis bilionários brasileiros tenham uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país. Que um trabalhador ou trabalhadora que ganha um salário mínimo mensal leve 19 anos para receber o equivalente ao que um super rico recebe em um único mês. E não adianta subir o vidro do automóvel de luxo, para não ver nossos irmãos que se amontoam debaixo dos viadutos, carentes de tudo - a realidade salta aos olhos em cada esquina. Minhas amigas e meus amigos. É inaceitável que continuemos a conviver com o preconceito, a discriminação e o racismo. Somos um povo de muitas cores, e todas devem ter os mesmos direitos e oportunidades. Ninguém será cidadão ou cidadã de segunda classe, ninguém terá mais ou menos amparo do Estado, ninguém será obrigado a enfrentar mais ou menos obstáculos apenas pela cor de sua pele. Por isso estamos recriando o Ministério da Igualdade Racial, para enterrar a trágica herança do nosso passado escravista. Os povos indígenas precisam ter suas terras demarcadas e livres das ameaças das atividades econômicas ilegais e predatórias. Precisam ter sua cultura preservada, sua dignidade respeitada e sua sustentabilidade garantida. Eles não são obstáculos ao desenvolvimento - são guardiões de nossos rios e florestas, e parte fundamental da nossa grandeza enquanto nação. Por isso estamos criando o Ministério dos Povos Indígenas, para combater 500 anos de desigualdade. Não podemos continuar a conviver com a odiosa opressão imposta às mulheres, submetidas diariamente à violência nas ruas e dentro de suas próprias casas. É inadmissível que continuem a receber salários inferiores ao dos homens, quando no exercício de uma mesma função. Elas precisam conquistar cada vez mais espaço nas instâncias decisórias deste país - na política, na economia, em todas as áreas estratégicas. As mulheres devem ser o que elas quiserem ser, devem estar onde quiserem estar. Por isso, estamos trazendo de volta o Ministério das Mulheres. Foi para combater a desigualdade e suas sequelas que nós vencemos a eleição. E esta será a grande marca do nosso governo. Dessa luta fundamental surgirá um país transformado. Um país grande, próspero, forte e justo. Um país de todos, por todos e para todos. Um país generoso e solidário, que não deixará ninguém para trás. Minhas queridas companheiras e meus queridos companheiros. Reassumo o compromisso de cuidar de todos os brasileiros e brasileiras, sobretudo daqueles que mais necessitam. De acabar outra vez com a fome neste país. De tirar o pobre da fila do osso para colocá-lo novamente no Orçamento. Temos um imenso legado, ainda vivo na memória de cada brasileiro e cada brasileira, beneficiário ou não das políticas públicas que fizeram uma revolução neste país. Mas não nos interessa viver do passado. Por isso, longe de qualquer saudosismo, nosso legado será sempre o espelho do futuro que vamos construir para este país. Em nossos governos, o Brasil conciliou crescimento econômico recorde com a maior inclusão social da história. E se tornou a sexta maior economia do mundo, ao mesmo tempo em que 36 milhões de brasileiras e brasileiros saíram da extrema pobreza. Geramos mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada e todos os direitos assegurados. Reajustamos o salário mínimo sempre acima de inflação. Batemos recorde de investimentos em educação - da creche à universidade -, para fazer do Brasil um exportador também de inteligência e conhecimento, e não apenas de commodities e matéria-prima. Nós mais que dobramos o número de estudantes no ensino superior, e abrimos as portas das universidades para a juventude pobre deste país. Jovens brancos, negros e indígenas, para quem o diploma universitário era um sonho inalcançável, tornaram-se doutores. Combatemos um dos grandes focos de desigualdade - o acesso à saúde. Porque o direito à vida não pode ser refém da quantidade de dinheiro que se tem no banco. Fizermos o Farmácia Popular, que forneceu medicamentos a quem mais precisava, e o Mais Médicos, que levou atendimento a cerca de 60 milhões de brasileiros e brasileiras, nas periferias das grandes cidades e nos pontos mais remotos do Brasil. Criamos o Brasil Sorridente, para cuidar da saúde bucal de todos os brasileiros e brasileiras. Fortalecemos o nosso Sistema Único de Saúde. E quero aproveitar para fazer um agradecimento especial aos profissionais do SUS, pela grandiosidade do trabalho durante a pandemia. Enfrentaram bravamente, ao mesmo tempo, um vírus letal e um governo irresponsável e desumano. Nos nossos governos, investimos na agricultura familiar e nos pequenos e médios agricultores, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. E fizemos isso sem descuidar do agronegócio, que obteve investimentos e safras recordes, ano após ano. Tomamos medidas concretas para conter as mudanças climáticas, e reduzimos o desmatamento da Amazônia em mais de 80%. O Brasil consolidou-se como referência mundial no combate à desigualdade e à fome, e passou a ser internacionalmente respeitado, pela sua política externa ativa e altiva Fomos capazes de realizar tudo isso cuidando com total responsabilidade das finanças do país. Nunca fomos irresponsáveis com o dinheiro público. Fizemos superávit fiscal todos os anos, eliminamos a dívida externa, acumulamos reservas de cerca de 370 bilhões de dólares e reduzimos a dívida interna a quase metade do que era anteriormente. Nos nossos governos, nunca houve nem haverá gastança alguma. Sempre investimos, e voltaremos a investir, em nosso bem mais precioso: o povo brasileiro. Infelizmente, muito do que construímos em 13 anos foi destruído em menos da metade desse tempo. Primeiro, pelo golpe de 2016 contra a presidenta Dilma. E na sequência, pelos quatro anos de um governo de destruição nacional cujo legado a História jamais perdoará: 700 mil brasileiros e brasileiras mortos pela Covid. 125 milhões sofrendo algum grau de insegurança alimentar, de moderada a muito grave. 33 milhões passando fome. Estes são apenas alguns números. Que na verdade não são apenas números, estatísticas, indicadores - são pessoas. Homens, mulheres e crianças, vítimas de um desgoverno afinal derrotado pelo povo, no histórico 30 de outubro de 2022. Os Grupos Técnicos do Gabinete de Transição, que por dois meses mergulharam nas entranhas do governo anterior, trouxeram a público a real dimensão da tragédia. O que o povo brasileiro sofreu nestes últimos anos foi a lenta e progressiva construção de um genocídio. Quero citar, a título de exemplo, um pequeno trecho das 100 páginas desse verdadeiro relatório do caos produzido pelo Gabinete de Transição. Diz o relatório: "O Brasil bateu recordes de feminicídios, as políticas de igualdade racial sofreram severos retrocessos, produziu-se um desmonte das políticas de juventude, e os direitos indígenas nunca foram tão ultrajados na história recente do país. Os livros didáticos que deverão ser usados no ano letivo de 2023 ainda não começaram a ser editados; faltam remédios no Farmácia Popular; não há estoques de vacinas para o enfrentamento das novas variantes da COVID-19. Faltam recursos para a compra de merenda escolar; as universidades corriam o risco de não concluir o ano letivo; não existem recursos para a Defesa Civil e a prevenção de acidentes e desastres. Quem está pagando a conta deste apagão é o povo brasileiro." Meus amigos e minhas amigas. Nesses últimos anos, vivemos, sem dúvida, um dos piores períodos da nossa história. Uma era de sombras, de incertezas e de muito sofrimento. Mas esse pesadelo chegou ao fim, pelo voto soberano, na eleição mais importante desde a redemocratização do país. Uma eleição que demonstrou o compromisso do povo brasileiro com a democracia e suas instituições. Essa extraordinária vitória da democracia nos obriga a olhar para a frente e a esquecer nossas diferenças, que são muito menores que aquilo que nos une para sempre: o amor pelo Brasil e a fé inquebrantável em nosso povo. Agora, é hora de reacendermos a chama da esperança, da solidariedade e do amor ao próximo. Agora é hora de voltar a cuidar do Brasil e do povo brasileiro. Gerar empregos, reajustar o salário mínimo acima da inflação, baratear o preço dos alimentos. Criar ainda mais vagas nas universidades, investir fortemente na saúde, na educação, na ciência e na cultura. Retomar as obras de infraestrutura e do Minha Casa Minha Vida, abandonadas pelo descaso do governo que se foi. É hora de trazer investimentos e reindustrializar o Brasil. Combater outra vez as mudanças climáticas e acabar de uma vez por todas com a devastação de nossos biomas, sobretudo a Amazônia. Romper com o isolamento internacional e voltar a se relacionar com todos os países do mundo. Não é hora para ressentimentos estéreis. Agora é hora de o Brasil olhar para a frente e voltar a sorrir. Vamos virar essa página e escrever, em conjunto, um novo e decisivo capítulo da nossa história. Nosso desafio comum é o da criação de um país justo, inclusivo, sustentável, criativo, democrático e soberano, para todos os brasileiros e brasileiras. Fiz questão de dizer ao longo de toda a campanha: o Brasil tem jeito. E volto a dizer com toda convicção, mesmo diante do quadro de destruição revelado pelo Gabinete de Transição: o Brasil tem jeito. Depende de nós, de todos nós. Em meus quatro anos de mandato, vamos trabalhar todos os dias para o Brasil vencer o atraso de mais de 350 anos de escravidão. Para recuperar o tempo e as oportunidades perdidas nesses últimos anos. Para reconquistar seu lugar de destaque no mundo. E para que cada brasileiro e cada brasileira tenha o direito de voltar a sonhar, e as oportunidades para realizar aquilo que sonha. Precisamos, todos juntos, reconstruir e transformar o Brasil. Mas só reconstruiremos e transformaremos de fato este país se lutarmos com todas as forças contra tudo aquilo que o torna tão desigual. Essa tarefa não pode ser de apenas um presidente ou mesmo de um governo. É urgente e necessária a formação de uma frente ampla contra a desigualdade, que envolva a sociedade como um todo: trabalhadores, empresários, artistas, intelectuais, governadores, prefeitos, deputados, senadores, sindicatos, movimentos sociais, associações de classe, servidores públicos, profissionais liberais, líderes religiosos, cidadãos e cidadãs comuns. É tempo de união e reconstrução. Por isso, faço este chamamento a todos os brasileiros e brasileiras que desejam um Brasil mais justo, solidário e democrático: juntem-se a nós num grande mutirão contra a desigualdade. Quero terminar pedindo a cada um e a cada uma de vocês: que a alegria de hoje seja a matéria-prima da luta de amanhã e de todos os dias que virão. Que a esperança de hoje fermente o pão que há de ser repartido entre todos. E que estejamos sempre prontos a reagir, em paz e em ordem, a quaisquer ataques de extremistas que queiram sabotar e destruir a nossa democracia. Na luta pelo bem do Brasil, usaremos as armas que nossos adversários mais temem: a verdade, que se sobrepôs à mentira; a esperança, que venceu o medo; e o amor, que derrotou o ódio. Viva o Brasil. E viva o povo brasileiro.
2023-01-01
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brasil
Quem é Raoni, cacique que subiu rampa com Lula na posse presidencial
Uma das principais lideranças indígenas do país, o cacique kayapó Raoni Metuktire esteve entre os representantes do povo brasileiro que subiram a rampa do do Planalto neste domingo (01/01) durante a cerimônia de entrega de faixa na posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No passado, Raoni já teceu críticas ao petista. Liderança reconhecida mundialmente, Raoni recebeu o título de Membro Honorário da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) em 2021. Em 2020, ele chegou a ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Segundo um site mantido pela ONG francesa Planète Amazone, parceira de longa data de Raoni, ele nasceu por volta de 1932 na aldeia Krajmopyjakare, no nordeste do Mato Grosso. Na época, o povo kayapó (autodenominado mebêngôkre) era nômade e não tinha contato regular com o mundo exterior. Naqueles anos, os irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas-Bôas percorriam a região a serviço do governo federal, identificando áreas onde autoridades pretendiam realizar obras e instalar núcleos habitacionais. Numa dessas andanças, em 1954, os irmãos Villas-Bôas conheceram Raoni. Foi com eles que o líder kayapó ampliou suas noções sobre a língua portuguesa e sobre o mundo dos brancos. Em 1958, o indígena acompanhou o trio numa expedição para demarcar o centro geográfico do Brasil, às margens do rio Xingu, em cuja bacia o povo kayapó vive até hoje. O país era então presidido por Juscelino Kubitschek, que já estivera com Raoni em 1950. Fim do Matérias recomendadas Em 1964, o cacique encontrou o rei Leopoldo 3º da Bélgica, que visitou o Brasil 13 anos após deixar o trono. Foi o primeiro de vários líderes estrangeiros com que ele teve contato, lista que inclui dois papas — João Paulo 2º e Francisco — e três presidentes da França — Fraçois Mitterrand (1981-1995), Jacques Chirac (1995-2007) e o atual mandatário, Emmanuel Macron. A fama internacional de Raoni foi catapultada por um encontro com o cineasta belga Jean-Pierre Dutilleux. Os dois se conheceram em 1973 e, anos depois, o cineasta gravou um documentário sobre o indígena e seu povo. Aclamado pela crítica, o filme "Raoni" teve sua versão em inglês narrada pelo ator americano Marlon Brando. Foi indicado ao Oscar e exibido no Festival de Cannes. No Brasil, ganhou o prêmio de melhor filme em Gramado. Nos anos 1980, Dutilleux apresentou Raoni ao cantor britânico Sting. Vários anos antes da popularização das marchas pelo clima e das conferências globais sobre meio ambiente, a dupla rodou o mundo pedindo apoio à preservação das florestas e aos direitos dos povos indígenas. Eram tempos em que o agronegócio e a mineração se expandiam velozmente pela Amazônia, favorecidos por grandes obras e políticas da ditadura militar (1964-1985). No norte do Mato Grosso, só não virariam fazendas as áreas de floresta demarcadas como terras indígenas ou reservas ambientais. Naqueles anos, garimpeiros começaram a chegar em maior número às terras dos kayapós — e, desde então, jamais saíram completamente. Hoje eles têm o respaldo de alguns líderes do grupo, que recebem dinheiro dos garimpeiros em troca da permissão para atuar no território. A atividade é ilegal. Enquanto se projetava no exterior ao lado de Sting, Raoni também se tornava cada vez mais conhecido no Brasil. Na Assembleia Constituinte, o líder levou dezenas de guerreiros kayapós a Brasília para pressionar os congressistas a aprovar uma Constituição favorável às comunidades nativas. O movimento, do qual participaram vários outros povos nativos, teve sucesso e abriu o caminho para a demarcação de grandes terras indígenas no país. Desde aquela época, Raoni e os kayapós viraram presença frequente em mobilizações indígenas na capital. No Acampamento Terra Livre, hoje o principal evento do tipo, os kayapós costumam atrair a atenção de cinegrafistas quando apresentam suas danças e cantos típicos, adornados com penas e pinturas corporais. Nesses eventos, Raoni é tratado com deferência e tietado por outros indígenas — feito notável para alguém cujo povo, até meio século atrás, vivia em guerra com quase todas as etnias vizinhas. Apesar de participar da posse de Lula, Raoni já teceu duras críticas ao petista no passado. O líder indígena também era um crítico ferrenho das ações do presidente Jair Bolsonaro (PL). Em entrevista à BBC News Brasil em 2019, Raoni disse que a luta contra Bolsonaro era "a mesma que fizemos contra Lula e Dilma". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "Todos os presidentes anteriores nos apoiaram. A partir de Lula, todos geraram divisão entre o índio e o governo", afirmou. Raoni diz que os anos Lula e Dilma marcaram uma inflexão na sua relação com o governo federal. Ele afirma que foi recebido por todos os presidentes que governaram entre a redemocratização e a posse de Lula: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e FHC. Todos eles, diz Raoni, "me apoiaram muito para que eu pudesse ajudar meu povo". Com Lula, porém, a relação se deteriorou. "Ele começou a planejar essa ideia de levantar (a hidrelétrica de) Belo Monte. Nós conseguimos parar a obra, só que ela recomeçou com o governo Dilma. E Dilma autorizou Belo Monte." Crítico ao empreendimento, Raoni deixou de ser recebido no Palácio do Planalto. "Nossa luta contra Bolsonaro é a mesma que fizemos contra Lula e Dilma. Todos eles — Lula, Dilma, Bolsonaro — geraram essa divisão entre o índio e o governo. Por isso que eu venho lutando para que não haja essa divisão."
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64142129
brasil
Armas, meio ambiente e sigilo: os primeiros 'revogaços' do governo Lula
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou neste domingo (1/1) os primeiros decretos revogando medidas tomadas durante o governo do seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O chamado "revogaço" foi prometido por Lula durante a campanha eleitoral e começou mudanças na política de armas, meio ambiente e sigilo de dados. "Alguns serão assinados agora (durante a cerimônia de posse no Palácio do Planalto) e outros ao longo da noite", disse Padilha na saída da solenidade de posse de Lula no Congresso Nacional. Na política de armas, os decretos assinados por Lula determinam o seguinte: A importância dada pelo novo governo aos decretos sobre a política de armas ficou presente no discurso que Lula fez ao tomar nosse no Congresso Nacional. "Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer mais armas; quer paz e segurança para o seu povo", disse. Fim do Matérias recomendadas Na área ambiental, os decretos assinados pelo presidente determinaram: Em relação ao sigilo de documentos e informações, os decretos assinados por Lula determinaram que: À BBC News Brasil, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que, nos próximos dias, mais "revogaços" devem ser publicados. Na mira do novo governo estão a revogação de medidas com a que criou a necessidade de se realizar uma audiência de conciliação entre os órgãos de fiscalização federais e os infratores ambientais. As audiências vêm sendo criticadas por ambientalistas como uma forma de favorecer a prescrição de multas ambientais, dificultando a punição a desmatadores. Também há a expectativa de que mais "revogaços" sejam feitos em outras áreas do governo como a educação. O gabinete de transição mapeou políticas que deveriam ser revistas nesse segmento como o fim do programa de implementação de escolas cívico-militares. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Durante o discurso neste domingo, Lula disse que também deve revogar o teto de gastos — regra constitucional que limita o aumento das despesas ao crescimento da inflação. Para falar sobe esse tema, Lula mencionou o Sistema Único de Saúde (SUS). "O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 1988. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então, e foi, também, a mais prejudicada por uma estupidez chamada teto de gastos, que haveremos de revogar." Ainda no discurso, o novo presidente afirmou que uma das prioridades de seu terceiro mandato será o combate à fome e à miséria no país. "Diante do desastre orçamentário que recebemos, apresentei ao Congresso Nacional propostas que nos permitam apoiar a imensa camada da população que necessita do estado para, simplesmente, sobreviver", afirmou. "Não seria justo nem correto pedir paciência a quem tem fome (...)." "Este compromisso começa pela garantia de um programa Bolsa Família renovado, mais forte e mais justo, para atender a quem mais necessita. Nossas primeiras ações visam a resgatar da fome 33 milhões de pessoas e resgatar da pobreza mais de 100 milhões de brasileiras e brasileiros, que suportaram a mais dura carga do projeto de destruição nacional que hoje se encerra."
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64142127
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Lula discursa no Congresso: 'Assumo o país sobre terríveis ruínas'; leia íntegra
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou no Congresso após tomar posse neste domingo (1/1). Na fala, ele exaltou a democracia, a "grande vitoriosa" das eleições, e criticou o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), classificado pelo petista com um "projeto de destruição nacional". Lula afirmou que assume o país sob "terríveis ruínas" e com um "desastre orçamentário". Em uma fala de 31 minutos, o presidente falou sobre a situação econômica encontrada pelo governo de transição. "O diagnóstico que recebemos do gabinete do governo de transição é estarrecedor." "Houve uma destruição do Estado em nome supostas liberdades individuais", afirmou. Lula também reafirmou o objetivo de combater a fome. "Nossas primeiras ações visam resgatar da fome 33 milhões de brasileiros." Fim do Matérias recomendadas Confira abaixo alguns pontos do discurso do petista. Lula começou seu discurso com críticas ao governo anterior, de Bolsonaro. "O diagnóstico que recebemos do gabinete de transição de governo é estarrecedor. Esvaziaram os recursos da saúde. Desmontaram a educação, a cultura, ciência e tecnologia. Destruíram a proteção ao meio ambiente. Não deixaram recursos para a merenda escolar, a vacinação, a segurança pública, a proteção às florestas, a assistência social." Ele continuou: "Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas." "É sobre estas terríveis ruínas que assumo o compromisso de, junto com o povo brasileiro, reconstruir o país e fazer novamente um Brasil de todos e para todos." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast No início do discurso, Lula afirmou que a democracia foi "grande vitoriosa" das eleições do ano passado. "Foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu; as mais violentas ameaças à liberdade do voto, a mais abjeta campanha de mentiras e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado." "Nunca os recursos do estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder. Nunca a máquina pública foi tão desencaminhada dos controles republicanos. Nunca os eleitores foram tão constrangidos pelo poder econômico e por mentiras disseminadas em escala industrial." Lula também que seu governo não será "revanchista", mas que "quem errou responderá por seus erros". "Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a Nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal. O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia.", disse. No discurso, o novo presidente afirmou que uma das prioridades de seu terceiro mandato será o combate à fome e à miséria no país. "Diante do desastre orçamentário que recebemos, apresentei ao Congresso Nacional propostas que nos permitam apoiar a imensa camada da população que necessita do estado para, simplesmente, sobreviver", afirmou. "Não seria justo nem correto pedir paciência a quem tem fome (...) "Este compromisso começa pela garantia de um programa Bolsa Família renovado, mais forte e mais justo, para atender a quem mais necessita. Nossas primeiras ações visam a resgatar da fome 33 milhões de pessoas e resgatar da pobreza mais de 100 milhões de brasileiras e brasileiros, que suportaram a mais dura carga do projeto de destruição nacional que hoje se encerra." Lula afirmou que vai revogar uma série de políticas adotadas nos últimos anos, como o teto de gastos e os decretos que flexibilizaram o acesso às armas pela população - medidas que ele chamou de "criminosas". Para falar sobre o teto de gastos - regra constitucional que limita o aumento das despesas ao crescimento da inflação -, Lula falou sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). "O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 1988. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então, e foi, também, a mais prejudicada por uma estupidez chamada teto de gastos, que haveremos de revogar." Sobre os decretos de flexibilização do acesso às armas: "Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer mais armas; quer paz e segurança para seu povo", disse. Lula também citou, mesmo que indiretamente, os decretos assinados por Bolsonaro que colocaram 100 anos de sigilo sobre algumas ações de seu governo. "A partir de hoje, a Lei de Acesso à Informação voltará a ser cumprida, o portal da transparência voltará a cumprir seu papel, os controles republicanos voltarão a ser exercidos para defender o interesse público. Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a Nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei", disse. Pela terceira vez compareço a este Congresso Nacional para agradecer ao povo brasileiro o voto de confiança que recebemos. Renovo o juramento de fidelidade à Constituição da República, junto com o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros que conosco vão trabalhar pelo Brasil. Se estamos aqui, hoje, é graças à consciência política da sociedade brasileira e à frente democrática que formamos ao longo desta histórica campanha eleitoral. Foi a democracia a grande vitoriosa nesta eleição, superando a maior mobilização de recursos públicos e privados que já se viu; as mais violentas ameaças à liberdade do voto, a mais abjeta campanha de mentiras e de ódio tramada para manipular e constranger o eleitorado. Nunca os recursos do estado foram tão desvirtuados em proveito de um projeto autoritário de poder. Nunca a máquina pública foi tão desencaminhada dos controles republicanos. Nunca os eleitores foram tão constrangidos pelo poder econômico e por mentiras disseminadas em escala industrial. Apesar de tudo, a decisão das urnas prevaleceu, graças a um sistema eleitoral internacionalmente reconhecido por sua eficácia na captação e apuração dos votos. Foi fundamental a atitude corajosa do Poder Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral, para fazer prevalecer a verdade das urnas sobre a violência de seus detratores. SENHORAS E SENHORES PARLAMENTARES, Ao retornar a este plenário da Câmara dos Deputados, onde participei da Assembleia Constituinte de 1988, recordo com emoção os embates que travamos aqui, democraticamente, para inscrever na Constituição o mais amplo conjunto de direitos sociais, individuais e coletivos, em benefício da população e da soberania nacional. Vinte anos atrás, quando fui eleito presidente pela primeira vez, ao lado do companheiro vice-presidente José Alencar, iniciei o discurso de posse com a palavra "mudança". A mudança que pretendíamos era simplesmente concretizar os preceitos constitucionais. A começar pelo direito à vida digna, sem fome, com acesso ao emprego, saúde e educação. Disse, naquela ocasião, que a missão de minha vida estaria cumprida quando cada brasileiro e brasileira pudesse fazer três refeições por dia. Ter de repetir este compromisso no dia de hoje - diante do avanço da miséria e do regresso da fome, que havíamos superado - é o mais grave sintoma da devastação que se impôs ao país nos anos recentes. Hoje, nossa mensagem ao Brasil é de esperança e reconstrução. O grande edifício de direitos, de soberania e de desenvolvimento que esta Nação levantou, a partir de 1988, vinha sendo sistematicamente demolido nos anos recentes. É para reerguer este edifício de direitos e valores nacionais que vamos dirigir todos os nossos esforços. SENHORAS E SENHORES, Em 2002, dizíamos que a esperança tinha vencido o medo, no sentido de superar os temores diante da inédita eleição de um representante da classe trabalhadora para presidir os destinos do país. Em oito anos de governo deixamos claro que os temores eram infundados. Do contrário, não estaríamos aqui novamente. Ficou demonstrado que um representante da classe trabalhadora podia, sim, dialogar com a sociedade para promover o crescimento econômico de forma sustentável e em benefício de todos, especialmente dos mais necessitados. Ficou demonstrado que era possível, sim, governar este país com a mais ampla participação social, incluindo os trabalhadores e os mais pobres no orçamento e nas decisões de governo. Ao longo desta campanha eleitoral vi a esperança brilhar nos olhos de um povo sofrido, em decorrência da destruição de políticas públicas que promoviam a cidadania, os direitos essenciais, a saúde e a educação. Vi o sonho de uma Pátria generosa, que ofereça oportunidades a seus filhos e filhas, em que a solidariedade ativa seja mais forte que o individualismo cego. O diagnóstico que recebemos do Gabinete de Transição de Governo é estarrecedor. Esvaziaram os recursos da Saúde. Desmontaram a Educação, a Cultura, Ciência e Tecnologia. Destruíram a proteção ao Meio Ambiente. Não deixaram recursos para a merenda escolar, a vacinação, a segurança pública, a proteção às florestas, a assistência social. Desorganizaram a governança da economia, dos financiamentos públicos, do apoio às empresas, aos empreendedores e ao comércio externo. Dilapidaram as estatais e os bancos públicos; entregaram o patrimônio nacional. Os recursos do país foram rapinados para saciar a cupidez dos rentistas e de acionistas privados das empresas públicas. É sobre estas terríveis ruínas que assumo o compromisso de, junto com o povo brasileiro, reconstruir o país e fazer novamente um Brasil de todos e para todos. SENHORAS E SENHORES, Diante do desastre orçamentário que recebemos, apresentei ao Congresso Nacional propostas que nos permitam apoiar a imensa camada da população que necessita do estado para, simplesmente, sobreviver. Agradeço à Câmara e ao Senado pela sensibilidade frente às urgências do povo brasileiro. Registro a atitude extremamente responsável do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União frente às situações que distorciam a harmonia dos poderes. Assim fiz porque não seria justo nem correto pedir paciência a quem tem fome. Nenhuma nação se ergueu nem poderá se erguer sobre a miséria de seu povo. Os direitos e interesses da população, o fortalecimento da democracia e a retomada da soberania nacional serão os pilares de nosso governo. Este compromisso começa pela garantia de um Programa Bolsa Família renovado, mais forte e mais justo, para atender a quem mais necessita. Nossas primeiras ações visam a resgatar da fome 33 milhões de pessoas e resgatar da pobreza mais de 100 milhões de brasileiras e brasileiros, que suportaram a mais dura carga do projeto de destruição nacional que hoje se encerra. SENHORAS E SENHORES, Este processo eleitoral também foi caracterizado pelo contraste entre distintas visões de mundo. A nossa, centrada na solidariedade e na participação política e social para a definição democrática dos destinos do país. A outra, no individualismo, na negação da política, na destruição do estado em nome de supostas liberdades individuais. A liberdade que sempre defendemos é a de viver com dignidade, com pleno direito de expressão, manifestação e organização. A liberdade que eles pregam é a de oprimir o vulnerável, massacrar o oponente e impor a lei do mais forte acima das leis da civilização. O nome disso é barbárie. Compreendi, desde o início da jornada, que deveria ser candidato por uma frente mais ampla do que o campo político em que me formei, mantendo o firme compromisso com minhas origens. Esta frente se consolidou para impedir o retorno do autoritarismo ao país. A partir de hoje, a Lei de Acesso à Informação voltará a ser cumprida, o Portal da Transparência voltará a cumprir seu papel, os controles republicanos voltarão a ser exercidos para defender o interesse público. Não carregamos nenhum ânimo de revanche contra os que tentaram subjugar a Nação a seus desígnios pessoais e ideológicos, mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal. O mandato que recebemos, frente a adversários inspirados no fascismo, será defendido com os poderes que a Constituição confere à democracia. Ao ódio, responderemos com amor. À mentira, com a verdade. Ao terror e à violência, responderemos com a Lei e suas mais duras consequências. Sob os ventos da redemocratização, dizíamos: ditadura nunca mais! Hoje, depois do terrível desafio que superamos, devemos dizer: democracia para sempre! Para confirmar estas palavras, teremos de reconstruir em bases sólidas a democracia em nosso país. A democracia será defendida pelo povo na medida em que garantir a todos e a todas os direitos inscritos na Constituição. SENHORAS E SENHORES, Hoje mesmo estou assinando medidas para reorganizar as estruturas do Poder Executivo, de modo que voltem a permitir o funcionamento do governo de maneira racional, republicana e democrática. Para resgatar o papel das instituições do estado, bancos públicos e empresas estatais no desenvolvimento do país. Para planejar os investimentos públicos e privados na direção de um crescimento econômico sustentável, ambientalmente e socialmente. Em diálogo com os 27 governadores, vamos definir prioridades para retomar obras irresponsavelmente paralisadas, que são mais de 14 mil no país. Vamos retomar o Minha Casa, Minha Vida e estruturar um novo PAC para gerar empregos na velocidade que o Brasil requer. Buscaremos financiamento e cooperação - nacional e internacional - para o investimento, para dinamizar e expandir o mercado interno de consumo, desenvolver o comércio, exportações, serviços, agricultura e a indústria. Os bancos públicos, especialmente o BNDES, e as empresas indutoras do crescimento e inovação, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo. Ao mesmo tempo, vamos impulsionar as pequenas e médias empresas, potencialmente as maiores geradoras de emprego e renda, o empreendedorismo, o cooperativismo e a economia criativa. A roda da economia vai voltar a girar e o consumo popular terá papel central neste processo. Vamos retomar a política de valorização permanente do salário-mínimo. E estejam certos de que vamos acabar, mais uma vez, com a vergonhosa fila do INSS, outra injustiça restabelecida nestes tempos de destruição. Vamos dialogar, de forma tripartite - governo, centrais sindicais e empresariais - sobre uma nova legislação trabalhista. Garantir a liberdade de empreender, ao lado da proteção social, é um grande desafio nos tempos de hoje. SENHORAS E SENHORES, O Brasil é grande demais para renunciar a seu potencial produtivo. Não faz sentido importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Temos capacitação técnica, capitais e mercado em grau suficiente para retomar a industrialização e a oferta de serviços em nível competitivo. O Brasil pode e deve figurar na primeira linha da economia global. Caberá ao estado articular a transição digital e trazer a indústria brasileira para o Século XXI, com uma política industrial que apoie a inovação, estimule a cooperação público-privada, fortaleça a ciência e a tecnologia e garanta acesso a financiamentos com custos adequados. O futuro pertencerá a quem investir na indústria do conhecimento, que será objeto de uma estratégia nacional, planejada em diálogo com o setor produtivo, centros de pesquisa e universidades, junto com o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, os bancos públicos, estatais e agências de fomento à pesquisa. Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental, a partir da criatividade da bioeconomia e dos empreendimentos da socio-biodiversidade. Vamos iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte, uma indústria mais verde. Nossa meta é alcançar desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica, além de estimular o reaproveitamento de pastagens degradadas. O Brasil não precisa desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola. Incentivaremos, sim, a prosperidade na terra. Liberdade e oportunidade de criar, plantar e colher continuará sendo nosso objetivo. O que não podemos admitir é que seja uma terra sem lei. Não vamos tolerar a violência contra os pequenos, o desmatamento e a degradação do ambiente, que tanto mal já fizeram ao país. Esta é uma das razões, não a única, da criação do Ministério dos Povos Indígenas. Ninguém conhece melhor nossas florestas nem é mais capaz de defendê-las do que os que estavam aqui desde tempos imemoriais. Cada terra demarcada é uma nova área de proteção ambiental. A estes brasileiros e brasileiras devemos respeito e com eles temos uma dívida histórica. Vamos revogar todas as injustiças cometidas contra os povos indígenas. SENHORAS E SENHORES, Uma nação não se mede apenas por estatísticas, por mais impressionantes que sejam. Assim como um ser humano, uma nação se expressa verdadeiramente pela alma de seu povo. A alma do Brasil reside na diversidade inigualável da nossa gente e das nossas manifestações culturais. Estamos refundando o Ministério da Cultura, com a ambição de retomar mais intensamente as políticas de incentivo e de acesso aos bens culturais, interrompidas pelo obscurantismo nos últimos anos. Uma política cultural democrática não pode temer a crítica nem eleger favoritos. Que brotem todas as flores e sejam colhidos todos os frutos da nossa criatividade, Que todos possam dela usufruir, sem censura nem discriminações. Não é admissível que negros e pardos continuem sendo a maioria pobre e oprimida de um país construído com o suor e o sangue de seus ascendentes africanos. Criamos o Ministério da Promoção da Igualdade Racial para ampliar a política de cotas nas universidades e no serviço público, além de retomar as políticas voltadas para o povo negro e pardo na saúde, educação e cultura. É inadmissível que as mulheres recebam menos que os homens, realizando a mesma função. Que não sejam reconhecidas em um mundo político machista. Que sejam assediadas impunemente nas ruas e no trabalho. Que sejam vítimas da violência dentro e fora de casa. Estamos refundando também o Ministério das Mulheres para demolir este castelo secular de desigualdade e preconceito. Não existirá verdadeira justiça num país em que um só ser humano seja injustiçado. Caberá ao Ministério dos Direitos Humanos zelar e agir para que cada cidadão e cidadã tenha seus direitos respeitados, no acesso aos serviços públicos e particulares, na proteção frente ao preconceito ou diante da autoridade pública. Cidadania é o outro nome da democracia. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública atuará para harmonizar os Poderes e entes federados no objetivo de promover a paz onde ela é mais urgente: nas comunidades pobres, no seio das famílias vulneráveis ao crime organizado, às milícias e à violência, venha ela de onde vier. Estamos revogando os criminosos decretos de ampliação do acesso a armas e munições, que tanta insegurança e tanto mal causaram às famílias brasileiras. O Brasil não quer mais armas; quer paz e segurança para seu povo. Sob a proteção de Deus, inauguro este mandato reafirmando que no Brasil a fé pode estar presente em todas as moradas, nos diversos templos, igrejas e cultos. Neste país todos poderão exercer livremente sua religiosidade. SENHORAS E SENHORES, O período que se encerra foi marcado por uma das maiores tragédias da história: a pandemia de Covid-19. Em nenhum outro país a quantidade de vítimas fatais foi tão alta proporcionalmente à população quanto no Brasil, um dos países mais preparados para enfrentar emergências sanitárias, graças à competência do nosso Sistema Único de Saúde. Este paradoxo só se explica pela atitude criminosa de um governo negacionista, obscurantista e insensível à vida. As responsabilidades por este genocídio hão de ser apuradas e não devem ficar impunes. O que nos cabe, no momento, é prestar solidariedade aos familiares, pais, órfãos, irmãos e irmãs de quase 700 mil vítimas da pandemia. O SUS é provavelmente a mais democrática das instituições criadas pela Constituição de 1988. Certamente por isso foi a mais perseguida desde então, e foi, também, a mais prejudicada por uma estupidez chamada Teto de Gastos, que haveremos de revogar. Vamos recompor os orçamentos da Saúde para garantir a assistência básica, a Farmácia Popular, promover o acesso à medicina especializada. Vamos recompor os orçamentos da Educação, investir em mais universidades, no ensino técnico, na universalização do acesso à internet, na ampliação das creches e no ensino público em tempo integral. Este é o investimento que verdadeiramente levará ao desenvolvimento do país. O modelo que propomos, aprovado nas urnas, exige, sim, compromisso com a responsabilidade, a credibilidade e a previsibilidade; e disso não vamos abrir mão. Foi com realismo orçamentário, fiscal e monetário, buscando a estabilidade, controlando a inflação e respeitando contratos que governamos este país. Não podemos fazer diferente. Teremos de fazer melhor. SENHORAS E SENHORES, Os olhos do mundo estiveram voltados para o Brasil nestas eleições. O mundo espera que o Brasil volte a ser um líder no enfrentamento à crise climática e um exemplo de país social e ambientalmente responsável, capaz de promover o crescimento econômico com distribuição de renda, combater a fome e a pobreza, dentro do processo democrático. Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da Unasul e demais instâncias de articulação soberana da região. Sobre esta base poderemos reconstruir o diálogo altivo e ativo com os Estados Unidos, a Comunidade Europeia, a China, os países do Oriente e outros atores globais; fortalecendo os BRICS, a cooperação com os países da África e rompendo o isolamento a que o país foi relegado. O Brasil tem de ser dono de si mesmo, dono de seu destino. Tem de voltar a ser um país soberano. Somos responsáveis pela maior parte da Amazônia e por vastos biomas, grandes aquíferos, jazidas de minérios, petróleo e fontes de energia limpa. Com soberania e responsabilidade seremos respeitados para compartilhar essa grandeza com a humanidade - solidariamente, jamais com subordinação. A relevância da eleição no Brasil refere-se, por fim, às ameaças que o modelo democrático vem enfrentando. Ao redor do planeta, articula-se uma onda de extremismo autoritário que dissemina o ódio e a mentira por meios tecnológicos que não se submetem a controles transparentes. Defendemos a plena liberdade de expressão, cientes de que é urgente criarmos instâncias democráticas de acesso à informação confiável e de responsabilização dos meios pelos quais o veneno do ódio e da mentira são inoculados. Este é um desafio civilizatório, da mesma forma que a superação das guerras, da crise climática, da fome e da desigualdade no planeta. Reafirmo, para o Brasil e para o mundo, a convicção de que a Política, em seu mais elevado sentido - e apesar de todas as suas limitações - é o melhor caminho para o diálogo entre interesses divergentes, para a construção pacífica de consensos. Negar a política, desvalorizá-la e criminalizá-la é o caminho das tiranias. Minha mais importante missão, a partir de hoje, será honrar a confiança recebida e corresponder às esperanças de um povo sofrido, que jamais perdeu a fé no futuro nem em sua capacidade de superar os desafios. Com a força do povo e as bênçãos de Deus, haveremos der reconstruir este país. Viva a democracia! Viva o povo brasileiro! Muito obrigado.
2023-01-01
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Os líderes estrangeiros presentes na posse de Lula
De embaixadores a presidentes, cerca de 120 estrangeiros respresentaram seus países na posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Brasília, no dia 1° de janeiro. Mais de 70 delegações estrangeiras compostas por chefes e vices-chefes de Estado, de Governo e de Poder, além de ministros de negócios estrangeiros e enviados especiais marcaram presença na posse de Lula. Estiveram presentes 19 chefes de Estado, quatro primeiros-ministros e uma primeira-dama, além de vice-presidentes, ministros de Estado, chefes de missões diplomáticas e representantes de organizações internacionais, entre outros. O número de presenças é expressivamente maior do que na posse do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2018. Na ocasião, dez chefes de Estado e de governo, metade deles latino-americanos, estiveram presentes. Havia grande especulação sobre se o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ou alguma delegação enviada por ele compareceria à posse. Uma portaria de 2019, editada na gestão de Jair Bolsonaro, vetava a presença do governante venezuelano em solo brasileiro, o que impediria a presença dele na cerimônia. A portaria, no entanto, foi revogada pelo atual governo, a pedido do governo de transição, no dia 29 de dezembro. Maduro acabou decidindo não comparecer e enviar o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodrigues. Fim do Matérias recomendadas Confira, a seguir, alguns dos destaques da lista de líderes que foram ao evento. Estiveram os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, e da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier. O rei da Espanha, Felipe VI, também marcou presença na posse. O monarca espanhol ascendeu ao trono em 2014, após o pai, rei Juan Carlos, abdicar em consequência de alguns escândalos de adultério e recebimento suspeito de dinheiro. Reino Unido, França e a União Europeia (UE) decidiram ser representados por enviados especiais. A enviada britânica é Thérèse Coffey, secretária de Estado para Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais. Ela já se reuniu com membros da equipe de transição de Lula durante a COP-27, no Egito. O presidente argentino, Alberto Fernández, foi um dos primeiros a confirmar presença publicamente na posse. O peronista deve ser um dos principais aliados internacionais de Lula em seu início de mandato. O primeiro compromisso oficial do presidente eleito após a vitória nas urnas foi justamente um encontro com Fernández, em São Paulo, no dia seguinte ao segundo turno. Outros presidentes da América do Sul presentes foram Luis Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Rodrigo Chaves (Colômbia), Guilherme Lasso (Equador), Mario Abdo Benitez (Paraguai) e Luís Lacalle Pou (Uruguai). No caso do Uruguai, dois ex-presidentes, Julio María Sanguinetti (1995-2000) e José Pepe Mujica (2010-2015), também vieram ao Brasil para cumprimentar Lula. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não participou do evento. No seu lugar, a Casa Branca anunciou três enviados: a secretária do Interior, Deb Haaland, Douglas Koneff, encarregado de Negócios da Embaixada em Brasília, e Juan Gonzalez, assistente especial do presidente e diretor sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental, do Conselho de Segurança Nacional. Já a China enviouo vice-presidente Wang Qishan para liderar a delegação chinesa na cerimônia de posse. O ministro Wang Wenbin, das Relações Exteriores, disse que a diplomacia entre os dois países é estratégica. "A próxima viagem do vice-presidente Wang Qishan ao Brasil, como representante especial do presidente Xi Jinping, para a posse presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva fala da grande importância que a China atribui ao Brasil e às nossas relações bilaterais", disse Wenbin antes do evento. Apesar do conflito atual entre Rússia e Ucrânia, as duas nações enviaram representantes a Brasília. O governo ucraniano confirmou a presença de um vice-primeiro ministro, enquanto o Kremlin decidiu enviar a presidente do Conselho da Federação Russa, Valentina Matvienko (equivalente ao presidente do Senado no Brasil). As lideranças estrangeiras foram convidadas para uma recepção na noite deste domingo (1º) no Itamaraty. Segundo o responsável pelo cerimonial da posse, trata-se do maior evento com autoridades estrangeiras de alto nível no Brasil desde os Jogos Olímpicos Rio 2016. Outros presidentes que estiveram no evento são João Lourenço (Angola), Irfaan Ali (Guiana), Xiomara Castro (Honduras), Chan Santokhi (Suriname), José Maria Neves (Cabo Verde), José Ramos Horta (Timor Leste), Faure Gnassingbé Togo, Wang Qishan (Zimbábue). Entre os vice-presidentes, estavam Salvador Mesa; de El Salvador, Félix Ulloa e do Panamá, José Gabriel Carrizo. A primeira-dama do México, Beatriz Gutiérrez Müller, veio representando o presidente do país, Manuel López Obrador. Já os chefes de Governo quer marcaram presença foram os da República de Guiné, Mali, Marrocos e São Vicente e Granadinas. Estiveram presentes ainda os vice-primeiros ministros do Azerbaijão e da Ucrânia.
2023-01-01
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64122354
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Os países que podem se reaproximar do Brasil no governo Lula
O fim do governo Jair Bolsonaro também marca o encerramento de um período particularmente tumultuado para a diplomacia brasileira, que se distanciou nos últimos anos tanto das potências ocidentais quanto de orientais, além de vizinhos na América do Sul. Logo no seu primeiro discurso após a vitória no segundo turno, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou o termo "pária do mundo" para descrever a atual situação do país no cenário internacional. Já representantes do governo Bolsonaro, como o ex-chanceler Ernesto Araújo, disseram ao longo do mandato que trabalhavam pela estratégia de tornar o Brasil um ator global. A cerimônia de posse de Lula, no domingo (1º/1), terá a presença de líderes de Alemanha, Angola, Argentina, Bolívia, Cabo Verde, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Guiana, Guiné Bissau, Mali, Marrocos, Paraguai, Portugal, República de Guiné, São Vicente e Granadinas, Suriname, Timor Leste, Togo e Uruguai. Também haverá representantes de África do Sul, Arábia Saudita, Argélia, Azerbaijão, Camarões, China, Costa Rica, Cuba, Estados Unidos, El Salvador, França, Gabão, Guatemala, Guiné Equatorial, Haiti, Irã, Jamaica, Japão, Moçambique, Palestina, Panamá, México, Nicarágua, Palestina, Reino Unido, República Dominicana, Rússia, Sérvia, Ucrânia, Turquia e Zimbábue. Fim do Matérias recomendadas Alguns desses países tiveram divergências com o Brasil, algumas delas sérias, em anos recentes. Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, há oportunidades para restaurar as pontes danificadas seguindo o mote "credibilidade, previsibilidade e estabilidade", defendido por Lula para a diplomacia em seu próximo mandato. Além da reaproximação com as potências mundiais China, EUA, França e Alemanha, há espaço para diálogos com países latino-americanos, vários deles hoje governados pela esquerda (caso de Argentina, Chile, Colômbia e México) e de afinidade histórica com o presidente eleito. Existe também a possibilidade de uma nova política diplomática Sul-Sul, ou seja, voltada para nações em desenvolvimento do Hemisfério Sul, o que representaria mais contatos com a África. Foi uma marca dos dois primeiros mandatos de Lula. E mesmo a Rússia, que se acercou de Bolsonaro pouco antes do início da Guerra na Ucrânia, fez acenos ao novo governo. Lula tuitou na terça-feira (20/12) que conversou com o presidente Vladimir Putin e discutiu o "fortalecimento da relação". Foi anunciada a vinda de uma representante russa para a posse em Brasília. O futuro ministro das Relações Exteriores, embaixador Mauro Vieira, anunciou que as primeiras viagens internacionais de Lula serão para Argentina, Estados Unidos e China, possivelmente nos três primeiros meses de 2023. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Vieira, experiente diplomata de 71 anos, retorna ao cargo de chanceler após uma passagem durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT). Em seu período como chanceler, Ernesto Araújo se envolveu em diversas controvérsias. Hostilizou abertamente a China (o maior parceiro comercial do Brasil), rompeu o caráter historicamente conciliador do Itamaraty durante votações em organismos multilaterais e minimizou a crise climática num momento em que o tema ganhava importância a cada dia. Pressionado, Araújo foi substituído em março de 2021 pelo diplomata de carreira Carlos Alberto França, de atuação bem menos ruidosa à frente do cargo. Mas mesmo quando o Itamaraty não estava envolvido, o governo Bolsonaro ocupou manchetes internacionais em situações inesperadas. No primeiro ano de mandato, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ofendeu gratuitamente a primeira-dama francesa Brigitte Macron ao dizer que ela "é feia mesmo". Guedes voltou a ser mencionado pela mídia francesa ao declarar que o país europeu (maior empregador estrangeiro em território brasileiro) está "ficando irrelevante" para o Brasil e que o governo poderia "ligar o f...-se". Assim, ainda pré-candidato à Presidência e sem um cargo oficial, Lula foi convidado pelo presidente francês Emmanuel Macron para um encontro de pouco mais de uma hora em Paris, em novembro de 2021, com honrarias reservadas a altas personalidades. Na mesma viagem ainda reuniu-se com Olaf Scholz, atual premiê alemão e então sucessor de Angela Merkel, e o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez. Com a vitória de Lula, a esperada reaproximação com França e Alemanha, os dois sócios mais poderosos da UE, deve se dar principalmente sob uma base: a questão ambiental em meio ao agravamento da crise climática, um dos principais motivos de fricção com os europeus nos anos Bolsonaro. "Acho que uma parte muito importante da cooperação do Brasil com o resto do mundo será na parte do meio ambiente, que se tornou um tema muito importante ao longo dos últimos anos. Essa é a grande diferença entre o cenário internacional dos dois primeiros governos Lula com o do próximo", diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo. Adriana Abdenur, diretora da plataforma Cipó e parte da atual equipe de transição na área de relações exteriores, afirma que os temas de desenvolvimento sustentável, clima e meio ambiente servirão de pontes não só com países mais ricos. "Eles podem representar parte de uma nova base para a integração regional, por meio da revitalização de espaços como o Mercosul, a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia, a Unasul [União de Nações Sul-Americanas,] assim como a Celac [Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos]. E o Brasil jogando em diversas agendas desses espaços pode, então, compor arranjos regionais". Vicente Ferraro Jr., cientista político e pesquisador do Laboratório de Estudos da Ásia da Universidade de São Paulo (USP), lembra que Brasil, Indonésia e República Democrática do Congo (RDC) anunciaram o esboço de um acordo na última Conferência do Clima das Nações Unidas. Os três países, que possuem 52% de todas as florestas tropicais remanescentes do planeta, pretendem atuar juntos com o objetivo de negociar um mecanismo internacional de incentivo financeiro para a preservação ambiental. "Esse grupo é possivelmente parte de uma estratégia de agenda ambiental que a diplomacia brasileira pode vir a buscar, porque é prioritária para os países do Hemisfério Norte. Pode vir a ser um importante laço", diz Ferraro Jr. "O Brasil havia investido e acumulado antes uma grande credibilidade, uma atuação muito propositiva em várias áreas de desenvolvimento sustentável, clima, meio ambiente, paz e segurança. A interrupção disso representou uma inversão do papel do Brasil, que causou grande alarme. E eu diria até perplexidade", analisa Abdenur. Integrante da equipe de transição, Abdenur relata que "ao contrário de outros ministérios que foram realmente esvaziados, inclusive no sentido de estrutura de pessoal, o Ministério das Relações Exteriores não foi desfalcado". Mas ela diz que há problemas. "Encontramos uma série de dívidas para com organizações internacionais, inclusive órgãos-chave, como a Assembleia Geral das Nações Unidas. Muitas dessas dívidas põem em xeque de uma forma muito imediata o poder de voto do Brasil. E isso traz repercussões para uma gama muito ampla de debates, discussões, mas também de políticas públicas." Contatado pela BBC News Brasil, o Itamaraty não respondeu sobre essa questão nem sobre outras críticas acerca de sua atuação durante o governo Bolsonaro. De qualquer forma, a tendência é que organizações multilaterais sejam o meio para o Brasil estimular diferentes formas de integração e coordenação, diz Ferraro Jr. "É possível que haja um esforço de retomar a Unasul e outros fóruns regionais e um esforço para aprofundar as relações no âmbito do Mercosul." Para isso, analisa o cientista político, será fundamental também superar disputas ideológicas no continente."A gente tem um cenário em que haverá governos de direita convivendo com outros de esquerda no continente. Esse projeto de integração sul-americano, latino-americano, não pode ter um entrave ideológico muito profundo porque inviabiliza o modelo." O futuro chanceler Mauro Vieira declarou que o restabelecimento das relações com a Venezuela, rompida por Bolsonaro, ocorrerá logo no início do governo. Na visão de Abdenur, "a normalização com o governo Maduro e com outros governos que foram colocados para escanteio nos últimos anos é essencial. Não necessariamente porque o novo governo vá concordar com todos os posicionamentos desses países, mas porque o Brasil tem uma tradição de universalismo através da qual ele dialoga com todos os países". Fica a incógnita de como será a cooperação política no âmbito dos Brics, o bloco de países emergentes formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, observa Ferraro Jr. "Haja vista que a Rússia é membro do Brics e a gente não sabe o quanto aparecer ao lado de uma figura como Vladimir Putin pode ser prejudicial para Lula e para a política externa brasileira." A volta de Lula ao poder se dá em um momento bem diferente do início dos anos 2000, quando começou seu primeiro mandato. Havia entusiasmo pela globalização, e as tensões atuais entre Rússia x Europa Ocidental e Estados Unidos x China estavam em um estágio embrionário. Stuenkel, da FGV, diz que "no meio das tensões crescentes entre grandes potências, me parece que não haverá muita mudança. Como foi com Bolsonaro, Lula buscará manter uma certa neutralidade para não ter que escolher entre esses blocos". Outro desafio será enfrentar a perspectiva de uma recessão econômica mundial. Uma parte importante da popularidade de Lula em seus primeiros mandatos se deve aos bons números da economia, que foi ajudada na época por um boom de commodities. "A expectativa de uma recessão internacional complica a recuperação do Brasil e diminui a chance de uma pacificação social. Isso atrapalha claramente as chances de estabelecer uma cooperação mais ampla pela necessidade de lidar com desafios internos", diz Stuenkel. "Agora, a crise é crescente na geopolítica, seja na Ucrânia ou lá na frente em relação a Taiwan. Também pode trazer algumas vantagens para a América Latina porque justamente alguns investidores podem preferir regiões que estão longe desse risco geopolítico. Mas, em geral, obviamente, a recessão sempre tende a aumentar a instabilidade política e dificultar a cooperação."
2022-12-31
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64032654
brasil
Morre Bento 16: como foi a passagem do papa pelo Brasil em 2007
A primeira canonização de um santo nascido no Brasil, a consolidação do nome de Jorge Mario Bergoglio dentro da Igreja e gestos de simpatia que acabaram conquistando os fiéis brasileiros: de acordo com relatos ouvidos pela BBC News Brasil, esse foi o saldo da única visita do papa Bento 16 ao Brasil, de 9 a 13 de maio de 2007. O papa emérito morreu neste sábado (31/12) aos 95 anos. Naquela visita, Bento 16 teve compromissos em São Paulo, em Aparecida e em Guaratinguetá. Celebrou missas, encontrou-se com jovens, visitou uma fazenda para recuperação de dependentes químicos e abriu a 5° Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho (Celam). O texto final daquela conferência, conhecido como Documento de Aparecida, foi coordenado pelo então cardeal arcebispo de Buenos Aires e presidente da Conferência Episcopal Argentina, Jorge Mario Bergoglio — hoje papa Francisco. "O convite para que Bento 16 visitasse o Brasil foi feito pelo cardeal dom Claudio Hummes, então arcebispo de São Paulo, no fim de 2005", conta o padre Michelino Roberto, da Arquidiocese de São Paulo. Fim do Matérias recomendadas "Na ocasião eu estudava e residia em Roma e acompanhei o cardeal Hummes na audiência em que o convite foi formalizado. Essa foi a primeira ocasião em que tive contato direto e pessoal com Bento 16." "Bento 16 veio ao Brasil principalmente por causa da conferência em Aparecida. E nesta conferência o então cardeal Bergoglio foi o responsável pela redação do documento e teve um papel importante na moderação das discussões", contextualiza o vaticanista Filipe Domingues, que acompanhou in loco os principais eventos da visita papal de 2007. "Isso mostra como na Igreja nada acontece por acaso, nada acontece de repente." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Domingues ressalta que a ponte entre os dois papas foi pavimentada nesse episódio. "Muita gente acha que eles não têm nada a ver um com o outro, mas na verdade há uma linha de continuidade muito forte, embora com estilos, abordagens e ênfases diferentes. Há plena sintonia." No discurso de abertura da Celam, Bento se dirigiu aos bispos que, no passado, tinham certa reserva com ele. No pontificado de João Paulo 2° (1920-2005), o então cardeal Joseph Aloisius Ratzinger comandou a Congregação para a Doutrina da Fé. Não foram poucas as rusgas dele, portanto, com bispos e padres latino-americanos, sobretudo por conta de divergências quanto à Teologia da Libertação, corrente cristã que prega a opção pelos pobres. Bento conquistou a audiência pelo discurso conciliador. "Ele disse, por exemplo, que nem o capitalismo nem o marxismo encontraram caminho para a criação de estruturas justas, que acabassem com as desigualdades e os problemas sociais na América Latina", lembra Domingues. "Ressaltou que não era por meio dessas ideologias que a Igreja iria promover a vida, nem pelo marxismo que acaba com as liberdades individuais, nem com o capitalismo desenfreado que acaba com a dignidade pessoal. Claramente disse que eram dois sistemas problemáticos." "O papa Bento 16 chegara ao país amarrado pela imagem deixada como cardeal Ratzinger, sempre descrito como pessoa sisuda e demasiadamente ocupada com a Doutrina da Fé. Nesse sentido, era inevitável contrastá-lo com seu antecessor, o papa João Paulo 2°, cuja empatia e afeto com as massas era notável", comenta o abade Matthias Tolentino Braga, anfitrião oficial do papa no Mosteiro de São Bento. Pelos protocolos pré-estabelecidos, ele deveria acenar para o público no Largo de São Bento, da sacada, apenas três vezes. Mas, comovido e entusiasmado pelos gritos da multidão, não resistiu e apareceu aos fiéis pelo menos dez vezes. "Bento 16 surpreendeu a todos ao esforçar-se para interagir com as multidões que acorriam ao seu encontro, ainda que faltasse amplitude aos seus braços e que fossem seu olhar e sorriso tímidos e silenciosos. Certamente contagiado pela alegria acolhedora e natural do brasileiro se sentiu amado e assim, amou a todos", completa o abade. "A segurança do Vaticano colocou muitos impedimentos e restrições para que o papa pudesse aparecer nela [na sacada]. Havia uma impressão de que ele realmente só fosse ali uma vez, sem fazer uso da palavra — e portanto, não foi organizado um sistema de som, por exemplo", recorda o jornalista Rafael Alberto Alves dos Santos, que na época trabalhava na Mitra Arquidiocesana de São Paulo e integrou a comissão organizadora da vinda de Bento. "Acontece que muito mais fiéis do que imaginávamos praticamente acamparam em frente ao mosteiro e permaneceram ali os dias todos que o papa esteve em São Paulo. Era uma turma bastante barulhenta, que chamava insistentemente pelo papa e, já logo no primeiro dia, ele pediu para ir à sacada. E o fez depois um monte de vezes. Por vontade dele. Porque ele ouvia as pessoas chamando por ele e pedia para ir até lá." "Após a visita, os comentários mais frequentes que ouvi das pessoas diziam respeito à quebra do paradigma de que Bento 16 não era um papa carismático", acrescenta padre Roberto. São Paulo só havia recebido um papa uma vez, na primeira das três viagens apostólicas feitas por João Paulo 2° ao Brasil, em 1980. Na ocasião, o Mosteiro de São Bento, instituição quatrocentona do centro da cidade, acabou preterido em favor do Mosteiro de São Geraldo, no Morumbi, para hospedar o sumo pontífice. Quando Bento 16 confirmou a visita, era a vez dos beneditinos do centro — inclusive para honrar o homônimo. Assim, em 12 de dezembro de 2006, a abadia recebeu uma comitiva do Vaticano para averiguar as condições e fazer as solicitações para atender ao ilustre hóspede. Foi pedido que toda a comitiva papal contasse com quartos individuais, que os aposentos de Bento tivessem três espaços — dormitório com banheiro, sala para visitas e um escritório —, e que o cardápio não incluísse peixes nem frutos do mar. Em cinco meses de reforma, os espaços foram deixados tinindo para o papa e seus assessores. "Os preparativos começaram logo em seguida ao anúncio da visita. Havia dois âmbitos de preocupação: a do líder religioso e suas implicações, pastorais e litúrgicas, e a do chefe de Estado e suas implicações, protocolos governamentais, segurança", explica Santos. "Desde sempre houve uma preocupação grande por parte da Arquidiocese para que a visita fosse o menos burocrática possível, ou seja, que os fiéis pudessem acompanhar de perto o papa." "À medida em que o Vaticano foi confirmando agendas do papa em São Paulo, íamos avançando nos preparativos específicos — o encontro com jovens no Pacaembu, com os bispos, na Catedral da Sé, e finalmente, a canonização de Frei Galvão, no campo de Marte, além das atividades mais internas, como encontro com autoridades e com lideranças de outras religiões." O quarto principal foi ambientado com quadros do monge e artista plástico Carlos Eduardo Uchôa e uma pequena biblioteca selecionada, com obras completas de Padre Antônio Vieira (1608-1697) em alemão, clássicos de Machado de Assis (1839-1908), além de títulos sobre arte brasileira, São Bento e mosteiros instalados em território nacional. Outros 12 quartos foram preparados para a comitiva — hospedaram-se no Mosteiro seu médico e enfermeiro particulares, o cerimoniário geral, dois secretários, dois assistentes e cinco seguranças. "Assisti às missas privadas que o papa celebrou na capela abacial do mosteiro. A simplicidade e piedade de Bento 16 tocou-me muito", comenta o padre Roberto. "Em uma dessas ocasiões, tentei aproximar-me para beijar-lhes as mãos e receber uma bênção e fui impedido por um membro da guarda suíça que cuidava da segurança do papa. Devo dizer que aquele oficial fez o seu trabalho com muito cuidado, sem que eu ficasse constrangido. Bento 16 percebeu e então, veio ao meu encontro e, sorridente, abençoou-me. Fiquei extremamente comovido e agradecido por esse gesto." No Mosteiro de São Bento, o papa teve seis refeições, entre cafés da manhã, almoços e jantares. O cardápio foi baseado na gastronomia italiana, mas com toque de brasilidade. Foi um serviço tradicional, com massa de entrada, prato principal e sobremesa. Um exemplo foi o nhoque, preparado com mandioquinha em vez de batata. A organização sempre incluiu doces tipicamente brasileiros ao fim das refeições. Ele recusou vinho todas as vezes, preferindo suco de laranja. Apenas no almoço do segundo dia, quando à mesa estava também um grupo de cardeais, Bento abriu uma exceção: brindou com espumante. Para o padre Michelino Roberto, o legado da visita papal foram as mensagens deixadas em seus discursos públicos. "Bento 16 falou um pouco de tudo: das desigualdades sociais, do zelo que a Igreja deve ter para com os pobres e menos favorecidos, da defesa da vida, da família, da verdadeira natureza da missão da Igreja e da necessidade de que seja missionária", analisa. "Nesse sentido, no encontro que teve com o então presidente Lula, defendeu a sacralidade da vida desde o início da concepção, reafirmando a posição da Igreja em relação ao aborto. Ao mesmo tempo, defendeu a laicidade do Estado que nada tem a ver com Estado ateu, mas sim, com proteção à liberdade religiosa. No encontro com os jovens, no estádio do Pacaembu, exortou-os a buscarem a santidade de vida e a não desperdiçarem os anos da juventude, mas dedicá-los a grandes ideais. Pessoalmente, dos eventos que tive a oportunidade de presenciar, marcou-me muito o encontro com os bispos, na Catedral da Sé. Recordo-me que falou de diversos temas importantes da vida da Igreja em um tom muito firme, ao mesmo tempo, sereno." Bento realizou uma série de pronunciamentos. O primeiro, ainda na chegada, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, no dia 9 de maio. No mesmo dia, saudou e abençoou os fiéis da sacada do Mosteiro de São Bento. No dia seguinte, participou de encontro com jovens no Pacaembu. "Tenho a memória de acompanhar a comitiva de carros que seguiam atrás do papamóvel o percurso que ele fez entre o mosteiro e o estádio e era impressionante o tanto de gente que tinha espalhada em todas as ruas pelas quais estava prevista a passagem", diz o jornalista Santos. "Lembro de estar na van alguns carros atrás do papamóvel, com os vidros fechados por recomendação da segurança e era impressionante ver as pessoas chorando e acenando, mesmo depois que o papamóvel já tinha passado e estava bem à frente." O ponto alto para os fiéis, contudo, foi o dia 11, quando ele celebrou a missa de canonização do franciscano Antônio de Sant'Ana Galvão, o Frei Galvão (1739-1822), que se tornaria então primeiro santo nascido no Brasil. Na data, ele também se encontrou com bispos na Catedral da Sé e fez novo discurso. No sábado, dia 12, ele começou o périplo pelo Vale do Paraíba. Primeiro, visitou as irmãs clarrisas da Fazenda Esperança, em Guaratinguetá, um centro de tratamento para dependentes químicos, e fez novo discurso. No mesmo dia, encontrou-se com religiosos na Basílica do Santuário de Aparecida — e fez outro pronunciamento. Domingo, dia 13, foi seu último dia no Brasil. Coube a ele a homilia da missa de abertura da Celam e o discurso inaugural dos trabalhos. À noitinha, realizou um último pronunciamento na despedida, já no aeroporto em Guarulhos. O vaticanista Domingues ressalta o papel político da visita ao Brasil, considerando que Bento era visto como um papa eurocêntrico. "Ele demonstrou que a igreja da América Latina é importante. Ficou a imagem do papa que sai da Europa", avalia. "E ainda quebrou o estereótipo de papa distante e conservador; mostrou-se aberto, próximo às pessoas." "Acho que a gente mudou um pouco o modo como o Brasil olhava para o papa Bento 16", afirma Santos. "Tínhamos a impressão de que o Papa era muito rígido, pouco próximo das pessoas. E ele chegou sorrindo, abraçou os fiéis, pediu para abaixar o vidro do papamóvel em frente à catedral da Sé, para o pavor dos seguranças, quis aparecer várias vezes na sacada. Olhando agora, parecem atitudes mais do papa Francisco do que de Bento. E acho que essa mudança de olhar reanimou muitos fiéis." "E a conferência [Celam] se provou essencial. Marcou a vida da igreja muito mais do que a gente pensava, tanto que levou à eleição de Francisco, um papa 'filho do Documento de Aparecida'", acrescenta Domingues. Antes de se tornar papa, o cardeal Ratzinger esteve uma outra vez no Brasil. Em julho de 1990, ele participou de um encontro com bispos brasileiros no Rio de Janeiro. Hospedou-se na residência do então cardeal arcebispo do Rio, Eugênio de Araújo Sales (1920-2012). Foram 10 dias de viagem. Ratzinger visitou os principais pontos turísticos da cidade, deu várias entrevistas criticando as correntes cristãs de cunho marxista e encontrou-se com o rabino Henry Sobel (1944-2019), então presidente da Congregação Israelita Paulista.
2022-12-31
https://www.bbc.com/portuguese/geral-53776807
brasil
'Pelé é o melhor jogador da história. Não houve, não há e não haverá igual', diz ex-técnico da seleção argentina
Quando saíam do campo e se encontravam no vestiário, após um jogo do time do Santos, o então jogador argentino César Luis Menotti dizia ao amigo Pelé: "Você não é desse planeta. Você não é da Terra. Ninguém é igual. Pelé, você é tão bom, tão bom jogador que chega a ser sobrenatural". O ex-jogador brasileiro sorria. Na época, em 1968, Menotti era reserva do "rei do futebol", morto na última quinta-feira (29), vítima de complicações resultantes de um câncer no colón. Assim que atendeu à ligação da BBC News Brasil para esta reportagem, nesta sexta-feira, Menotti disse: "Estou triste, muito triste. Estou assistindo as reprises de Pelé em campo e penso como ele é mágico, único". Menotti jogou no Santos e no Juventus, de São Paulo, e foi técnico da seleção argentina campeã da Copa do Mundo de 1978. "Por favor, escreva em letras bem grandes: 'Não houve, não há e não haverá nenhum jogador igual a Pelé. Jamais'". Fim do Matérias recomendadas A declaração remete a um tango do poeta e compositor argentino Homero Manzi (1907-1951) chamado Ninguna (Nenhuma) e ainda hoje referência no gênero musical. Para ele, Pelé é incomparável e por isso deve ser excluído das listas de comparações — mesmo quando se fala em Maradona, Neymar ou Messi. "Todos são muito bons jogadores. Mas Pelé é superior a todos. É o melhor jogador da história do futebol. Desde que ele deixou os campos, ninguém chegou perto do que ele fez." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Para Menotti, se Pelé estivesse jogando com as regras atuais do mundo do futebol teria feito "5.000" e "não mil gols". O argentino disse que sua admiração por Pelé é infinita e por isso chegou a duvidar quando alguém lhe disse que a doença do ex-atleta brasileiro seria incurável. "Quando eu soube da doença dele, pensei que Pelé era imbatível e superaria qualquer problema de saúde. Ninguém tem o físico dele. Ele poderia ter sido campeão do mundo até de boxe, de atletismo. Tecnicamente ele é o melhor, é superdotado. Ele acrescenta às suas condições físicas a técnica futebolística. Ele tinha uma visão completa do jogo. Estava sempre à frente. Perfeito", disse. Para Menotti, os dribles, que podiam ser com o pé esquerdo ou pé direito, o jogo em equipe, a velocidade e os freios de Pelé justificam o adjetivo que usou várias vezes na entrevista: "único". O diferencial de Pelé incluía também o fato de o "rei" jogar cada partida como se fosse uma decisão, com toda a sua garra e talento. Diretor geral das seleções nacionais na Associação de Futebol Argentino (AFA) e ex-comentarista esportivo, Menotti, de 83 anos, cresceu em um ambiente ligado à música e chegou a estudar piano durante dois anos na infância. Talvez por isso suas afirmações entrelaçam o futebol e a cultura musical. Na entrevista, em uma das poucas frases em que se referiu a Pelé no passado, ele o comparou com "imortais" da música clássica. "Pelé era como Beethoven ou Bach. Esses personagens grandiosos que marcam para sempre", disse, em uma das poucas frases em que se referiu ao amigo com o verbo no passado. Acima do piano que tem em sua casa em Buenos Aires, Menotti mantém há anos uma foto que tirou com Pelé, quando os dois já estavam longe dos campos e mantinham uma sólida amizade. Uma vez, recordou Menotti, quando passavam férias juntos no balneário uruguaio de Punta del Este, o argentino comentou com Pelé que um amigo tinha uma quadra de padel. Pelé ficou curioso pelo jogo e queria experimentá-lo. "Me disse: 'Vamos lá, César. Quero ver como é esse jogo'. Resultado: ele não tinha pego jamais numa raquete de padel e foi o melhor de todos. Muito melhor. É como te digo, único", afirmou Menotti. Por terem representado uma mesma marca internacional de chuteiras, os dois ex-atletas realizaram várias viagens internacionais juntos para a Alemanha e para a Itália, entre outros países. O tempo que compartilharam longe dos campos fortaleceu ainda mais a amizade, que deixava de lado as rixas costumeiras do futebol entre o Brasil e a Argentina. "Com a gente isso não existia. E eu sempre fui admirador do futebol brasileiro", disse Menotti. Quando Pelé jogava no New York Cosmos, nos Estados Unidos, nos anos 1970, foi barrado em uma discoteca badalada de Nova York por ser negro, contou Menotti. "Éramos vários atletas do futebol. Entramos todos e, na hora de Pelé entrar, não deixaram. Porque era negro. E fizemos um escândalo. E [Ramón] Mifflin, jogador peruano que falava muito bem inglês, protestou, argumentou e Pelé entrou. E quando Pelé entrou, ele foi reconhecido e rodeado pelos fãs e pelas modelos e gente famosa. Ele era o mais famoso de todos que estavam lá dentro." Pelé era saudável e com uma energia e físico jovens. Fisicamente, ele era jovem. E eu não podia acreditar que ele faleceria", disse o ex-jogador e ex-técnico argentino. Na imprensa argentina, a morte do "rei do futebol" foi lamentada. "Pelé, rei e lenda do futebol", publicou o Clarín em sua manchete desta sexta-feira. Já o La Nación informou, também com amplo destaque na primeira página: "Pelé, o rei inesquecível". Portais, rádios e emissoras de televisão informaram sobre a morte do "símbolo supremo" do futebol. Menotti é reconhecido na Argentina por ter jogado nos clubes da sua terra natal, Rosario, na província de Santa Fé, que é a mesma de Messi. E também por ter sido o técnico da seleção de 1978 e defendido o nome de Lionel Scaloni como técnico da seleção argentina que venceu a Copa do Mundo do Catar de 2022. Ao ser perguntado sobre o fato de a seleção argentina ter sido campeã em 1978 durante a ditadura militar (1976-1985), ele respondeu que o futebol é "um fato cultural" que pertence ao povo e que a política não deve entrar nesse jogo. E que é uma "estupidez" achar que os ditadores se envolveram na Copa. Ele lembrou que a seleção brasileira também ganhou a Copa do Mundo de 1970, em plena ditadura no Brasil. "O que os jogadores têm a ver com isso? O que Pelé tem a ver com isso? Os jogadores jogam para seu público, para as pessoas", disse. Menotti, que aborda o assunto no livro Fútbol sin trampa ("Futebol sem Armadilhas, em tradução livre). "Uma bola pode fazer feliz a grandes grupos de crianças. E por isso os grandes ídolos do futebol devem ser respeitados. Quem, aos 15 anos de idade, não gostaria de ser Pelé?", disse. Ele afirma que não era uma tarefa fácil ser o rei do futebol como Pelé. "Se Pelé tem uma namorada, diziam que ele tinha 15 [namoradas]. E muitas namoradas eram mentira. Uma vez eu disse a ele: se você quer ser feliz vai precisar deixar de ser Pelé. Falar de futebol e pronto, preservando sua vida pessoal". Para Menotti, aquele time formado por Gerson, Rivelino, Tostão, Jairzinho, Clodoaldo e Pelé, entre outros, que conquistou a Copa do Mundo de 1970, mostrou a grandeza do futebol brasileiro. "Aquela seleção também foi única. E Pelé se destacava também entre eles, excelentes jogadores", disse.
2022-12-30
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64131483
brasil
Bolsonaro viaja para os EUA: quem assume a Presidência e quem passa a faixa para Lula?
O presidente Jair Bolsonaro (PL) embarcou em um voo na tarde desta sexta-feira (30/12) rumo aos Estados Unidos, segundo informações da emissora GloboNews. O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) assumirá o comando do país até o sábado (31/12). Bolsonaro deverá passar a virada do ano em um resort na região de Orlando, na Flórida e não há previsão de que ele volte para a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), neste domingo (1°/1). A BBC News Brasil tentou por diversas vezes confirmar detalhes do embarque e da viagem de Bolsonaro, mas não obteve resposta. Nem o presidente e nem seu vice, no entanto, passarão a faixa presidencial a Lula. "Eu considero isso [o passamento da faixa presidencial] um dever e uma responsabilidade do presidente que sai. É um ato simbólico da troca de comando. O presidente da República já sinalizou que não deve participar dessa cerimônia. Ao tomar essa decisão, não compete a mim participar, porque não sou o presidente", explicou Mourão ao site Metrópoles. Fim do Matérias recomendadas Apesar do intervalo de 13 horas entre o fim do mandato de Jair Bolsonaro e a cerimônia de posse de Lula, advogados constitucionalistas explicam que não há vácuo na presidência, e no regime democrático instituído no Brasil, o país não chega a ficar sem chefe de Estado. Assim, se não houver novas mudanças no cenário até 1º de janeiro, há dois nomes cotados para passar a faixa a Lula. O primeiro a ser considerado é o presidente da Câmara, Arthur Lira, próximo nome na linha sucessória de comando do país depois de Mourão. A coluna da jornalista Malu Gaspar, no jornal O Globo, apurou que a possibilidade de a faixa ser passada pelo presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) também passou a ser avaliada nos últimos dias. De acordo com o previsto na lei brasileira, o presidente do Congresso abre a sessão solene de posse e em seguida entrega ao presidente eleito e ao seu vice o termo de posse para que assinem. Na posse de Lula, a previsão, aponta a coluna de Gaspar, é de que Pacheco discurse logo depois de Lula. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Na prática, não importa que o antecessor não passe a faixa. Ele também não precisa assinar nenhum tipo de documento e nem se encontrar com o próximo presidente eleito. A única exigência para a posse acontecer é que o vencedor da eleição jure respeito à Constituição no Congresso. "Embora seja irrelevante do ponto de vista legal e jurídico, do ponto de vista simbólico representa mais uma vez o desrespeito de Bolsonaro com a democracia", opina a professora Maria do Socorro Braga, que leciona Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo. "Ao quebrar um ritual do Poder Executivo, mostra seu inconformismo com o resultado eleitoral e busca marcar seu lugar à margem do establishment político [ordem ideológica] nacional. E, ao mesmo tempo, objetiva reforçar seus laços com os setores que votaram nele, alimentando sua base e reforçando a divisão social e política tão nociva à continuidade do regime democrático." No Brasil, a entrega da faixa foi instituída por nosso oitavo presidente, Hermes da Fonseca. Naquela época, o Brasil ainda se chamava Estados Unidos do Brasil. De lá pra cá, a faixa deixou de ser entregue em algumas ocasiões. A última foi no fim da ditadura militar, quando José Sarney tomou posse sem a presença do General Figueiredo. Desde então, entre 1990 e 2019, todos entregaram a faixa ao sucessor eleito.
2022-12-30
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64111308
brasil
Pelé sofreu racismo, mas fez muito pela representatividade negra, diz comentarista
Pelé foi cobrado ao longo de sua carreira para se engajar mais na luta contra o racismo. Mas para muitos, sua genialidade como jogador e sua presença nos campos de futebol e nas telas de televisão e jornais por todo o mundo foram essenciais para a construção de uma representatividade negra no Brasil. "O Pelé deu representatividade mundial ao brasileiro preto", diz o comentarista esportivo Paulo Cesar Vasconcellos, que discorda das críticas feitas ao Rei do Futebol. "Antes dele já tínhamos brasileiros e brasileiras pretas que se destacavam no Brasil, mas ele trouxe visibilidade mundial." "Ele foi muito importante para que outras pessoas negras se reconhecessem quando assistiam à televisão, por exemplo", afirma o jornalista, que é negro e diz ter crescido tendo Pelé como ídolo. O comentarista, que atualmente trabalha no canal de televisão por assinatura SporTV, afirma ainda que, apesar de toda admiração que despertou em sua carreira, o Rei do Futebol também foi vítima de racismo. "Há uma perversidade no racismo brasileiro. Quando um homem ou uma mulher negra ganham visibilidade, por vezes deixam de ser pretos [para a sociedade]. Ele não é um homem preto, ele é o Pelé", diz. "Isso também é racismo". Fim do Matérias recomendadas Ainda segundo ele, muitas das mensagens de Pelé foram desconsideradas ou ridicularizadas simplesmente pela cor de sua pele. "Como o racismo praticado no Brasil é um racismo pautado até hoje pelo cinismo e pela dissimulação, muitas vezes se tentou desqualificar o que Pelé dizia, exatamente por se tratar de um preto falando de assuntos delicados", diz Vasconcellos. O jornalista cita, por exemplo, o famoso discurso do jogador após marcar seu gol de número mil, em 1969. "Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode esquecer das crianças, as crianças necessitadas, as casas de caridade. Vamos pensar nisso", afirmou o jogador a jornalistas. "Muita gente na época preferiu ironizar e taxar como demagógico o que ele disse, mas se por acaso tivessem prestado atenção, quem sabe os bisnetos daquelas crianças citadas por ele não estariam mais nas ruas hoje." Quando o tema é racismo e esporte, é comum também que se compare o papel e os esforços de Pelé na luta com os de outro atleta negro de sua época, o boxeador americano Muhammad Ali. Mas para o comentarista, a sociedade americana era completamente distinta; ali, o racismo se apresentava — e era combatido — de forma mais aberta do que no Brasil. "Queriam muitas vezes do Pelé declarações e ações que ele nunca teve, mas isso não diminui sua importância para o combate ao racismo no Brasil", diz. "Desqualificá-lo como um homem que afirmou o povo preto é muitas vezes comentário de branco."
2022-12-30
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64122355
brasil
'Mais próximas da centro-direita': as ideias de Simone Tebet sobre economia que divergem do PT
Após semanas de negociação, Tebet foi anunciada como ministra do Planejamento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva nesta quinta-feira (29/12). O ministério costuma ser responsável pelo comando do Orçamento, do Patrimônio da União, e também é esperada participação na gestão do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), que define privatizações e concessões ao setor privado. A senadora, que ficou em terceiro lugar na eleição presidencial, passou a apoiar Lula — e a fazer campanha ao lado dele — até a disputa pelo segundo turno. Agora, a nomeação de Tebet se junta a outros dois ex-presidenciáveis que terão a missão de conduzir áreas da economia no novo governo Lula: Fernando Haddad (PT), candidato em 2018, como ministro da Fazenda, e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), candidato em 2006 e 2018, que ficará com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Além de ex-candidatos à Presidência, os três nomes também têm em comum o fato de serem apontados como possíveis sucessores de Lula para disputar a campanha de 2026. O petista afirmou que não tentará a reeleição. Fim do Matérias recomendadas Ao mesmo tempo em que são aguardadas mais sinalizações sobre as diretrizes do novo governo na economia, especialmente na área fiscal, também é uma questão — cuja resposta só virá na prática — quanta autonomia terão os ministros à frente de suas pastas. O que se sabe é que Haddad e Tebet têm visões diferentes sobre economia e estão em ministérios que se complementam — e que trabalharão, ainda, com Alckmin e Márcio França (PSB), anunciado como ministro de Portos e Aeroportos. Quais, então, são pontos que a senadora apresentou visões que divergiram ou podem divergir do PT? Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast - Teto de gastos: Enquanto senadora, Tebet votou, em 2016, a favor da proposta de teto de gastos, que limita o crescimento de gastos públicos. Lula, no entanto, critica a medida, e a proposta de governo petista prevê a revogação do teto de gastos. - Autonomia do Banco Central: A senadora também votou a favor da proposta que previa autonomia do Banco Central. Ao mesmo tempo, o PT se opôs à medida e inclusive acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar suspender a medida, sob o argumento de que retira do chefe do Executivo a autoridade sobre a definição da política econômica. - Marco Legal do Saneamento: A senadora apoiou a aprovação do Marco Legal do Saneamento, que foi fortemente criticado pelo PT no Congresso. Os defensores da proposta argumentam que a medida abre o setor de saneamento à iniciativa privada com o objetivo de atingir a universalização do acesso à água potável e à rede de esgoto até 2033. Os críticos diziam que as mudanças aumentariam a tarifa de água para áreas mais pobres com o fim do chamado subsídio cruzado — em que o lucro em área populosa custeia o prejuízo em municípios menores. - Privatizações: O plano de governo de Tebet, então candidata, dizia que, se eleito, seria "o governo das concessões, das parcerias público-privadas, das privatizações e da desestatização, sob coordenação do BNDES e com recursos destinados à redução da pobreza e à educação infantil". O documento não detalha as privatizações. O plano de Lula, por outro lado, aponta como um dos problemas do Brasil que "setores estratégicos do patrimônio público são privatizados" e se opõe às privatizações da Petrobras, Eletrobras e Correios. Neste ponto, há um entendimento: Tebet já afirmou ser contra a privatização da Petrobras. Mas Márcio França, após ser indicado para o comando do Ministério de Portos e Aeroportos, afirmou que freiaria concessões e privatizações. Na ocasião, disse que venceu um pensamento político e que "não tem reservas a nada que seja privado, mas não tem como regra que tem que privatizar tudo". Redução dos gastos e do papel do Estado fazem parte do que é entendido como uma visão de centro-direita na economia — e a discussão sobre responsabilidade fiscal é um debate típico da divergência entre as diferentes linhas de pensamento na economia. "Pensando no olhar de esquerda, as políticas sociais tendem a ocupar um espaço da universalização, da garantia ampla dos direitos sociais. E isso, obviamente, tem um certo embate com relação à proposta de ser mais à direita, em que redução do gasto, austeridade, a redução do papel do Estado configuram essa visão mais centro direita", explica a economista Vivian Almeida, professora do Ibmec. Sobre a forma com a qual Tebet define sua visão da economia, Almeida diz que reflete uma visão de que o Estado deve "deixar o espaço livre para que as pessoas gozem das suas liberdades, vocações e possibilidades de tocar as suas vidas na questão de como elas vão gerar sua própria renda". "Para isso, (segundo essa visão) o Estado deve cobrar menos impostos para quem produz, criar um bom ambiente de negócio, em que as pessoas tenham certeza de que os acordos serão cumpridos… Isso é ser direita na economia", explicou. No plano de governo, Tebet falava o seguinte: "É preciso colocar o Estado brasileiro para propiciar melhores condições para o investimento privado acontecer, com estabilidade e responsabilidade. O governo tem que possibilitar ambiente estável, previsível, pacífico, com segurança institucional, jurídica e regulatória". Em entrevista à colunista Miriam Leitão, publicada pelo jornal O Globo, Haddad disse que "no Planejamento haverá uma visão de economia diferente da que foi defendida durante a eleição, mas foi uma aliança de segundo turno", depois de afirmar que o governo não pode ser homogêneo. "Simone tem minha simpatia pessoal, é uma pessoa transparente, que vai colocar, somar e refletir junto. E ela falou que em mais de 90% da agenda ela e eu chegaríamos à mesma conclusão. E, naquilo que porventura houver divergências, há uma instância de arbitragem, que é a Presidência da República. Nós vamos estar juntos no Conselho Monetário Nacional, na Camex, em tantas instâncias colegiadas", disse Haddad. Na mesma entrevista, disse que é uma atribuição do Planejamento fazer um pente fino em todos os planos, ao ser questionado se haveria uma revisão de programas para avaliação de gastos e eficiência. O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, se manifestou em rede social a favor da nomeação de Tebet antes do anúncio oficial, defendendo um "programa robusto de avaliação periódica de políticas públicas, em busca de eficiência", com ajuda do tribunal.
2022-12-29
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64111698
brasil
Todos os ministros e as ministras de Lula: conheça os nomes e pastas anunciados
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou na quinta-feira (29/12) os 16 últimos nomes para a composição do seu ministério. Ao todo, o governo do petista terá 37 ministérios, 14 a mais que os atuais 23 do presidente Jair Bolsonaro (PL). Dos 37 ministros indicados por Lula e que deverão tomar posse no dia 1º de Janeiro de 2023, 11 são mulheres. Lula manteve algumas pastas da gestão atual, desmembrou outras que haviam sido fundidas por Bolsonaro, recriou ministérios extintos pelo atual governo e criou ministérios inéditos. Confira no infográfico a seguir os perfis dos futuros ministros. Fim do Matérias recomendadas Representa os interesses da União em todos foros, regiões e instâncias judiciais. Além disso, o chefe da pasta assessora pessoalmente o presidente e faz sua defesa jurídica. Também desenvolve atividades de mediação, conciliação e arbitramento, para resolver litígios entre os órgãos e entidades do Executivo e evitar conflitos na Justiça. Procurador da Fazenda Nacional há 15 anos, Jorge Rodrigo Araújo Messias, de 42 anos, foi o primeiro de uma lista de seis nomes enviada a Lula por procuradores da Fazenda e advogados da União com sugestões para o comando da AGU. Messias tem experiência em gestão pública e foi assessor da ex-presidente Dilma Rousseff de 2014 a 2016. Também passou pelas pastas da Educação e da Ciência e foi conselheiro do BNDES. É formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, com especialização em Direito Administrativo. Fez mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília, onde cursa doutorado. O Ministério da Agricultura e Pecuária é responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo à agropecuária, fomento e regulação do agronegócio no Brasil. Também está sob o comando da pasta o sistema de vigilância animal, que monitora a sanidade dos produtos de origem animal produzidos e exportados pelo país. É senador pelo PSD de Mato Grosso e tem 53 anos. Assumiu o cargo no Senado após vencer uma eleição suplementar em 2020, depois da cassação da senadora Selma Arruda, que teve o mandato cassado por abuso do poder econômico. É uma conhecida liderança do agronegócio de Mato Grosso. Foi presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) entre 2012 e 2014. Ao longo da campanha à Presidência, estreitou laços com políticos do entorno de Lula como o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB). É responsável pela articulação entre o Executivo, o Congresso e o Judiciário e auxilia o presidente no desempenho de suas atribuições, especialmente na gestão da administração federal e na coordenação dos ministérios e das ações governamentais. O economista Rui Costa, de 59 anos, deixará o governo da Bahia direto para um dos postos mais influentes da Esplanada dos Ministérios. Ele governou por dois mandatos consecutivos (2014-2022) e emplacou Jerônimo Rodrigues (PT) para sucedê-lo. Costa também já foi deputado federal de fevereiro de 2011 a janeiro de 2012 e de abril a dezembro de 2014 e foi secretário da Casa Civil na Bahia de 2012 a 2014 no governo de Jaques Wagner (PT), que ele sucedeu. O político é considerado um dos principais quadros do partido no Nordeste e um dos responsáveis pelas expressivas votações que Lula teve na Bahia, mas sua indicação enfrentou resistências entre aliados de Lula por ser visto como um quadro com pouco trânsito político fora da região. É responsável por fortalecer as áreas de política nacional de telecomunicações, política nacional de radiodifusão, serviços postais e telecomunicações. Deputado federal reeleito para o seu segundo mandato pelo União (MA), Juscelino é médico especializado em radiologia e vice-líder do partido na Câmara. A nomeação dele para o ministério das Comunicações é um aceno do PT ao partido para tentar formar maioria principalmente na Câmara. A participação de Juscelino foi crucial para aprovar a PEC da Transição e, consequentemente, garantirá que o Auxílio Brasil mantenha o valor de R$ 600 por mês. Mas nem sempre ele esteve ao lado do PT. Em 2016, ele votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Criada em 2003 e descrita de forma genérica como uma "agência anticorrupção", a CGU tem entre suas atribuições fiscalizar e orientar a atuação de entes públicos ligados ao Executivo em questões ligadas à lisura e a correção dos procedimentos administrativos. Advogado e professor de Direito na Universidade de São Paulo, Vinícius Carvalho, de 45 anos, já foi presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de 2012 a 2016. Antes, atuou como secretário de Direito Econômico (2011 a 2012) e também como especialista em políticas públicas e gestão governamental do governo Federal (2006-2016). É sócio do escritório VMCA. Doutor em Direito pela Sorbonne, na França, Marques tem como linhas de pesquisa Regulação Econômica, Direito e Economia, Estado e exploração econômica nas economias em desenvolvimento, Direito da Concorrência, Ética empresarial, e Direitos Humanos, Democracia e Desenvolvimento. O ministério tem entre suas competências estabelecer as políticas nacionais de pesquisa científica e tecnológica e de incentivo à inovação, além do planejamento, coordenação, supervisão e controle das atividades nestas áreas. Nascida no Recife, Luciana Santos, de 56 anos, é vice-governadora de Pernambuco na gestão de Paulo Câmara (PSB) e presidente nacional de seu partido, o PCdoB, aliado histórico do PT. Nos anos 2000, Luciana foi prefeita de Olinda por dois mandatos e também deputada estadual em Pernambuco e deputada federal pelo Estado. Antes de entrar da política, a futura ministra cursou Engenharia Elétrica na Universidade Federal de Pernambuco e militou no movimento estudantil. Coordena o esforço integrado de defesa e o emprego das Forças Armadas, visando a garantia da soberania nacional, e a articulação entre os militares e os demais órgãos do Estado. Será a segunda vez que o político de 74 anos ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) estará em um ministério de Lula. Ele esteve à frente da Secretaria de Relações Institucionais de 2007 a 2009, quando foi indicado pelo petista para o Tribunal de Contas da União, que presidiu nos dois últimos anos antes de se aposentar, em 2020. Múcio começou na política como vice-prefeito e prefeito de Rio Formoso (PE), e foi deputado-federal pelo Estado por cinco mandatos consecutivos (1991-2007). Trabalhava como consultor de empresas antes de aceitar o convite para a Defesa. O MEC é responsável por elaborar as diretrizes que estruturam da educação infantil ao ensino superior, profissional e técnico. Entre os programas gerenciados pela pasta estão o Fies e o ProUni. O GSI é responsável pela assistência ao presidente do Brasil no assessoramento pessoal em assuntos militares e de segurança; coordenar as atividades de inteligência federal; cuidar da segurança pessoal do presidente, vice-presidente e seus familiares, entre outros. Conhecido como o “general de Lula”, o general da reserva Marco Edson Gonçalves Dias chefiou a segurança da presidência nos primeiros oito anos que o petista ocupou o cargo. Sob a administração da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), dirigiu a Coordenadoria de Segurança Institucional. Tem entre suas funções a defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e humanos e das garantias constitucionais, além das relações do governo com órgãos do Judiciário e da área do Direito. O ex-juiz federal Flávio Dino, de 54 anos, é considerado um dos principais aliados de Lula no Nordeste. Foi eleito e reeleito governador do Maranhão (2014 a 2022) e deputado federal pelo Estado por cinco anos, até 2011, quando assumiu a presidência da Empresa Brasileira de Turismo no governo de Dilma Rousseff (PT). Durante boa parte da carreira, foi filiado ao PCdoB e se mudou o PSB para disputar as últimas eleições. Dino se elegeu senador pelo Maranhão, mas não assumirá o cargo por enquanto para compor o governo Lula, como já era cogitado desde a vitória do petista. É responsável pela defesa e a conservação do meio ambiente por meio de políticas públicas e mecanismos de vigilância, e conta com o apoio de entidades vinculadas, como o IBAMA e o ICMBio, que atuam na conservação da biodiversidade e na proteção da flora e da fauna do país. Nascida no Acre e atuando na política desde 1995, Maria Osmarina Silva, mais conhecida como Marina Silva, assume pela segunda vez o cargo de Ministra do Meio Ambiente (a primeira se deu entre 2003 e 2008, no mandato anterior de Lula). Por sua atuação como ministra, em 2007, Marina recebeu da ONU o prêmio Champions of the Earth (Campeões da Terra), considerado o maior reconhecimento na área ambiental. É responsável por criar e gerir políticas públicas relacionadas ao uso sustentável de recursos energéticos e minerais do país, como biocombustíveis, gás natural, energia elétrica e petróleo. Relator da PEC da Transição, o senador Alexandre Silveira ganhou destaque por ser um dos principais nomes a viabilizar a ampliação do teto de gastos para o próximo governo. Formado em direito, ele foi delegado em Minas Gerais e está no fim de seu mandato como senador pelo PSD. Ele já foi diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes no primeiro mandato de Lula. Silveira também já foi secretário estadual de Gestão Metropolitana e secretário estadual da Saúde em Minas Gerais. O Itamaraty auxilia na formulação e condução da política externa e das relações diplomáticas. É responsável por serviços consulares, negociações comerciais, econômicas, técnicas e culturais, programas de cooperação e apoio a delegações, comitivas e representações em órgãos internacionais. O diplomata Mauro Vieira, de 71 anos, assumirá o Itamaraty pela segunda vez. Ele chefiou a pasta no segundo governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016, e deixou o cargo após o impeachment. Também esteve à frente de duas das mais importantes embaixadas: Buenos Aires, na Argentina (2006 a 2010), e em Washington, nos Estados Unidos (2010 a 2015). Em 2016, foi nomeado representante permanente do Brasil na Organização das Nações Unidas. Atualmente, é embaixador em Zagreb, capital da Croácia. Ele é tido como um nome próximo ao ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim, um dos principais conselheiros de Lula em política internacional. Atua na promoção, prevenção e assistência à saúde. Estão sob sua alçada desde ações de vigilância epidemiológica até a manutenção do Sistema Único de Saúde e a operacionalização Programa Nacional de Imunização. A cientista social de 64 anos foi a primeira mulher a se tornar presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), cargo que ocupa desde 2017. É formada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Ciência Política e doutora em Sociologia. Entre 1998 e 2005, foi diretora da Casa de Oswaldo Cruz, voltada para pesquisa e memória em Ciências Sociais, História e Saúde. Durante a pandemia, esteve à frente das ações da Fiocruz de combate à covid-19, entre elas a criação de uma rede de vigilância e de um observatório interdisciplinar encarregado de realizar pesquisas e sistematizar dados epidemiológicos relacionados à circulação do novo coronavírus e seus impactos sociais no país. A Secom é responsável pela formulação e execução das ações de comunicação e propaganda institucional da Presidência da República Paulo Pimenta tem 57 anos de idade e se elegeu deputado federal pela primeira vez em 2003. Ele vem sendo reeleito desde então. É uma das principais lideranças do PT gaúcho e vai chefiar a área do governo responsável pela estratégia e execução da comunicação da Presidência da República Com status de ministério, a pasta integra a Presidência e funciona no Palácio do Planalto. É importante pela proximidade com o presidente e pela atuação na supervisão e na execução das atividades administrativas da Presidência, com controle sobre assessoria de comunicação, assessoria jurídica, agenda do presidente e imprensa nacional. A pasta também faz a verificação prévia da constitucionalidade e da legalidade dos atos presidenciais, coordena o processo de sanção e veto de projetos de lei enviados pelo Congresso Nacional, elabora e encaminha mensagens do Executivo ao Congresso Nacional, entre outras competências. Deputado federal em fim de mandato, o baiano Márcio Costa Macêdo, de 52 anos, é um dos petistas em que o presidente Lula mais confia. Formado em Biologia pela Universidade Federal de Sergipe, Macêdo foi professor, secretário do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de Sergipe de 2007 a 2010, quando foi eleito deputado federal. Atuou na Câmara até 2015, a partir de quando exerceu o cargo de tesoureiro do PT, até 2020. Atualmente, é um dos vice-presidentes do partido. O Ministério do Turismo tem a missão de propagar e desenvolver o turismo como atividade econômica auto sustentável na geração de empregos e investimentos, contribuindo para a inclusão social e para as diferentes formas de manifestações culturais no país. A pasta foi criada por Lula em 2003 e completará 20 anos durante o terceiro mandato do petista. Daniela do Waguinho é pedagoga e política filiada ao União Brasil. Natural do Rio de Janeiro, ela é deputada federal pelo estado desde 2019 e foi a candidata mais votada à Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro nas eleições de 2022. O ministério das Cidades foi criado por Lula em 2003 e retorna agora no terceiro mandato do petista. Será responsável por criar e fomentar políticas públicas nas áreas de habitação social, saneamento básico e urbanização. Presidente do diretório do MDB no Pará, Jáder Filho é empresário do setor de comunicação. Ele esteve à frente da criação e hoje é dono do Diário do Pará. A família Barbalho também detém o controle do Grupo Rede Brasil Amazônia (RBA), que ainda possui emissoras de rádio e TV. Tem entre suas competências a elaboração e gestão da política nacional de promoção da cultura, o que inclui os investimentos federais diretos e indiretos no setor, e a proteção do patrimônio histórico e cultural brasileiro. A cantora baiana de 60 anos começou sua carreira como atriz de teatro em Salvador nos anos 1980 e migrou progressivamente para a música. Estourou ao lançar o single Faraó com Djalma Oliveira em 1987. Desde então, lançou 16 álbuns, fez 23 turnês internacionais e foi indicada cinco vezes aos prêmios Grammy e Grammy Latino, tornando-se uma das principais intérpretes da música brasileira e uma das principais personalidades da cultura negra do país. Menezes também criou, em 2004, a Fábrica Cultural, organização que promove ações sociais para crianças e jovens carentes. O ministério será recriado no novo governo Lula depois de fazer parte da pasta da Agricultura. O órgão tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável de áreas rurais e a reforma agrária no Brasil. Suas ações também estão voltadas ao combate à pobreza rural, a segurança e soberania alimentar, a sustentabilidade dos sistemas de produção e a geração e agregação de valor. Secretário-geral do PT, Paulo Teixeira foi eleito para o quinto mandato dele como deputado federal. Também já foi eleito deputado estadual e vereador. Aos 61 anos, ele foi um dos articuladores da campanha presidencial de Lula em 2022. Advogado com mestrado em direito constitucional, Paulo Teixeira era cotado para o ministério das Comunicações, mas foi substituído como estratégia do PT para fortalecer os laços com o União Brasil. Formula, executa e avalia políticas públicas para regular e promover o desenvolvimento industrial do país, da competitividade de empresas, do comércio exterior, do investimento e da inovação nas empresas e do bem-estar do consumidor. O ministério também atua em áreas como regulação comercial e questões relacionadas à proteção da propriedade intelectual. Formado em Medicina, Geraldo Alckmin, de 70 anos, fez a maior parte de sua carreira política no PSDB. Foi governador de São Paulo quatro vezes, deputado federal e prefeito de Pindamonhangaba, no interior paulista. Concorreu com Lula na eleição de 2006, quando protagonizou um momento "curioso" da política brasileira: obteve menos votos no segundo turno do que no primeiro. Após 33 anos no PSDB, em meio a uma disputa com seu próprio ex-afilhado político João Doria, deixou a legenda e filiou-se ao PSB neste ano. Entrou pouco depois na chapa de Lula contra Jair Bolsonaro (PL) como uma espécie de fiador, tendo realizado diversos encontros com representantes de setores relevantes. O vice-presidente eleito foi o coordenador da equipe de transição. Responsável por políticas de assistência social e segurança alimentar. No governo Lula, o ministério voltará a comandar o programa Bolsa Família. Também tem entre suas atribuições aprovar os orçamentos gerais do Serviço Social da Indústria, do Serviço Social do Comércio e do Serviço Social do Transporte. Nascido em Oeiras, no Piauí, e membro do PT desde 1985, Wellington Dias, de 60 anos, é formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí e foi bancário, radialista, sindicalista e diretor da Central Única dos Trabalhadores. Entrou na política em 1992 ao se eleger vereador de Teresina. Em 1994, tornou-se deputado estadual e, em 1998, deputado federal. Foi governador do Piauí por dois mandatos, de 2002 a 2010, e elegeu-se senador em 2010 e 2018. A pasta tem como função promover e implementar planos e políticas nacional como o Programa Nacional de Direitos Humanos, planos de combate à homofobia, ao racismo e de garantia de direitos básicos a populações em situação de vulnerabilidade. Considerado um dos maiores especialistas do Brasil em questão racial, Silvio Luiz de Almeida, de 46 anos, é advogado e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. É autor do livro Racismo Estrutural, tido como um dos mais importantes estudos recentes sobre raça e racismo. Almeida também é presidente do Instituto Luiz Gama, definido como "associação civil sem fins lucrativos formada por um grupo de juristas, acadêmicos e militantes dos movimentos sociais que atua na defesa das causas populares, com ênfase nas questões sobre os negros, as minorias e os direitos humanos". Recriada por Lula, a pasta é responsável por construir uma política nacional de esporte, além de desenvolver modalidades de alto rendimento. A pasta pretende trabalhar ações de inclusão social por meio do esporte, garantindo à população o acesso à prática esportiva, qualidade de vida e desenvolvimento. Com três olimpíadas na bagagem e medalhista na última participação dela nos Jogos, em 1996, na cidade de Barcelona, a catarinense Ana Moser assumirá o Ministério dos Esportes. Moser é presidente e fundadora do Instituto Esporte e Educação e atuou na Comissão Nacional de Atletas do Conselho Nacional de Esportes. É um dos ministérios mais importantes, porque define e executa a política econômica e negocia projetos da área com o Congresso, além de administrar as contas da União, por meio da Secretaria do Tesouro Nacional, e os tributos federais, com a Receita Federal. Fernando Haddad, de 59 anos, é formado em Direito, mestre em Economia e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo, onde é professor de Ciência Política há 25 anos. Trabalhou como analista do Unibanco e consultor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas. Foi ministro da Educação de Dilma Rousseff (PT) de 2005 a 2012, quando se elegeu prefeito de São Paulo. Tentou se reeleger, mas foi derrotado por João Dória (então no PSDB). Foi o candidato petista à Presidência em 2018 após a prisão de Lula e, na última votação, foi derrotado na disputa pelo governo paulista por Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ministério inédito, era até 2022 uma secretaria da Economia. Terá como objetivo a organização e o funcionamento da administração pública, em especial quanto a modelos jurídico-institucionais, estruturas organizacionais, cargos em comissões, funções de confiança e funções comissionadas de natureza técnica. A pasta também trabalhará com o aperfeiçoamento e inovação dos órgãos e das entidades da administeração pública federal. A economista Esther Dweck é professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde fez doutorado em Economia da Indústria e da Teconologia. Entre 2011 e 2016, no governo Dilma Rousseff (PT), ocupou cargos no Ministério do Planejamento, como o de assessora econômica da pasta. Sua experiência na área tem ênfase em crescimento e desenvolvimento, com destaque em temas como crescimento liderado pela demanda e análise de insumo-produto. A pasta conduz políticas para promover a igualdade racial e a proteção de grupos raciais e étnicos afetados por discriminação e outras formas de intolerância, com ênfase na população negra. Irmã da vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018, a ativista carioca de 37 anos é formada em Inglês e Literaturas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e em Jornalismo pela Universidade Estadual da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Formou-se mestre em Relações Étnico-Raciais pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca e é doutoranda em Linguística Aplicada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Após a morte da irmã, fundou e dirige o Instituto Marielle Franco, que promove atividades culturais e educacionais para crianças. Em seu Twitter, se apresenta também como "escritora, feminista preta e mãe de meninas". O ministério será recriado. Durante as gestões do PT, a pasta era responsável pela execução de obras como a transposição do Rio São Francisco e pelo comando de estatais como a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). Além disso, a pasta foi responsável pela instalação de cisternas no interior do Nordeste. Waldez Góes, 61 anos, é governador do Amapá e uma das principais lideranças políticas do estado. Ele já foi eleito para comandar o estado por quatro vezes: 2002, 2006, 2014 e 2018. Apesar de ser filiado ao PDT, partido presidido por Carlos Lupi, Góes foi indicado para ocupar o governo em uma das vagas destinadas ao União Brasil. O ministério atuará em três áreas: políticas do trabalho e da autonomia econômica das mulheres; enfrentamento à violência contra a mulher; e ações em saúde, educação, cultura e participação política feminina. Militante feminista histórica, Maria Aparecida Gonçalves, de 60 anos, é formada em Publicidade e Marketing, mas tem décadas de atuação em movimentos sociais e na área de direitos das mulheres. Foi chefe da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Presidência da República nos governos de Lula e Dilma Rousseff (PT). Antes, trabalhou na Secretaria de Assistência Social, Cidadania e Trabalho do Mato Grosso do Sul durante o governo de Zeca do PT. Nos últimos anos tem se dedicado à Xaraés, sua empresa de consultoria em gênero, raça, etnia e políticas públicas. Paulista de Clementina, mora em Campo Grande (MS) desde os anos 1980. Foi candidata a deputada constituinte em 1986. Chegou a se candidatar pelo PT a vereadora de Campo Grande em 1988 e em 2000. As atribuições do Ministério da Pesca serão formuladas, uma vez que a pasta tinha sido extinta em 2015, ainda durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O ministério era responsável pelas políticas de expansão da produção pesqueira do Brasil tanto em mar quanto em água doce. André de Paula é bacharel em Direito e tem 61 anos. Está em seu sexto mandato como deputado federal por Pernambuco. Já foi filiado ao antigo Democratas e agora está no PSD, partido presidido por Gilberto Kassab. Entre 1999 e 2002, foi secretário de estado de Produção Rural e Reforma Agrária de Pernambuco. Tem como função planejar a administração governamental, incluindo análises de custos e viabilidade de projetos, controle de orçamentos e liberação de fundos para estados e projetos do governo. Entre as secretarias no ministério de 2023, estão as áreas de investimentos estratégicos e coordenação de estatais. A ministra nomeada participará da decisão de investimentos prioritários do governo federal em conjunto com a Casa Civil, que é a responsável por coordenar e monitorar o tema. Senadora pelo MDB-MS, Simone Tebet é formada em Direito e reforçou a campanha de Lula à presidência após ficar em terceiro lugar no primeiro turno das eleições. Com posição política mais à direita, Tebet contribuiu para que a campanha do petista fosse vista como mais equilibrada por eleitores que não se identificam com a esquerda. Ela participou da equipe de transição na área de desenvolvimento social e era esperado que fizesse parte do novo governo Lula em 2023. Tem como missão formular políticas e diretrizes para o desenvolvimento, fomento e regulação do setores marítimo e aéreos no Brasil e dos terminas de transporte de carga e passageiros. Márcio França, de 59 anos, começou a carreira política na cidade de São Vicente, no litoral paulista, onde foi vereador e prefeito por dois mandatos (1997 a 2005). Depois de cumprir dois mandatos como deputado federal, assumiu como vice-governador de São Paulo durante uma das gestões de Geraldo Alckmin (então no PSDB, hoje PSB). Em 2018, quando Alckimin deixou o cargo para concorrer à Presidência, assumiu como governador. No mesmo ano, candidatou-se ao cargo, mas perdeu para João Doria (então no PSDB). Dois anos depois, tentou ser prefeito da capital paulista, mas perdeu as eleições para o também tucano Bruno Covas. Apasta tem como missão dar luz aos problemas e desafios enfrentados por povos indígenas de diferentes etnias no território brasileiro. A expectativa é que o ministério também contribua para a articulação política dessa população, criando uma ponte direta de comunicação para suas demandas específicas e projetos para a melhoria e preservação de suas vidas e comunidades. Considerada uma das pessoas mais influentes do mundo, a líder indígena Sônia Guajajara é quem estreará na pasta. Sônia é originária do povo Guajajara/Tenetehara, habitantes da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Ela nasceu em 1974 e é formada em enfermagem e letras pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), com pós-graduação em educação especial. Em 2022, foi eleita deputada federal. O Ministério da Previdência será recriado pelo novo governo. Na gestão Bolsonaro, ele fazia parte do Ministério do Trabalho e Previdência. Usualmente, a pasta é responsável por políticas relacionadas sistema de previdência e seguridade social. Está sob responsabilidade da pasta a gestão do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), com capilaridade em praticamente todo o país. Carlos Lupi, de 65 anos, é o presidente do PDT. Ele foi um dos principais articuladores da candidatura de Ciro Gomes pelo partido em 2018 e 2022. Ele é um conhecido aliado do presidente Lula e ocupou o Ministério do Trabalho durante as gestões petistas de Lula e Dilma Rousseff (PT). Em 2011, porém, ele foi demitido em meio a uma série de denúncias de uso irregular de um avião alugado por uma organização não-governamental que mantinha contratos com a pasta sob o seu comando. À época, ele alegou que sofreu perseguição política e midiática. A pasta atua na articulação política do Executivo e na sua relação com o Congresso Nacional, além da interlocução com Estados e municípios. Político veterano do PT, Padilha fez parte da equipe que coordenou as campanhas de Lula à Presidência em 1989 e 1994, foi ministro das Relações Institucionais no segundo governo Lula, entre 2009 e 2010, e titular da Saúde entre 2011 e 2014 na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Foi secretário municipal de Saúde de São Paulo entre 2015 e 2016, durante o mandato de Fernando Haddad, e, em 2018, disputou pela primeira vez uma vaga no Legislativo e sendo eleito deputado federal naquele ano e reeleito em 2022. Padilha tem 51 anos, é formado em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas e tem especialização em infectologia pela Universidade de São Paulo. Órgão responsável por políticas para a geração de emprego e apoio aos trabalhadores. Cabe à pasta definir as políticas salariais, regulamentar as relações de trabalho e fiscalizar os locais de trabalho, além de combater os trabalhos infantil e análogo à escravidão. É a segunda vez que o petista ocupará o cargo, após chefiar a pasta em 2005, durante o primeiro governo Lula. Também foi ministro da Previdência Social (2007 a 2008) na segunda gestão do presidente eleito. Nascido em Cosmorama (SP), o futuro ministro foi lavrador em sua terra natal antes de migrar para São Bernardo do Campo, onde foi operador de máquinas da Volkswagen nos anos 1970. Fez carreira como sindicalista e presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC de 1996 a 2003. Entre 2003 e 2004, foi presidente da Central Única dos Trabalhadores. Foi prefeito de São Bernardo do Campo por dois mandatos, entre 2009 e 2017. Candidatou-se a governador de São Paulo em 2018, mas ficou em quarto lugar. Nas últimas eleições, elegeu-se deputado federal. É o atual presidente do diretório estadual do PT em São Paulo. Antes parte da Infraestrutura, Lula decidiu criar pastas distintas para o Ministério do Transporte e Ministério de Portos e Aeroportos (este sob o comando de Márcio França). O Ministério dos Transportes ficará responsável principalmente pelas políticas nacionais de trânsito e de transportes ferroviário e rodoviário. Economista e filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), Renan Filho já é uma figura conhecida na política. Antes de se tornar ministro, ele foi prefeito de Murici (AL) aos 25 anos de idade, deputado federal, governador do estado e senador. O cargo era cobiçado por outros partidos, como o União Brasil.
2022-12-29
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64082889
brasil
Caso Beatriz: em Petrolina, 42 facadas, falhas técnicas e a espera pelo júri popular
Desde o dia 10 de dezembro de 2015, a vida de uma família em Petrolina, no sertão de Pernambuco, nunca mais foi a mesma. A menina Beatriz Angélica Mota, de 7 anos, estava em uma festa na escola com a família e se afastou para beber água. Como não voltou ao lugar, os pais e professores preocupados iniciaram a busca, encontrando seu corpo 40 minutos depois, no depósito de material esportivo. Ela foi morta com 42 facadas. Apenas em janeiro de 2022 foi confirmada a identidade do assassino: Marcelo da Silva, anteriormente acusado de outros crimes, entrou na escola e, após tentativa de estuprar Beatriz, quando ela começou a gritar, a matou. O caso Beatriz gerou polêmicas do início ao fim, levantando questões como a negligência na segurança da escola, onde o assassino entrou com facilidade e qualquer outra pessoa também poderia entrar; ou os motivos pelos quais o assassino, envolvido em acusações anteriores de pedofilia, estar solto em situação de rua na sociedade; ou questões contra o governo de Pernambuco, a quem Lucinha Mota, mãe de Beatriz, declarou várias vezes suspeitar de corrupção dentro da polícia. Entre outros motivos de revolta da família, está a instabilidade com que o caso foi tratado: foram oito trocas de delegados, cerca de sete perícias, mais de 450 depoimentos e 900 horas de imagens analisadas. Até as imagens do circuito de segurança da escola foram apagadas e um dos funcionários terceirizados teve prisão preventiva decretada por excluir as imagens e interferir na investigação. A Secretaria de Defesa Social de Pernambuco só conseguiu chegar ao autor do crime porque ele teve o DNA identificado e comparado com 125 perfis genéticos do banco do Instituto de Genética Forense Eduardo Campos. Ao ser confrontado, Marcelo da Silva confessou o assassinato. Fim do Matérias recomendadas A respeito das mudanças de delegados e outras dúvidas geradas pelo inquérito, a Polícia Cívil falou poucas vezes, por meio de notas, que se empenha com uma força tarefa e mantém o sigilo comum em seu protocolo: "Com relação à investigação propriamente dita, o trâmite segue sob o manto do segredo de justiça que não autoriza quaisquer divulgações. Apesar dos desafios, a PCPE tem plena confiança que o caso será elucidado, trazendo justiça para os familiares e a sociedade", disse em um dos comunicados. A Associação de Polícia Científica (Apoc-PE), entidade que representa os Peritos Criminais de Pernambuco, também emitiu uma nota oficial: "O trabalho realizado pela Polícia Científica contribui para a produção da prova técnica, auxiliando, de modo relevante, a investigação policial. A atuação dos Peritos Criminais é sempre pautada pela ciência, doutrina criminalística e nos princípios da legalidade, moralidade e eficiência. A Apoc-PE agindo com seriedade e imparcialidade, seguirá na defesa incansável dos interesses dos Peritos Criminais que estejam sendo vítimas de decisões administrativas desarrazoadas e desproporcionais". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O caso Beatriz foi concluído em julho de 2022, com Marcelo da Silva preso e indiciado por homicídio qualificado. Em conversa com a BBC, Lucinha Mota diz que nunca duvidou da identidade. "Eu vi tantas vezes o rosto dele nos vídeos e, ao longo dos últimos sete anos, eu revi as poucas imagens que conseguimos recuperar incansavelmente, que cheguei a decorar aquele rosto", conta a mãe da menina. Nos dias 22 e 23 de novembro passado foram ouvidas oito testemunhas na audiência de instrução e julgamento de Marcelo da Silva. Na última sessão, em 15 de dezembro, o acusado se manteve em silêncio durante toda a audiência. Lucinha, que esteve a poucos metros de distância dele em uma dessas ocasiões, diz que a sensação é uma das mais difíceis: "A primeira coisa que senti foi muito ódio, mas sou uma pessoa que não dá corda ao ódio, que prefere o amor do que o ódio, até porque foi o amor pela minha filha que me trouxe e me sustentou de pé até aqui". No entanto, Lucinha admite que, nos últimos sete anos, um momento inesquecível se deu quando foi provado que estavam, de fato, com o assassino de Beatriz preso. "Eu achava que nunca ia sentir coisas boas como eu sentia antes de tudo isso acontecer. Mas quando foi comprovado, aquela mistura de fé, esperança, de senso de justiça, até meu corpo reagiu, foi algo inexplicável o que de bom aconteceu naquele momento", desabafa a estudante de Direito. "Abri mão de tudo, do meu trabalho, vivo 24 horas em função caso Beatriz", diz Lucinha na entrevista para a BBC. Antes funcionária de uma empresa de licitações, ela estava prestes a ser promovida, quando tudo aconteceu. Após a morte da filha, seu maior desafio no primeiro ano foi, literalmente, continuar viva. Perdeu mais de 30 quilos, entrou em depressão profunda e encarou as piores dores do luto. Quando se deu conta de que precisava, junto ao marido Sandro, pressionar a justiça e monitorar cada detalhe das investigações, Lucinha entrou numa jornada que ela chama de "caminhar com a dor, mas não parar de caminhar". Uma rotina que os quase 300 mil seguidores que seguem os perfis dela e do Caso Beatriz descrevem como implacável e incansável. Mobilizando a população, a família Mota protestou de todas as formas possíveis e imagináveis. Nos tribunais e Ministérios Públicos de Pernambuco, se envolvendo em outros casos de mortes de crianças no Nordeste, fazendo lives nas redes sociais, conseguindo o apoio de instituições internacionais de Direitos Humanos, entre tantas outras iniciativas. Durante as últimas audiências de instrução de Marcelo da Silva em Petrolina, eles marcaram presença em frente ao Fórum com fotos do acusado, sob gritos de "assassino" e o pedido que a juíza responsável determinasse logo que ele fosse designado para júri popular. A próxima audiência, que vai definir isso, foi marcada para a primeira semana de janeiro. Em dezembro de 2021, Lucinha, Sandro e vários outros militantes do caso Beatriz caminharam de Petrolina a Recife, durante 23 dias e mais de 700 quilômetros, como forma de protesto. A exigência era que o então governador de Pernambuco, Paulo Câmara, aceitasse a cooperação de uma empresa norte-americana na investigação do caso e na federalização do inquérito. Após o protesto, Paulo Câmara assinou um documento declarando que o governo é favorável à federalização e demitiu o perito criminal Diego Costa, que prestou consultoria ao colégio. No início de 2022, outra polêmica: Lucinha e um grupo de deputados estaduais se articularam para criar uma CPI que apurasse possíveis falhas durante as investigações. Para conseguir as 17 assinaturas (entre os 49 deputados), a família da vítima iniciava outra campanha que deixou os ânimos exaltados, inclusive entre colegas de partido de Lucinha, que era filiada ao Psol. Muitos dos que se recusaram a assinar alegavam que a CPI era uma tentativa de construir palanque político em cima do caso Beatriz. Aliás, a acusação de envolver a história pessoal com sonhos políticos continuou durante todo o ano seguinte, quando Lucinha se candidatou a deputada estadual pelo PSDB, deixando o Psol onde alcançou a suplência em eleições passadas. Os comentários, segundo ela, não a atingem: "Quem pensa que me afeta falando esse tipo de coisa, não me conhece. Eu já perdi o que mais amava, que era minha filha, e segui com coragem durante todos esses sete anos. Não tenho medo desses comentários maldosos nem de quaisquer tentativas de me intimidar. Nada mais me afeta", diz a ativista, que não se elegeu, apesar do resultado expressivo de mais de 25 mil votos. "Eu entrei na política não para buscar justiça pela minha filha, porque nada vai trazer Beatriz de volta, mas para ter alcance e projeção para lutar por outras vítimas, outras mães, para evitar que mais casos como o de Beatriz aconteçam". Com o objetivo em mente, a mãe da menina e o Grupo Somos Todos Beatriz criaram o Instituto BIA - Brasil pela Infância e Adolescência. "Através desse instituto ajudaremos famílias que sofrem diariamente por causa da criminalidade, proporcionando às nossas crianças e adolescentes uma vida digna e com seus devidos direitos, longe de qualquer violência e com a possibilidade de crescer em busca de seus sonhos. Com o nascimento do nosso instituto, nasce também uma esperança de futuro para as nossas crianças. Estamos abertos a ideias. Nosso instituto contará com auxílio psicológico, apoio jurídico, espaço de acolhimento às vítimas de violências e assistência em vários âmbitos da segurança com a colaboração da CIT GROUP (Criminal Investigations Training GROUP)". Em documentos a que a reportagem teve acesso, um pedido de habeas corpus emitido pelo advogado Rafael Nunes, que faz a defesa de Marcelo da Silva, fala das "proporções internacionais e repercussão na região onde o delito ocorreu" e pede que "sejam sanadas as questões de ordem que prejudicam o direito do indivíduo face aos direitos e garantias constitucionais". Uma petição também emitida pela defesa, ao listar uma série de dados no inquérito que considera contraditórias, pediu que "sejam considerados nulos, os reconhecimentos de pessoa realizados, diante de terem sido perpetrados de forma inobservante com o requisito legal, sendo assim, devem ser desentranhados do processo". Ao ser procurado pela BBC, o advogado Rafael Nunes disse que "a expectativa da defesa é boa. Temos muitas questões de natureza técnica que estamos trabalhando pelo tribunal. Iremos ao STJ com toda certeza e bateremos nas portas dos tribunais superiores para levar todas essas questões". O habeas corpus e a petição somam quase 60 páginas que listam, de fato, várias partes questionáveis do processo. Enquanto a identidade de Marcelo da Silva foi comprovada por exame de DNA e a própria mãe da menina disse acreditar que era ele o autor do crime, as inconstâncias e instabilidades do caso nos últimos sete anos deixaram muitas interrogações. A própria Lucinha Mota declarou, várias vezes, que havia mais dúvidas do que certezas durante o processo. Vários dos seus seguidores nas redes sociais - boa parte do público que se manteve fiel nos pedidos de justiça - continuam questionando o quanto podem. Muitas perguntas nunca foram respondidas, a respeito das diversas trocas de delegados e equipes técnicas. O caso Beatriz, cujo inquérito foi encerrado em julho, provavelmente acabará com o acusado condenado em júri popular, a partir do julgamento marcado para janeiro. Já as dúvidas e pontas soltas, parecem não ter fim.
2022-12-28
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64097009
brasil
Quem são os suspeitos identificados pela tentativa de explodir uma bomba em Brasília
George Washington de Oliveira Sousa e Alan Diego dos Santos Rodrigues são, segundo a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e veículos de imprensa, os nomes dos dois primeiros suspeitos de terem planejado a explosão de ao menos uma bomba em Brasília. De acordo com as informações divulgadas até o momento, eles viviam em estados diferentes (a pelo menos 1.300 quilômetros de distância um do outro) e não se conheciam. Agora, Sousa está preso e Rodrigues, segundo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), é procurado pelas autoridades. De acordo com o depoimento do primeiro, a discussão envolveu outros manifestantes acampados em frente ao Quartel General do Exército na capital federal. As investigações sobre a dupla começaram na manhã de sábado (24/12), quando o motorista de um caminhão carregado com querosene encontrou um artefato explosivo. O veículo estava próximo ao Aeroporto Internacional de Brasília. A Polícia Militar foi acionada e desarmou a bomba. Horas depois, a Polícia Civil prendeu George Washington de Oliveira Sousa no estacionamento de um prédio em uma área de classe média de Brasília, onde ele estava hospedado. Ele confessou ter sido o responsável pela montagem da bomba. Com Sousa, a polícia encontrou diversas armas, entre elas carabinas, escopetas, revólveres, pistolas e centenas de munições. De acordo com documentos obtidos pela BBC News Brasil, Sousa tem 54 anos de idade e é um gerente de posto de gasolina na região de Xinguara, no sul do Pará. Ele conta que se revoltou com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições a ponto de se mudar para Brasília e participar do acampamento de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro próximo ao QG do Exército pedindo uma intervenção militar que impedisse o petista de assumir o poder. Fim do Matérias recomendadas A região de Xinguara é conhecida por ostentar grandes taxas de desmatamento e, em 2022, votou majoritariamente no presidente Jair Bolsonaro (PL). Em Xinguara, por exemplo, Bolsonaro obteve 63,19% dos votos contra 36,81% de Lula. Segundo o depoimento registrado junto à Polícia Civil, Sousa disse ser apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) desde sua eleição, em 2018, "por acreditar que ele é um patriota e um homem honesto". Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A partir de outubro de 2021, segundo ele, obteve licenças de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) e passou a comprar armas e munições. No total, teria gasto R$ 160 mil em armamentos. "O que me motivou a adquirir as armas foram as palavras do presidente Bolsonaro que sempre enfatizava a importância do armamento civil dizendo o seguinte: 'Um povo armado jamais será escravizado'. E também minha paixão por armas que tenho desde a juventude", diz um trecho do depoimento de Sousa à Polícia Civil. O apoio de Sousa a Bolsonaro ganhou novos contornos depois do segundo turno das eleições, quando o presidente perdeu para Lula. O gerente contou que após os resultados serem divulgados, ele passou a participar de protestos no Pará. No dia 12 de novembro, decidiu se mudar para Brasília, onde centenas de pessoas se aglomeram em frente ao QG do Exército. "Após o segundo turno das eleições eu passei a participar de protestos no Pará e no dia 12/11/2022 eu vim à Brasília com a minha caminhonete Mitsubishi Triton levando comigo duas escopetas calibres 12; dois revólveres calibre .357; três pistolas, sendo duas Glocks e uma CZ Shadow 2; um fuzil Springfield calibre .308; mais de mil munições de diversos calibres e cinco bananas de dinamite", diz um trecho do depoimento de Sousa. Com as armas, Sousa disse à polícia que seu objetivo era claro. "A minha ida até Brasília tinha como propósito participar dos protestos que ocorriam em frente ao QG do Exército e aguardar o acionamento das forças armadas para pegar em armas e derrubar o comunismo. A minha ideia era repassar parte das minhas armas e munições a outros CACs que estavam acampados no QG do exército assim que fosse autorizado pelas forças armadas", diz outro trecho de seu depoimento à polícia. "Porém, ultrapassado quase um mês (desde o resultado do segundo turno) nada aconteceu e então eu resolvi elaborar um plano com os manifestantes do QG do Exército para provocar a intervenção das forças armadas e a decretação de estado de sítio para impedir instauração do comunismo [no] Brasil", diz um trecho do depoimento. "Vários manifestantes do acampamento conversaram comigo e sugeriram que explodíssemos uma bomba no estacionamento do Aeroporto de Brasília durante a madrugada e em seguida fizéssemos denúncia anônima sobre a presença de outras duas bombas no interior da área de embarque", contou Sousa. É nesse momento que, segundo o depoimento de Sousa, o destino dele e de Alan se cruzam. A identidade completa de Alan Diego Rodrigues vem sendo divulgada por veículos de imprensa como os portais G1, Metrópoles e Folha de S. Paulo. Procurada, a Polícia Civil não se pronunciou oficialmente sobre ele. Ele é citado como um dos suspeitos de ter executado a tentativa de atentado a bomba, ao lado de George Washington de Oliveira Sousa. Segundo o portal UOL, Rodrigues vivia em Comodoro, cidade de Mato Grosso na divisa com Rondônia. A região é parte de um importante reduto bolsonarista. No segundo turno, por exemplo, Bolsonaro obteve 64,34% dos votos em Comodoro, contra 31,47% de Lula. Ainda de acordo com o UOL, Rodrigues foi candidato a vereador pelo PSD em 2016, mas não foi eleito. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele declarou um patrimônio de R$ 203 mil. Em suas redes sociais, há fotos dele com políticos bolsonaristas como o senador eleito Magno Malta (PL-ES), o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) e o deputado federal eleito Zé Trovão (PL-SC). Ele também postou imagens em frente ao Palácio da Alvorada, no acampamento em frente ao QG do Exército, de uma pistola e a imagem de um leão com a legenda: "Patriotas #TACHEGANDOAHORA". No depoimento dado por George Washington de Oliveira Sousa à polícia, ele disse que o plano inicial discutido com outros manifestantes era explodir uma bomba no aeroporto e fazer uma denúncia anônima dizendo que outros dois artefatos estariam armados na área de embarque do local. Sousa, porém, disse que não concordou com a ideia e passou a defender que a bomba fosse instalada em postes de energia elétrica próximos a uma subestação de eletricidade em Taguatinga, uma das maiores cidades-satélites do Distrito Federal. Uma mulher que havia se voluntariado para levar a bomba ao local planejado não compareceu. Foi aí que, segundo Sousa, Rodrigues entrou na história. "Ao contrário da mulher, um homem chamado Alan que eu já tinha visto algumas vezes no acampamento se mostrou mais disposto e se voluntariou para instalar a bomba nos postes [...] que ficam próximos à subestação de Taguatinga, já que era mais fácil derrubar os postes do que explodir a subestação como foi pensado originalmente", diz um trecho do depoimento de Sousa. O gerente de postos afirmou que, no dia 23, entregou a bomba a Rodrigues para que ele a instalasse nos postes. "Eu entreguei o artefato ao Alan e insisti que ele instalasse em um poste de energia para interromper o fornecimento de eletricidade, porque eu não concordei com a ideia de explodi-la no estacionamento do aeroporto. Porém, no dia 23/12/2022 eu soube pela TV que a polícia tinha apreendido a bomba no aeroporto e que o Alan não tinha seguido o plano original", consta em outro trecho do depoimento de Sousa à Polícia Civil. Desde a prisão de Sousa, a polícia vem fazendo buscas para localizar Rodrigues. Nesta terça-feira (27/12), porém, o governador Ibaneis Rocha disse, ao ser questionado sobre o assunto, que tudo indica que o homem fugiu do Distrito Federal. "A polícia já identificou essa pessoa, está fazendo as buscas. Pelo que foi alcançado pela polícia, ele já se evadiu do Distrito Federal, mas estão atrás e a gente deve ter notícia nas próximas horas", disse Ibaneis durante uma entrevista coletiva. A BBC News Brasil procurou a defesa de George Washington de Oliveira Sousa, mas o advogado que inicialmente o atendia informou que não está mais conduzindo o caso. No sistema da Justiça do Distrito Federal e Territórios, não há nenhum outro advogado cadastrado para defendê-lo.
2022-12-27
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64105977
brasil
‘Fui parar no hospital por causa de cílios postiços’: os riscos das extensões artificiais
Adepta da extensão de cílios há quase um ano, a enfermeira Valéria Campos nunca imaginou que poderia desenvolver algum tipo de alergia ao fazer o procedimento. Porém, quatro meses após fazer a manutenção nos fios postiços — quando a cliente retorna ao salão para colocar apenas os cílios que caíram com o passar dos dias — ela notou que havia algo de errado. A enfermeira relata que, três horas após o procedimento, suas pálpebras começaram a ficar avermelhadas, inchadas e doloridas. "A profissional usou os mesmos materiais a que eu já estava acostumada. Mas com o passar das horas meu olho inchava e doía cada vez mais", recorda Valéria. Por ser sábado à noite, a enfermeira precisou esperar até a manhã do dia seguinte para retornar ao salão e remover os cílios artificiais. Após a retirada, ela foi até o pronto-atendimento de um hospital em Belo Horizonte (MG), onde foi encaminhada para o atendimento oftalmológico de urgência. "Eu praticamente não consegui dormir aquela noite, eram três horas da manhã quando acordei e já não conseguia abrir meus olhos. Segundo o médico, eu tive uma infecção, mas ele não soube precisar se foi por causa da cola ou do cílio sintético que foi usado", acrescenta. Fim do Matérias recomendadas Para se recuperar totalmente da infecção, Valéria precisou usar antibióticos por sete dias. Apesar de o problema não ter afetado em nada a visão, a enfermeira diz que seus cílios naturais não voltaram a crescer e ter o volume de antes do procedimento de extensão. "A quantidade de cílios que eu tenho diminuiu porque tive muita perda de fios naturais", finaliza. Por achar bonito os cílios longos e volumosos marcando o olhar, a estudante de psicologia Adne Lucilla Carvalho Santos decidiu fazer o procedimento de extensão com fios sintéticos pela primeira vez em julho. O que ela não esperava era que teria uma reação alérgica. Minutos após terminar o procedimento, a universitária recorda que já começou a sentir incômodos nos olhos. Os primeiros sintomas da infecção foram vermelhidão e ardência. "Eu sabia que não era normal sentir aquela dor e no dia seguinte apareceu uma ferida no meu olho. Eu procurei atendimento oftalmológico, e a médica me alertou sobre os perigos de usar a extensão de cílios. Precisei tomar antibióticos e usar uma pomada para aliviar a dor e a irritação", recorda. Imaginando que a alergia era devido a algum produto específico usado pela profissional que colocou seus cílios, após o tratamento, Adne buscou outro salão para colocar novamente as extensões dos fios. Mas mais uma vez teve reação alérgica. "Eu acordei de madrugada e não conseguia abrir os olhos, fui ao banheiro e vi que eles estavam bem grudados e com muita secreção. Precisei usar a medicação novamente e vi que ter extensão de cílios não é para mim", acrescenta a universitária. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O procedimento de extensão de cílios nada mais é do que "colar" fios sintéticos ou de seda em cada fio do cílio natural, fazendo com que eles fiquem com aspecto mais alongado e volumoso. Para isso é usada uma cola especial e própria para esse tipo de procedimento. "Se for possível, faça um teste com a substância que será usada na extensão, principalmente aquelas pessoas que costumam ter irritação ao usar produtos químicos. Esse teste é normalmente aplicado na região interna no braço e não no olho. Se após três dias ela não apresentar nenhuma reação alérgica, a pessoa pode fazer com um pouco mais de segurança", explica a médica Ediléia Bagatin, coordenadora do Departamento de Cosmiatria Dermatológica da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Apesar de parecer inofensivo, o uso contínuo de cílios artificiais, a falta de limpeza adequada e de cuidado com os fios podem causar diversos problemas que vão desde a queda dos pelos naturais, deixando os olhos expostos e desprotegidos até patologias mais graves como úlcera de córnea. "Os cílios têm a função de proteger os olhos da entrada de luz, poeiras e outros fragmentos que fiquem suspensos no ar. Ali, ficam diariamente depositados partículas e resíduos de possíveis alérgenos. A complicação mais comum associada às extensões de cílios é a blefarite, seguida de conjuntivite alérgica, lesões corneanas, queda ou quebra dos cílios naturais", explica Claudia Del Claro, oftalmologista integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Oftalmologia. A cola utilizada é um fator muito importante para evitar alergias e problemas como a ceratite (queimadura química). Além disso, os fios postiços requerem mais atenção com a limpeza — as impurezas aumentam os riscos de contaminação dos olhos. "Para tentar minimizar complicações, a limpeza das pálpebras e dos cílios com produto específico não oleoso, ou mesmo o xampu neutro, é indicada duas vezes ao dia. É muito comum as pacientes evitarem lavar os cílios por receio de que as extensões caiam, mas é justamente ao contrário. As extensões de cílios caem precocemente quando não é feita a limpeza", acrescenta Del Claro. A colocação ou manutenção inadequadas das extensões de cílios, ou até mesmo o uso errado desses fios postiços podem desencadear algumas doenças oculares. Isso porque na região dos cílios também há diversas glândulas responsáveis pela lubrificação dos olhos, que podem ser afetadas após o procedimento. A ceratite, uma das mais comuns, é caracterizada pelo surgimento de pequenas feridas superficiais que podem surgir pelo trauma direto da cola usada para fazer a extensão dos cílios com superfície ocular. Essas lesões, apesar de superficiais, são bastante dolorosas e, normalmente, vêm acompanhadas da sensação de cisco no olho, lacrimejamento, vermelhidão e inchaço da pálpebra. Já a blefarite é uma inflamação na pálpebra que causa vermelhidão, coceira e acumulo de secreção. Nessa doença, a gordura presente na lágrima humana fica acumulada na pálpebra, aumentando o risco de desenvolvimento de bactérias no local. "Ao perceber qualquer incômodo após a aplicação dos cílios, a primeira conduta é lavar o local com soro fisiológico, para eliminar possíveis contaminantes que tenham atingido o olho", explica Patrícia Akaishi, oftalmologista do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo). "E caso o problema persista, é indicado procurar ajuda médica para que se certifique que não há resíduos de cola ou fios na superfície ocular e também dar início ao tratamento." Além disso, usar extensão de cílios por tempo prolongado pode afetar a formação arqueada dos fios naturais, fazendo com que eles não fiquem mais alinhados corretamente. Isso porque o material usado nas extensões é mais pesado do que os fios naturais. "Eu particularmente não recomendo usar extensão de cílios por ser um procedimento com alta taxa de complicações, que pode trazer a perda definitiva dos cílios, os quais são tão importantes para a proteção ocular e até mesmo a cola pode atingir os olhos deixando sequelas definitivas na visão", acrescenta Del Claro, da Sociedade Brasileira de Oftalmologia.
2022-12-27
https://www.bbc.com/portuguese/geral-64098869
brasil
O que gestão Haddad em SP indica para atuação no Ministério Fazenda
"Responsável formalmente pela condução da política econômica e pela direção dos bancos estatais, o ministro da Fazenda exerce, na prática, a liderança de um primeiro-ministro. Com a peculiaridade de precisar de apenas um voto, o do presidente." "Nenhum presidente de empresa privada acumula tanto poder, controla tantos destinos, atrai tanta inveja. Nenhum outro posto da administração pública sofre tanta pressão, recebe tanto escrutínio, é alvo de tantos ataques. Nenhum emprego tem, simultaneamente, tamanha força e fragilidade. É o pior emprego do mundo." Assim o jornalista e analista político Thomas Traumann definiu, em seu livro O Pior Emprego do Mundo, o cargo que será ocupado a partir de janeiro por Fernando Haddad. Formado em direito, mestre em economia e doutor em filosofia, Haddad foi ministro da Educação de 2005 a 2012 e prefeito de São Paulo entre 2013 e 2016. Concorreu à reeleição para prefeito em 2016, à presidência da República em 2018 e ao governo de São Paulo em 2022, sendo derrotado nas três tentativas. Sua passagem pela prefeitura paulistana é igualmente marcada por altos e baixos: por um lado, renegociou a dívida do município, levando São Paulo a obter o chamado grau de investimento (um selo de bom pagador atribuído por agências de risco), e realizou investimentos recordes, graças ao saneamento das contas públicas. Fim do Matérias recomendadas Por outro, era o prefeito quando explodiram as manifestações de junho de 2013 contra o aumento das tarifas de ônibus, cujas repercussões derrubariam sua aprovação e de toda a classe política, e mudariam os rumos do país nos anos seguintes. Entenda como a gestão Haddad na prefeitura de São Paulo dá pistas sobre o que pode vir pela frente em sua atuação no Ministério da Fazenda. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Uma das tarefas mais espinhosas de Haddad na Fazenda será definir uma nova regra fiscal para substituir o teto de gastos — regra aprovada em 2016, durante o governo Michel Temer (MDB), que limita o crescimento da despesa federal à variação da inflação no ano anterior. Segundo economistas, é preciso que a nova regra seja crível (isto é, que possa de fato ser cumprida, diferentemente do teto de gastos, que acabou sendo "furado" diversas vezes desde sua criação) e indique uma trajetória sustentável para a dívida pública. Segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal, a dívida bruta brasileira deve encerrar 2022 em 76,6% do PIB (Produto Interno Bruto), e pode superar 95% em 2031 sem uma limitação das despesas. Quanto mais alta a dívida pública, maior o volume de juros da economia e mais difícil para o país crescer e gerar empregos. Para tentar convencer o mercado financeiro de que está cacifado para essa tarefa e que tem um histórico de responsabilidade fiscal, Haddad tem citado sempre a renegociação de dívida que realizou em São Paulo e que levou o município a conquistar o grau de investimento pela agência de risco Fitch. "O município [de São Paulo] tinha uma situação de endividamento muito complexa, fora dos limites definidos pelo Senado Federal", lembra Rogério Ceron, ex-secretário de Finanças da gestão Haddad em São Paulo e futuro secretário do Tesouro Nacional no Ministério da Fazenda, conforme anunciado pelo petista pouco antes do Natal. Segundo Ceron, a dívida à época era equivalente a mais de 2 vezes a receita do município, quando a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelecia um limite de 1,2 vez. "O principal problema desse endividamento era o contrato de renegociação de dívida com a União", explica o gestor público. A dívida era então corrigida pelo IGP-DI, um índice de inflação que sofre muito efeito da variação de preços das commodities, mais juros de 9%. "Isso foi fazendo com que a dívida crescesse exponencialmente e era algo insolúvel", diz Ceron. Haddad negociou a mudança dessa regra, com a dívida de Estados e municípios passando a ser corrigida pelo IPCA (índice de inflação oficial do país) mais juros de 4% ou a Selic, o que fosse menor. "Isso reduziu brutalmente o saldo devedor, que caiu de R$ 74 bilhões para menos de R$ 30 bilhões. Agora era possível ver o final dessa dívida e começou um processo de redução dos pagamentos, o que foi gerando um alívio fiscal crescente ao longo dos anos", diz Ceron. Como essa renegociação foi concluída ao fim de 2015, Haddad pouco se beneficiou da mudança em seu próprio governo. Mas a renegociação contribuiu para a atual situação confortável das contas públicas de São Paulo, reconhecida até mesmo por seus sucessores. Para Benito Salomão, economista especialista em política fiscal, é fato que Haddad fez uma gestão fiscalmente responsável à frente da prefeitura de São Paulo. "A preocupação não é com o Haddad, é que a memória dos governos Dilma ainda é muito recente na cabeça dos brasileiros, do setor produtivo e do setor financeiro. E a retórica que o presidente Lula adotou na transição não foi uma retórica 'market friendly', amigável ao ambiente de negócios que o Brasil precisa construir", diz Salomão. "Então o principal problema que recai sobre Haddad não é a formação conceitual dele, mas se ele tem condições de se contrapor ao Lula", afirma. "Vamos voltar para o padrão de política econômica dos anos 2010 [era Dilma] ou aquele do final dos anos 1990 e começo dos anos 2000 [governos FHC e Lula, quando vigorou o tripé macroeconômico de câmbio flutuante, metas fiscais e meta de inflação]? Essa sinalização não está clara", avalia o economista. Para Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria, há ainda outro motivo para o mercado financeiro não se deixar impressionar pela gestão fiscal de Haddad na prefeitura paulistana. "A redução da dívida municipal, muito embora tenha gerado efeito importante para o caixa da prefeitura, não foi fruto de uma gestão fiscalista ou de corte de gastos", observa. "Foi basicamente uma negociação política em torno de uma mudança de legislação, que, ao trocar o indexador da dívida, diminuiu o estoque [de dívida] de forma considerável." Rogério Ceron, futuro secretário do Tesouro e secretário de Finanças da gestão Haddad à época da renegociação da dívida, rebate as críticas. "Essa questão da dívida tem que se olhar pelo prisma da preocupação dele [Haddad] de longo prazo com a solvência do ente federativo [o município]. Ele tinha uma preocupação legítima com o longo prazo, mesmo sabendo que não seria o maior beneficiário dessa redução [do endividamento]. Isso faz muita diferença, ele é um estadista neste sentido", defende. Ceron cita ainda outras medidas tomadas por Haddad para o equilíbrio fiscal de São Paulo, que podem dar pistas do que vem pela frente na Fazenda. Ele lembra, por exemplo, que o começo do governo Haddad foi marcado por uma profunda revisão de contratos da prefeitura, com um "pente-fino" nas despesas que pode ser replicado em nível federal. Também cita que Haddad realizou diversas reformas na gestão tributária para inibir sonegação e reduzir o estoque de créditos tributários. E regulamentou de forma pioneira os aplicativos de transporte individual, o que passou a arrecadar milhões anualmente para o município. Ainda no âmbito tributário, Ceron cita o aumento da arrecadação fruto de revisão feita no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). E quanto à arrecadação maior através de multas — Haddad chegou a ser acusado de criar uma "indústria da multa" no município — o futuro secretário do Tesouro argumenta que foi fruto de melhoria no processo de fiscalização. A retomada do investimento federal será outro desafio para Haddad à frente da Fazenda. Entre 2016 e 2020, após a crise econômica e a aprovação da regra do teto de gastos, o investimento no país caiu abaixo do necessário para repor a depreciação do estoque de capital existente. Apenas a partir de 2021, o investimento voltou a crescer, puxado pelo setor privado, tendência que se manteve em 2022. O futuro ministro da Fazenda tem defendido as concessões e PPPs (parcerias público-privadas) como um caminho para fortalecer os investimentos, em meio ao estrangulamento do orçamento público, pressionado por despesas obrigatórias crescentes. A escolha do ex-presidente do Banco Fator, Gabriel Galípolo, para secretário-executivo do Ministério da Fazenda (cargo que é considerado o número dois da pasta), teria por objetivo destravar as PPPs. Ceron, que antes de aceitar a secretaria do Tesouro, estava no cargo de diretor-presidente da São Paulo Parcerias, companhia responsável pela estruturação de concessões, PPPs e venda de ativos na Prefeitura de São Paulo, também é um entusiasta desse caminho, reforçando o histórico de Haddad com as parcerias público-privadas. "Haddad foi o líder da elaboração da lei de PPPs [em 2003, no Ministério do Planejamento, a convite de Guido Mantega] e na gestão dele na prefeitura se iniciou a estruturação e licitação da PPP de iluminação pública, que foi a primeira do tipo no Brasil e hoje é o carro-chefe das PPPs em âmbito municipal", defende o gestor. Para o especialista em política fiscal Benito Salomão, o caminho das concessões e PPPs é correto para alavancar o investimento, mas precisa ser acompanhado da retomada das reformas para cortes de despesas obrigatórias, de forma a abrir espaço para o investimento no Orçamento federal. "O investimento público é um dos principais problemas fiscais que o país precisa enfrentar", diz Salomão. "Hoje, a despesa obrigatória da União representa cerca de 92% do Orçamento. Não sobra recurso para investir — a PEC de Transição é um sintoma desse tipo de problema", observa, citando a Proposta de Emenda à Constituição aprovada na Câmara e no Senado em meados de dezembro, para ampliar o teto de gastos em R$ 145 bilhões no próximo ano, viabilizando o Bolsa Família de R$ 600 no início do governo Lula. O texto também autoriza R$ 23 bilhões em investimentos fora da regra fiscal. "Então precisamos saber quais serão os cuidados a serem tomados para que as despesas obrigatórias não continuem achatando o investimento público no Orçamento." Mesmo com investimentos recordes, saneamento das contas públicas e a conquista do grau de investimento pelo município, Haddad não conseguiu se reeleger prefeito em 2016. Para Rafael Cortez, da Tendências, isso se deve em grande medida aos efeitos de junho de 2013. Haddad foi eleito em 2012 ainda num período de crescimento econômico e otimismo, com a promessa de investimentos ambiciosos no município, que seriam facilitados pela parceria entre prefeitura e governo federal, ambos sob gestões petistas. Mas logo em seu primeiro mês à frente da prefeitura, foi ele o solicitado a ajudar o governo federal, adiando o reajuste das tarifas de ônibus da capital paulista de janeiro para junho, a pedido do então ministro da Fazenda Guido Mantega, com o objetivo de conter a inflação. Em vez de acontecer num mês de férias escolares, o reajuste foi feito em pleno ano letivo, gerando uma forte mobilização contrária, que catalisaria outros descontentamentos, na maior onda de protestos vista no país no período recente. Para Benito Salomão, o episódio remonta a um padrão de política econômica que precisa ser evitado no novo governo: o do controle artificial da inflação através de intervenções do Estado na economia — algo adotado também por Jair Bolsonaro (PL) em sua tentativa de reeleição. "Esse é o tipo de padrão de política econômica que o Brasil precisa evitar. Não se controla preços represando preços administrados [aqueles controlados pelo poder público, como tarifas de ônibus, contas de luz, preços dos combustíveis etc]", diz Salomão. "Isso partiu de uma concepção absolutamente equivocada do problema da inflação dos anos 2010 e do avizinhamento das eleições [de 2014]. Muito parecido com o que Bolsonaro fez agora com o ICMS de combustíveis. Então esse é um tipo de padrão de política econômica que o ministro Haddad precisa evitar. E é sobre esse tipo de medida que recai a desconfiança." Para Rafael Cortez, o episódio de 2013, em que Haddad prejudicou o próprio mandato na prefeitura para atender a uma demanda do governo federal, ajuda a explicar a escolha do ex-prefeito para o cargo de ministro da Fazenda. "A escolha do Haddad por parte do presidente eleito tem menos a ver com o pensamento econômico dele e mais com atributos políticos", avalia Cortez. "O primeiro desse atributos é a conexão pessoal e a relação de confiança entre o presidente e o ministro da Fazenda. Isso parece central ao presidente Lula neste momento, num início de mandato marcado por limitação do capital político [de Lula] e por uma realidade diferente daquela de 2003, com uma rejeição mais alta, fruto das administrações petistas anteriores e do processo de polarização e radicalização política." O segundo atributo, segundo o cientista político, é a expectativa de que Haddad seja capaz de tocar as negociações com Congresso e mercado, o processo de vender a agenda que o governo irá tentar implementar, seja para os agentes econômicos ou no âmbito parlamentar. Ao mesmo tempo, 2013 reforça a dúvida sobre se Haddad será capaz de se contrapor a Lula, avalia o analista. "De alguma forma, esse problema vai retornar agora em 2023. Uma boa parte do desempenho do Haddad pode ser comprometida por decisões que estão para além do seu controle. Que têm a ver com a maneira como o presidente vai tocar os diferentes interesses em pauta", diz Cortez. "Não me parece que o Haddad deva ser visto como o nome que vai se contrapor a eventuais decisões do presidente Lula. Até porque, sua escolha se deve justamente a essa sintonia."
2022-12-27
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64082725
brasil
Explosivo em Brasília: conversa em condomínio levou polícia a suspeito de montar bomba
Uma mera conversa de condomínio levou a Polícia Civil do Distrito Federal a chegar ao suspeito de ter montado uma bomba que foi desativada pelas autoridades em uma área próxima ao Aeroporto Internacional de Brasília, segundo documentos obtidos pela BBC News Brasil. A informação está no inquérito que investiga a participação de George Washington de Oliveira Sousa em uma tentativa de atentado cujo objetivo seria provocar uma intervenção das Forças Armadas e a decretação do estado de sítio às vésperas da posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na manhã do sábado (24/12), a Polícia Militar do Distrito Federal recebeu a informação de que um artefato explosivo havia sido encontrado pelo motorista de um caminhão de combustível nas proximidades do aeroporto de Brasília. O dispositivo foi desarmado. Após ouvirem o depoimento do motorista do caminhão onde a bomba foi encontrada, os policiais concluíram que o dispositivo teria sido colocado dentro do veículo entre 22h de sexta-feira (23/12) e 5h de sábado. Ele disse não saber quem havia deixado o artefato no caminhão. Os policiais afirmam que o motorista do veículo deu acesso ao conteúdo de seu telefone celular e que, após checarem o aparelho, concluíram que ele não tinha envolvimento com o caso. Fim do Matérias recomendadas Foi neste momento, que, segundo a Polícia Civil, agências de inteligência indicaram que Sousa era um dos suspeitos. "Em paralelo, informações prestadas por agências de inteligência policiais indicavam que um dos envolvidos com o artefato explosivo seria um indivíduo de cor branca, estatura média, com cerca de 50 anos, oriundo do Estado do Pará", diz um trecho do relatório. Na noite de sábado, a Polícia Civil prendeu Sousa no estacionamento do edifício onde ele estava morando havia pouco mais de um mês, na capital federal. Os documentos obtidos pela BBC News Brasil dão mais detalhes sobre como a Polícia Civil chegou ao suspeito. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A investigação aponta que ele teria admitido o plano durante uma conversa. "Segundo informações, o suspeito teria, durante uma conversa no condomínio, revelado sua intenção de explodir uma bomba no estacionamento do aeroporto e distribuir outras bombas na área interna do aeroporto", diz um trecho do documento. Em seu depoimento, Sousa disse que é gerente de postos de gasolina no interior do Pará. Segundo ele, após a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições, ele teria participado de protestos em seu estado. Ainda de acordo com o depoimento prestado à polícia, o suspeito disse que veio a Brasília para participar dos protestos que ocorrem em frente ao Quartel General do Exército e "aguardar o acionamento das Forças Armadas para pegar em armas e derrubar o comunismo". Desde a vitória de Lula, centenas de apoiadores do presidente Bolsonaro contrários à eleição do petista se aglomeram em frente à sede do Exército em Brasília e de outras cidades do país. A BBC News Brasil entrou em contato com um advogado que iniciou o trabalho de defesa de Sousa, mas ele informou que não atua mais no caso. A reportagem tentou localizar outros defensores do suspeito, mas no sistema da Justiça do Distrito Federal nenhum outro advogado aparece cadastrado para defender Sousa. Ainda de acordo com os documentos, a Polícia Civil conseguiu identificar o condomínio onde o suspeito estaria hospedado. O relatório aponta que os agentes analisaram imagens das câmeras de segurança do condomínio e teriam constatado que Sousa teria se ausentado do local no horário provável em que a bomba foi instalada no caminhão. Em seguida, disse a polícia, foi montada uma "campana" no local. "Diante disso, deram início a uma campana, visando aguardar o momento [em] que George sairia de sua residência, o que ocorreu por volta das 20h30; ao deixar sua residência, George foi abordado e — de pronto — informou ter armas, munições e explosivos, tanto no seu carro como no interior do seu apartamento", diz o documento. Em seu depoimento, Sousa diz que notou a presença de "pessoas estranhas" perto do edifício onde estava hospedado, no sábado. E que, por isso, planejou para deixar o local no dia seguinte. O plano, porém, foi interrompido ao ser abordado pelos policiais. "Ontem [...] eu observei durante a tarde uma movimentação de pessoas estranhas nas redondezas do prédio onde eu estava hospedado e desconfiei que fossem policiais. Então eu arrumei as malas e coloquei as armas na caminhonete para ir embora na manhã do dia 25/12/2022. No dia 24/12/2022, por volta das 19h00, policiais civis me abordaram embaixo do prédio e confessei a posse das armas e dos explosivos", disse um trecho do depoimento prestado por Sousa à Polícia Civil. Nele, Sousa admite ter participado da montagem da bomba. Segundo o documento, após quase um mês de protestos em favor de Bolsonaro não terem tido resultado, ele decidiu montar o artefato. "Porém, ultrapassados quase um mês nada aconteceu e então eu resolvi elaborar um plano com os manifestantes do QG do Exército para provocar a intervenção das forças armadas e a decretação de estado de sítio para impedir instauração do comunismo [no] Brasil", disse um trecho do depoimento prestado à Polícia Civil do Distrito Federal. "Eu disse aos manifestantes que tinha a dinamite, mas que precisava da espoleta e do detonador para fabricar a bomba. No dia 23/12/2022, por volta [das] 11h30, um manifestante desconhecido que estava acampado no QG me entregou um controle remoto e quatro acionadores", disse outro trecho do depoimento de Sousa. A polícia disse que investiga outras pessoas dentro do caso. "Em posse dos dispositivos, eu fabriquei a bomba colocando uma banana de dinamite conectada a um acionador dentro de uma caixa de papelão que poderia ser disparada pelo controle remoto a 50 a 60 metros de distância", aponta outro trecho do depoimento. Em seu depoimento, Sousa disse aos policiais que discordou da ideia de que a bomba fosse explodida no estacionamento do aeroporto. Segundo ele, seu plano era que o artefato fosse detonado em um poste de energia para interromper o abastecimento de energia na cidade. Sousa foi autuado em flagrante por terrorismo, depois de confessar que montou artefato explosivo instalado em caminhão de combustível. A polícia apura a participação de outras pessoas. Depois, a Justiça do Distrito Federal determinou que ele permaneça preso por tempo indeterminado. Segundo a legislação, é um ato de terrorismo "usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa". A pena prevista na lei é de reclusão de 12 a 30 anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência. Em nota enviada pela Polícia Civil à reportagem, o delegado-geral Robson Cândido disse que as autoridades irão prender quem "atente contra o Estado Democrático de Direito". "Queremos destacar que a PCDF [Polícia Civil do Distrito Federal] vai prender qualquer pessoa que atente contra o Estado Democrático de Direito, com ameaças e, agora, com bombas. Não permitiremos, em Brasília, esse tipo de manifestação que atente contra vidas, o direito de ir e vir das pessoas ou mesmo patrimônios", afirmou o delegado. Após a localização da bomba e a prisão do suspeito, o senador eleito pelo Maranhão e indicado como futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que os procedimentos da cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva serão reavaliados para fortalecer a segurança e "o combate aos terroristas e arruaceiros será intensificado".
2022-12-26
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64098870
brasil
Explosivo em Brasília: o que se sabe sobre o caso e a preocupação com a posse de Lula
Indicado como futuro ministro da Justiça, Flávio Dino disse que os procedimentos da cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva serão reavaliados para fortalecer a segurança e "o combate aos terroristas e arruaceiros será intensificado". A mensagem de Dino, publicada em rede social no dia do Natal, veio depois que um homem de 54 anos foi preso no Distrito Federal após a polícia encontrar e detonar artefato explosivo que estava em um caminhão na capital. A seguir, entenda o que se sabe até agora sobre o caso. A Polícia Militar do Distrito Federal disse que foi acionada por volta de 8h do sábado (24) para atender uma ocorrência envolvendo suposto artefato explosivo e que, no local, fez a desativação. Isso ocorreu em via que dá acesso ao Aeroporto de Brasília. Depois, o material foi entregue para perícia pela Polícia Civil. Fim do Matérias recomendadas Segundo a imprensa local, quem chamou a polícia foi o motorista do caminhão onde o artefato estava - e a participação dele no crime foi descartada pela Polícia Civil. Pelo Twitter, Dino disse que foi encontrado no material "emulsão de pedreira" (produto explosivo e usado por mineradoras em escavações). Ele disse que a equipe de transição acompanha o caso, e que investigações estão sendo feitas pela Polícia Civil do Distrito Federal. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast No sábado, a polícia prendeu George Washington de Oliveira Sousa, de 54 anos, em um apartamento alugado no Sudoeste. Sousa foi autuado em flagrante por terrorismo, depois de confessar que montou artefato explosivo instalado em caminhão de combustível. A polícia apura a participação de outras pessoas. Depois, a Justiça do Distrito Federal determinou que ele permaneça preso por tempo indeterminado. Segundo a Polícia Civil, Sousa é empresário e viajou do Pará a Brasília para participar de atos realizados por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) defronte ao quartel-general do Exército. Na residência de Souza a polícia encontrou diversas armas e munições, segundo a imprensa local - espingardas, cartelas de munição, além de revólveres, artefatos explosivos e uniformes camuflados. Embora ele tenha alegado que tirou licenças de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), também segundo a imprensa local, os documentos estavam irregulares e ele também foi autuado por posse e porte ilegal de arma de fogo e de uso restrito. Segundo a Folha de S.Paulo, Sousa afirmou à Polícia Civil que as "palavras" de Bolsonaro o encorajaram a adquirir o arsenal de armas apreendido em seu poder. A reportagem atribui a seguinte fala ao investigado: "O que me motivou a adquirir as armas foram as palavras do presidente Bolsonaro, que sempre enfatizava a importância do armamento civil dizendo o seguinte: 'Um povo armado jamais será escravizado'." De acordo com a reportagem Souza teria relatado aos policiais planos de um outro ataque coordenado com objetivo de instaurar um caos na capital federal.. Esses planos envolveriam um segundo ataque à bomba em uma estação de energia visando interromper o fornecimento de eletricidade. A BBC News Brasil não localizou a defesa de Sousa. O atual ministro da Justiça, Anderson Torres, publicou no Twitter que o ministério "oficiou a @policiafederal para acompanhar a investigação e, no âmbito de sua competência, adotar as medidas necessárias quanto ao artefato encontrado ontem (24) em Brasília". Em seguida, escreveu: "Importante aguardarmos as conclusões oficiais, para as devidas responsabilizações". Até a manhã desta segunda-feira (26/12), o presidente Jair Bolsonaro não se pronunciou sobre o caso. Segundo a Lei antiterrorismo, é um ato de terrorismo "usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa". A pena prevista na lei é de reclusão de 12 a 30 anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
2022-12-26
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64094923
brasil
Após descobrir Racionais, youtuber dos EUA faz sucesso com vídeos de 'react' de música brasileira
Um americano do bairro nova-iorquino do Brooklyn anda fazendo tanto sucesso no YouTube reagindo a músicas brasileiras que foi convidado a assistir em julho a um dos shows da turnê dos Racionais MC's nos Estados Unidos. "Apertei a mão de todos eles", conta Clinton Manigault, mais conhecido no mundo digital como GoonyGoogles. A energia do show e a participação da plateia deixaram o americano de queixo caído. "Eu tenho 37 anos. Todo mundo ali tinha a minha idade ou menos. E sabiam todas as letras das músicas", diz admirado. Clinton descobriu, nos Racionais, uma conexão com a cultura brasileira que não poderia imaginar quando decidiu criar um canal próprio no YouTube durante a pandemia. A ideia inicial era reagir a filmes. Aqueles famosos que, por um motivo ou outro, Clinton não chegou a assistir. Foi o caso de Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Katia Lund, lançado em 2002. O sucesso do longa, na época, chamou a atenção do americano. Mas entrou naquela lista de filmes tipo "um dia eu vejo". Fim do Matérias recomendadas Poucos anos depois, Clinton se alistou e serviu no Iraque como fuzileiro naval. Ele nunca esteve em situações de combate, trabalhava com informática. Na volta se mudou para a Carolina do Norte, terra da ex-esposa que conheceu nas forças armadas. Hoje ele mora em uma casa típica de subúrbio americano, daquelas que se vê em filmes, com jardim, quintal, outras casas em volta e nada de comércio por perto. Foi nessa casa, isolado por causa da pandemia de covid, que ele criou o personagem GoonyGoogles, nome que tomou emprestado de uma apresentação de Eddie Murphy. Os primeiros filmes que Clinton analisou renderam quase 2.000 assinantes para o canal. Mas, quando ele descobriu o Brasil, foi uma revolução. O número de inscritos subiu para 230 mil e os vídeos mais vistos são os dos comentários que ele já fez sobre músicas dos Racionais MC's. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Basta falar da banda que as visualizações disparam para a casa dos milhões. Mas foi através de Fernando Meirelles, o cineasta, que o americano chegou a Mano Brown, o poeta. Cidade de Deus foi uma revelação. "Vi e amei", conta Clinton à BBC News Brasil. "Fiz essa conexão por causa daquelas pessoas negras na tela. Eu conheci crianças assim quando estava crescendo. Claro que os números aqui são menores. Os negros não são essa população tão grande aqui. Mas o que vi é algo que reconheço. Gravei a reação e dois meses depois o número de visualizações começou a subir. Do nada!" Nos Estados Unidos, os negros são pouco mais de 13% da população, enquanto no Brasil 9% da população se declara negra e 47% dos brasileiros se declaram pardos. Os americanos assistem aos vídeos de Clinton, mas eles atraem um número cada vez maior de brasileiros para o canal. Por isso mesmo, passou a ter legendas em português. Um investimento sem retorno para o nova-iorquino curioso, dono de um sorriso desarmado e cativante, que mantém um diálogo intenso e constante com um público que também vai se redescobrindo. Nessa via de mão dupla, os comentários revelam o quanto o olhar e a sensibilidade de Clinton emprestam aos brasileiros uma visão renovada de sucessos consagrados no país. Uma reflexão atualizada de temas de ontem e de sempre para esse público brasileiro que não cansa de dar dicas ao americano. São sugestões de músicas, artistas, filmes e de fatos históricos também. "Eu não sabia nada da ditadura militar no Brasil", conta Clinton. Mas com as perguntas e os comentários no canal, se interessou cada vez mais. Assistiu a Marighella, de Wagner Moura, mas também o documentário sobre o líder guerrilheiro dirigido por Isa Grinspum Ferraz com música de Mano Brown. "Também aprendi um pouco por causa de um documentário do americano Henry Louis Gates Jr. que fala dos negros na América Latina. Ele conta que a maior parte dos escravizados da rota do Atlântico foi para o Brasil. Eu não podia acreditar! Isso é grande demais e eu não sabia!" Com essa revelação, foi à internet buscar os músicos negros do tal Brasil que ele tem certeza que vai conhecer um dia. O filme de Fernando Meirelles foi apenas a porta para toda uma descoberta que Clinton ainda não sabe aonde vai dar. Ele tem fome de saber mais e vai seguindo, sem pressa, o caminho que a intuição dita. A mesma intuição que guia os comentários sobre ritmos e batidas que ele reconhece como muito familiares. Elas remetem ao auge do hip hop do fim dos anos 1980 e começo dos 1990. E tratam de temas que ele dificilmente encontra no rap americano atual. "Essa música não conta mais a história do que está acontecendo. O que o Public Enemy fazia, o que o Rakim fazia. Era a história de verdade e não uma forma de escapar da realidade. Era isso que eu estava buscando e foi essa conexão que eu vi". Ele destaca que é preciso olhar também para os músicos que vieram depois dos Racionais. Cita Djonga, Emicida, e acha que o mesmo ainda pode acontecer nos Estados Unidos. "A gente tem Kendrick Lamar, J. Cole", lista. Artistas que falam dos assuntos que Clinton quer ver retratados e que, para ele, podem ter um grande impacto na cultura do país. Mas enquanto não encontra essa força narrativa na música americana, ele vai mergulhando na brasileira. "Ouvi Cassiano pela primeira vez. Uau! Amo. Ouço no meu carro agora", conta. Tim Maia é um capítulo à parte para o nova-iorquino de família religiosa que cresceu ouvindo hip hop, blues e gospel. E os brasileiros querem ampliar ainda mais o leque de GoonyGoogles. Foi assim que ele se apaixonou por Alcione e topou o desafio de enveredar pelo samba. Gravou recentemente um vídeo sobre Lucidez, de Jorge Aragão, e outro sobre Gal Costa cantando Força Estranha. Prometeu que vai ouvir Clementina de Jesus. Se o tempo é curto, por causa do trabalho em sistemas de logística e movimentação de cargas, sobram curiosidade e apetite para conhecer ainda mais a cultura que cala fundo no coração desse americano.
2022-12-26
https://www.bbc.com/portuguese/geral-64032652
brasil
Dívidas? Cinco perspectivas para ficar de olho em 2023
O Brasil encerra o ano de 2022 com alguns recordes acumulados em termos de endividados e inadimplentes - e ao que tudo indica, a situação pode persistir em 2023. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a parcela de famílias com dívidas, em atraso ou não, ficou em 78,9% em novembro deste ano. A taxa é inferior aos 79,2% de outubro, mas superior aos 75,6% de novembro de 2021. O levantamento apontou ainda que as famílias inadimplentes, ou seja, com dívidas em atraso, somavam 30,3% em novembro deste ano. O patamar é o mesmo do mês anterior, que já era o maior da série iniciada em 2010. Entre os inadimplentes, saltou de 10,6% para 10,9% os que informaram não ter condição de quitar seus débitos. Há ainda entre os endividados aquelas famílias que solicitaram o empréstimo consignado destinado a beneficiários do Auxílio Brasil, programa de transferência de renda concedido pelo governo federal. Fim do Matérias recomendadas Segundo o Ministério da Cidadania, uma em cada seis famílias beneficiárias pediu o empréstimo até 1º de novembro - foram mais de 3,4 milhões de concessões no total. A informação foi obtida pelo G1 via Lei de Acesso à Informação. No empréstimo consignado, as parcelas são descontadas diretamente da folha de pagamentos. Mas de acordo com o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, o momento não é propício para contrair dívidas. "O juro está alto e subindo neste momento, ou seja, o momento não é ideal", diz. Além das taxas de juros elevadas, a alta na inflação e a taxa de câmbio também tornam o momento mais difícil, explica o especialista. "Vejo pouco espaço para a redução da inadimplência, pelo menos até o final do primeiro semestre de 2023", prevê Rabi. "A taxa de juros e a inflação podem passar por uma melhora no segundo semestre, mas até lá as expectativas não são boas." Para aqueles que estão endividados ou com parcelas de empréstimos em atraso, a BBC News Brasil reuniu alguns dos principais indicadores que valem a pena ser observados e as previsões para o ano que se inicia. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Segundo Luiz Rabi, o cenário de inadimplência no Brasil pode ser explicado principalmente pelo aumento da inflação - indicador que tende a melhorar até o final de 2023, mas que pode permanecer alto nos primeiros meses do ano. Em março de 2022, o país registrou uma inflação de 1,62%, a maior para este mês desde o lançamento do Plano Real, em 1994. A expectativa do mercado é que o IPCA feche o ano em 5,79%, segundo o Boletim Focus divulgado em 12 de dezembro. Já para 2023, os economistas ouvidos pelo Banco Central no relatório estimaram que o índice de inflação terminará o ano em 5,08%. E a alta dos preços afeta diretamente o poder de compra, levando muitas famílias brasileiras a acumular dívidas ou deixar contas em atraso. Segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e divulgado no final de novembro, o setor credor que concentra a maior parte das dívidas no país é o de bancos, com 61,34% do total. Na sequência aparecem o comércio (12,67%), o setor de comunicação (12,67%) e água e luz, com 10,89% do total de dívidas. Com a inflação subindo, o Banco Central teve também que aumentar a taxa de juros para combater a escalada de preços. "Essa é a segunda variável que impacta a inadimplência", diz o economista da Serasa Experian. O processo de aumento da Selic - que representa o índice de juros básicos da economia brasileira - foi iniciado em março de 2021. Desde então, a taxa saiu de 2% ao ano para 13,75%. E em um cenário de inflação global alta e incertezas políticas como é o atual, a perspectiva é de que os juros não caiam tão cedo. "Se a inflação se estabilizar até o segundo semestre, pode ser que a taxa de juros também seja ajustada", diz Rabi. Segundo o mais recente Boletim Focus, a previsão para a Selic no final de 2023 é de 11,75%. As taxas para aqueles que parcelam compras no crédito também não dão sinais de desaceleração. A taxa de juros do cartão de crédito rotativo variou de 390,7% ao ano em setembro para 399,5% em outubro, segundo os dados do Boletim de Estatísticas Monetárias e de Crédito, divulgados pelo Banco Central. Este é o maior valor desde agosto de 2017, quando ficou em 428%. O rotativo é a linha de crédito pré-aprovada no cartão e inclui também saques feitos na função crédito do meio de pagamento. Sem a perspectiva de uma diminuição expressiva da Selic em 2023, economistas também não veem grandes chances de queda nessa taxa. E segundo a Serasa Experian, o cartão de crédito segue sendo o principal motor das dívidas entre os inadimplentes. "Em linha com o ano anterior, as dívidas de cartão de crédito impactam 53% dos brasileiros endividados", destacou uma pesquisa da instituição divulgada em outubro deste ano. Segundo Luiz Rabi, a cotação do dólar também impacta de maneira indireta nas taxas de endividamento e inadimplência. "A taxa de câmbio influencia a inflação, que afeta o poder de consumo da população e a taxa de juros", diz. A previsão do mercado é que o dólar feche 2022 no valor de R$ 5,25, uma expectativa que se mantém também para o final de 2023. Quando se trata de emprego no Brasil, as previsões são de estabilização nas taxas positivas dos últimos meses. O desemprego no terceiro trimestre deste ano registrou a menor taxa desde 2014. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a desocupação no país foi de 8,3% no trimestre encerrado no mês passado. Essa taxa representa uma queda de 0,8 ponto percentual em relação ao trimestre anterior (maio a julho). Na comparação com o mesmo trimestre de 2021, a queda foi de 3,8 pontos percentuais. Já a população desocupada foi de 9 milhões de pessoas, o que representa um recuo de 8,7% em comparação com o trimestre encerrado no mês de julho. É o menor nível desde julho de 2015. Entre os desalentados, que são pessoas que gostariam de trabalhar, mas não procuram emprego por achar que não encontrariam, o número chega a 4,2 milhões de pessoas. O desempenho reflete o aquecimento da economia no primeiro semestre de 2022, no pós-pandemia, mas segundo especialistas deve perder ritmo entre o final deste ano e o início de 2023.
2022-12-26
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brasil
A visão de Charles Darwin sobre os escravizados no Brasil: 'Serão, no fim das contas, os governantes'
"Eu não posso deixar de pensar que eles (africanos escravizados) serão, no fim das contas, os governantes". A frase foi escrita no Rio de Janeiro pelo naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) em seu diário no dia 3 de julho de 1832. Não se concretizou e não virou teoria, mas serve para revelar visões pouco conhecidas do autor de A Origem das Espécies. O britânico que revolucionou a biologia com sua teoria da evolução pela seleção natural era um abolicionista convicto. Era sua "causa sagrada", como define James Moore, historiador da ciência que mergulhou na visão de Darwin sobre raça e sobre o escravismo e é autor, com o colega Adrian Desmond, de Darwin's Sacred Cause: Race, Slavery and the Quest for Human Origins ("A Causa Sagrada de Darwin: Raça, Escravidão e a Busca pela Origem Humana", em tradução literal). As anotações do naturalista sobre a viagem ao Brasil — onde ficou por quatro meses durante seu périplo de cinco anos à bordo do navio Beagle — estão recheadas de descrições horrorizadas sobre a escravidão. Fim do Matérias recomendadas Em uma delas, ele menciona o caso de uma senhora que morava em uma casa em frente ao local em que estava hospedado no Rio de Janeiro e que guardava parafusos para torturar suas escravas domésticas, quebrando-lhes os dedos. Em outro, que ele define como algo que o marcou "mais que qualquer história de crueldade", o episódio começa quando Darwin tenta se comunicar com um homem escravizado que o acompanhava em um barco. Enquanto o cientista gesticulava de forma efusiva para tentar se fazer entender, acaba aproximando a mão do rosto do homem, que, assustado, baixa os braços: ele pensava que o naturalista queria bater em seu rosto, e abriu a guarda para que ele pudesse fazê-lo. "Nunca vou esquecer meu sentimento de surpresa, repugnância e vergonha por ver um homem grande e forte com medo de se defender do que ele pensava ser um tapa em seu rosto. Aquele homem fora treinado para se habituar a um nível de degradação maior do que o da escravização de qualquer animal indefeso." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Parte do ideário do cientista vinha de casa. Os Darwin eram uma família abastada repleta de intelectuais liberais. Seu avô, Erasmus Darwin, foi um dos fundadores da Lunar Society, grupo de pensadores que se reunia em noites de lua cheia uma vez por mês na cidade inglesa de Birmingham. "Era uma família de amantes de artes e, do ponto de vista moral, adepta do que os autores chamariam depois de humanitarismo. Praticavam a compaixão e não gostavam de crueldades, de forma que nunca bateriam em alguém que trabalhasse para eles - daí o choque de Darwin quando se depara com a escravidão no Brasil", diz Maria Elice de Brzezinski Prestes, professora do departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP). Ao deixar o Brasil, Darwin escreveu: "Nunca hei de voltar a um país com escravidão". A frase, que ficaria célebre mais tarde, está no livro A Viagem do Beagle, publicado em 1839 — nos trechos finais de um calhamaço com mais de 500 páginas. As linhas que abrem essa reportagem, no entanto, estão entre as muitas que ele escreveu em seu diário, mas decidiu deixar de fora dos livros. Nas últimas décadas, essas páginas, hoje acessíveis a pesquisadores e ao público em geral, vêm sendo melhor exploradas. No dia 3 de julho de 1832, quando Darwin diz acreditar que os escravizados um dia vão governar o Brasil, ele escreve: "O estado da enorme população de escravos deve despertar interesse de qualquer um que entra no Brasil. Ao caminhar pelas ruas, é curioso observar a variedade de 'tribos' que podem ser identificadas pelos diferentes ornamentos marcados na pele e pelas várias expressões. Os escravos são obrigados a se comunicar entre si em português e, por consequência disso, não são unidos. Eu não posso deixar de pensar que eles serão, no fim das contas, os governantes. Presumo isso por serem numerosos, por seu excelente porte atlético (especialmente em contraste com os brasileiros), observando que estão em um clima agradável e por ver claramente que sua capacidade intelectual foi muito subestimada. Eles são a mão de obra eficiente em todo o comércio necessário. Se os negros libertos crescerem em número (como deve acontecer), o tempo de libertação total não estaria muito distante." A provocação sobre o porte físico não é o único comentário que Darwin direciona ao grupo que ele classifica como "brasileiros" nas anotações de 3 de julho: "Os brasileiros, até onde consigo avaliar, possuem uma fatia pequena das qualidades que dão dignidade à humanidade. Ignorantes, covardes, indolentes ao extremo; hospitaleiros e amáveis à medida que isso não lhes dê trabalho; temperamentais e vingativos, mas não brigões. Satisfeitos consigo mesmos e com seus costumes, respondem a todas as observações com a pergunta: 'Por que não podemos fazer como nossos avós antes de nós fizeram?' A própria aparência reflete a baixa elevação de caráter. Tipos baixos que logo ficam corpulentos; a face possui pouca expressão, aparenta estar afundada entre os ombros. Os monges diferem para pior nesse último aspecto; é preciso pouca fisionomia para ver claramente estampados perseverança ardilosa, volúpia e orgulho." Juntos, os parágrafos ilustram a complexidade do pensamento de Darwin — e um lado "incômodo" de suas ideias, algo que durante bastante tempo os historiadores evitavam discutir, diz Prestes. "O que Darwin falou sobre raça ficava, assim, meio esquecido [nas discussões sobre seu trabalho]. Foi uma postura historiográfica por muito tempo, praticamente até o século 21", afirma ela, emendando que essa faceta do naturalista vem sendo mais debatida nas últimas duas décadas. De um lado, Darwin era um antiescravista, abolicionista. Dedicou parte da carreira para mostrar que as diferentes raças tinham a mesma origem, um ancestral comum — algumas das teorias da época chegavam a dizer, por exemplo, que brancos e negros eram de espécies diferentes, o que muitas vezes foi usado para legitimar a escravidão. Isso não significava, porém, que julgasse que todas as civilizações eram iguais. Para ele — e para as teorias antropológicas dominantes da época —, os diferentes povos se encontravam em diferentes estágios de civilização, uns mais avançados que outros. Com o tempo, a própria ciência mostraria que essas ideias, que depois seriam usadas por outros autores como base para teorias pseudocientíficas racistas como a eugenia, não se sustentavam com evidências. "Hoje ele [Darwin] nunca teria permissão para ensinar em uma instituição de ensino do Reino Unido ou dos EUA, em qualquer nível. É carregado de estereótipos e preconceitos — assim como quase tudo que foi escrito [naquela época] sobre os mesmos assuntos", pontuou Moore em um comentário enviado por e-mail à reportagem da BBC News Brasil. "Ele era anticatólico; viu os brasileiros da colônia corrompidos pela Igreja e por sua cultura política colonial, principalmente o suborno. Ao mesmo tempo e no mesmo local, viu os indígenas e os admiráveis ​​africanos escravizados como corrompidos por seus senhores. Camadas e mais camadas de preconceito, embora não sem alguma verdade", completa o historiador britânico. A professora Maria Elice Prestes ressalta que, para entender o pensamento de Darwin, é preciso considerá-lo como sujeito de sua época — um homem britânico do século 19, que viveu em pleno período de expansão do imperialismo britânico. Nos séculos 17 e 18, as colônias inglesas mundo afora tinham escravos, mas pouco se falava sobre o papel da Inglaterra dentro da engrenagem escravista. As ideias do quanto o país lucrou com o complexo escravista atlântico, do quanto esse sistema foi fundamental para o salto inglês na virada do século 18 para o 19 e das pressões que o próprio capitalismo industrial coloca para o fim da escravidão começam a ser divulgadas, segundo a historiadora, com Capitalismo e Escravidão, de Eric Williams, um livro de 1944. A teoria é fruto da tese de doutorado de Williams, que nasceu no que então era a colônia britânica de Trinidad e Tobago, no Caribe. Apesar de o trabalho ter sido desenvolvido na Universidade de Oxford, o historiador só conseguiu publicá-lo como livro nos EUA, para onde se mudou por conta das dificuldades que vinha enfrentando para divulgar sua tese. De volta ao século 19: o antiescravismo de Darwin era algo relativamente comum entre os britânicos. A Inglaterra foi um dos primeiros países a interromper o tráfico de pessoas escravizadas (em 1807, com o Slave Trade Act) e a emancipar os escravizados (em 1833, com o Slavery Abolition Act), medidas vistas por muitos britânicos como "uma evidência de como a civilização inglesa era mais avançada que as demais", ressalta a historiadora da biologia. "Tudo isso foi propagandeado como sendo a marca da superioridade da civilização inglesa e como algo dentro da ordem natural do progresso. Assim como a civilização inglesa já teve escravos e não tem mais, muitas nações ainda tinham. Isso virou um grande orgulho inglês", acrescenta. "Você consegue ver isso nas obras de autores do século 19, como eles são absolutamente orgulhosos desse antiescravismo." E Darwin foi um homem de seu tempo, diz ela, que "acredita piamente que a Inglaterra estava deslumbrando o mundo com seu apogeu civilizatório". O biólogo Nélio Bizzo, professor da Faculdade de Educação da USP e especialista na obra de Darwin, lembra que, para além da propaganda antiescravista, a Inglaterra tomava nessa época ações concretas de repressão ao tráfico de pessoas escravizadas. A partir de 1810, o Brasil firmaria compromisso com o país de acabar com seu tráfico negreiro em diversas ocasiões. Eram as "leis para inglês ver", as medidas que acabavam com o tráfico no papel, mas nunca eram cumpridas na prática — e acabaram dando origem ao ditado popular. Foram vários os navios negreiros com destino ao Brasil interceptados e apreendidos pela Marinha britânica até que o tráfico fosse de fato abolido em 1850. "Para entender o que Charles Darwin fala dos brasileiros quando está no Rio de Janeiro é preciso entender o contexto, o momento em que ele se encontra. O maior comércio de escravizados do planeta era feito justamente ali", diz ele. O Cais do Valongo, no Rio, foi o maior porto receptor de pessoas escravizadas do mundo. Mas se aquele era um período em que as ideias abolicionistas ganhavam fôlego, também era uma época em que o racismo tomava um verniz científico e que o império britânico começa a colonizar o continente africano. "Os anos 30 de Darwin, que é quando ele está escrevendo [o diário], são recheados de complexidades", destaca a historiadora Lorelai Kury, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). É quando se popularizam, por exemplo, os estudos da fisiognomonia, que tentava extrair conclusões sobre o caráter do indivíduo a partir de seus traços físicos, e da frenologia, que usava a medida do crânio como indicativo da capacidade intelectual. Ambos foram usados pelo racismo científico do período, hoje colocado por terra. Os escritos de Darwin sobre os brasileiros tomam emprestado elementos das ideias naturalistas que circulavam na época e que correlacionavam características físicas dos indivíduos com traços morais e intelectuais. "Darwin acredita que a escravidão deteriora as relações e a moralidade, que contamina a sociedade de alto a baixo — e que é algo que eventualmente começaria a se refletir fisicamente nas populações", diz Kury. "Naquela época, era um lugar comum, principalmente da parte dos europeus não ibéricos, considerar espanhóis e portugueses particularmente cruéis e, por conta disso, inferiores aos demais europeus." A professora acredita que a menção aos "brasileiros" no trecho do dia 3 de julho se refere aos portugueses e seus descendentes. É uma descrição, diz ela, que embute uma série de preconceitos, entre eles em relação à altura — fisicamente, os britânicos tendiam a ser mais altos do que os ibéricos. Para o professor Nélio Bizzo, esse choque que Darwin tem ao se deparar com a escravidão no Brasil ajuda a explicar em parte o que ele escreve sobre os africanos escravizados. "Ele começou a torcer pelos africanos no Brasil. E havia tantos que ele pode ter pensado que alguma coisa como aquilo que tinha ocorrido no Haiti iria acontecer no Brasil também", diz o biólogo. O fim da escravidão e a independência do Haiti ocorrem com protagonismo dos próprios escravizados, e o país se torna, em 1804, a primeira república governada por pessoas de ascendência africana. Bizzo ressalta que a "exegese" (a interpretação) daquilo que é escrito de forma particular pelos cientistas e pensadores, como anotações e correspondências, deve ser feita de forma diferente do que foi concebido para ser tornado público. Nesse sentido, diz o professor, as principais evidências a respeito das posições de Darwin sobre o racismo e sobre o fim da escravidão vêm dos elogios que ele fez a um texto bastante problemático escrito pelo cientista inglês Thomas Huxley, um abolicionista, publicado em 1865 (o ensaio se chama Emancipation - Black and White). Ao comentar sobre a guerra civil americana, que acabara de terminar, Huxley defende a superioridade de brancos em relação a negros, e o faz usando uma linguagem profundamente preconceituosa. "Mesmo aqueles que eram contrários à escravidão, não se pode dizer que eles fossem automaticamente antirracistas ou que não fossem racistas", pontua Bizzo. "Infelizmente, é uma questão complicada mesmo, e por isso que eu acho que não se pode ter uma admiração cega por quem quer que seja no mundo da ciência." A teoria da seleção natural que Darwin escreveu para explicar a evolução das espécies — e não as diferenças entre os seres humanos —, acabou sendo apropriada por outros cientistas que a usaram como matéria-prima para teorias racistas. Entre elas estão o darwinismo social, que prega que apenas os mais fortes estão aptos a sobreviver, e a eugenia, a ideia de que é possível "melhorar" geneticamente uma população, que se tornou central para o nazismo. Apesar de usar o nome do cientista, contudo, o darwinismo social é um distorção da teoria darwiniana, ressalta a historiadora Lorelai Kury. "Darwin nunca disse que o melhor vai vencer; é o mais adaptado àquela circunstância específica. Mudando as circunstâncias, o mais adaptado vai ser outro", explica a professora. "Para Darwin, é o acaso, e não algo pré-definido, que leva à adaptação. No darwinismo social, [a adaptação] é uma justificativa das hierarquias sociais, mas Darwin não justifica nada — a natureza não age moralmente. São leis naturais, ela não tem um objetivo moral", conclui. A professora Maria Elice Prestes avalia que, ainda que Darwin acreditasse que existissem grupos étnicos mais ou menos civilizados do que outros — o que ele deixa bem claro no livro A Descendência do Homem, de 1871 —, essas ideias não se traduzem em violência e exclusão. Em consonância com o princípio do humanitarismo que norteava suas crenças, diz a professora, não há justificativa dentro do pensamento do cientista para se agir de forma negativa ou cruel contra os povos que ele considera "menos civilizados". Darwin acreditava na possibilidade de que as civilizações que ele considerava "inferiores" progredissem, especialmente se tivessem contato com as consideradas "mais civilizadas". Na teoria da evolução pela seleção natural de Darwin, que revolucionou a ciência, todos os homens surgem a partir de um ancestral único. À medida que esse "primeiro humano" se reproduz e suas descendências se multiplicam, as populações humanas vão se espalhando geograficamente - é quando a seleção natural atua e acaba favorecendo a disseminação dos grupos étnicos (ou "raças", como se costuma falar de forma coloquial) que melhor se adaptam a cada ambiente. "Darwin insiste que, ainda que as raças sejam diferentes, não há espécies diferentes. E do ponto de vista biológico, moral e religioso o significado disso é enorme, porque, se somos irmãos, eu não posso escravizar, não posso perseguir, não posso fazer genocídio", diz Prestes.
2022-12-25
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brasil
Camilo Santana no Ministério da Educação: como Ceará se tornou referência na área
A cearense Yasmin Kelle da Silva Garcia acaba de concluir o 9º ano da Educação Fundamental. Aos 15 anos, a aluna tem propósito definido: concorrer a vagas em três escolas diferentes de Ensino Médio em Sobral, Ceará. Apesar de a pandemia do novo coronavírus ter levado à suspensão das aulas presenciais durante o 7º ano e a maior parte do 8º, Yasmin não apresentou queda de aproveitamento e obteve aprovação integral. O desempenho não surpreendeu a família da estudante. Ao ingressar na Educação Fundamental, aos seis anos, vinda da Creche Municipal Jacira Pimentel Gomes, Yasmin já era capaz de ler pequenos textos, além de praticar dança, ballet e capoeira. A meta da aluna é frequentar, a partir do próximo ano, um dos três cursos profissionalizantes (Técnico em Enfermagem, Finanças ou Logística) oferecidos pelas instituições de Sobral. "Cada milésimo no seu boletim vai fazer diferença", disse-lhe a mãe, Tamires Ripardo da Silva, que acompanhou de perto todo o percurso escolar da filha. A cozinheira Tamires, 32 anos, e o motorista Francisco Aristides Ferreira Garcia, 40, frequentaram a mesma Escola Municipal Senador Carlos Jereissati da qual a filha é egressa. Recém-inaugurado, o colégio era considerado modelo na época em que o casal passou por suas instalações. Fim do Matérias recomendadas No restante da rede de ensino de Sobral, porém, a realidade era distinta. Mais da metade dos alunos do município que terminavam a 2ª série da Educação Fundamental (equivalente ao atual 3º ano) no final do século 20 não sabia ler. Reeleito prefeito em 2000, Cid Gomes (então no PPS) pôs em marcha uma reforma que, 14 anos mais tarde, elevou Sobral ao primeiro lugar do ranking de municípios do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O modelo de Sobral foi estendido a todo o Ceará pelo próprio Cid, governador por dois mandatos pelo PDT de 2007 a 2015, e transformou o Estado em vitrine nacional em Educação Básica. A repercussão da experiência fez com que dois sucessores de Cid, Camilo Santana (PT) e Izolda Cela (sem partido), mantivessem e aprofundassem a receita em suas gestões. Raro exemplo de continuidade de política pública no Brasil, as realizações do Ceará cacifaram Camilo e Izolda a ocupar, respectivamente, o Ministério da Educação e a Secretaria de Educação Básica no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2015, o próprio Cid havia tido passagem relâmpago pela pasta no governo da presidente Dilma Rousseff. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Os números do Ceará em matéria de alfabetização e combate à evasão escolar impressionam. Com 9 milhões de habitantes, o Estado é o nono mais pobre do país. Na contramão dos dados econômicos, de cada cem estudantes que ingressam na escola no Ceará, 91 concluem o Ensino Fundamental 1 (1º ao 5º ano) aos 12 anos, 91 finalizam o Ensino Fundamental 2 (6º ao 9º anos) aos 16 e 73 completam o Ensino Médio aos 19 anos. No Brasil, de cada cem alunos, os que completam essas mesmas etapas são 93, 82 e 69, respectivamente. Os números são do Anuário Brasileiro da Educação Básica referente a 2020. De acordo com o Ideb de 2022, 87 das cem melhores escolas públicas brasileiras dos anos iniciais da Educação Fundamental estão no Ceará. A fórmula de Sobral apoiou-se em quatro pilares: escolas com autonomia administrativa e financeira, concentração de alunos em unidades maiores com mais recursos, investimento em formação e capacitação de professores e avaliação. A primeira medida foi implementada por meio da criação do Fundo para o Desenvolvimento Autônomo das Escolas (Fundae). "A gente percebeu que as escolas precisavam ser unidades fortes e que o diretor precisava ter legitimidade. Antes, era o vereador que indicava o diretor da escola. Implantamos um processo seletivo sério e consistente para diretor e coordenador pedagógico", afirma Joan Edesson de Oliveira, mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará e consultor que participou da implantação do fundo. A prefeitura reduziu o número de unidades escolares de 96 para 38. "Algumas escolas tinham duas salas de aula e um banheiro. Com a diminuição, foi possível dar condições e transporte", argumenta Oliveira. Foram criadas uma escola de formação para professores e uma superintendência de gestão encarregada de monitorar o desempenho das escolas. "Partíamos do princípio de que quanto maior fosse a autonomia, maior deveria ser o acompanhamento. Foi implantada uma avaliação externa duas vezes por ano", explica o consultor. Ao chegar ao governo do Ceará, em 2007, Cid nomeou a ex-secretária de Educação de Sobral Izolda Cela para a pasta estadual. Oriunda de ilustre família sobralense, psicóloga e professora da Universidade Estadual Vale do Acaraú, Izolda tinha sido responsável pela reviravolta educacional no município. O governo estadual lançou o Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) com o objetivo de estender as inovações de Sobral a todo o Estado. A fim de estimular a adesão dos prefeitos ao sistema, vinculou a maior parte do repasse da parcela do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) à comprovação de desempenho escolar. O sistema previa também repasse financeiro a escolas com base em número de alunos matriculados. "Um pai me disse: 'Tenho três filhos. Os mais velhos aprenderam a ler com 12 e com 13 anos, e eu achava normal. Agora, com o terceiro, descobri que a criança pode saber ler aos sete", relata Oliveira, que, como consultor do Paic, visitou mais de cem dos 184 municípios cearenses. Questionado sobre as razões da eficácia do sistema cearense, o prefeito Ivo Gomes (PDT) resume: "Não tem segredo. O que se faz em Sobral e no Ceará é a aplicação do bom senso". Ele atribui ao antecessor Cid (de quem é irmão, assim como o ex-candidato à Presidência Ciro Gomes) a responsabilidade política pelas mudanças. "Sem a liderança do prefeito nada se faz. A geração dele (Cid) é muito incomodada com o fracasso da escola pública", afirma. A principal medida, afirma o prefeito, foi a "remoção da politicagem partidária-eleitoral no recrutamento das protagonistas, porque são muito mais mulheres do que homens". Esse processo resultou na seleção de bons diretores, professores e currículos. "Há mais de 20 anos os políticos de Sobral não sabem quem são os diretores de escolas. Nem eu sei. A única pessoa que escolhi foi a secretária de Educação", conclui. Ao comentar a possibilidade de a experiência do Estado ser reproduzida em escala nacional por Camilo e Izolda, o prefeito de Sobral demonstra ceticismo. "Os dois (Camilo e Izolda) têm compromisso com isso, mas veremos se o PT vai deixar", provoca. Segundo Ivo, a mudança ocorrida no Ceará exige confronto com estruturas de poder locais e estaduais. "O PT tem tradição clientelista, fisiológica, e não de fazer grandes mudanças em educação", critica. Para Maurício Holanda, ex-secretário de Educação do Ceará nos governos de Cid e Camilo, o exemplo cearense não pode ser transplantado automaticamente para a esfera brasileira, mas oferece boas lições ao futuro governo federal. "Em torno de 40% das crianças de até oito anos sem alfabetização adequada estão concentradas em 10 Estados do Norte e do Nordeste. Essa parcela requer um tipo de estratégia. No Sul e no Sudeste há alunos na mesma situação, mas dispersos. Nesse caso, é necessária outra abordagem", aconselha. Um dos grandes acertos do Ceará, aponta Holanda, foi apostar na colaboração entre Estado e municípios. O próximo passo do governo do Estado nesse terreno terá início no ano que vem, quando entrará em vigor um programa de universalização do ensino de tempo integral na Educação Fundamental 2. A medida prevê contrapartida financeira aos municípios, com a destinação de R$ 2 mil per capita por matrícula no 9º ano do Fundamental 2 - nos anos seguintes, o repasse será progressivamente estendido às demais séries. "Os jovens do 9º ano estão em fase crítica de construção de identidade social. É quando começa a surgir a vontade de abandonar a escola. Se você pode trabalhar em um clima escolar mais adequado nessa etapa, pode mudar o cenário", explica. Para Leandro Costa, economista sênior do Banco Mundial, a expansão da experiência do Ceará para todo o país depende de o Ministério da Educação colocar em prática as mesmas estratégias em parceria com Estados e municípios. Essa tendência, afirma, já começou a se concretizar. "Outros estados brasileiros já se inspiraram na reforma educacional cearense, e foram observados resultados robustos", observa. A recente reforma do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) também incorporou, principalmente, os mecanismos de incentivos desenvolvidos no Ceará, de acordo com Costa.
2022-12-23
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brasil
Os entraves que dificultam nomeação de Tebet e Marina Silva para ministério de Lula
Em um auditório repleto de políticos, assessores e jornalistas, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou nesta quinta-feira (22/12), em Brasília, os nomes de 16 novos ministros e ministras da equipe que tomará posse no dia 1º de janeiro de 2023. Apesar de o anúncio delinear melhor como será a composição do novo governo, o evento chamou atenção, também, por duas ausências marcantes: a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) e a senadora e ex-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB-MS). As duas vinham sendo dadas como nomes certos no novo governo graças ao apoio que deram ao então candidato Lula na reta final da campanha presidencial. Entretanto, a pouco mais de uma semana da posse, uma série de fatores vem travando o encaixe das duas no time do presidente eleito. Especialistas, políticos e ambientalistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que os principais entraves à nomeação de Marina e Simone Tebet são ligeiramente diferentes, mas têm alguns pontos em comum: estratégia política adotada, necessidade do novo governo obter governabilidade e a influência dos comandos dos partidos que formarão a base do governo. A deputada federal Marina Silva declarou seu apoio a Lula em setembro deste ano, antes mesmo do primeiro turno. Entre 2003 e 2008, ela foi ministra de Meio Ambiente dos dois primeiros governos de Lula. Fim do Matérias recomendadas Seu apoio ao petista neste ano foi celebrado por Lula e seus apoiadores e marcou o retorno dela ao grupo de aliados do petista após as eleições de 2014, quando ela disputou a Presidência da República contra Dilma Rousseff (PT) e foi alvo de duras críticas da campanha da ex-presidente. "Havia a expectativa de que o Lula e a Marina iriam conversar. Nunca deixamos de conversar. Apenas nós nos desencontramos e agora nos encontramos. Nos encontramos para cuidar da política ambiental, mas sobretudo para cuidar desse país", disse Lula em setembro, quando Marina declarou apoio à sua candidatura. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Logo após a vitória do petista no segundo turno sobre Jair Bolsonaro (PL), o nome de Marina passou a ser apontado como uma escolha natural para ocupar, novamente, o Ministério do Meio Ambiente. Havia a expectativa de que Lula anunciasse seu nome para a pasta durante sua ida à 27ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP27), no Egito. Apesar de ter ido ao evento, Marina não foi anunciada como ministra na ocasião. Os rumores de que ela poderia integrar o time de Lula aumentaram depois que ela passou a integrar o grupo de trabalho da transição de governo especializado na área ambiental. Mesmo assim, seu nome ainda não foi anunciado. Para o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília, Carlos Machado, o principal fator que vem travando a indicação de Marina Silva é a necessidade de o novo governo Lula obter governabilidade no Congresso Nacional. Uma das formas encontradas para acomodar integrantes da coalizão que apoiou Lula é a indicação de nomes apontados pelos partidos. E neste caso, Marina Silva enfrentaria dificuldades por conta da baixa quantidade de votos que seu partido, a Rede Sustentabilidade, tem a entregar no Congresso. O partido elegeu apenas dois parlamentares: Marina Silva e o deputado federal Tulio Gadelha (PE). "O problema da Marina não é sua falta de representatividade na área ambiental. É a baixa expressividade do seu partido. O novo governo busca ampliar sua base de apoio no Congresso e a Rede tem poucos votos para entregar", disse Machado. O professor menciona que o partido já tem outro nome cotado para assumir uma pasta no governo: a deputada federal em fim de mandato Joênia Wapichana (AP). Seu nome vem sendo especulado para assumir o ministério dedicado aos povos originários prometido por Lula. "O governo tem uma série de demandas para atender. Nesse contexto, fica difícil imaginar que a Rede, por maior que seja a representatividade de Marina, possa vir a ter dois ministérios", disse o professor. O secretário-executivo da organização não-governamental Observatório do Clima, Márcio Astrini, também avalia que a pequena representação da Rede e a necessidade de o governo contemplar o restante de seus aliados pode estar pesando para a demora em indicar Marina para a pasta. "Não acho que haja resistências grandes ao nome de Marina. O que existe é que a Rede compõe um mosaico de partidos que deu apoio a Lula, mas tem pouca representatividade no Congresso. Isso pode estar sendo um ponto de discussão da equipe que está ponderando a montagem do governo", disse Astrini. O apoio de Simone Tebet a Lula também foi celebrado quando, logo após o primeiro turno das eleições, ela se posicionou publicamente a favor da candidatura do petista. No primeiro turno, ela ficou em terceiro lugar e obteve 4,16% dos votos. Seu apoio foi considerado estratégico pelo comando da campanha petista. Logo depois da vitória de Lula no segundo turno, o nome da senadora também passou a ser tido como certo na futura equipe de Lula. A partir daí, começaram os desencontros entre Tebet e o novo governo. Inicialmente, a pasta apontada como destinada a ela era a da Agricultura. Nos bastidores, porém, foi dito que ela queria o comando do Ministério do Desenvolvimento Social, responsável por programas sociais como o Auxílio Brasil e que o novo governo quer voltar a chamar de Bolsa Família. Apesar de a pasta ter sido ocupada por nomes pouco expressivos politicamente durante os governos petistas, lideranças do partido dizem, em caráter reservado, que o comando do Bolsa Família é uma vitrine importante demais para deixar nas mãos de alguém de fora do partido, o que excluiria Tebet. Nesta quinta-feira, Lula anunciou o senador eleito e ex-governador do Piauí Wellington Dias, do PT, para ocupar a pasta. Para Carlos Machado, a estratégia adotada por Tebet desde a vitória de Lula vem dificultando seu encaixe na equipe. "Tebet pediu um ministério que é considerado uma vitrine do PT. O partido criou o Ministério do Desenvolvimento Social e ele é visto como muito importante para o partido. Não era algo fácil para o PT entregar", disse o professor. Machado avalia, também, que pode estar pesando na conta do PT a ideia de que deixar Tebet no comando de um ministério tão importante quanto o do Desenvolvimento Social poderia potencializar as ambições políticas de Tebet, vista como uma candidata natural à sucessão de Lula em 2026. Por outro lado, deixá-la fora do governo abriria espaço para que ela se firmasse como um nome de oposição. "O dilema não é de fácil solução. Tebet deu apoio e o PT deverá encontrar uma forma de contemplá-la, mas há muitos cálculos políticos a serem feitos", disse o professor. Ainda segundo Machado, outro fator importante que dificulta a inclusão de Tebet na equipe de Lula é o fato de ela não ser vista como uma indicação do MDB. Apesar de ser filiada ao partido, Tebet se indispôs com lideranças históricas da legenda como o senador Renan Calheiros (AL) para lançar sua candidatura. Agora, segundo Machado, o partido negocia cargos no ministério do PT, mas Tebet não teria o apoio da legenda. "Simone atendeu à demanda do PT e deu seu apoio a Lula, mas houve um descolamento de Simone em relação ao comando do MDB. O cálculo é que atendê-la com um ministério não representaria uma demanda do partido", afirmou Carlos Machado. À BBC News Brasil, o provável líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), ressaltou que a negociação por cargos está sendo feita com base nas demandas dos partidos. "Tem várias pontas que precisam ser administradas porque esses partidos [...] a nova base está se esboçando. O MDB terá presença na Esplanada. O partido. Não é fulano ou fulana", disse. Ao fechamento desta reportagem havia especulações de que Simone Tebet se reuniria com Lula na sexta-feira (23/12) quando espera-se que será anunciada a participação dela no novo governo. Em meio à indefinição sobre o futuro de Simone Tebet e Marina no governo Lula, soluções vem sendo especuladas nos últimos dias. Segundo o jornal "O Globo", Simone Tebet teria aceitado um convite para assumir o Ministério do Meio Ambiente, pasta que, em tese, estaria reservada para Marina Silva. Uma das condições para que Tebet assumisse o posto seria a ida de Marina Silva para o comando de uma autoridade climática com status de ministério que seria criada por Lula. O arranjo, porém, esbarraria em Marina, que, tem dito a aliados que não gostaria de ocupar a autoridade. Uma outra solução seria oferecer o Ministério do Planejamento ou das Cidades a Simone Tebet, deixando o caminho livre para Marina Silva ocupar a pasta do Meio Ambiente. A definição sobre o assunto, porém, deve ocorrer nos próximos dias. Assessores de Lula informaram que ele manterá reuniões ainda nesta sexta-feira (23/12) com lideranças de diversos partidos para finalizar a montagem do seu ministério. Das 37 pastas que integrarão o primeiro escalão do governo, 21 nomes já foram anunciados, restando 16 para serem divulgados. A expectativa é de que mais uma nova leva de ministros e ministras seja anunciada no início da semana que vem, após o feriado do Natal.
2022-12-23
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64072661
brasil
Nísia Trindade, presidente da Fiocruz, será ministra da Saúde de Lula; conheça sua trajetória
Nísia Trindade Lima foi a primeira mulher a se tornar presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), cargo que ocupa desde 2017. Depois dos anos à frente em uma das principais instituições de saúde do país, a cientista agora assumirá a coordenação do Ministério da Saúde, no lugar de Marcelo Queiroga, a partir de 2023, quando começa o governo Lula. É também a primeira vez que uma mulher vai assumir o cargo de ministra da Saúde. Sua produção acadêmica e de projetos são voltados à saúde pública, diálogo entre sociedade e ciência, história das ciências, coordenação de parcerias internacionais e diferentes medidas para a contenção da pandemia da covid-19. Conheça mais sobre sua trajetória abaixo. Nísia Trindade se formou em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) em 1980. Nove anos depois, concluiu mestrado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), pelo qual formou-se doutora em Sociologia em1997. Fim do Matérias recomendadas Segundo as informações publicadas no site da Fiocruz, como professora, Trindade ensinou e orientou gerações de alunos em todos os níveis de formação, do ensino básico ao pós-doutorado, como docente na Uerj e na Fiocruz. Além disso, é autora de dezenas de artigos, livros e capítulos com reflexões sobre os dilemas da sociedade nacional. Entre 1998 e 2005, ela foi diretora da Casa de Oswaldo Cruz, unidade da Fiocruz voltada para pesquisa e memória em ciências sociais, história e saúde. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Como presidente da Fiocruz, conforme informa o site da instituição, Trindade liderou as ações do instituto no enfrentamento da pandemia de covid-19 no Brasil. Dentre outras iniciativas, a Fiocruz criou um novo Centro Hospitalar no campus de Manguinhos; coordenou no país o ensaio clínico Solidarity da Organização Mundial da Saúde (OMS); aumentou a capacidade nacional de produção de kits de diagnóstico e processamento de resultados de testagens; organizou ações emergenciais junto a populações vulneráveis; ofereceu cursos virtuais para profissionais do SUS; lançou manual de biossegurança em escolas, e tornou-se laboratório de referência para a OMS em covid-19 nas Américas. A cientista também criou o Observatório Covid-19, rede transdisciplinar que realiza pesquisas e sistematiza dados epidemiológicos; monitora e divulga informações, para subsidiar políticas públicas, sobre a circulação do novo coronavírus e seus impactos sociais em diferentes regiões no Brasil. Outra ação importante foi a criação da Rede FIOCRUZ de Vigilância Genômica, onde especialistas de diversas unidades da Fiocruz e institutos parceiros trabalham para gerar dados consistentes sobre o comportamento do SARS-CoV-2, colaborando com as análises epidemiológicas e de eficácia vacinal e potencializando no Brasil a capacidade de enfrentamento da pandemia. Nísia Trindade, como presidente da Fiocruz, coordenou todo o acordo de encomenda tecnológica na articulação com o Ministério da Saúde do Brasil, a Universidade de Oxford, a farmacêutica AstraZeneca e as unidades de produção locais. Com a conclusão da transferência de tecnologia da AstraZeneca, a Fiocruz tornou-se a primeira instituição do Brasil a produzir e distribuir uma vacina contra a COVID-19 ao Ministério da Saúde com produção 100% nacional. Além disso, em setembro de 2021, a Fundação foi selecionada pela OPAS/OMS como centro de vacinas de mRNA. O Instituto de Tecnologia em Imunobiologia (Bio-Manguinhos) tornou-se um dos dois centros de desenvolvimento e produção de vacinas com tecnologia mRNA da América Latina.
2022-12-22
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64068762
brasil
Alexandre Padilha é anunciado nas Relações Institucionais; entenda o que faz a pasta
O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) foi indicado nesta quinta (22/12) pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, para assumir a Secretaria das Relações Institucionais. Político veterano do Partido dos Trabalhadores (PT), ele fez parte da equipe que coordenou as campanhas de Lula à presidência em 1989 e 1994, foi ministro da Saúde na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff e das Relações Institucionais no segundo governo Lula, entre 2009 e 2010. A pasta tem como principal função atuar na articulação política do governo, especialmente na relação entre o Executivo e o Congresso e na interlocução com Estados e municípios. A secretaria volta a funcionar como em 2005 e 2015, durante as gestões petistas. Além de Padilha, nomes como Jaques Wagner e Tarso Genro também foram ministros-chefe das Relações Institucionais na era Lula. Durante a gestão Bolsonaro, a área perdeu destaque e passou a operar como uma assessoria especial que dava assistência ao Ministério da Economia na coordenação política e na relação com o Congresso. Fim do Matérias recomendadas Padilha tem 51 anos, é formado em Medicina pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e tem especialização em infectologia pela Universidade de São Paulo (USP). Titular do Ministério da Saúde no primeiro governo Dilma, de 2011 a 2014, ele esteve à frente do lançamento do Mais Médicos, programa que buscava atrair profissionais de saúde para locais remotos do país e que vigorou entre 2013 e 2019. Em 2014, chegou a se candidatar ao governo do Estado de São Paulo, mas foi derrotado pelo então candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, hoje vice de Lula. Foi Secretário de Saúde do município de São Paulo entre 2015 e 2016, na gestão Fernando Haddad. Em 2018, disputou pela primeira vez uma vaga no Legislativo, sendo eleito deputado federal naquele ano e reeleito em 2022. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Durante a campanha presidencial no ano passado, Padilha foi um dos nomes do PT designados para fazer a interlocução com empresários e com agentes do mercado financeiro. À frente das Relações Institucionais, ele vai precisar lançar mão do diálogo e da negociação para construir a base de apoio de que o governo necessita no Congresso para aprovar medidas e reformas. O atual presidente, Jair Bolsonaro, saiu derrotado nas urnas, mas seu partido, o PL, conseguiu ampliar a presença na Câmara dos Deputados e conquistou 99 das 513 cadeiras da Casa na última eleição. Ao lado de siglas como Republicanos (ex-PRB), PP e PTB, o PL forma o chamado "Centrão", uma bancada informal de legendas de centro e centro-direita que costumam se alinhar com governos de esquerda ou de direita, a depender de seus interesses. O Republicanos, por exemplo, foi parte da base aliada de Lula e Dilma até o impeachment da presidente em 2016, quando desembarcou do governo e se colocou ao lado de Michel Temer. Nos últimos dois anos, o partido apoiou Jair Bolsonaro e lançou seu ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ao governo do Estado de São Paulo. O PP, do atual presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), teve trajetória parecida. O presidente da legenda, Ciro Nogueira (PP-PI), chegou a virar ministro da Casa Civil de Bolsonaro em julho de 2021. Aliado importante do presidente, Lira foi a primeira autoridade a reconhecer a vitória de Lula no segundo turno e a parabenizá-lo pela eleição. Bolsonaro levou mais de 48 horas para reconhecer a derrota. A poucos dias da posse, em 1º de janeiro, apenas uma parte do primeiro escalão do novo governo Lula foi anunciada. Entre eles estão os titulares da Fazenda (Fernando Haddad), da Casa Civil (Rui Costa), da Defesa (José Múcio), da Justiça (Flávio Dino), das Relações Exteriores (Mauro Vieira), da Cultura (Margareth Menezes), da Educação (Camilo Santana) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES (Aloizio Mercadante).
2022-12-22
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64059747
brasil
Vídeo, O que acontece após fim do Orçamento Secreto?Duration, 6,05
Um dos principais mecanismos de sustentação do governo Jair Bolsonaro, as emendas de relator – que estão por trás do que ficou conhecido como Orçamento Secreto – foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. O orçamento secreto é mais um capítulo nessa trajetória de ganho de poder pelo Congresso. Trata-se de uma modalidade de emenda parlamentar pouco transparente para onde fluíram bilhões de reais nos dois últimos anos do governo Bolsonaro, cujo gasto era controlado pelo Legislativo Neste vídeo, nossa repórter Camilla Veras Mota explica como essa decisão do STF mexe com a relação entre o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e o Congresso. Assista e confira. Reportagem em texto: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64034650
2022-12-22
https://www.bbc.com/portuguese/media-64064668
brasil
A recém-descoberta árvore mais alta da Amazônia que corre risco de desaparecer
A árvore mais alta da Amazônia — um angelim-vermelho de aproximadamente 400 anos, 9,9 metros de circunferência e 88,5 metros de altura, o equivalente a um prédio de 30 andares — "corre perigo" por causa da ação ilegal de grileiros e garimpeiros, alertam ambientalistas. A árvore, que foi descoberta em setembro durante uma expedição apoiada pela ONG Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), faz parte de um conjunto de árvores gigantes encontradas na Floresta Estadual (Flota) do Paru, na divisa dos Estados do Amapá e do Pará. Ela é maior, por exemplo, do que alguns dos principais cartões postais do mundo, como a Grande Esfinge de Gizé (20 metros), no Egito, o Cristo Redentor (38 metros), no Rio de Janeiro e a Torre de Pisa (57 metros), na Itália. Por pouco não ultrapassa o Big Ben (96 metros), em Londres, na Inglaterra e a Estátua da Liberdade (93 metros), em Nova York, nos EUA. A Flota do Paru é a terceira maior unidade de conservação de uso sustentável em floresta tropical do mundo. O bioma tem 36 mil km², cerca de três vezes o tamanho do Catar, que sediou a Copa do Mundo de 2022. Ou seja, ali é permitida a exploração sustentável de parte dos recursos naturais desde que aliada à conservação da natureza. Fim do Matérias recomendadas No entanto, ambientalistas afirmam que não é isso que vem ocorrendo. Segundo eles, a Flota do Paru, que pertence ao maior bloco de áreas protegidas do mundo, sofre com a ação de grileiros e garimpeiros — em novembro, foi a terceira unidade de conservação mais desmatada de toda a Amazônia. Dados baseados em imagens de satélite do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon mostram que a floresta já perdeu 46,5 km² de cobertura vegetal desde 2008. Já dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), também baseados em imagens de satélite, indicam um número maior em igual período: 74 km². Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Ambos apontam um pico de desmatamento em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), acusado de beneficiar desmatadores e criticado por sua política ambiental em relação à Amazônia. Desde 2019, o Pará é governado por Helder Barbalho (MDB), reeleito nas eleições de outubro. Ele se manteve neutro nas eleições presidenciais daquele ano e declarou apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último pleito. Segundo Jakeline Pereira, pesquisadora do Imazon e conselheira da Flota do Paru, as árvores gigantes estão ameaçadas pela grilagem de terras e, sobretudo, pelo garimpo ilegal de ouro. "No limite sul da unidade de conservação, está havendo uma mudança de ocupação do solo, com arrendamento de terras para a agropecuária e retirada ilegal de madeira", diz ela à BBC News Brasil. "Mas são os garimpos ilegais de ouro que estão mais próximos das árvores. Apesar de o desmatamento causados por eles não ser tão grande, uma vez que abrem uma pequena clareira na floresta e usam métodos artesanais, o impacto acaba sendo, pois se usa mercúrio e promove a circulação de pessoas dentro da unidade de conservação. Um levantamento estimou em 2 mil o número de garimpeiros na área em 2009", acrescenta. Pereira diz que, para acessar o local onde ficam as árvores gigantes, na última expedição de setembro, os pesquisadores "passaram pelos garimpos". "O local é uma região de difícil acesso, com rios encachoeirados. É preciso andar muito tempo na floresta, então o acesso é bem ruim", diz. Segundo a especialista, essas árvores gigantes não são comuns na região — o angelim-vermelho é "uma espécie madeireira", que cresce normalmente "entre 25 e 30 metros", explica. Com 88,5 metros, o angelim-vermelho gigante tornou-se a quarta árvore viva mais alta documentada pelo Guinness World Records, o livro dos recordes. A maior do mundo é uma sequoia de 116 metros localizada no Parque Nacional de Redwood, no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Segundo Pereira, "além da maior árvore da Amazônia, a Flota do Paru tem várias espécies endêmicas, aquelas que só existem em uma determinada região. É uma área importante para preservar a biodiversidade local, conter as mudanças climáticas e tem enorme potencial para ecoturismo e extrativismo vegetal, que pode gerar renda com a floresta em pé". "Portanto, não podemos perder nosso patrimônio para esses infratores, precisamos de fiscalização e efetiva implementação do plano de manejo para impedir a destruição", conclui. De janeiro a novembro, 10.286 km² de floresta na Amazônia foram derrubados, o equivalente a mais de 3 mil campos de futebol por dia. É o pior acumulado dos últimos 15 anos, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Imazon. Somente o Pará foi responsável por desmatar 279 km² em novembro, quase a metade do que foi registrado em toda Amazônia. Em comunicado enviado à BBC News Brasil, o governo do Pará, por meio do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (IDEFLOR-Bio) informa que "recebeu uma denúncia de invasão de grileiros nas áreas da Unidade de Conservação (UC) da Floresta Estadual do Paru (Flota Paru), que estão sob concessão florestal, na porção sudeste da (UC), especificamente nas Unidades de Manejo Florestal (UMF) 1 e 2, que somam 190 mil hectares e representam 5,3% da FLOTA (3,613 milhões de hectares)". "Desde o dia 08 de dezembro uma equipe da Diretoria de Gestão de Floresta Pública do Ideflor-Bio e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e Polícia Civil, incluindo a Polícia Científica, estão na área sob concessão florestal averiguando estas denúncias. Informamos também, que por meio da Diretoria de Gestão e Monitoramento das Unidades de Conservação (DGMUC), o Ideflor tem avançado na implementação das Unidades de Conservação, estabelecendo ferramentas importantes de gestão como: a elaboração dos Planos de Manejo das (UCs), utilizando metodologia participativa de todos os setores que representam a sociedade civil organizada; garantia da participação direta como cogestores, nos Conselhos Gestores, discutindo e trazendo soluções para todos os problemas que envolvem as Unidades de Conservação", conclui a nota.
2022-12-22
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63995033
brasil
Congresso aprova PEC da Transição: Lula vence '1º round', mas Centrão 'segue poderoso'
A aprovação do texto-base da PEC da Transição em dois turnos no Senado nesta quarta-feira (21/12), após votação favorável na Câmara dos Deputados, representou a vitória de um primeiro "round" no duelo político entre o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam no entanto, que Lira e o Centrão "seguem poderosos", e o presidente da Câmara poderá revidar a derrota caso seja reeleito em fevereiro para o comando da Câmara. A PEC da Transição é o apelido dado a uma proposta de emenda constitucional desenhada por aliados de Lula. Como é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), não há necessidade de sanção presidencial. O texto deve ser promulgado ainda nesta quarta-feira. A proposta prevê a ampliação do teto de gastos em até R$ 145 bilhões por um ano, o que, em tese, permitirá que o novo governo cumpra uma de suas principais promessas de campanha: pagar o Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023. O texto também permite que pelo menos R$ 23 bilhões resultantes de arrecadação extraordinária possam ser destinados a investimentos. Fim do Matérias recomendadas A PEC da Transição tem sido vista como o primeiro "round" do embate entre Lula e Lira, porque os dois tinham interesses conflitantes em relação à medida. Lula era o principal interessado na aprovação da matéria, porque ela abre espaço orçamentário para que ele cumpra algumas das suas promessas de campanha sem correr o risco de violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia dar margens para um pedido de impeachment. Do outro, Lira, segundo especialistas, teria usado a tramitação da PEC para pressionar o novo governo por cargos e o Supremo Tribunal Federal (STF) para manter as chamadas emendas de relator-geral do Orçamento. Essas emendas ganharam o apelido de "orçamento secreto" por serem emendas que não contêm todas as informações sobre seus verdadeiros autores nem eram suficientemente claras em relação à aplicação dos recursos. Seus críticos afirmam que elas abriam brechas para corrupção e vêm sendo vistas como uma das fontes de poder de Lira. Para Lula, ceder cargos a Lira poderia trazer problemas dentro de sua aliança. Além disso, manter o orçamento secreto intacto também colocaria o petista em uma situação incômoda, porque, durante a campanha, ele se posicionou contra o esquema e porque isso preservaria o poder de Lira sobre os parlamentares. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Duas decisões do STF deram fôlego a Lula no embate. Uma decisão em caráter liminar do ministro Gilmar Mendes permitiu que os gastos com o Auxílio Brasil possam ser feitos extrapolando o teto de gastos. A decisão era, na prática, uma espécie de "salvo-conduto" para o novo governo caso a PEC não fosse aprovada. A segunda foi o julgamento que declarou a inconstitucionalidade das emendas de relator, mecanismo defendido por Lira e diversos aliados do chamado Centrão. Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudio Couto, a aprovação PEC é uma vitória "imensa" de Lula. "A balança de poder entre Executivo e Legislativo volta a ficar mais favorável ao presidente, desempoderando em alguma medida os presidentes das duas Casas, principalmente o da Câmara", diz Couto. Para a professora de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Deysi Cioccari, as decisões do STF sobre o Auxílio Brasil e o orçamento secreto ajudaram Lula a sair na frente de Lira nesse primeiro embate. "Lula sai na frente pelos dois reveses que Lira tomou nesta semana. A redução da vigência da PEC (de dois para um ano) é uma minivitória de Lira, mas a verdade é que o jogo foi redesenhado. Lira já não é absoluto, não enquanto não se articular novamente pra garantir a recondução à presidência da Câmara", diz Cioccari. A ressalva feita pela professora se deve por conta da diferença entre o que foi sugerido pela equipe de Lula e o que foi aprovado. Inicialmente, o time do petista sugeriu que as despesas do Auxílio Brasil de R$ 600 e mais um bônus de R$ 150 por família com crianças de até 6 anos de idade ficassem fora do teto de gastos por período indeterminado. Depois, o prazo caiu para quatro anos. No Senado, foi aprovado com dois anos. Na Câmara, porém, caiu para um — prazo que acabou sendo confirmado na volta do texto ao Senado. "Lula sai forte no sentido de mostrar pra Lira que não é tolo como (o presidente Jair) Bolsonaro que não sabia articular, mas, ao mesmo tempo, ele sabe que um embate muito direto pode desgastar seu futuro governo a ponto de inviabilizar o primeiro ano. Lira flutua e vai ter que mover a próxima peça do jogo e demonstrar astúcia. Lula 1 x 0 Lira", afirma Cioccari. Para Couto, o fato de o texto aprovado ser diferente do proposto e liberar o estouro do teto de gastos por um período significativamente menor do que o desejado pelo governo não diminuem o peso da vitória de Lula sobre Lira. "Dá para dizer que é uma vitória imensa se desde o começo (das negociações) o novo governo tinha isso (a mudança no texto) como viável. Como em muitas negociações, começa-se pedindo muito para finalmente chegar naquilo que se precisa", avalia o professor. Mas Claudio Couto e Deysi Cioccari avaliam que Arthur Lira ainda continua poderoso e poderá revidar a derrota. Isso seria ainda mais factível se ele se reeleger como presidente da Câmara. O cargo é um dos mais cobiçados da política, porque concentra uma série de atribuições consideradas estratégicas para o sucesso de um governo. Cabe ao presidente da Câmara, por exemplo, decidir pela abertura ou não de processos de impeachment e montar a pauta do que será votado na Câmara. Em parte por isso e para manter um bom relacionamento com Lira, o presidente Lula conseguiu fazer com que o PT declarasse apoio à reeleição do deputado. Em entrevistas, o petista vem repetindo que seria um equívoco político interferir na eleição da presidência da Câmara e atuar contra o atual presidente da casa. Lula relembrou o episódio ocorrido em 2005 quando o PT tentou emplacar o nome do então deputado petista Luis Eduardo Greenhalgh para a presidência da Câmara, mas acabou perdendo a disputa para o então deputado Severino Cavalcanti, que estava no PP de Pernambuco na época e era considerado um parlamentar do chamado "baixo clero", termo usado para designar políticos pouco expressivos. "O segundo round vai ser a definição da presidência da Câmara. Se Lira chegar com fôlego, é bom se preparar, porque ele não se acomoda bem com manifestações simplistas de poder. Virá um jogo duro, e ele deverá exigir ministérios, estatais, etc", afirma Cioccari. Couto afirma que Lira deixou de ser o "imperador do Japão", imagem usada por Lula durante a campanha para se referir ao deputado. "Mas segue muito poderoso, como todo presidente da Câmara bem articulado e hábil, mas bem menos poderoso do que era até aqui", avalia. Couto diz, no entanto, que a vitória de Lula sobre Lira pode ser relativizada por conta de uma alteração no texto da PEC que destina R$ 9,85 bilhões para que o relator-geral do Orçamento possa fazer indicação de emendas parlamentares. Segundo o cientista político, essa manobra pareceu uma tentativa de "drible" à decisão do STF que julgou o orçamento secreto inconstitucional. "Ao que parece, é sim uma tentativa de drible. Precisa ver se o STF vai engolir essa manobra. Vamos ver se o drible se concretiza. Caso se concretize, a vitória (de Lula) diminui de tamanho."
2022-12-21
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64046976
brasil
O que é DPOC, doença 'silenciosa' sem cura de que sofria o ator Pedro Paulo Rangel
Se você é fumante habitual, como foi o ator Pedro Paulo Rangel, morto na madrugada desta quarta-feira (21/12) aos 74 anos, tem 90% de chance de sofrer de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). E é provável que você nem saiba disso. Rangel, que fumou até 1998, foi diagnosticado com DPOC em 2002. A doença não tem cura, mas o ator conseguiu controlá-la com remédios e fisioterapia. Ele estava internado desde o dia 30 de outubro na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro — sua morte foi confirmada pela assessoria de imprensa do hospital. O ator, um dos grandes nomes do teatro brasileiro e presença marcante na TV, faz parte de um pequeno contingente de pacientes que recebe o diagnóstico positivo para a doença. Estima-se que apenas um a cada dez brasileiros com DPOC é corretamente diagnosticado. (ler mais abaixo). A DPOC é caracterizada por uma redução persistente do fluxo de ar. Piora com o tempo e pode se agravar a ponto de levar à morte. Ela se desenvolve de quadros persistentes de bronquite ou enfisema pulmonar. Na bronquite, há persistente produção de muco e inflamação nas vias aéreas. No enfisema há destruição dos alvéolos, estruturas responsáveis pelo fluxo de ar nos pulmões. Fim do Matérias recomendadas Sua principal causa é a exposição à fumaça do cigarro, seja o fumante ativo ou passivo. A exposição a outros tipos de fumaça também causar a doença — quem trabalha com fornos de lenha em pizzarias ou carvoarias também corre risco. E, geralmente, se manifesta de forma silenciosa: 80% das pessoas afetadas nem sequer sabem disso, segundo a Fundepoc, uma instituição argentina especializada na doença. Também não há cura para a DPOC e cerca de 3 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência do mal, segundo a OMS, que afeta 384 milhões de pessoas em todo o mundo. Do total de vítimas, 13,6% são adultos com mais de 35 anos da América Latina, conforme os dados da Fundepoc. No Brasil, estima-se que 6 milhões de pessoas tenham DPOC — mas somente 12% dos pacientes são diagnosticados. Um dos grandes problemas da DPOC é justamente que nem sempre ela é diagnosticada. E os fumantes geralmente não se queixam ou vão ao médico por estarem tossindo ou apresentarem dificuldades respiratórias, adverte a OMS. A doença evolui de forma lenta e normalmente só se torna visível a partir dos 40 ou 50 anos, assegura a mesma organização. Os sintomas mais frequentes são a dispneia (dificuldade para respirar), tosse crônica e a produção de fleumas (expectoração com muco). A doença piora com o tempo e atividades cotidianas como subir escadas ou carregar uma mala podem ser extremamente difíceis. A dificuldade para respirar, em princípio relacionada ao esforço, acaba aparecendo também quando se está em repouso. Às vezes, ela é tão forte que pode chegar a incapacitar a pessoa por completo. Neste caso, deve-se procurar o médico com urgência. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast As pessoas expostas à fumaça do cigarro têm mais probabilidades de sofrer da doença quando estiverem na faixa de 35 ou 40 anos. Mas não são as únicas em risco. Outros fatores de risco incluem: Poluição derivada de combustíveis sólidos na cozinha e aquecimento (ar interior) Poluição externa Exposição a vapores, substâncias que provocam irritação, gases, poeira e produtos químicos no local de trabalho Infecções recorrentes das vias respiratórias durante a infância Há anos, a DPOC atingia mais aos homens uma vez que eles fumavam mais do que as mulheres, mas agora o índice de tabagismo nos países de alta renda é semelhante entre os dois sexos. Além disso, nos países de baixa renda as mulheres são as que estão mais expostas ao ar interior contaminado. Segundo a OMS, mais de 90% das mortes por causa da doença ocorrem em países de renda média baixa porque as estratégias de prevenção não são eficazes e os tratamentos não estão disponíveis ou não são acessíveis para todos os doentes. A DPOC não tem cura, mas pode ser evitada. Deixar de fumar ou reduzir a exposição à poluição, seja interior, exterior ou do tipo químico, são exemplos de como se precaver. A DPOC também pode ser detectada por um "teste de sopro" chamado espirometria. Nesse teste, é usado um aparelho no qual a pessoa assopra para se avaliar a quantidade de ar que é capaz de colocar para dentro e para fora dos pulmões — e a velocidade com que faz isso. Se indicar alteração nessa capacidade respiratória, novos exames podem ser pedidos pelo médico para confirmar o diagnóstico dessa ou de outras doenças respiratórias. Para aliviar os sintomas existe tratamento com medicamentos e fisioterapia. Aumentar nossa capacidade de fazer exercícios e levar uma vida mais saudável também pode reduzir o risco de morte.
2022-12-21
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'Linhas de desejo': os caminhos inventados por pedestres na cidade feita para carros
Por onde passam os pedestres em uma cidade planejada para carros? Uma série de imagens registradas em Brasília nos últimos dez anos pelo fotógrafo Diego Bresani retrata os trajetos inventados por quem anda a pé na cidade pensada para o trânsito de automóveis. São caminhos formados geralmente na rota mais curta ou mais conveniente para o pedestre - rotas que o fotógrafo aprendeu com colegas da área de urbanismo a chamar de "linhas de desejo". No Plano Piloto (área central de Brasília), essas passagens improvisadas cruzam gramados, encostas e até margeiam vias que nem sequer oferecem calçadas. "Essa é uma cidade em que, definitivamente, a pessoa que anda foi esquecida. Ela é monumental, é uma cidade bonita vista do carro, com certeza. Mas para quem anda nela, é uma cidade muito dura - você não tem calçadas, precisa criar seu caminho, precisa muitas vezes lutar por espaço com carros", diz Bresani. Fim do Matérias recomendadas Símbolo da arquitetura modernista, a capital - Patrimônio Cultural da Humanidade, segundo a Unesco - é conhecida por características como vias expressas e poucos semáforos. Nessas condições, o fotógrafo fala em "valentia" dos trabalhadores que cruzam os espaços da capital. "Alguns lugares até têm uma proposta de calçada, mas essa proposta provavelmente é muito mais bonita de ser vista de cima. É visualmente bonita, mas não é prática", diz. "As pessoas passam no meio, pela grama, porque, óbvio, assim você chega mais rápido à parada de ônibus. Então tem uma espécie de subversão, de transgressão dessa lógica (do planejamento inicial)." A ideia do projeto fotográfico começou em 2013, depois que Bresani - que nasceu e cresceu no Plano Piloto - vendeu o carro e "virou pedestre". "Comecei a ver que existiam essas rotas criadas por pessoas na cidade de Brasília, que quem anda de carro não vê ou não presta muita atenção. Mas quem precisa se locomover sem carro precisa usar essas rotas ou criar novas." Brasiliense de 39 anos, ele diz que, por trás de seus trabalhos, está a inquietação de responder como existir em uma cidade inventada. Ele, que também é diretor de teatro, interpreta esses caminhos como uma "segunda invenção" na cidade inventada. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast As fotos, em preto e branco, são feitas em uma câmera analógica de grande formato, com chapas de filmes fotográficos que são reveladas em São Paulo. Durante o processo, Bresani percebeu diferenças no resultado em diferentes épocas do ano. "Uma linha de desejo, no filme preto e branco, sai de diferentes formas. Na chuva, a terra fica molhada e sai mais escura, preta. Na seca, reflete mais luz, então sai branca." O fotógrafo também percebeu que esses caminhos são mais vivos do que parecem. "Durante a pandemia, eu falei: agora será ótimo para fotografar porque não vai ter ninguém na rua - e eu não queria pegar muita gente na rua. Mas cheguei e: cadê os caminhos? Eles foram sumindo. Como não tinha pessoas andando, a grama ia crescendo e eles iam desaparecendo. Quando as pessoas foram voltando para o trabalho, eles foram sendo reconstruídos." E se algumas são rotas consolidadas, outras têm vida curta. "É muito comum um caminho ser reconstruído, outros desaparecerem, porque, por exemplo, abriu uma parada de ônibus em outro lugar. É bem orgânico", diz. "Tem uns que são bem consolidados, mas outros duram, sei lá, seis meses, que é o tempo que durou uma construção. Aí, depois que acabou a construção, ele some." Outra característica que ficou clara nesses anos em que o fotógrafo saiu nas primeiras horas da manhã para fotografar os caminhos - em um momento ainda sem muitos pedestres - foi o perfil do público que diariamente desenha esses caminhos. "São as pessoas que trabalham em Brasília, não são as que moram no Plano Piloto. Então, essa subversão da lógica modernista é feita por pessoas que moram na periferia de Brasília, trabalhadores e trabalhadoras. Não por moradores do Plano Piloto, que, na sua grande maioria, usam carros." O próximo passo do projeto é exatamente fotografar as pessoas que passam por esses caminhos. E Bresani já identificou uma clara predominância de gêneros, dependendo do horário. "Às 6h30 da manhã você encontra basicamente homens, que estão indo para construção civil. Se vai 7h30, 8h, você encontra mulheres que são cozinheiras, babás, empregadas domésticas." A arquiteta e urbanista Thaisa Comelli, formada pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora em urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que "claramente existe uma divisão socioeconômica com recortes raciais e de gênero" nesse tema. "Os 'caminhos do desejo', orgânicos, na realidade são 'caminhos da necessidade' para muitos - populações da periferia sem acesso a veículos automotivos - e, se ermos e pouco dotados de infraestrutura, podem ser perigosos para mulheres e outros grupos vulneráveis", diz. "Infelizmente há pouca discussão ainda sobre como as pessoas experimentam a cidade de formas diferentes. Esses temas às vezes entram como pautas supérfluas, estéticas ou cotidianas, quando na verdade são janelas para questões mais sérias." Comelli também destaca a falta de acessibilidade. "Temos muitos avanços na legislação arquitetônica, mas na escala da cidade isso é menos pensado e reforçado. Brasília é um caso especialmente difícil. Imagine o trajeto de uma pessoa cadeirante que quer se deslocar da W3 para a L2? É uma jornada de obstáculos…", diz, em referência a duas das principais vias de Brasília. Na prática, o que faz de Brasília uma cidade "por vezes pouco sensível aos pedestres", nas palavras da urbanista? Comelli cita três características, que refletem paradigmas do urbanismo modernista: Antes de falar em soluções, Comelli destaca que "dentro de Brasília existem muitas Brasílias" e "cada 'pedaço' da cidade vai requer uma solução diferente". "A questão do tombamento gera restrições na escala da cidade, justamente porque o caráter rodoviário é protegido. Intervenções simples e baratas, como colocar um semáforo no Eixão, melhorariam muito a vida dos pedestres, mas são impopulares e consideradas 'agressoras' do desenho de Brasília", diz. Comelli considera, ainda, que "falta vontade política para enfrentar o problema" e menciona que já houve concursos de projeto para melhorar as passagens subterrâneas, por exemplo, mas diz que não houve avanço na implementação. "Considerando esses impasses, o que resta para o brasiliense é apostar nas intervenções na escala de bairro - ou da quadra -, que podem melhorar um pouco a vida, mas que não solucionam questões estruturais da cidade", diz. "Sombrear melhor as passagens já existentes - orgânicas - ou investir em pequenas intervenções comerciais ou de iluminação e mobiliário que deixem os caminhos mais vivos, alegres e seguros também ajuda. Mas o problema da mobilidade a longo prazo não se resolverá com esses pequenos gestos." Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Frederico Flósculo diz que, na questão da mobilidade associada com acessibilidade, "Brasília é uma das piores cidades do Brasil". "As pessoas são muito mal tratadas", diz. "Se somos patrimônio cultural da humanidade modernista, é nesta cidade que os melhores experimentos de promoção de qualidade de vida deveriam ser feitos. E, paradoxalmente, é nesta cidade que os melhores experimentos de qualidade de vida não são feitos", afirma o professor. Para Flósculo, o equilíbrio entre automóveis e pedestres esteve presente no projeto do urbanista Lúcio Costa para o Plano Piloto, especialmente no sistema de circulação nas superquadras, que foram concebidas "de modo sinuoso, para dificultar a velocidade do automóvel e facilitar a circulação do pedestre por toda a periferia das quadras". O professor atribui algumas das dificuldades sentidas até hoje ao momento de execução do projeto. "Do sonho de Lúcio Costa à realidade da construção de Brasília, houve uma série enorme de ajustamentos feitos por Israel Pinheiro - engenheiro, responsável pela execução da cidade, presidente da Novacap (empresa do Governo do Distrito Federal)". "Israel Pinheiro economizou muito no capítulo pedestres", diz ele, acrescentando que os caminhos alternativos criados por pedestres são vistos há décadas. O grande problema, diz Flósculo, é que problemas antigos não tenham sido resolvidos mais de seis décadas depois. Historicamente, diz ele, "o governo é consistentemente insensível às necessidades da comunidade". "A gente compreende que Lúcio Costa tinha uma tarefa muito pragmática, de execução muito rápida. Mas isso aconteceu naqueles mil dias de execução de Brasília. Só que Brasília está para completar 63 anos de idade - e essa delicadeza já dava tempo de ter sido encarada e o governo não faz isso. Continuamos num modelo de abordagem grosseira, que se revela nos caminhos dos pedestres naquela cidade que deveria ser desenhada para os idosos, crianças, cadeirantes, pessoas com limitações." "O movimento modernista não considerava as fragilidades do cotidiano e a gente ainda não aprendeu isso", diz. A BBC News Brasil procurou o Governo do Distrito Federal (GDF) para responder às críticas sobre falta de acessibilidade em Brasília e de uma política voltada para as necessidades dos pedestres. A assessoria de imprensa da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação respondeu que, "em aproximadamente quatro anos, foram feitos cerca de 530 km de passeios, atendendo a pedestres das 33 regiões administrativas". Disse, ainda, que o projeto Rotas Acessíveis "tem mapeadas várias intervenções para melhorias pela capital" e que atualmente dois locais estão sendo atendidos - o Instituto Federal de Brasília (IFB) em São Sebastião e o entorno do Hospital Regional do Guará. O projeto, segundo a assessoria, seleciona um ponto e, a partir dele, "desenvolve o projeto da rota tomando como base os pontos de ônibus mais próximos, estabelecendo trajetos contínuos, sinalizados e livres de obstáculos". A Secretaria de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal disse que está em andamento o Plano de Mobilidade Ativa (PMA), que "tem como foco melhorar as infraestruturas de mobilidade para a população, incentivar a migração dos usuários dos modos motorizados para os modos ativos de deslocamento e requalificar o espaço público para torná-los mais acessíveis e com deslocamentos mais seguro para os pedestres, ciclistas, idosos, cadeirantes e pessoas com deficiência". Segundo o órgão, foram executados projetos na W3, no Setor Hospitalar Sul, Setor de Rádio e TV Sul, na Praça do Povo, entre outros.
2022-12-21
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64038880
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Câmara aprova em primeiro turno PEC que amplia teto de gastos em R$ 145 bilhões
A Câmara aprovou em primeiro turno nesta terça-feira (20/12), por 331 votos favoráveis e 168 contrários, a chamada PEC (Proposta de Emenda Constitucional) da Transição, que prevê a ampliação do teto de gastos do governo em R$ 145 bilhões no próximo ano. A medida vai permitir que o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viabilize o pagamento do Bolsa Família em R$ 600 no ano que vem, uma promessa de campanha. A aprovação em primeiro turno ocorreu por volta das 23h de terça-feira. A votação em segundo turno está prevista para esta quarta-feira (21). Por se tratar de uma PEC, o texto deve receber pelo menos três quintos dos votos em cada um dos dois turnos. Por ter passado por alterações, o texto deve voltar ao Senado. Uma PEC não precisa de sanção presidencial. A medida teve prazo modificado pelo deputados federais e só terá validade por um ano. No Senado, a PEC havia sido aprovada com duração de dois anos. Desde o início, o objetivo do governo eleito era que ficasse de fora do teto de gastos o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 e um bônus de R$ 150 para cada família com criança até seis anos de idade durante os próximos quatro anos do mandato de Lula. Fim do Matérias recomendadas No domingo (18), o ministro Gilmar Mendes decidiu que o auxílio poderia ficar fora do teto de gastos, podendo ser bancado por créditos extraordinários. A decisão de Mendes atendeu a um mandado de injunção apresentado pelo partido Rede Sustentabilidade. O ministro argumentou que o combate à pobreza e a assistência aos desamparados são deveres constitucionais. Entretanto, a equipe de transição e o presidente eleito continuaram priorizando a votação no Congresso. A PEC da Transição é considerada importante para o novo governo Lula porque permite que ele cumpra a promessa de manter o valor do Auxílio Brasil sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia gerar eventuais pedidos de impeachment. Além disso, com a ampliação do teto de gastos para o pagamento do auxílio, o governo poderá usar o espaço que será aberto no orçamento para recompor as verbas de outros programas, como o das farmácias populares, além de aumentar as verbas para a merenda escolar. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast No Senado, a PEC foi aprovada no dia 7 de dezembro com 64 votos favoráveis em dois turnos (16 contrários no primeiro turno e 13 contrários no segundo). Mas o avanço da proposta na Câmara teve mais dificuldades. Parlamentares vinham usando a votação para negociar contrapartidas com o novo governo. Entre os fatores apontados como responsáveis pela demora na votação da PEC estariam as tentativas de parlamentares para manter o chamado "orçamento secreto" intacto e a suposta pressão feita por Lira e outros líderes do Centrão por cargos no novo governo Lula. "Orçamento secreto" é o apelido dado às emendas de relator-geral do orçamento que permitiam a destinação de recursos da União sem a completa transparência sobre quem eram os parlamentares responsáveis pelas indicações. Foi um dos principais mecanismos de sustentação do governo Bolsonaro nos últimos dois anos. Na segunda (19), o orçamento secreto foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão do STF limita o uso das emendas de relator, que passam a ser permitidas apenas em situações bem particulares, para correção de erros e omissões no projeto de lei orçamentária anual. Na prática, ela derruba o orçamento secreto, tirando poder de barganha do Congresso.
2022-12-21
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64045300
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Orçamento Secreto: como decisão do STF mexe com jogo de forças entre governo e Congresso
Nesta segunda (19/12), a corte formou maioria pela proibição da distribuição de recursos públicos por meio das emendas de relator-geral. A leitura feita por cientistas políticos na época era de que o novo governo tentava ganhar apoio para aprovar a chamada PEC da Transição, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitiria o pagamento do Bolsa Família com recursos fora do teto de gastos. Fim do Matérias recomendadas A aprovação da PEC era considerada fundamental pela equipe do novo governo para que conseguisse arcar com a manutenção do valor de R$ 600 do benefício. A decisão do STF limita o uso das emendas de relator, que passam a ser permitidas apenas em situações bem particulares, para correção de erros e omissões no projeto de lei orçamentária anual. Na prática, ela derruba o Orçamento Secreto - tirando poder de barganha do Congresso. Na noite de domingo (18/12), por sua vez, uma decisão liminar do ministro Gilmar Mendes determinou que os programas de renda mínima sejam excluídos do teto de gastos, enfraquecendo, também, a posição dos parlamentares na relação com o Executivo — notadamente na negociação da PEC da Transição. A BBC News Brasil conversou com cientistas políticos para entender como os episódios mudam o jogo de forças entre Congresso e Executivo e o que significam para a governabilidade do terceiro governo Lula. As emendas parlamentares estão entre os principais mecanismos que deputados e senadores usam para enviar recursos para suas bases eleitorais. O dinheiro é geralmente usado para fazer investimentos e pode ser direcionado, por exemplo, para obras de infraestrutura ou para compra de equipamentos. Elas se dividem em quatro modalidades: emenda parlamentar individual, de bancada, de comissão e de relatoria. Antes de as emendas de relator ganharem protagonismo em 2020 e 2021 por meio do Orçamento Secreto, as individuais eram as que tinham maior espaço. Até 2015, o Executivo não tinha obrigação de liberar todo o valor de emendas previsto na Lei Orçamentária Anual. Parte do total poderia ser contingenciado caso o governo decidisse segurar despesas para cumprir a meta de resultado fiscal, por exemplo. Naquele ano, contudo, o Congresso aprovou uma emenda constitucional que tornou obrigatória a execução das emendas individuais. Em 2019, por sua vez, o Legislativo ampliou o chamado orçamento impositivo e incluiu as emendas de bancada estadual entre as de execução obrigatória. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast "Essas duas reformas estão dentro de um contexto de fortalecimento do Congresso que começa em meados dos anos 2000", diz a cientista política Beatriz Rey, pesquisadora visitante do SNF Instituto Agora, na Universidade Johns Hopkins, e pesquisadora na Fundação POPVOX. Esse processo não aparece de forma marcante no início do governo Bolsonaro, segundo a especialista, porque a gestão "passou seus dois primeiros anos sem tentar construir base de apoio. Depois, quando tenta, é quando passa a crescer o uso da RP-9", ela acrescenta, referindo-se às emendas de relator. Nesse sentido, Carolina Botelho, cientista política do Instituto de Estudos Avançados - IEA/USP, recorda que Bolsonaro lança mão do mecanismo das emendas de relator e do Orçamento Secreto quando vê seu governo enfraquecido e teme a possibilidade de um processo de impeachment. "O Executivo se viu obrigado a transferir ao Legislativo poder sobre o Orçamento para que pudesse se manter no poder." Em sua avaliação, a decisão do STF desta segunda reequilibra os poderes entre Legislativo e Executivo e traz a relação entre os dois para algo mais próximo do que o país viu nos últimos 30 anos, de uma "normalidade institucional". "Volta a colocar o Executivo como centro controlador do orçamento e centro gravitacional da política", analisa. "O governo anterior dependeu dessa submissão (ao Congresso) para sobreviver, agora o jogo muda um pouco", completa Botelho. Com as decisões do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), perde parte do capital político que conseguiu concentrar nos últimos dois anos, mas não necessariamente fica sem poder, avalia Beatriz Rey. "Lira conta com apoio interno grande, é bem cotado - foi através dele que os deputados do Centrão tiveram acesso a todos esses recursos [do Orçamento Secreto]." Para ela, as movimentações no decorrer desta semana vão apontar de forma mais clara em que posição fica o atual presidente da Câmara e o reposicionamento das peças no jogo de forças em Brasília. O cientista político Sérgio Praça, professor da FGV, faz leitura parecida. "Lira já provou que consegue mobilizar forças dentro da Câmara", pontua. "Ele e o Congresso sabem que se aproveitaram de um presidente muito fraco em um momento muito fraco. Agora, o jogo começa de novo." Segundo o colunista do jornal O Globo Lauro Jardim, Lira foi surpreendido pelas duas decisões do Supremo e convocou reunião com alguns líderes de partido nesta segunda para discutir o cenário. Daqui para frente, a questão que se coloca é como o novo governo Lula tentará construir uma base de apoio no Congresso e garantir governabilidade. Sem as emendas de relator e com as emendas individuais e de bancada com execução impositiva, o Executivo terá de usar outras ferramentas para negociar com o Congresso a aprovação de medidas e reformas. Um desses mecanismos, diz Praça, podem ser as indicações para os ministérios e a distribuição de cargos de confiança. A poucos dias da posse, só uma parte do primeiro escalão do governo foi anunciada: os titulares da Fazenda (Fernando Haddad), da Casa Civil (Rui Costa), da Defesa (José Múcio), da Justiça (Flávio Dino), das Relações Exteriores (Mauro Vieira) e da Cultura (Margareth Menezes). Pastas-chave como Saúde e Planejamento seguem sem ministro. Assim, na negociação por apoio, Lula pode escolher nomes que agradem aliados em vez de nomes técnicos, por exemplo. Reportagens publicadas na semana passada sugeriam que Lira estaria pressionando para que seu partido, o PP, indicasse o novo titular da Saúde. Renan Filho (MDB-AL), por sua vez, estaria sendo sondado para assumir o Planejamento. O cientista político lembra ainda que a recente mudança na Lei das Estatais, que reduziu de três anos para 30 dias o período de quarentena para que políticos e dirigentes partidários pudessem ocupar cargos em estatais e agências reguladoras, abriu espaço para indicações políticas nessas organizações. "Essa semana será fundamental para entender como será a construção da base legislativa", ressalta Beatriz Rey. Em sua avaliação, "seria interessante para o governo eleito tomar rédea da situação e apresentar uma solução diante do vácuo que foi criado" com a derrubada do Orçamento Secreto. Uma alternativa "transparente, que seja passível de controle social" e que permita ao governo construir uma base de apoio estável, "para que não tenha que ficar negociando a cada votação".
2022-12-19
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STF decide que Orçamento Secreto é inconstitucional
*Esta reportagem foi publicada originalmente em 7 de dezembro de 2022 e atualizada em 19 de dezembro de 2022. O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta segunda-feira (19/12) o julgamento das emendas de relator-geral, conhecidas como Orçamento Secreto. A maioria dos ministros decidiu que o mecanismo é inconstitucional e deve ser barrado. Com o voto favorável ao fim das emendas para criação de novos gastos dado pelo ministro Ricardo Lewandowski, a Corte formou maioria contra a gestão de dezenas de bilhões de reais do Orçamento federal de forma pouco transparente por parlamentares. Também votaram pela proibição total do uso dos recursos através das emendas de relator os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e a relatora do caso e presidente da Corte, Rosa Weber. Segundo a posição dos seis, as emendas do relator-geral devem servir apenas para a "correção de erros e omissões" no projeto de lei orçamentária anual, como ocorria antes da criação do chamado Orçamento Secreto. Fim do Matérias recomendadas Dessa forma, ficaria proibido o uso dessas emendas para criação de novas despesas. Na avaliação desses ministros, uso atual das emendas de relator para gerir dezenas de bilhões de reais do Orçamento federal subverteu a lógica da independência entre os Poderes, na medida em que parlamentares passaram a definir o destino de verbas dos ministérios. Eles criticaram não só a falta de transparência, mas a ausência de planejamento e eficiência no uso dessas verbas, pois entendem que a aplicação dos recursos acaba atendendo interesses eleitorais dos parlamentares, e não as necessidades prioritárias da população. "(O Orçamento Secreto) Está subtraindo do presidente e do Poder Executivo a capacidade de fazer o planejamento dos investimentos globais, para atender interesses locais. Isso cria um déficit republicano que não deve passar despercebido", argumentou Barroso em seu voto. Já os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes consideraram que a Constituição permite que os parlamentares decidam a destinação dessas verbas, desde que sejam adotadas novas regras. Eles divergiram, no entanto, sobre como deveriam ser feitas essas mudanças. Mendonça e Marques votaram no sentido de que definir o orçamento é prerrogativa do Congresso, mas determinaram maior transparência aos gastos. Moraes, Toffoli e Gilmar defenderam novos critérios para a distribuição e aplicação dos recursos. "Quanto maior o poder do Legislativo sobre o orçamento, mais democrático é o país", argumentou Nunes Marques. A posição vencedora, no entanto, é de que mesmo com algumas mudanças já propostas pelo Congresso, o mecanismo não é compatível com a Constituição. "Pelas alterações do Congresso, embora a distribuição das verbas seja menos arbitrária, não será equânime, como ocorre no caso das emendas individuais. Alguns parlamentares receberão mais e outros menos", disse o ministro Lewandowski. "A nova regulamentação é um progresso, mas não resolve os vícios de constitucionalidade (do orçamento secreto)." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Na tentativa de evitar que a Corte derrubasse totalmente o uso das emendas de relator, partiu do próprio Congresso uma proposta de resolução que cria novas regras para essas despesas, prevendo critérios mais objetivos e igualitários para a aplicação dos recursos pelos parlamentares, além da obrigação da transparência. A resolução foi proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na segunda-feira (12/12) e ainda precisa ser submetida à votação em sessão conjunta do Senado e da Câmara dos deputados. Rosa Weber elogiou a iniciativa, mas disse que a proposta não impedia o julgamento no STF. Na sua visão, a resolução confirma a improbidade da forma como essas despesas têm sido executadas. "Não se sabe quem são os parlamentares integrantes do grupo privilegiado (que recebe maior acesso à gestão das emendas de relator-geral), não se conhecem as quantias administradas individualmente, não existem critérios objetivos e claros para a realização das despesas, tampouco observam-se regras de transparência na sua execução", criticou a ministra, em seu voto. O chamado Orçamento Secreto se tornou peça fundamental na formação de uma base de apoio ao governo de Jair Bolsonaro no Congresso. Já o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, fez duras críticas ao mecanismo durante a campanha presidencial. Com o fim das emendas do relator-geral, pode ser que parlamentares pressionem o futuro governo por outro tipo de compensação, em forma de cargos e verbas, em troca do apoio às pautas de interesse do Palácio do Planalto no Congresso. Por isso, dentro do PT há quem considere melhor que as emendas de relator-geral continuem com novas regras e transparência, do que sejam extintas. Entenda melhor a seguir o que o é o chamado Orçamento Secreto. O "orçamento secreto" é o apelido que se deu a um mecanismo orçamentário conhecido como emenda de relator-geral. Anualmente, o Congresso Nacional precisa aprovar uma lei com a previsão de gastos do governo federal no ano seguinte. Ela é chamada de Lei Orçamentária Anual (LOA). Ela determina qual será a verba destinada para cada órgão do governo. Parte dessas despesas é obrigatória, como o salário dos servidores. Outra parte é discricionária. Isso significa que é o governo quem decide em quais obras, projetos ou programas os recursos serão aplicados. Apesar disso, existe uma parcela do orçamento federal que é destinada de acordo com o Congresso Nacional. Essa destinação é feita por meio das chamadas emendas parlamentares. É por meio delas que deputados e senadores enviam recursos para investimentos nas regiões onde ficam as suas bases eleitorais. Até 2020, a maior parte das verbas que ficavam sob o controle do Congresso Nacional era destinada por meio das emendas individuais. Neste tipo de emenda, os valores são divididos igualmente entre os deputados e tanto a autoria quanto os projetos que receberam esses recursos são públicos. Em 2020, porém, o Congresso ampliou o volume de recursos destinados a um outro tipo de emenda: as emendas de relator-geral. O relator-geral é o parlamentar responsável pela elaboração do projeto de lei do orçamento da União. Em 2021, reportagens do jornal O Estado de S. Paulo revelaram que bilhões de reais foram destinados a diversos programas do governo por meio das emendas do relator-geral. A diferença é que, ao contrário do que acontecia nas emendas individuais, em que todas as informações sobre a autoria e destinação ficavam visíveis, nas emendas de relator-geral, os seus reais autores não apareciam. Por isso o apelido "orçamento secreto". Pelo fluxo revelado nas reportagens, os parlamentares enviavam as suas sugestões de emendas para o relator e, depois disso, ele aparecia como o responsável pelas destinações, impossibilitando a identificação e a conexão entre os autores e os destinatários dos recursos. Na prática, a negociação desses recursos passa pelas principais lideranças do Congresso, em especial os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Especialistas em transparência governamental criticam o dispositivo sob o argumento de que ele favorece a ocorrência de casos de corrupção. A Polícia Federal já abriu investigações para apurar supostos desvios envolvendo a destinação de verbas públicas por meio de emendas do "orçamento secreto", como no caso em que cidades do interior do Maranhão teriam inflado gastos com saúde para receber mais desses recursos. Desde 2020, ao menos R$ 45 bilhões foram empenhados - ou seja, reservados para pagamento - em gastos com as emendas de relator-geral. Para 2023, a proposta de lei orçamentária enviada ao Congresso pelo atual governo prevê cerca de R$ 19 bilhões para essa despesa. Os partidos Cidadania, PSOL e PV acionaram o Supremo no ano passado contra o chamado Orçamento Secreto, solicitando que a Corte declare o mecanismo como inconstitucional. Nas ações, os partidos argumentam que as emendas do relator ferem princípios da Constituição como os da publicidade, da moralidade e da impessoalidade na administração pública, na medida em que as verbas estariam sendo distribuídas sem transparência e de forma desigual entre os parlamentares, segundo negociações de interesse político. "A prática retirou a possibilidade de efetiva fiscalização e controles externo e social, elementos constitucionais obrigatórios dos orçamentos e de qualquer gasto público", argumenta ainda trecho da ação apresentada pelo PSOL. Parlamentares a favor das emendas do relator-geral, por sua vez, rebatem as críticas dizendo que deputados e senadores saberiam melhor que os ministérios onde aplicar os recursos federais, pois têm contato mais direto com a população. Especialistas em gastos públicos, porém, dizem que na verdade os congressistas costumam privilegiar seus interesses eleitorais ao definir a destinação dos recursos. Em manifestação ao STF, Senado e Câmara voltaram a usar o argumento, defendendo as emendas como forma de descentralizar as políticas públicas. "Essa nova conformação representa uma importante ampliação da influência do Poder Legislativo na alocação de recursos orçamentários e na descentralização de políticas públicas a pequenos e médios municípios, atendendo o interesse público. É uma escolha democrática, aprovada pelas Casas do Congresso Nacional e referendada pelo Chefe do Poder Executivo", diz o documento. A relatora dessas ações é a ministra Rosa Weber, atual presidente do STF. Em novembro de 2021, ela tomou uma decisão provisória suspendendo o Orçamento Secreto e determinando que fosse dada total transparência a esses gastos. Após o Congresso definir novas regras de divulgação dessas despesas, os pagamentos foram liberados no mês seguinte por decisão de Weber, depois confirmada pela maioria da Corte. Para atender o STF, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso criou um portal em que os pedidos passaram a ser registrados. Mas, para especialistas em transparência, a ferramenta ainda é insuficiente. Um dos problemas apontados é que é possível inserir como autor do pedido não apenas nomes de parlamentares, mas também pessoas, entidades e órgãos de fora do Congresso. A organização Contas Abertas fez um levantamento dos dados disponíveis e encontrou uma série de inconsistências. "Dentre os R$ 12,3 bilhões das indicações dos 'autores', cerca de R$ 4 bilhões, ou seja um terço das indicações, são atribuídas a 'usuários externos'. Dentre os usuários externos, existe um classificado simplesmente como 'assinante', que indicou R$ 23,6 milhões em emendas de relator", exemplificou o economista Gil Castello Branco, diretor da organização Contas Abertas, em resposta a uma reportagem da BBC News Brasil de setembro. Outro problema, acrescentou Castello Branco na ocasião, é que esses dados continuam fora dos sistemas que permitem fiscalizar melhor os gastos do governo federal, como Siga Brasil e Portal da Transparência. Como a controvérsia permanece, agora o Supremo está analisando o mérito das ações que questionam o chamado Orçamento Secreto - ou seja, a Corte tomará uma decisão mais definitiva sobre o tema. Durante a campanha, Lula fez duras críticas ao chamado Orçamento Secreto e atacou o que seria um excesso de poder nas mãos de Arthur Lira. No entanto, após eleito, o petista decidiu apoiar a reeleição de Lira no comando da Câmara em fevereiro, já que sua vitória parece inevitável. Segundo o jornal O Globo, nos últimos dias o presidente eleito teria conversado com alguns ministros do STF e deixado claro seu interesse no fim das emendas de relator. Nos bastidores, porém, há dúvidas sobre se seria possível o futuro presidente manter uma boa relação com o Congresso sem ceder parte do Orçamento federal para gestão dos parlamentares. Na bancada do PT, há parlamentares que defendem que o ideal seria manter as emendas do relator, com novas regras. Além de dar total transparência ao uso dos recursos, a ideia seria que o governo direcionasse melhor a aplicação dessas verbas, de acordo com áreas prioritárias. Dessa forma, em vez de os parlamentares terem ampla liberdade para definir a destinação das emendas, eles teriam que optar pela aplicação dos recursos dentro de alguns programas específicos do governo federal. "O Congresso aumentou sua influência sobre o Orçamento. É muito difícil isso retroagir. Então, se o Supremo impedir que haja essa emenda de relator de forma absoluta, ele vai criar um problema com o Congresso. O que a gente é a favor é da transparência e da equitatividade (distribuição igualitária das verbas entre os parlamentares)", disse à BBC News Brasil um parlamentar petista.
2022-12-19
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63995552
brasil
As partituras inéditas de Vadico, parceiro de Noel Rosa, encontradas nos EUA
Foi uma descoberta daquelas que contando é até difícil acreditar. Por isso mesmo, o músico e pesquisador Franco Galvão saiu de São Paulo para conferir o material que, de longe, encontrou nos arquivos da Universidade de Illinois, em Champaign, nos Estados Unidos. "Foi de arrepiar", relembra. Para ver de perto a descoberta, foi preciso calçar luvas, entrar na sala com temperatura controlada e só então folhear partituras guardadas ali há mais de 70 anos. Obras do brasileiro Osvaldo Gogliano, mais conhecido como Vadico. Paulistano do Brás, mais novo de uma grande família de músicos, ele se mudou para o Rio de Janeiro no começo da carreira. Para quem não sabe quem foi o compositor brasileiro, basta recitar as primeiras estrofes do samba Conversa de Botequim: "Seu garçom faça o favor de me trazer depressa..." O resto, quase todo brasileiro conhece de cor. Vadico foi parceiro de Noel Rosa. Compôs a música de alguns dos sambas mais famosos do carioca de Vila Isabel que fazia as letras e cantava as canções. Mas pouca gente conhece a obra que Vadico deixou nos Estados Unidos. Fim do Matérias recomendadas Ele trabalhou com Carmem Miranda, fez filmes em Hollywood, mas foi como arranjador da bailarina americana Katherine Dunham que compôs ao menos oito obras que ficaram guardadas nos Estados Unidos, desconhecidas dos brasileiros. Franco Galvão começou a procurar os trabalhos de Vadico ainda do Brasil quando conseguiu contato com a neta de Dunham — um nome que marcou a história da cultura nos Estados Unidos e das leis no Brasil. A bailarina nasceu em Chicago, Estado de Illinois. Além de bailarina, foi coreógrafa, antropóloga e ativista social. Em visita a São Paulo em 1950, ela não pôde se hospedar em um hotel de primeira classe, o Hotel Esplanada, e colocou a boca no trombone denunciando o racismo. A repercussão foi grande e a consequência foi a criação da Lei Afonso Arinos no ano seguinte, que passou a tratar como crime a discriminação racial em locais públicos no país. Na época dessa visita, Vadico já trabalhava com Dunham — uma parceria que começou em 1949. A bailarina negra convidou o brasileiro para ser diretor musical da companhia que se apresentava na Broadway em Nova York. E logo nesse primeiro ano de trabalho, Vadico compôs duas peças que até agora eram inéditas no Brasil: Saxologia e Mambo. Todo o arquivo de Katherine Dunham está cuidadosamente guardado na Universidade de Illinois e a neta dela contou a Franco que ele encontraria algo especial nas caixas da avó. E ele encontrou. São 501 páginas de partituras que precisaram ser organizadas para que fosse possível entender o que Vadico criou nos três anos em que trabalhou com a bailarina. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O primeiro desafio foi reconstruir as composições a partir do material. "Isso só foi possível depois de olhar 501 páginas de partituras, decupar, colocar tudo junto, entrar no computador, nota por nota, para entender o que era", conta Franco. "Conseguimos descobrir oito músicas que foram executadas em 1950 e depois nunca mais. E essa descoberta foi muito bonita nesse sentido. Agora, a gente tem acesso a esse material e pode tocá-lo". O quebra-cabeça revelou três choros e ainda três peças para orquestra, Prelúdio, Adágio e Fuga, que eram consideradas perdidas. Mas também estavam em Illinois, desordenadas mas preservadas, com anotações de próprio punho do compositor e arranjador. Aparentemente, Vadico tinha pressa de regressar ao Rio, cidade que adotou quando estava começando a vida adulta. Ele não recolheu as partituras que passaram 72 anos "engavetadas", como diz Franco — que ainda sorri sem parar quando fala de tudo isso. "Foi muito emocionante. No último dia, eu estava em prantos", conta. O pesquisador já montou um site na internet com toda a história de Vadico e vai gravar três CDs em homenagem ao compositor. São projetos para o ano que vem. Mas ele já fechou compromisso com a Orquestra Jovem Tom Jobim para gravar as peças clássicas. Para as populares, ele já organizou participações das cantoras Ná Ozzeti e Monica Salmaso e do compositor e violonista Guinga. Outros nomes convidados, que toparam ou não, ele ainda não pode revelar. Mas o melhor, para Franco, já está garantido. Daqui pra frente, qualquer músico, do Brasil e do mundo, vai poder dar vida e executar o que Vadico criou.
2022-12-18
https://www.bbc.com/portuguese/geral-63925131
brasil
Como inflação mexeu em preços da ceia de Natal para 2022
Produtos usados na ceia de Natal estão, em média, 20% mais caros no fim de 2022 do que estavam no fim do ano passado. É o que aponta levantamento feito por André Braz, economista e pesquisador do FGV IBRE, a pedido da BBC News Brasil, com base nos dados do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV. A inflação média da cesta de Natal deste ano (taxa acumulada em 12 meses até novembro de 2022) é mais que o dobro da taxa verificada no Natal passado, que foi de 8,55% no acumulado em 12 meses até novembro de 2021. No Natal de 2020, quando começou a pandemia de coronavírus, a taxa de inflação para essa seleção de produtos tinha sido maior, com um aumento médio de 32,3% em 12 meses até novembro daquele ano. A cesta considerada neste cálculo inclui dezoito categorias de produtos usados em receitas natalinas: arroz, batata inglesa, cebola, frutas, farinha de trigo, pão de outros tipos (inclui o panetone), leite, frango inteiro (inclui frangos comuns e especiais, como Chester), ovos, carnes bovinas, lombo suíno, pernil suíno, bacalhau, azeite, óleo de soja, maionese, azeitona e vinho. Fim do Matérias recomendadas Braz destaca que, apesar de a taxa estar em dois dígitos e bem mais alta que no ano anterior, esse resultado está em linha com o que foi verificado no comportamento da inflação em 2022. "O que tem chamado muita atenção na inflação nos últimos meses é exatamente o grupo alimentação. Tem havido aí uma alta recorrente dos itens que compõem esse recorte que nós fizemos para a ceia de Natal - ela é composta por itens que puxaram a inflação em 2022", diz à BBC News Brasil. As cinco maiores altas de preço - que subiram acima da média da cesta natalina - são de produtos que não são exclusivos do Natal: cebola (167,6%), frutas (38,8%), farinha de trigo (30%), batata inglesa (29,9%) e maionese (29,9%). Só um produto teve redução na média de preços: o arroz, com -1,63% de variação, que Braz atribui a um aumento na oferta após boas condições de safra na produção nacional no período. E os produtos que tiveram menores aumentos no preço foram: lombo suíno (0,13%), pernil suíno (0,64%), carnes bovinas (2,39%) e óleo de soja (2,82%). Apesar dos fortes aumentos em alguns produtos, Braz destaca que os itens de maior valor da cesta - como itens de proteína animal - tiveram aumentos menores. "A família desembolsa muito mais para comprar as proteínas - frango, lombo, pernil - e elas subiram um pouco. Agora, os itens que são os complementos, como legumes, subiram muito, mas eles têm um nível de preço mais baixo, ou seja, comprometem um pouco menos do que a família gasta com uma ceia de Natal", diz o economista. Isso ajuda, na avaliação dele, "a driblar um pouco esse aumento de preços". No Natal de 2021, o aumento em 12 meses do frango inteiro tinha sido mais de 24% e do lombo suíno, 4,36%. A ceia de Natal compartilhada entre mais familiares ou amigos neste ano - com menos restrições de contato que nos anteriores devido à situação da pandemia de covid - pode ser uma boa notícia também para os bolsos dos brasileiros, segundo Braz. "Esse será um Natal em que a família vai poder se reunir e isso faz com que as famílias possam dividir a ceia de Natal. Se cada família providenciar uma parte da ceia, não precisa comprar de tudo." 14,6%foi a alta de preços, desde o Natal de 2021, da categoria que inclui panetones Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast E como fugir dos preços mais altos no mercado? Braz diz que uma estratégia pode ser a busca por produtos de boa qualidade, mas com marcas "menos tradicionais". "Se você vai ao supermercado e pega dois carrinhos - um com marcas premium, que não saem da cabeça, e outro com produtos de boa qualidade, mas com marcas que têm um marketing mais fraco -, em geral, a cesta montada por marcas menos tradicionais fica entre 30% e 40% mais barata que a ceia de marcas nobres." O mesmo levantamento comparou a variação de preços de um grupo de dez produtos natalinos (aves natalinas, azeite, caixa de bombom, espumante, lombo, panetone, pernil, peru, sidra e tender) em relação ao Natal passado e verificou um aumento de 9,8% no valor final. O maior percentual (17%) ocorreu no Sudeste e a menor variação (3,1%) foi no Norte - região que tem, no entanto, o maior valor médio dessa cesta, em R$ 306,34. As recentes disparadas nos preços de alimentos ocorreram também devido a fatores externos, como problemas nas cadeias globais de suprimento e a guerra na Ucrânia (que fez o preço da energia disparar, com as sanções impostas à Rússia, além de problemas no fornecimento de cereais produzidos na Ucrânia). No Brasil, Braz destaca que medidas como pagamento de benefícios e saques no FGTS melhoraram a cesta de consumo das famílias e aumentaram a demanda da família - o que, na avaliação dele, explica parte do aumento de preços no país. "A outra parte tem a ver com o encarecimento dos insumos para produção de hortaliças e de grãos - para plantar arroz, batata, cebola, você precisa de adubos, fertilizantes, defensivos que ficaram muito mais caros, também acompanhando a dinâmica do preço do barril de petróleo. A mesma coisa aconteceu com o diesel, que é o combustível usado para escoamento da produção agrícola e também pelas máquinas no campo", diz. "São pontos que ajudam a entender por que a alimentação esse ano pressionou tanto a inflação." Braz aponta que os preços dos alimentos devem desacelerar em 2023, mas de forma lenta. Internamente, o alto patamar das taxas de juros e o baixo crescimento esperado para o ano que vem afetam as perspectivas para o emprego e renda - o que, por sua vez, impacta o consumo das famílias. "Havendo essas restrições à demanda, é provável que o fôlego para novos aumentos de preços dos alimentos no ano que vem fique menor, então é provável que eles comecem a subir menos já nos próximos meses", diz ele. "Mas para esse Natal a situação está dada, é isso o que o consumidor vai encontrar. Os preços vão ficar, em média, mais altos que no ano passado."
2022-12-17
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63971341
brasil
Qual a origem da rivalidade entre Brasil e Argentina — e o que está mudando nessa rixa
Assim que a seleção argentina eliminou a Holanda na Copa do Mundo do Catar, em 9 de dezembro, alguns torcedores do Brasil enviaram mensagens para amigos brasileiros e argentinos que moram em Buenos Aires comemorando o resultado. "Que jogo, que torcida linda. Parabéns, hermanos", disse um deles. Na terça-feira (13/12), quando a Argentina venceu a Croácia por três a zero, novas mensagens, em tom de admiração, voltaram a se repetir. E algumas delas incluíram até trechos de tango. "Arte e luta em doses iguais", escreveu um deles, elogiando a atuação da seleção capitaneada por Lionel Messi e anexando um tango de Astor Piazzolla à mensagem. Com a saída do Brasil da Copa, alguns brasileiros famosos e anônimos aderiram à torcida pela seleção argentina — inclusive o narrador Galvão Bueno, da Rede Globo, conhecido por já ter dito que "ganhar é bom, mas ganhar da Argentina é melhor ainda". Fim do Matérias recomendadas Até o correspondente do jornal britânico The Guardian na América Latina, Tom Phillips, se surpreendeu com o apoio de brasileiros à seleção do país vizinho. "O que está acontecendo?", brincou ele no Twitter. Será que algo está mudando na rivalidade histórica entre Brasil e Argentina, alimentada por disputas em Copa do Mundo e décadas de comparação entre o desempenho de Maradona e Pelé? Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Para entender isso, a BBC News Brasil ouviu analistas especializados em história, em antropologia e em futebol, que observaram que esse sentimento atual reflete vários motivos. A admiração por Messi, que coleciona sete Bolas de Ouro de melhor jogador do mundo e costuma ser elogiado por sua "simplicidade" e "zero arrogância", a "garra dos jogadores e da torcida argentina" e a percepção das novas gerações de brasileiros, que se identificam como latino-americanos são elementos que contribuem para apaziguar a rivalidade histórica. O professor João Manuel Casquinha, do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que faz pesquisas sobre futebol, atendeu à reportagem da BBC News Brasil quando acabava de sair de uma reunião com outros dois professores. Os três acadêmicos estão torcendo pela Seleção Argentina, que neste domingo (18/12) disputará a final do mundial contra a França. "Vou dar uma percepção bem de torcedor. Os jogadores argentinos sempre nos encantaram pela sua dedicação, pelo seu amor pela pátria. Aquela coisa de jogar pela bandeira e de terminar os jogos e ir para o meio da torcida. Muita garra, muita vibração. E, além de toda garra argentina, eles têm o melhor jogador do mundo e a gente acaba ficando com uma certa invejinha no Brasil", disse Casquinha. Coordenador do Grupo de Estudos de História do Esporte e das Práticas Lúdicas (Stadium), o professor entende que até o videogame tem contribuído para as novas torcidas brasileiras por Messi. "Vemos os mais jovens que curtem o Messi, que o viram jogar no Barcelona, o veem jogar no Paris Saint Gemain e passaram quatro anos (até a Copa) jogando com 'Messi' no videogame. E eles acabam tendo tanta identidade com Messi como têm com o Neymar. Eu diria que, em alguns casos, eles têm até mais identidade com o Messi do que com a maioria dos jogadores brasileiros, que nem sempre conhecem porque jogam em equipes europeias menores e praticamente não atuam no território brasileiro", disse Casquinha. "A gente tem uma nova geração de torcedores que torce para o Arsenal, para Manchester City, para o Paris Saint Germain, para o Barcelona... É um fenômeno que vemos acontecendo nos países sul-americanos. Tem a ver com a globalização. E esses clubes têm trabalhado uma inserção na América Latina", afirmou. Essa mesma geração se identifica, em muitos casos, mais como latino-americana, ao contrário do que pensavam seus pais e seus avós no passado. Esse sentimento também explica a torcida de muitos brasileiros, na visão do professor Casquinha — ele próprio diz querer "uma vitória dos sul-americanos" neste domingo. O técnico da seleção argentina, Lionel Scaloni, também tentou cultivar isso. Scaloni é amigo de vários jogadores brasileiros, se declara "fã" do Brasil e disse que seria "estimulante" ter o apoio da torcida brasileira e das outras nações da América do Sul na final — desde 2006, os europeus são os únicos a erguer a taça da Copa do Mundo. Mas, para deixar a rixa de lado, é preciso entender suas origens. É na política, e não no futebol, que alguns historiadores situam esse princípio. O historiador Boris Fausto, coautor de Brasil e Argentina: Um Ensaio de História Comparada (1850-2002), diz que a rixa começou no século 19, quando os dois países passaram a disputar a liderança regional na América do Sul. Para Fausto, essa rivalidade política acabou sendo assimilada pela sociedade. E, com isso, se descolou de fatos históricos e invadiu outros setores, como o futebol. O cientista político argentino Rosendo Fraga também acha que Brasil e Argentina herdaram a rivalidade que existiu entre os ex-colonizadores, Portugal e Espanha, no processo de ocupação da América do Sul. E nisso, a disputa pela região chamada Cisplatina, nos arredores do rio da Prata, tem papel importante. Essa disputa chegou ao ápice na Guerra da Cisplatina (1825-28), que opôs o Brasil, já independente de Portugal, e as chamadas Províncias Unidas do Rio da Prata, que mais tarde viriam a formar a Argentina. O Brasil sofreu duras derrotas em três batalhas da guerra e acabou desistindo de ser dona do território. Os argentinos também não ficaram com a Cisplatina, que acabou virando outro país: o Uruguai. Mas a desconfiança bilateral continuou, apesar da falta de hostilidades ou conflitos dali em diante. Inclusive Brasil, Argentina e Uruguai foram aliados na Guerra do Paraguai (1864-1870). O cientista político argentino Vicente Palermo, autor de La Alegria y la Pasión - Relatos Brasileños y Argentinos en Perspectiva Comparada ("A Alegria e a Paixão - Relatos Brasileiros e Argentinos em Perspectiva Comparada", em tradução livre) acha que, historicamente, era comum que argentinos exibissem um ar de superioridade perante os brasileiros. Isso por causa do período histórico em que a Argentina foi um dos países mais ricos do mundo em PIB per capita, com uma classe média mais pujante. Mas ele acha que isso mudou principalmente depois da ditadura militar instalada no país entre 1976 e 1983, quando os argentinos se viram diante de problemas semelhantes ou até mais graves que os brasileiros, como a sucessão de crises econômicas. Hoje, Vicente Palermo acha que os argentinos mudaram completamente a visão sobre o Brasil e enxergam o país como um ator global de peso. Mas os clichês se mantiveram, em particular no futebol e, mais ainda, em Copas do Mundo — com um saldo de taças obviamente favorável ao Brasil. Mas, agora, para o pesquisador João Manuel Casquinha, o comportamento de Messi contribui para que a torcida brasileira se envolva mais com a seleção argentina. "Uma coisa que o Messi não faz é ficar ostentando, indo pra balada. Enquanto isso, nossos jogadores fazem churrasco, comem carne com ouro... Então, o torcedor brasileiro vê que essa galera [os jogadores brasileiros] está cada vez mais distante dele", opina Casquinha. José Paulo Florenzano, professor de antropologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ex-membro do conselho consultivo do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB), entende que, apesar de histórica, a rivalidade entre o Brasil e a Argentina não se manifesta sempre da mesma maneira: tem altos e baixos, a depender do contexto. "Dependendo da conjuntura esportiva, você tem um acirramento desse sentimento de antagonismo e de rivalidade. Em determinadas conjunturas, como agora em 2022, você tem a possibilidade de uma identificação transversal que atravessa as fronteiras do Estado-Nação", avalia. Para o especialista, essa identificação além fronteiras é responsabilidade de Messi. "A seleção argentina do Messi consegue transcender os limites nacionais da Argentina. Existe a identificação em vários países com a figura do Messi e o futebol que ele representa e joga", pontua. A política também tem um peso no debate. Neymar conquistou críticos de um lado e admiradores do outro ao declarar apoio a Jair Bolsonaro (PL) na campanha presidencial de 202. "Neymar também tem admiradores no mundo inteiro pelo futebol exuberante que joga. Mas acredito eu que hoje seja muito mais fácil para um brasileiro torcer para a Argentina do Messi do que o inverso, um argentino se identificar com o Brasil do Neymar", opina Florenzano. O antropólogo acha que o estilo de Messi é mais agregador a torcedores não argentinos do que o de Diego Maradona — que, embora fascinante, era visto como rebelde e, por vezes, controverso. Num documentário recente da Netflix, lançado pouco antes da Copa do Mundo, Messi fez uma espécie de discurso de motivação para os jogadores da Seleção Argentina, falando sobre a importância da oportunidade de vencer no Maracanã a final da Copa América contra o Brasil, em 2021. Ele não citou a rivalidade e buscou colocar o foco no próprio time. "Já sabemos quem é a Argentina e quem é o Brasil. Não quero falar sobre isso. Formamos um time lindo. Vamos levantar essa copa, vamos levá-la para a Argentina para desfrutar com nossas famílias, com nossos amigos, com as pessoas que sempre apoiaram a Argentina", disse. Essa foi a conquista mais importante que a seleção liderada por Messi conquistou para a Argentina até a disputa do mundial de 2022 — e um momento crucial também para mudar a percepção dos torcedores argentinos a respeito de Messi, até então admirado, mas visto como alguém que trazia mais conquistas ao times europeus do que à Seleção Argentina. Mas qual foi o sentimento predominante na Argentina, quando o Brasil foi eliminado? Algo de 'alívio' foi detectado em alguns torcedores argentinos. "O Brasil seria um competidor muito difícil pela fortaleza de seu futebol", explicou um dos comentaristas esportivos do canal 13, de Buenos Aires. Nas redes sociais, circulou imagem atribuída à TV Crónica, que costuma exibir títulos originais com letras maiúsculas na sua tela, dizendo: "Lá se vai o avião brasileiro (com os jogadores)". Um comentárista disse que a eliminação significava "um gigante a menos para enfrentar" — talvez sem imaginar que a seleção de seu país contasse agora com o apoio de setores da torcida do próprio Brasil.
2022-12-17
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64008317
brasil
Orçamento secreto e cargos no governo Lula: o que está travando a PEC da Transição?
Após uma aprovação rápida no Senado, a PEC da Transição "travou" na Câmara dos Deputados. A estimativa é que ela fosse votada ainda nesta semana, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) sequer a colocou em pauta. A expectativa é de que ela só entre em votação na semana que vem. A proposta de emenda constitucional (PEC) é considerada estratégica pela equipe do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cumprir algumas das promessas feitas durante a campanha eleitoral deste ano. A principal delas é o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023. Mas por que a PEC aprovada com rapidez no Senado está "patinando" na Câmara dos Deputados? A BBC News Brasil ouviu especialistas que apontaram dois motivos principais para explicar a demora para que a medida seja colocada em votação: a indefinição sobre o chamado "orçamento secreto", cuja legalidade está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a pressão feita pelo Centrão por cargos no futuro governo Lula. A medida ganhou o apelido de "PEC da Transição" porque vem sendo desenhada por aliados de Lula. Fim do Matérias recomendadas O texto aprovado no Senado prevê uma ampliação do teto de gastos de até R$ 168,9 bilhões para os anos de 2023 e 2024. Desse total, R$ 145 bilhões serão destinados ao pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e um bônus de R$ 150 para cada família com criança de até seis anos de idade. Sem essa ampliação do teto, dizem aliados de Lula, o governo não teria como pagar os benefícios nestes valores a partir de janeiro de 2023. Além disso, o texto também prevê que até R$ 23,9 bilhões fruto de arrecadações extraordinárias poderiam ser usados para investimentos. A PEC da Transição é considerada importante para o novo governo Lula porque permite que ele cumpra a promessa de manter o valor do Auxílio Brasil sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia gerar eventuais pedidos de impeachment. Além disso, com a ampliação do teto de gastos para o pagamento do auxílio, o governo poderá usar o espaço que será aberto no orçamento para recompor as verbas de outros programas, como o das farmácias populares, além de aumentar as verbas para a merenda escolar. Na etapa anterior, a condução da PEC foi feita por uma espécie de "dobradinha" entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o senador Alexandre Silveira (PSD-MG). Pacheco se manteve relativamente distante do presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a corrida eleitoral e é visto como uma figura moderada no Congresso Nacional. Silveira, por sua vez, é cotado para assumir um cargo no futuro governo Lula. O resultado é que a PEC demorou apenas dois dias para ser aprovada no Senado. Mas se o consenso no Senado foi tão rápido, a história não se repetiu na Câmara dos Deputados. Sob o comando de Arthur Lira, que foi aliado de Bolsonaro ao longo dos últimos anos e durante a corrida eleitoral, a Casa ainda não começou a apreciar a matéria. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Para o professor de Ciência Política na Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, os dois principais fatores atrasando a tramitação da PEC são: o julgamento no STF sobre o "orçamento secreto" e a pressão de Lira e outros líderes do Centrão por cargos no futuro governo. O "orçamento secreto" é como ficaram conhecidas as emendas do relator-geral do orçamento. As emendas parlamentares são mecanismos em que deputados ou senadores podem destinar verbas do orçamento para municípios, obras ou programas de sua preferência. Essas emendas, normalmente, contém informações sobre quem são seus autores e a quais projetos específicos o dinheiro se destina. Nas emendas de relator-geral do orçamento, esse nível de detalhamento é menor. Críticos afirmam que, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, houve um aumento no valor destinado às emendas de relator, que a falta transparência abria brechas para casos de corrupção e que o mecanismo foi usado para comprar apoio político. Bolsonaro, no entanto, nega responsabilidade no funcionamento do chamado "orçamento secreto". Nesta semana, o STF deu continuidade ao julgamento de uma ação que pede o fim das emendas do relator-geral do orçamento. O julgamento foi interrompido na quinta-feira (15/12) e o placar está cinco a quatro pelo fim do mecanismo "Os deputados estão aguardando o julgamento no STF e tentando alguma forma de manter o orçamento secreto. Essa demora em votar a PEC é uma forma de pressionar o STF a fazer alguma concessão para que o mecanismo não seja extinto", disse o professor. "Eles estão esperando o julgamento porque, se o Supremo julgar o orçamento secreto inconstitucional, eles vão querer barganhar mais recursos em outros tipos de emendas e vão aproveitar a PEC da Transição para fazer isso", disse. Enquanto o julgamento do orçamento secreto no STF aguarda uma conclusão prevista para a semana que vem, deputados e senadores aprovaram uma resolução que muda algumas regras das emendas de relator. Uma das mais importantes delas é o fim da possibilidade de que a autoria de uma emenda de relator possa ser atribuída à nomenclatura "usuário externo", sem a designação exata do seu responsável. A medida é vista como uma forma de dar mais transparência às emendas do relator e apresentar uma satisfação ao STF para convencer a Corte a manter o orçamento secreto em pé. Outro elemento apontado pelos especialistas para explicar a demora na tramitação da PEC da Transição seria a suposta pressão feita por Lira e outros líderes do Centrão por cargos no novo governo Lula. Até agora, Lula anunciou cinco ministros, todos eles do PT ou próximos ao partido: Fernando Haddad (Economia), Rui Costa (Casa Civil), José Múcio Monteiro (Defesa), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública). Outros nomes são especulados, como o do ex-governador do Ceará Camilo Santana (PT), apontado como futuro ministro da Educação. O desafio do futuro governo, porém, é acomodar o grande número de aliados que se formou durante a eleição e que inclui, por exemplo, a senadora e ex-candidata à Presidência Simone Tebet (MDB). Reportagem publicada no portal "UOL" nesta semana mostra que Lira estaria pressionando o governo eleito para indicar o novo ministro da Saúde, uma das pastas com o maior orçamento do governo federal. Segundo o portal o "Metrópoles", Lira quer o comando do Ministério da Saúde ou de Minas e Energia. Além de Lira, outros partidos do chamado Centrão também estariam pressionando o governo por cargos, como o MDB do senador Renan Calheiros (AL), que é adversário político de Lira em Alagoas. "Há uma briga por espaço na composição do governo. Lira e Renan brigam para ocupar esses cargos e isso está travando, também, a definição sobre a PEC da Transição", aponta Marco Antonio Teixeira, da FGV. "Os deputados estão negociando e usando a PEC da Transição para obter cargos nos ministérios. Enquanto essa negociação acontece, a PEC não anda", diz Denilde Holzhacker, professora assistente no curso de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Oficialmente, porém, Arthur Lira nega que a demora na votação da PEC da Transição seja resultado de algum tipo de barganha. Segundo reportagem publicada pela CNN Brasil, a medida começará a ser votada na semana que vem e o tempo que se levou para colocá-la em votação foi para obter uma "acomodação dos votos", uma vez que, até agora, não haveria apoio suficiente para aprovar a PEC. "Diferentemente do que tem sido noticiado, sem nenhum tipo de barganha, porque essa presidência nunca fez, mas acomodando votos para que se tenha o quórum necessário para enfrentar as votações principais e os destaques que possam vir do plenário desta Casa", afirmou Lira.
2022-12-17
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64008245
brasil
'Passei por seis médicos até descobrir câncer aos 25 anos'
Em junho do ano passado, a estudante de farmácia Fernanda Pereira, na época com 25 anos, notou um pequeno caroço no seu pescoço. Acreditando que podia ser apenas um músculo tensionado, ela recorreu a uma massagem relaxante. Nesse período, a jovem já estava fazendo diversos exames de rotina, que não apontaram nenhuma alteração. Ao reclamar do caroço para a ginecologista, ela foi encaminhada para um clínico geral. Porém, nesse intervalo de tempo, percebeu que outros gânglios surgiram na região. "Parecia uma bola de golfe na lateral do pescoço", relembra à BBC News Brasil. A partir daí, foi uma saga, como ela mesmo define, até chegar a um diagnóstico e descobrir o que tinha e por que alguns sintomas só pioravam. Em um dos exames de sangue que fez, chegou a ter como resultado uma anemia de grau leve. Fim do Matérias recomendadas Depois de meses fazendo diversas análises e indo a consultas, Fernanda descobriu que sofria com um câncer no sistema linfático. Porém, até chegar a esse resultado, a estudante foi a seis especialistas e sofreu, segundo ela, com muita negligência dos médicos. Como é uma doença que evolui rapidamente, ela conta que ali sentiu medo de morrer. "Peguei o resultado do exame e abri no metrô e bateu aquele 'e agora?'. Chorei muito e fiquei fazendo hora ali até me acalmar e ir para o trabalho. Desde o início da doença, eu vesti um personagem e não queria passar fraqueza para as pessoas", destaca. Fernanda teve que lidar sozinha com o câncer durante pouco mais de um ano, já que não tem contato com seus pais e somente alguns amigos a ajudaram nesta fase. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Um dos principais sintomas deste tipo de câncer é o surgimento de gânglios ou linfonodos em alguns locais do corpo. Normalmente, os linfonodos mais comuns acometem o pescoço e passam despercebidos, pois são facilmente confundidos com inflamação na garganta e até amigdalite. Mas também podem aparecer debaixo do braço, região inguinal e virilha. Quando surge um caroço aumentado e fora do comum, deve-se prestar atenção na quantidade de dias em que ele permanece na região ou se está aumentando de tamanho. "Linfonodos que crescem e não voltam ao tamanho normal merecem atenção. Se eles permanecerem por mais de 30 ou 40 dias, o ideal é procurar um hematologista ou médico de cabeça e pescoço", explica Guilherme Perini, hematologista do hospital Albert Einstein. Mesmo já tendo um caroço perceptível no pescoço, Fernanda conta que, ao procurar um hematologista, o médico sequer apalpou a região e chegou até a pedir exames repetidos. "Eu tentava explicar o que estava acontecendo e ele me cortava toda hora. Eu mostrei os remédios que estava tomando, meu cabelo já estava caindo muito e seguia fraca. Ele disse que se eu não melhorasse com aquele novo medicamento, era para eu voltar daqui um mês", relembra. Depois desse profissional, ela procurou outro hematologista para tentar entender o que estava passando. Segundo ela, nessa consulta o novo médico, de fato, olhou todos os exames e pegou nos caroços que havia na região. Depois disso, pediu ultrassom e raio x do abdômen e tórax. "Ele falou que eu tinha que ser forte pois poderia ser um linfoma", relembra. Além dos gânglios no pescoço, a estudante também sentia um cansaço fora do comum. Ela conta que até para tomar banho era difícil e precisava sentar no vaso sanitário por alguns instantes até voltar para o chuveiro. Já haviam se passado quase seis meses desde o início dos primeiros sintomas. "Eu estava exausta e cansava ao tomar banho. Eu levantava, lavava o cabelo e no meio do banho, sentava de volta. Meu cabelo caía muito também", diz. Durante a noite, a jovem ainda tinha problemas para dormir e deixava a cama encharcada. "Parecia que alguém tinha jogado um balde de água em mim", conta.. Segundo Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência de Neoplasias Hematológicas do A.C.Camargo Cancer Center, a sudorese é classificada como "sintoma B", que acompanha as demais manifestações do problema. "A pessoa também pode apresentar febre e um emagrecimento de 10% do peso atual", destaca o especialista. Os quadros de prostração são muito comuns em vários tipos de cânceres e isso acontece devido ao estágio da doença. E foi o que ocorreu com Fernanda, já que a enfermidade estava avançada, mas ainda não havia tido a confirmação do linfoma. Ela relembra que os sintomas da anemia pioraram e ela precisou de duas bolsas de transfusão de sangue para poder se recuperar. No fim de novembro, ela finalmente recebeu o diagnóstico de linfoma de Hodgkin, um câncer no sistema linfático que é mais comum em pessoas de 20 a 30 anos. "Esse tipo se origina em células do sistema imunológico, que sofrem mutações e se transformam em células tumorais", explica Schmidt Filho. Por meio do exame de imagem chamado Pet-Scan, ela pôde ver a gravidade da condição. "Eu fiz exames de imagem e o câncer já estava pelo meu corpo todo. Meu baço estava cada vez mais inchado de tanto linfonodo. Descobriram que já estava no estágio 4 e tinha infiltração na bacia, no baço e na minha pélvis", diz. Mesmo tendo plano de saúde, Fernanda conseguiu fazer parte do tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde). "Conversei com os médicos e senti uma confiança no especialista do sistema público que não tinha sentido no do plano. Me encaminharam para o hospital e iniciei o tratamento." Ela começou por sessões de quimioterapia, sendo necessário permanecer no hospital de quatro a cinco horas. Nessa etapa, ela fez dois ciclos completos do tratamento, mas ao fazer um novo exame de imagem, os médicos disseram que não estavam satisfeitos com sua evolução. "Eles disseram que iriam fazer uma quimioterapia mais pesada com quatro infusões seguidas. Fui quarta, quinta e sexta e no fim de semana descansei. Na quimioterapia mais forte, nenhum pelo ficou, nem na perna, axila, absolutamente nada. Tudo começa a cair", relembra. Nessa segunda etapa do tratamento, ela conta que passou quase 12 horas recebendo remédio na veia e não podia receber a visita de ninguém. Mesmo realizando esse cuidado mais intenso, ela acordou no outro dia com muita dor na gengiva e o incômodo aumentava. "Quando foi meia noite era uma dor alucinante e quando fui olhar no espelho estava cheio de pontinhos roxos na minha gengiva", relembra. Passado algumas horas, Fernanda relembra que o quadro piorou e ela apresentou um quadro de necropenia. "Eu estava com muita dor e a minha vontade era bater a cabeça na parede. Me deram remédios, uns 'primos' da morfina e até o médico se assustou. Ele disse que eu estava tendo uma necrose na gengiva e que nunca tinha visto isso, mas foi um efeito da quimioterapia", diz. No fim de dezembro, os médicos disseram que ela não estava respondendo bem ao tratamento e que o mais indicado seria a imunoterapia. Esse tipo de tratamento consiste em ativar o próprio sistema imunológico do paciente. Porém, cada dose custa em torno de 40 mil reais e não é facilmente disponibilizada pelo SUS. "O linfoma tinha brotado de novo e comecei a me sentir fraca novamente. Num espaço de uma semana, tinha vários linfomas", relembra Fernanda. Por causa disso, ela precisou dar entrada em seu plano de saúde e iniciou o novo tratamento. A partir da segunda infusão, ela não sentia mais nenhum caroço no pescoço e, aos poucos, foi evoluindo e tendo um melhor prognóstico. Passado quase um ano e meio do início dos primeiros sintomas, Fernanda conta que realizou um novo exame mês passado, a doença praticamente desapareceu e há apenas um linfonodo debaixo da axila. Ela segue em tratamento com imunoterapia e está na décima infusão— serão 24. A estudante vai ter um ano de acompanhamento para consolidação do tratamento e depois supervisão médica. "Me sinto bem melhor. Hoje eu malho, consigo levantar 70 quilos e antes não conseguia nem lavar o cabelo. A imunoterapia é incrível", diz, radiante. Mesmo sendo jovem, ela conta que não imaginava que poderia ter um câncer. Conversando com os médicos para investigar o que pode ter originado a doença, ela diz que no seu caso há muitas hipóteses. Pessoas que têm o vírus Epstein-Barr — transmitido diretamente pela saliva — são mais suscetíveis à doença e Fernanda descobriu que tinha esse vírus, mesmo sendo comum em diversas pessoas adultas. Por causa disso, ela faz um apelo para que os jovens não descuidem dos sinais dados pelo corpo, façam exames periódicos e invistam em hábitos saudáveis. "A gente nunca pensa que vai ter câncer. Isso nem passa pela nossa cabeça. Eu nunca fui uma pessoa que se exercitou e malhou. Reforço a importância de fazer um check up anual. É algo que precisa ser feito", alerta. Por fim, ela ainda ressalta a importância de consultar mais médicos ao apresentar sintomas estranhos. "Não se satisfaça com uma opinião só. Procure uma terceira opção, eu tive que procurar seis médicos até chegar numa opção certa. Demorei cinco meses para obter o meu diagnóstico." Embora estivesse em um estágio avançado, o câncer descoberto por Fernanda tinha grandes chances de remissão. Isso porque, mesmo estando espalhado pelo corpo todo, esse tipo de tumor tem um prognóstico positivo. "É uma doença que é importante frisar que não importa o estadiamento dela, vai ter boas chances de cura", diz o especialista do A.C.Camargo Cancer. O nível do tumor vai determinar a linha terapêutica oferecida ao paciente. Quando o câncer está na fase precoce (estadiamento 1 e 2) é indicado radioterapia. Já nos mais avançados (estadiamento 3 e 4) recomenda-se quimioterapia. Quando a doença persiste, mesmo que seja raro, os médicos indicam imunoterapia, assim como ocorreu com Fernanda, ou até mesmo transplante de medula óssea. "O linfoma de Hodgkin é curável na grande maioria dos casos, mais de 88 a 92% em doença localizada. É considerada o maior sucesso da oncologia moderna", destaca Perini. Mesmo com o nível alto de cura, os especialistas ressaltam a importância de investigar sinais que fogem da normalidade. "Se tem algum sintoma persistente que procure assistência médica. Se tiver com um gânglio aumentado que não passa há um ou dois meses é bom investigar", conclui o especialista do hospital Albert Einstein.
2022-12-15
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63900458
brasil
O que se sabe sobre a megaoperação ordenada por Alexandre de Moraes contra atos antidemocráticos
Cumprindo ordens do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal (PF) realiza uma megaoperação nesta quinta-feira (15/12) contra pessoas suspeitas de envolvimento em atos antidemocráticos, como o bloqueio dezenas de rodovias pelo país logo após o resultado da eleição presidencial, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL). A operação ocorre um dia após Moraes afirmar que "ainda tem muita gente para prender e muita multa para aplicar" durante um evento em Brasília, quando falava sobre a repressão a movimentos antidemocráticos. Confira a seguir o que se sabe até o momento e o contexto por trás da operação. A operação foi deflagrada por duas decisões de Moraes que estão em sigilo, mas algumas informações foram liberadas pelo STF. O ministro determinou 103 medidas de busca e apreensão e quatro ordens de prisão, além de quebras de sigilo bancário e apreensão de passaportes. Fim do Matérias recomendadas Houve também medidas contra pessoas com porte de armas, com a suspensão de certificados de registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CACs). Segundo o STF, também foi determinado o bloqueio de contas bancárias e de 168 perfis em redes sociais de dezenas de indivíduos suspeitos de organizar e financiar atos pela abolição do Estado Democrático de Direito e outros crimes. "Os grupos propagaram o descumprimento e o desrespeito ao resultado do pleito eleitoral para Presidente e Vice-Presidente da República, proclamado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 30 de outubro último, além de atuar pelo rompimento do Estado Democrático de Direito e instalação de regime de exceção, com a implantação de uma ditadura", informou ainda a Corte por meio de nota. De acordo com a Polícia Federal, os mandados estão sendo cumpridos no Distrito Federal e em oito Estados: Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo. A operação é tida como a maior já realizada contra financiadores de atos antidemocráticos. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Moraes é o ministro relator de inquéritos que investigam atos antidemocráticos e a atuação de milícias digitais na propagação de notícias mentirosas que atentem contra o Estado Democrático de Direito. As duas decisões ocorreram no âmbito dessas investigações. No caso da investigação sobre atos antidemocráticos, foram expedidos nesta quinta-feira 80 mandados de busca e apreensão contra grupos que atuaram no financiamento de bloqueios de rodovias e em manifestações em frente a quartéis das Forças Armadas. Esses dois tipos de manifestação, que vêm ocorrendo em diversas cidades após a eleição de Lula, questionam o resultado do pleito e pedem algum tipo de intervenção que impeça a posse do petista. Segundo o STF, a operação autorizada por Moraes se baseou em uma rede de investigação formada por relatórios de inteligência enviados pelo Ministério Público, pela Polícia Civil, pela Polícia Militar e pela Polícia Rodoviária Federal dos Estados. "Os documentos identificaram patrocinadores de manifestações, de financiadores de estruturas para acampamentos, arrecadadores de recursos, lideranças de protestos, mobilizadores de ações antidemocráticas em redes sociais, além de donos de caminhões e veículos que participaram de bloqueios", detalhou a Corte. Essa investigação apura a atuação de três grupos suspeitos de envolvimento no crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, previsto no artigo 359 do Código Penal. Um dos grupos é composto por supostos líderes, organizadores, financiadores, fornecedores de apoio logístico e estrutural para os bloqueios de rodovias. O segundo grupo envolve proprietários e condutores de caminhões suspeitos de participar dos atos antidemocráticos e que foram autuados pela prática de infrações de trânsito de natureza grave ou gravíssima. O terceiro grupo inclui proprietários e condutores de veículos que apoiaram os atos, com o transporte de pneus a serem queimados, estrutura para barracas, transporte de banheiros químicos, dentre outras ações. No caso da investigação que apura a atuação de milícias digitais, as ações se concentraram no Espírito Santo. Lá, foram cumpridas 23 medidas de busca e apreensão envolvendo 12 pessoas, a partir de informações do Ministério Público do Espírito Santo, além de quatro prisões preventivas para manutenção da ordem pública, apreensão de passaportes e decretação de afastamento do sigilo bancário e sigilo telemático. "As suspeitas são de crimes contra a honra (artigos 138, 139 e 140), além do crime de incitação ao crime (art. 286) e da tentativa de golpe de Estado (artigo 359-M), todos previstos no Código Penal", detalhou o STF. Não foram divulgados nomes pelo STF ou a PF, mas já se sabe que, entre os alvos das medidas no Espírito Santo, estão os deputados estaduais Carlos Von Schilgen (Democracia Cristã) e Capitão Assumção (PL). "Em relação a dois deputados estaduais investigados, o ministro determinou a imposição de medidas cautelares, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de deixar o estado, proibição de uso de redes sociais ainda que por interpostas pessoas, proibição de concessão de entrevistas de qualquer natureza e de participação em qualquer evento público em todo o território nacional. Em caso de descumprimento, há previsão de multa diária de R$ 20 mil", informou o STF. Após a operação, o Capitão Assumção protestou em suas redes sociais e repetiu que Lula não irá tomar posse, referindo-se ao petista como "ladrão". "URGENTE. PF na minha casa e no meu gabinete a mando de Alexandre de Moraes. Pratiquei o terrível crime de LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. #OLadraoNaoVaiSubirARampa", escreveu no Twitter Assumpção, em referência ao momento em que o presidente eleito sobe a rampa do Palácio do Planalto para tomar posse do cargo. Já Carlos Von Schilgen negou envolvimento em atos antidemocráticos, em fala ao portal G1. "Eu nunca participei de nenhum ato, nunca fui a nenhuma manifestação justamente para não criar esse tipo de narrativa", disse. "Nunca me posicionei nas minhas redes sociais e nem mesmo na tribuna da Assembleia. Inclusive, nunca contestei nenhum resultado das eleições. Por isso, não entendo por que meu nome está envolvido nisso. Vão ter que provar o que estão dizendo. Essa historinha não vai prosperar", afirmou ainda. Os inquéritos que investigam atos antidemocráticos e a atuação de milícias digitais têm atingido, principalmente, aliados e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que, desde antes da eleição, têm realizado atos ou propagado informações que contestam a lisura do sistema eleitoral brasileiro — sem apresentar provas que sustentem essas acusações. Mesmo antes do pleito, Moraes determinou prisões, o bloqueio de contas bancárias e a suspensão de contas em redes sociais de apoiadores do presidente. O presidente e seus aliados acusam Moraes de agir com autoritarismo. Já os que apoiam o ministro dizem que sua atuação é essencial para a proteção do regime democrático. Na quarta-feira (14/12), durante o evento "STF em Ação", Moraes afirmou que "tem muita gente para prender e muita multa para aplicar". Sua declaração se deu após o ministro do STF, Dias Toffoli, comentar a repressão à invasão do Capitólio (o Congresso dos Estados Unidos) em janeiro de 2021, por apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump, que não aceitavam a eleição do atual presidente, Joe Biden. Segundo Toffoli, 964 pessoas nos EUA já foram detidas e acusadas de crimes, sendo que 465 fizeram acordos e se declararam culpadas. "Comparando os números, eu fiquei feliz com o que o ministro Dias Toffoli falou porque tem muita gente para prender e muita multa para aplicar. Quando se critica algo temos que entender quando isso começou a existir. No Brasil, diferente de outros países, a crítica é pela crítica. Todos devemos lembrar que (Adolf) Hitler tomou o país ganhando a eleição", disse Moraes, após a fala de Toffoli, em referência ao líder alemão que instaurou o regime nazista na Alemanha na década de 30 do século passado. A três semanas da posse presidencial, a região central de Brasília foi palco de atos graves de vandalismo na noite de segunda-feira (12 /12), com ônibus e carros incendiados. Os distúrbios foram atribuídos a bolsonaristas que estão há semanas acampados em Brasília contra a eleição de Lula. O estopim foi a prisão temporária do indígena José Acácio Serere Xavante, por ordem de Moraes, sob a justificativa de que ele teria convocado pessoas armadas a atuarem para impedir a diplomação do petista e do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, cerimônia que ocorreu na segunda-feira de tarde e habilita os dois a tomarem posse no dia 1º de janeiro. Pelo que se sabe até o momento, a operação desta quinta-feira não tem relação com esses atos, que ainda estão em fase de investigação. A Polícia Militar do Distrito Federal foi alvo de críticas porque não houve qualquer prisão durante a ação de repressão para conter o vandalismo. Na quarta-feira (14/12), Moraes fixou um prazo de 48 horas para que o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, expliquem quais foram as medidas adotadas contra os atos de vandalismo em Brasília.
2022-12-15
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63990040
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Fim do Orçamento Secreto? O que está em jogo no STF
Esta reportagem foi publicada originalmente em 7 de dezembro de 2022 e atualizada em 14 de dezembro de 2022. Alvo de intensa controvérsia durante o governo de Jair Bolsonaro, o chamado Orçamento Secreto é objeto de um julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte avalia se a gestão de dezenas de bilhões de reais do Orçamento federal de forma pouco transparente por parlamentares fere princípios constitucionais. A expectativa é que a maioria dos ministros se posicione contra o atual funcionamento do uso desses recursos, formalmente chamados de emendas do relator-geral, em referência ao parlamentar que relata a lei orçamentária. Relatora das ações que questionam essas despesas, a ministra Rosa Weber, presidente do STF, foi a primeira a votar nesta quarta-feira (14/12). Ela se posicionou pelo fim do chamado Orçamento Secreto e determinou que em até 90 dias seja dada total transparência aos gastos já efetuados entre 2020 e 2022. Para a ministra, o atual uso das emendas de relator subverteu a lógica da independência entre os Poderes, na medida em que parlamentares passaram a definir o destino de verbas dos ministérios. Fim do Matérias recomendadas Ela propôs que a Corte proíba o uso dessas emendas para criação de novas despesas e que as emendas do relator-geral sirvam apenas para a "correção de erros e omissões" no projeto de lei orçamentária anual, como ocorria antes da criação do chamado Orçamento Secreto. O julgamento será retomado na quinta-feira (15/12) com o voto dos demais ministros. Há dois caminhos mais prováveis: ou o STF determinaria o fim dessas emendas, ou autorizaria sua continuidade desde que sejam adotadas novas regras que ampliem, por exemplo, a transparência e o planejamento na aplicação dos recursos. Há ainda a possibilidade de que algum ministro peça vista (mais tempo para analisar as ações), o que suspenderia o julgamento. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Na tentativa de evitar que a Corte derrube totalmente o uso das emendas de relator, a cúpula do Congresso apresentou na segunda-feira (12/12) uma proposta de resolução que cria novas regras para essas despesas, prevendo critérios mais objetivos e igualitários para a aplicação dos recursos pelos parlamentares, além da obrigação da transparência sobre como o dinheiro está sendo aplicado. A resolução pode ser submetida à votação em sessão conjunta do Senado e da Câmara dos deputados nesta quinta-feira. Rosa Weber elogiou a iniciativa, mas disse que a proposta não impedia o julgamento no STF. Na sua visão, a resolução confirma a improbidade da forma como essas despesas têm sido executadas. "Não se sabe quem são os parlamentares integrantes do grupo privilegiado (que recebe maior acesso à gestão das emendas de relator-geral), não se conhecem as quantias administradas individualmente, não existem critérios objetivos e claros para a realização das despesas, tampouco observam-se regras de transparência na sua execução", criticou a ministra, em seu voto. O chamado Orçamento Secreto se tornou peça fundamental na formação de uma base de apoio ao governo de Jair Bolsonaro no Congresso. Já o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, fez duras críticas ao mecanismo durante a campanha presidencial. Caso as emendas do relator-geral acabem, porém, pode ser que parlamentares pressionem o futuro governo por outro tipo de compensação, em forma de cargos e verbas, em troca do apoio às pautas de interesse do Palácio do Planalto no Congresso. Por isso, dentro do PT há quem considere melhor que as emendas de relator-geral continuem com novas regras e transparência, do que sejam extintas. Entenda em cinco pontos o que esperar do julgamento e suas possíveis implicações. O "orçamento secreto" é o apelido que se deu a um mecanismo orçamentário conhecido como emenda de relator-geral. Anualmente, o Congresso Nacional precisa aprovar uma lei com a previsão de gastos do governo federal no ano seguinte. Ela é chamada de Lei Orçamentária Anual (LOA). Ela determina qual será a verba destinada para cada órgão do governo. Parte dessas despesas é obrigatória, como o salário dos servidores. Outra parte é discricionária. Isso significa que é o governo quem decide em quais obras, projetos ou programas os recursos serão aplicados. Apesar disso, existe uma parcela do orçamento federal que é destinada de acordo com o Congresso Nacional. Essa destinação é feita por meio das chamadas emendas parlamentares. É por meio delas que deputados e senadores enviam recursos para investimentos nas regiões onde ficam as suas bases eleitorais. Até 2020, a maior parte das verbas que ficavam sob o controle do Congresso Nacional era destinada por meio das emendas individuais. Neste tipo de emenda, os valores são divididos igualmente entre os deputados e tanto a autoria quanto os projetos que receberam esses recursos são públicos. Em 2020, porém, o Congresso ampliou o volume de recursos destinados a um outro tipo de emenda: as emendas de relator-geral. O relator-geral é o parlamentar responsável pela elaboração do projeto de lei do orçamento da União. Em 2021, reportagens do jornal O Estado de S. Paulo revelaram que bilhões de reais foram destinados a diversos programas do governo por meio das emendas do relator-geral. A diferença é que, ao contrário do que acontecia nas emendas individuais, em que todas as informações sobre a autoria e destinação ficavam visíveis, nas emendas de relator-geral, os seus reais autores não apareciam. Por isso o apelido "orçamento secreto". Pelo fluxo revelado nas reportagens, os parlamentares enviavam as suas sugestões de emendas para o relator e, depois disso, ele aparecia como o responsável pelas destinações, impossibilitando a identificação e a conexão entre os autores e os destinatários dos recursos. Na prática, a negociação desses recursos passa pelas principais lideranças do Congresso, em especial os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Especialistas em transparência governamental criticam o dispositivo sob o argumento de que ele favorece a ocorrência de casos de corrupção. A Polícia Federal já abriu investigações para apurar supostos desvios envolvendo a destinação de verbas públicas por meio de emendas do "orçamento secreto", como no caso em que cidades do interior do Maranhão teriam inflado gastos com saúde para receber mais desses recursos. Desde 2020, ao menos R$ 45 bilhões foram empenhados - ou seja, reservados para pagamento - em gastos com as emendas de relator-geral. Para 2023, a proposta de lei orçamentária enviada ao Congresso pelo atual governo prevê cerca de R$ 19 bilhões para essa despesa. Os partidos Cidadania, PSOL e PV acionaram o Supremo no ano passado contra o chamado Orçamento Secreto, solicitando que a Corte declare o mecanismo como inconstitucional. Nas ações, os partidos argumentam que as emendas do relator ferem princípios da Constituição como os da publicidade, da moralidade e da impessoalidade na administração pública, na medida em que as verbas estariam sendo distribuídas sem transparência e de forma desigual entre os parlamentares, segundo negociações de interesse político. "A prática retirou a possibilidade de efetiva fiscalização e controles externo e social, elementos constitucionais obrigatórios dos orçamentos e de qualquer gasto público", argumenta ainda trecho da ação apresentada pelo PSOL. Parlamentares a favor das emendas do relator-geral, por sua vez, rebatem as críticas dizendo que deputados e senadores saberiam melhor que os ministérios onde aplicar os recursos federais, pois têm contato mais direto com a população. Especialistas em gastos públicos, porém, dizem que na verdade os congressistas costumam privilegiar seus interesses eleitorais ao definir a destinação dos recursos. Em manifestação ao STF, Senado e Câmara voltaram a usar o argumento, defendendo as emendas como forma de descentralizar as políticas públicas. "Essa nova conformação representa uma importante ampliação da influência do Poder Legislativo na alocação de recursos orçamentários e na descentralização de políticas públicas a pequenos e médios municípios, atendendo o interesse público. É uma escolha democrática, aprovada pelas Casas do Congresso Nacional e referendada pelo Chefe do Poder Executivo", diz o documento. A relatora dessas ações é a ministra Rosa Weber, atual presidente do STF. Em novembro de 2021, ela tomou uma decisão provisória suspendendo o Orçamento Secreto e determinando que fosse dada total transparência a esses gastos. Após o Congresso definir novas regras de divulgação dessas despesas, os pagamentos foram liberados no mês seguinte por decisão de Weber, depois confirmada pela maioria da Corte. Para atender o STF, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso criou um portal em que os pedidos passaram a ser registrados. Mas, para especialistas em transparência, a ferramenta ainda é insuficiente. Um dos problemas apontados é que é possível inserir como autor do pedido não apenas nomes de parlamentares, mas também pessoas, entidades e órgãos de fora do Congresso. A organização Contas Abertas fez um levantamento dos dados disponíveis e encontrou uma série de inconsistências. "Dentre os R$ 12,3 bilhões das indicações dos 'autores', cerca de R$ 4 bilhões, ou seja um terço das indicações, são atribuídas a 'usuários externos'. Dentre os usuários externos, existe um classificado simplesmente como 'assinante', que indicou R$ 23,6 milhões em emendas de relator", exemplificou o economista Gil Castello Branco, diretor da organização Contas Abertas, em resposta a uma reportagem da BBC News Brasil de setembro. Outro problema, acrescentou Castello Branco na ocasião, é que esses dados continuam fora dos sistemas que permitem fiscalizar melhor os gastos do governo federal, como Siga Brasil e Portal da Transparência. Como a controvérsia permanece, agora o Supremo vai analisar o mérito das ações que questionam o chamado Orçamento Secreto - ou seja, a expectativa é que a Corte tome uma decisão mais definitiva sobre o tema. As decisões preliminares sobre o tema já mostraram que a maioria da Corte tem críticas ao atual funcionamento das emendas do relator. Dessa forma, é esperado que o STF, no mínimo, determine mudanças no funcionamento dessa despesa, como obrigar a total transparência dos gastos. Outra opção seria a Corte decidir pelo fim das emendas de relator. Há ainda a possibilidade de um ministro pedir vista das ações para analisar melhor o tema, o que suspenderia o julgamento. No entanto, caso isso ocorra, Rosa Weber estaria pronta para dar uma nova decisão provisória bloqueando as emendas do relator-geral, segundo apuração do portal G1. Durante a campanha, Lula fez duras críticas ao chamado Orçamento Secreto e atacou o que seria um excesso de poder nas mãos de Arthur Lira. No entanto, após eleito, o petista decidiu apoiar a reeleição de Lira no comando da Câmara em fevereiro, já que sua vitória parece inevitável. Segundo o jornal O Globo, nos últimos dias o presidente eleito teria conversado com alguns ministros do STF e deixado claro seu interesse no fim das emendas de relator. Nos bastidores, porém, há dúvidas sobre se seria possível o futuro presidente manter uma boa relação com o Congresso sem ceder parte do Orçamento federal para gestão dos parlamentares. Na bancada do PT, há parlamentares que defendem que o ideal seria manter as emendas do relator, com novas regras. Além de dar total transparência ao uso dos recursos, a ideia seria que o governo direcionasse melhor a aplicação dessas verbas, de acordo com áreas prioritárias. Dessa forma, em vez de os parlamentares terem ampla liberdade para definir a destinação das emendas, eles teriam que optar pela aplicação dos recursos dentro de alguns programas específicos do governo federal. "O Congresso aumentou sua influência sobre o Orçamento. É muito difícil isso retroagir. Então, se o Supremo impedir que haja essa emenda de relator de forma absoluta, ele vai criar um problema com o Congresso. O que a gente é a favor é da transparência e da equitatividade (distribuição igualitária das verbas entre os parlamentares)", disse à BBC News Brasil um parlamentar petista.
2022-12-14
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brasil
Pessoas com doenças graves têm direito a benefícios; veja quais são e como obtê-los
Todas as pessoas acometidas por doenças que a deixem incapacitadas para o trabalho e que tenham contribuído ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no mínimo, pelo período de 12 meses, têm direito de receber um benefício previdenciário mensalmente, inclusive, o 13º salário. São eles: auxílio por incapacidade temporária (mais conhecido como auxílio-doença) e auxílio por incapacidade permanente (conhecido como aposentadoria por invalidez). "Pessoas acometidas por doenças graves, como o câncer, não precisam comprovar a contribuição mínima de 12 meses-- que é o que chamamos de carência, mas, deverão comprovar, além da doença incapacitante, que contribuíram no último ano antes de adoecer", explica a advogada previdenciarista, Lísia Daniella Ferro. O valor é calculado a partir da média das últimas 12 contribuições feitas pelo beneficiário, sendo que o menor valor do benefício será o salário mínimo vigente e o valor máximo deverá respeitar o teto do INSS que, atualmente, equivale a R$ 7.087,22. "As pessoas que começaram a trabalhar, mas que ainda não somaram um ano de contribuição, terão esse histórico considerado, mas, provavelmente, ficarão limitadas a receber um salário-mínimo por conta do cálculo. Ninguém recebe menos que isso", afirma Ivandick Rodrigues, advogado e professor de direito trabalhista e previdenciário da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Já em relação ao tempo, o benefício deverá ser concedido enquanto durar a incapacidade de trabalho para as concessões temporárias. Mas em eventos de concessão por incapacidade permanente, este deverá ser reavaliado pelo INSS a cada 2 anos para comprovar a continuidade da invalidez. Fim do Matérias recomendadas Por outro lado, se a pessoa se recuperar e tiver capacidade de voltar ao trabalho, mas seguir recebendo o benefício, o INSS tem direito de processar esse paciente e requerer seu dinheiro de volta, pago em período indevido. Em casos específicos de doenças graves, há a inserção de algumas doenças raras incapacitantes, que também dão direito à isenção de carência na concessão dos benefícios previdenciários. Contudo, se solicitado ao INSS e for negado, o benefício poderá ser obtido mediante processo judicial, assim como outros direitos que esses pacientes têm, como o custeio de medicações e alimentação diferenciada. O professor de direito trabalhista e previdenciário da Universidade Presbiteriana Mackenzie explica que a carência funciona como uma espécie de investimento. Por isso, as pessoas não podem solicitar o benefício com uma doença pré-existente. "A concessão do benefício está condicionada a uma avaliação médica, então, essas pessoas, necessariamente vão passar pela perícia. Não é só porque foi dado o diagnóstico que a perícia se torna dispensável, ao contrário, ela é fundamental", ressalta o professor. Atualmente, essas doenças graves são: Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Essa lista, porém, é apenas um exemplo básico do que não pode ser desconsiderado pelo INSS, tanto que o Ministério da Saúde e do Trabalho e Previdência podem acrescentar outras doenças. Ferro conta que já existem decisões dos tribunais de Justiça brasileiros que admitem que essa lista tem caráter exemplificativo. "Ou seja, outras doenças, se demonstrado o grau de gravidade, podem dar direito à isenção da carência, mas precisarão de decisão judicial para condenar o INSS a pagar o benefício", diz a advogada previdenciarista. Vale ressaltar também que o direito é das pessoas portadoras de enfermidades que estão incapacitadas de trabalhar. Isso significa que a doença, por si só, não dá direito ao benefício, mas sim a doença incapacitante. Por outro lado, pessoas que não contribuíram com o INSS, como crianças ou trabalhadores informais, mas que comprovem a existência de impedimento de longo prazo, isto é, de doenças que as incapacitem por no mínimo 2 anos, e que pertençam a uma família de baixa renda, que ganha menos de 1/4 de salário mínimo per capita (salvo raras exceções), podem obter um Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de 1 salário mínimo por mês, sem direito a 13º salário. "Além da questão da doença, normalmente, a pessoa terá que comprovar a impossibilidade de contribuir junto ao INSS e, consequentemente, pleitear algum benefício junto a assistência", diz o professor universitário. Ele foi solicitado pela professora Simone Guedes Inácio, 49, em 2017, quando seu filho, Kauã Henrique, na época com 7 anos, foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin, um tipo de câncer que se origina no sistema linfático - uma parte do sistema imunológico, de defesa do organismo. Entretanto, não foi fácil conseguir. "Eu só descobri que ele tinha direito a esse benefício depois de uns quatro meses que já estávamos na casa de apoio, porque uma das mães comentou que recebia. Mas nem a assistente social do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc) comentou que ele tinha algum direito. Até então, eu só sabia que tinha direito de receber pessoas idosas, mesmo que elas não tivessem contribuído com o INSS", relata Simone. Na época, foi um alívio saber que ele também poderia receber, já que a mãe havia deixado o restante da família, casa e trabalho em São Vicente (SP), para acompanhar o filho durante o tratamento em uma casa de apoio em São Paulo, capital. "Eu dei entrada em 2017 e consegui o benefício em 2018. Eu levei um relatório médico com a doença bem especificada e quais medicamentos ele estava usando, mas demorou um pouco, porque antes mesmo de ele ter passado na perícia, o benefício foi negado", conta a mãe. Frente a essa situação, Simone não se conformou e buscou ajuda no conselho tutelar de sua cidade. A conselheira, por sua vez, emitiu um ofício que foi entregue diretamente à assistente social do INSS, que recebeu a documentação e, depois de pouco mais de um mês, foi agendada a perícia médica. "E foi a partir daí que nós passamos a receber o benefício assistencial. Mas eu tenho uma amiga que precisou entrar na Justiça e até hoje não recebeu, e isso já faz 4 anos. E muitas outras também não receberam", desabafa a professora, afirmando que mesmo a mãe tendo que se dedicar 100% ao filho doente e não podendo trabalhar, muitas vezes, o benefício é negado para as crianças. O INSS foi contatado diversas vezes para elucidar quantas pessoas receberam algum benefício previdenciário ou assistencial desde 2020, mas não tivemos retorno até a publicação dessa reportagem. "Eu vejo o benefício assistencial com bons olhos quando a criança consegue, porque é muita burocracia e humilhação a família ter que ficar correndo atrás de uma coisa que está na lei. E a população, infelizmente, não é informada de tudo que nós temos direito", avalia a mãe, dizendo que, atualmente, o Kauã está em remissão da doença, mas continua recebendo o benefício, porque ainda não recebeu alta médica. "Em regra, só 1 pessoa da família pode receber o benefício assistencial por família. No entanto, se houver mais de uma pessoa idosa ou deficiente que tenha direito ao benefício assistencial, poderá haver mais de 1 benefício no mesmo grupo familiar", esclarece Ferro. Para ficar claro: existem dois mecanismos do Estado diferentes. Um deles é a previdência social que está prevista na constituição, é contributiva e pensada para quem contribui junto ao INSS; o outro é a Lei de Assistência Social-- definida justamente para pessoas excluídas do INSS. "Mas se a pessoa começa a trabalhar registrado, ela perde esse direito, porque demonstra que a doença não gera mais impedimento para o trabalho", explica Rodrigues. Em um segundo cenário, em que não houve prévia contribuição, seja de adulto ou criança, o cidadão pode procurar o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da sua cidade para receber as informações sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e como requerê-lo. Lembrando que para receber o benefício, não é preciso pagar intermediários ou agenciadores. O paciente não escolhe o tipo de benefício que, possivelmente, ele irá receber. A sua natureza, se temporária ou permanente (aposentadoria), será definida, a partir da análise da documentação médica e do estado clínico da pessoa na perícia. O professor de direito lembra que "somente nos casos de incapacidade total ou parcial é que os mecanismos de benefícios serão ativados". Outro ponto comum, segundo os especialistas, é a negativa do INSS para conceder o benefício previdenciário. Nesse caso, a única saída é a pessoa procurar um advogado particular ou a Defensoria Pública da União para analisar o seu direito e, se for o caso, judicializar a questão, o que vale também para o BPC. Previsto em lei, pacientes atendidos na rede pública ou conveniada/contratada do Sistema Único de Saúde (SUS) que dependem de tratamento fora de seu domicílio têm direito de receber uma ajuda de custo para garantir os deslocamentos necessários, seja em ambulâncias ou não. Esse benefício é chamado de Tratamento Fora do Domicílio (TFD), cujo objetivo é arcar com as despesas relativas ao transporte aéreo, terrestre e fluvial do paciente e seu acompanhante, bem como diárias para alimentação e pernoite, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município ou Estado concedente. A solicitação do Tratamento Fora do Domicílio normalmente é feita pelo médico do paciente e, se negado, ele também pode solicitar na própria Secretaria de Saúde Municipal. A autorização, porém, depende do gestor municipal ou estadual. "Realizada a solicitação de saque, a documentação comprobatória do estado de saúde do trabalhador é analisada pela perícia médica federal num prazo de 30 (trinta) dias úteis, para que então a Caixa possa realizar a análise de mérito do pedido e, se for o caso, efetivar o saque", disse o banco em nota enviada à BBC News Brasil. Só neste ano de 2022, a Caixa apontou que houve saques do FGTS que somaram R$ 796.633.202,86. Por fim, o professor de direito do Mackenzie ressalta que pessoas com doenças graves ou raras têm vários outros direitos. "Na parte tributária, por exemplo, seria possível abater determinadas despesas do imposto de renda ou até mesmo isentá-las completamente; comprar casa ou carro com desconto, ter isenção de IPVA. Mas tudo vai depender da doença incapacitante, da idade, ou se a pessoa é Pessoa com Deficiência (PcD).
2022-12-14
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brasil
Como Santa Catarina foi de Estado eleitor de Lula a reduto bolsonarista
A depender de Santa Catarina, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seria eleito presidente com tranquilidade no primeiro turno. Esta frase, que hoje parece saída de uma página de notícias falsas, já foi verdadeira. Pelo menos em 2002. 20 anos depois, Santa Catarina de 2022 pouco se parece com o Estado do início do século 21, pelo menos em termos de preferências eleitorais. No primeiro turno das eleições de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro (à época no PSL) conseguiu 65,82% entre os catarinenses, a sua maior vitória em todo o país no primeiro turno. Em 2022, o presidente manteve uma votação expressiva: 62,21%. Fim do Matérias recomendadas Entre os motivos apontados para a afinidade entre catarinenses e bolsonarismo estão o "tradicionalismo/conservadorismo" num Estado sem grandes metrópoles e a valorização do "mérito pessoal", que chegou com os imigrantes europeus na região. (Leia mais abaixo) Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Mesmo com a vitória expressiva de Lula em 2002, não é possível dizer que o eleitorado de Santa Catarina era de "esquerda", explica o cientista político Jean Castro, professor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). "É possível que o eleitorado catarinense em 2002 já fosse, de forma majoritária, culturalmente conservador e favorável ao discurso liberal ancorado no valor do trabalho e do mérito pessoal", diz o pesquisador, se referindo à ideologia encampada pelo grupo de Bolsonaro. "Mesmo assim votaram no Lula em 2002 porque queriam mudança, pois o segundo governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) terminou com uma situação econômica difícil". De acordo com Castro, o chamado "voto econômico" pesou mais naquele pleito, já que não havia uma polarização ideológica tão clara entre o então presidente FHC, que apoiou José Serra (PSDB), e o então candidato Lula. "Naquele contexto, com baixa polarização, a maioria do eleitorado não votou motivado por coerência ideológica, e o eleitorado catarinense deu seu voto de confiança para Lula." Candidato a governador pelo PT em 2002, José Fritsch quase chegou ao segundo turno naquele ano: teve 27% dos votos — acabou ficando de fora na disputa entre Esperidião Amin (PPB, com 30%) e Luiz Henrique da Silveira (PMDB, com 39%). Para o político, o grande número de votos recebidos se deve também à chamada "Onda Lula", que, naquele ano, fez o PT ampliar a presença no Congresso. Em Santa Catarina, por exemplo, a petista Ideli Salvatti foi eleita a senadora mais bem votada da história. "Havia uma organização de base do PT, com a força dos movimentos sindicais, especialmente dos professores estaduais, o Movimento Sem Terra, dos Atingidos Por Barragem" diz Fritsch, que foi prefeito de Chapecó entre 1997 e 2002, uma das maiores cidades do interior catarinense. "Naquela época, os conservadores aqui nos toleravam porque de fato nós conseguimos resolver muitos problemas. Então o PT organizado, conseguindo governar duas grandes cidades, pesou positivamente", avalia Fritsch, também citando a gestão do petista Décio Lima em Blumenau. Jean Castro, da UFSC, explica que o ano 2002, com protagonismo petista, foi "atípico", já que desde a redemocratização, a disputa política no Estado se deu entre políticos ligados ao MDB e os descendentes da Arena (PFL/DEM, PDS/PP), o partido que dava sustentação ao regime militar. Nas eleições de 2006, os catarinenses já migraram com força para o outro lado do campo político. Naquele ano, Geraldo Alckmin teve 57,2%, no Estado já no primeiro turno, a maior vitória do tucano no Brasil. Na análise de Castro, "a confiança se quebrou a partir das denúncias de corrupção do mensalão, em 2005". "Daí em diante, o antipetismo começou a crescer na esteira dos escândalos de corrupção, e foi turbinado pela Lava Jato, que expôs a corrupção não apenas do PT, mas do sistema político como um todo, levando ao crescimento de um sentimento 'antissistema' e 'antipolítica'". Com a onda de protestos de 2013 e o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, o cientista político explica que "grupos liberais e conservadores", antes uma "massa confusa", se organizaram na oposição à esquerda. Do lado do PT, José Fritsch diz que, após a chegada de Lula ao poder em 2002, "o PT deixou de se preocupar com organização partidária de base", principalmente nas cidades do interior, abrindo espaço para outras forças políticas. Santa Catarina é o único Estado brasileiro onde a maior cidade fica no interior, e não na capital ou região metropolitana. Com cerca de 600 mil habitantes (ou seja, do mesmo porte de Londrina (PR) ou Juiz de Fora (MG)), Joinville, no norte, tem população maior que Florianópolis. E há muitas outras cidades de relevância no interior, como Blumenau, Chapecó e Criciúma. Castro explica que essa característica se deve uma "colonização de povoamento, que resultou em uma população bem distribuída pelo Estado". Ou seja, não há uma população concentrada em grandes metrópoles. "É comum que cidades pequenas e médias tenham um grau maior de conservadorismo cultural do que cidades grandes ou metrópoles. Enquanto cidades grandes tendem a ter mais comportamentos sociais liberais e cosmopolitas, cidades menores tendem a ser mais tradicionalistas", diz Castro. Na visão do cientista político, à medida que a pauta de costume (como direito ao aborto, direitos LGBTs e combate ao racismo) ganharam mais protagonismo na esquerda, foi surgindo uma reação daqueles que se sentiam "bem e felizes" com os costumes tradicionais, sobretudo quando "a crítica a esses costumes era feita de forma radical". "Esses fatores ajudam a entender a força do conservadorismo a partir do momento em que os costumes foram politizados", diz Castro. "Um pai de família tradicional, que muitas vezes é um simples trabalhador que tem que suar muito para sustentar família, não vai gostar de ser cancelado como uma pessoa 'do mal', um ícone da dominação heteronormativa patriarcal branca". Outro ponto que explicaria a afinidade do eleitor catarinense com o bolsonarismo seria o econômico. O Estado apresenta alguns dos melhores índices do país, como taxa de desemprego e desigualdade social. "Esses fatores indicam que em Santa Catarina, em comparação com outras regiões do país, há um menor número de pessoas que dependem do Estado para sobreviver, o que ajuda a manter vivo o discurso liberal do trabalho e do mérito pessoal", diz o cientista político. Para ele, esse é um discurso que chegou na região junto com a cultura de muitos imigrantes europeus que povoaram o Estado. "Por isso, o discurso 'conservador nos costumes e liberal na economia' encontra tanto eco no eleitorado catarinense. Que Bolsonaro tenha captado esses votos é uma contingência do momento. Outro candidato que mobilizasse esses valores poderia ter o mesmo sucesso". Apesar do cenário favorável a Bolsonaro, na disputa estadual catarinense em 2022, o petista Décio Lima conseguiu surpreender e ir ao segundo turno, quando acabou perdendo para Jorginho Mello (PL) que ficou com 70% dos votos, deixando para o petista apenas 30% dos votos válidos. Lima acabou se beneficiando no primeiro turno pela grande quantidade de candidatos que buscaram o voto bolsonarista: além de Mello, havia o atual governador Carlos Moisés (Republicanos) , Gean Loureiro (União Brasil) e Esperidião Amin (PP). "Foi uma vitória política, não tanto eleitoral. Mas é fruto de uma memória dos bons tempos do PT no Estado e também do rechaço à gestão dos políticos locais da pandemia. É uma prova que a esquerda ainda existe em Santa Cataria", opina o petista José Fritsch. Ele avalia que mais de 30% do eleitorado catarinense não é tão ideológico. Ou seja, pode votar em partidos de todo o espectro político, a depender da conjuntura do momento daquela eleição. Para o cientista político Jean Castro, da UFSC, um fortalecimento da esquerda vai depender do grau de desgaste e desengajamento do bolsonarismo pós-eleição e do desempenho de ula na volta à Presidência. Ele avalia que o presidente eleito pode retomar sua popularidade no Estado se a economia do Brasil for bem, se escândalos de corrupção não aparecerem e se a agenda de costumes for mais "diplomática", em vez de "identitária". "Nas democracias modernas uma parcela importante do eleitorado não tem tanto interesse por política e não tem coerência ideológica alguma. Oscilam a cada eleição, votando de acordo com fatores circunstanciais, sejam relativos às qualidades pessoais do candidato ou ao chamado voto econômico, quando eleitores tendem a votar 'pela mudança'".
2022-12-14
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63867608
brasil
Manifestantes tentam invadir sede da PF após prisão de indígena bolsonarista
Um grupo de manifestantes tentou invadir a sede da Polícia Federal (PF) e queimou automóveis no estacionamento do local em Brasília, na noite desta segunda-feira (12/12). De acordo com uma nota divulgada pela Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF), os atos ocorreram após a prisão de um líder indígena. O indígena que teria sido o pivô das manifestações é José Acácio Serere Xavante. Há alguns dias, ele ganhou notoriedade em grupos em favor do presidente Jair Bolsonaro (PL) por questionar, sem apresentar provas, a lisura das eleições que elegeram Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A prisão temporária de Serere Xavante foi determinada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A decisão ocorreu após a Procuradoria-Geral da República (PGR) pedir a prisão, argumentando que o líder tem mobilizado indígenas e não indígenas em atos antidemocráticos, inclusive estimulando agressões contra o presidente eleito, o próprio ministro Alexandre de Moraes e seu colega no STF Luís Roberto Barroso. O prazo inicial da prisão é de dez dias. A PF informou que "o preso encontra-se acompanhado de advogados e todas as formalidades relativas à prisão estão sendo adotadas nos termos da legislação, resguardando-se a integridade física e moral do detido". Em nota enviada à BBC News Brasil, a PM-DF relatou a ocorrência de distúrbios: "Após a suposta prisão de um líder indígena, índios tentam invadir o prédio da PF na Asa Norte. A PMDF desloca guarnições para controlar a situação com a aplicação das forças táticas e batalhão de choque. Situação ainda em andamento." Fim do Matérias recomendadas A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) afirmou em nota que "as ações começaram em frente ao edifício-sede da Polícia Federal (PF)" e "se estenderam para outros locais da região central". "Como medida preventiva, o trânsito de veículos na Esplanada dos Ministérios, na Praça dos Três Poderes e outras vias da região central está restrito até nova mudança de cenário, após avaliação de equipe técnica", acrescentou a secretaria. Não há informações oficiais sobre o número de pessoas presas após o protesto ou de feridos. De acordo com a PM-DF, o número de automóveis incendiados também não foi contabilizado. Segundo o portal Metrópoles, o grupo de manifestantes chegou a incendiar um ônibus que passava nas imediações de onde o protesto ocorria. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A sede da PF fica na zona central de Brasília, em frente a um shopping de grande circulação, na avenida W3 Norte. A avenida é uma importante via de ligação entre as asas Sul e Norte da cidade. Pelo Twitter, o senador eleito e apontado como futuro ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB-MA), criticou as manifestações: "Inaceitáveis a depredação e a tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal em Brasília. Ordens judiciais devem ser cumpridas pela Polícia Federal. Os que se considerarem prejudicados devem oferecer os recursos cabíveis, jamais praticar violência política." Em outra publicação, ele disse que a equipe do novo governo estaria "dialogando" com o governo do Distrito Federal. "Temos dialogado com o GDF, a quem compete a garantia da ordem pública em Brasília, atingida por arruaças políticas. A segurança do presidente Lula está garantida. As medidas de responsabilização jurídica prosseguirão, nos termos da lei", disse Dino. As manifestações desta segunda-feira acontecem a pouco mais de duas semanas para a cerimônia de posse de Lula, no dia 1º de janeiro de 2023. A expectativa da organização é de que aproximadamente 300 mil pessoas compareçam ao evento, também em Brasília. No processo do STF que resultou na prisão do líder indígena foram incluídas informações atribuídas à PF de que Serere Xavante realizou atos antidemocráticos em vários locais de Brasília, como nas proximidades do Congresso Nacional, na Esplanada dos Ministérios, no Aeroporto Internacional de Brasília, no Park Shopping e perto do hotel onde estão hospedados Lula e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. Em 2020, Serere Xavante foi candidato a prefeito de Campinápolis (MT) pelo partido Patriota, mas foi derrotado. Segundo informou à reportagem Kassio Eduardo da Silva Coelho, representante do Patriota no Estado, Serere Xavante segue filiado ao partido. Em um documento com propostas entregue ao TSE em 2020, Serere Xavante se apresentou como "pastor Missionário Evangélico e líder indígena xavante de Terra Indígena Parabubure".
2022-12-12
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brasil
Os novos vistos para Portugal que têm atraído brasileiros
Viver em Portugal é "o plano A" do brasileiro Victor Hugo Martins, de 32 anos, que aguarda o resultado do seu pedido de visto para procura de trabalho no país europeu. Ele e o marido, que hoje vivem na Baixada Fluminense, vinham estudando uma mudança para Portugal, mas tinham identificado, no entanto, que não se enquadravam nas categorias de visto disponíveis. Isso mudou no segundo semestre deste ano, quando Portugal disponibilizou a categoria de visto para procura de trabalho. (Veja ao fim desta reportagem as regras dos novos vistos). "Cogitei a hipótese de ir como turista e me legalizar lá, como muita gente faz. Mas eu tinha medo de arriscar e ter muitos obstáculos — porque a gente sabe que a vida de quem vai de forma ilegal é um milhão de vezes mais complicada", disse. "Fiquei bastante feliz quando esse visto entrou em vigor." Eles fizeram os pedidos de vistos em novembro — processo que Victor considera que não foi simples porque "falta informação" sobre a nova modalidade. Fim do Matérias recomendadas Enquanto aguarda a resposta do governo português, o casal, que vive junto há 12 anos, planeja a mudança para a região norte de Portugal no fim de janeiro. "Venho estudando sobre mudar para Portugal desde 2019. E um ano atrás foi quando eu decidi mesmo", diz Martins, que hoje atua como correspondente bancário. Ele atribui o desejo de morar fora do Brasil principalmente à violência e às condições do mercado de trabalho brasileiro. "Portugal pode ser uma porta de entrada para outros lugares. Estou aberto. Mas hoje meu plano A é morar em Portugal", diz Victor. No Gama, região administrativa do Distrito Federal, quem também espera resposta do governo português é a família do paraense Lucas Nascimento, de 28 anos. No caso deles, o pedido foi de visto de "nômade digital". Ele é desenvolvedor de software e presta serviço como pessoa jurídica para clientes no Brasil de forma remota. Nascimento e a esposa planejam mudar em março, com o filho de dois anos, para Braga, no norte de Portugal. "Estamos indo pra começar vida nova mesmo. A gente inclusive já vendeu 70% das nossas coisas", diz. "Nunca morei fora e a gente está se planejando há um ano, eu e minha esposa, para mudar. Eu, ela e nosso filho. A mudança é muito por ele, quero que ele tenha experiência de começar os estudos na Europa." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Os novos tipos de visto para Portugal foram criados neste ano, em um contexto de tentativa do governo de atrair mão de obra e de movimentar a economia do país. A especialista em estudos migratórios Thaís França, pesquisadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, destaca que não se trata de vistos formulados especificamente brasileiros - eles estão disponíveis para outras nacionalidades. "Portugal está a procurar mão de obra qualificada e também está a procurar pessoas que contribuam para a economia do país", diz. "Portugal tem investido na imagem internacional de forma geral. Acontece que no Brasil essa imagem reverbera mais - por relações históricas e migratórias, muitos brasileiros já vêm para Portugal." No caso do visto de procura de trabalho, a especialista diz que Portugal busca regularizar um movimento que já acontecia. "Muitas pessoas vinham como turistas e depois procuravam visto de trabalho. Então o que Portugal está tentando fazer é regulamentar essa possibilidade de entrada já com fins de trabalho - ou seja, criar uma via regular." Embora números oficiais do governo português sobre o total de pedidos de novos vistos não tenham sido divulgados, profissionais que trabalham com diferentes serviços de assessorias para brasileiros que imigram para Portugal relatam grande interesse nas novas modalidades. A empresária Patrícia Lemos, proprietária da consultoria Vou Mudar Para Portugal, que presta serviços para brasileiros que querem se mudar para o país, como Martins e Nascimento, diz que viu crescer a demanda de brasileiros pelos novos tipos de visto. "O volume (de interessados) é imenso", diz ela, que considera três motivadores principais. "Depois da pandemia, muitas pessoas perceberam que podem morar fora. Aí junta a violência que se vive hoje no Brasil. Depois, a conjuntura política - independente do seu posicionamento, hoje infelizmente a gente tem um país extremamente polarizado." O advogado Flávio Martins Peron, que é especialista em procedimentos de vistos de residência, diz que sentiu "um aumento exponencial do interesse dos brasileiros pedindo visto para Portugal". Peron é sócio do escritório Martins & Oliveira Advogados, focado em imigração principalmente para Portugal, que protocola cerca de 70 processos de nacionalidade e 20 de visto de residência por mês. Ele conta que inclusive aumentou a equipe, que tem vinte colaboradores em São Paulo e dez em Portugal. "Para você ter ideia, geralmente as últimas três semanas de dezembro são mais paradas e aí a gente dá férias coletivas para a equipe, mas este ano a equipe toda falou que é impossível a gente tirar férias coletivas esse ano porque o volume está absurdo", diz. "Não compensa tirar férias agora, já que o volume está muito alto. Triplicou o número de interessados nos serviços de vistos para Portugal (em relação aos meses anteriores)." O advogado atribui o aumento da procura aos novos tipos de visto - nômade digital e busca de trabalho - e também à modalidade de Golden Visa, que existe desde 2012 e é voltada para estrangeiros que invistam em Portugal, como pela compra de imóveis. "A alteração da lei (para incluir novos vistos) teve um papel fundamental nessa procura que veio para esse público de busca de trabalho e de nômade digital, mas em outros casos — de aposentados e investidores - também teve um aumento significativo por conta das eleições. Tem muita gente descontente, principalmente o público com poder aquisitivo maior querendo ter uma segunda opção e Portugal foi o escolhido desses brasileiros." Peron alerta para que as pessoas com intenção de imigrar façam um planejamento cuidadoso desse projeto para "não fazer como aventureiro". "A minha dica, principalmente para o público em busca de trabalho, é não fazer de qualquer jeito e se aventurar. É uma mudança de país. Apesar de ser a mesma língua, é uma cultura diferente, uma realidade totalmente diferente. Então tem que fazer planejado, não fazer de qualquer jeito, porque o risco de dar errado é muito alto." Para ter direito ao visto de "nômade digital", Portugal pede a comprovação de uma renda mensal de quatro vezes o salário mínimo do país, que em 2023 passará de 705 euros para 760 euros. Isso significa que a renda mensal a ser comprovada a partir de 2023 será de 3040 euros, cerca de R$ 16,8 mil. "O visto de nômade digital é indicado para quem tem um contrato de trabalho ou uma empresa fora de Portugal — só não pode ser uma empresa portuguesa — e cujo trabalho possa ser feito de forma remota", explica Peron. É possível renovar o visto por até cinco anos — prazo para que, segundo a regra geral, a pessoa tenha direito a pedir nacionalidade portuguesa. Para pedir permissão para procurar trabalho em Portugal, a pessoa precisa comprovar que tem disponível uma verba equivalente a três salários mínimos portugueses (760 euros em 2023), cerca de R$ 12,5 mil. O visto tem validade de 4 meses e é possível renovar por mais dois meses — um total de um semestre para procurar trabalho em Portugal. Se encontrar um emprego nesse período, pode solicitar o título de residência.
2022-12-12
https://www.bbc.com/portuguese/geral-63907917
brasil
TSE ignora atos contra eleição com diplomação antecipada de Lula
Enquanto parte dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) continua contestando o resultado da eleição presidencial em protestos pelo país, as etapas legais para a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avançam. Nesta segunda-feira (12/12), o petista e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), serão diplomados às 14 horas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A diplomação é a cerimônia em que a Justiça Eleitoral atesta que os candidatos foram efetivamente eleitos pelo povo e, por isso, estão aptos para assumirem seus cargos. A posse de Lula e Alckmin ocorrerá no dia 1º de janeiro de 2023. O evento contará com reforço de segurança no entorno do TSE. Segundo o governo do Distrito Federal haverá aumento do efetivo da Polícia Militar na região e bloqueios nas vias de acesso à Corte. Desde a vitória de Lula, apoiadores de Bolsonaro têm se aglomerado em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília, em atos golpistas que pedem a atuação das Forças Armadas contra a posse do presidente eleito. O local fica a menos de nove quilômetros do TSE. Fim do Matérias recomendadas O prazo final para a diplomação é sempre 19 de dezembro. Mas, a pedido da equipe de Lula, o TSE marcou a cerimônia para uma semana antes. O motivo de acelerar essa etapa seria justamente tentar arrefecer os movimentos de contestação da eleição, que não apresentaram qualquer evidência concreta que justifique o questionamento do resultado. A realização da diplomação antes do prazo final, porém, não é novidade. Bolsonaro, por exemplo, foi diplomado no dia 10 de dezembro de 2018, para que pudesse passar por uma cirurgia no dia seguinte. Na ocasião, o presidente eleito ainda enfrentava complicações de saúde devido à facada que levou durante a campanha eleitoral. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Lula, por sua vez, foi diplomado sempre no dia 14 de dezembro nas duas primeiras eleições presidenciais que venceu, em 2002 e 2006. Já as duas diplomações da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ocorreram em 17 de dezembro de 2010 e 18 de dezembro de 2014. Para o advogado especializado em legislação eleitoral Alberto Rollo, a antecipação da diplomação pode ter efeito "psicológico", por determinar o fim do processo eleitoral, mas do ponto de vista jurídico não há diferença em realizar o evento uma semana antes da data limite. Ele explica que a diplomação não é uma mera formalidade e sim uma exigência legal para a realização da posse em 1º de janeiro. Governadores, senadores e deputados federais, estaduais e distritais também passam pela cerimônia, mas recebem o diploma dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) dos seus Estados e do Distrito Federal. O prazo, nesses casos, também é 19 de dezembro. A procuradora Silvana Batini, professora de direito eleitoral da FGV-Rio, tem avaliação semelhante. "No plano político, eu acho que (a diplomação de Lula) tem sim um sinal de avançar nas etapas, que é o que habilita para a posse de forma definitiva. Então, acho que o efeito (da antecipação) é político e não jurídico", afirmou. Na sexta-feira (9/12), Lula começou a apresentar seus futuros ministros. Foram anunciados os titulares da Fazenda (Fernando Haddad, PT), da Defesa (José Múcio], PTB), da Justiça (Flávio Dino, PSB), da Casa Civil (Rui Costa, PT) e das Relações Exteriores (o diplomata Mauro Vieira). Já Bolsonaro, que tem feito raras declarações desde a derrota para o petista, falou na sexta-feira (9/12) com apoiadores no Palácio do Alvorada. Na ocasião, exaltou sua posição de chefe das Forças Armadas e continuou sem reconhecer a vitória do presidente eleito. "Tenho certeza que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são o último obstáculo para o socialismo", afirmou o presidente. "Quem decide o meu futuro, por onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas, são vocês. Quem decide para onde vai a Câmara e o Senado, são vocês também", destacou ainda. A diplomação também marca a reta final dos prazos para contestação do resultado da eleição. Com a cerimônia, se encerra o período para apresentar uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), que busca apurar condutas que possam ter afetado a igualdade na disputa entre candidatos, como o abuso do poder econômico ou de autoridade e o uso indevido dos meios de comunicação social durante a campanha eleitoral. Por outro lado, após a diplomação, há um prazo curto, de quinze dias, para que adversários ou o Ministério Público Eleitoral apresentarem uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime). Essa ação pode levar à futura cassação do mandato caso se prove que a chapa eleita cometeu abuso de poder econômico, corrupção ou fraude durante a eleição. Ambas as ações, porém, podem levar meses ou anos para serem julgadas e não impedem a posse do candidato eleito ao serem apresentadas. Se o PL, partido de Bolsonaro, quiser levar adiante os questionamentos sobre a lisura da eleição, ainda poderia, em tese, apresentar uma Aime. No entanto, Silvana Batini lembra que o TSE reagiu duramente às primeiras tentativas da sigla de levantar suspeitas sem provas sobre o pleito. Isso, na sua avaliação, pode dissuadir mais iniciativas nesse sentido. A professora se refere ao requerimento feito pelo PL em novembro para que a Corte verificasse suposta falha que impediria a rastreabilidade dos modelos antigos de urnas eletrônicas usadas no segundo turno. Devido a esse suposto problema, o partido queria que fossem anulados 59% dos votos. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, respondeu ao pedido dando 24 horas para que o PL incluísse no seu questionamento também a votação do primeiro turno, já que as urnas usadas eram as mesmas. No entanto, o partido, que elegeu governadores, senadores e 99 deputados federais no primeiro turno, manteve o questionamento apenas do resultado do segundo turno. Depois disso, Moraes multou o PL em R$ 22,9 milhões e determinou abertura de investigação contra o presidente da sigla, Valdemar da Costa Neto. A justificativa do ministro foi que teria havido litigância de má-fé no requerimento, ou seja, a Justiça teria sido acionada de forma irresponsável pelo partido. O presidente do TSE ressaltou, ainda, em sua decisão, que os argumentos do PL eram "absolutamente falsos, pois é totalmente possível a rastreabilidade das urnas eletrônicas de modelos antigos". É a primeira vez que o TSE realiza a cerimônia de diplomação em meio a temores de atos violentos por parte de grupos que não aceitam o resultado das urnas. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o policiamento será reforçado em toda região pela Polícia Militar. "Unidades especializadas da corporação, como as tropas de choque, cavalaria, operações aéreas, policiamento com cães e operações especiais, estarão no local para apoio, caso seja necessário. Além desse reforço, o local contará com segurança própria (do TSE), feita pela Polícia Judicial", informou a agência oficial de notícias do governo distrital. "O Departamento de Trânsito do DF (Detran) atuará no controle e organização do fluxo nas proximidades do tribunal. As vias nas imediações do TSE serão fechadas e protegidas por gradis. A reabertura para trânsito de veículos será feita após o término do evento e avaliação das autoridades de segurança pública", informou ainda a agência. A secretaria anunciou também que será montada ao lado do TSE a Cidade da Segurança, uma estrutura que servirá de apoio aos agentes de segurança que atuaram na região. No início do mês, Alexandre de Moraes determinou a prisão do empresário Milton Baldin, após ele incitar que pessoas com porte legal de arma — os colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (CACs) — fossem a Brasília para resistir à diplomação de Lula. O chamado golpista de Baldin ocorreu em frente ao Quartel-Geral do Exército, em Brasília, onde apoiadores de Bolsonaro têm se reunido para pedir que os militares impeçam a posse do presidente eleito. Atos semelhantes têm se repetido em dezenas de cidades do país, em frente a quartéis ou outras áreas militares. "E queria também pedir aos CACs, os atiradores, que têm armas legais, hoje nós somos, inclusive eu, 900 mil atiradores, venham aqui mostrar presença", disse Baldin, segundo vídeo que registrou sua fala. "Se nós perdermos esta batalha, o que vocês acham que vai acontecer dia 19? Vão entregar as armas? Aí o que eles vão falar? Perdeu, mané. E como nós vamos nos defender? Defender a nossa propriedade e a nossa família?", diz ainda na gravação, em referência ao prazo final para a cerimônia de diplomação, dia 19 de dezembro. Não há qualquer evidência de que os militares apoiariam uma tentativa violenta de impedir a posse de Lula. Por outro lado, as Forças Armadas têm dado declarações ambíguas, legitimando o questionamento das urnas. Em uma nota conjunta divulgada em novembro, por exemplo, os comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica afirmaram o seguinte: "Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que "Dele" emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação". Críticos da atuação das Forças Armadas avaliam que há uma interferência indevida dos militares em questões políticas e que as declarações que legitimam os atos antidemocráticos teriam objetivo de manter os manifestantes mobilizados como forma de pressão sobre o futuro governo.
2022-12-12
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63925130
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Brasil fora da Copa: existe jeito 'bonito' ou 'correto' de lidar com derrotas?
O Brasil foi eliminado da Copa do Mundo de 2022 após perder para a Croácia nas quartas de final nesta sexta-feira (9/12). No decorrer do jogo, as equipes empataram em 1 a 1 durante a prorrogação, o que fez com que o resultado precisasse ser decidido nos pênaltis. Para a seleção, o momento pós-derrota foi de choro e lamentações, com abraços entre os jogadores e atletas deitados no chão angustiados pelo resultado. O técnico Tite, conhecido por motivar sua equipe e ser um bom comunicador, foi criticado por deixar o time sozinho em campo após a derrota e seguir para o vestiário — as críticas se espalharam por redes sociais, mas também partiram de personalidades como o narrador Galvão Bueno. "Eu sempre elogio as atitudes do Tite, mas essa é de ir para o vestiário e deixar os jogadores em campo não está correto. São todos um time! O Tite não poderia ter se retirado para o vestiário. Me desculpe, Tite", disse o narrador da Rede Globo. Fim do Matérias recomendadas Foram os adversários croatas que tomaram a iniciativa de consolar os brasileiros. O treinador se justificou em declaração dada horas depois do jogo, afirmando que desceu ao vestiário por ser "um cara mais reservado". A psicanalista e coach Karla Pierri disse à BBC News Brasil que o técnico, assim como o time, sofre com a derrota, mas o ideal é que ele siga próximo, de braços e ouvidos abertos. "Como técnico, como um homem experiente, um líder, o Tite poderia permanecer em campo, sendo um exemplo. O que se espera de um líder, de um gestor, é que ele esteja firme e possa ajudar o time a lidar com as frustrações", afirma. "Por isso é tão difícil ser um bom líder, pois você precisa limitar sua própria frustração para estar disponível e ajudar a equipe. Depois ele pode chorar, tentar extravasar de alguma forma. Estamos falando de equilíbrio, de preparo mental para situações difíceis, de experiência em administrar emoções." Já Thiago Silva, capitão da seleção brasileira, chorou sentado na bola quando o Brasil levou a goleada de 7 a 1 da Alemanha na Copa de 2014, mas hoje mostrou uma postura diferente, deixando o abatimento de lado para dar entrevistas com postura firme logo após o encerramento da partida. Para Karla Pierri, o capitão demostrou amadurecimento e se colocou em uma posição de liderança, na ausência do treinador. "Foi uma boa postura diante dos jogadores mais novos. Mas se a escolha dele tivesse sido chorar, como na última Copa, está tudo bem também. Foi a maneira que ele encontrou de lidar com a derrota.Como jogador, ele até poderia se isolar. Já sobre o Tite, o papel dele é outro, por isso a postura dele não foi adequada", disse à reportagem. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast O campo psicológico de cada indivíduo é extremamente particular, o que faz com que cada um reaja de um jeito diferente a partir de suas características pessoais, experiências e expectativas. Mas do ponto de vista de uma postura de liderança, Claudinei Elias, especialista em alta gestão para liderança na Yale School of Management, aponta que há, sim, comportamentos considerados mais corretos ou "honrosos". "Após uma grande perda, seja uma partida como o caso da seleção, na vida pessoal ou em uma empresa, a primeira coisa é admitir, com dignidade, que houve a derrota. A atitude do Thiago foi nobre e de muita coragem." "Quando há um nível de cobrança extremamente alto não alcançar resultados esperados o próximo passo é tirar valor dessas derrotas para usar a experiência para criar uma nova estratégia. Seja na seleção brasileira ou ao perder um grande cliente da sua empresa, por exemplo", aponta Elias, que é CEO e fundador da Bravo GRC empresa de tecnologia e consultoria. O papel do líder em um momento de lamentação como o vivido pelo time, na avaliação de Elias, é de extrema importância. "O líder não pode só estar presente nas vitórias. Em tristezas, desafios, riscos, é quando o líder tem que estar ainda mais firme, cuidar do seu time. A grande questão nesse caso é cuidar da moral do time, já que essa equipe vai precisar se reunir de novo e terá que estar com a mente preparada."
2022-12-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63923974
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Quem é José Múcio, o 'outsider' escolhido por Lula para ministro da Defesa
José Múcio Monteiro Filho (PTB) será o ministro da Defesa do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Será o primeiro civil a ocupar o cargo em quase cinco anos. A escolha já vinha sendo anunciada pela imprensa e foi confirmada por Lula na sexta-feira (9/12). O presidente-eleito também anunciou os titulares da Fazenda (Fernando Haddad, PT), da Justiça (Flávio Dino, PSB), da Casa Civil (Rui Costa, PT) e das Relações Exteriores (o diplomata Mauro Vieira). Múcio pode ser considerado um outsider da Defesa, porque não fez carreira na área. É um político experiente - foi deputado e, inclusive, ministro de Lula - e dialoga com civis e militares, conservadores e progressistas. Ele diz que se dedicou a "construir pontes". Fim do Matérias recomendadas Ele assume o cargo em um momento em que Lula terá desafios na Defesa no Brasil e no exterior. Múcio é formado em Engenharia Civil e hoje trabalha como consultor, mas ele fez antes uma longa carreira na política. Começou em 1975, como vice-prefeito de Rio Formoso (PE) e, depois, foi prefeito. Trabalhou como secretário no governo pernambucano e na Prefeitura de Recife. Em 1991, elegeu-se deputado federal por Pernambuco e ficou no Congresso por cinco mandatos seguidos. Antes de se filiar ao PTB, em 2003, passou pelo PSDB, o PFL (hoje, União Brasil), o antigo PDS e o Arena, partido ligado ao regime militar. Deixou a Câmara em 2007 para ser ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais de Lula e, em 2009, foi indicado pelo petista para o Tribunal de Contas da União. Ele presidiu o tribunal nos dois últimos anos antes de se aposentar, em dezembro de 2020. "Busquei, incessantemente, ao longo desses anos e durante toda minha vida, construir pontes, pois considero que as melhores soluções são resultantes da soma dos diversos pontos de vista", discursou Múcio ao deixar o TCU. Múcio abriu uma consultoria de gestão empresarial e faz "engenharia política" para seus clientes. "Eu uso meu network de 40, 50 anos de política e abro portas, marco para a pessoa ser recebida", disse Múcio ao jornal O Estado de S. Paulo. Agora, aos 74 anos, Múcio voltará à vida pública, novamente como ministro de Lula. O anúncio do futuro ministério seria feito só depois da diplomação do presidente-eleito, em 12 de dezembro. Mas Lula foi cobrado para que divulgasse logo quem estará no governo e adiantou indicações consideradas certas - a de Múcio foi uma delas. O anúncio ocorre diante da possibilidade, noticiada pela imprensa e não confirmada pelas Forças Armadas, de que a transmissão dos três comandos militares seja antecipada para antes da posse. Lula terá com Múcio mais uma vez um civil à frente da Defesa, como em seus outros governos. Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) colocaram militares no cargo. Múcio é considerado alguém com bom trânsito nas Forças Armadas. O vice-presidente, o general Hamilton Mourão (Republicanos), disse ter "muito apreço" por ele em entrevistas recentes e afirmou que seu nome tem "boa aceitação" entre os militares. O comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, disse que Múcio é uma "pessoa inteligente e ponderada, com quem tivemos ótimas relações em suas funções passadas". Bolsonaro também já rasgou elogios a ele. "Eu sou apaixonado por você, José Múcio", disse o presidente na cerimônia de despedida do ministro do TCU e abriu as portas do governo. "Se a saudade lhe bater, venha para cá." Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Mariana Kalil, professora da Escola Superior de Guerra do Ministério da Defesa, avalia que a indicação de Múcio frustrou expectativas de que a pasta ficaria com alguém da área. "É uma surpresa porque, diferentemente da época de governos anteriores, como os de Fernando Henrique Cardoso e Lula, o Brasil tem hoje grandes especialistas civis que também têm trânsito entre militares e as diferentes pontas do espectro político que poderiam exercer o cargo", diz Kalil. A lógica política prevaleceu, afirma a pesquisadora, ao Lula entender que precisaria de alguém com as características de Múcio para o cargo. "Lula é um conciliador e faz todo sentido, por ser alguém que vai ter o papel de estabelecer com destreza um diálogo com setores que Lula percebe que podem ser resistência ao governo. Ele está pensando em sua sobrevivência política." Adriana Marques, professora do curso de Defesa e Gestão Estratégica Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), critica o fato da equipe de transição não ter anunciado até agora um grupo temático da área. "Parece que o Ministério da Defesa está sendo tratado de uma forma diferente. Que a política de defesa não é uma política pública e não merece uma discussão mais ampla da sociedade. A coisa começa torta", afirma. A professora diz ser mais importante discutir a política que Múcio irá implantar. "Há uma ideia equivocada que se sustenta há décadas de que o ministro da Defesa é o representante das Forças Armadas no governo, mas não é", afirma Marques. "Por exemplo, os documentos da Defesa produzidos nos últimos anos foram feitos sem participação e diálogo da sociedade civil. Ser ministro não é só chegar lá e implementar o que dizem os militares." O ministro é o responsável do governo pela execução da política de Defesa, reforça a pesquisadora. "Se continuar com essa visão de que o ministro está lá para atender as demandas dos militares, tanto faz ser civil ou militar, nada vai avançar." À frente da Defesa, Múcio terá que reafirmar o controle civil sobre as Forças Armadas, diz Kalil. "É um desafio, porque o ministério foi tradicionalmente povoado por militares da reserva e da ativa e foi chefiado por militares. Ele terá que reestabelecer que a política de Defesa do Brasil virá dos civis do governo, como é feito em uma democracia", afirma. No governo Bolsonaro, houve uma "sobreposição" entre civis e militares, diz Kalil: "Tudo ficou tudo mais confuso". Lula também precisará de um bom diálogo com as Forças Armadas se for cumprir a promessa de desmilitarizar o governo, após oficiais assumirem ministérios e milhares de cargos com Bolsonaro. O novo ministro deve ainda rediscutir o papel das Forças Armadas em atividades que não são militares, diz Marques. Ela dá como exemplos o apoio a atletas de alto rendimento, o programa de desenvolvimento econômico e social Calha Norte e as escolas cívico-militares. "O Ministério da Defesa precisa cuidar de questões de Defesa e dar apoio à política externa, para aperfeiçoar sua articulação, um processo que foi iniciado pelo Nelson Jobim (no governo Lula) e que o Celso Amorim deu continuidade, mas depois se rompeu", afirma Marques. Múcio precisará reconstruir a liderança regional do Brasil após uma "retração" do país sob Bolsonaro, , avalia Kalil, e do crescimento da influência de Rússia, China e Estados Unidos na América do Sul. A pesquisadora cita como exemplo desta retração a saída do Brasil da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) em 2019. "Quando o Brasil se retira de campo, deixa um vazio e abre espaço para que potências extrarregionais estabeleçam dinâmicas próprias em âmbito militar e de defesa, e isso dificulta que o país se movimente como o grande ofertante de soluções na região", afirma. Mas ela diz que enxerga um cenário internacional favorável para Múcio e Lula porque, para os Estados Unidos, um Brasil mais influente pode ser um contraponto a Rússia e China. Também há, neste momento, governos de esquerda à frente de vários países da região. "Quando governos assim estiveram juntos no poder, eles convergiram em política externa e criaram instituições regionais. É um momento oportuno para retomar relações mais próximas."
2022-12-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63912906
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'Me endividei em R$ 40 mil por bolsa de doutorado', diz pesquisador que aguarda pagamento da Capes
As incertezas quanto ao pagamento das bolsas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) "caíram como uma bomba" na vida do pesquisador Raphael Anacleto Martins Pires de Oliveira, 31, que em poucos dias embarca para a Dinamarca para um doutorado-sanduíche de seis meses na Universidade Técnica Dinamarquesa (DTU). Raphael havia passado em um edital da Capes em setembro e em seguida se endividou no cartão de crédito em R$ 40 mil para bancar visto, passagem aérea e acomodação no país europeu, enquanto esperava chegar o financiamento do governo federal brasileiro para repor parte desses gastos. Depois da comoção causada pelos cortes e de o ministro Dias Toffoli (Supremo Tribunal Federal) dar 72 horas para o governo federal explicar a retenção, o ministro da Educação, Victor Godoy, declarou na quinta-feira (8/12) que "o pagamento das 200 mil bolsas do Capes está garantido" e ocorrerá até a próxima terça (13/12). Godoy afirmou que, graças a articulações com o Ministério da Economia e Casa Civil, conseguirá R$ 460 milhões para o MEC ,sendo R$ 210 milhões para a Capes. Fim do Matérias recomendadas Raphael diz que, oficialmente, ainda não recebeu nenhuma confirmação da Capes sobre quando receberá os recursos da sua bolsa. Em grupos nas redes sociais, ele diz que outros bolsistas como ele estão à espera de definições, em especial os que já estão estudando no exterior e dependem dos recursos do governo brasileiro para se manter ou para regressar ao Brasil. "Tem muitos relatos de gente que está no exterior e sem dinheiro para comprar a passagem de volta. Tem muita gente desesperada, falando que só chora, que já tem dono do imóvel cobrando (o aluguel atrasado). E como você não pode ter nenhum vínculo empregatício (enquanto usufrui da bolsa da Capes), você não tem dinheiro sobrando", explica. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Raphael cursa doutorado em engenharia de materiais, em um projeto do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), da USP, com a Universidade Federal do ABC. Ele participa de pesquisas para transformar gás metano em combustíveis. A trajetória de Raphael desde a graduação se mescla com uma série de cortes orçamentários e crises políticas brasileiras. "Fiz graduação em engenharia mecânica esperando ir para o mercado de trabalho, mas foi bem na época da crise econômica do fim do governo Dilma Rousseff. Aproveitei para ir para a academia e consegui entrar no mestrado em engenharia de materiais na Poli (Escola Politécnica da USP)". Mas, ao concluir o mestrado e passar em uma bolsa de doutorado na mesma área, em 2019, acabou afetado pelo contingenciamento de recursos promovido pelo então ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro, Abraham Weintraub. Tentou a sorte no mercado de trabalho por um curto período, até conseguir, em 2020, uma bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para seu doutorado atual. A bolsa que vigora até este mês de dezembro, quando seria substituída pela bolsa do doutorado na Dinamarca. Raphael ganha até o momento R$ 2,2 mil por mês com dedicação exclusiva - ele e outros bolsistas de pós-graduação pleiteiam atualizações no valor das bolsas de pós-graduação, que não é reajustado desde 2013. Ele consegue se manter com o dinheiro porque mora com os pais e faz bicos de trabalho com computadores. "E olha que, apesar dessa defasagem, a minha área, de energia, é onde tem mais dinheiro", diz ele. "Essa minha bolsa atual, por exemplo, não está mais disponível para a galera de Humanas. É (um ambiente) muito difícil. Eu só migrei para essa área energética porque até mesmo no Brasil há empresas tentando novos tipos de combustível, porque o futuro pede." Enquanto aguardava uma definição da Capes, Raphael começou a se mobilizar. Está em consulta com advogados quanto à possibilidade de entrar na Justiça contra o governo federal, em conjunto com outros bolsistas. Também fez contato com a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), que integra a equipe de transição do futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva na área de educação. "Estou recebendo diversos relatos de pesquisadores", disse a deputada na Câmara, ao mencionar a história de Raphael, horas depois de os cortes serem anunciados, em 6 de dezembro. "São pessoas que escolheram dedicar sua vida à ciência e ao desenvolvimento social e econômico do nosso país, e no momento estão completamente desamparadas. A culpa desse corte de recursos fica na conta do orçamento secreto, na conta do financiamento da campanha do presidente Bolsonaro, e é muito importante que a gente não deixe isso morrer." Raphael diz que entrou em contato com a deputada na esperança de que, pelo gabinete de transição, conseguisse alguma informação sobre as bolsas. Sua namorada, que também passou no mesmo projeto de pesquisa e na mesma bolsa, já recebeu parte dos recursos da Capes, então o casal tem como se manter na Dinamarca no primeiro mês. Depois, chegará a hora de pagar os valores que Raphael parcelou no cartão de crédito. Se o dinheiro da bolsa dele não chegar a tempo, Raphael cogita acionar amigos e parentes ou fazer uma vaquinha online. "Vou pedir ajuda, porque não quero desistir, não."
2022-12-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63917957
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'Não sei como vou comer': o atraso das bolsas que deixa pesquisadores sem dinheiro
"Na minha despensa, tenho um pacote de macarrão, milho de pipoca, açúcar e café. Eu estava esperando a bolsa ser paga para comprar comida. Agora, não sei como vou comer nos próximos dias". O relato acima é da mestranda e pesquisadora em biologia molecular Luane Tomé de Paula Campos, 25, da Universidade de Brasília (UnB). Sua bolsa de R$ 1,5 mil deveria ter sido paga no início do mês, mas devido a cortes no orçamento do Ministério da Educação (MEC), ela se tornou uma das mais de 200 mil bolsistas que estão com seus pagamentos atrasados. A bolsa de Luane é paga pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), um órgão vinculado ao MEC. Na terça-feira (6/12), a Capes divulgou uma nota informando que não teria condições de pagar os bolsistas porque a equipe econômica do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) zerou os recursos disponíveis para desembolsos da pasta neste mês. O atraso no pagamento das bolsas acontece em meio a um corte de R$ 1,7 bilhão no orçamento do MEC feito pelo governo. O argumento para os bloqueios era a necessidade de adequar as despesas ao teto de gastos. Nesta semana, o governo liberou R$ 300 milhões para a pasta, mas entidades que atuam na causa da educação estimam que o MEC precisaria de pelo menos R$ 1,1 bilhão só para o pagamento de despesas em aberto de universidades federais. Após protestos de estudantes, o ministro da Educação, Victor Godoy, anunciou nesta quinta-feira (8/12) que o governo havia liberado mais R$ 460 milhões para o MEC e prometeu que o pagamento das bolsas da Capes seria feito na semana que vem. Fim do Matérias recomendadas O atraso no pagamento das bolsas, porém, pegou milhares de pesquisadores em todo o Brasil e no exterior de surpresa. Como, em geral, os bolsistas não podem ter outras fontes de renda fixa, muitos se viram em situação de vulnerabilidade "Eu sou a primeira mulher da minha família a entrar em uma universidade federal. Desde a graduação, sempre precisei de auxílio financeiro e me engajei em projetos para conseguir algum dinheiro. Eu moro sozinha e a bolsa é minha única fonte de renda. Tem dois dias que eu não consigo dormir direito", conta Luane, que mora em um pequeno apartamento alugado em Planaltina, uma cidade-satélite no entorno de Brasília. A pesquisadora atua em um projeto que tenta descobrir novos processos químicos para o beneficiamento do jeans. Outra bolsista da Capes afetada pelo atraso é a colombiana Maria Camila Acero Castillo, de 27 anos. Ela faz doutorado em biologia molecular, também na UnB. Por mês, ela recebe R$ 2,2 mil. Para dividir as despesas, ela se juntou a outras duas estudantes estrangeiras para alugar um apartamento em Águas Claras, uma região administrativa de Brasília. Ela conta que começou a semana aguardando o pagamento da bolsa para pagar sua parte no aluguel e nas demais contas da casa, mas o dinheiro simplesmente não chegou. "A gente está com o aluguel, luz e outras contas atrasadas. Nós falamos com a dona do imóvel. Ela entendeu, mas é uma situação muito instável. Estou no Brasil há três anos e esse é o pior momento que vivi desde que cheguei", lamenta Maria. A cientista pesquisa um novo modelo de tratamento para a epilepsia em pacientes que apresentam resistência biológica aos medicamentos já existentes. Os cortes orçamentários na área da educação não afetaram apenas os estudantes de pós-graduação. Alunos da graduação em situação de vulnerabilidade também estão sofrendo com a suspensão do pagamento de auxílios e benefícios considerados vitais para a manutenção deles dentro das universidades. Em alguns casos, esses benefícios garantem a própria segurança alimentar de alguns estudantes. É o caso da estudante Esther Sales, aluna do curso de Biologia, na UnB. Mulher e negra, ela vive com a mãe em uma casa em São Sebastião, uma cidade-satélite na periferia de Brasília. Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast Ela recebe R$ 465 por mês de um programa da UnB para auxiliar alunos em situação de vulnerabilidade a permanecerem no Ensino Superior. Esther diz que sua mãe não pode trabalhar por problemas de saúde e que o dinheiro que recebe ajuda a complementar a renda da família. Neste mês, porém, a universidade anunciou que não poderia manter o pagamento por conta dos cortes orçamentários impostos pelo governo federal. Em uma nota oficial publicada na segunda-feira (5/12), a UnB disse que o último corte de R$ 17 milhões no orçamento do órgão feito pelo governo federal impede o pagamento de auxílios, contratos e pode comprometer até mesmo o funcionamento do restaurante universitário. A UnB classificou a situação como "insustentável". No laboratório onde estuda, Esther diz estar desesperada. "Sem esse dinheiro, eu não consigo comprar comida e nem meus remédios. Preciso tomar medicamentos controlados pois tenho TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade). Sem esses remédios, eu não rendo nas aulas. A sensação é de desespero", conta. Esther diz que desde que seu benefício foi cortado, ela reduziu a quantidade de alimentos que ingere todos os dias. "Agora, eu só me alimento quando vou no restaurante universitário. Tomo café, almoço e janto lá. Não tenho mais condições de tomar um lanche no meio das refeições. Meu maior medo é fecharem o restaurante", afirma. Aparentando tristeza com a situação, Esther disse que vai tentar resistir até onde conseguir. "Eu fui a primeira mulher da minha família a chegar no ensino superior, mas não quero ser a última", disse. Os cortes nas bolsas não afetaram apenas estudantes que vivem no Brasil. Segundo a Associação Nacional de Pós-Graduados (ANPG), há relatos de pelo menos 100 estudantes brasileiros fazendo parte dos seus estudos fora do país e que tiveram suas bolsas suspensas. O doutorando Anderson Keity Ueno, que estuda biologia química na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), está em Reims, na França, onde atua como pesquisadora e recebe uma bolsa da Capes no valor de 1,3 mil euros. Longe de casa, da família e com a bolsa atrasada, Anderson diz se sentir "anestesiado" e que já começou a pensar em alternativas para sobreviver ao atraso. "Eu estou anestesiado porque me custa acreditar que essa situação aconteceu [...] Se até o final da semana que vem não cair (o dinheiro na conta) cogito em pedir algum tipo de empréstimo ou conversar com a gerente da residência sobre o uso do caução.", diz. Para o presidente da ANPG, Vinícius Soares, o atraso nas bolsas da Capes é uma "quebra de contrato". "O não pagamento é uma quebra de contrato com esses estudantes. Para muitas famílias, as bolsas são as únicas fontes de renda da família. Esse atraso coloca milhares de famílias inteiras em todo o Brasil e fora em situação de vulnerabilidade", afirma Soares. Nos últimos dias, a Capes se manifestou sobre os cortes por meio de uma nota. Segundo ela, o atraso é decorrente de um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da economia Paulo Guedes que impediu o pagamento das bolsas. "A Capes foi surpreendida com a edição do Decreto n° 11.269, de 30 de novembro de 2022, que zerou por completo a autorização para desembolsos financeiros durante o mês de dezembro [...] o que a impedirá de honrar os compromissos por ela assumidos, desde a manutenção administrativa da entidade até o pagamento das mais de 200 mil bolsas", diz um trecho da nota. Também por meio de nota, a UnB se manifestou sobre os cortes em seu orçamento no início desta semana. "A situação financeira da UnB e das demais universidades federais já era dramática desde o início de 2022, piorou com o corte de 7,2% feito pelo governo federal no mês de junho (R$ 18 milhões só na UnB) e, agora, torna-se insustentável", disse o órgão. A BBC News Brasil enviou questionamentos ao MEC que, até o momento, não enviou respostas. Procurada, a UnB informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que as bolsas de assistência estudantil como a recebida por Esther Sales foram pagas nesta quinta-feira. Ainda de acordo com a nota, os serviços que foram prejudicados pelos cortes orçamentários foram o pagamento de bolsas, de serviços terceirizados, água, luz e contratos do restaurante universitário.
2022-12-09
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63912014
brasil
PEC da Transição: como medida para garantir Auxílio Brasil poderá custear saúde e também abastecer orçamento secreto
O Senado aprovou em dois turnos, nesta quarta-feira (07/12), a chamada PEC (proposta de emenda constitucional) da Transição. Foram 64 votos favoráveis nas duas etapas (16 contrários no primeiro turno e 13 contrários no segundo). O texto agora segue para votação na Câmara dos Deputados. A medida ganhou o apelido de "PEC da Transição" porque vem sendo desenhada por aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e é considerada vital para cumprir uma das principais promessas de campanha de Lula: o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023. Na terça-feira (06), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado havia aprovado o relatório da PEC que está em votação no plenário das casas legislativas. Mas a matemática que deputados e senadores estão debatendo não se limita apenas a reservar dinheiro para pagar o benefício.  Se a PEC for aprovada conforme o relatório que passou pela CCJ, o novo governo terá à sua disposição, além dos estimados R$ 145 bilhões para o Auxílio Brasil, um valor aproximado de R$ 75 bilhões que ele poderá destinar a programas e projetos considerados estratégicos. Esses R$ 75 bilhões são referentes ao orçamento inicialmente programado para atender o Auxílio Brasil e que estariam sujeitos ao teto de gastos. Parte desse dinheiro poderá, inclusive, ser destinado a alimentar o "orçamento secreto", termo usado para designar as emendas parlamentares do relator-geral do Orçamento da União.  Fim do Matérias recomendadas Segundo críticos, elas foram usadas para garantir apoio parlamentar ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Na campanha eleitoral, Lula prometeu tentar acabar com este tipo de emenda. O nome "orçamento secreto" se deve à pouca transparência sobre os reais autores das emendas.  Políticos e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que programas como o Farmácia Popular e o pagamento de despesas em outras áreas da saúde e da educação deverão receber a maior parte desses recursos, mas não descartam que esse dinheiro poderá, sim, abastecer o "orçamento secreto".  Antes de passar às principais áreas que poderão ser beneficiadas com esses recursos, confira como está a discussão sobre a PEC da Transição.  O relatório aprovado na terça-feira pela CCJ do Senado prevê uma ampliação do teto de gastos de até R$ 168,9 bilhões para os anos de 2023 e 2024.  Desse total, R$ 145 bilhões serão destinados ao pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e  um bônus de R$ 150 para cada família com criança de até seis anos de idade.  O restante, R$ 23,9 bilhões, seriam destinados a despesas relativas a investimentos.  O texto aprovado é diferente do que foi proposto pela equipe de transição em diversos pontos. As principais mudanças são: A PEC da Transição é considerada estratégica para o novo governo Lula porque permite que ele cumpra a promessa de manter o valor do Auxílio Brasil sem violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia gerar eventuais pedidos de impeachment.  Podcast traz áudios com reportagens selecionadas. Episódios Fim do Podcast A economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Carla Beni diz que, ao ampliar o teto de gastos e permitir que o novo governo destine até R$ 145 bilhões para o Auxílio Brasil, haverá uma "folga" de pelo menos R$ 75 bilhões no orçamento que o novo governo poderá usar com outras despesas.  O líder do PT na Câmara dos Deputados, Reginaldo Lopes (MG), disse à BBC News Brasil que as principais áreas que receberão esses recursos são: educação, saúde e infraestrutura. Segundo ele, a estimativa do novo governo é de que o dinheiro seja dividido da seguinte forma: Educação - R$ 12 bilhões  Saúde - R$ 14,8 bilhões Reajuste do salário mínimo acima da inflação - R$ 9 bilhões Infraestrutura - R$ 15 bilhões Moradia (programa Minha Casa Minha Vida) - R$ 6 bilhões Merenda escolar, composição de estoques de alimentos e assentamentos - R$ 3 bilhões  Cultura - R$ 3,8 bilhões Cirurgias eletivas - R$ 8 bilhões No total, os valores citados por Lopes somam R$ 71,6 bilhões.  "O restante do dinheiro vai ser usado para recompor o orçamento de ministérios e dar continuidade a outros projetos que o governo considerar importante", disse o deputado.  Carla Beni disse que uma das principais alterações feitas à proposta original é a que permite que o atual governo possa se beneficiar da ampliação do teto de gastos.  Isso poderá acontecer porque o texto aprovado pela CCJ determina que a atual administração possa utilizar até R$ 23,9 bilhões referentes a excesso de arrecadação para custear investimentos. Essa brecha, diz a professora, possibilita que o atual governo tenha dinheiro para pagar as emendas do "orçamento secreto" que poderiam não ser pagas por falta de espaço orçamentário.  "O texto da PEC permite que esses recursos possam ser destinados ao orçamento secreto. É uma ironia, sim, porque se trata de um texto desenhado pela equipe de transição, mas que para ser aprovado, precisou ser alterado. Política, sem carga pejorativa, é assim", disse a professora.  Reginaldo Lopes admite que se o texto votado pela CCJ for promulgado, o governo Bolsonaro poderá, sim, pagar emendas do orçamento secreto. Segundo ele, no entanto, esse pagamento não poderia ser atribuído ao novo governo Lula.  "É Bolsonaro quem está no governo. Ele é que vai decidir como gastar o dinheiro. Essa conta não é nossa", disse.  Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto, a possibilidade de que a PEC da Transição possa abrir uma brecha para que emendas do orçamento secreto sejam pagas pelo governo Bolsonaro é resultado do processo de negociação política.  "Política implica em você fazer concessões. O governo eleito entendeu que a PEC é importante para os próximos anos e seus aliados fizeram uma concessão. Quando você tem um objetivo considerado mais importante no radar, às vezes, você precisa ceder", disse o professor.  O pagamento das emendas do orçamento secreto ainda deverá depender de um julgamento iniciado nesta quarta-feira (07) no Supremo Tribunal Federal (STF). Trata-se de uma ação movida pela oposição ao governo Bolsonaro e que pede o fim do pagamento das emendas.  Depois de ser aprovada em dois turnos pelo Senado, a PEC da Transição ainda precisa ser aprovada em dois turnos pelo plenário da Câmara, com pelo menos três quintos dos votos em cada uma das votações. Se o texto for aprovado, ele segue para a promulgação. Por ser uma PEC, não é necessária a sanção presidencial. Os planos do governo eleito e de seus aliados no Congresso Nacional é que a PEC seja promulgada até o dia 16 de dezembro.
2022-12-07
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63886712